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Som Saruê: O poeta e o Reino Encantado Na terra de Som Saruê Tem coisa de adimirá. (Folclore Sergipano) Vi cerca de queijo e prata E lagoa de coalhada. (Leandro Gomes de Barros: Uma viagem ao céu) Lá os tijolos das casas são de cristal e marfim. (Manoel Camilo dos Santos: Viagem a São Saruê) Existem dezenas de estudos, análises, críticas, ensaios e comentários, esmiuçando o universo contido no pequeno folheto de Manoel Camilo dos Santos "Viagem a São Saruê". É mesmo um folhetinho, pequeno de tamanho, mas suficientemente vigoroso e consagrador a ponto de destacar o poeta paraibano de seus contemporâneos. Ao invés de sair a campo queimando pestana em busca de tais estudos, na procura de alguma luz que ilumine esse misterioso encantamento que possui o folheto, optei por uma penetração no próprio território de São Saruê e eis-me tal Alice no país das maravilhas ou Fernão de Magalhães em busca da passagem secreta entre os Oceanos Atlântico e Pacífico. A verdade que ninguém pode impunemente conhecer a história de São Saruê tal como Manoel Camilo dos Santos narrou e sair ileso da aventura que é descobrir, percorrer e se deslumbrar com a cidade mágica e encantada. O folheto maravilhou a néscios e intelectuais, tanta é a força criadora da imaginação semeada nas pequenas páginas do livrinho. Mas, segundo o próprio poeta, este não é o seu melhor romance. Ou não era... Mas o poema caiu de tal maneira no gosto dos leitores mais ainda no gosto dos eruditos que se deleitam com a poesia de cordel, que acabou por celebrizar o autor, notabilizando-o pelas dezenas de outros folhetos de sua autoria, de igual qualidade, mas que passaram despercebidos. Manoel Camilo dos Santos, nascido no dia 9/07/1905 em Guarabira (PB), aos 24 anos foi morar em João Pessoa, onde vivia da profissão de cantador de viola. Na década de 1940 começou a escrever e vender seus folhetos. Depois foi para Campina Grande-PB, onde montou a famosa folhetaria “Estrella da Poesia”, com a qual se fixou na Literatura de Cordel. É este o retrato do autor do romance “Viagem a São Saruê”, cuja influência mais notória foi a leitura de “Uma viagem ao céu”, de Leandro Gomes de Barros. Além da sua obra, Manoel Camilo dos Santos foi editor de João Melchíades Ferreira (de quem adquiriu todas as obras) e lançou novos nomes como Manoel Pereira Sobrinho, Cícero Vieira da Silva “Mocó” e Manoel Monteiro, entre outros.

O Poeta e o Reino Encantado

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O Reino de São Saruê na poesia popular.

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  • Som Saru: O poeta e o Reino Encantado Na terra de Som Saru Tem coisa de adimir. (Folclore Sergipano)

    Vi cerca de queijo e prata E lagoa de coalhada. (Leandro Gomes de Barros: Uma viagem ao cu) L os tijolos das casas so de cristal e marfim. (Manoel Camilo dos Santos: Viagem a So Saru)

    Existem dezenas de estudos, anlises, crticas, ensaios e comentrios,

    esmiuando o universo contido no pequeno folheto de Manoel Camilo dos Santos "Viagem a So Saru". mesmo um folhetinho, pequeno de tamanho, mas suficientemente vigoroso e consagrador a ponto de destacar o poeta paraibano de seus contemporneos.

    Ao invs de sair a campo queimando pestana em busca de tais estudos, na procura de alguma luz que ilumine esse misterioso encantamento que possui o folheto, optei por uma penetrao no prprio territrio de So Saru e eis-me tal Alice no pas das maravilhas ou Ferno de Magalhes em busca da passagem secreta entre os Oceanos Atlntico e Pacfico.

    A verdade que ningum pode impunemente conhecer a histria de So Saru tal como Manoel Camilo dos Santos narrou e sair ileso da aventura que descobrir, percorrer e se deslumbrar com a cidade mgica e encantada. O folheto maravilhou a nscios e intelectuais, tanta a fora criadora da imaginao semeada nas pequenas pginas do livrinho.

    Mas, segundo o prprio poeta, este no o seu melhor romance. Ou no era... Mas o poema caiu de tal maneira no gosto dos leitores mais ainda no gosto dos eruditos que se deleitam com a poesia de cordel, que acabou por celebrizar o autor, notabilizando-o pelas dezenas de outros folhetos de sua autoria, de igual qualidade, mas que passaram despercebidos.

    Manoel Camilo dos Santos, nascido no dia 9/07/1905 em Guarabira (PB), aos 24 anos foi morar em Joo Pessoa, onde vivia da profisso de cantador de viola. Na dcada de 1940 comeou a escrever e vender seus folhetos. Depois foi para Campina Grande-PB, onde montou a famosa folhetaria Estrella da Poesia, com a qual se fixou na Literatura de Cordel. este o retrato do autor do romance Viagem a So Saru, cuja influncia mais notria foi a leitura de Uma viagem ao cu, de Leandro Gomes de Barros.

    Alm da sua obra, Manoel Camilo dos Santos foi editor de Joo Melchades Ferreira (de quem adquiriu todas as obras) e lanou novos nomes como Manoel Pereira Sobrinho, Ccero Vieira da Silva Moc e Manoel Monteiro, entre outros.

  • Manoel Camilo dos Santos faleceu no Rio de Janeiro, no dia 9/04/1987, antes de completar 82 anos.

    Aps a morte de Camilo, o escritor e pesquisador Umberto Peregrino, amigo ntimo e admirador, criou no bairro de Santa Teresa a Casa So Saru, destinada a aglutinar todo o acervo da Literatura de Cordel no Rio de Janeiro e coletar os folhetos importados do Nordeste. A Casa So Saru servia tambm de pousada: poetas, violeiros, cantadores que chegavam ao Rio de Janeiro tinham ali um quarto, um lar, com todo conforto. O local e o acervo foram posteriormente transferidos para o poeta Gonalo Ferreira da Silva, que assim pde realizar o seu sonho maior que era criar a Academia Brasileira de Literatura de Cordel.

    Apesar de ter certa raiz folclrica, o Reino de So Saru no encontra registro em nenhum compndio conhecido, como entidade fantstica. So Saru uma das muitas cidades maravilhadas produzidas pelos crebros doa poetas da Literatura de Cordel, onde tudo ocorre por fora de encantamentos e milagres. ela a mesmssima El Dorado dos antigos desbravadores, o Reino das Amazonas onde tudo de ouro, a Terra das Esmeraldas pela qual as espadas e garruchas dos bandeirantes dizimou tribos inteiras. tambm o Pas das Maravilhas de Lewis Carroll e Alice, o Reino Encantado de Oz, qui a prpria terra prometida dos judeus errantes.

    Alguns calepinos registram em geral a expresso Saru como sinnimo de Sarar. No Nordeste tambm a "espiga de milho que nasce com poucos gros". Saru, Sarigueia ou Sarigu o marsupial, conhecido por alguns por Mucura e por outros erroneamente, a meu ver por Gamb.

    Saru tambm a "dana em que se misturam figuras da quadrilha francesa com passos de danas sertanejas e na qual a marcao feita num misto de francs estropiado e de portugus". A expresso, dizem, corriqueira no centro-oeste ali por Gois, Mato Grosso e adjacncias. Particularmente tenho assistido desde a infncia as representaes juninas, que culminam com o casamento dos noivos durante as festas, sempre sendo chamada de quadrilha.

    E para encerrar esta digresso conto que nas leituras ainda descobri que algumas lendas indgenas citam Saru como uma coisa ou um lugar encantado, misterioso, aonde tudo que ocorre e se descreve no se acha explicao racional. Esta decerto a ideia mais aproximada da fantasia criada e elaborada com esmero por Manoel Camilo dos Santos.

    No livro "Minha Gente (Costumes de Sergipe)" de Clodomir Silva (Paulo, Pongetti & C. 1926), pequeno volume temas folclricos, deparei com alguns versos ditos pela boca de cantadores em desafio um se acompanhando da tradicional viola e o outro com um cavaquinho, pasmem! versos esses que tomam mais remota localizao da mgica cidade em que Manoel Camilo bebeu o vinho celestial da fantasia:

    "Na terra de Som Saru

  • tem coisa de admir: mui corta de machado, deixa os cambito vir; amunta nos pordo brabo, quem d sarto mort; e cond'as mui d liz, os home d de mam..."

    Portanto, a fama de lugar onde coisas maravilhosas acontecem j vem de

    longe. O prprio Manoel Camilo dos Santos confirma isso no princpio da sua histria:

    "Eu que desde pequenino sempre ouvia falar neste tal So Saru".

    Mostrando, assim, que as origens do mtico Reino de So Saru a Eldorado do

    cordelista mais longnqua do que se pensa. No volume anteriormente citado, do qual no encontrei qualquer outra referncia literria, nem do livro nem do autor, Clodomir Silva registrou tambm a resposta oitava cantada pelo desafiante, sendo que esta foi recitada em sextilha, que uma forma mais aproximada do cordel:

    "Na terra de Som Saru onde vve meus vizinho, creando cabra de leite pra sustenta bacurinho; bem nas unha dos gato adonde os rato faiz ninho."

    Pelo que se viu, a impresso que fica que sob o mote Na terra de Som Saru

    / Tem coisa de adimir muita fartura de rima pode correr pela imaginao dos poetas, ao som das violas, do pandeiro e do cavaquinho. um filo nobre pra cantador nenhum botar defeito.

    A princpio estava eu mais propenso a considerar o desafio registrado como fruto da imaginao do autor de "Minha Gente", principalmente achar fantasioso o fato de cantadores se acompanharem com cavaquinho, instrumento jamais visto em cantoria. A confiana numa "explicao introdutria" do autor, no entanto, me fez ter f nas informaes ali contidas.

    Diz a nota:

    "O que se escreve aqui fruto de observao. Pode ser defeituoso, mas verdadeiro. Representa um contingente para a compilao dos modismos de Sergipe ainda poucos conhecidos e muitos descuidados."

  • Lendo o livro "Eu Conheci Sesyom", do bigrafo e grande glosador caicoense, Francisco Amorim, refora a ideia que o cavaquinho j teve sua poca como acompanhante de cantadores:

    Mote: Jlio, Rodolfo e Macrino So necessrios na farra. Glosa: Quando a tarde toca o sino Chamando para a novena Aparecem logo em cena Jlio, Rodolfo e Macrino No sei dos trs o mais fino No cavaquinho e guitarra Digo mais, no fanfarra Contando ali ris por ris Sou franco: os trs menestris So necessrios na farra.

    Mais adiante, voltando ao Clodomir Silva, em seu livro reclama que nada se

    tem recopilado em Sergipe, depois de Sylvio Romero, o maior de todos, no culto a nosso bero e a seus costumes.

    Portanto, nada mais justo que pr f nos informes prestados no livro "Minha Gente", segundo os quais, terminada a faina diria, o pessoal se reunia no terreiro varrido de novo (recm-varrido), "espantando, ao som do cavaquinho e da viola, as canseiras de um dia de labor".

    Manoel Camilo dos Santos engrossa a fileira de famosos poetas paraibanos. Se suas razes familiares no se esticaram pelo terreno sergipano, fonte dessas antigas referncias sobre a cidade dos seus sonhos, mais provvel que o prprio Reino de So Saru, esse sim, se estenda autctone e sem fronteiras por todo o territrio nordestino.

    A fundao de cidades e lugares absurdos e comuns na de cordel. Leandro Games de Barros (nunca demais cit-lo), um exemplo desse local s na imaginao dos poetas:

    Na cidade da Caipora Perto de Tabua Lascada, Municpio da Rabugem, Freguesia de So Nada, Rua de No Sei Se H, Esquina da Sorte Minguada.

    Nesse local de difcil localizao que mora, numa vila mais longnqua ainda...

  • O visconde Cururu Baro de Cuia Quebrada, Morava na Vila Nojenta, Rua da Esfarrapada Travessa do Lagadio Na casa nmero nada. (Gosto com desgosto)

    O pequeno grande folheto de Manoel Camilo dos Santos (31 sextilhas e 2

    dcimas) tem o indiscutvel mrito de colocar a fantasiosa regio So Saru mais que uma simples vila ou cidade, tem ares de nao em definitivo no cume do folclore brasileiro, via Literatura de Cordel.

    Alis, recussemos um pouco no espao/tempo e So Saru seria no um pas, nem uma cidade, tampouco uma regio e sim um Reino, um Imprio, aquele lugar maravilhoso de antigamente que fecundou nossa imaginao quando ouvamos as histrias contadas debaixo de uma mangueira luz das lamparinas.

    A So Saru de Camilo um pas, uma cidade, uma nao. E moderna, com todos os requisitos dos sculos futuros. Sua localizao exata mais correta a prpria mente de cada leitor que folheia as 31 pginas do romance. So Saru vive na imaginao rica de quem sempre aspira um lugar assim para viver a vida tranquila que sonhou sempre e no "nas unha dos gato / adonde os rato faz ninho", como no repente sergipano citado antes.

    Embora, admita-se, nas unha dos gato seja um lugar to fantstico quanto qualquer outro, capaz de caber outra So Saru inteirinha por entre os becos e vielas...

    A viagem de Manoel Camilo dos Santos e a consequente viagem dos seus leitores inicia em obedincia ordem expressa do "Doutor mestre pensamento", que afinal ir tornar realizado o sonho do menino que um dia ouviu falar na estranhssima terra:

    Camilo v visitar o pas So Saru pois o lugar melhor que neste mundo se v.

    Mas So Saru mesmo um pas imaginrio ou fantasmagrico? Nem tanto, a

    terra existe, a cidade real, igual a tudo que "neste mundo se v". E tudo aquilo que se v no fruto da imaginao, a no ser as miragens desrticas que iludem o viajante solitrio. E ainda mais, antes mesmo de aportar em terra to fabulosa, coisas estranhssimas comeam a perturbar a viagem narrada:

    Iniciei a viagem

  • as quatro da madrugada tomei o carro da brisa passei pela alvorada junto do quebrar da barra eu vi a aurora abismada. Pela aragem matutina eu avistei bem defronte a irm da linda aurora que se banhava na fonte j o sol vinha espargindo no alm do horizonte. Surgiu o dia risonho na primavera imponente as horas passavam lentas o espao incandescente transformava a brisa mansa em um mormao dolente. Passei do carro da brisa para o carro do mormao o qual veloz penetrou no alm do grande espao nos confins do horizonte senti do dia o cansao.

    O que mais impressiona na mgica viagem que se inicia (e depois na prpria

    cidade folclrica de So Saru) so os interregnos poticos, dignos de poetas mais tradicionais, desde Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista.

    Para o poeta popular a aventura do lirismo muito perigosa porque exige alta dose de talento, conhecimento e rigor, para evitar a repetio e o vcuo piegas que costumam transformar em ridculo a criao potica. Manoel Camilo dos Santos, porm, se sai de forma estupenda das inmeras dificuldades que o texto cria a cada nova estrofe:

    Enquanto a tarde caa em mistrios e segredos a virao docilmente afagava os arvoredos os ltimos raios de sol bordavam os altos penedos. Morreu a tarde e a noite assumiu sua chefia deixei o mormao e passei

  • pro carro da neve fria vi os mistrios da noite esperando pelo dia. Ao surgir da nova aurora senti o carro pairar olhei e vi uma praia sublime de encantar o mar revolto banhando as dunas da beira mar.

    Superado esse "trnsito" tumultuoso, cheio de surpresas, eivado de figuras

    assombrosas, promessa de um mundo desconhecido, eis que surge vista a cidade de So Saru, igualmente fantstica, faiscante, luminosa:

    Avistei uma cidade como nunca vi igual toda coberta de ouro e forrada de cristal ali no existia pobre tudo rico geral. Uma barra de ouro puro servindo de placa eu vi com as letras de brilhante chegando mais perto eu li dizia: So Saru este lugar aqui.

    Os metais preciosos, as pedras de quilates insuspeitados, sempre tiveram a

    preferncia dos humildes, para demonstrar e simbolizar a riqueza quase nunca alcanada. A So Saru, cintilante e extraordinria, confirma essa tendncia. O brilho da prata, a fasca do diamante, a cintilao da pedraria, o colorido das esmeraldas, o rtilo faiscante dos metais, tudo deixa o visitante de boca aberta:

    Quando avistei o povo fiquei de tudo abismado uma gente alegre e forte um povo civilizado bom, tratvel e benfazejo, por todos fui abraado.

    A preocupao com as igualdades sociais comea a ser ressaltada pelo poeta. O

    povo, absolvido da viso miservel da regio nordestina, aqui e "bom, tratvel e benfazejo"...

  • No fundo, no fundo, trata-se confessar uma esperana e um desejo de que as coisas mudem para melhor, de que o irreal prevalea sobre a realidade constante e aterradora do serto. Uma vontade de saber, um desejo comum, um reconhecimento de que a terra poderia ser outra bem melhor...

    O povo em So Saru tudo tem felicidade passa bem anda decente no h contrariedade no precisa trabalhar e tem dinheiro vontade. L os tijolos das casas so de cristal e marfim as portas barras de prata fechaduras de "rubim" as telhas folhas de ouro e o piso de cetim.

    Da mesma forma que o poeta deseja o bem-estar da populao, almeja-lhe

    fartura, sade, boa alimentao, de preferncia a custo nenhum. Para tanto, necessrio que a prpria cidade, com sua natureza frtil provenha a populao de modo natural. No de surpreender, pois, que nada seja vendido ou comercializado ou objeto de transao comercial e financeira. Em So Saru tem de tudo para todos, to gratuitamente quanto a natureza oferece.

    L eu vi rios de leite barreiras de carne assada lagoas de mel de abelha atoleiros de coalhada audes de vinho do porto montes de carne guisada. As pedras em So Saru so de queijo e rapadura as cacimbas so caf j coado e com quentura tudo assim por diante existe grande fartura. Feijo l nasce no mato maduro e j cozinhado o arroz nasce nas vrzeas j prontinho e despolpado peru nasce de escova sem comer vive cevado.

  • Galinha pe todo dia invs de ovos capo o trigo invs de sementes bota cachadas de po manteiga l cai das nuvens fazendo ruma no cho. L os ps de casimira brim, borracha e tropical de nycron, belga e linho e o famoso diagonal j bota as roupas prontas prprias para o pessoal. Os ps de chapus de massa so to grandes e carregados os de sapatos da moda tem cada cachos "aloprados" os ps de meias de seda chega vive "escangalhado".

    O mais admirvel de tudo que, embora o pas de So Saru oferea ao

    cidado tudo de bom, todo o necessrio para a sua sobrevivncia, tambm no falta ali o "vil metal". Para qu? L se sabe!... Talvez para que o fascnio que provoca o dinheiro se mantenha vivo entre a gente mais pobre. Talvez para um caso de rara necessidade... mas seja para qual necessidade for, a verdade que dinheiro jamais falta ali, tem em abundncia.

    Stios de ps de dinheiro que faz chamar ateno os cachos de notas grandes chega arrastam pelo cho as moitas de prata e ouro so mesmo que algodo. Os ps de notas de mil carrega chega encapota pode tirar-se a vontade quanto mais tira mais bota alm dos cachos que tem casca e folha tudo nota." Os peixes l so to mansos com o povo acostumados saem do mar vem pras casas so grandes, gordos e cevados e s pegar e comer

  • pois todos vivem guisados."

    Sendo tudo fruto de encantamento, em So Saru a fome e as doenas foram extirpadas. A vida l reala o prazer sem trabalho. Um verdadeiro pas de diverso, alegria, felicidade e lazer.

    Maniva l no se planta nasce e invs de mandioca bota cachos de beiju e palmas de tapioca milho a espiga e pamonha e o pendo pipoca. As canas em So Saru no tem bagao ( gozado) umas so canos de mel outras acar refinado as folhas so cinturo de pelica e bem cromado."

    A cidade cresce aos olhos dos leitores em tamanho e prodgio. Para fins de

    localizao note-se que l existe uma culinria bem brasileira, bem nordestina. No obstante So Saru pertence a uma regio que acompanha o progresso, os ditames da moda advindos das metrpoles mais avanadas do mundo. Se em So Saru no existem privilgios, tambm no h esquecidos. Tudo do bom e do melhor que a vida oferece para todos e no s para uns poucos como a razo capitalista estabelece e faz sentir.

    Dona de uma populao perene, So Saru tambm v seus filhos nascerem e deles no se descuida. E quando a velhice chega, no tem problema: s dar um mergulho no Rio da Mocidade e o octogenrio cidado de repente volta sua mocidade, fica novinho em folha!

    L quando nasce um menino no d trabalho a criar j falante e j sabe ler, escrever e contar salta, corre, canta e faz tudo quanto se mandar. L no se v mulher feia e toda moa formosa bem educada e decente bem trajada e amistosa qual um jardim de fadas repleto de cravo e rasa.

  • L tem um rio chamado O banho da mocidade onde um velho de cem anos tomando banho a vontade quando sai fora parece ter vinte anos de idade.

    O visitante foi bem tratado nos muitos dias que ali passou, gozando "prazer,

    sade, alegrias. Sua nica ocupao era recitar poemas.

    L existe tudo quanto de beleza tudo quanto bom, belo e bonito, parece um lugar Santo e bendito ou um jardim da divina Natureza: imita muito hem pela grandeza a terra da antiga promisso para onde Moises e Aaro conduziam o povo de Israel, onde dizem que corriam leite e mel e caa manjar do cu no cho. Tudo l festa e harmonia, amor, paz, benquerer, felicidade, descanso, sossego e amizade prazer, tranquilidade e alegria; na vspera de eu sair naquele dia um discurso potico, l eu fiz, me deram a mandado de um juiz um anel de brilhante e de "rubim" no qual um letreiro diz assim: feliz quem visita este pas.

    Depois de apresentada ao resto do mundo com tantos elementos

    maravilhadores, a terra de So Saru se transformou num mundo turstico para muitos brasileiros ilustres. Inumerveis so as laudas escritas enaltecendo o lugar e seu fun-dador. Muitas so as verses havidas das inspiraes provocadas pela potica de Manoel Camilo dos Santos. Contam j centenas de outros reinos encantados, to encantadores quanto So Saru, filhos dos reinos mgicos de outrora.

    Pases de identidade virtualmente oposta a dos mundos fantsticos da fico cientfica, reverso mesmo das terras espaciais frequentadas por um Flash Gordon, e outros heris futuristas, mas to intensamente prodigioso quanto elas.

    Muitos novos reinos sero ainda descritos, desta vez so sarus com naves estelares, videofones intergalcticos, outros sois, outras luas. Tudo o que a nova tecnologia atualizou e mais a internet com seus espaos virtuais. Mas, por enquanto, aqui por nossa terra potica, s existe uma So Saru.

  • Convm visit-la logo, antes que acabe...

    Vou terminar avisando a qualquer um amiguinho que quizer ir para l posso ensinar o caminho porem s ensino a quem me comprar um folhetinho.

    Do livro: Literatura de Cordel, o poeta sua essncia