140
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROSGRAP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PRODIR MESTRADO EM DIREITO CAROLINA PEREIRA BARRETO O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR SÃO CRISTÓVÃO-SE 2013

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

  • Upload
    vominh

  • View
    218

  • Download
    2

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROSGRAP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – PRODIR

MESTRADO EM DIREITO

CAROLINA PEREIRA BARRETO

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

SÃO CRISTÓVÃO-SE 2013

Page 2: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

CAROLINA PEREIRA BARRETO

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Sergipe Orientadora: Profª. Drª. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

SÃO CRISTÓVÃO-SE 2013

Page 3: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

CAROLINA PEREIRA BARRETO

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Aprovado em 12/06/2013:

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________ Profª. Drª. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

Universidade Federal de Sergipe Orientadora

_______________________________________________________ Prof. Dr. Ubirajara Coelho Neto Universidade Federal de Sergipe

1º Examinador

_______________________________________________________ Prof. Dr. Edilton Meireles de Oliveira Santos

Universidade Federal da Bahia 2º Examinador

SÃO CRISTÓVÃO-SERGIPE 2013

Page 4: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

B273p

Barreto, Carolina Pereira O princípio do contraditório e da ampla defesa no processo

administrativo disciplinar / Carolina Pereira Barreto; orientadora Flávia Moreira Guimarães Pessoa. – São Cristóvão, 2013.

140 f.

Dissertação (mestrado em Direito)– Universidade Federal de Sergipe, 2013.

1. Direito administrativo. 3. Contraditório no processo judicial. 3. Defesa (Processo administrativo). 4. Processo administrativo disciplinar. I. Pessoa, Flávia Moreira Guimarães, orient. II. Título.

CDU 342.924:347.919.8

Page 5: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus sobre todas as coisas, possíveis e impossíveis, criador de tudo, nosso braço

direito nos dias de angústia e desespero, fonte de toda sabedoria. Senhor! Obrigada pelas

maravilhas que tem operado em minha vida.

A minha mãe, Enoilda, pela fortaleza, mulher guerreira de sempre, estimuladora fervorosa de

todos os estudos.

A meu pai, Renato Barreto, pelo apoio intenso ao trabalho da advocacia, fazendo enriquecer a

minha experiência profissional.

Aos meus irmãos, Patrícia e Renato Junior, que mesmo distante torcem pela minha vitória em

mais uma etapa da vida profissional.

Ao meu noivo, Marcos, pelas horas que deixei de te dar atenção como companheira. Obrigada

por compartilhar comigo as nossas longas horas de muito estudo do tão sonhado mestrado.

Estamos juntos no nosso propósito de vida!

A Maria Clara, minha querida enteada que presenciou as horas dedicadas à tarefa do

mestrado.

A minha querida amiga, mãe, avó, D. Romilda Maria Paula de Lima, que não está mais

conosco, tenho a certeza de que estava torcendo pela minha vitória. Obrigada pelo carinho

eterno.

A minha orientadora, Profª. Flávia Pessoa, pela atenção e carinho que sempre trata seus

alunos, Pessoa dedicada ao ensino. Obrigada pelo seu tempo tão disputado!

Ao Prof. Ubirajara, por ter contribuído para os primeiros passos desta pesquisa.

Aos meus amigos da Procuradoria do Município de Nossa Senhora do Socorro, Dr. Carlos

Krauss, Drª. Anajara, Drª. Vanessa, Drª. Débora, Drª. Luciana, pela nossa convivência do dia-

dia. Agradeço em especial, a Dr. André Ribeiro Leite, primeiro mestre da Procuradoria, pelo

apoio e incentivo aos estudos.

Aos meus amigos que compartilharam deste momento tão importante da minha vida, e em

especial a Allan Wesley Moura, que esteve junto quando decidi fazer a prova do mestrado.

Amigo! Você já é um mestre por excelência, mas o seu dia chegará.

Aos amigos do mestrado, Patrícia Cunha, Mariése, Anna Paula Santana, Ana Paula Menezes,

Denise e Lara, pela companhia maravilhosa de vocês, vou sentir saudades de todos.

Ao meu amigo, Diogo Calasans, com quem fiz dupla em todos os cursos que fizemos juntos,

desde a graduação, a especialização até o mestrado. Vamos a caminho do nosso doutorado!

Obrigada a todos!

Page 6: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

“Não sei se se pode afirmar que Cristo foi processado. Sabe-se apenas

que foi julgado, tendo sido deixado ao cristão o exemplo do

julgamento mais perverso visto pela humanidade, aquele aclamado

por uma multidão ensandecida, enfurecida e sem razões que não as do

Estado. Ficou a lição de que processo não se faz com emoção de

momento, nem com aflição de público, mas com racionalidade,

objetividade e segundo normas postas a salvo de urgências despidas

de tranquilidade e de humanidade serenada.

Muitos Cristos tem visto a história humana. De Sócrates a Dreyffus a

mão do homem tem usado formas de processo para processo sem

forma e argumentos de lei para leis sem argumento.

E, no entanto, o Direito faz-se para a Justiça. O processo é apenas um

instrumento democrático para que o Direito justo se concretize e

ofereça ao homem uma razão de conviver com dignidade e segurança,

legitimando o poder e tornando o cidadão seu artífice participante e

confiante de que vale a pena viver com os outros numa ambiência

política que pode aperfeiçoar e abrandar a experiência daquele que

vier depois”.

Cármen Lúcia Antunes Rocha (1999, p.501)

Page 7: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

RESUMO

A pesquisa se propõe a estudar o princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, analisado não apenas sob seu aspecto formal, mas também material. Para isso, parte-se da visão neoconstitucionalista do direito, caracterizado especialmente pelas transformações verificadas no Estado de Direito e sua influência na atuação administrativa, destacando a constitucionalização do direito administrativo como decorrência deste movimento. Ao tempo que discorrerá sobre o verdadeiro sentido de democracia e a aproximação das relações entre o Estado e o cidadão, lançando como consequência a mudança de enfoque do ato administrativo para processo administrativo. A abordagem trará a ampla processualidade administrativa como novo paradigma sedimentado na consensualidade, participação do cidadão e na legitimidade democrática da atividade estatal, apresentando o processo administrativo como verdadeiro instrumento de atuação positiva do poder público na concretização dos direitos fundamentais e da efetiva democratização do Estado de direito. Nesse contexto, a pesquisa tem como objetivo aprofundar o estudo do princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar como direito fundamental do cidadão, servindo de instrumento de democratização do Estado, coadunando-se com a nova interpretação e aplicação dos princípios e valores constitucionais. Com a efetividade deste princípio processual constitucional, garante-se ao cidadão a ampla defesa perante as Comissões de Processo Disciplinar, e para que seja efetiva, a defesa deve ser realizada de forma técnica a ponto de influenciar a decisão do julgador no processo administrativo. Dessa forma, a discussão da controvérsia dar-se-á em torno da análise da nova visão do direito neoconstitucionalista, mais voltada para concretização dos valores constitucionais e na efetividade dos direitos fundamentais, em contraposição à prática jurisprudencial da Corte Suprema, diante das razões que motivaram a Súmula Vinculante n. 05.

PALAVRAS CHAVES: Constitucionalização do direito administrativo - Princípio do contraditório e da ampla defesa – Processo administrativo disciplinar

Page 8: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

ABSTRACT The research aims to study the adversarial principle and legal defense in administrative disciplinary proceedings, examined not only in its formal aspect, but also the material. For this, we start from the vision neoconstitucionalista law, especially characterized by the transformations that the rule of law and its influence on the administrative performance, highlighting the constitutionalization of administrative law as a result of this movement. At the time that will discuss the true meaning of democracy and the approximation of the relationship between state and citizen, was launched as a result of the shift in focus to administrative act administrative process. The approach will bring extensive administrative processuality sedimented as a new paradigm in consensual, citizen participation and democratic legitimacy of state activity, with the administrative process as a true instrument of positive role of government in the implementation of fundamental rights and the effective democratization of the State of Right. In this context, the research aims to deepen the study of the adversarial principle and wide defense in administrative disciplinary proceedings as a fundamental right of the citizen, serving as a tool for democratization of the state, and is in line with the new interpretation and application of the principles and values constitutional. With the effectiveness of this principle procedural constitutional guarantees to the citizen the full defense before the Disciplinary Committees, and to be effective, the defense should be performed technical point of influencing the decision of the judge in the administrative process. Thus, the discussion of the controversy will give around the analysis of the new vision of the right neoconstitucionalista, more focused on achievement of constitutional values and the effectiveness of fundamental rights, as opposed to the judicial practice of the Supreme Court, on the grounds that motivated Binding Precedent n. 05. KEYS WORDS: Constitutionalization of Administrative Law - adversarial principle and wide defense - Administrative Disciplinary Process

Page 9: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA ..................................................................................... 11

1.2 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................... 15

2 O NEOCONSTITUCIONALISMO ................................................................................. 17

2.1 ESTADO DE DIREITO E ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA .................................. 20

2.2 DEMOCRACIA E PROCESSO ADMINISTRATIVO ............................................. 23

2.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO........................ 25

2.4 AMPLA PROCESSUALIDADE ADMINISTRATIVA COMO NOVO PARADIGMA .................................................................................................................. 29

2.4.1 Relação Jurídica da Administração Pública .................................................... 30 2.4.2 Consensualidade, Participação e Legitimidade Democrática .......................... 32 2.4.3 A contribuição filosófica de Habermas e Luhmann ........................................ 33

3 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA .............................. 38

3.1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS......................................................................................... 38

3.1.1 Distinção entre Princípios e Regras ................................................................. 38 3.1.2 Colisão entre normas........................................................................................ 40 3.1.3 Interpretação e aplicação da norma jurídica .................................................... 42

3.2 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO ............................. 45

3.3 A ORIGEM DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.... 53

3.3.1 Breve Histórico sobre contraditório e ampla defesa no Constitucionalismo Brasileiro ................................................................................................................... 54 3.3.2 Concepção do princípio do contraditório e da ampla defesa ........................... 56 3.3.3 Distinção entre o “contraditório” e a “ampla defesa” ...................................... 59 3.3.4 Efetividade do contraditório e a igualdade processual .................................... 61 3.3.5 Ampla defesa e seus desdobramentos .............................................................. 63

4 PROCESSO ADMINISTRATIVO.................................................................................... 66

4.1 RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL ................................................................... 68

4.2 PROCESSO E PROCEDIMENTO ............................................................................ 71

4.3 PROCESSO ADMINISTRATIVO E PROCESSO JUDICIAL................................. 75

4.4 TIPOLOGIAS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO ............................................ 77

5 EFETIVIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ................................................................................. 80

5.1 SISTEMAS DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR ............................................................. 82 5.1.1 Sistema Disciplinar na França ......................................................................... 84 5.1.2 Sistema Disciplinar na Alemanha .................................................................... 86

Page 10: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

5.1.3 Sistema Disciplinar na Espanha....................................................................... 86 5.1.4 Sistema Disciplinar em Portugal ..................................................................... 87 5.1.5 Sistema Disciplinar no Brasil .......................................................................... 91

5.2 NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.................................................................................................................. 97

5.3 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO ...................................................................................................... 101

5.4 DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E O DIREITO FUNDAMENTAL DA AMPLA DEFESA .................................................. 105

5.5 O PAPEL DO ADVOGADO E A JUSTIÇA DA DECISÃO ................................. 110

5.6 DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA E A IGUALDADE PROCESSUAL............................................................................................................... 111

5.7 O ESTUDO DA SÚMULA VINCULANTE N. 05 ................................................. 114

5.7.1 A Inconstitucionalidade Formal .................................................................. 115 5.7.2 A Inconstitucionalidade Material ................................................................ 116

5.8 A LEGITIMIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 05 .................................... 125

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 128 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 133

Page 11: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

10

1 INTRODUÇÃO

Ao pesquisar sobre o princípio do contraditório e da ampla defesa, remonta-se ao

postulado clássico do “devido processo legal”, como direito fundamental do indivíduo a um

processo legal e justo. O contraditório e a ampla defesa significa ao mesmo tempo, um direito

e uma garantia ínsita ao “duo process of law”. Trata-se de uma garantia justamente porque

serve de instrumento para assegurar outros direitos, ao passo que se revela também como um

direito fundamental ao processo1. Esse direito ao processo alcança não apenas os processos

judiciais, mas ainda os processos administrativos e legislativos2, configurando uma verdadeira

garantia do cidadão em face do poder estatal.

Essa processualidade nas relações jurídicas entre poder público e cidadão ganhou

um caráter mais democrático, fruto da modificação do papel do Estado com a passagem do

Estado Liberal para o Estado Social Democrático, caracterizado como marco histórico e

político do neoconstitucionalismo. Com o movimento do constitucionalismo moderno,

iniciado após a Segunda Grande Guerra Mundial, todos os ramos do direito foram

influenciados com a nova visão dos princípios, o que não foi diferente com o direito

administrativo, que sofreu a incidência do fenômeno denominado de Constitucionalização do

Direito Administrativo3. Tal movimento teve como principal destaque a mudança de enfoque

do direito, já que a Constituição Federal ganhava força normativa e superioridade dentro do

ordenamento jurídico, servindo então de parâmetro de interpretação das demais normas

infraconstitucionais.

Neste ambiente, o processo se apresenta como instrumento de democratização do

poder estatal, através do qual se permite a efetiva participação dos interessados, servindo ao

mesmo tempo de limitação do poder e instrumento de efetivação dos direitos fundamentais.

Assim, para alcançar este fim, os princípios não podem ser visto apenas sob seu aspecto

formal, mas, sobretudo, no sentido substancial.

Partindo-se destas considerações, a pesquisa pretende demonstrar também que a

ampla processualidade administrativa, caracterizada pela relação entre Estado e cidadão,

1 Para Grinover (1982, p. 09) o direito de defesa seria ao mesmo tempo um direito e uma garantia de proteção a outros direitos, pois, o “direito de defesa pode viabilizar o direito ao processo, pode garantir o contraditório, pode tutelar até mesmo o direito de ir e vir”. 2 Nas palavras de Ferreira (1972, p. 60) “as funções estatais – a legislativa, a jurisdicional e a administrativa – exercem-se, mercê da realização de certos procedimentos, do que resultam três diferentes tipos de processos e, consequentemente, três núcleos de direito processual: o legislativo, o judicial e o administrativo”. 3 Terminologia utilizada por Luís Roberto Barroso (2010, p. 374) e Rafael Carvalho de Oliveira (2010).

Page 12: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

11

baseada na consensualidade, participação e legitimidade democrática do poder, realizada

dentro do processo administrativo, é resultado dessas transformações. Dessa forma, o

processo administrativo se apresenta como meio para democratização do Estado, e o princípio

processual constitucional do contraditório e a ampla defesa como norma basilar desta

engrenagem.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

O interesse pelo tema surgiu diante da evolução da jurisprudência nos Tribunais

Superiores, através da qual deu ampla interpretação ao princípio constitucional do

contraditório e da ampla defesa nos processos administrativos disciplinares, trazendo

inclusive a obrigatoriedade da presença de advogado em todas as fases desta modalidade de

processo. Entretanto, em tempo recorde e sem precedentes jurisprudenciais a Corte Suprema

sumulou o entendimento e estabeleceu que a ausência de defesa técnica através de advogado

nos processos administrativos disciplinares, não ofende a Constituição Federal, o que de certa

forma restringiu a abrangência das garantias do citado princípio.

Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça em 12/09/2007 aprovou a

Súmula n. 343, dispondo que: “é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do

processo administrativo disciplinar4”. A edição do verbete pelo Superior Tribunal de Justiça

foi fundamentada na materialização do princípio do contraditório e da ampla defesa nos

processos disciplinares, de acordo com a previsão constitucional expressa no art. 5º, inciso LV

da Constituição Federal de 1988.

Após diversas discussões sobre a matéria, a maioria dos ministros interpretou o

dispositivo de forma ampla e entendeu que a constituição de advogado ou de defensor dativo

é, também no âmbito do processo administrativo disciplinar, elementar à essência da garantia

constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes5.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, que tem o dever de resguardar a Carta

Constitucional e garantir a efetivação de suas normas e princípios, sem grandes debates

jurídicos e sem precedentes jurisprudenciais, interpretou o dispositivo de forma restrita, em

sentido contrário ao verbete do STJ, e então, editou a Súmula Vinculante n. 05 em 07/05/2008

4 Súmula n. 343 do Superior Tribunal de Justiça. 5 Voto vencedor da Relatora para o Acórdão da Ministra Laurita Vaz no Mandado de Segurança n. 10.837/DF.

Page 13: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

12

dispondo que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar

não ofende a Constituição6”.

Diante desta divergência de entendimentos das Cortes, volta-se para a situação

paradoxal entre a análise da nova visão do direito mais voltada para concretização dos

princípios constitucionais, em contraposição com a prática jurídica verificada na Corte

Suprema. Percebe-se a distorção da teoria com a realidade prática, no que diz respeito à

efetividade dos direitos fundamentais, por isso, enfrentou-se nesta pesquisa os argumentos do

Supremo Tribunal Federal na aprovação da Súmula Vinculante n. 05.

É importante destacar que diversos são os fundamentos das posições favoráveis e

contrárias à obrigatoriedade de defesa técnica como materialização do contraditório e da

ampla defesa, porém, cabe delimitar o tema iniciando sob o enfoque do Estado democrático

de direito.

O primeiro questionamento a ser enfrentado coloca em discussão o papel do

Estado. Ora, se o Estado Social Democrático é aquele que atua positivamente na

concretização dos direitos fundamentais, permitindo a ampla participação do cidadão no

processo administrativo, garantindo o contraditório e a ampla defesa de forma que essa defesa

possa influenciar a decisão final do julgador-administrador, como se justificaria a limitação do

direito de defesa técnica do cidadão diante dos processos administrativos disciplinares?

Quando a Constituição da República estabelece o direito fundamental à ampla

defesa como princípio processual constitucional, logo, garante ao cidadão a possibilidade de

atuar com competência na defesa de seus direitos, sendo que essa defesa deve ser realizada de

forma técnica com a participação de um advogado, quando não tiver condições de custear, a

Comissão Processante deve nomear defensor dativo para atuar no processo. Isso não se trata

de uma necessidade corporativa, mas de uma garantia de qualquer cidadão de poder atuar de

modo técnico na defesa de seus direitos, mesmo porque uma pessoa comum pode não ter

conhecimentos específicos para se defender no processo.

Por outro lado, poderia ser questionado no campo do processo civil o fato de que

o entendimento doutrinário moderno é no sentido de ampliar o direito a capacidade

postulatória da própria parte, sem a necessidade de advogado dando amplo acesso à justiça,

como ocorrem nos Juizados Especiais Cíveis e na Justiça do Trabalho. Assim, como poderia

6 Súmula Vinculante n.05 do Supremo Tribunal Federal.

Page 14: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

13

se exigir a presença de advogado para realizar a defesa técnica em processo administrativo

disciplinar, se até mesmo em processo judicial a parte pode ter capacidade postulatória.

Para responder a essa pergunta, cabe trazer desde o preâmbulo a natureza jurídica

do processo administrativo disciplinar, que em sendo punitiva tem como finalidade realizar a

apuração de ilícitos em face do servidor para aplicação de penalidade administrativa, e pode

acarretar como consequência a sanção grave de perda do cargo público ou ainda a cassação de

aposentadoria, além de outras restrições aos bens e direitos do servidor. Diante da natureza de

processo punitivo em que há litígio e controvérsia entre as partes, logo, exige-se a igualdade

processual entre o Estado, na função de julgador e acusador, e o servidor. Por esse motivo,

deve ser garantida a bilateralidade das partes com a efetivação da ampla defesa.

Vale destacar também que o regime jurídico do processo administrativo

disciplinar se assemelha com os aspectos do processo penal, já que as consequências da

punição colocam em questão os direitos individuais da parte acusada, além do que algumas

infrações administrativas graves também configuram crimes contra a administração pública7.

Com efeito, o regime jurídico adotado deve ter os princípios do processo penal como

parâmetros, portanto, assim como ocorre nos Juizados Especiais Criminais, a legislação não

permite a utilização do jus postulandi para parte acusada, devendo para tanto, ser nomeado

defensor dativo ou defensor público para realizar a defesa de direitos da parte, nos termos da

Lei 9.099/958.

Outro ponto a ser enfrentado diante da doutrina processual penal diz respeito ao

inquérito policial, vez que neste procedimento não necessitaria da presença de advogado,

porém, há de considerar que a natureza jurídica do inquérito é de peça administrativa, na qual

não se aplica penalidade, a sua função é identificar a autoria e a materialização do crime9.

7 Nos termos do Art. 132 da Lei 8.112/90. “A demissão será aplicada nos seguintes casos: I - crime contra a administração pública; II - abandono de cargo; III - inassiduidade habitual; IV - improbidade administrativa; V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; VI - insubordinação grave em serviço; VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos; IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI - corrupção; XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117”. 8 O art. 68 da Lei 9.099/95 dispõe que: “Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado, constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á designado defensor público”. 9 Tourinho Filho (1999, p.198) conclui que o “inquérito policial visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la”. O inquérito policial possui natureza administrativa e “a Polícia Judiciária exerce aquela atividade, de índole eminentemente administrativa, de investigar o fato típico e apurar a respectiva autoria” (TOURINHO FILHO, 1999, p.196).

Page 15: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

14

Inclusive no processo administrativo disciplinar existe um procedimento próprio que é a

sindicância com idêntica finalidade10.

A grande discussão sobre o tema surge em razão do que dispõe a legislação

federal, pois, o art. 156 da Lei 8.112/9011 permite ao servidor a faculdade de acompanhar

pessoalmente o processo ou por meio de procurador por ele indicado, e que necessariamente

não precisa ser um advogado. Além disso, a legislação infraconstitucional traz também que o

servidor é intimado para apresentar defesa, porém, não descreve expressamente se a defesa é

técnica ou não, e por esse motivo o dispositivo é interpretado restritivamente pelos Tribunais.

Seguindo a linha da legislação infraconstitucional, alguns doutrinadores afirmam

que a Constituição Federal ao estabelecer no seu art. 133 que “o advogado é indispensável à

administração da justiça”, entendem que o dispositivo alcança apenas o aparelho judicial, ou

seja, o advogado somente deve ser indispensável nos processos judiciais, restringindo a

interpretação da norma constitucional do sentido de justiça.

Diante dessa discussão, mais uma vez se interroga a ausência de defesa técnica

nos processos administrativos disciplinares que aplicam punição aos servidores com restrição

a direitos e bens do indivíduo, que inclusive apuram crimes contra a administração pública,

ofende ao princípio constitucional do contraditório e a ampla defesa?

Neste contexto, a presente pesquisa teve como objetivo geral estudar o princípio

do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo, especialmente no processo

disciplinar, como direito fundamental do cidadão e instrumento de democratização do Estado,

coadunando-se com a nova interpretação e aplicação dos princípios constitucionais.

No primeiro capítulo, serão trazidas as características do neoconstitucionalismo,

bem como as transformações verificadas no Estado de Direito e sua relação com a atividade

da administração pública. Paralelamente, dedicar-se-á ao estudo da constitucionalização do

direito administrativo, trazendo os novos paradigmas e destacando o verdadeiro sentido de

10 Sobre o assunto Ferreira (1972, p. 67) distingue o processo administrativo disciplinar em relação ao inquérito policial, pois, o “processo administrativo disciplinar, não deve levar, de modo algum, à sua aproximação com o inquérito policial, de natureza inquisitória, e destinado, numa fase ainda pré-processual, a colher prova provisória, que servirá de elementos para a instauração, ou não, do processo criminal. A sindicância preliminar prévia em relação ao processo disciplinar é que poderá oferecer algum ponto de contato com o dito inquérito policial”. 11 Art. 156 da Lei 8.112/90 - “É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial”. Art. 161 da Lei 8.112/90 dispõe que: “Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas. § 1o O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição”.

Page 16: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

15

democracia e sua ligação com o processo administrativo, abordando inclusive os aspectos

filosóficos de Habermas e Luhmann na legitimação do poder pelo procedimento.

No segundo capítulo, examinará especificamente o princípio constitucional do

contraditório e da ampla defesa sob seus aspectos formal e substancial, e sua aproximação

com o devido processo legal, como princípios aplicáveis também ao processo administrativo,

discorrendo sobre a evolução histórica da sua previsão no constitucionalismo brasileiro.

No terceiro capítulo, será abordada a relação jurídica processual entre a

administração pública e o cidadão, enfrentando o debate doutrinário sobre as concepções de

processo e procedimento, a distinção entre processo judicial e administrativo e as suas

semelhanças, bem como as tipologias dos processos administrativos.

No quarto capítulo, estudará a efetividade do contraditório e da ampla defesa nos

processos administrativos disciplinares, destacando os principais sistemas punitivos

disciplinares no direito estrangeiro e a tendência moderna. Além disso, enfatizará a natureza

jurídica e as peculiaridades do processo administrativo disciplinar que possui semelhanças

com o processo penal, e por isso a necessidade da defesa técnica para alcançar a igualdade

processual, abordando ainda a análise crítica da Súmula Vinculante n. 05.

1.2 METODOLOGIA DA PESQUISA

Para realizar este estudo a metodologia adotada foi da pesquisa bibliográfica,

tendo em vista que a investigação ocorreu baseada no conteúdo teórico, e para isso foram

utilizadas as fontes primárias do direito como a legislação nacional e estrangeira, as

Constituições do Brasil, bem como as fontes secundárias como os livros de doutrina nacional

e estrangeira, os artigos jurídicos, periódicos e a jurisprudência.

Quanto ao método aplicado na pesquisa foi o explicativo-descritivo, pois visa

explicar o fenômeno da ampla processualidade administrativa como consequência do

movimento de constitucionalização do direito administrativo, e sob esses novos parâmetros,

pretende-se estudar o princípio do contraditório e da ampla defesa com ênfase nos processos

administrativos, destacando-os como um verdadeiro instrumento de concretização da

democracia no Estado de Direito.

Page 17: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

16

O procedimento adotado na coleta dos dados foi realizado sistematicamente, após

a catalogação das fontes bibliográficas de forma interdisciplinar entre o ramo do direito

constitucional, administrativo e processual, buscando também na doutrina estrangeira os

fundamentos teóricos relacionados ao tema.

A revisão bibliográfica foi baseada na análise do conteúdo especialmente quanto

os aspectos doutrinários constitucionais do princípio do contraditório e da ampla defesa, e

com relação aos aspectos filosóficos também abordou a concepção de processo e

procedimento como meio de legitimação do poder e democratização do Estado.

O estudo teve como objeto o princípio do contraditório e da ampla defesa, que em

sendo um princípio constitucional possui força normativa e supremacia diante das normas do

ordenamento jurídico, e por isso deve ser aplicado com superioridade nos processos

administrativos, em especial, no disciplinar.

Para realizar esta abordagem foram utilizados também os parâmetros e princípios

da nova hermenêutica constitucional, com ênfase no princípio da supremacia constitucional e

da máxima efetividade, partindo-se da interpretação do princípio constitucional do

contraditório e da ampla defesa a ser aplicado sem limitações no processo administrativo

disciplinar de forma a garantir a ampla participação do cidadão no processo decisório do

Estado.

Diante da problemática que justificam o estudo do tema proposto e da

metodologia de pesquisa apresentada, passa-se então à fundamentação teórica da dissertação

cujo tema é o princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo

disciplinar.

Page 18: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

17

2 O NEOCONSTITUCIONALISMO

O constitucionalismo moderno encontra-se associado às transformações históricas

ocorridas no Estado de Direito com a passagem do Estado Liberal para o Social Democrático,

fator que influenciou decisivamente a mudança de enfoque da atividade administrativa,

acompanhado também das modificações no pensamento filosófico positivista e da

interpretação do direito, fatores que contribuíram para mutação dos institutos e princípios

norteadores do direito administrativo.

Luís Roberto Barroso (2010, p.399) destaca a constitucionalização do direito

como um fenômeno decorrente das transformações do Estado, da sociedade e do direito,

caracterizado em 03 (três) ordens de modificações: no campo histórico, com a passagem do

Estado Liberal para o Estado Social e o atual Estado Democrático de Direito; no campo

filosófico, decorrente da aproximação do direito com a ética e o seguimento do pós-

positivismo; e no campo teórico, teve como resultado a força normativa da Constituição que

deixa de ser uma simples “folha de papel12”, acompanhado de um órgão jurisdicional que

defende a superioridade e efetividade das normas constitucionais, através da nova dogmática

de interpretação constitucional.

Alguns doutrinadores também denominam este movimento de

neoconstitucionalismo, pois se verifica uma aproximação do constitucionalismo com a

democracia (BARROSO, 2007, p. 218). Na realidade, trata-se da releitura do

constitucionalismo, caracterizado pela superioridade e força normativa da Constituição, a qual

deve ser aplicada a todos os ramos do direito com força irradiante e supremacia dentro do

ordenamento jurídico.

De uma forma geral, as mudanças de paradigmas que influenciaram este

movimento no mundo jurídico podem ser identificadas através: 1- Da força normativa da

Constituição que teve seu ápice com a obra de Konrad Hesse13, a qual defende a sua

12 Termo utilizado por Ferdinand Lassale (1933) discorrendo sobre “O que é a Constituição?” e qual a essência da Constituição, caracteriza-se por destacar a constituição de conteúdo sociológico. O autor traz que a essência da Constituição de um país representa a força dos fatores reais do poder, e uma vez escritos numa folha de papel é considerado verdadeiro direito, como se fosse a própria lei. 13 Konrad Hesse (1991) propõe a concepção de Constituição com força própria, para o autor “a força que constitui a essência e a eficácia da Constituição reside na natureza das coisas, impulsionando-a, conduzindo-a e transformando-se, assim, em força ativa. [...] A Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem presentes na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional – não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição” (HESSE, 1991, p.18-19). A força normativa está relacionada com o conteúdo e a práxis da Constituição.

Page 19: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

18

imperatividade, eficácia e normatividade dos princípios nela estabelecidos; 2 – Da existência

de uma Corte Constitucional a qual tem a atribuição de proteger a Constituição e exercer o

controle dos atos de forma a efetivar os direitos fundamentais estabelecidos na Carta Magna;

3 – A nova interpretação constitucional, na qual consiste em estabelecer novos métodos de

interpretação de forma a colocar a Constituição no centro do ordenamento jurídico com força

irradiante, adequando-se os tradicionais métodos de interpretação que estavam atrelados ao

Estado Liberal e ao positivismo para uma nova realidade (BARROSO, 2010, p.299).

Nas palavras de Ricardo Guastini (2001, p.153) a expressão

“constitucionalización del ordenamiento jurídico” pode ser entendido como um processo de

transformação de um ordenamento em que resulta da impregnação das normas

constitucionais. Dessa forma, um ordenamento jurídico constitucionalizado é caracterizado

por uma Constituição invasora que possibilite influenciar tanto a legislação quanto a

jurisprudência de acordo com essa doutrina, assim como influenciar as relações sociais.

No discurso neoconstitucionalista, o direito do estado constitucional está

caracterizado pela supremacia da Constituição, assim, a vontade política deve estar

subordinada às normas constitucionais. Neste sentido, a Constituição introduz um vínculo

substancial para criação do direito positivo, sendo rígida e garantista. A difusão desses

princípios e valores constitucionais em todos os âmbitos normativos do direito é fundamental

para a constitucionalização do ordenamento, e em particular para aplicação direta da

Constituição nas relações interpessoais (POZZOLO, 2011, p. 167).

Com efeito, a investigação sobre o tema da dissertação necessariamente perpassa

pela interpretação constitucional, bem como pelo conflito entre normas, confrontando o

sentido e alcance do dispositivo da lei infraconstitucional com a efetividade e supremacia do

princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.

Na solução dos problemas de conflito entre normas constitucionais, Canotilho

(2003, p.1223-1226) destaca seis princípios instrumentais de interpretação constitucional, que

devem ser utilizados pelo intérprete pós-moderno: 1 – Princípio da unidade da Constituição;

2 – Princípio do efeito integrador; 3 – Princípio da máxima efetividade; 4 – Princípio da

justeza ou da conformidade funcional; 5 – Princípio da concordância prática ou da

harmonização; 6 – Princípio da força normativa da Constituição.

O princípio da unidade da constituição é aquele que “obriga o intérprete a

considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão

Page 20: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

19

existentes entre as normas constitucionais a concretizar”, evitando contradições e antinomias

entre suas normas (CANOTILHO, 2003, p.1224). O princípio do efeito integrador14 deve dar

“primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social”,

reforçando a unidade política da Constituição na “resolução dos problemas jurídico-

constitucionais” (CANOTILHO, 2003, p.1224).

O princípio da máxima efetividade ou da interpretação efetiva é aquele que atribui

à norma constitucional a maior eficácia aos direitos fundamentais. Nas palavras de Dirley da

Cunha Jr. (2009, p. 223), este princípio “orienta o intérprete a atribuir às normas

constitucionais o sentido que maior efetividade lhe dê, visando otimizar ou maximizar a

norma para dela extrair todas as suas potencialidades”.

O princípio da conformidade funcional visa “impedir, em sede de concretização

da constituição, a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecida”, pois o

órgão “encarregado pela interpretação da lei constitucional não pode chegar a um resultado

que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente

estabelecido” (CANOTILHO, 2003, p.1224).

O princípio da concordância prática15 é aquele que permite uma interpretação em

harmonização “com os bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício de uns em

relação aos outros”, como ocorre com a colisão entre direitos fundamentais que possui igual

valor constitucional, e por isso não há hierarquia entre esses bens jurídicos protegidos

(CANOTILHO, 2003, p. 1225). Por fim, Canotilho (2003, p.1226) destaca o princípio da

força normativa da Constituição, segundo a qual deve dar prevalência à norma constitucional,

contribuindo para uma eficácia máxima da lei fundamental. 14 Nas palavras de Dirley da Cunha Jr. (2009, p. 222) a “Constituição jamais pode se entendida como instrumento de desagregação social, mas sim como um projeto normativo global de ordenação do Estado e da Sociedade, que se destina assegurar uma coesão sócio-política, enquanto condição indispensável à preservação de qualquer sistema jurídico”. 15 “As constituições contemporâneas caracterizam-se por reunirem e abrigarem em seus textos várias ideias, valores e bens jurídicos aparentemente opostos e que, não raro, entram em estado de colisão. Ideias, valores e bens como desenvolvimento econômico e defesa do meio ambiente; dignidade humana e separação de poderes; direito à imagem e liberdade de informação jornalística; direito à honra e direito de manifestação do pensamento estão constantemente em rota de conflito, ensejando um grande esforço por parte da doutrina e da jurisprudência destinado a encontrar a melhor solução que, longe de importar em sacrifícios totais, promovam a conciliação desses bens. O princípio da concordância prática ou da harmonização serve a esse propósito, pois, impõe ao intérprete a coordenação e harmonização dos bens jurídicos constitucionais em conflito, de modo a evitar o sacrifício (total de uns em relação aos outros). Este princípio decorre do princípio da unidade da Constituição e tem sido invocado largamente para resolver colisões entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e outros bens jurídicos constitucionalmente protegidos. O que fundamenta este princípio é a ideia de que todos os bens jurídicos-constitucionais ostentam igual valor, situação que impede a negação de um em face de outro ou vice-versa e impõe limites e condicionamentos recíprocos de modo a alcançar uma harmonização ou concordância prática entre eles, através de uma ponderação de interesses em jogo à luz do caso concreto” (CUNHA JR., 2009, p.224-225).

Page 21: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

20

No mais, como reflexo do neoconstitucionalismo surge a constitucionalização dos

diversos ramos do direito, no âmbito do direito administrativo foi intitulada como a

constitucionalização do direito administrativo, que é traduzida pela observância dos princípios

e normas da Constituição, decorrendo então, a idealização dos novos institutos e paradigmas

para a disciplina jurídica (MUKAI, 2009, p.837-838).

Neste contexto, os valores consagrados na Carta Constitucional do mundo pós-

moderno, passaram também a fazer parte da atividade administrativa que por configurar a

própria administração do Estado sofreu forte influência desses novos fatores, por isso a

importância do estudo sobre as transformações do Estado e sua ligação com a atuação

administrativa.

2.1 ESTADO DE DIREITO E ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA

A construção do Estado de direito é considerada marco fundamental para a

concepção atual de administração pública, já que a atividade administrativa corresponde à

própria atuação do Estado, fator que consequentemente influenciou as mudanças das relações

entre Estado e cidadão.

O surgimento do Estado de direito esteve associado aos ideais revolucionários de

liberdade, igualdade e fraternidade e teve como principal objetivo conter os abusos do poder

absolutista para que garantisse a liberdade e segurança em face da autoridade do soberano,

para isso era necessária a submissão do poder estatal à ordem jurídica (BONAVIDES, 1996,

p.30). No primeiro momento, a preocupação era de exteriorizar formalmente as normas,

através das Constituições e leis, quando então promulgaram as primeiras Constituições

escritas.

O Estado, denominado inicialmente de Liberal, foi marcado pela intervenção

mínima na ordem econômica e social, decorrente do momento histórico do liberalismo

econômico, os direitos individuais tinham como finalidade principal limitar o poder estatal,

por outro lado, a promulgação das Constituições teve como fito proteger a Declaração de

Direitos e garantir a Separação dos Poderes (BONAVIDES, 1996, p. 31).

Neste período, o particular não tinha qualquer participação na atividade

administrativa, pois a atuação do Estado era mais impositiva e autoritária. A formação da

Page 22: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

21

vontade estatal era monopólio da administração, e não sofria quaisquer influências externas

dos cidadãos, já que neste momento o particular encontrava-se em estado subserviente que

suportava a ingerência do Estado como resultado da vontade geral dos indivíduos

(GUIMARÃES, 2010, p.81).

Remontava-se, então, a ideia clássica de Rousseau16(2002, p.25) em que o povo

atribui ao Estado uma posição de supremacia em relação aos cidadãos em prol do interesse da

coletividade de forma a garantir a ordem pública. Assim, observando apenas sob essa

perspectiva não seria possível um regime paritário entre o Estado e o particular.

O regime jurídico da administração pública estava associado ao sentido do Estado

como autoridade que deveria impor sobre as liberdades dos particulares para garantir a ordem

pública, dessa forma, o regime era caracterizado por prerrogativas públicas numa relação

angular (SCHIRATO, 2010, p.14). O Estado encontrava-se dotado de poderes limitados pelas

leis destinados ao interesse público e a ampla liberdade dos cidadãos. Com isso, o interesse

público era ao mesmo tempo fundamento e limite do poder da administração pública

(MEDAUAR, 2003, p. 81).

Diferentemente, Gustavo Binenbojm (2007, p.743) entende que a submissão

estatal à lei e aos direitos individuais não passa de um mito, porque para o autor a construção

teórica do direito administrativo não se deveu nem ao advento do Estado de Direito e nem a

separação dos poderes, mas em decorrência da auto-vinculação do Poder Executivo à sua

própria vontade, estando à dogmática administrativa estruturada no princípio da autoridade, e

não vinculada às conquistas liberais e democráticas.

Partindo desta perspectiva, a relação entre o Estado e o cidadão se traduzia apenas

numa relação de poder e subordinação, entretanto, não se pode negar a grande contribuição da

evolução do Estado de direito para a construção dos institutos, princípios e conceitos atuais do

direito administrativo, que deve ser compreendida não apenas como uma simples relação de

poder, mas como uma relação jurídica sujeita a influências sociais e políticas verificadas em

cada tempo e lugar.

16 Rousseau (2002, p.25) tratando sobre a autoridade do Estado enfatiza que “cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo”. [...] “o ato de associação encerra um compromisso recíproco do público com os indivíduos e que cada um deles, ao contratar, por assim dizer, consigo mesmo, vê-se comprometido sob um duplo aspecto: como membro do soberano em relação aos demais indivíduos e como membro do Estado em relação ao Soberano” [...] (ROUSSEAU, 2002, p. 26). “O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e que ele pode atingir; o que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui” (ROUSSEAU, 2002, p.38).

Page 23: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

22

Dessa maneira, não se poderia falar do instituto denominado de “processo

administrativo”, entendido no conceito atual, uma vez que sequer havia participação do

interessado na atuação administrativa, bem como não era permitido a este concorrer na

formação da vontade do Estado (GUIMARÃES, 2010, p.82). Aliás, a terminologia de

processo administrativo demorou muitos anos para ser utilizada como instituto aplicado ao

direito administrativo, o que será oportunamente abordado.

Com a crise do Estado do Liberal, após a Primeira Guerra Mundial, e a passagem

para o Estado Social marcado pela Constituição de Weimar em 1919, o poder público passou

a ter uma atuação mais positiva na economia e nas relações sociais, de forma que demandava

uma atuação mais ativa do Estado na realização dos direitos dos cidadãos (BONAVIDES,

2002, p. 206).

O Estado Social surgiu atrelado ao conceito de justiça e igualdade, para isso era

necessário empregar meios intervencionistas de modo a estabelecer o equilíbrio na repartição

dos bens sociais, o que posteriormente culminou nos regimes totalitários do Nazismo na

Alemanha e do Fascismo na Itália, dentre outros regimes que promoveram barbáries sob o

manto da legalidade (BONAVIDES, 2008, p.157).

Passada a Segunda Guerra Mundial, houve uma grande corrida para

redemocratização da Europa e o principal marco do Estado Pós-moderno foi a Lei

Fundamental de Bonn de 1949 e a instalação do Tribunal Constitucional Federal na

Alemanha, contribuindo para a produção teórica e jurisprudencial nos países de tradição

romano-germânica (BARROSO, 2010, p.246).

A reconstrução do Estado foi baseada na reaproximação dos valores da ética, da

moral e do direito, com a reintrodução das ideias de justiça atrelado à legitimidade, seguindo

os aspectos democráticos sustentado num regime de garantias concretas e objetivas dos

direitos fundamentais sob a concepção humanista (BARROSO, 2010, p.248).

Nesta senda, o Estado não estava apenas obrigado a respeitar os direitos

conferidos aos cidadãos, sob a forma de abstenção de condutas vedadas pelo direito, mas

também, estava obrigado a atuar positivamente com o objetivo de concretizar os direitos

fundamentais.

Sob esses parâmetros do Estado Social Democrático, a processualização da

atividade estatal ganha posição de destaque, já que não se admite mais atuação negativa

consistente apenas na obrigação de abstenção de praticar atos contrários ao direito, mas sim

Page 24: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

23

de um dever de atuação positiva do Estado na concretização dos direitos dos cidadãos

(SCHIRATO, 2010, p.24).

Com essas transformações verificadas no Estado de Direito, o ato administrativo

antes visto como o principal instrumento da administração pública baseado no modelo liberal

sofreu mudanças significativas, passando o processo administrativo a ser um instrumento de

garantia positiva, caracterizado pela possibilidade de mediação nas relações entre o cidadão e

o poder público.

2.2 DEMOCRACIA E PROCESSO ADMINISTRATIVO

O sentido de democracia não significa apenas o direito de escolha dos governantes

eleitos pelo voto popular, mas qualquer forma de participação dos cidadãos no processo

decisório do poder estatal, já que o poder emana do próprio povo. Na verdade, trata-se de

elementos essenciais de um regime democrático.

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 1º, parágrafo único traz

expressamente que “todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes

eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição”. Pelo dispositivo constitucional infere-

se que o poder será exercido pelo povo de forma indireta através dos seus representantes, mas

também de maneira direta nos termos previstos na Constituição, nesse teor, não se pode

reduzir a democracia ao simples direito de escolha dos seus representantes (SCHIRATO,

2010, p.38).

Nas lições de Paulo Bonavides (2008, p. 345) o povo é a fonte legítima do poder,

apesar de ainda não legislar diretamente, mas “um dia há de fazê-lo, sem a intermediação dos

canais representativos”. Partindo deste pronunciamento ideológico, o autor enfatiza o atual

momento de democratização do poder estatal, explicando que a democracia direta já não é

mais uma utopia dos clássicos filósofos17, por isso que a adoção da democracia participativa

significa o “mais alto grau de legitimação do governo popular em nossa época” que é

“qualificada pela suprema voz e presença do povo soberano em todas as questões vitais da

ação governativa”. 17 Interpretação dada por Paulo Bonavides (2008, p. 345) ao pensamento de Rousseau, considerando uma utopia a verdadeira democracia. Rousseau (2002, p.94) deixar claro que “nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá. Contraria a ordem natural o grande número governar, e ser o pequeno governado. É impossível admitir esteja o povo incessantemente reunido para cuidar dos negócios públicos”.

Page 25: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

24

Com efeito, não se pode conceber um Estado democrático que retire dos cidadãos

o direito de participar dos processos decisórios, especialmente aqueles que afetem seus

direitos, pois, no verdadeiro Estado democrático não se admite a imposição unilateral das

decisões, mas que permite a participação dos cidadãos (SCHIRATO, 2010, p. 39).

Na verdade, não existe democracia sem haver a participação do povo. As duas

concepções encontram-se interligadas de forma tão intrínseca que a participação representa as

“forças sociais que vitalizam a democracia e lhe assinam o grau de eficácia e legitimidade no

quadro social das relações de poder, bem como a extensão e abrangência desse fenômeno

político numa sociedade repartida em classes” (BONAVIDES, 2008, p.51).

Sendo assim, o processo administrativo se apresenta como elemento essencial

para permitir a participação dos interessados e cidadãos nas decisões do Estado, coadunando-

se com os mandamentos da verdadeira democracia. Representa um meio para que sejam

preservados os direitos fundamentais dos cidadãos na atuação administrativa, isso porque com

a ampla processualidade, o administrador se obriga a observar parâmetros determinados na lei

e nos princípios processuais constitucionais sob o controle dos cidadãos.

Com a ampliação da atividade estatal, surge a necessidade de maior observância

dos aspectos procedimentais para garantir o controle dos atos administrativos. Por essa razão,

na atualidade a processualidade representa uma mudança de enfoque no direito administrativo

da passagem do primado da autoridade para o consenso (MEDAUAR, 2008, p. 77).

Neste cenário, denota-se que o sentido de processo administrativo está associado à

consolidação do Estado de Direito e da democracia, porque as mudanças de paradigmas de

uma atuação administrativa mais verticalizada e autoritária foram aos poucos perdendo espaço

à medida que o Estado se consolidava na concepção atual (SCHIRATO, 2010, p.10).

Canotilho (2003, p. 515) denomina de “democratização da administração” esse

novo modelo de substituição das estruturas hierárquico-autoritárias por deliberação colegial; a

introdução do voto para selecionar cargos de direção individual; a participação paritária de

todos os elementos que exercem suas atividades em determinados setores da administração; a

transparência ou publicidade do processo administrativo; e a gestão participada, que consiste

na participação dos cidadãos por meio de organizações populares de base e de outras formas

de representação na gestão da administração pública.

Desta forma, o estudo volta-se para reflexão do direito fundamental ao processo

administrativo, baseado no contraditório e na ampla defesa, previstos na própria Constituição,

Page 26: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

25

como meio de permitir a participação do cidadão no processo decisório da administração

pública e de alcançar o verdadeiro sentido da democracia.

2.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

No conceito de Odete Medauar (2011, p.38) o direito administrativo é uma

disciplina do ramo do direito público que estuda o conjunto de normas, conceitos e princípios

próprios que regem a atuação da Administração Pública, tratando sobre a organização, meios

de ação, formas e relações jurídicas desta atividade estatal.

De uma forma geral, o direito administrativo rege a atuação da administração

pública inserida no Poder Executivo, mesmo porque corresponde a sua função típica de

Estado, porém, o Poder Legislativo e Judiciário também exercem atividades administrativas

de apoio para o exercício da sua função típica e que também são regidas pelo direito

administrativo (MEDAUAR, 2011, p.39).

Vale destacar que o direito administrativo é uma disciplina que praticamente

possui a mesma origem do direito constitucional, surgiu após a Revolução Francesa de 1791,

atrelado ao Estado de Direito, que teve como ideais liberais a separação dos poderes, o

princípio da legalidade e a garantia dos direitos fundamentais como forma de limitar a atuação

estatal em face dos abusos do poder público (OLIVEIRA, 2010, p. 8).

A França é considerada o país berço do direito administrativo, pois a criação de

uma jurisdição administrativa dissociada da atuação jurisdicional, especializada apenas no

julgamento do contencioso administrativo através do órgão denominado de Conselho de

Estado, deu autonomia através de regras e princípios próprios para disciplina. Sob esses

parâmetros foram sendo construídos os institutos do direito administrativo do sistema

romano-germânico (PEREIRA DA SILVA, 1996, p.11-12).

A consagração do direito administrativo ocorreu com o julgamento do caso

Blanco em 1873 na França, em que uma vagonete pertencente à Companhia Nacional de

Manufatura de Fumo atropelou uma criança de 05 anos de idade chamada “Agnès Blanco”, na

cidade de Bordeaux. Apreciando o conflito de competência, o Tribunal de Conflitos decidiu

que no caso não se aplicaria as regras gerais do direito civil, mas sim regras específicas de

responsabilidade civil do Estado e fixou a competência do Conselho de Estado, órgão

Page 27: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

26

responsável pela jurisdição administrativa para julgar a controvérsia, tendo em vista a

presença do Estado nesta relação jurídica, caracterizada pelo serviço público e a necessidade

de serem aplicadas as normas publicistas (OLIVEIRA, 2010, p.09).

Por outro lado, o direito administrativo no sistema anglo-saxônico verificado nos

Estados Unidos da América e nos países da comunidade britânica, inicialmente teve como

base os mesmos preceitos norteadores que regem a atividade dos particulares, logo,

aplicavam-se as mesmas regras de direito privado nas relações com o Estado. Porém, o

sistema da “common law” tem evoluído neste sentido, com a publicação de obras atuais sobre

administrative law ou public law, constatando a existência do direito administrativo

caracterizado pelo predomínio dos aspectos processuais e de controle da administração

pública pelo judiciário (MEDAUAR, 2011, p.40-41).

Assim, pode-se afirmar que o desenvolvimento do direito administrativo no

sistema anglo-saxônico ocorreu de forma diversa da verificada no sistema romano-germânico,

pois sofreu a influência dos aspectos processuais decorrente da garantia inaugurada pelos

britânicos do due process of law com maior controle da atividade estatal.

Com isso, a disciplina do direito administrativo percorreu caminhos diversos de

acordo com o sistema adotado pelo país, mas possuem em comum os princípios e valores

constitucionais do Estado democrático. No Brasil, houve uma mistura de conceitos e institutos

de um sistema e de outro, apesar de atualmente não adotar o sistema do contencioso

administrativo18, nem todos os atos administrativos estavam sujeitos ao controle do poder

judiciário19.

A doutrina tradicional advogava que o ato discricionário não estava sujeito ao

controle do poder judiciário, já que o controle do mérito do ato administrativo somente

poderia ser realizado pelo próprio poder que o editou, pois consistia na avaliação da

conveniência e oportunidade relativas ao motivo e ao objeto que inspirou a prática do ato,

com fundamento no princípio da separação dos poderes (OLIVEIRA, 2010, p. 79).

18 A Constituição Federal de 1824 e a Emenda Constitucional de 1969, previam a criação do contencioso administrativo, entretanto, esse tipo de jurisdição não foi implementada no Brasil (BARACHO, 1984, p. 84-85). 19 Durante muitos anos defendeu-se a insindicabilidade do mérito do ato administrativo, sob a afirmativa de que somente os atos administrativos vinculados poderiam ser anulados pelo poder judiciário, estando os atos administrativos discricionários fora do controle do judiciário. Com a nova visão do direito esse entendimento vem perdendo espaço para a nova concepção de que o ato discricionário também está sujeito ao controle do judiciário, caso ofenda aos valores e princípios constitucionais. Indicação de leitura da obra “Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração” de Juarez de Freitas (2007).

Page 28: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

27

No entanto, com as mutações verificadas no direito administrativo, após as

transformações do Estado de direito, e as consequentes mudanças de paradigmas verificadas

com o advento do neoconstitucionalismo, atualmente é praticamente assente na doutrina e

jurisprudência a possibilidade de controle do mérito administrativo20, quando o ato

administrativo atentar contra os princípios e valores defendidos pela Constituição.

Além desse, outros paradigmas ganham posição destaque no direito

administrativo como a releitura do princípio da legalidade. Com o movimento

neoconstitucionalista, a Carta Constitucional ganha posição central no ordenamento jurídico

com força normativa e supremacia, e sob esse prisma, a legalidade deve ser observada

fundamentada nesta nova ordem de valores.

Durante muito tempo o princípio da legalidade esteve como baluarte do direito

administrativo, traduzido nas lições clássicas de Seabra Fagundes (1969, p. 16-17) em

“administrar é aplicar a lei de ofício21”, sob tal afirmativa deduz-se que o administrador só

poderia atuar quando o legislador determinasse ou autorizasse, ou seja, somente poderia fazer

aquilo que a lei autorizasse (BINENBOJM, 2007, p.754).

Com a inovação pós-positivista na hermenêutica do direito, baseada na

normatividade e supremacia dos princípios constitucionais, a visão de legalidade ganha nova

roupagem transmudando-se para princípio da juridicidade ou constitucionalidade, no qual a

Constituição deve ser vista com superioridade em confronto com as normas

infraconstitucionais (BARROSO, 2010, p.376-377).

Nas palavras de Canotilho (2003, p.840) “a precedência e prevalência da

Constituição substituem a precedência e a reserva vertical da lei”, em outras palavras, no

contexto atual o “agir da administração” possui fundamento na Constituição sob os aspectos

da juridicidade administrativa e não mais apenas da legalidade.

20 A maioria da doutrina entende ser possível o controle do mérito administrativo, com algumas divergências quanto à extensão do controle. Alguns doutrinadores como José dos Santos Carvalho Filho (2010, p.136-139) defendem que os três elementos do ato administrativo sempre serão vinculados a competência, a forma e a finalidade, enquanto que o motivo e o objeto do ato serão ora vinculados, ora discricionários, dependendo da liberdade conferida pelo legislador na motivação do ato, pois o agente não pode fugir aos parâmetros fixados pela lei. 21 “O Estado, uma vez constituído, realiza os seus fins através de três funções em que se reparte a sua atividade: Legislação, administração e jurisdição. A função legislativa liga-se aos fenômenos de formação do direito, enquanto as outras duas, administrativa e jurisdicional, se prendem à fase de sua realização. Legislar (editar o direito positivo), administrar (aplicar a lei de ofício) e julgar (aplicar a lei contenciosamente) são três fases da atividade estatal” (FAGUNDES, 1969, p. 16-17).

Page 29: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

28

Com isso, não se pretende dizer que a administração pública deve se afastar da

legalidade, mas deve pautar-se nas normas constitucionais de forma mais direta e ativa,

independentemente da manifestação do legislador ordinário. Desta forma, supera-se a ideia

restrita de vinculação positiva do administrador à lei, pois o mesmo pode e deve atuar tendo

por fundamento direto a Constituição.

É fato que as transformações ocorridas no modelo de Estado contribuíram para

superação da legalidade formal, já que não há possibilidade de prever legalmente toda

atividade estatal, e por isso a necessidade de uma margem de decisão e discricionariedade a

ser deixada pelo legislador ordinário para o administrador. Por isso, Luís Roberto Barroso

(2010, p. 376) defende “a necessidade de superação da ideia convencional da legalidade como

vinculação positiva do administrador apenas à lei pelo princípio da constitucionalidade ou

juridicidade”.

Dessa forma, constata-se uma tendência na utilização de conceitos abertos pelo

legislador e na concessão de maior liberdade ao administrador, por outro lado, os mecanismos

de controle da administração são intensificados com a observância dos princípios

constitucionais.

Sob esses aspectos, observa-se a consagração do princípio da juridicidade

coadunando-se ao novo momento do direito, em que o administrador deve, sobretudo, atuar

com fundamento não apenas na legislação ordinária, mas também vinculado diretamente às

regras e princípios da Constituição na defesa dos direitos fundamentais como finalidade

precípua a ser perseguida pelo Estado.

Pelo que se observa o direito administrativo passa por significativas mutações

geradas pelas modificações da sociedade e do próprio Estado, pois em tempos de

globalização, as noções de instituições administrativas precisam se adequar aos anseios

sociais modernos, o que não poderia se conceber é uma disciplina do direito administrativo

imutável em relação às transformações do Estado e do direito constitucional (MEDAUAR,

2011, p. 15).

Nesta perspectiva, a constitucionalização do direito administrativo não significou

apenas a mera inserção de dispositivos relativos a alguns institutos do direito administrativo

no texto constitucional, mas a releitura da norma a partir da Constituição (BARROSO, 2010,

p. 375). Sob esse prisma, passa-se a observar o direito sob a nova ótica de aplicação dos

Page 30: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

29

princípios constitucionais, especialmente os processuais, para concretização do Estado

Democrático de Direito.

2.4 AMPLA PROCESSUALIDADE ADMINISTRATIVA COMO NOVO

PARADIGMA

Este trabalho dedicou um tópico em separado para tratar sobre a ampla

processualidade, como novo paradigma do direito administrativo e expressão democrática do

poder do Estatal, em virtude da importância que este assunto tem sido dispensado pelos

doutrinadores modernos do direito administrativo22, e que contribuirá para a fundamentação

teórica do tema desta dissertação.

Luís Roberto Barroso (2010, p.376-377) descreve sobre alguns dos novos

paradigmas advindos com a constitucionalização do direito que influenciaram o estudo do

direito administrativo, podendo ser identificados pela releitura da supremacia do interesse

público sobre o interesse privado e a ascensão do princípio da ponderação de direitos

fundamentais; pela nova concepção de legalidade como vinculação positiva do administrador

não apenas à lei, mas também à própria Constituição; e pela possibilidade de controle judicial

do mérito do ato administrativo e sua motivação23.

Corroborando com esse entendimento, Rafael Oliveira (2010, p.31) acrescenta

ainda a esse rol de reformulações no direito administrativo trazidas por Barroso24, a releitura

da legitimidade democrática da administração com a previsão de instrumentos de participação

dos cidadãos na tomada de decisões administrativas.

22 O autor português Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva (1997) retrata sobre a crise do Estado Liberal e a importância dada atualmente ao processo administrativo, posição que antes era ocupada pelo ato administrativo. 23 Sobre a exigência da motivação do ato administrativo, Flávia Pessoa (2006) destaca que o “dever de motivar os atos administrativos é corolário e garantia do Estado Democrático de Direito, tendo em vista ser a motivação instrumento eficaz para a viabilização da participação e controle popular, podendo desta forma ser exercida a soberania popular, elemento deste Estado Democrático de Direito”. Essa exigência abrange tanto o ato vinculado como o ato discricionário, porque o “princípio da motivação dos atos administrativos, muito embora não expressamente formulado na Constituição Federal, encontra arrimo implícito no art. 1º, caput, inciso II e no parágrafo único do mesmo dispositivo, bem como nos arts. 5º, incisos XXXV e LIV e 93, inciso X, todos da Constituição Federal”. 24 Apesar de Luís Roberto Barroso (2010, p. 250) destacar como característica do neoconstitucionalismo a aproximação entre o Estado e o cidadão, o autor não traz de forma específica a legitimidade democrática, participação e a ampla processualidade como novos paradigmas advindos com a constitucionalização do direito administrativo, e que possui grande destaque na obra dos administrativistas brasileiros modernos como Odete Medauar, Marcelo Harger, Rafael Carvalho Rezende Oliveira.

Page 31: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

30

Pretende-se neste tópico demonstrar que não apenas esses paradigmas surgiram

com a constitucionalização do direito administrativo, mas também a ampla processualidade

administrativa se apresenta como novo enfoque da atuação administrativa, destacando a

consensualidade, a participação e a legitimidade, como formas mais democráticas nas relações

jurídicas com a administração pública.

2.4.1 Relação Jurídica da Administração Pública

A Administração Pública desenvolve diversas relações jurídicas25 seja com

pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, e desempenha uma complexa variedade de

tarefas para realização do interesse público se valendo de seus servidores, órgãos e entidades

que conduzem essas relações intersubjetivas.

A importância do estudo da relação jurídica no direito administrativo é justificada

para compreensão da “instauração de uma relação jurídica (processo administrativo) como

condição de validade da tomada de decisões pela Administração Pública, assim como

entender o papel de parte imparcial cumprido pelo ente público”, e ainda, “reforçar a

existência de limites concretos à atuação administrativa materializados nos direitos e garantias

fundamentais que o cidadão detém na condição de sujeito da relação” (MAZZA, 2012, p.77).

No âmbito interno a administração também desenvolve relação jurídica

intersubjetiva entre o Estado e seus servidores, desde a seleção de pessoal através do concurso

público, passando pela vinculação funcional, até eventual relação processual instaurada para

apuração de infrações funcionais (MAZZA, 2012, p.21).

As relações entre o poder público e as pessoas, inclusive denominados por alguns

doutrinadores como súditos26, foram caraterizadas durante muitos anos pela supremacia do

Estado em face do povo que era o destinatário das prescrições contidas na lei sob sua

subordinação, entretanto, em decorrência das transformações do papel do Estado perante a

sociedade, o consenso se tornou peça essencial para concretização do Estado Democrático de

Direito. 25 No conceito de Alexandre Mazza (2012, p.87) “relação de Administração Pública é o vínculo jurídico regido pelo Direito Administrativo que surge como efeito direito da lei ou da prática de ato administrativo, consistente na ligação concreta e imediata entre dois ou mais sujeitos de direito, sendo que pelo menos um deles se encontra no exercício da função administrativa, e caracterizado pela existência de um complexo de poderes e deveres unidos em torno de uma finalidade pública”. 26 Terminologia utilizada por Rousseau (2002, p.26).

Page 32: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

31

Alexandre Mazza (2012, p.74) destaca que a mudança de enfoque do ato

administrativo pela relação jurídica revela um status da atuação administrativa mais coerente

com o Estado Democrático de Direito, já que “sob a ótica da teoria do ato administrativo, o

particular foi sempre objeto da manifestação estatal, sendo atingido involuntariamente pela

eficácia do ato unilateral praticado por alguém superior”, o Estado. Diferentemente da teoria

da relação jurídica que trata o particular como sujeito de direitos e garantias em face do poder

público, e não mais como “mero objeto do agir administrativo”. Com isso, não se pretende

substituir a teoria do ato administrativo pela relação jurídico-administrativa, pois, na realidade

são institutos distintos do direito administrativo, mas que se complementam.

Em posição contrária, Adolf Merkl (1975, p. 109-110) negava a existência de

relações jurídicas paritárias no direito administrativo, porque se sustentava na distinção entre

direito público e privado. O autor entende que seria difícil admitir direitos subjetivos em favor

do particular, em decorrência da desigualdade deste em relação à estrutura hierarquizada da

administração pública que estava associada às “relações de poder” verticais, estando

vinculado ao período liberal de relacionamento do Poder Público com seus “súditos”. O

indivíduo era considerado um objeto da atuação do Estado, onde vigorava exclusivamente a

relação do poder de forma verticalizada. Neste período sequer existia o sentido de cidadão

como sujeito de direitos e deveres (MAZZA, 2012, p.68).

Sob essa visão contratualista era necessária a imposição de regras de condutas

pelo Estado para garantir a segurança das pessoas, segundo os cânones do período liberal,

enquanto pelo sentido consensual convencional, determinado comportamento do Estado não

pode ser imposto, mas, construído através da manifestação das pessoas interessadas, o que

necessariamente acarreta uma aceitação tácita do grupo, já que é fruto da convicção geral do

que é melhor para todos. Esse “consenso manifesto” denominado por Diogo de Figueiredo

Moreira Neto (2008, p.37) de “modelo convencional” surge como mecanismo a contrastar

com o modelo contratual formal de organização da sociedade. Com a passagem da

“administração impositiva” para uma “administração cidadã”, a consensualidade

administrativa se apresenta como um aspecto no processo de constitucionalização da

administração pública, assim, as relações jurídicas ganham novos rumos (MOREIRA NETO,

2005, p.11-13).

Essa mudança da concepção de relação jurídica da administração pública pode ser

resumida em três parâmetros a ser observado no âmbito processual administrativo: a

consensualidade, a participação e a legitimidade democrática.

Page 33: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

32

2.4.2 Consensualidade, Participação e Legitimidade Democrática

No contexto atual, não é mais possível a concepção de administração pública

impositiva, pois os movimentos constitucionalistas clamam pela efetiva democracia, e isso

somente se verifica no âmbito administrativo com a consensualidade27 e real participação dos

cidadãos no processo decisório que é realizado por meio da condução do processo

administrativo.

O processo administrativo é caracterizado pelo diálogo entre a administração

pública e os particulares, diferentemente da posição unilateral e impositiva do poder público,

antes vista durante o período do Estado Liberal. Nesta senda, o processo administrativo se

apresenta como um elemento que possibilita ao povo de participar das decisões estatais

(SCHIRATO, 2010, p.39).

É certo que a atividade da administração pública deve permitir a participação dos

cidadãos no processo administrativo, até mesmo como garantia ao contraditório, como dito,

previsto constitucionalmente, mas não apenas isso, deve também possibilitar de forma

positiva essa participação. Por esse motivo o processo administrativo tem um papel

fundamental na efetivação da democracia como instrumento pelo qual o povo exerce o seu

poder que se encontra consagrado na Constituição Federal.

Pereira da Silva (1996, p.401) retrata que a participação dos cidadãos no

procedimento constitui um tema atual do direito administrativo moderno, pois a participação

dos particulares na tomada de decisões administrativas representa uma importante forma de

controle e limitação do poder, por meio dela, permite-se a apresentação dos argumentos,

tornando a decisão mais aceitada pelos seus destinatários e assim legitimando a atividade

administrativa. Isso significa uma transformação de fundo da administração, denominada

atualmente como a “democratização da Administração Pública”.

27 Nas palavras de Vasco Manuel Pereira da Silva (1996, p.403) “a participação no procedimento, num Estado Democrático e de Direito, não deve significar que as decisões administrativas tenham de ser sempre forçosamente consensuais ou (muito menos) compromissórias, ou que à Administração não continue a caber a responsabilidade última pela decisão tomada. Antes, deve significar que a Administração tem de fazer as suas escolhas, ponderando as posições dos privados e que deve procurar a sua colaboração no exercício da atividade administrativa. A participação no procedimento deve, pois, ter por limite a responsabilidade pelas decisões tomadas, e a legitimação resultante do procedimento deve acrescer – sem se substituir - à legitimidade constitucional da Administração”.

Page 34: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

33

A ideia de legitimidade da atuação administrativa está ligada ao princípio do

Estado Democrático de Direito, assim, além de exigir o respeito aos direitos fundamentais,

está relacionada com a democratização da atividade do poder público. Enquanto no período

liberal, o Estado de Direito era submetido ao princípio da legalidade pura e simplesmente, no

Estado Democrático de Direito de hoje, além do respeito à Constituição Federal e a lei, a

atividade administrativa deve está pautada no respeito à legitimidade com a aproximação

entre Estado e cidadão (OLIVEIRA, 2010, p.113).

A administração pública antes vista como impositiva, agora passa a atuar como

parceira na efetivação dos direitos fundamentais, ocorrendo uma aproximação do Estado com

a sociedade, evitando o uso da coerção e prestigiando a participação dos administrados nas

decisões políticas. Com efeito, democratizar um Estado significa dizer que a sua atuação deve

corresponder a vontade do povo.

Odete Medauar (2008, p.70) destaca que o “poder é, por si próprio autoritário. No

âmbito estatal, a imperatividade característica do poder, para não ser unilateral e opressiva,

deve encontrar expressão em termos de paridade e imparcialidade”. Por isso a importância da

legitimação do poder, já que a participação do povo no processo decisório permite aferir se o

poder foi exercido de acordo com as finalidades públicas para as quais foi atribuído.

2.4.3 A contribuição filosófica de Habermas e Luhmann

A legitimação da atuação estatal através da participação popular ganha suporte

filosófico através da teoria da democracia deliberativa de Habermas (2003) a qual defende a

comunicação dos possíveis atingidos28, com a deliberação dos cidadãos sobre determinada

decisão política. Pela teoria discursiva procedimental, os cidadãos devem participar do

processo de criação do direito, que no âmbito da administração pública corresponde à decisão

administrativa, não podendo ser realizado apenas através da força (OLIVEIRA, 2010, p. 114).

28 “No sistema da administração pública concentra-se um poder que precisa regenerar-se a cada passo a partir do poder comunicativo. Por esta razão, o direito não é apenas constitutivo para o código do poder que dirige o processo de administração: Ele forma simultaneamente o médium para a transformação do poder comunicativo em administrativo. Por isso, é possível desenvolver a ideia do Estado de direito com o auxílio de princípios segundo os quais o direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo e este último é novamente transformado em poder administrativo pelo caminho do direito legitimamente normatizado” (HABERMAS, 2003, p. 212).

Page 35: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

34

Para Habermas (2003, p. 142) “são válidas as normas de ação às quais todos os

possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de

discursos racionais”. Neste sentido, são consideradas legítimas as decisões administrativas

que proferidas diante de um procedimento democrático, permite a participação real e efetiva

dos participantes, ou melhor, dos possíveis atingidos com a norma de ação.

A visão de democracia deliberativa de Habermas29 (2003, p.104) baseada na

comunicação e participação dos possíveis atingidos orientados de forma procedimental, na

qual os próprios participantes institucionalizam esses procedimentos para formação da

vontade política, contribui filosoficamente para fundamentar a maior participação do cidadão

na atividade estatal, legitimando a decisão política através do procedimento, além de

incentivar o controle social do ato administrativo.

Para Habermas (2003, p.213) o “poder político é deduzido do poder comunicativo

dos cidadãos. O exercício do poder político orienta-se e se legitima pelas leis que os cidadãos

criam para si mesmos numa formação da opinião e da vontade estruturada discursivamente”.

Trata-se de um processo democrático fundamentado no discurso e destinado a garantir um

tratamento racional de questões políticas.

Diferente da democracia representativa, onde a decisão pública se resume à

vontade da maioria representada no político eleito, como se verifica nos tempos clássicos. Na

visão atual, para haver legitimidade é fundamental o processo comunicativo entre o Estado e a

população, onde as pessoas diretamente atingidas devem ser ouvidas através de um discurso

racional, no qual os próprios participantes institucionalizariam os pressupostos comunicativos

29 Habermas (2003, p. 212-213) destaca que “no princípio da soberania popular, segundo o qual todo poder do Estado vem do povo, o direito subjetivo à participação, com igualdade de chances, na formação democrática da vontade, vem ao encontro da possibilidade jurídico-objetiva de uma prática institucionalizada de autodeterminação dos cidadãos. Esse princípio forma a charneira entre o sistema dos direitos e a construção de um Estado de direito. Interpretado pela teoria do discurso (a), o princípio da soberania popular implica: (b) o princípio da ampla garantia legal do indivíduo, proporcionada através de uma justiça independente; (c) os princípios da legalidade da administração e do controle judicial e parlamentar da administração; (d) o princípio da separação entre Estado e sociedade, que visa impedir que o poder social se transforme em poder administrativo, sem passar antes pelo filtro da formação comunicativa do poder”. “Uma vez que a pergunta acerca da legitimidade das leis que garantem a liberdade precisa encontrar uma resposta no interior do direito positivo, o contrato da sociedade faz prevalecer o princípio do direito, na medida em que liga a formação política da vontade do legislador a condições de um procedimento democrático, sob as quais os resultados que apareceram de acordo com o procedimento expressam per se a vontade consensual ou o consenso racional de todos os participantes. Desta maneira, no contrato da sociedade, o direito dos homens a iguais liberdades subjetivas, fundamentado moralmente, interliga-se com o princípio da soberania do povo. Os direitos do homem, fundamentados na autonomia moral dos indivíduos, só podem adquirir uma figura positiva através da autonomia política dos cidadãos. O princípio do direito parece realizar uma mediação entre o princípio da moral e o da democracia” (HABERMAS, 2003, p. 127).

Page 36: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

35

e os procedimentos para a formação da vontade política, devendo ser garantida a comunicação

dos atingidos e a sua participação (OLIVEIRA, 2010, p.115).

Para Rafael Oliveira (2010, p.113) no âmbito do direito administrativo, a

“participação do cidadão na atuação administrativa é uma forma de concretizar o princípio do

Estado Democrático de Direito”, conferindo uma legitimidade renovada à administração, o

que “não significa abandonar a democracia representativa, mas compensar o déficit

democrático do sistema representativo”. Neste cenário, o processo administrativo se destaca

como instrumento que garante a participação do cidadão e consequentemente a legitimação do

exercício do poder estatal.

Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2008, p.39) o processo é um

meio de “legitimação convencional substantiva” por se referir diretamente a um direito

fundamental, e traz legitimidade à medida que permite a participação dos particulares no

processo decisório estatal, ponderando os interesses existentes, e servindo para legitimar o uso

do poder estatal pelo consenso e não pela força.

Com isso, as decisões da administração pública tornam-se legítimas e em razão

desta consensualidade permite um maior cumprimento por parte dos destinatários30, já que a

decisão deixa de ser imposta e passa a ser construída conjuntamente com seus interessados,

permitindo uma maior efetividade da decisão estatal.

Niklas Luhmann (1980, p. 45) propõe a legitimação pelo procedimento baseada

nos aspectos sociológicos e na comunicação dos participantes, a qual permite a maior

abertura, complexidade e possibilidade de contradições, e em virtude desta cooperação com a

verdade é possível o consenso31, como uma aceitação geral da decisão validamente motivada,

apesar de que em alguns momentos haja necessidade de utilizar a coação32.

30 Pereira da Silva (1996, p.402) retrata que “a participação dos privados no procedimento, ao permitir a ponderação pelas autoridades administrativas dos interesses de que são portadores, não só se traduz numa melhoria de qualidade das decisões administrativas, possibilitando à Administração uma mais correcta configuração dos problemas e das diferentes perspectivas possíveis da sua resolução, como também torna as decisões administrativas mais facilmente aceites pelos seus destinatários. Pelo que a participação no procedimento constitui um importante fator de legitimação e de democraticidade de actuação da Administração Pública”. 31 Niklas Luhmann (1980, p.29-30) retrata que “nenhum sistema político se pode apoiar apenas sobre uma força física de coação, mas antes deve alcançar um consenso maior para permitir um domínio duradouro. Como o também é certo que um consenso atual, baseado na coerência “casual” dos interesses, não constitui apoio suficiente da soberania; os rebeldes têm de poder ser dominados em caso de necessidade. Ambos, coação e consenso, tem, portanto, de existir sob qualquer forma de relação de associação. Com certeza isto é exato mas tem pouca importância quanto aos processos efetivos que produzem o fenômeno espantoso e surpreendente duma aceitação geral das decisões do governo e as garantem”. Na verdade ocorre uma satisfação interior quando existe uma “participação” democrática nas decisões do governo, legitimando o procedimento através de um

Page 37: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

36

O autor desenvolve uma teoria jurídica sociológica do procedimento que

ultrapassa a simples compreensão do procedimento legal, nos termos estabelecidos na lei ou

no regulamento, já que o procedimento não pode ser considerado como uma mera sequência

de atos ou ações33, mas deve ser assimilada como um “sistema social especial” interligado aos

conceitos de ação, situação e relação jurídica, dentro de uma estrutura do sistema

institucionalizado (LUHMANN, 1980, p.38). Trata-se então de um “processo

institucionalizado de aprendizado, como uma transformação estrutural permanente de

expectativas que acompanha o procedimento de decisão” (LUHMANN, 1980, p.35),

determinando, portanto, um acontecimento real e não meramente normativo.

Com efeito, a democracia encontra-se alicerçada na possibilidade ampla de

participação dos interessados no processo de decisão do poder público, nessa medida, quanto

mais o país se afasta desses cânones democráticos de participação e consensualidade, menos

legítimo. E o processo administrativo se destaca não apenas como instrumento de participação

dos interessados na decisão do poder público, mas permite a legitimação desse poder sob seus

aspectos democráticos. Por esse motivo os cidadãos devem participar do processo

administrativo de forma ampla, para permitir a legitimidade da decisão na atividade do poder

estatal.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2008, p. 21) destaca o referencial de

legitimidade sustentado na tríplice posição decorrente do pós-modernismo democrático,

porque “além da investidura legítima no poder (legitimidade pelo título)”, demanda-se “um reconhecimento generalizado denominado por Luhmann (1980, p.30) de “disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância”, através dos “mecanismos sociais que identificam conjunturas muito heterogêneas de motivos”, mas, consensualidade não significa necessariamente aceitação da decisão. 32 “O conceito de aceitação tem de ser correspondentemente formalizado. O que quer dizer é que os indivíduos, por quaisquer motivos, assumam sempre as decisões como premissas do seu próprio comportamento e estruturem as suas expectativas de acordo com isso. [...] Encontrar a fórmula de harmonizar, que permita uma integração na personalidade pela conservação de sua identidade, fica a cargo da fantasia e do poder criador do particular e das suas chances de apoio social. Em todo caso, na base do reconhecimento está um processo de estudo, uma transformação das premissas segundo as quase se elaboram os acontecimentos e se escolhem atuações em que o indivíduo procura continuar a viver em protesto contra a decisão, apresenta resistência, vai sempre buscar o direito lesado, volta sempre buscar o seu direito lesado, volta sempre a arrancar a crosta da ferida e procura organizar auxílio e adesão contra a decisão, em resumo, não aprende: permanece com as suas anteriores expectativas frustradas. Por meio dum aprendizado bem sucedido, as expectativas alteradas pela decisão automaticamente consideradas de dentro para fora e tratadas como um fato (oportuno ou inoportuno); no aprendizado fracassado há necessidade, de situação para situação, de estímulos exteriores para estabelecer um comportamento correspondente à decisão” (LUHMANN, 1980, p.33). 33 “Aqui existe um erro óbvio a ser evitado: um procedimento não pode ser considerado como uma sequência fixa de ações determinadas. Uma tal opinião conceberia o procedimento como um ritual em que uma única ação estaria certa em cada caso e as ações estariam de tal forma encadeadas que, excluindo a possibilidade de escolha, uma dependeria da outra. Essas ritualizações têm uma função específica. Fixam a ação estereotipada e criam assim segurança, independentemente das consequências fáticas que são depois atribuídas a outras forças, que não a ação”(LUHMANN, 1980, p.37).

Page 38: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

37

exercício legítimo do poder (legitimidade pelo exercício)” e ainda um “resultado legítimo do

emprego do poder (legitimidade pelo resultado)”. Tal perspectiva decorre da transformação

do conceito de democracia, que passa de uma acepção formal para material, amparado em três

princípios: o da participação, da eficiência e do controle.

Com efeito, a ampla processualidade administrativa, identificada pelos aspectos

da consensualidade, participação e legitimidade democrática, revela-se também como novo

paradigma advindo com a constitucionalização do direito administrativo, sendo o processo

administrativo o principal instrumento de concretização dos direitos fundamentais, e tendo

como resultado a maior participação do cidadão nos processos decisórios da administração

pública.

A incorporação desses aspectos principiológicos e filosóficos atrelados às novas

formas interpretação constitucional com a Constituição Federal no centro do ordenamento

jurídico, têm por finalidade garantir a efetividade e a concretização dos direitos fundamentais,

constituindo o novo parâmetro para o direito administrativo.

Dessa forma, o processo administrativo amparado nos princípios processuais

constitucionais, serve como instrumento de concretização dos direitos fundamentais, com a

finalidade não apenas de limitar a atuação estatal face os abusos cometidos pelo poder estatal,

mas também, de promover essas garantias com a atuação mais positiva do Estado,

contribuindo para concretização do Estado Democrático de Direito. Ademais, pretende-se,

com o enfoque dos aspectos processuais, estudar o princípio constitucional do contraditório e

da ampla defesa que será aprofundado no próximo capítulo.

Page 39: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

38

3 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Ao tratar sobre a interpretação e aplicação de determinado princípio constitucional

como direito fundamental, tem-se necessariamente como ponto de partida34 a definição,

distinção e colisão entre princípios e regras jurídicas, a própria interpretação da norma e o

papel do intérprete diante da constitucionalização do direito, para então adentrar no princípio

objeto de estudo deste trabalho.

O escopo desta dissertação não é investigar exaustivamente a doutrina que estuda

as diversas concepções de princípios e regras, mas trazer sinteticamente os principais

fundamentos teóricos sobre este assunto, que servirão de base para interpretação e aplicação

do princípio do contraditório e da ampla defesa em contraposição a outros princípios e aos

dispositivos legais que tratam sobre a defesa no processo administrativo disciplinar.

3.1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS

3.1.1 Distinção entre Princípios e Regras

Realizar a distinção entre princípios e regras é uma tarefa complexa, diante das

discussões polêmicas travadas pela doutrina nacional e estrangeira, entretanto, será proposta

de forma sucinta a diferenciação conjugando alguns critérios, independente dos debates

intermináveis referentes às críticas de cada definição.

A doutrina tem apresentado diversos critérios para estabelecer a distinção entre

princípios e regras, porém, o mais utilizado é aquele que determina o grau de abstração, o

modo de aplicação35 e o conflito normativo36.

34 Alexy (2011, p.85) utiliza esta terminologia, enfatizando que “para a teoria dos direitos fundamentais, a mais importante delas é a distinção entre regras e princípios. Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais” [...] “a distinção entre regras e princípios constitui, além disso, a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais e, com isso, um ponto de partida para a resposta à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito dos direito fundamentais. Nesse sentido, a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais”. 35 Guastini (2001, p.132-133) utiliza o critério da aplicação ao identificar que o princípio é fruto da discricionariedade interpretativa, o que exige necessariamente um juízo de valor acerca da importância das diversas disposições que compõem o ordenamento jurídico. E finaliza o tópico afirmando que a identificação de

Page 40: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

39

Os princípios e regras são espécies de normas jurídicas37 que possuem força

normativa, distinguem-se, porque os princípios são normas fundamentais do sistema jurídico

de conteúdo axiológico que possuem um grau de abstração maior e que em caso de conflito

deve ser resolvido através da ponderação dos valores constitucionalmente protegidos, já as

regras são normas de conteúdo prescritivo, na qual a sua aplicação depende da avaliação

finalística da norma e no caso de conflitos deve ser resolvido através da validade ou ainda

com a criação da cláusula de exceção, afastando a aplicação da regra.

Para Alexy (2011, p.90-91), os princípios são “mandamentos de otimização” que

podem ser satisfeitos em vários graus a partir das possibilidades fáticas e normativas

verificadas, ou seja, “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”, já que o conteúdo dos

princípios são normas de conduta que somente pode ser determinado diante dos fatos

concretos, enquanto as regras são normas que determinam exatamente o que deve ser

realizado ou não, “contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e

juridicamente possível”.

Na doutrina brasileira, Humberto Ávila38 (2012, p.43-85) se dedicou ao estudo da

teoria dos princípios e realizou uma análise crítica partindo dos critérios distintivos. Ao

concluir, trouxe que as regras são normas descritivas retrospectivas, porque no momento de

aplicação deve ser realizada uma avaliação entre a correspondência dos fatos com a descrição

normativa, e os princípios são normas finalísticas prospectivas, que no momento de aplicação

o intérprete realiza a fixação do conteúdo de acordo com os fins pretendidos.

princípios é um problema do direito positivo, e não um problema teórico geral e filosófico jurídico sem consequências práticas. 36 Alexy (2011, p.87) destaca que “há diversos critérios para se distinguir regras de princípios. Provavelmente aquele que é utilizado com mais frequência é o da generalidade. Segundo esse critério, princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo”. E apresenta outro critério de distinção com base no fato de serem os princípios, as razões para regras ou ainda serem normas de argumentação ou normas de comportamento (ALEXY, 2011, p.89). 37 Canotilho (2003, p.1160) destaca que “(1) as regras e princípios são duas espécies de normas; (2) a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas”, e propõe vários critérios para a distinção entre regras e princípios: “a) Grau de abstração”, “b) Grau de determinabilidade”, “c) Caráter de fundamentalidade”, “d) Proximidade da ideia de direito”, “f) Natureza normogenética”. Alexy (2011, p.87) também assevera que “tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser”. Para Paulo Bonavides (2002, p.243) “princípios são normas e as normas compreendem igualmente os princípios e regras”. 38 “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” (ÁVILA, 2012, p. 85).

Page 41: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

40

Neste sentido, as regras são determinadas para sua exata aplicação, devendo ser

afastada quando não se encaixa ao fato descrito na norma, enquanto os princípios serão

determinados de acordo com os fins trazidos através do sentido e alcance no caso em

concreto.

3.1.2 Colisão entre normas

Para Alexy (2011, p.92-93) o conflito entre regras é resolvido através da

declaração de invalidade39, sendo extirpada a regra inválida do ordenamento jurídico, ou

ainda através da cláusula de exceção. Por outro lado, a colisão entre princípios é resolvida

através da precedência de um princípio em face do outro através da dimensão de peso, por

isso, afirma que “os princípios possuem pesos diferentes, e que os princípios com o maior

peso têm precedência”40. Como os princípios possuem a natureza de “mandamentos de

otimização” diante das possibilidades fáticas e jurídicas, isso implica a “máxima da

proporcionalidade” que se traduz nos três pontos: adequação, necessidade e proporcionalidade

em sentido estrito, aplicados no sopesamento decorrente da relativização das possibilidades

fáticas e jurídicas41 do plano em concreto (ALEXY, 2011, p.117).

Humberto Ávila (2012, p.57) critica o “critério do conflito normativo” que

distingue a colisão entre normas, afirmando que a ponderação ou balanceamento não é

método privativo de aplicação dos princípios, nem que somente os princípios possuem uma

dimensão de peso42. Pois, a ponderação das razões e contrarrazões culminam com a decisão

39 Para Alexy (2011, p.94) o conflito entre regras se verificam na dimensão de validade, enquanto as colisões entre princípios ocorrem na dimensão de peso. 40 “A questão decisiva é, portanto, sob quais condições qual princípio deve prevalecer e qual deve ceder. Nesse contexto, o Tribunal Constitucional Federal utiliza-se da muito difundida metáfora do peso. Em suas palavras, o que importa é se os interesses do acusado no caso concreto têm manifestamente um peso significativamente maior que os interesses a cuja preservação a atividade estatal deve servir. [...] Em um caso concreto, o princípio P1 tem um peso maior que o princípio colidente P2 se houver razões suficientes para que P1 prevaleça sobre P2 sob as condições C, presentes nesse caso concreto” (ALEXY, 2011, p.97). “(K) Se o princípio P1 tem precedência em face do princípio P2 sob as condições C: (P1 P P2) C, e se do princípio P1, sob as condições C, decorre a consequência jurídica R, então, vale uma regra que tem C como suporte fático e R como consequência jurídica: C→R. [...] Essa lei, que será chamada de “lei de colisão”, é um dos fundamentos da teoria dos princípios aqui defendida” (ALEXY, 2011, p.99). 41 “A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas. Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas” (ALEXY, 2011, p.118). 42 Tratando sobre o assunto Ávila (2012, p.65) assevera que a “dimensão axiológica não é privativa dos princípios, mas elemento integrante de qualquer norma jurídica, como comprovam os métodos de aplicação que relacionam, ampliam ou restringem o sentido das regras em função dos valores e fins que elas visam a

Page 42: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

41

de interpretação, que também pode estar presente quando da interpretação da regra. A

distinção é que as regras entram em conflito no plano abstrato, solucionado através da

“problemática da validade das normas”, enquanto os princípios entram em conflito no plano

em concreto, e a solução do conflito é resolvida através da “problemática de aplicação”.

Noutro ponto, Ávila (2012, p.57-58) assevera que há casos em que “as regras

entram em conflito sem que percam sua validade, e a solução para o conflito depende da

atribuição de peso maior a uma delas”, por isso “não é absolutamente necessário declarar a

nulidade de uma das regras, nem abrir uma exceção a uma delas”, ou ainda retirar do

ordenamento jurídico. Na realidade ocorre é um conflito concreto entre as regras, e nesta

situação, o “julgador deverá atribuir um peso maior a uma das duas, em razão da finalidade

que cada uma delas visa a preservar” (ÁVILA, 2012, p.58), logo, a solução também está no

plano de aplicação e não no nível de validade.

Por essas razões que intensifica cada vez mais a importância do papel do

intérprete no momento de aplicação das normas, pois, sejam regras ou princípios ambos

passam pela interpretação e a ponderação dos argumentos.

Neste trabalho será abordada a discussão sobre a colisão entre o princípio

constitucional do contraditório e da ampla defesa e a regra que dispõe sobre o direito de

defesa do acusado no Estatuto dos Servidores Públicos Federais (art. da Lei 8.112/90), que

diante das condições do caso específico objeto de investigação, enfrentará as razões que

levaram a edição da Súmula Vinculante n. 05, que manteve a facultatividade da defesa técnica

nos processos administrativos disciplinares.

Apesar de o princípio do contraditório e da ampla defesa (P1) ser um direito

fundamental constitucionalmente garantido, logo, deveria ser exercido na sua maior medida

possível43 dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Assim, no momento da

interpretação e aplicação no caso concreto deve ser dada a máxima efetividade ao princípio

constitucional, por essa razão pretende-se analisar a referenciada decisão da Corte Suprema.

Pois, ainda que houvesse a colisão com outro princípio constitucional da liberdade e

resguardar. As interpretações, extensivas e restritivas, são exemplos disso” [...] “Vale dizer, a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princípios, justificador de uma diferença lógica relativamente às regras, mas resultado de juízo valorativo do aplicador. Dessa forma, a dimensão de peso não é atributo abstrato dos princípios, “mas qualidade das razões e dos fins a que eles fazem referência, cuja importância concreta é atribuída pelo aplicador”. 43 “Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. [...] Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas” (ALEXY, 2011, p. 104).

Page 43: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

42

autonomia de elaborar sua própria defesa (P2), a problemática deve ser resolvida utilizando a

teoria defendida por Alexy da ponderação e sopesamento entre os princípios constitucionais,

em que deve ser utilizada a máxima da proporcionalidade.

Este debate será posteriormente aprofundado no transcorrer desta dissertação,

seguindo a sequência lógica da pesquisa, que primeiramente será estudado sobre a

determinação do sentido e alcance deste princípio para que o mesmo seja aplicado ao caso em

concreto.

3.1.3 Interpretação e aplicação da norma jurídica

A interpretação e aplicação do direito têm passado por relevantes transformações

em decorrência do surgimento do novo pensamento jurídico crítico, da nova hermenêutica

constitucional baseada nos princípios e valores fundantes da sociedade moderna, bem como

da influência no campo filosófico do pós-positivismo.

Na época clássica a interpretação do direito era traduzida como uma atividade de

mera compreensão do significado do texto normativo, ou seja, interpretar era o mesmo que

identificar os signos linguísticos. Por isso que neste período somente era necessário interpretar

normas quando estas possuíam alguma obscuridade, ambiguidade ou imprecisão nas palavras

e expressões jurídicas, traduzido pelo brocardo hermenêutico “in claris cessat interpretativo”

(GRAU, 2002, p.61-62). E assim surgia a atividade do intérprete de buscar a compreensão e o

sentido do pensamento do legislador da época quando a lei não fosse clara.

A Escola da Exegese teve seu papel fundamental durante o período da Revolução

Francesa, já que se fazia necessário um ambiente de segurança jurídica, o que foi alcançado

com as codificações, com o objetivo de atender os anseios da nova classe da burguesia que

almejava o poder, logo, o método dogmático exegético surgiu por influência do seu tempo

revolucionário burguês. No dizer de Plauco de Azevedo (2000, p.44) a finalidade ideológica

era de manutenção do status quo, estando o sistema jurídico autossuficiente, a lei tornava-se

um dogma sob a perspectiva apenas formal.

Interessante notar que naquele “contexto pós-revolução esse traço dogmático não

era perceptível”, tendo em vista que correspondia exatamente ao contexto social daquela

época, “caracterizada pela correlação das forças sociais então existentes” (AZEVEDO, 2000,

Page 44: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

43

p.44). Assim, o direito naquele período correspondia exatamente aos anseios da sociedade

burguesa, ou seja, estava atrelado a uma realidade social que atendia a necessidade do seu

tempo.

Com as transformações do Estado e o desenvolvimento da sociedade, o modelo

tradicional decorrente da racionalidade dominante dessa época, tornou-se insatisfatório, pois o

sentido de completude do ordenamento jurídico não se mostrava mais eficiente, porque não

conseguia responder às necessidades da sociedade moderna.

O pensamento filosófico, científico e jurídico baseado na racionalidade formal

positivista perdeu espaço para novos modelos que surgiram para solucionar os problemas

decorrentes da “crescente complexidade dos conflitos, à heterogeneidade socioeconômica, à

concentração e centralização do capital, à expansão do intervencionismo estatal, à hipertrofia

do Executivo” (WOLKMER, 2006, p.02).

Wolkmer (2006, p.03) pretende difundir a consciência para o novo direito, com a

discussão teórico-prática e a modificação dos valores e postura na interpretação e aplicação do

direito, que surgiu em decorrência das modificações na realidade social e política,

estimulando o repensar do direito como instrumento capaz de impulsionar a construção de

uma organização social mais justa, pluralista, democrática e antidogmática.

Diante dessa revolução da hermenêutica moderna, o papel do intérprete jurídico

não pode ficar ainda adstrito ao pensamento do legislador da época, mesmo porque o direito é

dinâmico e trata das relações da sociedade, com mudanças no campo social, político e

filosófico, logo, não poderia ficar estático diante dessas transformações.

Para Eros Grau44 (2002, p. 49) a interpretação do direito tem natureza constitutiva,

e não simplesmente declaratória, porque não apenas descreve o sentido do texto normativo,

44 Eros Roberto Grau (2002, p.76) entende que a interpretação e aplicação do direito significa uma só operação, não considerando como dois momentos distintos, sendo então um processo unitário, e ainda afirme que somente o intérprete autêntico, que é o juiz, tem o poder de produzir a norma, único com capacidade de concretizar o direito e praticar a interpretação até o final, tal afirmação não pode ser digerida sem algumas reflexões. Isso porque a interpretação do direito pode ser realizada por qualquer pessoa que ao se deparar com o texto legal, tem por finalidade dar um significado ou sentido ou ainda produzir a norma jurídica, a partir das circunstâncias fáticas do caso sob a análise. Pois, não se interpreta o direito apenas para sua aplicação perante o poder judiciário, também se interpreta o direito como forma de conduzir determinado comportamento e solucionar qualquer problema jurídico, seja nas relações privadas, perante o poder executivo ou legislativo. Assim, interpreta-se para agir conforme o direito, e esse fato de agir também significa aplicar o direito ou colocá-lo em prática. Além disso, não pode deixar de enfatizar o papel do administrador público que também realiza a interpretação do direito para aplicá-lo nos atos da administração coadunando-se ao ordenamento jurídico, inclusive nos processos administrativos disciplinares no qual é nomeada uma comissão para investigar fatos e apurar eventual ilícito administrativo praticado pelo servidor, aplicando a penalidade que for cabível ao caso concreto.

Page 45: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

44

mas passa pela compreensão das circunstâncias fáticas, para então produzir a norma jurídica.

Para o autor a interpretação é um processo de transformação do texto normativo em outra

norma, por isso que o juiz produz o direito através da norma decisão, assim, “a norma não é

apenas texto normativo, pois é o produto do texto e dos fatos da realidade” (GRAU, 2002, p.

49).

Ao tratar sobre a interpretação da norma, Humberto Ávila45 (2012, 36) destaca

que a tarefa de interpretar significa o mesmo que “reconstruir” a norma, ou melhor, “construir

a partir” do texto normativo considerando o núcleo dos sentidos da linguagem incorporados

através das circunstâncias de cada caso concreto.

Voltando-se ao ponto do tema proposto, pretende-se compreender o legislador da

época, quando da edição da Lei 8.112/90, para reconstruir a norma jurídica a partir da nova

ordem de valores dos princípios constitucionais e enfrentar os argumentos de que a mera

subsunção mecânica da norma que faculta a defesa técnica no processo administrativo

disciplinar não atende ao contraditório e a ampla defesa.

Plauco de Azevedo (2000, p.40) assinala que a “sociedade e o poder legislativo

são os criadores do direito, cabendo ao jurista determinar o significado do direito, a fim de

aplicá-lo corretamente à realidade social”, por isso, o autor afirma que é importante “superar o

pensamento lógico-formal a que se encontra à Ciência do Direito”, procurando através da

metodologia trabalhar a “investigação-interpretação do direito e a construção-reelaboração (da

norma e da realidade)”, não sendo apenas um trabalho mecânico através da mera subsunção

característico do silogismo-dedutivo. Por esse motivo afirma que a dogmática jurídica precisa

aperfeiçoar o instrumento de investigação e reconstrução da norma que é dirigido a sua

aplicação a uma realidade social.

45 Ao tratar sobre a interpretação da norma Humberto Ávila (2012, p.36-37) afirma que “o intérprete não só constrói, mas reconstrói sentido, tendo em vista a existência de significados incorporados ao uso linguístico e construído na comunidade do discurso. Expressões como “provisória” ou “ampla”, ainda que possuam significações indeterminadas, possuem núcleos de sentidos que permitem, ao menos, indicar quais as situações em que certamente não se aplicam: provisória não será aquela medida que produz efeitos ininterruptos no tempo; ampla não será aquela defesa que não dispõe de todos os instrumentos indispensáveis à sua mínima realização. E assim por diante. Daí se dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual. A conclusão trivial é a de que o Poder Judiciário e a Ciência do Direito constroem significados, mas enfrentam limites cuja desconsideração cria um descompasso entre a previsão constitucional e o direito constitucional concretizado. Compreender “provisória” como permanente, “trinta dias” como mais de trinta dias, “todos os recursos” como alguns recursos, “ampla defesa” como restrita defesa , [...] não é concretizar o texto constitucional. É, a pretexto de concretizá-lo, menosprezar seus sentidos mínimos. Essa constatação explica porque a doutrina tem tão efusivamente criticado algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal”.

Page 46: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

45

E qual a realidade social até então constatada com a pesquisa, é a de que o

processo administrativo ganhou posição de destaque na administração pública, e que deve ser

permitida a ampla participação dos cidadãos no processo decisório, e para isso devem ser

efetivados os princípios processuais constitucionais. Inobstante, o pensamento do legislador

na época da edição da Lei 8.112/90, após a Constituição Federal de 1988, o intérprete da

norma não pode se restringir a concepção clássica de ato administrativo e ao modelo de

administração pública impositiva desse período.

Com isso, pode-se afirmar que as normas não devem ser mais interpretadas

partindo simplesmente da lógica formal, consoante ao texto legal, mas deve também atender

as necessidades da sociedade, fazendo o direito ser dinâmico, que para tanto deve ser baseada

nos novos métodos de aplicabilidade dos princípios.

Dada à importância dos princípios e da sua normatividade, passa-se então para a

interpretação do princípio objeto desta dissertação, determinando o sentido e alcance do

contraditório e da ampla defesa na sua maior medida possível, para alcançar a sua

concretização, partindo da norma matriz do direito processual, o “devido processo legal”.

3.2 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO

A cláusula do “devido processo legal” encontra-se intrinsecamente relacionada ao

sentido e alcance do princípio do contraditório e da ampla defesa, revelado por alguns

doutrinadores46 como resultado da concretização desse postulado, observada sob seu aspecto

substancial47 de acordo com os fins e valores do Estado Democrático de Direito.

46 Ada Pellegini (1975, p.18-19) afirma que ao conteúdo do due process of law, significa a garantia da ação e da defesa em juízo, permitindo o desenvolvimento do processo com a observância do contraditório e dos meios processuais que possibilitem a igualdade entre as partes. No mesmo sentido, Dirley da Cunha Jr. (2009, p. 700) anota que a garantia do contraditório e da ampla defesa “complementam e dão sentido e conteúdo à garantia do devido processo legal, pois seria demasiado desatino garantir a regular instauração formal de processo e não assegurar o contraditório e a ampla defesa àquele que poderá ter a sua liberdade ou o seu bem cerceado; ademais, também não haveria qualquer indício de razoabilidade e justiça numa decisão quando não se permitiu ao individuo às mesmas garantias do contraditório e da ampla defesa. São assim, garantias que se casam numa união indissolúvel. O contraditório, numa acepção mais singela, é garantia que assegura à pessoa sobre a qual pesa uma acusação o direito de ser ouvida antes de qualquer decisão a respeito. A ampla defesa, a seu turno, é a garantia que proporciona a pessoa contra quem se imputa uma acusação a possibilidade de se defender e provar o contrário. É obvio que, para o sucesso dessas garantias, é necessário que a pessoa tome conhecimento dos fatos que lhe atingem para poder, ouvida a respeito, deles se defender e apresentar as provas necessárias. Negar essa possibilidade é abuso manifesto, é arbitrariedade, pois viola frontalmente a Constituição e o Estado Democrático de Direito”. 47 Carmén Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 477-478) destaca o “princípio do devido processo constitucionalmente assegurado significa, em primeiro lugar, o dever da Administração Pública de atuar material e formalmente,

Page 47: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

46

O “due process of law” teve sua origem, ainda que de forma embrionária, através

da Magna Carta do Rei João Sem Terra em 1215 na Inglaterra, e neste período medieval, não

se imaginava o grau de importância que tal cláusula se despontaria no direito como sendo uma

“suprema garantia das liberdades fundamentais do indivíduo e da coletividade em face do

Poder Público” (CASTRO, 2006, p.5), após quase oito séculos depois.

Dessa época para atualidade, o postulado do devido processo legal passou por

diversas transformações verificadas especialmente através da jurisprudência48 norte-

americana. No início era traduzida como uma simples garantia processual que assegurava a

regularidade de um processo previsto formalmente, entretanto, hodiernamente é entendida não

apenas no seu sentido processual, o procedural due process, mas também no sentido

substantivo49, o substantive due process (CASTRO, 2006, p.29).

O princípio do devido processo legal teve seu apogeu com os pronunciamentos

jurisprudenciais na Corte dos Estados Unidos da América relacionados à atuação do poder do

Estado, principalmente no controle dos atos legislativo e em face das decisões da

administração pública, de modo que as primeiras discussões sobre o assunto estavam atreladas

à limitação do poder público50, por conseguinte, afetavam as relações entre o Estado e o

indivíduo (CASTRO, 2006, p.49).

segundo o que o direito determine, fazendo com que o desempenho dessa atividade se faça por uma relação tendo como um dos pólos o administrado, que participa da dinâmica administrativa; em segundo lugar, o direito do administrado de que essa relação se desenrole segundo os princípios que conferem segurança jurídica a seu patrimônio”. Esse princípio “passou a constituir a baliza na idéia democrática da limitação do poder público. E não apenas como limite formal, mas como limite positivo material, a dizer, não somente como forma de extrema negativa, além do qual o poder não poderia atuar por adentrar o patrimônio jurídico protegido de alguém, mas também como limite material positivo no sentido de que o conteúdo das decisões administrativas e a impositividade de sua prática justa e adequada ao sistema jurídico marcam-se e controlam-se pelo princípio do devido processo legal” (ROCHA, 1999, p. 477). 48 Carlos Roberto Siqueira Castro (2006, p.26-27) ao retratar sobre a origem e a evolução do devido processo legal destaca que “em razão do seu enunciado elástico e amoldável às exigências cambiantes daquela sociedade vocacionada ao progresso e à evolução dos costumes, a garantia do devido processo legal experimentou profundas variações no tratamento jurisprudencial. Tornou-se, ao lado do princípio da isonomia (equal protection of the law), o principal instrumento de argumentação de que lançou mão a doutrina e a jurisprudência no vibrante processo de transformação do Direito Constitucional nos Estados Unidos da América. Sua evolução perpassa ao próprio sentido que a Constituição americana passou a assumir sob o influxo da metamorfose do Estado Liberal em Estado social, culminando, já hoje, em significar novas condições no relacionamento do Poder Público com os indivíduos e a sociedade civil, condições essas que refletem a visão do homem e do mundo acerca da liberdade e da solidariedade social nesse início do século XXI”. 49 “O abandono da visão estritamente processualista da cogitada garantia constitucional (procedural due process) e o início da fase “substantiva” na evolução desse instituto (substantive due process) retrata a entrada em cena de Judiciário como árbitro autorizado e final das relações de governo com a sociedade civil, revelando o seu papel de protagonista e igualmente “substantivo” no seio das instituições governativas” (CASTRO, 2006, p.49). 50 A evolução da cláusula do devido processo legal é muito bem retratada por Carlos Roberto Siqueira Castro (2006, p. 31-64) através dos diversos julgados na Corte Norte Americana, diversos deles relacionados ao “devido processo legal” e a atuação do poder público no âmbito legislativo e executivo.

Page 48: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

47

No direito brasileiro, a aplicação da cláusula do due process of law teve grande

impulso com o advento da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a consagração

expressa no seu art. 5º, inciso LIV de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal”. Muito embora, já houvesse o reconhecimento de parte da

doutrina51 como uma garantia implícita, o devido processo legal ganhou peso constitucional,

abrangendo tanto a esfera cível como a administrativa, portanto, não se encontrava mais

restrita ao campo do processo penal (LIMA, 1999, p. 174).

Grinover (1975, p.18), antes mesmo da Carta Constitucional de 1988, já

sustentava que o “devido processo legal” representava “uma garantia constitucional, cujo

conteúdo é o direito ao processo52”, não podendo ser entendido como “simples ordenação de

atos”, mas como verdadeiro “instrumento público de realização de justiça” (GRINOVER,

1975, p.12), englobando o direito de ação e o direito de defesa. Inclusive, Grinover (1975,

p.14) defende que o direito de defesa deve ser interpretado de forma ampla, não alcançando

apenas o processo civil e penal, “mas todo e qualquer processo em que haja acusação e

possibilidade de aplicação de pena: vale dizer, procedimentos disciplinares e

administrativos53” (GRINOVER, 1975, p.14).

A propósito, as transformações ocorridas no papel do Estado, passando do Estado

Liberal para o Estado Social e posteriormente para o Estado Democrático de Direito, também

contribuíram para ampliação dos direitos fundamentais processuais dos cidadãos, ganhando a

cláusula do devido processo legal uma dupla dimensão, sob o aspecto processual e

substancial.

Rosynete Lima (1999, p.199-200) expõe dois postulados básicos do devido

processo legal caracterizado pela igualdade das partes envolvidas no processo de litígio e a

exigência de um julgador imparcial. E conclui afirmando que o devido processo legal, sob o

enfoque procedimental, “concretiza-se por meio das garantias processuais oferecidas no

51 Ada Pellegrini Grinover (1975, p.8) já reconhecia a tutela constitucional do processo através da cláusula do “devido processo legal”, antes da Constituição Federal de 1988. 52 A autora continua: “Parece defluir, portanto, do texto constitucional, uma tutela jurídica menos genérica e abstrata do que a mera obrigação de resposta do Estado, perante o pedido do autor: o texto também deve garantir a tutela dos direitos afirmados, mediante a possibilidade de ambas as partes sustentarem suas razões, apresentarem suas provas, influírem sobre a formação do convencimento do juiz, através do contraditório” (GRINOVER, 1975, p.19). 53 Interessante a anotação de Grinover (1975, p.13) que muito a frente do seu tempo já afirmava que “dentre a estreita esfera que a constituição lhe atribui, o princípio do direito à ampla defesa não deve sofrer outras limitações; assim é que abrange não só os processos para apuração e punição de ilícitos penais, mas todo e qualquer processo em que haja acusação e possibilidade de aplicação de pena: vale dizer, os procedimentos disciplinares e administrativos (inclusive as sindicâncias e os processos fiscais)”.

Page 49: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

48

ordenamento, visando ordenar o procedimento” e ao mesmo tempo “diminuir ao máximo o

risco de intromissões errôneas nos bens tutelados”.

Na perspectiva processual, o devido processo legal é caracterizado pela

constitucionalização das garantias processuais verificadas neste século, correspondente a

formalização das etapas ritualísticas processuais estabelecidas através da lei, aptas a justificar

a atuação restritiva do Estado nos bens sob sua proteção, o que traduz em mero instrumento

de controle da legalidade (LIMA, 1999, p.243).

No entanto, o devido processo legal deve ser visto de forma mais ampla, como

expressão do Estado Democrático de Direito, associado ao sentido de justiça, este modelo,

configuraria então o devido processo legal substancial. Esse aspecto substancial busca a

promover uma efetiva proteção processual constitucional ao indivíduo contra eventuais

abusos praticados pelo Estado, por isso, determina a participação significativa e satisfatória na

tomada da decisão que o afeta (LIMA, 1999, p.245).

A acepção do devido processo legal enseja várias traduções, em decorrência do

seu conceito elástico, evidentemente, fator que contribuiu para as diversas interpretações

atribuídas pelos Tribunais e pela doutrina estrangeira. Como já esclarecido em linhas

anteriores, o due process of law é um instituto secular importado do direito inglês e norte

americano, brotado do sistema jurídico da common law, portanto, diferentemente do sistema

adotado no direito brasileiro.

Por essa razão, o sentido e alcance do devido processo legal sofrem algumas

adaptações, por vezes se assemelha ao contraditório e a ampla defesa, por outra se identifica

com o postulado da igualdade, ou ainda se encontra associado ao princípio da

proporcionalidade ou razoabilidade54, porém, o que se busca de forma unívoca, diante da

diversidade da doutrina estrangeira e brasileira, é um processo justo, adequado e equânime,

realizado de acordo com os valores do Estado Democrático de Direito55.

54 Convém assinalar que “o princípio da proporcionalidade não está expressamente positivado na nossa Constituição Federal de 1988, figurando, porém, em sede legislativa ordinária, o que não inibe, por certo, que o mesmo seja aplicado com frequência crescente por magistrados de todos os cantos do País com vistas ao controle da legalidade dos atos estatais. É natural que certas cláusulas supralegais, a exemplo dos princípios da igualdade (equal protection of the laws) é do devido processo legal (due process of law), e assim também o postulado jurídico-diretivo da proporcionalidade, por consubstanciarem conceitos jurídicos indeterminados, mas determináveis pelos sistemas de concreção judicial, apresentem acentuadas capacidade expansiva e de solicitude para com a assimilação de novas realidades e valores civilizatórios em contínuo processo de mudança”. (CASTRO, 2006, p. 195-196). 55 Cretella Neto (2002, p.40) assevera que o devido processo legal está relacionado com os fins perseguidos pelo Estado Democrático de Direito. No mesmo sentido, Lima (1999, p.291), Moreira (2010, p.267), Bonavides (2002, p.395) quando trata do princípio da proporcionalidade.

Page 50: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

49

Dessa forma, será utilizada como ponto de partida a construção proposta por Egon

Bockmann Moreira (2010), tendo em vista que o autor, adaptando às peculiaridades do direito

brasileiro, trouxe de forma sistemática a compreensão da cláusula a partir de três requisitos

extraídos da interpretação do texto constitucional, conjugando os seus aspectos processuais e

substanciais.

Moreira (2010, p.293-299), preleciona que o “devido processo legal” deve ser

interpretado, observando três requisitos: o primeiro requisito é o da existência de um processo

prévio, já que ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem que haja um

“processo prévio revestido das demais garantias previstas na constituição56”; o segundo

requisito é revestido do sentido substancial de processo “devido”, significando o seu

desenvolvimento adequado de acordo com os valores e fundamentos da Constituição57,

consoante os fins propostos pelo Estado Democrático de Direito; e por fim, o terceiro

requisito que qualifica o “devido processo” em “legal”, é traduzido como um desdobramento

do Princípio da Legalidade, que consiste na prévia definição legal de toda e qualquer previsão

que vise limitar os bens e as liberdades dos particulares.

Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p.89) o conteúdo da fórmula

desdobra-se em várias garantias constitucionais do direito processual, alcançados no âmbito

civil, penal e administrativo, são elas: (a) dúplice garantia do juiz natural; (b) contraditório e

ampla defesa; (c) igualdade processual; (d) publicidade e motivação; (e) impossibilidade de

provas obtidas por meios ilícitos; (f) inviolabilidade do domicílio; (g) sigilo das comunicações

e dados; (h) presunção de não-culpabilidade; (i) proibição de identificação criminal

datiloscópica de pessoas já identificadas civilmente; (j) indenização por erro do judiciário e

por prisão que exceda o prazo legal; (k) necessidade de a prisão ser decretada por autoridade

judiciária competente; (l) direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo

interrogatório; (m) liberdade provisória; (n) vedação à incomunicabilidade do preso.

56 Egon Bockmann (2010, p. 293) quando descreve esse texto faz referência à nota de rodapé demonstrando as demais garantias previstas na Constituição como “ampla defesa, contraditório e recursos – art. 5º, LV; vedação às provas obtidas através de meios ilícitos – art. 5º, LVI; assistência jurídica – art. 5º, LXXXIV; legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade – art. 37; fundamentação das decisões – art. 93, IX e X; presença de advogado – art. 133”. 57 Para Castro (2006, p. 141) o devido processo legal não pode ser traduzido como mero postulado da legalidade, mas representa a aplicação dos valores constitucionais representado pelo princípio da justiça, “isto é, consentâneo com o conjunto de valores incorporados à ordem jurídica democrática segundo a evolução do sentimento constitucional quanto à organização do convívio social”. Porém, será utilizado o conceito de “devido processo legal” proposto por Egon Bockmann Moreira (2010, p.292) considerando os três requisitos para a sua compreensão, no sentido de evitar abusos do poder em face da “liberdade ou bens” dos particulares. Pois, “não poderá haver aviltamento, ataque ou supressão desses dois direitos sem processo, que deverá ser adequadamente desenvolvido, tal como predefinido em lei”.

Page 51: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

50

Compreende também o direito ao “procedimento adequado: não só deve o procedimento ser

conduzido sob o pálio do contraditório, como também há de ter aderente à realidade social e

consentâneo com a relação de direito material controvertida” (CINTRA; GRINOVER;

DINAMARCO, 2009, p.88).

Rogério Tucci e José Rogério Cruz e Tucci58 (1989, p.15-16) apresentam a

imperiosidade do “devido processo legal” como garantia outorgada pela Constituição, porque

serve de instrumento para consecução da tutela dos direitos fundamentais, define o conjunto

de elementos indispensáveis para compor os conflitos como: “a) elaboração regular e correta

da lei, bem como de sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações

constitucionais”; “b) a aplicação judicial da lei através de instrumento hábil à sua

interpretação e realização, que o processo (judicial process)”; e por fim, “c) assecuração,

neste, da paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial”.

Nelson Nery Junior (2010, p.79) considera o devido processo legal como a norma

base59 do direito processual civil, sobre a qual sustenta todos os demais princípios e regras,

por conseguinte, as demais normas processuais seriam consequências desse princípio

constitucional fundamental. Sob essa perspectiva, a doutrina traz diversos princípios

decorrentes do postulado do devido processo legal: o da publicidade dos atos processuais, do

juiz natural, do contraditório e da ampla defesa, o da proibição de utilizar provas obtidas por

meios ilícitos, dentre outros. Dessa forma, o devido processo legal seria o gênero, enquanto,

os demais princípios seriam espécies, logo, o contraditório e a ampla defesa seriam espécies

desse princípio maior.

58 Os autores Rogério Tucci e José Rogério Tucci e Cruz (1989, p. 17) fazem uma interpretação restritiva do direito ao processo, referindo-se apenas aos processos judiciais, porém, deve ser levado em consideração o tempo e momento em que a obra fora escrita, logo após a Constituição Federal de 1988, período em que ainda não estava difundida a processualidade no âmbito administrativo. 59 Cretella Neto (2002, p. 45) classifica como “mega-princípio, pois permeia e coordena toda a complexa função jurisdicional do Estado, fazendo com que os princípio processuais atendam aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, harmonizando-os entre si e garantindo a eficácia da Justiça. Permite, pois, que se chegue ao processo justo”. “As principais observações que podem ser feitas a respeito do alcance do devido processo legal são: a) abrange todas as esferas do poder; no caso do Poder Legislativo, revela-se como devido processo legal substancial (substantive due process), que veda a promulgação de leis em violação aos direitos fundamentais assegurados na Constituição; b) em relação a todos os Poderes, veda, igualmente, a edição de quaisquer atos normativos contrários às garantias constitucionais; c) a observância ao devido processo legal não se resume a um contexto de legalidade estrita, em que “ninguém estará obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5º, inciso II): trata-se de obedecer a leis sempre elaboradas em conformidade com o due process of law sobre o processo é que ele deverá ser conduzido de acordo com o conceito de processo justo e équo, pautado por normas claras e preestabelecidas, em conformidade com todos os demais princípios processuais constitucionais” (CRETELLA NETO, 2002, p. 44-45). E destaca que as garantias constitucionais que permite chegar ao processo justo, são a do juiz natural e competente, da ampla defesa e contraditório, e a motivação das decisões judiciais, acrescenta ainda o duplo grau de jurisdição (CRETELLA NETO, 2002, p.45).

Page 52: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

51

Em sentido contrário, Lima (1999, p. 178) não concorda com esta interpretação,

sob o argumento de que reduziria o alcance do devido processo legal, restringindo a sua

atuação apenas ao âmbito do judiciário60 e que não poderia considerar os demais princípios

processuais consagrados pelo constituinte ordinário, como subespécies de princípios,

retirando a sua importância.

Lima (1999, p.181) registra que o princípio do contraditório e da ampla defesa

“não são corolários, deduções, ou consequências do princípio do devido processo legal61, mas

princípios, que têm um grau de concretização mais elevado e que são chamados a concretizar

o devido processo legal”. A autora denomina de subprincípios, e não subespécies do devido

processo legal. Na realidade, observa-se uma independência desses subprincípios, já que

“podem servir para concretizar, ou realizar, mais de um princípio, além de poderem gozar

também de outros subprincípios que o concretizem”. Nesse contexto, o princípio do

contraditório e da ampla defesa serve para concretizar tanto o devido processo legal como o

princípio da isonomia.

Atualmente, não há dúvidas que a aplicação do “devido processo legal” não se

limita ao âmbito do Judiciário62, por esse motivo, não teria sentido a interpretação reduzida de

que da citada cláusula não alcançaria o legislativo e a administração. A norma é dirigida ao

poder público como um todo, alcança o Poder Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Enfim,

o devido processo legal é uma garantia de proteção do cidadão contra o arbítrio do Estado na

sua acepção ampla, que serve como instrumento de defesa do cidadão perante as intervenções

estatais, contribuindo para a efetividade do Estado Democrático de Direito consagrado no

texto constitucional (LIMA, 1999, p.189).

60 Nelson Nery Junior (2010, p.79) defende que “bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa”. Neste sentido, o autor estaria restringindo o devido processo legal ao âmbito do judiciário, porque somente este órgão profere sentença, logo, estaria limitando o postulado à decisão judicial justa. Entretanto, essa conotação deve ser ponderada, pois na própria obra o autor dedica um tópico afirmando que no “processo administrativo igualmente incide o princípio do contraditório, os demais princípios constitucionais do processo (devido processo, duração razoável do processo, proibição de prova obtida ilicitamente, motivação das decisões administrativas, duplo grau de jurisdição, ampla defesa etc.), bem como todos os princípios fundamentais da administração pública [...]” (NERY JUNIOR, 2010, p. 214). Portanto, Nelson Nery Junior também concorda com a aplicação de todos os princípios processuais constitucionais no âmbito do processo administrativo contencioso, demonstrando que houve, de acordo com a unidade do texto, uma impropriedade terminológica. 61 Diferente do posicionamento de Nelson Nery Junior (2010, p.79) que defende o contraditório como decorrente do devido processo legal. 62 Lima (1999, p.214-215) rebate a doutrina tradicional de J.J. Calmon de Passos, diga-se de passagem, anterior à Constituição Federal de 1988, e de Geraldo Brindeiro que entendiam a expressão do “devido processo legal” associado ao processo judicial, mas atualmente a corrente é minoritária, aliás, das obras estudadas, a exceção dos citados doutrinadores, todos concordam com a aplicação do devido processo legal na seara administrativa.

Page 53: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

52

Tal discussão merece ainda algumas reflexões. Não se pode negar que o devido

processo legal é a norma matriz do direito processual, da qual emanam os demais princípios

processuais, de modo que ferir a igualdade, a proporcionalidade, o contraditório, a ampla

defesa, significa também ofender o devido processo legal. Tais interpretações defluem do

conteúdo histórico e do conceito elástico difundido pela doutrina e jurisprudência durante a

sua longa trajetória, assim, não há qualquer óbice em considerá-lo como um princípio

fundamental que serve de alicerce do sistema jurídico do Estado Democrático de Direito,

enquanto os demais princípios são decorrentes deste.

A grande questão reside no fato de resumi-lo a um único princípio, desprezando a

importância dos demais princípios processuais constitucionais, colocando-os na categoria de

subespécies63, como subordinada ao mega-princípio a ponto de dispensá-los, o que não teria

fundamento para esta submissão, vez que esvaziaria o conteúdo dos demais princípios e

significaria o mesmo que reduzir a um princípio, todos os direitos fundamentais que possuem

iguais pesos e que já foram consagrados textualmente na Carta Constitucional pelo

constituinte ordinário.

Corroborando este posicionamento, Moreira (2010, p. 289) apresenta dois

princípios da hermenêutica constitucional para a solução da problemática, o da “máxima

eficácia das normas” constitucionais e o da “unidade hierárquico-normativa da

Constituição64”, ou seja, as normas constitucionais devem ter a máxima efetividade e uma

convivência harmônica de modo a ter uma interpretação uniforme com todo o sistema

jurídico. Dessa forma, os princípios constitucionais do devido processo legal, da isonomia, do

acesso à justiça, da ampla defesa, do contraditório, da moralidade, da eficiência, entre outros,

“coabitam o mesmo sistema jurídico e devem ser aplicados simultaneamente, segundo as

exigências do caso concreto, um princípio enriquecendo o outro”, pois, as normas

constitucionais “explicam umas às outras e essa compreensão harmônica é que confere

uniformidade ao sistema” (MOREIRA, 2010, p.290).

O entendimento da redução a um único princípio mestre do devido processo legal

é decorrente da sua aplicação no sistema da common law65, caracterizada pela criação

63 Na pesquisa será adotado o posicionamento de Lima (1999, p.180-181) no tocante o grau de importância dos subprincípios, porém, não se verifica óbice à classificação de espécies de princípios, sendo irrelevante a sua denominação de subespécies. 64 Verificar a classificação dos Princípios trazidos por Canotilho (2003) descritos no primeiro capítulo desta dissertação. 65 Egon Bockmann Moreira (2010, p.229) faz essa ponderação destacando que não é possível a mera transposição dos diversos significados dado à interpretação do “devido processo legal”, albergado na

Page 54: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

53

jurisprudencial do direito através do qual a cláusula assume diversos significados, dando uma

interpretação elástica de acordo com os valores de justiça de cada país, e que se determinam

no momento de sua aplicabilidade, porém, tal modo que é próprio desse modelo, não se

adequaria ao sistema jurídico romano-germânico adotado no Brasil (MOREIRA, 2010, p.

229).

Por essa razão que o conceito trazido neste estudo, utilizou os critérios objetivos

para definir o alcance da cláusula do “devido processo legal”, retirados a partir do texto da

Carta Constitucional, sob seu aspecto processual e substancial considerando os fins e valores

perseguidos pelo Estado Democrático de Direito, e dando uma interpretação de acordo com o

fundamento teórico trazido especialmente pela doutrina brasileira.

Nesse contexto, o “devido processo legal” deve ser observado não apenas como

mero instrumento de garantia processual previsto formalmente na lei, mas deve ser

reconhecido pelo seu valor intrínseco caracterizado pela sua abrangência e concretizado

através do contraditório e da ampla defesa que asseguram a efetividade deste megaprincípio.

3.3 A ORIGEM DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

A ideia de contraditório e ampla defesa66 possuem origens remotas, data da época

de Cristo, e podem ser ilustrados através da seguinte passagem bíblica que trata da

crucificação e morte de Jesus: “Porventura condena a nossa lei um homem sem primeiro o

ouvir e ter conhecimento do que faz?” (JOÃO, 7:5), traduzido no brocado em latim nemo

inauditus damnari potest67 (CRETELLA NETO, 2002, p.61).

No direito romano, o juiz não podia realizar o julgamento daquele que se

recusasse a comparecer em juízo, essa tradição somente começou a mudar com a figura do

pretor que criou medidas coercitivas que obrigavam o demandado a comparecer para

jurisprudência dos Estados Unidos, ou melhor, dos países que adotam a common law, de forma que é permitido desprezar os demais princípios constitucionais, pois “a positivação do “devido processo legal” no art. 5º da Constituição não traz consigo o sistema jurídico que lhe deu origem, nem tampouco a ampla gama de conteúdos (semânticos e jurídicos) lá cunhados para a cláusula (muito menos eventual derrogação ou atenuação- dos demais direitos e garantias). Sua compreensão deve ser desenvolvida de modo contextual, à luz da História e do ordenamento constitucional brasileiro”. 66 Cretella Neto (2002, p. 61) faz referência apenas à ampla defesa, porém, na própria obra o autor abrange o contraditório como de origem remota, associados ao mesmo adágio em latim decorrente da mesma passagem bíblica (CRETELLA NETO, 2002, p.68). 67 Tradução literal do brocardo em português – “Ninguém pode ser condenado sem ser ouvido” (Vocabulário Jurídico).

Page 55: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

54

responder ao processo, posteriormente, que se tornou possível ao Tribunal, o julgamento da

causa sem a presença do réu, desde que previamente notificado, segundo as formalidades

previstas na lei (CRETELLA NETO, 2002, p. 61-62).

Durante esta trajetória até os dias atuais, o princípio do contraditório e da ampla

defesa ganhou diversas feições, sendo estudado por grande parte dos doutrinadores68, como

um único grande princípio, apesar de existir uma pequena diferenciação, encontram-se

intimamente relacionados, a ponto de não existir a ampla defesa sem contraditório69, nem

contraditório sem ampla defesa. Por outro lado, Cretella Neto70 (2002, p.61-80), Moreira

(2010, p.310) fazem a distinção entre a “ampla defesa” e o “contraditório” de forma pontual,

trazendo em tópicos separados como princípios aplicados distintamente.

A presente investigação iniciará com as notas históricas sobre este princípio no

direito brasileiro, abordará a concepção doutrinária, e destacará as principais diferenciações

entre o contraditório e a ampla defesa, cotejando os pontos semelhantes e divergentes, sob o

prisma de uma reflexão racional.

3.3.1 Breve Histórico sobre contraditório e ampla defesa no Constitucionalismo

Brasileiro

No constitucionalismo brasileiro, somente após a Carta Constitucional de 1937 é

que foi introduzida, pela primeira vez, a expressão “contraditório” no texto constitucional. Até

a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, havia previsões expressas do

contraditório, porém, todas se encontravam restritas ao âmbito da instrução criminal e que

dispunha da seguinte maneira no seu art. 150, §16: “A instrução criminal será contraditória,

observada a lei anterior, no relativo ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do

réu” (NERY JUNIOR, 2010, p.208). 68 Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p.61), Nery Junior (2010, p.207), Harger (2008, p.136). 69 Harger (2008, p.136) afirma que “os princípios do contraditório e da ampla defesa são princípios que decorrem do devido processo legal. Ressaltam diferentes aspectos do due process. Apesar de ser possível separá-los mediante uma abstração, pode-se dizer que eles estão intimamente relacionados. Um não existe sem o outro. Não há ampla defesa, se o contraditório inexistir. A inexistência de possibilidade de ampla defesa, por outro lado, acarreta no mínimo um contraditório imperfeito. Esse fato acabou sendo até reconhecido implicitamente pelo constituinte, no momento em que colocou ambos no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal que, em decorrência disso, acabou sendo o dispositivo chave em matéria de processo administrativo”. 70 Crettela Neto (2002, p.69), inclusive, critica a técnica legislativa por ter colocado agrupados em um único dispositivo da Constituição Federal, “os princípios do contraditório (também denominado princípio da contradição) e da ampla defesa”.

Page 56: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

55

No tocante a previsão da ampla defesa, durante esta ordem constitucional, o

dispositivo trazia de forma abrangente no art. 150, §15 que: “A lei assegurará aos acusados

ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem tribunais de

exceção”. Tais fatores contribuíram para as grandes discussões doutrinárias sobre a

possibilidade de aplicação do contraditório e da ampla defesa nos processos administrativos.

Grinover (1975, p.13-14) fazendo referência à Carta Constitucional emendada em

1969, já realizava a interpretação dos dispositivos de forma ampla, e afirmava que a

Constituição não realizava qualquer limitação, logo, referia-se ao direito de defesa de forma

abrangente devendo ser aplicado tanto no processo penal, como também no processo civil e

administrativo.

Diferentemente da posição de alguns doutrinadores, o Supremo Tribunal Federal

declarou que o direito à ampla defesa, a que se refere o art. 153, §15 da Constituição de 1969,

não poderia ser entendida como prévia defesa perante a Administração, mas se tratava de

defesa perante os processos judiciais71 (LIMA, 1999, p.195). E mesmo após a Constituição

Federal de 1988 ainda renderam alguns anos para o Supremo Tribunal Federal reconhecer a

concretização do direito ao contraditório dos cidadãos72 na esfera administrativa.

Com efeito, a previsão formal do princípio do contraditório e da ampla defesa

perante o processo administrativo somente foi introduzido de forma expressa na Constituição

Federal de 1988, no capítulo dedicado aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, com

a normatização contida no art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com

os meios e recursos a ela inerentes”.

A Carta de 1988, além de assegurar o contraditório e a ampla defesa no processo

administrativo, reconhece no art. 5º, inciso XXXIV, a garantia dos cidadãos ao direito de

71

STF – Recurso Extraordinário n. 75.251-PR, Relator Aldir Passarinho, julgado em 26/10/1982. Ementa: Militar. Soldado da policia militar do Paraná. Lei 1.943, de 23.06.54 (art. 294, paragrafo único). Ampla Defesa. Art. 153, paragrafo 15 da Constituição Federal. A Ampla Defesa a que se refere o art. 153, paragrafo 15 da Constituição não é de ser entendida como prévia defesa, perante a administração, salvo se houver a respeito expressa previsão legal ou regulamentar. A Ampla Defesa prevista na norma constitucional é a defesa em juízo. No Código da Polícia Militar do Paraná, aprovado pela Lei Estadual n. 1.943, de 1956, a expulsão do soldado, com menos de 10 anos de serviço pode efetuar-se independentemente de prévia sindicância ou inquérito. Cabe-lhe, se inconformado, discutir no judiciário a ilegalidade do ato administrativo. 72 Rosynete Lima (1999, p.195) retrata algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (Agravo de Instrumento 128.439-SP julgado em 03.03.89, Mandado de Segurança n. 21.623-DF julgado em 17.12.92), mesmo depois da Constituição Federal de 1988, resistindo à aplicação concreta do direito ao contraditório, ou ainda somente incidindo no âmbito do processo penal.

Page 57: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

56

petição para a defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder perante as

repartições públicas.

Com essa positivação, as dúvidas quanto à utilização da terminologia “processo”

no direito administrativo foram superadas, posto que o poder constituinte originário fez

constar no texto constitucional a expressão “processo administrativo”, o que significa

reconhecimento da referida terminologia no âmbito da atividade administrativa, observados

também em diversas legislações infraconstitucionais (MEDAUAR, 2008, p. 45).

Nesse sentido, o legislador constituinte buscou garantir aos cidadãos não apenas o

caráter democrático do processo, mas também instituiu “um paradigma processual”, segundo

o qual a cada um dos partícipes do processo – judicial ou administrativo- deve ser assegurada

a mesma quantidade e qualidade de oportunidades para participar do processo, dialogando

com a parte contrária e com o julgador (OLIANI, 2007, p. 15).

Nas palavras de Oliani (2007, p.23) o contraditório é um princípio com status

constitucional, e por esse motivo deve ser observado pelas demais normas ordinárias que

norteiam o direito processual civil, e ainda que inexista a norma infraconstitucional, essa

garantia processual constitucional deve servir de base para a atividade integrativa do aplicador

do direito. No entanto, não apenas o direito processual civil, mas também do direito

administrativo, atualmente denominado de direito processual administrativo.

Diante da previsão formal através da Constituição Federal de 1988 do

contraditório e da ampla defesa no processo administrativo, a concepção deste princípio

passou por diversas transformações, porém, sempre associado aos novos paradigmas do

Estado Democrático de Direito decorrente do neoconstitucionalismo.

3.3.2 Concepção do princípio do contraditório e da ampla defesa

A concepção atual do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa

possuem dois enfoques: um formal e outro substancial, a depender da interpretação do direito,

se meramente formalista ou concretista. Para grande parte dos doutrinadores73 o princípio da

ampla defesa, corresponde ao aspecto substancial do contraditório, por esse motivo o estudo

73 Para outra parte da doutrina, considera o contraditório e a ampla defesa como princípios distintos e estudam de forma separada, apesar das semelhanças destacadas por Cretella Neto (2006, p.62).

Page 58: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

57

será realizado de modo conjugado como o “princípio do contraditório e da ampla defesa”,

apresentando as suas várias feições.

Sob o aspecto da concepção formal, o contraditório se traduz na mera ciência das

partes sobre o processo e a possibilidade de atacar os atos processuais, “resumida no binômio

informação-reação” (OLIANI, 2007, p.40). Para Oliani (2007, p.40) a mera possibilidade das

partes de atacar através da reação, corresponderia à simples formalidade procedimental, não

consubstanciando no efetivo contraditório.

Nas palavras de Nelson Nery Junior (2011, p.210) o contraditório deve ser

entendido como a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos

do processo às partes, e, de outro, a possibilidade das partes reagirem aos atos que lhes sejam

desfavoráveis, a fim de que os litigantes possam manifestar suas razões da defesa. Assim, o

órgão julgador deve dar a mais ampla possibilidade de participação do litigante.

A garantia formal do contraditório encontra-se atrelado ao período do Estado

Liberal, época de predominância da Escola da Exegese, em que se bastava a mera previsão

legal do direito ao contraditório e a garantia da observância dos procedimentos legais, que o

direito estaria resguardado. Entretanto, com a nova perspectiva do Estado Social

Democrático, o contraditório deve ser compreendido a partir da ideia de igualdade material,

não podendo deixar de observar as “diferenças sociais e econômicas que impedem a todos de

participar efetivamente no processo” (OLIANI, 2007, p.41).

Dessa forma, denota-se que o contraditório sob seu aspecto processual possui

relação com o procedimento, pois surge para conter o eventual abuso de poder, através dos

procedimentos instituídos em lei e exigidos nos casos concretos. “Daí, a dialética que se tem

nos procedimentos que canalizam o poder, especialmente nos jurisdicionais, onde a existência

de partes contrapostas e sujeitas ao juiz imparcial evidencia com extrema clareza os pólos das

teses e antíteses, em convergência à síntese imperativa” (DINAMARCO, 1996, p.76). Esse

processo dialético perpetrado entre os sujeitos possui características formais, porque não

passam de regras legais do procedimento.

No enfoque substancial, o princípio do contraditório deve ser interpretado sob a

ótica mais democrática e social, já que deve permitir uma ampla participação dos sujeitos da

relação processual, possibilitando que esses sujeitos influenciem no resultado final e

legitimando o ato estatal, que é a decisão.

Page 59: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

58

O elemento substancial do contraditório advém da doutrina alemã

consubstanciado no “poder de influência”. Assim, para que se efetive o contraditório não

basta que a parte tome ciência do processo e participe apenas sendo ouvida, é também

necessário que a parte tenha condições de poder influenciar na decisão (DIDIER JR., 2007,

p.43). Esse poder de interferir na decisão do julgador está relacionado à manifestação concreta

das partes, através da possibilidade de interferir com argumentos jurídicos, com fatos novos e

com provas em defesa do alegado.

Para Cândido Dinamarco (1996, p.205) a garantia do contraditório, presente em

qualquer processo seja jurisdicional ou não, constitui na possibilidade da própria lei permitir

meios ou instrumentos para a participação dos litigantes no processo, e o juiz deve franquear-

lhes esses meios. Significa dizer que o próprio juiz deve proporcionar esse contraditório e

participar da preparação para o julgamento. Trata-se de “direito das partes e uma série de

deveres do juiz”.

Essa ampla participação das partes no processo, que possibilita a influência no

provimento final do julgador, advém do sentido de Estado Democrático de Direito, sustentado

na ideia de que os atos de poder somente tem legitimidade quando emergentes de

procedimentos idôneos segundo a Constituição e a lei, e precedidos da participação dos

sujeitos envolvidos.

Nos ensinamentos de Didier Jr. (2007, p. 42) o contraditório é inerente ao

processo e possui duas garantias: participação e possibilidade de influência na decisão,

devendo ser aplicado no âmbito jurisdicional, administrativo, e inclusive negocial74. E afirma

ainda que “democracia no processo recebe o nome de contraditório. Democracia é

participação; e a participação no processo se opera pela efetivação da garantia do

contraditório”, significa a “manifestação do exercício democrático de um poder”.

74 Didier Jr.(2007, p.27) destaca que os atos negociais decorrentes das relações privadas também estão sujeitos ao devido processo legal, através da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. No mesmo sentido, Castro (2006, p.69) trata como “eficácia indireta da Constituição, alusivo à extensão das normas constitucionais às relações civis”.

Page 60: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

59

3.3.3 Distinção entre “contraditório” e “ampla defesa”

A propósito, alguns doutrinadores examinam o princípio do “contraditório” e da

“ampla defesa” de forma separada, como se fossem princípios autônomos e distintos, apesar

de reconhecer as semelhanças existentes entre ambos. O defensor desta corrente no direito

brasileiro, Cretella Neto (2002, p.69), faz a distinção veemente entre a “ampla defesa” e o

“contraditório”, inclusive afirma a ausência de técnica legislativa do poder constituinte por ter

agrupado os dois princípios num único artigo da Constituição Federal.

O principal ponto de distinção reside em atribuir o direito de ampla defesa a uma

faculdade que gera ônus processual, enquanto o contraditório seria uma obrigatoriedade do

julgador de oportunizar o direito de ser informado do processo, da bilateralidade da audiência

e do direito de produzir provas e apresentar a defesa (CRETELLA NETO, 2002, p. 63-64).

Apesar disso, Cretella Neto (2002, p.62-63) reconhece as semelhanças e destaca

que “contraditório e ampla defesa relacionam-se intimamente com o tratamento isonômico

das partes no processo, que lhes assegura igualdade de oportunidades em todas as fases,

absolutamente imprescindível para a defesa dos direitos em juízo75”.

Tucci e Tucci Cruz (1989, p.60-61) também fazem a distinção dos institutos e

acrescentam que a garantia da ampla defesa, em qualquer tipo de processo, é compreendido

sob 03 pilares: o direito de ser informado, a bilateralidade da audiência e o direito à prova

produzida por meios legítimos. A ampla defesa somente pode ser efetivada em sua plenitude

com o estabelecimento da participação ativa e contraditória dos sujeitos parciais em todos os

atos e termos do processo.

O direito de ser informado corresponde ao aspecto formal da garantia do

contraditório, tendo o juiz a obrigação de informar sobre o processo, para que a parte possa

preparar sua defesa de forma ampla (TUCCI; CRUZ, 1989, p.61).

A bilateralidade da audiência é caracterizada pela exigência do tratamento

paritário das partes para que haja equilíbrio no exercício da atividade processual. Com efeito,

75 E continua destacando que “o contraditório pode ser representado pelo binômio informação-reação, sendo que a primeira é sempre necessária, sob pena de provocar nulidade dos atos e termos do processo e tornar ilegítimo o provimento final: a segunda é apenas possível” (CRETELLA NETO, 2002, p.63). “Se citado de acordo com lei, terá a faculdade de manifestar-se (mas não a obrigação), ou seja, de vir a juízo para defender-se ou de vir a juízo e não o fazer, ou mesmo de negar-se a participar do processo – cabendo ao demandado a livre opção do caminho a seguir: terá o ônus, mas não o dever de defender-se. [...] Se o réu não quis defender-se, não pode ser compelido a fazê-lo, pois, trata-se de interesse seu e de sua liberdade, e a atuação contraditória é disciplinada em função disso. Sendo-lhe dada a oportunidade para defender-se, impossível será compeli-lo a vir integrar o processo, se desejar permanecer inerte” (CRETELLA NETO, 2002, p.64).

Page 61: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

60

a luz do contraditório não pode existir um processo unilateral, em que somente uma parte é

ouvida, e sem permitir a oportunidade da parte adversária manifestar-se. Assim, a

contraditoriedade se expressa na estrutura dialética do processo, estando ínsito o seu caráter

bilateral, permitindo a formação do convencimento do juiz (TUCCI; CRUZ, 1989, p.66).

O direito à prova legítima é reconhecido como a possibilidade da parte trazer aos

autos do processo todos os elementos de prova para convencimento do julgador. Por isso que

o Estado deve assegurar a paridade de armas entre os sujeitos do processo, devendo assistir

materialmente ao litigante ou acusado necessitado, para que não haja qualquer limitação no

exercício da atividade probatória (TUCCI; CRUZ, 1989, p.68).

O princípio do contraditório está associado também ao princípio da

imparcialidade do juiz, traduzido no dever de ouvir ambas as partes litigantes de forma

imparcial antes de decidir, de modo que uma das partes apresenta a sua visão sobre os fatos e

direito (tese), a outra apresentará a sua defesa (antítese) num procedimento dialético, e o juiz

realizará a decisão (síntese), representada pela bilateralidade da audiência (CRETELLA

NETO, 2002, p.70).

Para Grinover (1975, p.93) entende-se respeitado o princípio do contraditório

quando dar oportunidade a todas as partes de se defender, para que façam, efetivamente, e

“compareçam em juízo e ofereçam as suas razões, ou permaneçam inativas, depende de sua

livre determinação”, pois, “o contraditório consiste na ciência, por ambas as partes, do que se

faz ou se pretende fazer no processo, e na possibilidade de contrariar”.

Para Didier Jr. (2007, p.48) a “ampla defesa é um direito fundamental de ambas as

partes, consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do adequado

contraditório. Trata-se do aspecto substancial do contraditório”, já que a ampla defesa

qualifica o contraditório, não havendo contraditório sem defesa e nem defesa sem

contraditório.

Na realidade, a efetivação do contraditório é realizada com os meios de defesa

utilizados concretamente pelas partes no processo, podendo asseverar que a ampla defesa

corresponde ao princípio do contraditório no seu aspecto substancial. De modo que não há

efetivo contraditório sem ampla defesa, e nem ampla defesa sem contraditório. Portanto,

pode-se afirmar que o princípio do contraditório e da ampla defesa é um único princípio que

se desdobra em duas feições, no sentido metafórico, pode ser traduzido como “as duas faces

de uma mesma moeda”.

Page 62: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

61

Diante da faceta substancial do contraditório, reconhecido por grande parte dos

doutrinadores como a ampla defesa, passa-se a estudar de forma aprofundada a sua efetivação,

como resultado do tratamento igualitário dos sujeitos processuais, interpretação que é comum

aos demais estudiosos do assunto.

3.3.4 Efetividade do contraditório e a igualdade processual

A efetividade do contraditório importa em real participação das partes no

processo, garantindo a paridade de armas através da concessão das mesmas oportunidades aos

sujeitos processuais, entendida como a verdadeira igualdade material entre as partes do

processo, para isso, é imprescindível que sejam utilizados os mesmos instrumentos

processuais para que as partes possam fazer valer seus direitos e pretensões76 (DIDIER

JUNIOR, 2007, p.41).

Para Dinamarco77 (1996, p.135) a efetividade da garantia do contraditório está

associada a dois pólos: informação e reação78, diretamente relacionados aos dois postulados

do Estado Democrático de Direito: a liberdade de informação e a participação da sociedade. A

doutrina trazida por Dinamarco (1996, p.131) é baseada na tese da legitimação pelo

76 No mesmo sentido, Nery Junior (2010, p.244), tratando sobre a igualdade de armas, afirma que o “contraditório significa dar as mesmas oportunidades para as partes (Chancengleichheit) e os mesmos instrumentos processuais (Waffengleichheit) para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta, requerendo e realizando provas, recorrendo das decisões”. Para o autor, não basta a garantia formal da paridade das armas, pois o princípio deve atuar no sentido de que seja garantida a igualdade substancial e efetiva. 77 “efetividade do contraditório é exigência à própria garantia deste e graduada segundo o teor de indisponibilidade do direito substancial em conflito. O dois pólos dessa garantia, a informação e a reação, correspondem afinal, como num microscosmos, a dois postulados de maior espectro do próprio Estado democrático, que são a liberdade de informação e participação da sociedade. Tem-se informação, é claro, para poder-se melhor participar. No processo, é assegurada a informação sempre (citações, intimações) e, quando o direito é disponível, a reação aos atos adversários e do próprio juiz dependerá das opções da parte, que cumprirá os ônus ou sofrerá as consequências (v.g., efeitos da revelia); na medida da indisponibilidade do direito substancial, estreita-se a disponibilidade das situações ativas do processo, de modo que da não-participação deixam de decorrer as consequências mais graves que se tem em caso de direitos disponíveis. Por outro lado, o contraditório há de ser equilibrado, combatendo os litigantes em paridade de armas, essa é uma projeção processual do princípio constitucional da isonomia que ilumina todo o procedimento mediante o qual se exterioriza a participação contraditória” (DINAMARCO, 1996, p. 135). 78 Muito embora os autores como Nelson Nery Junior e Cândido Dinamarco entendam que o contraditório significa informação-reação. Para esses autores o aspecto formal do postulado estaria atribuído apenas à mera informação do processo, enquanto que a reação corresponderia ao aspecto substancial, em virtude do amplo sentido dado ao termo de participação efetiva, com a apresentação dos argumentos da defesa, capaz de influenciar na decisão. Diferentemente de tal posicionamento, Oliani (2007, p.40) entende que o binômio informação-reação reflete apenas o aspecto formal, logo, a simples reação não estaria abrangido pelo aspecto substancial, uma vez que o sentido de participação não estaria na simples reação. Para Oliani os sujeitos devem participar ativamente do processo.

Page 63: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

62

procedimento, defendida Niklas Luhmann (1980), abrangendo todas as áreas de exercício do

poder, mesmo fora do campo jurisdicional. Segundo Luhmann (1980) a legitimação do poder

não se encontra apenas na observância formal dos procedimentos legais, mas na efetiva

participação dos sujeitos do processo de forma a influenciar na decisão final.

Grinover (1975, p.90) tratando sobre o tema afirma que o fundamento lógico do

contraditório é caracterizado pela bilateralidade das partes do processo que é desenvolvido em

contradição recíproca, fruto da direção contrária dos interesses litigantes. E o fundamento

político do contraditório encontra-se sedimentado na isonomia, que é sustentado no “princípio

de que ninguém pode ser julgado sem ser ouvido” (GRINOVER, 1975, p.91).

Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p.61) o princípio do contraditório

significa a expressão fundamental da justiça, associada ao sentido de isonomia entre os

sujeitos do processo. Logo, torna-se evidente a relação entre a efetividade do contraditório e o

tratamento isonômico entre as partes do processo.

Ademais, a efetividade do contraditório se traduz no tratamento igualitário entre

as partes do processo, através da concretização da paridade das armas. O tema ganhou tal

importância para a doutrina, que a igualdade das armas entre as partes do processo foi

destacada do “princípio do contraditório, conferindo-lhe autonomia e independência como

princípio processual, mas reconhecendo que é manifestação, no processo, dos princípios

constitucionais da igualdade, do contraditório e do direito ao justo processo” (NERY

JUNIOR, 2010, p.245).

Com efeito, compete ao julgador o dever de assegurar o contraditório, e às partes

o direito de ser concretizado, através da efetiva participação dos sujeitos do processo,

proporcionada pela bilateralidade e pela igualdade processual, de modo que essa participação

permita influenciar a decisão do julgador. Logo, não se trata de uma simples participação, em

que a parte se manifesta pessoalmente no processo sem trazer argumentos, é necessário que

essa manifestação seja realizada de forma técnica que possibilite influenciar a decisão, sob

pena de não existir o efetivo contraditório.

Page 64: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

63

3.3.5 Ampla defesa e seus desdobramentos

Neste tópico, é importante compreender quais são os desdobramentos da ampla

defesa, para determinar o seu alcance, assim podem ser resumidos: a) no direito de ter

conhecimento da imputação; b) de apresentar alegações contra a acusação; c) de acompanhar

a prova produzida e fazer contraprova; d) de defesa técnica por advogado, cuja função é

essencial à administração da justiça (CF, art. 133); e) de recorrer da decisão desfavorável

(GRECO FILHO, 1995, p. 47)79. No processo penal, esses instrumentos de garantias são mais

criteriosos, por isso afirmar que o exercício da defesa deve ser amplo, sendo a obrigatoriedade

da “defesa técnica” um desdobramento do princípio da ampla defesa (GRECO FILHO, 1995,

p. 58).

Aliás, essa é a intenção do legislador constitucional ao estender o princípio do

contraditório e da ampla defesa aos processos administrativos, ao equiparar aos processos

judiciais, o legislador pretendeu ampliar as garantias, constituindo um núcleo processual

comum.

Por outro lado há doutrinadores80 (GRINOVER, 1982, p.16; LESSA, 2009, p.193)

que trazem a ampla defesa com dois desdobramentos, constituindo a defesa técnica e a

autodefesa, entendida como ampla defesa para o âmbito do direito penal. Partindo deste

entendimento, a ampla defesa pode ser exercida através da defesa técnica ou ainda através da

autodefesa. A defesa técnica é aquela realizada através de um profissional habilitado, isto é, o

advogado, enquanto a autodefesa é aquela feita pelo próprio réu, através sua atuação pessoal

(TUCCI; TUCCI E CRUZ, 1989, p.63).

Nelson Nery (2010, p.252) preleciona que a “autodefesa consubstancia-se no

direito de audiência e no direito de presença”. Portanto, isso não significa que a parte

79 Greco Filho (1995, p.47) conceitua o “processo” como uma garantia instrumental, porque serve de instrumento de realização da justiça e da efetivação de direitos, considerando os meios de concretização da ampla defesa como: a) o direito de ter conhecimento da imputação; b) de apresentar alegações contra a acusação; c) de acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) de defesa técnica por advogado, cuja função é essencial à administração da justiça (CF, art. 133); e) de recorrer da decisão desfavorável (GRECO FILHO, 1995, p. 47). Harger (2008, p. 144) traz também os principais desdobramentos do princípio do contraditório e da ampla defesa como: “a) motivação; b) audiência do interessado; c) revisibilidade; d) ampla instrução probatória; e) direito a ser representado; f) acesso aos autos; g) presunção de inocência”, entretanto, serão abordados neste tópico, apenas os desdobramentos da ampla defesa, haja vista que os demais já foram tratados como efetividade do contraditório e igualdade processual. 80 “Quando se trata de defesa penal, é que na verdade essa defesa se desdobra em duas diversas garantias: a defesa técnica, produzida por advogado, e a autodefesa, configurada pela necessária presença do acusado aos atos processuais. [...] No tocante a defesa técnica, a sua necessidade é absoluta, por ex., segundo julgados do STF, a falta de advogado” acarreta a nulidade do processo (GRINOVER, 1982, p. 16).

Page 65: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

64

elaborará a sua própria defesa técnica, mas intervirá pessoalmente no processo através do

interrogatório ou ainda com a sua presença em audiência.

Por isso afirmar que nesses processos, o contraditório deve ser efetivo, real e

substantivo, por essa razão que o Código de Processo Penal exige a defesa técnica substancial

do réu, ainda que revel, e determina que seja nomeado defensor público ou dativo, sendo a

defesa técnica exercida através de manifestação devidamente fundamentada (NERY JUNIOR,

2010, p.212).

Seguindo esta linha de raciocínio, como o processo administrativo disciplinar

também possui natureza punitiva, uma vez que a administração pública aplica sanções aos

servidores, restringindo direitos e bens, através de uma decisão administrativa

autoexecutável81. Por essas razões é que a exigência da defesa técnica com a presença do

advogado deve ser realizada não apenas no processo penal, mas também nos processos

sancionadores82 que visa à imposição de penalidade à pessoa do servidor, neste caso o

processo administrativo disciplinar. No entanto, a interpretação dada ao Estatuto dos

Servidores Públicos Federais83 (Lei 8.112/90) é da facultatividade da parte acusada de se fazer

representar no processo através de advogado, bem como da elaboração da defesa técnica,

sendo inclusive esse o entendimento confirmado pelo Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, em decorrência do contraditório substancial não é possível à

aplicação de penalidade, sem que se dê ao acusado a oportunidade de se manifestar de forma

concreta e efetiva no processo, permitindo a possibilidade de influenciar no resultado da

decisão que para isso deve ser realizado através da defesa técnica, porém, não em qualquer

processo administrativo, mas naqueles em que haja punição.

Em suma, o princípio do contraditório e da ampla defesa manifesta-se através de

diversos desdobramentos como: o dever de individualização das condutas no ato de

81 “No caso específico do processo administrativo disciplinar, um aspecto assume especial revelo: as penalidades administrativas aplicadas são, em princípio auto-executáveis, o que torna privilegiada a posição da administração”, por isso que é necessário que se permita ao administrado e ao servidor público elementos de defesa contra a máquina poderosa da Administração Pública (FERREIRA, 1972, p. 62). 82 Nelson Nery Junior (2010, p.253-254) advoga que a defesa técnica deve ser realizada em qualquer processo sancionador, seja disciplinar ou não, desde que vise a imposição de penalidade à pessoa humana. “Em processos sancionadores, como ocorre com o processo penal e com o processo administrativo sancionador (disciplinar ou não), que visa imposição de penalidade à pessoa humana, ao servidor ou administrado, ressalta a importância de observar a garantia constitucional da ampla defesa, motivo por que nesses processos é imprescindível que a defesa do acusado seja técnica, isto é, feita por advogado. Por essa razão, não se pode ter como atendido o princípio constitucional da ampla defesa se não se der advogado ao acusado, no processo penal e no processo administrativo sancionador” (NERY JUNIOR, 2010, p.254). 83 No mesmo sentido, a lei que trata sobre Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/99), também dispõe sobre a facultatividade da presença do advogado na defesa de direitos da parte interessada .

Page 66: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

65

instauração do processo, a possibilidade de interposição da defesa previamente, o direito de

ser ouvido, o direito de oferecer e produzir provas, o direito a uma decisão fundamentada, o

direito à defesa técnica por advogado (BACELLAR FILHO; HACHEM, 2010, p.35).

Entretanto, o objeto de estudo desta dissertação está delimitado ao direito de defesa técnica do

acusado no processo administrativo disciplinar como concretização do direito fundamental ao

contraditório e a ampla defesa.

Para essa compreensão, exige-se o conhecimento da distinção entre processo e

procedimento, as semelhanças entre processo judicial e administrativo, bem como a tipologia

dos processos administrativos e a sua relação jurídica de natureza processual, que será

investigado no próximo capítulo, para que se determine o alcance da obrigatoriedade da

defesa técnica nestes processos sem ofender o contraditório e a ampla defesa.

Page 67: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

66

4 PROCESSO ADMINISTRATIVO

Como já exposto no capítulo anterior, apesar de o texto constitucional prever

formalmente o termo “processo administrativo”, ainda existem controvérsias na doutrina

processualista e administrativa sobre a utilização do termo “processo” no âmbito do direito

administrativo. A doutrina debate sobre a conceituação de “processo” e “procedimento”, já

que para a corrente processualista tradicional a denominação “processo” estaria intimamente

ligada à função jurisdicional, exercida exclusivamente pelo poder judiciário, enquanto o

“procedimento” seria inerente à atividade administrativa84.

Com as mutações sofridas pelo direito administrativo85, caracterizada pela

aproximação das relações entre Estado e cidadão, constatou-se uma verdadeira mudança de

paradigma, por conseguinte, a necessidade preeminente do cidadão de participar da decisão

administrativa final, como resultado do Estado Democrático86. Essa participação se daria

através da manifestação da parte no “processo”.

Partindo desse entendimento, a ideia de “processo” é mais ampla que processo

judicial, primeiro porque é um termo que pode ser utilizado por qualquer ramo do direito,

inclusive por outras disciplinas não jurídicas. Segundo porque o seu significado não é

exclusivo da função jurisdicional, já que é originária do vocabulário latino procedere,

decorrente da junção do prefixo pro (para adiante, para frente) e cadere (caminhar, cair),

denota algo dinâmico, em movimento, traduzido em sentido genérico como a “sequência de

fatos, atos e atividades com vistas a ser alcançado determinado fim” (CARVALHO FILHO,

2009, p.2-3).

84 Sundfeld (2002, p. 94-101) adota a terminologia procedimento administrativo para designar toda e qualquer atividade da administração pública, inclusive a de aplicação de sanção administrativa, e assim defende que o processo “é o encadeamento necessário e ordenado de atos e fatos destinados à formação ou execução de atos jurídicos cujos fins são juridicamente regulados”, demonstrando que o termo “processo” estaria atrelado à atividade judicial. Entretanto, não enfrenta a essência da problemática, já que no “procedimento administrativo” também há um desencadeamento ordenado de atos e fatos destinados à formação da decisão administrativa que são regulados juridicamente. Em sentido contrário, Medauar (2008, p.18) afirma que “a idéia de processo como exclusividade da função jurisdicional pode significar negação de uma processualidade administrativa; ou pode expressar preocupação terminológica, como o fim de evitar confusão entre o modo de atuar da Administração e modo de atuar do Judiciário, reservando-se para o âmbito administrativo o vocábulo procedimento; ou, então traduz a inexistência de conscientização para um novo modo de atuação administrativa”. 85 Moreira Neto (2005) no artigo jurídico “As mutações de direito administrativo” trata sobre o tema. 86 Nas palavras de Ferraz e Dallari (2012, p.53) “a consolidação da ambiência democrática ensejou a regulação, em todo o País, do processo administrativo. Estava criado o instrumento viabilizador da coparticipação da cidadania no desempenho da função administrativa. E daí a revolução verdadeiramente copernicana que a doutrina brasileira do direito administrativo passaria a vivenciar (embora com atraso de cerca de três décadas – demora dolorosamente invencível para os Países não hegemônicos): o núcleo da investigação migrou do ato administrativo para a relação jurídica administrativa”.

Page 68: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

67

Considerando esses dois enfoques, o “processo” pode ser traduzido como um

conjunto ordenado de atos e fatos praticados de forma sequenciada pelo poder público,

abarcando o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, instrumentalizado através da participação

dos pretensos interessados que visa alcançar determinado fim, como resultado da expressão

do Estado Democrático de Direito.

O termo “processo” representa o meio pelo qual se oportuniza as partes de

participarem democraticamente da decisão, importando um verdadeiro instrumento no qual o

poder do Estado é exercido legitimamente87. Oliani (2007, p.22) destaca que o processo é um

“instrumento pelo qual o poder é exercido, compreendendo-se, atualmente, que todo poder é

exercido por meio de um procedimento, que se caracteriza como um processo, desde que seja

realizado em contraditório”.

Por esses argumentos, não seria lógico reduzir a abrangência do termo a um

determinado poder estatal, apenas pela justificativa de que poderia ser confundido com o

“processo judicial”, que possui peculiaridades e especificidades próprias pré-determinadas

pela Constituição e pela lei.

O grande problema na utilização da terminologia “processo” na seara

administrativa se encontra nos países em que adotam o sistema de jurisdição dupla, aquele em

que há uma jurisdição especializada e independente do poder judiciário para apreciar o

contencioso administrativo, sendo mais adequada, nesses casos, a utilização das expressões

“processo jurisdicional administrativo” ou “processo da jurisdição administrativa”, para

especificar os processos em tramitação da jurisdição administrativa88 (MEDAUAR, 2008, p.

47).

Com efeito, não há como confundir o contencioso administrativo, que se

desenvolve na justiça especializada independente e autônoma do poder judiciário,

caracterizada pelo sistema de dupla89 jurisdição, o qual compete apreciar litígios em que a

87 Verificar a contribuição filosófica de Luhmann e Habermas sobre a legitimidade do procedimento através da participação dos interessados no primeiro capítulo desta dissertação. 88 “A despeito do difundido uso do termo procedimento no âmbito da atividade administrativa, mais adequada se mostra a expressão processo administrativo. A resistência ao uso do vocábulo processo no campo da administração pública, é explicada pelo receio de confusão com o processo jurisdicional, deixa de ter consistência no momento em que se acolhe a processualidade ampla, isto é, a processualidade associada ao exercício de qualquer poder estatal. Em decorrência, há processo jurisdicional, processo legislativo, processo administrativo; ou seja, o processo recebe a adjetivação provinda do poder ou da função de que é instrumento. A adjetivação, dessa forma, permite especificar a que âmbito de atividade estatal se refere a determinado processo” (MEDAUAR, 2008, p.44). 89 O sistema de “jurisdição dupla” e “jurisdição única” são trazidos por Greco Filho (1995, p. 36-37) quando trata do relacionamento entre os poderes Executivo e Judiciário, “no primeiro, chamado francês ou do

Page 69: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

68

administração é parte, com o processo administrativo que se desenvolve na esfera da atividade

administrativa em qualquer dos poderes, de acordo com as peculiaridades do sistema jurídico

adotado em cada país.

Apesar da resistência de alguns estudiosos, a terminologia “processo” é também

aplicada no direito administrativo, isso ocorreu, por outro lado, em virtude da contribuição da

doutrina estrangeira de Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, Adolf Merkl, bem como

dos autores brasileiros expressos nas obras de Odete Medauar, Lúcia do Valle Figueiredo,

Romeu Felipe Bacellar Filho, Marcelo Harger, Egon Bockmann Moreira, Sérgio Ferraz,

Adilson de Abreu Dallari, Rafael Munhoz de Mello, José dos Santos Carvalho Filho, dentre

outros.

Ao estudar o processo administrativo, é importante fazer a distinção entre a

relação jurídica processual e relação de direito material, já que são independentes e

autônomas. Neste trabalho, deve ser deixado claro que o direito ao processo, bem como a

aplicação dos princípios processuais, não significa adentrar no mérito da decisão,

correspondente à relação jurídica de direito material. Ademais, passa-se a estudar como se

desenvolve a relação jurídica processual.

4.1 RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL

Com a evolução da concepção publicista90, o direito de ação instrumentalizado

através do processo se tornou independente e autônomo do direito subjetivo material, assim,

surgiu a ideia de processo como relação jurídica processual, traduzido no “conjunto de

posições jurídicas ativas e passivas, de cada um dos seus sujeitos (poderes, faculdades,

deveres, sujeições e ônus) e não somente como simples sucessão de atos” (MEDAUAR, 2008,

p. 19).

‘contencioso administrativo’, decorrente da idéia de separação absoluta de poderes, o Judiciário não decide as questões em que o Estado é parte: o próprio Poder Executivo, destaca órgãos, chamados de “contencioso administrativo”, que tem na cúpula o Conselho de Estado, para julgar tais questões com força de definitividade. No Brasil, adotou-se o sistema chamado anglo-saxão ou da jurisdição única, no qual o Poder Judiciário pode examinar os atos administrativos quanto à sua legalidade. Por outro lado, as decisões da administração podem ser revistas, não tendo, jamais, força da definitividade. Qualquer lesão ao direito individual, mesmo a causada pela administração pública, pode ser submetida à apreciação pelo Poder Judiciário”. 90 A concepção publicista está associada direito processual como ramo do direito público, com suas linhas fundamentais traçadas pelo direito constitucional (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, p.84).

Page 70: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

69

Os sujeitos que participam do processo são dotados de faculdades, poderes,

deveres e ônus, desenvolvidos de forma dinâmica através da relação jurídica processual, com

sucessão de atos e fatos tendente ao ato-fim, que é a decisão na qual o julgador aplica o

direito. Com efeito, esse “conjunto de normas e princípios que regula toda essa atividade é o

direito processual. Este é autônomo em relação ao direito material que tem por fim realizar,

mas é instrumental porque existe para essa finalidade” (GRECO FILHO, p.36).

Com lastro nesse entendimento, é imperioso distinguir a simples relação jurídica

da Administração Pública e relação jurídica processual91 com o poder público, isso porque a

aplicação dos princípios processuais constitucionais, como o caso do contraditório e da ampla

defesa, está atrelada especialmente a natureza da relação.

No direito processual civil, a relação jurídica é desenvolvida de modo triangular,

na qual existem dois sujeitos com interesses opostos, autor e réu, sendo o terceiro, o

magistrado que representa o poder do Estado jurisdicional, que vai dizer o direito com força

definitiva. No processo penal, a relação jurídica é estabelecida entre o Estado, através órgão

acusador, que defende o interesse público de um lado, e o acusado do outro, logo, o Estado se

encontra em duas posições diversas, parte acusadora e Estado-Juiz (CRETELLA JR., 2010,

p.52).

Por esse motivo, Cretella Jr. (2010, p.52) adverte que o processo administrativo é

o que mais se aproxima ao processo penal, posto que a relação jurídica processual não se

desenvolve entre “dois particulares, mas entre o Estado, praticamente o autor, versus o

administrado, particular ou funcionário público, acusado ou indiciado”.

Neste raciocínio, o processo administrativo é instrumentalizado de um lado com a

Administração, e do outro com o particular, que se inicia de “ofício” ou “a pedido da parte92”,

cuja finalidade pode ser para solicitação, reclamações ou requerimento do particular, ou ainda

imposição de algumas medidas restritivas de bens, propriedade ou direitos (CRETELLA JR.,

2010, p.52).

91 Essa distinção é muito bem trazida pelos processualistas, porém, na seara administrativa a doutrina ainda se confunde com a delimitação da relação jurídica da Administração Pública como destacada no primeiro capítulo desta dissertação. 92 Pode ser expresso como o direito de petição perante os órgãos públicos, nos termos do art. 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal.

Page 71: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

70

No tocante ao objeto de estudo, o processo administrativo disciplinar, observa-se

que a administração possui duplo status93, uma de juízo parcial da acusação que se encontra

de um lado, confrontando do outro lado com o servidor-acusado, diante de um julgador

imparcial que é a comissão processante.

Sob esse enfoque, a administração possui duas posições diversas no processo

disciplinar: uma do “juízo parcial da acusação” que denuncia as irregularidades

administrativas, e a outra do “juízo imparcial que é exercido pela Comissão de Processo

Administrativo Disciplinar” (BACELLAR FILHO, 2012, p.239).

A administração-acusação deve ser vista como sujeito processual em mesma

paridade com um particular (BACELLAR FILHO, 2012, p.244), para que a relação

processual seja realizada com igualdade, portanto, deve ser afastado o sentido de

superioridade do Estado. O equilíbrio do contraditório entre as partes do processo encontra-se

na possibilidade do servidor-acusado utilizar os instrumentos de defesa para contrapor aos

argumentos da administração-acusação.

Em se tratando de relação jurídica processual de natureza acusatória que enseja

aplicação de sanção, Lúcia do Valle Figueiredo (1995, p. 389) entende que nestes casos

devem ser aplicados os princípios do direito penal. Com razão assiste a autora, posto que além

da natureza acusatória, semelhante ao processo penal, a sanção a ser aplicada ao servidor,

poderá restringir bens, propriedades e direitos da parte, sobretudo quando da apuração da

prática de crimes contra a administração pública.

Com efeito, estabelecida essa relação jurídica processual, os sujeitos interessados

se vinculam juridicamente, surgindo uma série de obrigações, deveres, direitos e ônus para

partes94 dentro do processo, inclusive com a observância dos princípios processuais

constitucionais.

93 Na mesma esteira, Cretella Jr. (2010, p.53) “salienta que a intervenção mencionada tem duplo caráter, quer como órgão de decisão, quer como ente jurídico que também será atingido em grau maior ou menor pela decisão a ser adotada”. 94 Apesar de alguns doutrinadores empregarem o termo “interessado” no processo administrativo, isso se deve a sua ligação ao procedimento, logo, como se adota neste trabalho a corrente do conceito de processo como procedimento realizado em contraditório, então, será adotado o termo “parte” para denominar os sujeitos da relação jurídica processual entre a administração pública e o particular.

Page 72: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

71

4.2 PROCESSO E PROCEDIMENTO

A doutrina nacional não é unânime quanto à distinção entre “processo” e

“procedimento” administrativo95. Entretanto, uma das principais diferenciações em comum

entre os estudiosos, é aquela que diz respeito ao seu conteúdo, enquanto o processo “retrata

relação jurídica específica, de caráter processual em sentido estrito”, o procedimento “define

puramente o desenrolar dos atos e fatos que configuram o começo, meio e fim do processo”

(MOREIRA, 2010, p.43).

Nas lições de Dinamarco (1996, p.133) “processo é todo procedimento realizado

em contraditório”, com isso, o autor classifica o processo como uma espécie de procedimento,

além de estender o conceito de processo não apenas para o âmbito da jurisdição, mas também

para a própria administração. E ainda destaca que “nem todo procedimento é processo”,

porque há exercício da atividade estatal que não se exige provimento imperativo a interferir

na esfera do patrimônio ou bens do indivíduo.

Marques (1986, p.9) leciona que “não se confunde processo96 com procedimento.

Naquele a nota específica dos atos que compõem está na finalidade que os aglutina, ou seja, a

composição do litígio secundum ius, para dar-se a cada um o que é seu”, já o procedimento é

a “sucessão coordenada dos atos do processo, e à forma de cada um e do respectivo

encadeamento”, conforme determina a lei. Para o autor, o processo tem o sentido “teleológico

ou finalístico” que é a composição do litígio, revelando um instrumento da paz social e da

justiça e o procedimento seria o modo de fazer para que se atinja essa finalidade97.

Na esfera administrativa, o processo em sentido amplo corresponde ao conjunto

de atividades da administração ordenadamente preparada para edição do ato administrativo,

em sentido restrito é o processo administrativo em si, sendo um conjunto de atos praticados na

95 Para Carlos Roberto Siqueira Castro (2006, p.34) a satisfação do devido processo legal não pode ser entendida como um simples “procedimento”, que significa apenas um “conjunto sequencial de atos judiciais conducentes a um veredito final”, exige-se também um “autêntico ‘processo’, com todas as garantias do contraditório e da defesa”. Porém, quando trata da relação com a Administração Pública se refere a “Procedimentos Administrativos” (CASTRO, 2006, p.335). 96 Para Marques (1986, p.8) “o processo, portanto, é o instrumento de que se serve o Estado, no exercício da jurisdição, para compor um conflito litigioso de interesse. Jurisdição e processo, por isso, são conceitos incindíveis: não há jurisdição sem processo, e tampouco processo sem jurisdição. A jurisdição é a força operativa com que se realiza o imperium do Estado para compor um litígio; e o processo, o instrumento imanente à jurisdição, para que o Estado alcance esse escopo”. 97 Marques (1986, p.10) utiliza a expressão modus faciendi para compreender o sentido de procedimento, traduzido como o modo ou exteriorização da forma, para que se atinjam os fins compositivos da jurisdição no processo.

Page 73: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

72

esfera administrativa quer apenas pela administração, quer pelos administrados até a decisão

final da autoridade competente, sendo o procedimento a forma como deverão ser praticados

os atos administrativos (NERY JUNIOR, 2010, p.215).

Para Nery Junior (2010, p. 214) a distinção entre processo e procedimento

administrativo estaria essencialmente no poder dever da administração de criar direitos ou

obrigações. Assim, o processo seria o meio pelo qual se exercita o direito de ação,

caracterizado pela imposição de penalidade ao servidor ou a terceiro, e ainda pela criação de

direitos ou obrigações ao administrado, enquanto o procedimento seria uma forma pela qual

se desenvolve os atos em geral, incluídos os atos processuais, assim, um simples ato unilateral

não constituiria um processo administrativo98. A exemplo da sindicância para apuração de

autoria e materialidade, neste caso, existe apenas um procedimento, e por isso para Nelson

Nery (2010, p.216) não se poderia aplicar o princípio do contraditório nesta fase, porém,

somente se poderia falar em garantia do contraditório, quando já se conhece o autor e se apura

a existência do fato, pois já há acusado.

Por outro lado, os doutrinadores administrativistas fazem a distinção entre

processo e procedimento, utilizando diversos critérios como da amplitude, da complexidade,

do interesse do destinatário, da lide, da controvérsia, da função, do gênero e espécie, da

finalidade, do concreto e abstrato, da colaboração do interessado, do contraditório99

(MEDAUAR, 2008, p.34-44).

Para Medauar (2008, p. 44) a diferença entre processo e procedimento que mais se

adéqua à essência das figuras, é aquele retirado do critério da colaboração das partes e do

98 “O direito de ação no âmbito administrativo é o poder dever de a administração: a) impor penalidade ou sanção (processo administrativo sancionador) a servidor público ou administrado ou terceiro (pessoa física ou jurídica); ou b) criar direitos ou obrigações para o administrado (processo administrativo constitutivo), com a participação do interessado e/ou terceiro. A emissão de simples ato administrativo (unilateral) não constitui, em princípio e per si, o processo administrativo” (NERY JUNIOR, 2010, p. 214). 99 Pelo critério da amplitude, o processo seria mais abrangente, em que o processo é o todo e o procedimento consistiria numa parte do todo; pelo critério da complexidade , o procedimento seria manifestações simples de vontade, enquanto o processo seria uma operação mais complexa, traduzida num conjunto de operações que integram o todo praticados pelos sujeitos da relação jurídica; pelo critério do interesse, o procedimento é realizado com o objetivo de satisfazer o interesse do autor do ato, ou seja, da Administração, já o processo o interesse a ser buscado é o do interesse público ou da coletividade; pelo critério do concreto e do abstrato, o processo seria um conjunto de atos realizados concretamente para compor a lide, correspondendo aos fatos concretos, enquanto o procedimento seria decorrente do fenômeno abstrato e formal do processo, traduzido na hipótese abstrata prevista na norma; pelo critério da lide e da controvérsia, o processo seria identificado pela existência da lide, já o procedimento não haveria lide ou controvérsia; pelo critério teleológico, o processo seria aquele cuja finalidade representaria o exercício do poder, já o procedimento seria de índole formal, pois seria mera coordenação de sucessão de atos; pelo critério da função, o processo se vincula a função, e o procedimento estaria atrelado ao ato; pelo critério do gênero e espécie, o procedimento seria o gênero, enquanto o processo seria uma espécie de procedimento realizado em contraditório com a colaboração dos sujeitos do processo (MEDAUAR, 2008, p. 34-43).

Page 74: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

73

contraditório, por isso, a autora entende que o procedimento é mais genérico que processo,

sendo este uma espécie de procedimento previamente estabelecido em lei, que se verifica

entre os sujeitos da relação jurídica, através do contraditório. E conclui afirmando que o

“procedimento consiste na sucessão necessária de atos encadeados entre si que antecede e

prepara um ato final”, já o processo é uma espécie de procedimento que tem seu rito instituído

legalmente, com a “cooperação de sujeitos, sob o prisma do contraditório” (MEDAUAR,

2008, p. 43).

Sob essa perspectiva o procedimento seria o caminho a ser percorrido pela

Administração Pública, através da sequência de fatos e atos preordenados para alcançar

determinado fim culminando com o ato administrativo final, ou melhor, a decisão

administrativa. Pode ser trazido como exemplos: o “procedimento de licitação, procedimento

de concurso público, procedimento de lançamento, de inscrição da dívida ativa100”

(FIGUEIREDO, 2008, p. 437).

Por outro lado, existem doutrinadores que não pretendem reduzir o conceito de

processo administrativo àquele em que haja lide ou contraditório, mas, filia-se a corrente

defendida por Marcelo Harger101 (2008, p.57) de que o processo administrativo é entendido

como um conjunto de atos e fatos jurídicos encadeados sequencialmente que se destinam a

realização de um ato administrativo final principal ou uma decisão administrativa, sempre

observando o regime jurídico administrativo.

Apesar da distinção doutrinária entre processo e procedimento administrativo

encontrar-se basicamente sustentada na ocorrência de lide e na possibilidade de aplicação do

contraditório, é importante esclarecer que sob o novo prisma da constitucionalização do

direito, com abrangência de interesses múltiplos, qualquer cidadão pode participar da tomada

de decisão do poder público, mesmo que não haja lide, é o que se verifica com a participação

e gestão democrática no processo de elaboração das leis, com a previsão legal das audiências

públicas.

100 Há entendimentos de que mesmo nesses processos deve está presente o contraditório e a ampla defesa. 101 Para Harger (2008, p.50) o processo administrativo é entendido em seu sentido amplo, não havendo distinção efetiva entre “processo” e “procedimento”, tendo apenas uma distinção no seu sentido terminológico, inclusive critica a utilização do termo “procedimento” por ter uma conotação mais fraca do que “processo” o que pode acarretar a negação da aplicação de princípios processuais no âmbito administrativo. Para o autor o termo adequado a ser utilizado é “processo” e deve ser acoplado à função estatal exercida, utilizando os adjetivos de judicial, administrativo ou legislativo, inclusive porque a Constituição optou por utilizar este termo, e isso evita qualquer conotação que possa implicar perda de garantias (HARGER, 2008, p. 50-54).

Page 75: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

74

Inobstante esse posicionamento e a criação de novos institutos administrativos

para garantir a participação do cidadão na tomada de decisão do poder público, há de convir

que a expressão “processo” no seu sentido técnico exige a existência de lide, controvérsia ou

conflito de interesses, coadunando-se com a corrente processualista que o define como relação

jurídica processual, por isso que neste estudo será adotada a corrente administrativista trazida

por Odete Medauar (2008, p. 43) que entende o processo como uma espécie de procedimento

com rito instituído em lei e cooperação entre os sujeitos, sob o prisma do contraditório.

É certo que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as dúvidas

quanto à utilização da terminologia no direito administrativo foram sanadas, vez que o poder

constituinte fez constar no texto constitucional a expressão “processo administrativo”,

significando o reconhecimento do referido termo no âmbito da atividade administrativa, e que

também podem ser observados no art. 5º, inciso LV, LXXII, LXXVIII, art. 37, inciso XXI,

art. 41, §1º, e utilizado por diversas legislações infraconstitucionais (MEDAUAR, 2008, p.

45).

No âmbito administrativo, como na atividade jurisdicional, o poder público possui

um instrumento destinado ao controle dos seus atos, através da apuração de condutas dos

administrados: o processo administrativo. O processo administrativo ganhou novos avanços

com a aprovação do Projeto de lei 2.464/1996, transformando-se na Lei de Processo

Administrativo, a Lei Federal n. 9.784/1999 que regula o processo administrativo no âmbito

da Administração Pública Federal (LIMA, 1999, p.216).

Nas palavras de Medauar (2008, p. 45) “utilizar a expressão processo

administrativo, significa, portanto, afirmar que o procedimento com participação dos

interessados em contraditório” também ocorre no âmbito da Administração Pública102.

Diante dessas divergências apresentadas, faz-se necessário traçar as distinções

entre processo administrativo e judicial para demonstrar que não há confusão na sua

aplicabilidade, pois o processo serve de instrumento para limitar o exercício do poder estatal,

como direito fundamental do cidadão ao procedimento. Com isso, caracteriza-se a ideia do

102 A autora continua afirmando que: “todos os elementos do núcleo comum da processualidade podem ser detectados no processo administrativo, assim: a) os elementos in fieri e pertinência ao exercício do poder estão presentes, pois o processo administrativo representa a transformação dos poderes administrativos em atos; b) o processo administrativo implica sucessão desencadeada e necessária de atos; c) é figura jurídica diversa do ato; quer dizer o estudo do processo administrativo não se confunde com o estudo do ato administrativo; d) o processo administrativo mantém correlação com o ato final em que desemboca; e) há um resultado unitário a que se direcionam as atuações interligadas dos sujeitos em simetria de poderes, faculdades, deveres e ônus, portanto, em esquema de contraditório” (MEDAUAR, 2008 p. 45).

Page 76: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

75

núcleo comum da processualidade utilizada tanto no âmbito civil e penal, como no

administrativo.

4.3 PROCESSO ADMINISTRATIVO E PROCESSO JUDICIAL

Neste tópico é importante destacar as diferenças entre processo judicial e

administrativo, para demonstrar que não existe qualquer confusão terminológica, já que as

peculiaridades de cada poder serão caracterizadoras do tipo de processo103. Com efeito, o

processo judicial se desenvolve no âmbito do poder judiciário, que tem como função precípua

a jurisdição, com competência para dizer o direito em última palavra, através da imutabilidade

do ato jurisdicional, ou seja, caracterizado pela coisa julgada formal e material.

Diferentemente do processo administrativo que é exercido perante qualquer poder

público no âmbito da atividade administrativa, na qual a decisão final, considerada

tradicionalmente como ato administrativo, pode ser alterada pelo judiciário, pois não existe no

Brasil a coisa julgada administrativa, sendo garantia constitucional decorrente do Princípio da

Inafastabilidade do Poder Judiciário, expresso no dispositivo do art. 5º, inciso XXXV da

Constituição Federal104. Logo, os efeitos da decisão administrativa não possui imutabilidade

decorrente da coisa julgada, porque podem ser revistos pelo poder judiciário.

Além disso, a função jurisdicional possui um caráter substitutivo, ou seja, a

decisão do juiz substitui a vontade das partes, para dizer qual delas possui o direito. Enquanto,

a função administrativa, a administração se confronta com o cidadão, com o servidor ou com

o contratado, ou ainda com outro órgão público, havendo dois sujeitos, através da qual atende

ao interesse da coletividade, mas não possui esse caráter substitutivo105 (MEDAUAR, 2008,

p.58).

103 Sobre o assunto Medauar (2008, p. 50) destaca que “a concepção da processualidade extensiva a todos os poderes estatais, ressaltada a existência de um núcleo comum dessa processualidade, as peculiaridades afloram das características funcionais de cada poder. Portanto, a idéia de um núcleo comum de processualidade não é incompatível com a existência de particularidades em cada tipo de processo, decorrentes, sobretudo, da modalidade de função a que se vincula”. 104 Artigo 5º, inciso XXXV da CF: “não se excluirá da apreciação do poder judiciário qualquer lesão ou ameaça ao direito”. 105 Medauar (2008, p. 57-58) salienta algumas notas diferenciadores do processo judicial e administrativo: “Assim, em primeiro lugar, a função administrativa não visa precipuamente à atuação da lei, embora, como já se observou, deva nortear-se pelo princípio da legalidade. Em segundo lugar, inexiste na função administrativa o caráter de substitutividade em relação a dois sujeitos em disputa: havendo situação de controvérsia em seu âmbito, a própria administração toma a decisão que vai solucioná-la. E quanto aos efeitos de seus atos, falta-lhe

Page 77: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

76

Com a ampliação da atividade estatal, surge a necessidade de maior observância

dos aspectos processuais para garantir o controle dos atos administrativos. Por esse motivo

que atualmente, a processualidade representa uma mudança de enfoque no direito

administrativo: a passagem do primado da autoridade para o primado do consenso

(MEDAUAR, 2008, p. 76-77).

Para Dinamarco (1996, p. 65), o processo administrativo disciplinar é que mais se

aproximam do jurisdicional, em suas formas e garantias, apesar de destacar as diferenças

existentes em relação à função jurisdicional, caracterizada especialmente pelo Princípio da

Inafastabilidade do Poder Judiciário e do instituto da coisa julgada.

Na verdade, pode-se afirmar que existe um núcleo comum de processualidade106,

traduzido através das normas e princípios processuais que são aplicados de uma forma geral

nos processos, porém, considerando as peculiaridades de cada função do Estado. Nas palavras

de Bacellar Filho (2012, p. 55), o núcleo diferenciado persiste como decorrência das

características de cada função.

Medauar (2008, p. 51-54) ainda destaca alguns critérios de diferenciações trazidas

pela doutrina, porém, as mais relevantes dizem respeito ao modo como se inicia o processo

administrativo, os efeitos dos atos e a substitutividade da vontade, esses dois últimos já

retratados neste tópico. As demais distinções destacadas como critério do fim, a existência de

litígio, bilateralidade e igualdade entre as partes, independência e inexistência de hierarquia,

obrigatoriedade de decidir, na verdade, são características também verificadas no processo

administrativo. Isso porque esses parâmetros de distinção estão atrelados ao sentido

tradicional de ato administrativo como resultado de um ato unilateral da administração

pública dotada de superioridade em relação aos seus súditos, e que vem perdendo espaço para

a doutrina moderna do processo administrativo107. Quanto ao modo como inicia o processo

administrativo, pode ser “de ofício” ou por “provocação”, enquanto o processo judicial apenas

imutabilidade decorrente da coisa julgada; de regra, podem ser revistos por outros atos administrativos ou por atos jurisdicionais”. 106 Dispondo sobre a processualidade administrativa e sua ligação com o direito processual judicial Merkl (1927, p.283) ensina que o nascimento do direito administrativo processual representa no segundo grau uma semelhança da administração com a justiça, constituindo o em primeiro grau, o que se entende pela concretização do direito administrativo material, o que se pretende com a elaboração de um direito processual administrativo é proporcionar aos indivíduos que detêm os seus direitos, as mesmas garantias juridicidade ou a mesma aplicação justa do direito administrativo material, através das autoridades administrativas, como forma de garantir semelhante segurança como ocorre com as relações jurídicas que oferece o processo judicial. Além disso, o autor traz como a mais eficaz de todas as garantias, a colaboração das pessoas as quais poderão acarretar direitos e obrigações decorrente do procedimento. 107 O primeiro capítulo desta dissertação trata a respeito da mudança do papel da Administração Pública em relação aos cidadãos, destacando a consensualidade e participação administrativa como novos paradigmas.

Page 78: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

77

se inicia mediante a “provocação” da parte autora. Essa distinção é decorrente da

peculiaridade de cada função estatal.

O processo administrativo representa um meio para que sejam preservados os

direitos fundamentais dos cidadãos na atuação administrativa, isso porque com a ampla

processualidade, o administrador se obriga a observar parâmetros determinados na lei, bem

como nos princípios processuais constitucionais como do contraditório e da ampla defesa.

4.4 TIPOLOGIAS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

A classificação trazida pela doutrina para determinar os tipos de processos

administrativos variam de acordo com critérios dos mais diversos, confundindo no mais das

vezes com o procedimento administrativo. Entretanto, neste trabalho será dada ênfase apenas

aos critérios mais relevantes para o tema, o da controvérsia ou da existência da lide ou

conflito de interesses.

Muito embora o critério do conteúdo tenha grande importância para a ampla

processualidade dos atos administrativos, difundindo a sua aplicação no ramo do direito

administrativo, tendo em vista a sua amplitude, esse critério não faz qualquer distinção ao

procedimento, no qual confunde o processo com o procedimento. Pois, o critério do conteúdo

é a aquele relacionado ao objeto do processo administrativo, e pode ser classificado em 06

espécies: expediente, outorga, restritivo de direitos, sancionatórios, de gestão e controle108

(HARGER, 2008, p. 69).

Lúcia do Valle Figueiredo (2008, p.435-436) propõe a sistematização do sentido

de processo de forma ampla, apesar de considerar a controvérsia, denotando o “gênero”, no

qual o procedimento seria uma “espécie”, assim, subdivide o processo em três espécies: 1) o

procedimento, “como forma de atuação normal da Administração Pública109”; 2) o

108 Semelhante à classificação adotada por Hely Lopes Meireles (2003, p. 663) em processo de expediente, processo de outorga, processo de controle e processo punitivo. 109 Para Figueiredo (1995, p.380) o procedimento é a “forma de explicitação da atividade administrativa, da função administrativa. E é, sem dúvida, um dos meios mais eficazes de controle da Administração Pública, da obrigatoriedade de transparência, da participação do cidadão na formação dos atos administrativos. Neste passo, ainda que perfunctoriamente, distinguimos os provimentos administrativos (que se atingem por meio de procedimento), de forma geral sem maiores especificações, em declaratórios e constitutivos, nestes últimos, englobando os concessivos (ou ampliativos), os autorizatórios e os ablatórios de direitos. Conceituamos ato administrativo como a norma concreta, emanado pelo Estado ou por quem esteja no exercício da função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar, extinguir ou declarar relações jurídicas entre o Estado e o administrado, suscetível de ser contrastada pelo Poder Judiciário”.

Page 79: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

78

procedimento, “como sequência de atos ordenada para a emanação de um ato final,

dependendo a validade do ato posterior sempre de seu antecedente”, por fim, o 3) “processo

em sentido estrito, em que a litigiosidade ou as ‘acusações’ encontram-se presentes,

obrigando-se o contraditório e a ampla defesa”.

Aprofundando esta linha teórica, os processos em sentido estrito seriam aqueles

em que há controvérsia ou acusações em geral, por isso são tipificados em: processos

revisivos, aqueles em que se dá por provocação do interessado, através do direito de petição,

ou ainda de ofício pela administração quando anula ou revoga seus próprios atos

(FIGUEIREDO, 1995, p. 399); processos sancionatórios, quando aplicam sanções ao

contratado ou ao administrado; e processos disciplinares, aqueles que aplicam sanções

disciplinares aos servidores. Em todos esses processos o princípio do contraditório e da ampla

defesa é aplicado de forma efetiva nos termos da Constituição Federal (FIGUEIREDO, 1995,

p. 379).

Esse posicionamento é decorrente do próprio dispositivo constitucional que utiliza

a expressão “acusados” e “litigantes”110, no seu art. 5º, inciso LV, denotando assim, que o

contraditório e a ampla defesa no processo administrativo somente seria imprescindível,

quando houvesse controvérsias ou conflito de interesses no caso de “litigantes”, ou ainda no

caso de acusações em geral, a qual imputa a alguém uma conduta ilícita, ou seja, quando

houvesse “acusados”(FIGUEIREDO, 1995, p. 379).

De acordo com o critério da lide ou controvérsia, o processo administrativo pode

ser classificado em dois grandes grupos: aqueles em que há controvérsias ou conflito de

interesses, no qual existem duas partes litigantes com interesses antagônicos, como exemplo,

os sancionatórios, licitatórios, concurso público, restritivos de direitos; e os processos em que

não há conflito, como de expediente, de outorga, que para alguns são denominados de

procedimento.

Neste teor, o processo administrativo disciplinar estaria classificado como

processo administrativo em que há conflito de interesses, ou melhor, há uma controvérsia

envolvida na qual o servidor é acusado da prática de ilícito administrativo, denominado de

processos sancionadores ou punitivos111.

110 Art. 5º, inciso LV da CF: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; 111 Ferraz e Dallari (2012, p.59-60) entendem que as diversas classificações dos processos administrativos se resumem a variação do conteúdo do processo, já que “as garantias, os pressupostos e as finalidades do processo

Page 80: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

79

Vale destacar que o objeto de estudo desta dissertação não abrange todo e

qualquer procedimento ou processo administrativo que tramita perante o poder público, mas

apenas ao processo administrativo disciplinar que tem por finalidade apurar os ilícitos

administrativos e aplicar sanções disciplinares pelas Comissões de Processo Disciplinar.

Na realidade, não há unanimidade na doutrina quanto à tipologia dos processos

administrativos. Inobstante isso, será adotada a corrente defendida por Lúcia do Valle

Figueiredo (1995, p.379), de que o contraditório e a ampla defesa devem também ser

observados nos processos sancionatórios, e que este princípio deve ser aplicado na sua maior

extensão, quando se tratar de processo disciplinar, em virtude da sua natureza punitiva

semelhante com a relação jurídica do direito processual penal, inclusive com a

obrigatoriedade da defesa técnica.

No próximo capítulo será aprofundado o estudo da efetividade do contraditório e

da ampla defesa nos processos administrativos em que há litígio e acusados, tipificado como

processo disciplinar, no qual há conflito de interesses entre a Administração, que tem o poder-

dever de aplicar sanção disciplinar, e o servidor, acusado da prática de ato ilícito

administrativo.

administrativo são sempre idênticos”. Por esse motivo, para os autores, o processo administrativo pode ser classificado em duas categorias: “a) os processos administrativos em que há controvérsias, conflitos de interesses: (a.1) processos administrativos de gestão (exemplos: licitações, concursos públicos, concursos de acesso ou promoção); (a.2) processos administrativos de outorga (exemplos: licenciamento de atividades e exercício de direitos, licenciamento ambiental, registro de marcas e patentes, isenção condicionada de tributos); (a.3) processos administrativos de verificação ou determinação (exemplos): prestação de contas, lançamento tributário, consulta fiscal); (a.4) processo administrativo de revisão (exemplos: recursos administrativos, reclamações). E: (b) Processos administrativos em que há acusados, denominados “processos sancionadores” ou “punitivos”: (b.1) internos, que são os processos disciplinares sobre servidores, alunos de estabelecimentos públicos, etc; (b.2) externos, que visam a apurar infrações e desatendimento de normas e aplicar sanções sobre administrados que não integram a organização administrativa (exemplos: sanções decorrentes do poder de polícia, da Administração Fiscal, aplicação de penalidades a particulares que celebram contrato com a Administração, inclusive concessionários)”. E também classificam como relevante a distinção dos processos administrativos em “gerais” e “especiais”, já que a diferença apenas se encontra no procedimento especial para cada objeto, como é o caso do processo administrativo disciplinar que possui legislação específica (Lei 8.121/90) regulamentando o procedimento com suas peculiaridades que o seu objeto requer.

Page 81: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

80

5 EFETIVIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO

ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Ultrapassada a discussão do sentido e alcance do princípio do contraditório e da

ampla defesa como núcleo processual comum dos processos judiciais e administrativos,

passa-se então, ao estudo específico deste tema adequando-se às peculiaridades do processo

disciplinar como instrumento do poder dever da administração pública de punir as infrações

administrativas.

A administração pública é dotada de uma estrutura hierarquizada de órgãos e

agentes, através da qual o superior hierárquico ordena, coordena e rever os atos praticados por

seus servidores, configurando as atividades decorrentes do poder hierárquico. Associado a

esse poder, cabe também ao superior fiscalizar o cometimento de irregularidades

administrativas para aplicação de penalidades (CARVALHO, 2012, p.83).

Impende destacar que a administração possui o poder dever de punir112 o servidor

da prática de qualquer ilícito administrativo113, devendo proceder a abertura de processo

administrativo disciplinar ou sindicância para apurar as infrações estabelecidas na lei,

assegurando ao acusado o contraditório e a ampla defesa (ENTERRÍA; FERNANDEZ, 1995,

p. 163).

Esse denominado poder disciplinar tem por escopo garantir a eficiência e

normalidade da atividade funcional do Estado, para tanto, edita normas disciplinares

estabelecendo os deveres e proibições dos servidores. Dessa forma, se um servidor infringe

algum dos seus deveres ou pratica algumas das proibições, “será responsabilizado

disciplinarmente, sofrendo a punição cuja natureza e dimensão dependem da gravidade da

falta cometida, consoante o princípio da proporcionalidade (COSTA, 2012, p. 30).

112 Para Hely Lopes Meireles (2003, p.120) o poder disciplinar é uma faculdade de punir internamente as infrações dos servidores. Entretanto, tal posicionamento merece algumas considerações, pois a administração pública tem o poder-dever de punir as infrações disciplinares, semelhante ao dever de punir do Estado no direito processual penal, encontrando-se a distinção na natureza da infração disciplinar ou criminal. Em sentido diverso, Varoto (2010, p. 37) compara o direito disciplinar com o direito penal, transportando o jus puniendi do Estado também para a esfera administrativa, fundamentado nas mesmas fontes que sedimenta o direito de punir no âmbito penal, sendo um dever e não uma faculdade de aplicar penalidades. 113 Nas palavras de Carvalho (2012, p. 83) é “porque vigora na Administração a ideia de função, de que mandamento invariável de zelo pela consecução do interesse público, de forma que compete ao hierarca maior velar pela correção das atividades administrativas e, sempre que tomar conhecimento de infrações ao código de comportamento funcional consumadas por subalternos, deve proceder às consentâneas investigações e à devida instauração de processo administrativo disciplinar ou sindicância, com vistas a impor as punições correspondentes Às transgressões perpetradas, de acordo com o regramento estabelecido no estatuto do funcionalismo, lei que arrola os comportamentos infracionais e capitula as respectivas sanções”.

Page 82: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

81

O poder disciplinar resulta de uma especial relação jurídica regida pelo direito

administrativo, tendo em vista que decorre do vínculo jurídico estatutário formado entre o

servidor público e o Estado, através de um “regime legal que estabelece direitos e deveres e

no qual se inserem as regras disciplinares” (CARVALHO, 2012, p. 90).

Assim, como esse vínculo advém da estrutura hierarquizada da administração

pública, composta por órgãos, superiores e servidores, logo, abrange toda e qualquer atividade

administrativa, seja do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. Os membros de cada órgão

se sujeitam ao processamento pertinente a seu próprio regime jurídico estabelecido

internamente. Portanto, o alcance do poder disciplinar114 é muito mais abrangente do que

aquele exercido apenas pelo poder executivo, mas decorre do poder disciplinar da atividade

administrativa de cada órgão do poder.

Muito embora, alguns autores venham destacando o direito disciplinar como ramo

específico e autônomo do direito administrativo, em decorrência das peculiaridades dos seus

princípios e normas, a matéria ainda não alcançou autonomia didática (COSTA, 2012, p.31).

Porém, é imperioso reconhecer a importância que o denominado direito processual

administrativo tem contribuído para a difusão da ampla processualidade no ramo do direito

administrativo.

Apesar de todo o arcabouço doutrinário e o avanço da disciplina no âmbito

processual, não raras vezes, é possível se deparar com superiores hierárquicos que ignoram o

verdadeiro objetivo do regime disciplinar e utilizam, inadequadamente, o poder disciplinar

como forma de vingança pessoal ou perseguição em face do servidor. Na verdade, essas

“deturpações do regime disciplinar, sobre serem odiosos, provocam uma avalancha de

descontentamentos e revoltas no seio do corpo funcional, em razão do clima de injustiça e

insegurança que semeiam115” (COSTA, 2012, p. 37).

Essas distorções foram denominadas por Armando da Costa (2008, p. 482) de

estrabismos disciplinares que podem ocorrer nos dois extemos: a pusilanimidade e a

perseguição. Os pusilânimes são aqueles chefes omissos e negligentes que deixam de

114 Nas palavras de Carvalho (2012, p. 90) “o poder disciplinar é exercitado no âmbito da função administrativa do Estado sobre as pessoas que se vinculam à Administração Pública por um elo jurídico especial (estatutário) e decorre da quebra das normas de disciplina na função pública, sendo manejado por autoridades administrativas hierarquicamente superiores ao acusado e inserido no campo do direito administrativo”. 115 Costa (2012, p. 37-38) adverte que “essas disfunções chegam mesmo a comprometer seriamente o prestígio e a eficiência da administração pública. A vítima direta de tais destinos é o funcionário injustiçado, mas a coletividade, embora reflexivamente, é a grande prejudicada. O serviço público sofre o desgaste e o descrédito, saindo aparentemente vitorioso apenas o mau administrador, que fica impune e, às vezes, glorificado ou temido, embora falsamente admirado”.

Page 83: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

82

responsabilizar os servidores faltosos116, já os perseguidores punem arbitrariamente ou ainda

severamente os servidores, por vezes inocentes, por isso agem com desvio de poder.

Diante das linhas gerais do poder hierárquico e do dever de punir da

administração pública, convém destacar as principais formas de repressão disciplinar

observadas na doutrina.

5.1 Sistemas de Punição Disciplinar

Os sistemas de repressão disciplinar são aqueles que classificam o modo por meio

do qual se realiza a aplicação de sanção disciplinar no caso concreto e podem ser divididos

em três tipos: a) hierárquico; b) semijurisdicionalizado; c) o juriscionalizado117 (COSTA,

2008, p.483-486);

O modelo hierárquico revela-se o mais primitivo118, porque se caracteriza pela

forma discricionária com que o detentor do poder hierárquico aplica as sanções. Neste

sistema, a apuração do ilícito administrativo e a imposição da penalidade ficam ao exclusivo

talante do superior hierárquico119 (CARVALHO, 2012, p. 364). Nas lições de Carvalho (2012,

116 “Os omissos ou desidiosos, a lei procura intimidá-los acenando com a sanção do art. 320 do Código Penal – condescendência criminosa. Enquanto que a prevaricação é o crime que comete o chefe hierárquico que age movido por ódio ou sentimento de vingança. Os sádicos ou vingativos, ao punirem indevidamente os seus subalternos, cometem, também, desvio de poder. [...] Por derradeiro, pode-se concluir que omissos e perseguidores – reduzindo arbitrariamente a questão disciplinar a caprichos pessoais -, findam por realizar, em igual dimensão, um desserviço à administração pública” (COSTA, 2008, p. 482-483). 117 A.A. Contreiras de Carvalho (1957, p. 220) enumera os sistemas de exercício do poder disciplinar: 1. A “do chefe administrativo”, reservado para faltas leves, pelas quais a autoridade com ascendência hierárquica procede à punição das infrações diretamente; 2. A do “chefe administrativo auxiliado por conselho corporativo ou tribunal de julgamentos sumários”, no qual se privilegia a ideia de soma de opiniões e com competência especializada; 3. A dos “tribunais administrativos disciplinares”, com jurisdição disciplinar, competentes para o julgamento das transgressões mais graves. 118 Nas palavras de Carlos Barros Jr (1972, p.158) o sistema hierárquico é a “forma mais simples e primitiva do procedimento e coexiste com os outros regimes quando se trata de aplicação das penas mais leves”. 119 “O sistema do chefe hierárquico encerra grande margem ao arbítrio do hierarca superior, o qual exerce o poder disciplinar com uma quase completa soberania de apreciação e tipificação jurídica de condutas como faltosas, a partir do exclusivo concurso de sua própria vontade e opinião sobre os fatos. Evidente que um sistema dessa natureza, afora o arbitrário espectro que assume, presta-se muito mais a erros de julgamento e injustiças, não mais admitidas num Estado Democrático de Direito, com seus reflexos sobre os limites ao exercício do poder disciplinar da Administração Pública, o qual deve resultar da motivada e objetiva apreciação da verdade material em torno das infrações atribuídas ao servidor público, do contraditório, (com direito do acusado de expor os próprios pontos de vista e razões defensórias, paralelamente à obrigatória consideração delas no ato decisório), da restrita discricionariedade na aplicação de penalidades, da ampla defesa na instância disciplinar (com a pelna participação do acusado em toda a atividade instrutória e com o conhecimento das acusações), da individualização da pena, dentre outras regras que desaconselham o sistema do chefe hierárquico. Além disso, o sistema do chefe hierárquico não parece se compadecer com as garantias do devido processo legal e do juiz natural, aplicados na esfera administrativa, na medida em que é necessário, uma vez tendente à aplicação de

Page 84: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

83

p. 364), esse modelo era conhecido como “sistema da verdade sabida, em que a própria

autoridade administrativa, que tomava conhecimento pessoalmente da irregularidade, punia

prontamente o servidor responsável, sem direito à defesa e sem oitiva do acusado”.

É evidente, portanto, que esse modelo encontra-se dissociado dos valores

democráticos consagrados pela Carta Constitucional brasileira, assim, após a Constituição

Federal de 1988, esse sistema hierárquico não é mais observado no Brasil, mesmo no caso de

punições mais leves, tendo em vista a previsão expressa do contraditório e da ampla defesa

também aos processos administrativos.

O modelo semijurisdicionalizado ou jurisdicionalização moderada120 é um sistema

intermediário mais avançado, caracteriza-se pela “previsão legal das transgressões e sanções

disciplinares mais graves”; pela “existência de conselhos ou comissões de disciplina para

assistir o detentor do poder disciplinar na aplicação de punições mais severas”; pela

“possibilidade de anulação, pelo Poder Judiciário, do ato punitivo contaminado por vício de

legalidade” (COSTA, 2008, p.484).

Com efeito, distingue-se do hierárquico, porque defere a um colegiado

independente e imparcial a coleta de provas e instrução do processo, com todas as garantias

do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (CARVALHO, 2012, p.364),

que é formalizado através de um relatório conclusivo e encaminhado para autoridade superior

para julgamento e decisão administrativa. Apesar da comissão não aplicar a penalidade, esse

modelo representa um avanço, já que a instrução do processo se dá através de uma comissão

formada por servidores independentes e imparciais do superior hierárquico121.

No Brasil, como o sistema jurídico adotado é de jurisdição única, de que não se

excluirá da apreciação do judiciário qualquer lesão ou ameaça ao direito, logo, todas as

penalidades a servidor público, serem formalizadas acusações contra o funcionário, de modo que, em inconciliável procedimento, a própria autoridade superior instaura o feito, colhe as provas, acusa e depois julga” (CARVALHO, 2012, p. 364). 120 Terminologia adotada por Carlos Barros Jr. (1972, p.158), nas suas lições denomina-se como “o sistema de jurisdicionalização moderada” aquele em que “as autoridades ou superiores são assistidos por conselhos ou comissões de disciplina”. Trata-se de um sistema de transição entre o regime hierárquico e o jurisdicional, “no qual intervêm certos órgãos de disciplina, em regra com função opinativa, sendo a pena aplicada ainda pelo superior hierárquico”, (BARROS JR., 1972, p. 159). Assim, o órgão propõe a decisão e indica a penalidade adequada a ser aplicada, ou seja, “emitem um parecer, mais ou menos vinculante, mas sempre obrigatório, de forma que sua audiência constitui formalidade essencial” (BARROS JR., 1972, p. 162). Marcelo Caetano (1994, p. 825) denomina de “forma jurisdicional imperfeita” e “poder hierárquico condicionado”. 121 Nos termos do art. 149 da Lei 8.112/90, a comissão de processo disciplinar deve ser composta por três servidores detentores de estabilidade no serviço público. “Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado”.

Page 85: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

84

decisões administrativas podem ser submetidas à anulação perante o Poder Judiciário desde

que inquinadas de ilegalidades. Portanto, esse é o modelo de repressão disciplinar adotado no

sistema jurídico brasileiro.

O modelo jurisdicionalizado é aquele em que a apuração e o julgamento da

infração disciplinar acontecem perante um poder jurisdicional, independente do órgão

administrativo estruturado hierarquicamente. Dessa forma, distingue-se dos outros modelos

porque a “apuração e o julgamento do caso ocorrem perante um órgão de jurisdição

independente da administração interessada, e seja dotado de garantias constitucionais, bem

como funcione conforme rígidas normas processuais estabelecidas em lei” (COSTA, 2008,

p.485), que assegure o amplo direito de defesa do acusado.

Esse modelo é aquele adotado na maioria dos países que vigoram o sistema do

contencioso administrativo, e reflete de modo peculiar a amplitude e importância que o direito

administrativo disciplinar e processual assume na maioria dos países da Europa. Além disso,

demonstra-se o respeito e a independência das decisões proferidas nos processos disciplinares,

restando evidenciada a lisura e isenção do julgador, especificamente com a “separação das

funções de acusação e julgamento entre órgãos e agentes sem subordinação hierárquica, o que

reflete garantia de impessoalidade na instância administrativa, além de maior exatidão dos

atos decisórios, proferidos por julgadores capacitados” (CARVALHO, 2012, p. 366).

Vale destacar que existe uma tendência para a jurisdicionalização do processo

disciplinar (CONTREIRAS DE CARVALHO, 1957, p. 221), tendo em vista a preocupação

na observância das garantias do contraditório e da ampla defesa quando da aplicação da

penalidade administrativa.

5.1.1 Sistema Disciplinar na França

Na França, adotam-se dois sistemas o jurisdicionalizado e o

semijurisdicionalizado de acordo com o tipo da punição se leve ou grave, porém, prevalece à

tendência de jurisdicionalização no qual o processamento e a responsabilidade disciplinar do

Page 86: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

85

servidor são efetivados por um órgão jurisdicional independente, recaindo ao Conselho de

Estado122.

O sistema jurisdicionalizado francês é aquele realizado através dos conselhos

disciplinares de composição paritária, formada por representantes dos funcionários123, com

atuação consultiva para aplicação de penalidades mais severas e graves, que não sejam os

casos de advertência ou repressão (advertissement e blâme), devendo ser remetido para

posterior decisão da autoridade administrativa, cuja decisão pode ensejar recurso ao Conselho

Superior da Função Pública, órgão competente para recomendar ao ministro respectivo à

modificação do julgamento proferido pela autoridade hierarquicamente inferior. Nos casos de

excesso de poder, cabe recurso ao Conselho de Estado (CONTREIRAS DE CARVALHO,

1957, p.215). Além disso, os conselhos disciplinares são de constituição obrigatória quando a

penalidade a ser aplicada for grave, devendo atuar observando o contraditório, uma vez que

“o funcionário pode apresentar perante eles suas observações, expor seus temores e se fazer

assistir por um defensor124” (CARVALHO, 2012, p.368). Vale destacar que a decisão

proferida pelo conselho de disciplina é opinativa, cabendo ao chefe hierárquico seguir ou não

o parecer consultivo.

122 “A França partiu para a separação das atividades administrativas e judiciárias. Com o desenvolvimento do entendimento de que as autoridades administrativas deviam submeter-se à legalidade, ganharam campo as posições daqueles que achavam conveniente o surgimento de jurisdição independente da administração ativa: Conselho de Estado e Conselhos de Prefeitura. [...] Já em 1872, apareceu a justiça delegada, através da qual as jurisdições administrativas passaram a proferir julgamento, com força de coisa julgada. [...] A existência de uma jurisdição administrativa distinto dos tribunais judiciários para julgar o conjunto de litígios decorrentes da atividade administrativa, constitui aspecto importante e original no sistema francês” (BARACHO, 1984, p.86). Na França a jurisdição do contencioso administrativo era deferida a órgãos administrativos, como o Conselho de Estado e Tribunais departamentais, porém, foi gradualmente “obtendo independência da administração, a cuja esfera pertence, do ponto de vista formal. Exercendo funções judiciais, como tribunal de jurisdição delegada, com certa autonomia para ditar seus arestos” (BARACHO, 1984, p. 95-96). 123 Themistocles Cavalcanti (1966, p.177-178) destaca que “na França, geralmente, os conselhos de disciplina são constituídos, parte de funcionários superiores, parte de delegados dos próprios funcionários e por eles eleitos. Esses conselhos são criados por lei com funções determinadas. A sua natureza jurisdicional é relativa: obedecem às normas gerais dos processos judiciários, se resolvem por iniciativa da administração, julgam finalmente como as instancias judiciárias. Déssemos ser relativo o seu caráter jurisdicional, porque podem julgar ultra petita. Nem sempre são fundamentadas as suas decisões, que não tem força executória mas simplesmente opinativa. [...] Existe, evidentemente, uma tendência para dar uma forma judicial ao processo, sob a orientação de um Conselho de disciplina, mas fica a aplicação da pena entregue à autoridade administrativa”. 124 Carvalho (2012, p. 368) continua afirmando que no caso “de o chefe hierárquico não seguir o parecer do órgão colegial disciplinar, este pode provocar o conselho superior da função pública, órgão maior na estrutura hierárquica, ao qual, apesar de se revestir da função opinativa não decisória, é facultado recomendar ao ministro e autoridade julgadora o aumento ou mudança da sanção imposta” e destaca que, “no âmbito dos Municípios, o prefeito exerce o poder disciplinar, após a atuação de um conselho de disciplina, composto por três conselheiros municipais e três representantes dos funcionários, presidido pelo juiz de paz mais antigo da circunscrição territorial, cabendo recurso das decisões do prefeito (nos casos em que o chefe do Executivo Municipal pronuncie pena mais severa que a proposta pelo colegiado opinativo) para um conselho disciplinar departamental, presidido pelo presidente do tribunal civil, integrado por três representantes da prefeitura e igual número de membros indicados pelo funcionalismo”.

Page 87: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

86

No caso das infrações administrativas mais leves, como advertência ou censura, a

aplicação das sanções pode ser realizada pelo chefe da repartição através da comunication du

dossier, neste ponto encontra semelhança com o sistema hierárquico, entretanto, permanece o

direito ao contraditório e a defesa do acusado, por isso que é classificado como sistema

semijurisdicionado. Esse procedimento consiste na apresentação de um dossiê do

transgressor, constituído de documentos comprobatórios da falta atribuída, comunicando

pessoal e previamente os motivos autorizadores da punição, de modo que permita ao acusado

o direito de apresentar a defesa e contestar os fatos que lhe são imputados evitando que o

mesmo seja condenado sem saber o motivo (CARVALHO, 2012, p. 366).

5.1.2 Sistema Disciplinar na Alemanha

O sistema da Alemanha é o mais avançado no sentido de jurisdicionalização do

poder disciplinar, porque essa atribuição é transferida a órgãos independentes da

administração, o que assegura aos acusados maior imparcialidade do julgador (BARROS JR.,

1972, p. 156).

No direito positivo alemão, adota-se o sistema disciplinar jurisdicionalizado, em

que é exercido pelas Câmaras de Disciplina compostas de sete membros, três magistrados e

quarto funcionários administrativos, participam de um lado o Ministério Público e do outro o

acusado, obrigatoriamente acompanhado por um advogado, desenvolve-se perante a estrutura

da Justiça Administrativa Disciplinar. Das decisões das câmaras cabe recurso para o Tribunal

Disciplinar, órgão da jurisdição de segundo grau, composto por 11 membros (COSTA, 2008,

p. 486).

5.1.3 Sistema Disciplinar na Espanha

Na Espanha, o modelo adotado é o de jurisdição moderada, caracterizada por ter

aproximação com as normas de direito penal, porque se aplicam ao direito administrativo

disciplinar os mesmos princípios e garantias atinentes ao direito penal, com forte influência

dos princípios da tipicidade das infrações disciplinares (CARVALHO, 2012, p. 369).

Page 88: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

87

Recentemente, a Espanha sofreu algumas reformas administrativas com a edição

da Lei Espanhola n. 07/2007, o novo Estatuto Básico dos Empregados Públicos da Espanha

traz expressamente os princípios que regem a responsabilidade disciplinar dos empregados

públicos, destacando o princípio da legalidade, da irretroatividade, da tipicidade, da

responsabilidade, da prescritibilidade, da proporcionalidade e da presunção de inocência125.

Além dessa observação, interessante notar que a Lei Espanhola n. 30/1992 que

dispõe sobre o Regime jurídico da administração pública e do procedimento administrativo

comum, destaca que o instrutor deve tomar as medidas necessárias para garantir a plena

observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes interessadas no

processo. Da interpretação do dispositivo, percebe-se que o legislador permitiu maior

discricionariedade do instrutor no processo disciplinar que diante do caso concreto, tomará as

medidas necessárias para garantir ao “acusado” o contraditório e a ampla defesa126, bem como

a igualdade entre as partes.

5.1.4 Sistema Disciplinar em Portugal

Em Portugal, a apuração do ilícito disciplinar é realizada através de um órgão, de

caráter consultivo integrante da estrutura administrativa, sendo o processo encaminhado aos

Conselhos Disciplinares127 apenas quando a sanção a ser aplicada pela autoridade superior for

125 Estatuto dos Empregados Públicos da Espanha (Lei Espanhola n. 07/2007) dispõe no artigo 94 que “Exercicio da potestade disciplinaria: 1. As administracións públicas corrixirán disciplinariamente as infraccións do persoal ao seu servizo sinaladas no artigo anterior cometidas no exercicio das súas funcións e cargos, sen prexuízo da responsabilidade patrimonial ou penal que puider derivarse de tales infraccións. 2. A potestade disciplinaria exercerase de acordo cos seguintes principios: a) Principio de legalidade e tipicidade das faltas e sancións, a través da predeterminación normativa ou, no caso do persoal laboral, dos convenios colectivos. b) Principio de irretroactividade das disposicións sancionadoras non favorables e de retroactividade das favorables ao presunto infractor. c) Principio de proporcionalidade, aplicable tanto á clasificación das infraccións e sancións como á súa aplicación. d) Principio de culpabilidade. e) Principio de presunción de inocencia. 3. Cando da instrución dun procedemento disciplinario resulte a existencia de indícios fundados de criminalidade, suspenderase a súa tramitación e poñerase em coñecemento do Ministerio Fiscal”. 126 A Lei Espanhola n. 30/1992 não foi revogada e trata especificamente sobre o procedimento disciplinar – “Artículo 85 Actuación de los interesados 1. Los actos de instrucción que requieran la intervención de los interesados habrán de practicarse en la forma que resulte más cómoda para ellos y sea compatible, en la medida de lo posible, con sus obligaciones laborales o profesionales. 2. Los interesados podrán, en todo caso, actuar asistidos de asesor cuando lo consideren conveniente en defensa de sus intereses. 3. Em cualquier caso, el órgano instructor adoptará las medidas necesarias para lograr el pleno respeto a los principios de contradicción y de igualdad de los interesados en el procedimento”. 127 Inicialmente, o processo disciplinar é instaurado perante o órgão em que o trabalhador exerce a sua função, composto por um instrutor e um secretário. Caso a indicação da pena no relatório do instrutor seja de demissão ou de despedimento por facto imputável ao trabalhador ou de cessação da comissão de serviço, o processo é encaminhado à comissão de trabalhadores (art. 54º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem

Page 89: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

88

de demissão ou de aposentação compulsiva, de acordo com o regime disciplinar adotado pelo

órgão (CAETANO, 1994, p. 825), portanto, o modelo adotado é da jurisdição moderada128.

Marcelo Caetano (1994, p. 824) denomina esse poder hierárquico de

condicionado, porque o superior hierárquico que aplicará a sanção deverá observar as

“formalidades de um processo legalmente regulado ou pela prévia audiência obrigatória de

um órgão colegial consultivo, em regra integrada no processo, facultando-se ainda ao

interessado recurso contencioso para discutir a legalidade da decisão final”.

A autoridade competente para instaurar o processo disciplinar designa um

instrutor129 e um secretário que ordenam o processo, investigam os fatos, conduz a instrução,

e por fim profere o relatório que é remetido para autoridade que instaurou o processo. Se a

proposta do instrutor for de arquivamento do processo, a autoridade superior pode, desde já,

decidir, caso seja pela condenação, terá que verificar qual a autoridade competente para

aplicar a pena e remeter o processo para julgamento130 (CAETANO, 1994, p.836-839).

funções públicas em Portugal (E.D.) - Lei n. 58/2008). No Estatuto do Funcionalismo Ultramar (E.F.U.), a autoridade competente remete o processo para o órgão consultivo denominado de “Conselhos Disciplinares Distritais ou Centrais”. Existe também o “Conselho Superior de Disciplina” junto ao Ministério Ultramar, quando o ministro vai aplicar a penalidade, composto por três inspectores-superiores sob a presidência do Secretário-Geral (CAETANO, 1994, p. 825). Nos termos do art. 424.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramar “Em cada distrito haverá um conselho disciplinar, composto pelo delegado do procurador da República na sede da comarca, que servirá de presidente, e por dois funcionários escolhidos entre os de maior categoria do distrito, ou por três funcionários nas mesmas condições se a sede do distrito não for também sede de comarca. Nas suas faltas ou impedimentos o presidente será substituído pelo vogal mais graduado pela sua categoria e antiguidade”. E o art. 372.º “As penas dos n.os 7.º e seguintes do artigo 354.º são da competência dos governadores-gerais ou de província. Para aplicação da pena do n.º 7.º será ouvido o governador do distrito respectivo, se o houver, ou o director ou chefe dos serviços. Será ouvido o Conselho Disciplinar Central quando se trate das penas de aposentação compulsiva ou de demissão”. 128 “Em Portugal tem sido adotado o poder hierárquico condicionado. Em todos os textos se acentua que os agentes são responsáveis disciplinarmente perante as autoridades que hierarquicamente lhes forem superiores (Cód. Adm., art.558º), perante os seus superiores hierárquicos (E. D., art.1º), ou perante as autoridades hierárquicas às quais estejam subordinados (E.F.U., art. 349º). Mas essa responsabilidade é, em regra, efectivada precedendo processo disciplinar regulado por lei com garantia de recurso hierárquico e de recurso contencioso” (CAETANO, 1994, p. 825). 129 Nos termos do artigo 42.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas em Portugal (Lei n. 58/2008) “1 — A entidade que instaure procedimento disciplinar nomeia um instrutor, escolhido de entre trabalhadores do ou categoria de complexidade funcional superior à do arguido ou, quando impossível, com antiguidade superior no mesmo cargo ou em carreira ou categoria de complexidade funcional idêntica ou no exercício de funções públicas, preferindo os que possuam adequada formação jurídica. 2 — Em casos justificados, a entidade referida no número anterior pode solicitar ao respectivo dirigente máximo a nomeação de instrutor de outro órgão ou serviço. 3 — O instrutor pode escolher secretário de sua confiança, cuja nomeação compete à entidade que o nomeou, e, bem assim, requisitar a colaboração de técnicos. 4 — As funções de instrução preferem a quaisquer outras que o instrutor tenha a seu cargo, ficando exclusivamente adstrito àquelas”. 130 O poder disciplinar desdobra-se em duas faculdades na acção disciplinar, que consiste na faculdade de promover a averiguação dos factos que possam ser qualificados como infração através da instauração do processo disciplinar; e na competência para aplicar sanções que pode ser do próprio superior que determinou a instauração ou de outra autoridade de grau hierárquico superior ou a um “tribunal disciplinar cujas decisões

Page 90: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

89

O processo disciplinar no direito positivo português é denominado processo

gracioso131, porque tramita perante os órgãos administrativos e visa apurar a responsabilidade

disciplinar quando a pena aplicável não seja meramente moral132. Desdobra-se em três fases:

instrução, defesa do arguido e a decisão (CAETANO, 1994, p. 836).

A primeira fase do processo se inicia com a instauração através da nomeação do

instrutor e do secretário, posteriormente começa a instrução, juntando desde logo todos os

elementos referentes ao caso, devendo inclusive juntar cópia do registro biográfico do arguido

existente no serviço de pessoal. Essa fase de instrução consiste fundamentalmente na

averiguação dos fatos para esclarecer a verdade, serão inquiridas testemunhas, requisitados

documentos ou ainda solicitada perícia técnica133. Finda a investigação, o instrutor fará um

juízo sobre a prova reunida, concluindo se houve infração disciplinar ou não134. Em caso

negativo o instrutor elaborará o relatório propondo o arquivamento do processo, o qual

sejam executórias ou vinculem o superior que tenha de aprová-las para efeito de execução” (CAETANO, 1994, p. 823). 131 Em Portugal o processo administrativo caracteriza-se por ser contencioso ou gracioso. O “processo administrativo será contencioso quando disciplinar o funcionamento de um órgão independente com competência para decidir, a instâncias dos interessados e com força de caso julgado, as contestações surgidas acerca da legalidade de actos jurídicos anteriormente praticados pela Administração. Será gracioso quando disciplinar o funcionamento e actuação dos órgãos da Administração que para prosseguirem os interesses postos por lei a seu cargo devam praticar ou executar actos jurídicos” (CAETANO, 1994, p. 1288-1289). 132 No direito português as penas disciplinares podem ser correctivas ou expulsivas. “As correctivas são as que visam estimular o agente a cumprir melhor os seus deveres ou a ter mais cuidado no cumprimento deles”; as “penas expulsivas são as que têm como efeito afastar do serviço o agente cuja presença se revelou inconveniente aos seus interesses, dignidade e prestígio. As penas correctivas classificam-se em morais, pecuniárias e profissionais: a) penas morais atingem os funcionários no seu brio ou no seu amor próprio, consistindo num chamamento de atenção (advertência ou admoestação) ou numa censura (repreensão), feita por qualquer superior hierárquico independentemente de processo e sem dar lugar a recurso”; as “penas pecuniárias consistem na privação de vencimentos imposta ao funcionário por certo numero de dias ou na obrigação e pagamento de uma quantia fixa: multa, perda de pensão ou de vencimento”; as “penas profissionais são as que atingem o agente na sua carreira profissional ou situação funcional, modificando-a em seu prejuízo: a transferência de serviço, ou de lugar, a suspensão de exercício e vencimentos por tempo determinado”. As penas expulsivas são aquelas que determinam a demissão e a aposentação compulsiva (CAETANO, 1994, p. 820-821). 133 Nos termos do artigo 42.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas em Portugal (Lei n. 58/2008) Artigo 46. “1 — O instrutor faz autuar o despacho com a participação ou queixa e procede à instrução, ouvindo o participante, as testemunhas por este indicadas e as mais que julgue necessárias, procedendo a exames e mais diligências que possam esclarecer a verdade e fazendo juntar aos autos o certificado de registo disciplinar do arguido. 2 — O instrutor ouve o arguido, a requerimento deste e sempre que o entenda conveniente, até se ultimar a instrução, e pode também acareá -lo com as testemunhas ou com o participante. 3 — Durante a fase de instrução, o arguido pode requerer ao instrutor que promova as diligências para que tenha competência e consideradas por aquele essenciais para apuramento da verdade”. 134 O artigo 48.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas em Portugal (Lei n. 58/2008) dispõe que: “1 — Concluída a instrução, quando o instrutor entenda que os factos constantes dos autos não constituem infracção disciplinar, que não foi o arguido o agente da infracção ou que não é de exigir responsabilidade disciplinar por virtude de prescrição ou de outro motivo, elabora, no prazo de cinco dias, o seu relatório final, que remete imediatamente com o respectivo processo à entidade que o tenha mandado instaurar, com proposta de arquivamento. 2 — No caso contrário, deduz, articuladamente, no prazo de 10 dias, a acusação. 3 — A acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infracção e das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando sempre a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis”.

Page 91: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

90

remeterá à autoridade instauradora. Se o instrutor entender que existem subsídios para dar

prosseguimento ao processo, então formulará a acusação indicando os artigos da infração

disciplinar formulados contra o arguido a partir da investigação135 (CAETANO, 1994, p. 836-

845).

A segunda fase da defesa do arguido se inicia quando este é intimado

pessoalmente da acusação para elaborar a sua defesa. A defesa deve ser realizada por escrito

no prazo estipulado, podendo ser feita pessoalmente pelo acusado ou através de um advogado

constituído nos autos136. A comissão deve permitir o contraditório da instrução137, com a

juntada de contraprovas, a inquirição de novas testemunhas e ainda a obrigatória designação

da audiência do arguido. Concluída a fase da defesa, o instrutor deverá elaborar um relatório

completo e conciso, indicando a pena a ser aplicada, quando comprovada a existência de

infração disciplinar, ou ainda, determinando o arquivamento do processo, quando

insubsistente a acusação. Por fim, o relatório é remetido à autoridade que instaurou o

135 “O facto de o instrutor formular a acusação não significa necessariamente que considere o arguido culpado. Apenas mostra que a instrução revelou factos susceptíveis de provocar a efectivação da responsabilidade disciplinar do arguido, e que é necessário esclarecer dando lugar a que este se defenda” (CAETANO, 1994, p. 845). 136 Sobre a constituição de advogado Marcelo Caetano (1994, p. 847) ressalta que “recebida a notificação da acusação deve o arguido organizar a sua defesa para apresentar por escrito no prazo marcado. Surge aqui o problema de saber se pode constituir advogado. O assunto foi já debatido e originou resoluções ministeriais e decisões do Supremo Tribunal Administrativo, sempre no mesmo sentido. Em princípio o processo disciplinar é uma investigação sobre a conduta de certo agente: este tem pessoalmente de se justificar. Por isso não pode fazer-se representar no processo, incumbir outrem de responder por si. O próprio arguido é que tem de assinar a sua defesa e de participar nos actos processuais. Esta exigência de intervenção pessoal do agente no processo em que é responsável não impede a constituição de advogado para efeitos de assistência técnica, como conselheiro do arguido: não seria razoável, nem praticável, proibi-la pois em muitos casos ela pode ser esclarecedora e contribuir para maior regularidade do processo. As leis prevêem a hipótese de o arguido estar impossibilitado de organizar a sua defesa, em virtude de anomalia física ou psíquica ou por motivo de doença, determinando ao instrutor que lhe nomeie curador apenas para o representar no processo, de preferencia a pessoa a quem competiria a tutela no caso de interdição (E.D., art. 51, e E.F.U., art. 397). Mas se o arguido não pode defender-se pessoalmente, melhor seria que o curador pudesse ser escolhido entre os seus colegas no serviço ou entre advogados, pois mais facilmente poderiam compreender e explicar a conduta arguida do que o cônjuge, os pais ou os filhos maiores” (CAETANO, 1994, 848). Nos termos do artigo 35.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas em Portugal (Lei n. 58/2008) – “1 — O arguido pode constituir advogado em qualquer fase do processo, nos termos gerais de direito. 2 — O advogado exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido”. 137 “Os processos sancionadores (processos de transgressão e processos disciplinares) são de caráter misto visto neles a iniciativa da Administração se exercer para cumprir a lei ou assegurar a boa ordem dos serviços, mas pondo em causa um particular a quem se tem de assegurar o direito de defesa. Quer a lei o diga expressamente quer não, em tais processos há que respeitar o princípio de que ninguém pode ser condenado sem previamente ter sido ouvido, compreendendo-se neste direito natural de defesa a instrução contraditória: após uma fase de investigação, ou inquisitória, em que os agentes administrativos indagam sobre a comissão e circunstancias da falta e sua imputação ao arguido, este, uma vez acusado, poderá produzir provas de toda a espécie tendentes a demonstrar a sua inocência ou a reduzir a justos termos a responsabilidade em que incorreu” (CAETANO, 1994, p. 1304-1305).

Page 92: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

91

processo, caso não seja a competente para aplicar a pena, deve remeter o processo ao superior

competente138 (CAETANO, 1994, p. 846-855).

Após a decisão punitiva com a aplicação da sanção disciplinar, poderá o acusado

recorrer ainda perante a autoridade superior hierárquica, se a pena não for aplicada por ele, ou

ainda interpor o recurso contencioso através do qual se discute a legalidade da decisão perante

o Tribunal Administrativo, órgão de jurisdição administrativa139. Ressalte-se que a decisão

administrativa possui caráter executório, e por isso é executado imediatamente140

(CAETANO, 1994, p. 856).

Vale destacar que perante o Tribunal Administrativo, o acusado somente pode

atuar obrigatoriamente através de advogado constituído no processo, nos termos do art. 11 do

Código de Processo nos Tribunais Administrativos141.

5.1.5 Sistema Disciplinar no Brasil

No direito brasileiro, o processo administrativo disciplinar é regrado pela Lei

Federal n. 8.112/90, que trata do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União e ainda pela

Lei Federal n. 9.784/99 que dispõe sobre a Lei Geral do Processo Administrativo no âmbito

138 Nas palavras de Marcelo Caetano (1994, p. 857) “o relatório é remetido à entidade que houver instaurado o processo. Esta, quando a proposta seja para arquivar o processo, poderá sempre decidir. Mas caso se proponha a aplicação de certa pena, terá de verificar se é, ou não, competente para aplicar a pena justa: se for, passará à decisão; não sendo, deverá remeter o processo ao superior competente. Se tiver de ser ouvido algum órgão consultivo, ou se a autoridade competente para decidir tiver a faculdade de o consultar, é nesta altura que a audiência terá lugar. Quando os factos não estejam suficientemente esclarecidos ou provados, quem tenha de decidir poderá ordenar diligencias complementares de instrução (E.D., art. 56º e E.F.U., art. 402º, §3º). A esse complemento de instrução aplica-se quanto atrás dissemos a respeito da necessidade de ouvir o arguido sobre documentos ou factos novos produzidos no processo após a defesa e que sejam susceptíveis de influir na sua responsabilidade”. 139 Nas lições de Wladimir Brito (2008, p. 30) dispondo sobre os Tribunais Administrativos de Portugal relata que os “Tribunais administrativos aparecem agora constitucionalmente como categorias de Tribunais e em pé de igualdade com a categoria de Tribunais ordinários, encimados pelo Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas; de seguida, a Constituição estabelece a estrutura hierárquica dos Tribunais administrativos (e fiscais) – artigo 212º, nº. 1, - a forma de eleição do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo – art. 212º, n. 3. Finalmente, a Constituição estabelece uma reserva (material) de jurisdição administrativa. É este o Estatuto constitucional dos Tribunais Administrativos que, formalmente, é semelhante ao dos Tribunais ordinários”. 140 Segundo o artigo 58.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas em Portugal (Lei n. 58/2008) - “As decisões que apliquem penas disciplinares não carecem de publicação, começando a produzir os seus efeitos legais no dia seguinte ao da notificação do arguido ou, não podendo este ser notificado, 15 dias após a publicação de aviso nos termos do n.º 2 do artigo 49.º”. 141 Nos termos do art. 11 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “1 - Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado”.

Page 93: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

92

da Administração Pública Federal, que servem de modelo para quase todos os estatutos dos

Estados e Municípios brasileiros (COSTA, 2008, p. 480).

Desta feita, o processamento de responsabilização do servidor é realizado por uma

comissão processante, composta por três servidores estáveis, que colhem as provas, fazem a

instrução do processo e elabora o parecer conclusivo, assegurando a ampla possibilidade do

contraditório e de defesa do acusado142, para posteriormente ser encaminhada a autoridade

competente para decisão final (CARVALHO, 2012, p. 370).

No regime jurídico disciplinar brasileiro143, a apuração do ilícito administrativo e

a respectiva imposição da pena podem ser alcançadas através dos seguintes meios144: a)

sindicância; b) processo disciplinar ordinário; e c) processo disciplinar sumário. Na

tramitação de todos esses processos ou procedimentos devem ser assegurados ao servidor o

devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa nos termos da Constituição Federal de

1988 (COSTA, 2008, p. 487).

A sindicância é o meio utilizado pela administração pública para proceder à

apuração de irregularidades no serviço público, que se confirmadas, fornecerão elementos

concretos para abertura do processo administrativo contra o funcionário responsável, se não

forem confirmadas as irregularidades, a sindicância é arquivada (CRETELLA JR., 2011, p.

70).

142 “É assegurada a ampla possibilidade de defesa ao acusado, o qual tem o direito de conhecer as acusações provisórias iniciais e os fatos contra ele articulados, sendo citado para acompanhar o processo punitivo, propor provas e contraprovas, participar da instrução ativa e passivamente, ser interrogado ao final da atividade instrutória e, sendo alvo de um juízo condenatório pelo colegiado disciplinar, deverá ser indiciado mediante peça escrita (indiciação: art. 161, da Lei Federal n. 8.112/1990) em que serão deduzidos, em artigos, os pontos acusatórios, com a indicação das provas e fatos fundamentadores. Segue-se a abertura de prazo para apresentação de peça escrita de defesa, a qual é apreciada, juntamente com todo o conjunto fático-probatório dos autos, pelo conselho trino, que oferecerá um relatório conclusivo com a proposta de julgamento à autoridade competente, a qual tem liberdade para formar seu convencimento, desde que com base nos elementos constantes do autuado, ainda que contrarie e deixe de acolher o juízo da trinca de disciplina (princípio da livre persuasão racional). Sucede ao ato decisório a absolvição ou a imposição da penalidade cabível, deferindo-se prazo par ao oferecimento de pedido de reconsideração e/ou recurso administrativo, admitida, outrossim, a revisão do processo originário mediante processo revisional específico, autuado em apenso ao original, se surgirem novas provas ou circunstâncias que apontem par ao erro no julgado administrativo sancionador, observadas as demais regras legais pertinentes” (CARVALHO, 2012, p. 370). 143 Nas palavras de Cavalcanti (1966, p. 175) “o regime disciplinar deve-se apoiar, em grande parte, no sistema de apuração da responsabilidade, adotando os métodos conhecidos na técnica jurídica processual, para apuração da verdade. O processo administrativo se caracteriza, entretanto, por um menos formalismo, por maior flexibilidade, fugindo a certos preceitos que disciplinam o processo judicial, que abre o caminho para um sistema de nulidades. No processo administrativo, estas são menos frequentes, e se podem reduzir a infração de normas legais, notadamente quanto à oportunidade da mais ampla defesa dos indiciados. Todos os meios legítimos devem e podem ser utilizados para o descobrimento da verdade, porque este é o objetivo do processo, dentro do tempo e dos limites impostos pela lei”. 144 Art. 143 da Lei 8.112/90 – “Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.

Page 94: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

93

Pela conjuntura legal vigente, a sindicância desdobra-se em duas espécies:

preparatória e autônoma. A sindicância preparatória, como do próprio nome deduz, trata-se de

um procedimento preliminar ou preparatório cuja função é dar subsídios para o processo

administrativo disciplinar, enquanto a sindicância autônoma possui natureza punitiva, porque

visa a apurar as faltas que ensejam penas de advertência e suspensão não superior a trinta dias

(COSTA, 2008, p. 493). Na verdade, trata-se de um processo administrativo145 disciplinar

mais simples, tendo em vista que impõe penas mais leves, ou seja, culmina com a aplicação

de sanção disciplinar. Por essa razão, deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa,

inobstante a legislação federal equivocadamente separar os institutos da sindicância e

processo administrativo, como se tivessem, neste caso, naturezas distintas.

Vale frisar que somente no caso da sindicância preparatória é que sua natureza

não se confunde com a do processo administrativo disciplinar, porque mais se aproxima com

o inquérito policial146 (CRETELLA JR, 2011, p. 72), já que visa apurar a materialidade do

ilícito e indicar a autoria, servindo de subsídios para instauração do processo administrativo

disciplinar.

O processo disciplinar ordinário é o meio de apuração de ilícito administrativo

mais formal, sendo obrigatório quando a penalidade a ser aplicada for de suspensão superior a

trinta dias, demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade ou destituição de cargo em

comissão147. O processo ordinário possui três fases: a) a instauração; b) o inquérito, que

145 Nas palavras de Carvalho Filho (2010, p.1075-1076) “sindicância também é um processo administrativo, como tanto outros que tramitam pela Administração. Desse modo, pode haver dois processos administrativos interligados – a sindicância e o processo disciplinar principal. A despeito de terem a mesma natureza, é simples apontar a distinção fundamental: enquanto a sindicância é um processo administrativo preparatório, inquisitório e tem por objeto uma apuração preliminar, o processo disciplinar principal é definitivo, contraditório e tem por objeto a apuração principal e, quando é o caso, a aplicação de sanção. Por essa razão, pode o órgão administrativo instaurar diretamente o processo administrativo principal sem que se tenha instaurado previamente a sindicância; para tanto, basta que já estejam presentes os elementos probatórios que lhe sirvam de suporte para a acusação. É o mesmo que ocorre em relação à ação penal, que também pode ser promovida pelo Ministério Público sem o prévio inquérito policial. Outro ponto a sublinhar é o relativo à questão da nomenclatura. O termo sindicância indica apenas a denominação usualmente dada a esse tipo especial de processos preliminares e preparatórios. Lamentavelmente, para aumentar a confusão, nem sempre os processos preliminares e preparatórios são denominados sindicância, e, o que é pior, há alguns casos em que processos denominados de sindicância não tem natureza clássica desse procedimento preparatório. Como enfrentar essa dúvida? Do modo mais simples possível, ou seja, dando maior relevo ao aspecto da natureza do processo, e não o da sua denominação. Quer dizer: mesmo que o processo seja denominado sindicância, deverá ser tratado como processo disciplinar principal no caso de ter o mesmo objeto atribuído a esta categoria de processos”. 146 “Estabelecendo um paralelo, mais ou mesmo aproximado, entre o que ocorre no âmbito penal e na esfera administrativa, é licito dizer, sob a fórmula de proporção matemática, que a sindicância está para o processo administrativo, do mesmo modo que o inquérito policial está par ao processo penal” (CRETELLA JR., 2011, p. 72). 147 Art. 146 da Lei 8.112/90 - “Art. 146. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar”.

Page 95: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

94

compreende instrução, defesa e relatório; e c) o julgamento (CARVALHO FILHO, 2010, p.

1077).

O processo tem início com despacho da autoridade competente, determinando a

instauração, assim que tiver ciência de alguma irregularidade, não havendo elementos

suficientes para instauração do processo, determinará a abertura da sindicância,

encaminhando para Comissão Processante. O processo administrativo disciplinar é instaurado

através da Portaria148, na qual consta o nome dos servidores envolvidos, indicando a infração

de que são acusados, com a descrição sucinta dos fatos e indicação dos dispositivos legais

infringidos (DI PIETRO, 2007, p.592). Caso a infração administrativa constitua também um

ilícito penal deve a comissão processante comunicar as autoridades policiais.

A fase do inquérito inicia-se com a instrução que é realizada por meio de

diligências para elucidar os fatos, com a produção de provas da acusação, com o depoimento

da parte, inquirição de testemunha, inspeção, perícias técnicas, juntadas de documentos

(MEIRELLES, 2003, p. 662), ou seja, de todos os meios de provas permitidos pelo direito.

Nesta fase, deve ser oportunizado ao acusado o acompanhamento de toda a instrução do

processo, como o direito à informação sobre as provas, de apresentar contraprova, direito à

audiência bilateral149, garantindo, assim, o efetivo contraditório.

Encerrada a instrução, o indiciado é intimado para apresentar a defesa em dez

dias150, que de acordo com a legislação infraconstitucional, pode ser realizada pelo próprio

acusado ou por um procurador por ele constituído para o processo. A defesa é uma atividade

processual que tem também uma finalidade probatória, assim como na acusação na

persecução da verdade, pretende o indiciado realizar a sua defesa promovendo os meios de

fazer prova da sua inocência, já a acusação pretende-se buscar responsabilizar o indiciado. A

148 “A portaria bem elaborada é essencial à legalidade do processo, pois equivale à denúncia do processo penal e, se não contiver dados suficientes, poderá prejudicar a defesa; é indispensável que ela contenha todos os elementos que permitam aos servidores conhecer os ilícitos de que são acusados” (DI PIETRO, 2007, p.592). 149 Carvalho Filho (2010, p.1080) adverte que “havendo prova testemunhal, tem o servidor o direito de formular indagações às testemunhas. [...] Como não há formalismo dos processos judiciais, pode o servidor comparecer sozinho ou ser representado por advogado munido do necessário instrumento de procuração. Essa fase de instrução, apesar de estar mais a cargo da Administração, há de exigir a presença do servidor acusado. Em razão da amplitude da fase instrutória, é legítimo, por outro lado, que a Administração se socorra da prova emprestada, desde que obtida licitamente, como é o caso da interceptação telefônica autorizada judicialmente em processo criminal. Aliás, convém anotar que as exigências probatórias da Administração devem ser o menos possível onerosas para o administrado. Na verdade, o intuito do processo reside, como já se salientou, na busca da verdade material”. 150 Art. 161 da Lei 8.112/90 - “Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas. § 1o O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição. § 2o Havendo dois ou mais indiciados, o prazo será comum e de 20 (vinte) dias”.

Page 96: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

95

defesa é peça essencial do processo, pois os argumentos devem ser capazes de demonstrar a

improcedência das acusações. Contreiras de Carvalho (1985, p. 106) conclui que a “defesa

deve ser, pois, eficaz, com provas e argumentos que, quando não se possa concluir pela

inocência do indiciado, se ajustem à verdade que o processo busca revelar e a regra legal

transgredida seja exatamente aquela à que corresponde a infração”.

Por fim, a Comissão Processante elabora o relatório conclusivo, descrevendo os

fatos apurados e fundamentando a conclusão opinativa, com a indicação da penalidade a ser

aplicada ou ainda a absolvição (CARVALHO FILHO, 2010, p. 1081).

Nas palavras de Medauar (2011, p. 330-331), o relatório corresponde à peça

escrita de caráter informativo-opinativo151, elaborada pela comissão processante com a

“descrição dos fatos apurados, das provas realizadas, a síntese dos depoimentos, a síntese dos

argumentos de defesa e a conclusão da comissão no tocante à condenação ou absolvição do

indiciado, com os respectivos fundamentos de fato e de direito”, e concluída com a indicação

da pena disciplinar a ser aplicada, sendo posteriormente remetido à autoridade competente

para julgamento.

Na terceira fase do julgamento, a autoridade administrativa competente profere a

decisão, podendo: a) acolher o relatório conclusivo da comissão e seus fundamentos; ou b)

rejeitar o relatório com a aplicação de uma sanção diversa daquela sugerida pela comissão

(mais grave ou mais leve), ou ainda absolver o acusado (CARVALHO FILHO, 2010, p.

1082).

É assente na doutrina que o relatório conclusivo elaborado pela comissão de

processante é opinativo152, ou seja, não vincula a decisão da autoridade superior competente,

entretanto, caso não acolha a sugestão da comissão deverá motivar adequadamente a sua

decisão, apontando os elementos constantes no processo que basearam a sua decisão diferente

(DI PIETRO, 2007, p. 593). Em que pese o posicionamento dominante, existem

151 Nas palavras de Dirley da Cunha Jr. (2007, p. 511) “o relatório é peça informativa-opinativa, que informa à autoridade (competente para decidir) tudo o que ocorreu no processo e opina por uma decisão”. 152 Di Pietro (2007, p. 593) assevera que “o relatório é peça apenas opinativa, não obrigando a autoridade julgadora, que poderá, analisando os autos, apresentar conclusão diversa. A fase final é a da decisão, em que o relatório corresponderá À motivação; se não aceitar a sugestão, terá que motivar adequadamente a sua decisão, apontando os elementos do processo em que se baseia. É comum a autoridade julgadora socorrer-se de pareceres de órgãos jurídicos antes de adotas a sua decisão”. No mesmo sentido Carvalho Filho (2010, p.1082) destaca que o ato decisório “precisará ter seus próprios fundamentos, os quais terão linhas diferentes dos fundamentos expendidos pela comissão. Em outras palavras, o motivo do ato decisório é diverso do motivo do opinamento da comissão, e, desse modo, é necessário que o julgador exponha detalhadamente seu motivo no ato para que o servidor possa identificar, com precisão, o que vai impugnar em eventual recurso administrativo ou ação judicial”.

Page 97: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

96

interpretações diversas de que o relatório conclusivo da comissão é vinculativo, salvo se

contrário às provas constantes nos autos. Odete Medauar (2011, p. 331) adverte que “na esfera

federal a conclusão do relatório é vinculante para a autoridade julgadora, salvo quando

contrariar as provas dos autos”, com base no art. 168 da Lei n. 8.112/90153.

Com efeito, desta decisão administrativa que impõe penalidade, o servidor

acusado pode ainda interpor recurso perante autoridade hierárquica superior, entrar com o

pedido de reconsideração154 perante a mesma autoridade julgadora, ou pedir a revisão do

processo (MEDAUAR, 2011, p. 331), quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias

suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada155.

Caso não seja interposto o recurso ou as medidas legais acima citadas, ocorre a

preclusão administrativa. Com isso, a decisão administrativa decorrente do processo

disciplinar reveste-se de presunção de legitimidade, autoexecutoriedade e imperatividade156,

devendo ser executada de imediato pela própria administração pública, independente da

concordância do condenado e sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário (DI

PIETRO, 2007, p. 185).

O processo disciplinar sumário é o meio de apuração de ilícito administrativo que

adota um procedimento mais célere, porque possui o prazo menor para finalizar, de “trinta

dias, prorrogável por mais quinze”; “a composição da comissão com apenas dois membros”, e

153 “Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade”. 154 Art. 106 a 108 da Lei 8.112/90 - “Art. 106. Cabe pedido de reconsideração à autoridade que houver expedido o ato ou proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado. Parágrafo único. O requerimento e o pedido de reconsideração de que tratam os artigos anteriores deverão ser despachados no prazo de 5 (cinco) dias e decididos dentro de 30 (trinta) dias. Art. 107. Caberá recurso: I - do indeferimento do pedido de reconsideração; II - das decisões sobre os recursos sucessivamente interpostos. § 1o O recurso será dirigido à autoridade imediatamente superior à que tiver expedido o ato ou proferido a decisão, e, sucessivamente, em escala ascendente, às demais autoridades. § 2o O recurso será encaminhado por intermédio da autoridade a que estiver imediatamente subordinado o requerente. Art. 108. O prazo para interposição de pedido de reconsideração ou de recurso é de 30 (trinta) dias, a contar da publicação ou da ciência, pelo interessado, da decisão recorrida”. 155 Art. 174 da Lei 8.112/90 – “Art. 174. O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada”. 156 Para Medauar (2011, p. 150) são peculiaridades do ato administrativo a presunção de legalidade, autoexecutoriedade e imperatividade, assim, em decorrência da submissão da Administração à lei, “ ato administrativo é executado, colocado em prática, pela própria administração, com os próprios meios, sem necessidade do consentimento de qualquer outro poder ou autoridade”, e que tem “autoridade da coisa decidida”, consistente na “força obrigatória do ato administrativo em relação à aqueles a quem se destina. Acarreta, sob o ângulo da Administração, o poder de impor o ato, mesmo contra a vontade do destinatário; sob o ângulo deste, é o caráter de inevitabilidade, em princípio, da decisão administrativa. Tais noras características significa, em síntese, que, enquanto o ato administrativo não for retirado do mundo jurídico ou enquanto seus efeitos não forem sustados, subsiste e vai produzindo seus efeitos. Tais características estão presentes nas várias espécies de atos administrativos, quaisquer que sejam as classificações dadas pela doutrina”.

Page 98: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

97

“não admite, em regra, dilação probatória” (COSTA, 2008, p. 491). Além disso, esse processo

sumário ocorre somente nas hipóteses permitidas legalmente como: na acumulação ilícita de

cargos, inassiduidade habitual ou abandono de cargo157, nos termos do art.133 e art. 140 da

Lei 8.112/90.

Essa classificação é importante para o estudo do tema, porque o que se pretende

defender não é uma defesa técnica na sindicância preparatória, mas apenas nos processos

administrativos disciplinares ordinários e sumários, já que podem afetar os direitos

fundamentais do cidadão, como o direito ao trabalho, a honra e a imagem.

Partindo desses pressupostos, será estudada a natureza jurídica do processo

administrativo disciplinar, cotejando as semelhanças e diferenças com o ramo do direito

processual penal, para que após essa análise seja possível afirmar a pertinência da

aplicabilidade dos princípios processuais penais, também no âmbito do direito administrativo

disciplinar.

5.2 NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O poder punitivo do Estado158 pode ser exercido através de imposição das sanções

penais ou administrativas, em decorrência da prática de atos ilícitos. Assim, a sanção é “a

consequência negativa atribuída à ocorrência de um ilícito”, por sua vez, ato ilícito “é a

inobservância de um dever jurídico, tenha ele natureza civil, penal ou administrativa”.

Portanto, não existem diferenças ontológicas em relação à sanção jurídica, mas,

peculiaridades de cada regime jurídico que encerram a função jurisdicional ou administrativa

(MELLO, 2007, p. 43-44).

157 Art. 133 e Art. 140 da Lei 8.112/90 – “Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases: I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração; II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e relatório; III – julgamento”. “Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que:”. 158 Na mesma linha de pensamento, Enterría e Fernandez (1995, P. 163) entendem que as sanções administrativas assim como as penais são decorrentes do poder punitivo do Estado.

Page 99: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

98

Enquanto a sanção administrativa é uma medida aflitiva imposta159 pela

autoridade administrativa em função de um comportamento ilícito prescrito pela norma

jurídica disciplinar160, a sanção penal é uma medida imposta pelo poder judiciário como

consequência de ato ilícito criminal descrito na norma penal (MELLO, 2007, p. 62).

Nas lições de Enterría e Fernández (1995, p. 163) a sanção administrativa é um

mal infligido pela administração a um administrado como consequência de uma conduta

ilegal, e consiste numa privação de um bem ou direito, inclusive com restrições a pessoa do

infrator.

No âmbito do processo administrativo disciplinar, essa medida aflitiva ao

indivíduo pode consistir desde uma simples advertência ou suspensão até a demissão ou

cassação de aposentadoria, o que significa a aplicação de penas restritivas de direitos, sendo

diferente do processo penal, porque além dessas, também aplicam penas privativas de

liberdade. Dessa forma, não pode o direito administrativo tipificar condutas e punir com a

privação da liberdade161 (MELLO, 2007, p.72-73). Aliás, esse é o critério trazido por Enterría

e Fernández (1995, p. 166-167) para distinguir sanção criminal da administrativa, pois,

enquanto na sanção penal existe a possibilidade de punir com penas privativas de liberdade,

na sanção administrativa pune-se com penas restritivas de direitos.

Apesar da sanção administrativa, em regra, ter como características penas

restritivas de direitos, tal afirmação não é absoluta, porque, enquanto no regime disciplinar

civil, o servidor pode ter limitação de bens, propriedades e direitos, com aplicação de

penalidades de advertência, suspensão, demissão, perda de cargo ou função e ainda a cassação

da aposentadoria; no regime disciplinar militar, o servidor pode ainda ter a prisão

administrativa decretada, restringindo, inclusive, a sua liberdade pessoal. Portanto, as sanções

disciplinares aplicadas diante do processo administrativo, também alcança a esfera particular

do indivíduo atingido direitos igualmente protegidos constitucionalmente.

159 Denominação trazida por Mello (2007, p. 62) e Enterría e Fernandez (1995, p.159). 160 “Em suma, é o regime jurídico da sanção que permite separar os ilícitos administrativos dos ilícitos penais. Sob a ótica formal, é relevante destacar que a sanção administrativa é imposta por autoridade administrativa, no exercício da função administrativa e após o trâmite de processo administrativo; a sanção penal, por seu turno, é imposta por autoridades judiciária, no exercício de função jurisdicional, ao final de processo judicial” (MELLO, 2007, p. 61-62). 161 Com exceção da denominada prisão administrativa, pois “Há, no Brasil uma exceção à regra, prevista no próprio inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal, que permite a prisão de militares por autoridades administrativas, e não judiciária, nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Trata-se de dispositivo que se aplica tão somente aos militares, que se submetem a um regime jurídico dotado de peculiaridades próprias, em função das características do serviço militar, notadamente no que diz respeito à hierarquia e à disciplina” (MELLO, 2007, p. 75).

Page 100: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

99

Diante dos fundamentos teóricos apresentados, não há dúvidas nem ao menos

divergências de que o regime jurídico do processo administrativo disciplinar possui natureza

punitiva, vez que tem como finalidade apurar irregularidades e ilegalidades administrativas

praticadas pelos servidores públicos no exercício da sua função no cargo público e aplicar a

correspondente sanção disciplinar.

Nas palavras de Reis (1999, p.30) o processo disciplinar é aquele que visa à

apuração de possíveis irregularidades ou ilegalidades praticadas por servidores dos órgãos

públicos, impondo penalidades administrativas por infração às leis. Assim, é considerada

como uma “atividade resultante de aplicação de normas legais e, eventualmente, de

precedentes administrativos e judiciais, utilizados para assegurar uma aplicação uniforme das

normas jurídicas”. Não é por outro motivo que o campo do direito disciplinar foi o que mais

verificou a necessidade de aplicar o devido processo legal, já que é através deste processo,

que a administração impõe penalidades ao administrado por infração às leis (LIMA, 1999,

p.217).

É justamente por essa natureza punitiva do processo, decorrente do dever da

administração de punir e reprimir desvios de comportamentos dos servidores por meio de

imposição da correspondente sanção administrativa aos transgressores, denominados no

processo de “acusados”162, que resultam as afinidades com o processo penal.

Desta feita, partindo dos pontos semelhantes com o processo penal é que se pode

afirmar a aplicação dos princípios atinentes ao poder punitivo do Estado, como o da

legalidade, da tipicidade, da irretroatividade, a culpabilidade, o non bis in idem e o devido

processo legal (MELLO, 2007, p. 101-104), além dos princípios do contraditório e da ampla

defesa, todos constitucionalmente previstos. É importante frisar que no processo

administrativo disciplinar, assim como no processo penal, a sanção tem por finalidade

prevenir e reprimir irregularidades163, por isso que as regras disciplinares visam também

manter os princípios norteadores da administração pública como a legalidade, a

impessoalidade, a moralidade e a eficiência.

162 “Daí que, em razão de que aos acusados em processo administrativo são asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa e de que servidores não poderão sofrer punições senão por intermédio do devido processo legal (art. 5º, LIV, Carta Magna de 1988), surge a figura do processo administrativo disciplinar como o meio que o Estado deve observar para exercer seu direito de punir, obedecendo-se a um rito e a princípios jurídicos” (CARVALHO, 2012, p.124). 163 “a existência de regras disciplinares, portanto, colima prevenir irregularidades no serviço público e preservar os valores e interesses superiores da coletividade confiados à Administração Pública, a qual atua mediante atos praticados por seus agentes, daí a importância do regramento da conduta destes” (CARVALHO, 2012, p.84).

Page 101: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

100

A afinidade do processo penal com o processo disciplinar é tão intensa, que há

doutrinadores, como Nelson Hungria, que defendem que este seria um ramo do direito penal

denominado de “direito penal disciplinar” ou ainda “direito penal administrativo”, muito

embora essa corrente tenha pouco sucesso (VAROTO, 2010, p.38). Inclusive, Cretella Jr.

(2010, p.65) classifica o processo disciplinar levando em consideração a natureza da infração:

disciplinar e criminal, de forma que se a apuração do ato ilícito for apenas disciplinar

denomina-se de “processo administrativo disciplinar”, e se a apuração for de ilícito penal a

designação é de “processo administrativo criminal”.

Nesta pesquisa, não será adotada esta classificação proposta por Cretella Jr., tendo

em vista que o ilícito penal também é previsto na seara administrativa como ato ilícito

administrativo gravíssimo, logo, não teria sentido acrescentar a denominação de “criminal”, o

que pode gerar confusão quanto à identificação com o processo judicial criminal.

Inobstante as semelhanças, destaque-se que o processo judicial criminal possui

peculiaridades diversas do processo administrativo disciplinar, seja pela própria distinção

entre processo administrativo e judicial, já retratado nesta dissertação, como também da

autoridade que impõe a sanção, seja aquela exercida na função jurisdicional ou administrativa,

portanto, possui características peculiares decorrentes de cada ramo do direito164 em que o

processo se insere.

Dessa forma, como o regime jurídico do processo disciplinar é punitiva165,

portanto, deve ser dada a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao

acusado de forma mais extensa possível, mesmo porque esse princípio deve ser interpretado

de acordo com a Constituição Federal, com todos os aspectos da nova hermenêutica

constitucional da máxima efetividade e da interpretação conforme a Constituição166.

164 Além disso, as instâncias administrativas e judiciais são incomunicáveis e independentes, de modo uma decisão não interfere na outra, salvo quanto à sentença absolutória julgar pela inexistência do fato típico penal ou a negativa de autoria (CRETELLA JR., 2010, p.154). 165 Nas lições de Moreira e com as devidas ponderações, “cremos que em face da Administração o processo administrativo mais se assemelha ao direito processual penal. Não na suposta defesa de um indefensável processo “inquisitorial”, mas no sentido de que o Estado-Administração detém dever-poder de concretizar o interesse público posto à sua guarda, não podendo dispor dos bens que lhe incumbe tutelar - sobremodo naqueles processos em que não está em jogo propriamente e de modo imediato um interesse (ou direito) da pessoa privada, mas em especial a tutela do interesse público ou de interesses coletivos. A supremacia e a indisponibilidade do interesse público impõe à Administração a observância mais rigorosa dos termos e ritos processuais” (2010, p. 227). 166 Verificar o tópico sobre Neoconstitucionalismo no primeiro capítulo desta dissertação.

Page 102: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

101

5.3 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E A GARANTIA DO

CONTRADITÓRIO

Este tópico será dedicado ao estudo do princípio do contraditório na relação

jurídica desenvolvida através do processo administrativo disciplinar, isso porque a concepção

deste princípio já foi retratada no segundo capítulo desta dissertação.

O processo administrativo disciplinar tem como principal fundamento o

contraditório, baseado no método dialético167 e caracterizado pelo diálogo entre os

participantes do processo, correspondente à bilateralidade entre tese e antítese. Dessa forma,

se o “processo é constituído por duas partes contrapostas, a relação jurídica processual forma-

se e desenvolve-se a partir da contraposição de ambas”, de modo que o sujeito a ser afetado

com a decisão, deve contradizer no processo, assegurando a possibilidade de influenciar a

formação do convencimento do julgador (BACELLAR FILHO, 2012, p.234-236).

No dizer de Romeu Bacellar Filho (2012, p.242) a “finalidade do contraditório é

proteger a capacidade de influência dos sujeitos processuais (administração/servidor acusado

ou litigante) na formação do convencimento do órgão julgador”. Isso porque, pela própria

essência do contraditório exige-se a participação de, pelo menos, dois sujeitos processuais em

lados opostos.

Com efeito, no processo disciplinar verifica-se que a administração, através do

juízo parcial da acusação encontra-se de um lado, confrontando com o servidor-acusado, do

outro, diante de um julgador imparcial que é a comissão processante. Com isso, a

administração possui duas posições diversas no processo disciplinar: uma do “juízo parcial da

acusação” que denuncia as irregularidades administrativas, e a outra do “juízo imparcial que é

exercido pela Comissão de Processo Administrativo Disciplinar” (BACELLAR FILHO, 2012,

p.239). Em síntese, essa relação jurídica processual administrativa se desenvolve através dos

167 “O contraditório decorre do pressuposto da dialética processual, essencial no processo administrativo (sobretudo no apenador, como o disciplinar), desenvolvido num Estado democrático de direito e submetido aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, por cujo efeito as decisões estatais que afetam interesses dos cidadãos (inclusive os servidores públicos) devem resultar de um procedimento conduzido e julgado sob uma ótica dualista” (CARVALHO, 2012, p.270).

Page 103: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

102

sujeitos caracterizados como parte168 acusatória (Administração-Acusação), parte acusada

(Servidor-Acusado) e julgador (Administração – Comissão de Processo Disciplinar).

A Comissão de Processo Disciplinar é instaurada no âmbito da função

administrativa de qualquer órgão público169 para apurar os ilícitos praticados pelo servidor no

exercício do cargo, portanto, a comissão possui o papel de julgador que analisa os fatos

concretos e interpreta a norma jurídica, permitindo o contraditório e a ampla defesa entre as

partes, e finaliza com a decisão administrativa da autoridade competente. No mais, a comissão

atua na sua função de julgar, já que analisa os fatos concretos e indica a aplicação da

penalidade administrativa170 ao servidor, portanto, deve exercer a atividade com todos os

princípios processuais de imparcialidade, motivação, devido processo legal dentre outros171.

Na verdade, o processo disciplinar é o que mais se aproxima com o processo

jurisdicional em suas formas e garantias172 (DINAMARCO, 1996, p.65). Entretanto, não se

reconhece a imparcialidade do órgão estatal173 que conduz o processo, em virtude da

168 Interessante notar que alguns doutrinadores evitam utilizar o termo “partes” no exercício da atividade administrativa, por visualizar uma relação unilateral do processo administrativo, assim, adotam a terminologia: subordinados, administrados, interessados e outros. Em oposição a esta doutrina, Odete Medauar (2008, p. 105) se manifesta argumentando que isso se deve a não aceitação teórica de confronto de argumentos, em virtude da supremacia da autoridade administrativa, ou ainda para distingui-la do processo jurisdicional. 169 A justificativa para adotar a terminologia “no âmbito da função administrativa” ocorre porque a Comissão de Processo Disciplinar pode ser instaurada nos poderes executivo, legislativo ou judiciário, desde que seja para apurar ilícitos administrativos praticados pelos servidores de cada órgão dos poderes, portanto, no exercício da função administrativa. 170 É importante destacar que a decisão administrativa que aplica penalidade disciplinar é um ato composto, porque é resultado do exercício de várias pessoas de um mesmo órgão: a comissão processante, que emite o relatório conclusivo com a fundamentação da decisão, e a autoridade administrativa competente, que profere a decisão motivada neste relatório. Nas lições de Carvalho Filho (2010, p. 144) “os atos compostos não se compõem de vontades autônomas, embora múltiplas. Há, na verdade, uma só vontade autônoma, ou seja, de conteúdo próprio. As demais são meramente instrumentais, porque se limitam à verificação de legitimidade do ato de conteúdo próprio”. Portanto, trata-se de um conjunto de atos que formam uma vontade final da administração, que “só podem ser considerados perfeitos e acabados quando se consuma a última das vontades constitutivas de seu ciclo. Embora, nos atos compostos, uma das vontades já tenha conteúdo autônomo, indicando logo o objetivo da Administração, a outra vai configurar-se, apesar de meramente instrumental, como verdadeira condição de eficácia” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 144). 171 O sistema processual administrativo, no Estado de Direito, regido por garantias e grandes princípios constitucionais instalados, inclui a limitação do exercício do poder, definidos os seus limites numa ordem de legalidade que assegura a prevalência da cláusula due proces of law; existem formas institucionalizadas nos procedimentos administrativos, que não podem negar a participação do interessado (ou interessados), nem o respeito à igualdade quando pertinente (licitações públicas), nem a ampla defesa (processo disciplinar) (DINAMARCO, 1996, p.71). 172 Dinamarco (1996, p. 71) assevera que o “poder exercido pela administração” através processo administrativo com o resultado da decisão, é o “mesmo poder que os juízes exercem sub specie jurisdictionis”, verificando um verdadeiro processo estatal. 173 Rodolfo Pamplona Filho (2006) realiza a distinção entre neutralidade e imparcialidade do julgador, enfatizando o mito da neutralidade do juiz. Na verdade, a função do juiz é atuar com justiça, o que se espera dele “é que ele se comporte dentro dos parâmetros e regras estabelecidos pelo sistema jurídico num Estado de Direito”, porque é impossível esperar a neutralidade de um ser humano. A imparcialidade do juiz “é uma exigência fundamental para a realização do devido processo legal e ela é garantida através da segurança do princípio do contraditório, que é uma das garantias processuais básicas do Estado de Direito, sendo assegurado

Page 104: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

103

imposição da autoridade Estatal, o que de fato afasta a existência de partes em igualdade de

posições conflitantes, verificando ainda uma situação impositiva do poder do Estado.

Na verdade, encontra-se diante de uma relação de trabalho, com regime jurídico

administrativo, tem-se o poder público como empregador e o servidor como empregado, em

que as partes se encontram em situação de assimetria, ou seja, em posição de desigualdade.

Nas lições de Edilton Meireles (2007, p. 3) “as partes contratantes estão numa situação

assimétrica, justamente em decorrência do “poder” exercido pelo empregador, que coloca o

empregado enquanto subordinado, em estado de sujeição, ainda que por força do contrato”.

No regime jurídico administrativo, apesar da estabilidade do servidor, não é possível se

alcançar a isenção e a imparcialidade da comissão, em virtude dessa relação de poder exercido

pelo chefe superior, além do que a comissão não é dotada das mesmas garantias do Poder

Judiciário.

Em sendo parte, a administração-acusação deve ser vista como sujeito processual

nas mesmas condições de paridade com o servidor-acusado (BACELLAR FILHO, 2012,

p.244), para que a relação processual seja realizada com igualdade, portanto, deve ser afastado

o sentido de superioridade do Estado174. O equilíbrio do contraditório entre as partes do

processo encontra-se na possibilidade do servidor-acusado utilizar os instrumentos de defesa

para contrapor aos argumentos da administração-acusação.

Daí reside a grande questão. Na realidade fática, a administração pública exerce

um grau de superioridade em relação aos seus servidores, inclusive sobre a comissão

constitucionalmente, conforme se infere da literalidade do art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988”. O autor ressalta que a “garantia do contraditório pode ser considerada, portanto, a medida da imparcialidade do juiz. O caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo. A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. É nesse sentido que se diz que o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente capaz”. Sendo, portanto, diferente da neutralidade, isto porque, “é impossível para qualquer ser humano conseguir abstrair totalmente os seus traumas, complexos, paixões e crenças (sejam ideológicas, filosóficas ou espirituais) no desempenho de suas atividades cotidianas, eis que a manifestação de sentimentos é uma dos aspectos fundamentais que diferencia a própria condição de ente humano em relação ao frio raciocínio das máquinas computadorizadas” (PAMPLONA FILHO, 2006). Dessa forma, pretende-se alcançar a imparcialidade do julgador nos processos disciplinares, como garantia decorrente do contraditório e resultado da lealdade processual. 174 Nas palavras de Edilton Meireles (2007, p.3) “não assegurar, por exemplo, ao empregado o direito de defesa em casos de aplicação de sanções, partindo-se, tão-somente, da acusação do empregador para que sua vontade unilateral se concretize, é, sem dúvida, restringir bem (direito) do trabalhador sem respeito ao devido processo. Acusa-se e pune-se sem direito de defesa. O mesmo se diga em relação à despedida motivada, quando se acusa o empregado da prática de ato violador de seus deveres contratuais. Neste caso, a partir da simples acusação do empregador se priva o trabalhador de seus bens (de permanecer no emprego ou de receber seus direitos rescisórios) sem lhe assegurar o direito de defesa. Mais uma vez, acusa-se e se priva outrem de seus bens sem respeito ao direito de defesa (ao devido processo de defesa)”.

Page 105: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

104

processante175, em razão da própria estrutura hierarquizada. Assim, para a efetivação do

contraditório entre a administração acusatória e o servidor acusado, deve ser garantida a

presença obrigatória do advogado na defesa da parte mais fraca ou ainda hipossuficiente, para

permitir a igualdade processual. Aliás, esse é o verdadeiro fundamento da igualdade material,

tratar os desiguais na medida da sua desigualdade176, de forma que justifique o tratamento

diferente à parte mais fraca para que se permita a imparcialidade no julgamento, considerando

os argumentos e contra-argumentos apresentados pelas partes.

É importante ressaltar que se a administração for posta em posição de supremacia

em relação ao acusado, não haverá contraditório ou processo, tendo em vista que a paridade

de armas não será preservada, e consequentemente afrontará a igualdade das partes no

processo177 (BACELLAR FILHO, 2012, p.239).

Essa ampla processualidade da atividade administrativa provém justamente da

concretização do Estado Democrático de Direito, por isso que o alargamento da efetivação do

contraditório e da ampla defesa deve também alcançar os processos administrativos

disciplinares178. A observância concreta deste princípio constitucional, nesses casos, tem

175 Muito embora a Comissão de Processo Disciplinar seja composta por no mínimo três servidores efetivos e estáveis (art.149 da Lei 8.112/90) que devem exercer sua função com imparcialidade, os superiores hierárquicos, não raras vezes, exercem seu poder hierárquico para influenciar na decisão final. 176 Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p. 21) “tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles”. 177 Rogério Tucci e José Rogério Tucci e Cruz (1989, p. 23) enfatizando a necessidade de assegurar a igualdade das partes discorre que: “a igualdade das partes faz-se imprescindível que, durante todo o transcorrer do processo, sejam assistidas e/ou representadas por um defensor, dotado de conhecimento técnico especializado, e que, com sua inteligência e domínio dos mecanismos procedimentais, lhe propicie a tutela de seu interesse ou determine o estabelecimento ou o restabelecimento do equilíbrio do contraditório. Essa garantia, ademais, propiciante da assecuração da efetiva paridade de armas entre as partes, não se restringe ao processo penal, estendendo-se, outrossim, aos conflitos de interesses de natureza civil”. “A assistência técnica não pode, em hipótese alguma, restringir-se à atuação judicial, mas abranger toda atividade pré-procesual de consultoria, orientação (visando, especialmente, a evitação de litigiosidade, no campo extrapenal, e da criminalidade, no penal) e informação”, e “para atingir esse desiderato, chegando-se tanto mais próximo quanto possível da reclamada igualdade substancial, o cidadão precisa ter conhecimento de certas implicações do ordenamento jurídico vigorante no lugar em que vive, o que somente conseguirá mediante aconselhamento com um técnico, especialista na matéria” (TUCCI; TUCCI ECRUZ, 1989, p. 25-26). 178 “Indubitavelmente o princípio do contraditório é requisito compulsório do processo [administrativo disciplinar], haja vista sua elevação ao rol de Direitos Fundamentais em um Estado Democrático de Direito, ainda que uma súmula com força vinculante venha dizer o contrário. Seguindo o raciocínio de Fazzalari o contraditório é fundamental para se instaurar o procedimento e, em decorrência direta, a gênese do processo só acontece pelo procedimento realizado em contraditório em simétrica paridade” (STAFFEN;CADEMARTORI, 2010). Criticando a posição legalista, Staffen e Cademartori (2010) destacam que em “sede de processo administrativo disciplinar faz-se necessário e urgente a abertura da Administração Pública às luzes da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Afinal, se as Constituições nasceram para limitar o poder do Estado como pode a Administração Pública manter-se hermética à

Page 106: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

105

evitado decisões arbitrárias do poder público, além disso, evita o ajuizamento de demandas

perante o judiciário sobrecarregando com questões que poderiam ter sido solucionadas no

âmbito administrativo com todas as garantias constitucionais (LIMA, 1999, p.218).

Ademais, a efetividade do contraditório é concretizada através de um processo

bilateral, em que o servidor na posição de acusado tenha condições de igualdade na relação

jurídica processual travada com a administração pública, que atua em dupla posição, de

acusador e julgador imparcial. Assim, para que haja participação ativa de todos os sujeitos

processuais proporcionando o diálogo em condições de igualdade no processo disciplinar, a

defesa do servidor deve ser realizada com a participação de advogado. Tal mecanismo se

apresenta como verdadeiro instrumento para alcançar o aspecto substancial do contraditório e

da ampla defesa.

Neste sentido, Bacellar Filho (2012, p.246) assevera com propriedade que a

“efetividade do contraditório pode ser traduzida como reação necessária. Onde o contraditório

é efetivo, a defesa é obrigatória. O diálogo é imposto, mesmo na omissão da parte acusada,

em face da indisponibilidade do direito material”.

Sob esses fundamentos pode-se afirmar que a defesa é o instrumento de

materialização do contraditório, porém, não significa qualquer defesa, mas aquela elaborada

tecnicamente capaz de influenciar o julgador, de forma que permita a paridade de armas na

relação processual estabelecida entre a administração e o acusado, assim, estaria efetivamente

garantido o princípio do contraditório e da ampla defesa.

5.4 DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E O

DIREITO FUNDAMENTAL A AMPLA DEFESA

Nas linhas anteriores, o sentido de defesa do acusado foi trazido de forma ampla,

como instrumento de materialização do contraditório, entretanto, não se resume apenas a esta

concepção, por esse motivo este tópico aprofundará o estudo da defesa técnica como direito

fundamental ao desdobramento do princípio da ampla defesa.

Como já exposto no segundo capítulo desta dissertação, a Constituição Federal de

1988 estendeu a abrangência do princípio do contraditório e da ampla defesa também “aos Constituição? Ou, porque a Administração Pública tão receosa com o princípio da legalidade se recusa a cumprir a disposições constitucionais?”.

Page 107: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

106

acusados” no processo administrativo, ampliando o núcleo processual ao âmbito do direito

administrativo. Quando o art. 5º, inciso LV da Constituição assegura a “ampla defesa” no

processo administrativo, isso não significa qualquer defesa, mas uma defesa robusta, técnica,

argumentativa com capacidade de influenciar o julgador. Ainda mais, em se tratando de

processo disciplinar, com natureza jurídica de processo punitivo, a defesa deve ocorrer de

forma ampla, pois, a “mera possibilidade de o processo culminar em restrição à esfera

individual do servidor reclama a maximização dos mecanismos de defesa” (BACELLAR

FILHO; HACHEM, 2010, p. 35).

Deste ponto se extraem os fatores que justificam a defesa técnica, a natureza

punitiva e a sanção com limitação de direitos, bens e valores constitucionais, coadunando com

o núcleo processual comum do direito penal, e consequentemente com a aplicação dos

princípios processuais atinentes a esse ramo do direito179, obviamente considerando as

distinções peculiares de cada tipo de processo.

Na doutrina brasileira existem três correntes: a) aqueles que defendem a defesa

técnica em todo e qualquer processo administrativo disciplinar; b) que defendem a utilização

da defesa técnica somente no processo administrativo disciplinar em que o direito discutido

seja indisponível; c) aqueles que são contrários à obrigatoriedade da presença de advogado no

processo administrativo disciplinar.

A primeira corrente defendida por Romeu Bacellar Filho e Daniel Hachem (2010,

p. 35), os maiores percussores, trazem que a “defesa técnica constitui elemento indispensável

da ampla defesa, sendo indiferente a gravidade da pena que possa resultar do processo”. Isso

porque a Carta Constitucional não fez distinção, não cabendo ao intérprete restringir o alcance

da norma constitucional que estabelece os direitos fundamentais, vindo de encontro ao

princípio hermenêutico da máxima efetividade e da interpretação conforme a Constituição.

No mesmo sentido, Lúcia do Valle Figueiredo (1995, p.395) considera a “defesa

técnica” como ínsita ao direito de ampla defesa, como aquela inserida no processo penal180. A

179 “O direito à ampla defesa impõe à autoridade o dever de fiel observância das normas processuais e de todos os princípios jurídicos incidentes sobre o processo. A desatenção a tais preceitos e princípios pode acarretar a nulidade da decisão, por cerceamento de defesa. Cabe, todavia, assinalar que muitos abusos são cometidos sob esse título, levando à invalidação despropositada de processos. Somente haverá cerceamento de defesa se da omissão ou falha puder resultar um dano, potencial ou efetivo, ao acusado ou interessado. Meras falhas formais, irrelevantes para o desfecho do feito, não são suficientes para acarretar a nulidade” (FERRAZ; DALLARI, 2012, p.111). 180 Nas lições de Figueiredo (1995, p. 395) “o direito à defesa técnica está ínsito ao direito de ampla defesa, inserida no processo penal. Se a parte ‘acusada’ da prática de infração administrativa ou disciplinar não se defender por advogado, deverá lhe ser nomeado defensor. Ainda, se defesa não houver, quer por revelia, quer

Page 108: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

107

autora conclui que somente a defesa técnica realiza o devido processo legal em seu sentido

substancial, assim, “se a parte acusada da prática de uma infração administrativa ou

disciplinar não se defender por advogado deverá lhe ser nomeado um defensor”.

Ferraz e Dallari181 (2012, p. 110) argumentam que “é elementar que quem quer os

fins deve dar os meios a isso necessários. Portanto, quando se fala no princípio da ampla

defesa, na verdade se está falando dos meios para isso necessários”. E por esse motivo,

defende o direito da parte ser assistida por advogado, através da apresentação da defesa

técnica182.

Isso porque, a defesa conduzida por um advogado tende a ser muito mais

completa e, portanto, garantidora do efetivo exercício da ampla defesa e do contraditório, já

que se trata de uma defesa técnica e jurídica a qual será cuidadosamente fundamentada por

profissional competente para realizar tal finalidade (LESSA, 2009, p.191). A defesa técnica é

uma garantia de que a solução decorrente do processo será justa e pontualmente discutida.

Tanto é assim, que o direito de defesa independe da vontade do indiciado que poderá, por

determinação da autoridade competente, ter designado um defensor dativo que no mínimo

seja bacharel em direito para atuar em seu auxílio (LESSA, 2009, p. 192).

A segunda corrente encabeçada por Odete Medauar (2008, p.126) defende a

necessidade de defesa técnica apenas nos processos administrativo em que a decisão possa

acarretar grave ofensa na esfera individual183 do sujeito, restringindo os seus bens,

porque entenda a parte de não se defender, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária, do mesmo modo que no processo penal (art. 261 do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade. Mesmo que se trate de sindicância, e não de inquérito administrativo, é imprescindível a nomeação de defensor, se dela resultar diretamente sanção, como em hipótese assinalada no Regime Único dos Servidores Públicos da União, das autarquias e das fundações públicas em geral”. 181 Os autores criticam a Súmula Vinculante n. 05 e entendem ser um autêntico retrocesso, inclusive com violação da Constituição. 182 É importante registrar a passagem de Ferraz e Dallari (2010, p. 111) que afirmam existirem até pouco tempo “normas procedimentais, especialmente nos regulamentos disciplinares militares, proibindo a presença de advogado. O preconceito, entretanto, ainda permanece. Algumas autoridades administrativas tomam a presença do advogado como uma provocação”. E conclui afirmando que “o advogado é um profissional habilitado para a defesa de direitos e interesses, que pode ressaltar ou expor com maior eficiência aos fatos ou argumentos favoráveis ao seu constituinte ou impedir que este sofra algum dano ou constrangimento, sem que, de qualquer forma, isso possa prejudicar os legítimos interesses da Administração. Daí dever ter-se como indispensável a sua presença, sobretudo no processo administrativo disciplinar” (FERRAZ; DALLARI, 2012, p. 111-112). 183 “Por sua vez, a defesa técnica é a defesa realizada pelo representante legal, o advogado. Várias justificativas surgem, de regra, quanto à defesa técnica: equilíbrio entre os sujeitos ou paridade de armas, vinculado à plenitude do contraditório; o conhecimento especializado do advogado auxiliar a tomada de decisão parametrada pela legalidade e justiça; a presença do advogado evita que o sujeito se deixe nortear por emoções de momento, por vezes exacerbadas. Considerando-se a defesa técnica como desdobramento da ampla defesa assegurada pela Constituição, deve ser encarada, no processo administrativo, como possibilidade ou como exigência? Nos processos disciplinares de servidores, que pudessem resultar em penas graves, se firmara orientação jurisprudencial no sentido da necessidade de defesa técnica, cabendo ao poder público indicar defensor dativo se

Page 109: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

108

propriedades ou direitos. Dessa forma, a exigência de defesa técnica somente valeria para os

processos cujos resultados repercutam com gravidade sobre direitos e atividades dos sujeitos,

ou seja, no caso de apuração de crimes contra administração pública, punidos com pena

demissão ou cassação de aposentadoria, portanto, deixando de fora os processos que

acarretam advertência, suspensão, destituição de cargo em comissão ou da função

comissionada.

Harger (2008, p.150), também seguidor desta corrente, destaca que a parte tem o

direito de ser representada no processo administrativo através de um advogado inscrito na

Ordem dos Advogados do Brasil, mas não em todas as hipóteses, apenas “quando a lei assim

exigir” e “quando o interesse em jogo for indisponível”. Isso porque os processos

administrativos disciplinares que apuram crimes contra a administração pública terão como

resultado futuro a propositura da ação criminal. Dessa forma, a “inexistência de defesa

técnica, por ocasião do processo administrativo, poderá trazer sérias implicações em face do

conteúdo da lide penal a ser instaurada” (HARGER, 2008, p.150).

A despeito da posição desta segunda corrente, há de fazer algumas reflexões sobre

a exigibilidade de advogado somente quando houver grave dano ou ainda que esteja em jogo

direito indisponível do servidor. Inicialmente, deve-se entender o que é considerado direito

indisponível, para alguns autores seria a punição com privação da liberdade do indivíduo,

porém, se questiona, se a privação da honra e a imagem do servidor discutida no processo

administrativo, também não seriam direitos indisponíveis. Além disso, a Constituição Federal

não restringiu o direito à ampla defesa apenas quando houvesse dano à liberdade individual,

mas aos processos administrativos em que houvesse “acusados” em geral, sujeitos a uma

sanção que restringe direitos do indivíduo.

A terceira corrente, que tem posicionamento contrário, entende que a

representação por advogado é uma faculdade jurídica e não obrigação, sendo uma exigência

apenas na hipótese do acusado não ter conhecimento do processo, por se encontrar em local

incerto e não sabido. Carvalho Filho (2009, p. 61), posiciona-se no sentido formal e legalista,

destaca a faculdade do servidor de estar acompanhado por advogado, porém, se o acusado foi

o servidor estivesse desassistido ou na revelia. Mas, a Súmula Vinculante 5 do STF, editada em maio de 2008, ficou orientação diversa: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. Quanto aos demais processos administrativos, deve-se exigir defesa técnica? A exigência de defesa técnica em todos os processos administrativos implicaria a obrigatoriedade de defensoria dativa proporcionada pelo poder público a todos os sujeitos sem advogado próprio, o que parece inviável. Por isso, deveria ser exigida em processos cujos resultados repercutam com gravidade sobre direitos e atividades dos sujeitos, como, p.ex., interdição de atividades, fechamento de estabelecimentos, cessação do exercício profissional” (MEDAUAR, 2008, p.126-127).

Page 110: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

109

devidamente intimado e não apresentou defesa, o autor entende que não haveria ofensa ao

princípio do contraditório e da ampla defesa184. Por outro lado, destaca a importância de

assegurar ao “acusado o direito de defender-se amplamente e de contraditar a acusação” nos

processos administrativos punitivos ou restritivos de direitos185.

Ao contrário da obrigatoriedade da presença de advogado, entretanto, a favor da

defesa técnica apresentada na esfera administrativa, Cretella Neto186 (2002, p. 68) assinala que

a “ampla defesa, embora facultativa, deve ser entendida como a defesa técnica, isto é,

apresentada em juízo por quem tenha capacidade postulatória”.

Na mesma esteira, Cármen Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 484) entende que a

defesa deve ser formal, “produzida com a argumentação que comprove a sua contradição ao

quanto contra ele se alega, pode ser feita diretamente ou mediante patrocínio profissional”, de

modo que o julgador possa levar em consideração os seus argumentos e razões187. Portanto,

advoga pela facultatividade da presença do patrono no processo administrativo disciplinar,

embora entenda que a defesa deva ser técnica o suficiente para expor os argumentos com

capacidade de influenciar o julgador.

Dessa forma, em decorrência do contraditório em seu sentido substancial, não é

possível a aplicação de penalidade, sem que se dê ao acusado a oportunidade de se manifestar

de forma concreta e efetiva no processo, permitindo a possibilidade de influenciar no

resultado da decisão, para isso, deve ser realizado através da defesa técnica, porém, não em

qualquer processo administrativo, mas naqueles em que tenha a natureza punitiva com

184 Carvalho Filho (2009, p.62) comunga com o entendimento do STF na edição da Súmula Vinculante n. 05. 185 O autor entende que “a garantia do contraditório e ampla defesa só incide naqueles processos litigiosos”, ou melhor, “não se aplicando nos processos administrativos de natureza inquisitória, como o inquérito policial, o inquérito civil e a sindicância administrativa” (CARVALHO FILHO, 2009, p.59). 186 O autor traz decisões do Supremo Tribunal Federal relacionados ao processo administrativo e à ampla defesa. “Em processo administrativo, por alguns denominado inquérito administrativo, tem sido o princípio da ampla defesa reafirmados pelos tribunais brasileiros. Assim, “é necessária a ampla defesa para demissão de funcionário admitido por concurso (Súmula n°. 20 do STF)”; “é nula a demissão de funcionário com base em processo administrativo no qual não lhe foi assegurada ampla defesa (STF, em RDA, 73:136); “em inquérito administrativo, destinado a apurar a falta de funcionário e aplicação da pena de demissão, a ampla defesa deve ser-lhe assegurada” (STF, em RDA 47:108)” (CRETELLA NETO, 2002, p.68). 187 Nas lições de Cármen Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 484) “A garantia do advogado (art. 133 da Constituição da República) exige mesmo que o Estado providencie um, ainda que no processo administrativo, para aquele que o requisitar, comprovando-se que não o pode contratar sem o comprometimento de suas condições de subsistência ou de seus dependentes”. Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, Contreiras de Carvalho (1985, p. 115) já advertia que “em se tratando de indiciado revel, a defesa é promovida, como já sabemos, por defensor ex officio, designado pelo presidente da Comissão de Inquérito. A redação das respectivas razões não se reveste de peculiaridades, cumprindo ao defensor examinar, em todos os seus aspectos, acusação, ou as acusações, e apreciar cada uma das provas produzidas nos autos e cuja credibilidade deve ser examinada à luz do Direito Disciplinar. Daí a conveniência de ser, de preferência, de formação jurídica o funcionário designado ex officio para esse mister”.

Page 111: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

110

restrição aos direitos fundamentais. Além desses argumentos, cabe trazer a importância da

presença do advogado no processo administrativo disciplinar e a sua função fiscalizadora na

defesa e concretização dos direitos.

5.5 O PAPEL DO ADVOGADO E A JUSTIÇA DA DECISÃO

O papel do advogado tem grande relevância perante os processos administrativos

disciplinares, primeiro porque a presença do patrono fiscaliza a comissão na prática de

qualquer ofensa aos direitos fundamentais, segundo porque é o profissional habilitado com

conhecimentos técnicos atinentes ao direito para preparar a defesa do servidor, terceiro porque

o advogado é essencial à administração da justiça.

Carvalho (2012, p.765-766) ressalta a importância da figura do advogado no

processo administrativo disciplinar como profissional do direito que se empenhará de forma

técnica para representar o acusado, utilizando os instrumentos e recursos previstos no

ordenamento jurídico, portanto, o exercício da advocacia nesses processos é primordial para o

“bom e correto exercício do poder punitivo da Administração Pública, haja vista que sua

presença confere prestígio aos atos processuais e concorre para o respeito às garantias do

servidor processado188”.

O advogado é o profissional habilitado inscrito na Ordem dos Advogados do

Brasil, com capacidade técnica para elaborar a defesa de direitos e interesses da parte nos

processos, sobretudo nos disciplinares (FERRAZ; DALLARI, 2012, p. 111), isso ocorre por

uma razão lógica, o advogado é preparado tecnicamente para expor com maior eficiência, os

fatos e argumentos a favor do seu cliente, ou ainda impedir que este sofra algum dano ou

constrangimento189.

188 O autor continua argumentando que: “a presença do advogado em audiências, em outros atos de coleta de prova, como diligências e inspeções, na inquirição do denunciante, no oferecimento de defesa escrita, chamando a atenção para os consectários do devido processo legal, criticando interpretações de fatos e provas pelo órgão instrutor ou julgador, apresentando sua visão jurídica do quadro fático, tudo termina por enobrecer a atividade processual e aprimorar os procedimentos disciplinares realizados pela Administração Pública, sempre em defesa da figura do funcionário acusado” (CARVALHO, 2012, p.766). “O desapreço ao advogado é o desrespeito à justiça, e a própria garantia constitucional e legal de defesa técnica” (CARVALHO, 2012, p.767). 189 Ferraz e Dallari (2012, p.112) tratando sobre a diversidade de organizações que poderiam auxiliar na prestação da assistência judiciária gratuita dos servidores perante os processos disciplinares destacam que a posição do “STJ não se fechara na figurar do advogado constituído pela parte. Tanto assim que os precedentes citados na enunciação da Súmula 343 tinham por satisfeita a exigência se presente um defensor dativo, desde que advogado regularmente habilitado ao exercício da profissão. A designação desse dativo, por analogia ao que

Page 112: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

111

A presença de um defensor técnico da parte, além de reduzir o arbítrio da

autoridade administrativa, assegura os direitos fundamentais do servidor acusado, tendo como

consequência a fiscalização dos atos da comissão processante190. Neste sentido é que a função

do advogado é essencial à administração da justiça, nos termos do art. 133 da Constituição

Federal.

A obrigatoriedade do advogado no processo administrativo disciplinar não

significa que a parte necessariamente terá que custear a contratação de um patrono particular,

isso porque, os servidores públicos, além de dispor da defensoria pública do Estado e da

União, para realizar defesas técnicas, a grande parte é filiada aos sindicatos e associações da

categoria que disponibilizam advogados para acompanhar nesses tipos de processos

administrativos191.

Além do mais, é importante frisar que o servidor que dispõe de recursos

financeiros, certamente, contratará advogado para acompanhá-lo nos processos disciplinares,

restando aos hipossuficientes à sorte de uma Comissão Processante compromissada com os

valores constitucionais.

5.6 DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA E A IGUALDADE PROCESSUAL

A assistência judiciária gratuita consiste na isenção de todas as despesas com o

processo em favor da pessoa necessitada, que não tem como provê-las sem prejuízo do

próprio sustento ou da família. O benefício da assistência judiciária gratuita aos menos

favorecidos economicamente, tem como fundamento à garantia do acesso à Justiça e o direito

à igualdade (TUCCI; TUCCI E CRUZ, 1989, p.19-21). Apesar disso, essa assistência gratuita

acontece no processo judicial, caberia à autoridade administrativa superior, incumbida da apuração. E não cremos que daí pudesse resultar dificuldade insuperável para a Administração (Civil ou Militar), eis que para tanto se pode contar com o auxílio das Defensorias Públicas, da OAB e de várias organizações não governamentais dedicadas à Advocacia pro bono”. 190 Vale destacar que o amadorismo e o improviso das comissões disciplinares tem como resultado a anulação de processos administrativos perante o Poder Judiciário, segundo levantamento realizado pelo Centro Ibero-Americano de Administração e Direito – Cebrad apontou que 86% dos processos submetidos à apreciação judicial restavam anulados ou comprometidos por decisão judicial em desfavor da autoridade administrativa (ALVES, 2004, p. 9). 191 Neste ponto, pode ser destacada a experiência da escritora como presidente da Comissão de Processo Disciplinar da Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro, quando as partes indiciadas são da categoria dos professores, o SINTESE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica da Rede Oficial do Estado de Sergipe disponibiliza advogados para acompanhar os servidores nos processos, de modo que os professores não ficam descobertos pela ausência da defesa técnica.

Page 113: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

112

não se resume ao ajuizamento de demandas judiciais, mas também a defesa do cidadão

perante a atividade jurisdicional e a extrajudicial.

Cumpre trazer a distinção entre a justiça gratuita, a assistência judiciária e

assistência jurídica. Para Didier Jr. e Rafael Oliveira (2012, p. 11), a justiça gratuita “consiste

na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas judiciais ou não, diretamente

vinculadas ao processo”; a assistência judiciária é o “patrocínio gratuito da causa por

advogado público (ex. defensor público) ou particular (entidades conveniadas ou não com o

poder público, como, por exemplo, os núcleos de prática jurídica das faculdades de direito)”.

Por fim, a assistência jurídica é mais abrangente, porque “compreende, além do que já foi

dito, a prestação de serviços jurídicos extrajudiciais192”.

Com efeito, o Estado193 tem o dever de prestar a assistência jurídica gratuita,

através da acessibilidade econômica194 com a isenção de custas dos processos judiciais, bem

como da acessibilidade técnica prestada através da Defensoria Pública da União, do Estado e

do Distrito Federal, instituição permanente com competência para realizar fundamentalmente,

a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial

e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos

necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal195.

Isso significa que a assistência judiciária gratuita não pode se restringir à atuação

judicial, mas deve abranger toda atividade de consultoria, orientação, informação e defesa dos

direitos individuais e coletivos, seja perante o processo judicial ou administrativo. Dentro

deste parâmetro, o Estado não pode se esquivar de garantir o direito fundamental da

assistência judiciária a quem dela necessitar, ainda que em processo administrativo, pelo

simples fato de não ter defensores disponíveis para acompanhar os processos disciplinares ou

ainda sob o argumento de que a defensoria não teria competência para tal finalidade.

192 “No nível infraconstitucional, a matéria é regulada pela Lei Federal n. 1.060/1950, a chamada Lei de Assistência Judiciária (LAJ), que se aplica não só ao processo civil, mas também ao trabalhista, ao penal e ao administrativo” (DIDIER JR.; OLIVEIRA, 2012, p.11). 193 Constituição Federal de 1988 - Art. 5º, inciso LXXIV – “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. 194 Tucci e Tucci e Cruz (1989, p.19) apresentam dois enfoques da garantia de acesso à justiça: a acessibilidade econômica e a acessibilidade técnica. 195 Lei Complementar n. 80/94 – “Art. 1º. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal”.

Page 114: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

113

Ressalte-se que a Lei Complementar nº 80/94196, que dispõe sobre as normas

gerais da defensoria pública, prevê a atuação da Defensoria Pública da União em processos

administrativos disciplinares na defesa de acusados, portanto, mais um fator que contribui

para a garantia da ampla defesa aos servidores que não tem condições de custear um

advogado.

A razão da essencialidade do advogado perante os processos administrativos

disciplinares reside justamente na necessidade de manter essa igualdade processual entre a

administração-acusação e o servidor-acusado, e daí a importância do papel do defensor dotado

de conhecimentos técnicos, com o domínio dos mecanismos procedimentais, como o instituto

da prescrição dentre outros, que requer especificidades do direito para que propicie a tutela

dos interesses de direitos individuais e restabeleça o equilíbrio do contraditório (TUCCI;

TUCCI E CRUZ, 1989, p. 23).

Certamente, os servidores-acusados que possuem condições econômicas para

contratar patrono terá a sua igualdade processual garantida, entretanto, o servidor-acusado

menos favorecido economicamente terá a faculdade de apresentar a sua defesa sem a

tecnicidade necessária para a concretização da igualdade.

No primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal apresentou evolução no

sentido de aplicar a garantia processual constitucional do contraditório e da ampla defesa

também nos processos administrativos disciplinar antes mesmo da Constituição Federal de

1988, entronizado através da Súmula 20 e 21197 (ROCHA, 1999, p. 482), mas quando da

apreciação da defesa técnica nestes processos, admitiu não ofender a garantia processual da

ampla defesa.

Apesar dos fundamentos teóricos e argumentos até então apresentados, a Suprema

Corte adotou o entendimento contrário, o da facultatividade da presença do advogado no

processo administrativo disciplinar, materializado através da Súmula Vinculante n. 05. Tal

decisão normativa encontra-se sustentada em diversas razões que merecem ser enfrentadas no

próximo tópico.

196 Lei Complementar n. 80/94 – “Art. 18. Aos Defensores Públicos Federais incumbe o desempenho das funções de orientação, postulação e defesa dos direitos e interesses dos necessitados, cabendo-lhes, especialmente: [...] VII - defender os acusados em processo disciplinar”. 197 Súmula n. 20 do STF - 13/12/1963 – “é necessário processo administrativo com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso”. Súmula n. 21 do STF – 13/12/1963 – “funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade”.

Page 115: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

114

5.7 O ESTUDO DA SÚMULA VINCULANTE N. 05

Antes de adentrar na problemática das inconstitucionalidades da Súmula

Vinculante n. 05, convém destacar alguns aspectos fáticos e jurisprudenciais que antecederam

a edição da citada Súmula até a sua aprovação pelo Supremo Tribunal Federal.

O Superior Tribunal de Justiça, após diversas demandas judiciais de anulação de

processo administrativo disciplinar e discussões sobre o tema do contraditório e da ampla

defesa como garantia constitucional ao devido processo legal, editou a Súmula n. 343 cujo

texto expressa que “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo

administrativo disciplinar198”.

A decisão foi proferida em sede de Mandado de Segurança n. 10.837 do Distrito

Federal e ativamente discutido pelas Turmas e Seções do Superior Tribunal de Justiça, em

diversos precedentes, inclusive foram enfrentados os aspectos constitucionais a serem

empregados também no processo administrativo.

No julgamento do Mandado de Segurança 10.837, publicado em 13/11/2006, a

relatora do voto vencedor, Ministra Laurita Vaz (2006, p.11-13) destaca que a constituição de

advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à

essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes. E ainda acrescenta que o princípio constitucional da ampla defesa no processo

administrativo disciplinar se materializa, não apenas com a oportunização ao acusado de

fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo,

mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento199.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário

434.059-3/DF, em 07/05/2008, editou a Súmula Vinculante n. 05, na qual estabelece que “a

falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a

Constituição”, obstando a aplicação da Súmula n. 343 do STJ, na qual garante a

obrigatoriedade do advogado nestes processos.

Ao investigar o processo formal de edição da Súmula Vinculante n. 05, bem como

os argumentos que levaram a Suprema Corte a decidir pela dispensabilidade da defesa técnica

198 Súmula n. 343 do Superior Tribunal de Justiça. 199 Voto do Acórdão vencedor da Ministra Laurita Vaz no Mandado de Segurança n. 10.837/DF-STJ.

Page 116: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

115

no processo administrativo disciplinar, denota-se que o enunciado encontra-se inquinado de

vícios formais e materiais como serão demonstrados.

5.7.1 A Inconstitucionalidade Formal

Para o estudo da inconstitucionalidade da Súmula Vinculante, é importante

destacar inicialmente, os requisitos formais para a sua edição. Assim, o art. 103-A da

Constituição Federal200, regulamentado pela Lei Federal n. 11.417/06, estabelece os requisitos

para que a Corte Suprema aprove súmulas com efeito vinculante para todos os órgãos do

poder judiciário, bem como para administração pública direta e indireta, nas esferas federal,

estadual e municipal. Dentre as condições para aprovação da súmula vinculante destacam-se:

a) a existência de reiteradas decisões sobre matéria constitucional; b) existência de

controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública sobre a

matéria; c) a ocorrência de grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos

sobre questão idêntica; e d) decisão de dois terços dos membros do STF (BACELLAR

FILHO; HACHEM, 2010, p.36).

Com efeito, em relação à Súmula Vinculante n. 05, cumpre ressaltar que na sua

tramitação não restou demonstrada a existência de reiteradas decisões sobre matéria

constitucional, isso porque apenas três acórdãos foram referenciados no julgamento, quais

sejam: AG. n. 207.197, RE n. 244.027 e MS n. 24.961; Além disso, o Mando de Segurança n.

24.961 não tratava da matéria de processo administrativo disciplinar, mas da dispensabilidade

da atuação de advogado perante procedimento administrativo de Tomada de Contas

Especial201, da mesma forma o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 207.197202, a

200 Art. 103-A da CF “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. 201 Mandado de Segurança n. 24.961 do STF - EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL: CONCEITO. DIREITO DE DEFESA: PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO. I. - A Tomada de Contas Especial não constitui procedimento administrativo disciplinar. Ela tem por escopo a defesa da coisa pública. Busca a Corte de Contas, com tal medida, o ressarcimento pela lesão causada ao Erário. A Tomada de Contas é procedimento administrativo, certo que a extensão da garantia do contraditório (C.F., art. 5º, LV) aos procedimentos administrativos não exige a adoção da normatividade própria do processo judicial, em que é indispensável a atuação do advogado: AI

Page 117: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

116

matéria diz respeito a procedimento administrativo sobre matéria fiscal que tem natureza

distinta do processo disciplinar.

Como já retratado nesta dissertação, existem diferenças entre processo e

procedimento administrativo, inclusive a distinção entre ambos é o fator que determina a

aplicação dos princípios processuais, e em sendo processo disciplinar com natureza punitiva,

assemelha-se ao regime jurídico aplicado ao direito penal. Ademais, pelo conteúdo da decisão

trazido no referido Mandado de Segurança e Agravo Regimental, pode-se inferir com

propriedade que as citadas decisões não podem servir como precedentes para aprovação da

Súmula Vinculante n. 5, pois, a matéria tratada neste julgamento é eminentemente sobre

processo administrativo disciplinar com natureza jurídica diversa dos procedimentos

administrativos em geral.

Portanto, resta evidente que a Súmula Vinculante n. 05 foi aprovada pelo STF

com transparente vício formal quanto à ausência do requisito legal de reiteradas decisões

nesta matéria constitucional.

5.7.2 A Inconstitucionalidade Material

Além da inconstitucionalidade formal relatada, a Súmula Vinculante n. 05

encontra-se em dissonância com os valores materialmente guardados pela Carta

Constitucional. Assim, para demonstrar a contrariedade dos argumentos da citada Súmula

com o conteúdo normativo e axiológico da Constituição Federal de 1988 (BACELLAR

FILHO; HACHEM, 2010, p.39), faz-se necessário destacar de forma sucinta a fundamentação

utilizada pelos ministros neste julgamento.

O Ministro Relator Gilmar Mendes (2008, p. 742) trouxe uma abordagem

formalista ao dar interpretação restrita ao art. 5º, inciso LV da Constituição, e argumenta que

o contraditório e a ampla defesa se restringem aos seguintes direitos: (I) direito de

informação, que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no

207.197-AgR/PR, Ministro Octavio Gallotti, "DJ" de 05.6.98; RE 244.027-AgR/SP, Ministra Ellen Gracie, "DJ" de 28.6.2002. II. - Desnecessidade de intimação pessoal para a sessão de julgamento, intimados os interessados pela publicação no órgão oficial. Aplicação subsidiária do disposto no art. 236, CPC. Ademais, a publicidade dos atos administrativos dá-se mediante a sua veiculação no órgão oficial. III. - Mandado de Segurança indeferido. 202 Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 207.197 do STF - EMENTA: A extensão da garantia constitucional do contraditório (art. 5º, LV) aos procedimentos administrativos não tem o significado de subordinar a estes toda a normatividade referente aos feitos judiciais, onde é indispensável a atuação do advogado.

Page 118: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

117

processo e sobre os elementos dele constantes; (II) direito de manifestação, que assegura ao

defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos

fáticos e jurídicos constantes do processo; e (III) o direito de ver seus argumentos

considerados, que exige do julgador capacidade de apreensão e isenção de ânimo para

contemplar as razões apresentadas203. O Ministro Menezes Direito204 (2008, p.746) se resumiu

a acompanhar o relator, somente acrescentando que a lei especial de regência traz

expressamente a indicação dessa possibilidade do próprio servidor manifestar a sua defesa.

Os argumentos do relator merecem algumas considerações, pois como já retratado

nesta dissertação, a concepção substancial do princípio do contraditório e da ampla defesa não

se resume a esses três parâmetros formalistas, mas, na efetiva e concreta realização do

postulado constitucional.

A Ministra Cármen Lúcia205 (2008, p.747) acompanha o voto do relator,

enfatizando a questão da autotutela e do direito de defesa técnica, e destaca o entendimento

doutrinário de que se o servidor alega e comprova que a questão é complexa, no qual se exige

certo conhecimento que escapa ao que lhe foi imputado, deve se manifestar como inapto para

exercer a autodefesa; e nesses casos “essa facultatividade não seria bastante para não se ter

mais do que um simulacro de defesa”. E ainda analisou as questões de direito apenas

restringindo ao caso concreto, afirmando que esses fatores não foram observados neste caso, e

por isso não deveria haver nulidade do processo.

Outrossim, o breve fundamento da Ministra Cármen Lúcia não foi coerente e nem

suficiente para edição de uma súmula vinculante, isso porque restringiu-se à análise do caso

concreto e quanto ao argumento, na verdade, o voto estaria a favor da defesa técnica quando a

questão fosse complexa e que exigisse do servidor um conhecimento técnico mais apurado,

bastando que o mesmo demonstrasse que não teria condições de realizar a sua própria defesa.

No mais, como a lei permite a facultatividade, o servidor apresentaria apenas um “simulacro

de defesa”, ou seja, uma “falsa” defesa.

O voto do Ministro Ricardo Lewandowski206 (2008, p.748), que acompanhou o

relator, destacou o conceito do devido processo legal, o due processo of law na Constituição

Norte Americana de 1787, afirmando que a “doutrina e a jurisprudência entendem que a

defesa técnica integra efetivamente este devido processo legal”. No entanto, ressaltou que 203 Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 204 Voto do Ministro Menezes Direito no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 205 Voto da Ministra Cármen Lúcia no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 206 Voto do Ministro Ricardo Lewandowski no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF.

Page 119: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

118

como se trata de uma faculdade permitida pela lei, deve ser colocada à disposição do acusado

no processo judicial ou administrativo, basta que seja intimado, para que possa, querendo,

oferecer a defesa, então não haveria nenhuma nulidade.

Com efeito, a fundamentação do voto restou contraditória, pois, ao tempo que

afirma ser a defesa técnica integrante do devido processo legal, o ministro entende que é uma

faculdade colocada à disposição do acusado, apesar da Constituição Federal garantir o

contraditório e a ampla defesa tanto nos processos judiciais como nos administrativos, em que

haja acusados, decorrente justamente do devido processo legal. Ora, se a defesa técnica é

integrante do devido processo legal, nos processos administrativos que não houvesse a defesa

técnica, logo, não estaria resguardado o devido processo legal.

O Ministro Joaquim Barbosa207 (2008, p.749) se resumiu a acompanhar o relator e

sugeriu à adoção de súmula vinculante, o Ministro Gilmar Mendes acrescentou que havia

súmula do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário.

O Ministro Carlos Britto208 (2008, p. 750-752) acolheu os argumentos trazidos

pelo Advogado Geral da União209, de que a presença obrigatória do advogado se faz no

processo judicial, porque o “advogado é indispensável à administração da Justiça”, que

significaria função jurisdicional ou aparelho judiciário. E acrescenta que a obrigatoriedade da

defesa técnica do advogado não alcança os processos administrativos, já que o entendimento

contrário “implicaria mais do que uma ampla defesa, sim uma amplíssima defesa, ou seja,

uma defesa transbordante210”. Por fim, o ministro demonstrou a preocupação com a

consequência prática da decisão em sentido contrário, porque se o servidor não optasse pela

nomeação de procurador, a “administração pública seria obrigada a remeter o caso para a

defensoria pública e esta se veria, sem dúvida, numa situação de assoberbamento”, pois não

somente defenderia os necessitados, “que é o seu dever precípuo, a sua função específica”,

como também teria que “defender todos os servidores públicos processados que não optassem

pela nomeação de procurador nos autos”.

Com efeito, sob os parâmetros de um Estado Democrático e prestador, o

argumento de assoberbamento de serviços pela defensoria pública, não pode servir de

justificativa para o descumprimento do dever do Estado de prestar a assistência judiciária

207 Voto do Ministro Joaquim Barbosa no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 208 Voto do Ministro Carlos Britto no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 209 O cargo de Advogado Geral da União era exercido pelo Dr. José Antônio Dias Tofolli, sendo logo depois em 23/10/2009, nomeado para Ministro do Supremo Tribunal Federal. 210 Voto do Ministro Carlos Britto no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF.

Page 120: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

119

integral e gratuita no âmbito judicial e extrajudicial aos necessitados, mesmo porque quando o

acusado for revel, seja necessitado ou não, ainda assim será nomeado defensor dativo para

acompanhar o processo administrativo disciplinar211. Logo, basta não apresentar a defesa do

acusado no prazo legal, para lhe ser nomeado defensor dativo para o exercício da sua função

institucional212, independentemente da condição econômica. Além disso, em regra, quem tem

condições financeiras de contratar advogado, não deixará de fazê-lo, e o servidor

hipossuficiente economicamente seria o mais prejudicado, muitas vezes pela facultatividade e

ingenuidade no trato dos processos administrativos. Portanto, restaria evidente a ofensa à

igualdade entre as partes, já que de um lado teria o Estado, com seu aparato administrativo e

por vezes político, na aplicação da penalidade e do outro lado, o servidor hipossuficiente.

Muito embora não haja previsão legal da obrigatoriedade do advogado no

processo administrativo disciplinar, não se pode vislumbrar uma formação de relação jurídica

válida sem a presença do advogado e a necessária defesa técnica, tendo em vista que

demonstra evidente afronta a igualdade das partes nesta relação processual de natureza

punitiva.

Retornando a análise do julgamento da Súmula Vinculante n. 05, o Ministro Cezar

Peluso213 (2008, p. 753) enfrentou a matéria afirmando que o art. 133 da Constituição não tem

pertinência com o assunto que diz respeito ao exercício da função jurisdicional, já que a

Constituição, no inciso LV, assegura o contraditório, traduzido na possibilidade da

intervenção eficaz e tempestiva, contribuindo para formação da decisão. Então, quem se

encontra na condição de acusado ou réu, é convidado a participar do processo para colaborar,

o que corresponde à justificativa da garantia da coisa julgada, revestida da imutabilidade e

autoridade próprias da res iudicata. Por isso que a “oportunidade” no processo judicial ou

administrativo, para Peluso, “é admitida a título de ônus, não a título de obrigação”, já que é

“comportamento único e necessário para a obtenção de certa vantagem” em que o interessado

211 Art. 164 da Lei Federal n. 8.112/90: “Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal.§ 1o A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa. § 2o Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado”. 212 Nas lições de Bacellar Filho e Hachem (2010, p. 54) o Estado deve criar condições fáticas e jurídicas necessárias para o adequado exercício do direito de defesa, pois, foi justamente a função prestacional do Estado que foi ignorado no acórdão sob análise. Para os citados autores a efetividade do princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, somente poderá ser concretizado através do instrumento da defesa técnica com a participação do advogado acompanhando o acusado, caso contrário, estaria “ofendendo a dimensão positiva do direito à ampla defesa, que exige a criação, por parte do Estado, dos pressupostos necessários ao real exercício desse direito”. 213 Voto do Ministro Cezar Peluso no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF.

Page 121: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

120

o exercerá ou não, segundo suas conveniências pessoais, assim como ocorre no processo civil,

não se cogitando em nulidade processual, quando o réu seja revel ou quando não quis

comparecer. Cesar Peluso (2008, p. 754) acrescenta ainda que a única exceção a essa

distinção entre a oportunidade de defesa e defesa técnica ocorreria no processo criminal,

porque neste estaria em jogo direito indisponível, que não poderia ser objeto de renúncia, se

não fosse assegurada a defesa técnica efetiva.

É importante recordar a principal diferença entre o processo administrativo e o

judicial que consiste no caráter substitutivo da decisão judicial imposta entre as partes do

processo, bem como a imutabilidade decorrente da coisa julgada. Contudo, não cabe comparar

o processo civil com o processo administrativo, posto que o regime jurídico adotado é

diferente. Na verdade, a defesa do acusado não pode se limitar a oportunização do

contraditório, porque a natureza do processo disciplinar é diversa do processo civil, com

semelhanças mais próximas ao processo penal214. Por essa razão que não seria coerente a

mitigação da ampla defesa, pois, as características, a interpretação e a eficácia dos direitos

fundamentais devem ser amplas, mesmo porque a Constituição Federal não faz qualquer

restrição, pelo contrário, estende a ampla defesa ao processo administrativo, assim como o

processo judicial.

Com efeito, o julgamento não enfrentou a questão principal que é a natureza

jurídica e o regime punitivo do processo administrativo disciplinar, com finalidade para

realizar a apuração de ilícitos administrativos em face do servidor e aplicação de penalidades,

restringindo direitos fundamentais. Inclusive, mesmo em se tratando de regime adotado pelo

direito processual civil, quando o litígio versa sobre direitos indisponíveis215, os efeitos da

revelia são excepcionados.

214 Nos ensinamentos de Bacellar Filho e Hachem (2010, p.45) a equiparação entre processo judicial e processo administrativo, estabelecida pela Constituição de 1988, encontra-se razão na “possibilidade de o processo afetar a esfera jurídica individual do cidadão, o que ocorre tanto nos processos judiciais (civil, penal, trabalhista, etc.) quanto nos processos administrativos (fiscal, disciplinar, etc.). Resulta contraditório, portanto, admitir a obrigatoriedade de advogado em um processo de natureza sancionatória como é o penal, por exemplo, apenas por se tratar de processo judicial, e denegar a mesma exigência para outro processo de igual caráter punitivo como é o disciplinar, por representar espécie de processo administrativo. Se ambas as modalidades de processo ostentam finalidade sancionatória, o conteúdo jurídico do direito fundamental à ampla defesa deve ser rigorosamente o mesmo”, ou seja, “se no processo criminal é indispensável a presença do advogado, como desdobramento do direito fundamental à ampla defesa, o mesmo ocorre com o processo administrativo disciplinar”. 215 Assim, “mesmo que se admitisse a comparação do processo disciplinar com o processo civil, haveria nulidade em caso de revelia, pois o objeto do litígio seriam direitos indisponíveis, enquadrando-se na vedação do art. 320, II do CPC” (BACELLAR FILHO; HACHEM, 2010, p.55).

Page 122: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

121

No processo administrativo disciplinar, as consequências da sanção alcançam os

direitos individuais do cidadão, desde a perda do vínculo de trabalho com a administração

pública, como também sofrem limitações do direito a honra e a imagem do servidor acusado

que são submetidos à investigação. Todos são valores albergados pela Constituição Federal

como direitos fundamentais, traduzidos como direitos indisponíveis do cidadão (BACELLAR

FILHO; HACHEM, 2010, p.55).

A Ministra Ellen Gracie216 (2008, p. 756) seguindo o voto do relator acrescentou

que o servidor que responde a processo administrativo tem o seu direito de defesa assegurado

e pode exercê-lo quer pessoalmente quer mediante procurador, conforme dispõe a Lei

8.112/90, que ainda prevê a nomeação de defensor dativo quando ele não exercite sua defesa

pessoalmente e nem indique um procurador para fazê-la.

Outrossim, se o servidor não apresenta defesa no processo administrativo

disciplinar dentro do prazo legal, finda com a nomeação do defensor dativo, protelando ainda

mais o processo que poderia já ter iniciado com um patrono constituído pela parte ou

nomeado pela Comissão, antes de abrir o prazo para defesa. Tal justificativa se coaduna com a

nova dicção constitucional de assegurar a duração razoável dos processos judiciais e

administrativos, de forma que garantam a celeridade na sua tramitação como direito

fundamental217.

O Ministro Marco Aurélio218 (2008, p. 757), acompanha o voto do relator,

enfatizando o princípio da liberdade, “a maior liberdade, a liberdade de ir e vir, a liberdade de

concepção e liberdade de escolha”. E destacou que o Supremo já havia defrontado com

processos versando o alcance do art. 133 da Constituição Federal, a revelar que o advogado é

indispensável à administração da justiça, e por isso somente seria aplicado ao processo

judicial e não ao processo administrativo, ressaltou ainda que há capacidade postulatória

direta da própria parte no âmbito da jurisdição cível especializada, aquela realizada perante a

justiça do trabalho, mitigando a interpretação do art. 133 da Carta Magna. E por fim

acrescentou que o art. 156 da Lei 8.112/90 viabiliza tanto a atuação direta do próprio servidor

ou do procurador por ele indicado, e que necessariamente não tem de ser um advogado, pois

216 Voto do Ministro Ellen Gracie no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 217 Art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal de 1988 – “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004. 218 Voto do Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF.

Page 123: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

122

não pode haver “reserva de mercado para a advocacia, podendo ser um terceiro que possua

habilidade suficiente, segundo o interessado, a defendê-lo219”.

Inobstante a fundamentação ser sustentada no Princípio constitucional da

liberdade de escolha do indivíduo, daí a facultatividade de realizar a defesa seja pessoalmente

ou através de advogado, tais argumentos merecem algumas considerações. O princípio do

contraditório e da ampla defesa é também um princípio constitucional considerado direito

fundamental do cidadão, por conseguinte, tal conflito aparente entre normas constitucionais

deve ser resolvido pela ponderação dos interesses protegidos. No caso do processo disciplinar,

não sendo demasiado mencionar, busca-se a bilateralidade das partes nesta relação jurídica

processual, harmonizando a interpretação do postulado com os valores constitucionalmente

resguardado.

A propósito, cabe sublinhar que a comissão de processo administrativo disciplinar

pode ser exercida em qualquer órgão público e atua na sua função atípica de julgar e aplicar

penalidade disciplinar ao servidor, portanto, exerce a atividade com todos os princípios

processuais de imparcialidade, motivação, devido processo legal, como um julgador que

interpretará a norma jurídica, aplicando-a ao caso concreto, através de uma decisão

administrativa justa.

A Constituição Federal, quando estabelece no seu art. 133 que “o advogado é

indispensável à administração da justiça”, não se deve restringir ao Poder Judiciário, porque o

Poder Executivo e o Legislativo também possuem funções atípicas de julgar em processos

administrativos, materializadas através das decisões emitidas com justiça. Logo, não se pode

dar uma interpretação restrita ao conceito de justiça, apenas alcançando o processo judicial220,

219 Voto do Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 220 Nas palavras de Bacellar Filho e Hachem (2010, p. 42) “a interpretação restrita do art. 133 da CF, com a devida vênia, levada a efeito de forma apoucada e literal, é manifestamente incompatível com os postulados da interpretação constitucional. A construção das normas constitucionais, operada através da interpretação do texto da Constituição, deve ser empreendida de forma a maximizar a efetividade dos direitos fundamentais, e não com o intuito de limitar o seu alcance. Da conjugação do art. 5º, com o art. 133 da CF é possível deduzir que o advogado é indispensável à realização da justiça, aí compreendidas todas as situações que dependam de uma atuação técnica e especializada dos profissionais da advocacia para que sejam assegurados de forma efetiva os direitos fundamentais do cidadão, notadamente os direitos ao contraditório e ampla defesa. E tais situações podem ocorrer tanto no exercício da função jurisdicional quanto da função administrativa, uma vez que não apenas o Estado-juiz, como também o Estado-Administrador pode praticar ingerências na esfera jurídica do cidadão, sendo exigível em tais casos a observância do contraditório e da ampla defesa. Assim, a expressão “justiça” estampada no art. 133 da CF, significa todo e qualquer processo do Estado que possa atingir a esfera jurídica individual jurídica individual do particular, ou seja, aquele em que o provimento final do Estado “possa acarretar restrições aos direitos do cidadão, atraindo a incidência de todos os princípios constitucionais que compõem o núcleo comum de processualidade, tais como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, a presunção de inocência e a razoável duração do processo” (BACELLAR FILHO; HACHEM, 2010, p.43).

Page 124: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

123

mesmo porque a presença de um advogado perante os processos disciplinares permite maior

fiscalização e segurança de que os direitos do servidor cidadão estão sendo preservados.

Diante da natureza jurídica sancionatória do processo disciplinar semelhante ao

processo criminal, a defesa técnica deve ser entendida como desdobramento da ampla defesa,

portanto, indispensável para o servidor acusado, como ocorre inclusive perante os juizados

especiais criminais, ou seja, deve ser dada a garantia constitucional do contraditório e da

ampla defesa de forma mais extensa possível. E ainda porque esse princípio deve ser

interpretado de acordo com a Constituição Federal, com todos os aspectos da nova

hermenêutica constitucional. Dessa forma, o processo disciplinar não pode ser comparado

com o processo trabalhista ou ainda com os processos de pequenas causas do juizado especial

civil, mas, com os princípios que regem o processo criminal, a semelhança do que ocorre com

a tramitação nos juizados especiais criminais, devendo assim, ser nomeado defensor dativo ou

defensor público para o caso.

Retornando a análise dos votos, o então, Ministro Gilmar Mendes221 (2008, p. 759)

acrescentou que a matéria reclamava súmula, exatamente porque existia a Súmula n. 343 do

STJ, em sentido contrário, e ressaltou a preocupação do Advogado Geral da União com a

repercussão que esse julgamento pudesse ter sobre os demais casos, assim, propôs o verbete

da seguinte forma: “a ausência de defesa técnica, por si só, não implica nulidade do processo

administrativo disciplinar”. O Ministro Marco Aurélio222 (2008, p. 768) ponderou afirmando

que para editar uma súmula vinculante é indispensável, segundo a Carta Magna alterada pela

Emenda Constitucional n. 45, que se tenha reiterados pronunciamentos no Supremo, porém,

só havia alguns processos com pedido de repercussão geral. O Ministro Cezar Peluso223 (2008,

p. 770) justifica a edição da Súmula Vinculante em caráter excepcional, porque se encontra

em sentido contrário a uma Súmula do STJ, propondo que “não é obrigatória à defesa técnica

por advogado em processo administrativo”, que significaria exatamente o que consta na Lei

Federal 8.112/90. Por fim, aprovaram o verbete no seguinte sentido: “a falta de defesa técnica

por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição Federal”.

221 Manifestação do Ministro Gilmar Mendes durante o voto do Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 222 Voto do Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF. 223 Manifestação do Ministro Cezar Peluso no voto do Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário n. 434.059-3/DF.

Page 125: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

124

Em síntese, a Súmula Vinculante n. 05 foi editada em dissonância com o

sentimento constitucional moderno224, e a nova hermenêutica norteada pelo princípio da

máxima efetividade, pelo qual deve ser atribuído ao texto constitucional o significado que

alcance maior efetividade, “otimizando e maximizando o conteúdo da norma de sorte a

conferir-lhe maior potencialidade” (BACELLAR FILHO; HACHEM, 2010, p.44). É

justamente em razão do princípio da máxima efetividade que deve ser interpretado o direito

fundamental à ampla defesa no processo administrativo disciplinar, devendo ser entendido

não apenas como direito à autodefesa, realizado pelo acusado no próprio interrogatório, mas

sobretudo, como direito à defesa técnica, “vez que será somente através dela que se poderá

aquilatar à argumentação defensiva os fundamentos jurídicos aptos a fortificar a contestação

do acusado” (BACELLAR FILHO; HACHEM, 2010, p.46).

Tal posicionamento do STF divergente do entendimento sedimentado no STJ,

afastou a aplicabilidade da Súmula 343 do STJ de que “é obrigatória a presença de advogado

em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. Neste julgamento225 o Superior

Tribunal de Justiça, após reiteradas decisões sobre a necessidade de advogado no processo

administrativo disciplinar, fundamentou a súmula na materialidade do princípio do

contraditório e da ampla defesa, porque o servidor figura como “acusado”, não se

compatibilizando com a autodefesa. Por isso que não basta a oportunização ao acusado de

fazer-se representar por advogado, mas é necessária a efetiva constituição de defensor durante

todo o seu desenvolvimento. A Ministra Laurita Vaz (2006, p.13) destaca em seu voto que a

“constituição de advogado ou de defensor dativo é também, no âmbito do processo

disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os

meios e recursos a ela inerentes”. Portanto, o entendimento do STJ ocorreu no sentido de dar

efetividade ao princípio do contraditório e da ampla defesa, sob o aspecto substancial,

diferentemente do STF que deu uma interpretação restrita e formal ao dispositivo

constitucional.

224 Ferraz e Dallari (2012, p. 112) criticam a Súmula Vinculante n. 05, assinalando o erro de julgamento do STF, apesar de qualificada composição, pois, a corte é “composta por homens, e, por isso mesmo capaz de errar. No caso da Súmula Vinculante n 5 o erro é grave, por isso que restaurador de uma prática administrativa que afeta o princípio da igualdade de armas e a amplitude do direito de defesa, destarte violando a garantia constitucional da ampla defesa”. E ainda o agravante estaria na involução da concretização dos direitos fundamentais pela Corte Suprema, já que o próprio “STJ já havia pacificado seu entendimento pela imprescindibilidade da assistência técnica por advogado nos processos administrativos em que veiculado litigio ou acusação, consagrando-a em sua Súmula 343” (FERRAZ; DALLARI, 2012, p.113). 225 Voto vencedor da Relatora para o Acórdão da Ministra Laurita Vaz no Mandado de Segurança n. 10.837/DF.

Page 126: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

125

Neste ambiente, percebe-se que a aprovação da citada súmula vinculante

significou um retrocesso dos Tribunais, além disso, foi realizada sem qualquer verificação da

existência de reiterados pronunciamentos do STF sobre a matéria de processo administrativo

disciplinar226, bem como não houve racionalidade e discussão jurídica aprofundada, muito

menos participação da sociedade no julgamento, todos esses fatores vem a confrontar,

também, com a legitimidade da referida súmula.

5.8 A LEGITIMIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 05

Não se pode olvidar que a súmula vinculante como a própria denominação traduz,

vincula todos os órgãos da administração pública e do poder judiciário, por esse motivo

possui caráter de norma geral e abstrata. Nas palavras de Edilton Meireles (2009, p. 81), “a

súmula vinculante tem natureza normativa, por si mesmo, já que estabelece uma norma de

conduta a ser observada por toda autoridade pública, bem como pela Administração Indireta,

nas esferas federal, estadual e municipal227”. Muito embora, não seja objeto desta dissertação

a discussão sobre a constitucionalidade da súmula vinculante, considerando os fundamentos

da separação dos poderes, a legitimação da edição de súmulas perpassa necessariamente pelo

debate jurídico, e por isso a exigência do requisito de reiteradas decisões sobre a matéria

constitucional.

A atividade da Corte Suprema quando edita súmula vinculante deve permitir a

ampla participação dos sujeitos interessados com discussão e debate jurídico, para compensar

o deficit democrático, decorrente da ausência de representatividade por este órgão para

elaboração de normas gerais e abstratas (BARROSO, 2009, p. 390).

No caso da Súmula Vinculante n. 05, o Supremo Tribunal Federal deveria ter

ouvido as Comissões de Processo Disciplinar, as Associações e Sindicatos de servidores, de

forma que oportunizasse o debate doutrinário sobre a matéria constitucional, alcançando todos

226 Atento às inconstitucionalidades formais e materiais, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs o cancelamento da Súmula Vinculante n. 05, em 13 de agosto de 2010, fundamentado na ausência de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional e ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Vale ressaltar ainda que o processo ainda se encontra pendente de julgamento. 227 Em outras palavras, “a súmula vinculante é ‘lei’ em si mesmo, pois sua imperatividade não decorre de qualquer outra lei, que lhe confere essa normatividade. Em verdade, a súmula vinculante encontra seu respaldo normativo na própria Constituição, assim como qualquer outra lei ordinária, medida provisória, etc. A súmula vinculante, pois, é ato legislativo em si mesmo, tal como qualquer lei ordinária, ainda que diretamente somente se dirija à Administração Pública e indiretamente vincule o particular” (MEIRELES, 2009, p. 81).

Page 127: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

126

os interessados, ou melhor, aqueles que de alguma forma seriam afetados com a decisão.

Entretanto, não foi o que efetivamente ocorreu quando da sua aprovação.

Convém assinalar que o papel da jurisdição constitucional tem sido ampliado

marcantemente após a Constituição de 1988, o controle de constitucionalidade das normas

pode ser exercido por qualquer juízo ou tribunal, podendo inclusive afastar a aplicação de

uma lei por entendê-la inconstitucional. Essa constitucionalização aumentou de maneira

significativa a ascensão do Poder Judiciário e com ele o número de demandas também

cresceram consideravelmente, verificando-se no Brasil uma verdadeira “judicialização de

questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final”

(BARROSO, 2007, p.243).

Atualmente, tem-se discutido sobre a legitimidade democrática deste ativismo

judicial, suas possibilidades e limites, já que a jurisdição constitucional envolve também a

interpretação e aplicação da Constituição sob a nova ótica da hermenêutica. Nesse ambiente, o

papel do Judiciário deve ser o de “resguardar o processo democrático e promover os valores

constitucionais, superando o deficit de legitimidade dos demais Poderes” (BARROSO, 2007,

p.248), contudo, não pode deixar de ser democrático na sua própria atuação, sob pena de

também ser considerado ilegítimo, o que poderá ocorrer se atuar abusivamente, exercendo

preferências políticas, ao invés de efetivar e concretizar os princípios constitucionais. Nas

palavras de Luis Roberto Barroso (2007, p.249) o grande papel do poder judiciário é

“resguardar os valores fundamentais e os procedimentos democráticos, assim como assegurar

a estabilidade institucional”.

Peter Häberle (1997) propõe a legitimidade democrática da decisão através da

participação do cidadão no processo de interpretação da Constituição, permitindo a

pluralidade de opiniões e reflexões, essas pessoas são denominadas pelo autor de “intérpretes

da Constituição da sociedade aberta”228. Para Peter Häberle (1997, p. 39-40) alcança-se a

democracia dos cidadãos com o desenvolvimento interpretativo das normas constitucionais,

ou seja, com a possibilidade da livre discussão do indivíduo e de grupos sobre as normas

constitucionais, para isso é necessária a participação dos interessados no processo

228 “O ‘Povo’ não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão. [...] Na democracia liberal, o cidadão é intérprete da Constituição! Por essa razão, tornam-se mais relevantes as cautelas adotadas com o objetivo de garantir a liberdade: a política de garantia dos direitos fundamentais de caráter positivo, a liberdade de opinião, a constitucionalização da sociedade, v.g., na estruturação do setor econômico público” (HÄBERLE, 1997, P. 39-40).

Page 128: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

127

constitucional de forma pluralista e multifacetária. Neste sentido, a sociedade se torna mais

aberta e livre porque todos estão potencialmente aptos a oferecer alternativas para a

interpretação constitucional e participar da elaboração da decisão que traduz a pluralidade da

realidade social.

Com a aproximação do constitucionalismo e democracia, característica do

neoconstitucionalismo, a Corte Suprema ganha uma posição fundamental na guarda da

Constituição Federal, cuja função é garantir a efetivação e concretização dos direitos

fundamentais, preservando a sua força normativa e superioridade em relação ao ordenamento

jurídico e aos demais ramos do direito. Assim, não basta existir uma Corte Suprema como

expressão da democracia, o órgão deve também interpretar o direito a partir dos novos

paradigmas da interpretação constitucional.

Diante da transcrição dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,

percebe-se que no discurso jurídico perpetrado não houve racionalidade e coerência, portanto,

carece de fundamento suficiente para edição da súmula vinculante. Além disso, durante a

discussão não houve debate com os interessados, resultando uma decisão puramente política e

não adentrando em profundos argumentos, deixando à margem a nova interpretação

constitucional da máxima efetividade dos direitos fundamentais e da unidade da Constituição.

Page 129: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como examinado ao longo desta dissertação, o direito não pode mais ser

interpretado de forma estática, apenas sob o seu aspecto formal e legalista, mas, sobretudo,

observando o seu sentido substancial, como característica advinda do movimento

neocontitucionalista, o grande propulsor dessa evolução e da nova hermenêutica baseada nos

princípios.

Atrelado ao constitucionalismo moderno, o Estado Democrático de Direito

encontra-se sustentado na reintrodução dos ideais de justiça e legitimidade, seguindo os

aspectos democráticos num regime de garantias positivas e concretas dos direitos

fundamentais. Nesta senda, o Estado não está apenas obrigado a respeitar os direitos

conferidos aos cidadãos, sob a forma de abstenção de condutas, mas também, deve está

obrigado a atuar positivamente com o objetivo de concretizar os direitos fundamentais.

Assim, o processo administrativo se apresenta como elemento essencial para

permitir a participação dos interessados e cidadãos nas decisões do Estado, coadunando-se

com os mandamentos da verdadeira democracia e limitação do poder estatal. Representa o

meio para que sejam preservados os direitos fundamentais dos cidadãos na atuação

administrativa, isso porque com a ampla processualidade, caracterizada pela consensualidade,

participação e legitimidade, o administrador se obriga a observar parâmetros determinados na

lei e nos princípios processuais constitucionais.

É preciso reconstruir a norma jurídica a partir da nova ordem de valores dos

princípios constitucionais e enfrentar os argumentos de que a mera subsunção mecânica da

norma que faculta a defesa técnica no processo administrativo disciplinar não atende ao

sentido e alcance do aspecto substancial do contraditório e da ampla defesa. Pois, configuraria

apenas uma defesa formal, sem qualquer substância técnica jurídica necessária para o

convencimento do julgador.

Apesar disso, o que se tem observado é a prevalência do posicionamento

formalista, atrelado ao pensamento do legislador na época da aprovação da Lei 8.112/90,

período em que o ato administrativo representava o modelo de administração pública

impositiva e a concepção de processo administrativo ainda estava em formação. Entretanto, a

realidade política e social mudou e o processo administrativo ganhou posição de destaque na

Page 130: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

129

administração pública, permitindo a ampla participação dos cidadãos no processo decisório

como forma de legitimação do poder estatal.

Em que pese ainda existir discussão doutrinária sobre a utilização da terminologia

processo e procedimento administrativo, atualmente, não há dúvidas de que a aplicação do

“devido processo legal”, bem como do contraditório e da ampla defesa, não se limitam ao

âmbito do Poder Judiciário, mas se estende ao Poder Legislativo e Executivo, formando um

núcleo processual comum.

Por essa razão, o contraditório e a ampla defesa não podem ter sua interpretação

reduzida quando da aplicação no processo administrativo disciplinar, uma vez que outros

princípios processuais constitucionais também se encontram albergados como da isonomia

processual, da assistência judiciária gratuita, da indispensabilidade do advogado para justiça

da decisão, e por isso devem ser aplicados tanto no processo judicial como no administrativo,

como forma de garantir a concretização do direito fundamental, prevalecendo sobre a norma

infraconstitucional e garantindo a proteção do cidadão contra o arbítrio do Estado.

Essa problemática é resolvida utilizando a hermenêutica constitucional através da

aplicação do princípio da máxima efetividade que atribui à norma constitucional a maior

eficácia aos direitos fundamentais, bem como da supremacia constitucional. Com efeito, a

garantia do contraditório e da ampla defesa nos processos administrativos disciplinares deve

ser interpretada a partir da Constituição, considerando a unidade do sistema jurídico. A norma

infraconstitucional em confronto com os valores constitucionais deve ser afastada em virtude

da supremacia constitucional. Daí então que se tem a constitucionalização do direito

administrativo, no qual as normas infraconstitucionais são interpretadas a partir da

Constituição Federal.

No enfoque substancial, o princípio do contraditório deve ser interpretado sob a

ótica mais democrática e social, já que deve permitir uma ampla participação dos sujeitos da

relação processual, possibilitando que esses sujeitos influenciem no resultado final e

legitimando o ato estatal, através da decisão administrativa. Assim, para que se efetive o

contraditório não basta que a parte tome ciência do processo e participe apenas sendo ouvida,

é também necessário que a parte tenha condições de poder influenciar na decisão, e para isso

necessita da manifestação técnica e jurídica da parte, com a possibilidade de interferir com

argumentos convincentes.

Page 131: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

130

Na realidade, a efetivação do contraditório é realizada com os meios de defesa

utilizados concretamente pelas partes no processo, podendo asseverar que a ampla defesa

corresponde ao princípio do contraditório no seu aspecto substancial. De modo que não há

efetivo contraditório sem ampla defesa, e nem ampla defesa sem contraditório, traduzido

como “as duas faces de uma mesma moeda”.

A efetividade do contraditório significa também o tratamento igualitário entre as

partes do processo, através da concretização da paridade das armas, sob os parâmetros de um

processo justo. Com efeito, compete ao julgador o dever de assegurar o contraditório, e às

partes o direito de ser concretizado, através da efetiva participação dos sujeitos do processo,

proporcionada pela bilateralidade e pela igualdade material.

A grande questão do processo administrativo disciplinar reside justamente no

poder hierárquico exercido pela administração pública em face dos seus servidores, que não

raras vezes exerce um poder político sobre eles. Muito embora esta relação jurídica processual

seja composta pela administração pública com duplo status, de juízo parcial da acusação e

julgador imparcial, a comissão processante ainda sofre fortes influências do poder, uma vez

que não possui as mesmas garantias de um magistrado.

É certo que nesta relação processual, a administração-acusação deve ser vista

como um sujeito com paridade de armas em face do servidor-acusado, para que seja realizada

com igualdade, portanto, deve ser afastado o sentido de superioridade do Estado. O equilíbrio

do contraditório entre as partes do processo encontra-se na possibilidade do servidor-acusado

utilizar os instrumentos de defesa para contrapor aos argumentos da administração-acusação

se valendo da defesa técnica para garantir a igualdade material.

A Constituição Federal de 1988, ao estender a abrangência do princípio do

contraditório e da ampla defesa também “aos acusados” no processo administrativo, ampliou

o núcleo processual ao âmbito do direito administrativo. Por isso, afirmar que não se trata de

qualquer defesa, mas uma defesa robusta, técnica, argumentativa com capacidade de

influenciar o julgador. Ainda mais em se tratando de processo disciplinar, que possui natureza

jurídica sancionatória.

É justamente por essa natureza punitiva do processo, decorrente do dever da

administração de punir e reprimir desvios de comportamentos dos servidores, que resultam as

afinidades com o processo penal. Pois, com a imposição de sanção administrativa, atinge-se a

esfera particular do indivíduo com uma decisão administrativa autoexecutável. Por essa razão,

Page 132: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

131

a defesa deve ocorrer de forma mais ampla possível, semelhante ao processo penal, por se

tratar de “acusados” perante um processo punitivo.

Partindo dos pontos semelhantes com o processo penal é que se pode afirmar a

possibilidade de aplicação dos princípios processuais atinentes ao poder punitivo do Estado,

como o da legalidade, da tipicidade, da irretroatividade, a culpabilidade, o non bis in idem, o

devido processo legal, bem como do princípio do contraditório e da ampla defesa, no âmbito

do processo disciplinar, porque, assim como no processo penal, a sanção tem por finalidade

prevenir e reprimir irregularidades.

Muito embora não haja previsão legal da obrigatoriedade do advogado no

processo administrativo disciplinar, não se pode vislumbrar uma formação de relação jurídica

válida sem a presença do advogado e a necessária defesa técnica, tendo em vista que

demonstra evidente afronta a igualdade das partes nesta relação processual de natureza

punitiva.

Apesar de todo o arcabouço jurídico e teórico, a Corte Suprema, que tem como

dever proteger a Constituição, entendeu de modo contrário, apresentando um posicionamento

eminentemente formal e legalista, e sem enfrentar os fundamentos que circundam a relação

jurídica processual ora debatida. É fato que a aprovação da Súmula Vinculante n. 05 se

verificou por motivos políticos, porque a sua finalidade principal estava no risco ou temor do

volume de demandas judiciais para anulação de processos administrativos disciplinares por

ausência de defesa técnica, em virtude da Súmula 343 editada pelo Superior Tribunal de

Justiça. Como consequência haveria um volume de serviços a serem abarcados pelo próprio

Estado, ao passo que a Administração Pública seria obrigada a remeter os processos para

defensoria pública, criando um assoberbamento de processos.

É cediço que o Estado não pode ser excluído da sua função positiva na

concretização dos direitos fundamentais. Com isso, o processo administrativo representa um

meio para que sejam preservados os direitos fundamentais dos cidadãos na atuação

administrativa, portanto, deve atuar positivamente disponibilizando o serviço de assistência

judiciária gratuita aos necessitados.

No contexto social da atualidade, momento em que se verifica um déficit de

moralidade administrativa, em virtude de casos de corrupção, fraude, tráfico de influência

dentro do poder público. O processo administrativo disciplinar, além de expressão da

democracia, surge como uma forma de atuação administrativa mais enérgica no combate a

Page 133: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

132

impunidade no Brasil, com a instauração e julgamento de servidor pela comissão processante

em decorrência da prática de infração administrativa.

O amadorismo e o improviso das comissões disciplinares têm como resultado a

anulação de processos administrativos perante o Poder Judiciário, principalmente em

decorrência da inobservância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Isso reflete um custo muito significativo para administração pública que em observância à

decisão judicial terá determinada a reintegração do servidor, com todas as suas garantias e

direitos que deixou de receber durante todo período em que se encontrava afastado do cargo.

Neste cenário, esta pesquisa pretende estimular a prática do processo

administrativo disciplinar mais eficiente e democrático, porque estão em jogo os direitos

fundamentais do cidadão servidor que diante da relação jurídica processual firmada entre

administração-acusação, servidor-acusado e administração-julgador, podem acarretar graves

restrições aos bens e propriedades dos indivíduos, causando prejuízos à parte e à

administração pública. Com isso, não se objetiva aumentar o corporativismo da profissão de

advogado, ou ainda garantir o seu mercado de trabalho, o que se propõe é resguardar os

direitos do cidadão servidor em relação à grande máquina administrativa.

Em suma, a concretização do Estado democrático de direito encontra-se ancorada

na efetividade do princípio do contraditório e da ampla defesa sob seu aspecto substancial,

também a ser observado no processo administrativo disciplinar. Para isso o poder público

deve permitir e possibilitar esta ampla processualidade administrativa, atuando positivamente

na concretização dos direitos fundamentais, para enfim, contribuir para a construção do

direito administrativo moderno sob as novas bases teóricas constitucionais.

Page 134: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

ALVES, Leo da Silva. A insegurança jurídica dos processos disciplinares. Consulex, Brasília, n. 11, ano XVIII, 15 mar. 2004.

ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, setembro/outubro/novembro, 2007. Disponível na internet em: http://www.direitodoestado.com/revista/rere.asp. Acesso em: 13 out. 2011.

___________. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2012.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

___________; HACHEM, Daniel Wunder. A necessidade de defesa técnica no processo administrativo disciplinar e a inconstitucionalidade da súmula vinculante nº 5 do STF. A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, v. 10, n. 39, jan./mar 2010.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. BARROS JUNIOR, Carlos S. de. Do poder disciplinar na Administração publica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

__________. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). A constitucionalização do direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). A constitucionalização do direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

___________. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência - por uma nova hermenêutica - por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

Page 135: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

134

___________. Do estado liberal ao estado social. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 1996.

BONFIM, Alberto. O processo administrativo: na teoria e na prática. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1967.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 05 fev. 2013.

BRASIL. Lei Federal n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 05 fev. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 434.059-3-Distrito Federal. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=547287 > Acesso em: 05 jan. 2013.

BRITO, Wladimir. Lições de direito processual administrativo. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008.

CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 10. ed. Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 1994. 2 v.

__________. Princípios fundamentais do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo García. El canon neoconstitucional. Madrid: Trotta, Instituto de Investigacione Jurídicas - UNAM, 2011.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal: comentários à lei n.9.784 de 29/1/1999. 4. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

__________. Manual de direito administrativo. 23. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: À luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Direito e processo disciplinar. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1966.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.

Page 136: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

135

CONTREIRAS DE CARVALHO, A. A. Processo administrativo disciplinar. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985.

________. Estatuto dos funcionários públicos interpretados. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1957. 2.v.

COSTA, José Armando da. Direito administrativo disciplinar. 2. ed. São Paulo: Método, 2012.

_________. Direito disciplinar: temas substantivos e processuais. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

CRETELLA JR., José. Prática do processo administrativo. 8.ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev. amp. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2009.

_________. Curso de direito administrativo. 5. ed. Salvador: Jus Podivm, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. Salvador: Jus podivm, 2007. 1 v.

____________; OLIVEIRA, Rafael. Benefício da justiça gratuita. 5. ed. Salvador: Jus Podivm, 2012.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1996.

ENTERRÍA, Eduardo Garcia; FERNÁNDEZ, tomáz- Ramon. Curso de derecho administrativo. 14. ed. Madri: Civitas, 2008.

ESPANHA. Lei n.º 07, de 12 de abril de 2007. Estatuto básico do empregado público. Disponível em: <http://www.usc.es/estaticos/normativa/pdf/eep.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2013.

ESPANHA. Lei n.º 30, de 26 de novembro de 1992. Regime jurídico da administração pública e do procedimento administrativo comum. Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/l30-1992.html>. Acesso em: 30 mar. 2013.

FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969.

FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2012.

Page 137: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

136

FERREIRA, Sérgio de Andréa. A garantia da ampla defesa no direito administrativo processual disciplinar. Revista de Direito Público, v. 5, n. 19, 1972.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2008.

________. Procedimento e processo administrativo. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Perspectivas do direito público. Estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 1. v.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o código de processo civil. São Paulo: Bushatsky, 1975.

___________. O princípio da ampla defesa. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 19, dez. 1982.

GUIMARÃES, Bernardo Strobel. A participação no processo administrativo. In: MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein (Org.). Atuais rumos do processo administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

GUASTINI, Riccardo. Estudios de teoria constitucional. México: Doctrina Jurídica Contemporánea, Instituto de Investigaciones Jurídicas – UNAM, 2001.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 1. v.

HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

LASSALE, Ferdinand. O que é uma constituição. Tradução de Walter Stönner. São Paulo: Edições e Publicações do Brasil, 1933. Acesso em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html >. Disponível em: 15 fev. 2013.

LESSA, José Sebastião. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância: doutrina, jurisprudência e prática. 5. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

___________. Direito administrativo disciplinar interpretado pelos tribunais. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.

Page 138: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

137

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido processo legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria Conceição Côrte-Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. Teoria geral do processo civil. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1986. 1.v.

MAZZA, Alexandre. Relação jurídica de administração pública. São Paulo: Saraiva, 2012.

MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

__________. Direito administrativo moderno. 15. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

__________. O direito administrativo em evolução. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MEIRELES, Edilton. Devido processo legal e relação de emprego (incidência do princípio do devido processo legal na relação de direito material). Revista de Direito do Trabalho, v. 125, jan. 2007.

________. Natureza normativa das súmulas dos tribunais superiores. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Org.). Processo e direito material. Salvador: Jus Podivm, 2009.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da constituição federal de 1988. Coleção Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

_________. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

MERKL, Adolfo. Teoría general del derecho administrativo. México: Nacional, 1975.

MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno: legitimidade, finalidade, eficiência, resultados. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

___________. Mutações do direito administrativo: novas considerações (avaliação e controle das transformações). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 02, junho/julho/agosto, 2005. Disponível em:<http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-2-JUNHO-2005-DIOGO%20FIGUEIREDO.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2013.

Page 139: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

138

MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: Princípios constitucionais e a lei 9.784/1999. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

MUKAI, Toshio. Neoconstitucionalismo e direito administrativo. In: QUARESMA, Regina; PAULA OLIVEIRA, Maria Lúcia de; RICCIO DE OLIVEIRA, Falei Martins. Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na constituição federal. 10. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

OLIANI, José Alexandre Manzano. O contraditório nos recursos e no pedido de consideração. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Garantia do contraditório. In: Garantias Constitucionais do Processo Civil. In: CRUZ E TUCCI, José Rogerio (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Constitucionalização do direito administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade administrativa e a legitimidade das agências reguladoras. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

________. Princípios do direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga. O mito da neutralidade do juiz como elemento de seu papel social. Evocati Revista. Ano 1, n. 9, set. 2006. Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=35 >. Acesso em: 30 jun. 2013.

PEREIRA DA SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 1996.

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito constitucional do trabalho. Salvador: Jus Podivm, 2009.

________. Da exigência de motivação dos atos administrativos discricionários. Evocati Revista. Ano 1, n. 5, maio 2006. Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=16 >. Acesso em: 30 mai. 2013.

________. O contraditório substancial e a atuação do juiz: uma nova leitura dos artigos 462 e 131 do código de processo civil Evocati Revista. Ano 1, n. 9, set. 2006. Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=19 >. Acesso em: 29 mai. 2013.

PORTUGAL. Lei n.º 58, de 09 de setembro de 2008. Estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas. Disponível em: <http://www.spn.pt/Download/SPN/SM_Doc/Mid_115/Doc_2232/Anexos/estatutodisciplinar.pdf> Acesso em: 30 jan. 2013. PORTUGAL. Lei n.º 15, de 22 de fevereiro de 2002. Código de processo nos tribunais administrativos. Disponível em:

Page 140: O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO … · carolina pereira barreto o princÍpio do contraditÓrio e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar aprovado

139

<http://www.stadministrativo.pt/pdf/CodigoDeProcessoNosTribunaisAdministrativos.pdf > Acesso em: 30 jan. 2013.

PORTUGAL. Decreto n.º 46982, de 27 de Abril de 1966. Estatuto do Funcionalismo Ultramarino. Disponível em: <http://dre.pt/cgi/dr1s.exe?t=dr&cap=1-1200&doc=19660709%20&v02=&v01=2&v03=1900-01-01&v04=3000-12-21&v05=&v06=&v07=&v08=&v09=&v10=&v11=Decreto&v12=46982&v13=&v14=&v15=&sort=0&submit=Pesquisar> Acesso em: 29 jan. 2013.

POZZOLO, Susanna. Reflexiones sobre la concepción neoconstitucionalista de la Constitución. In: CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo García. El canon neoconstitucional. Madrid: Trotta, Instituto de Investigacione Jurídicas - UNAM, 2011.

REIS, Palhares Moreira. Processo disciplinar. 2. ed. rev. atual. Brasília: Consulex, 1999.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução Rolando Roque da Silva. Ridendo Castigat Mori. Disponível em:<www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2013.

SCHIRATO, Vitor Rhein. O processo administrativo como instrumento do estado de direito e da democracia. In: MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein (Org.). Atuais rumos do processo administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. São Paulo: Malheiros, 1997.

__________. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

STAFFEN, Márcio Ricardo; CADEMARTORI, Daniela Mesquita Leutchuk de. A função democrática do princípio do contraditório no âmbito do processo administrativo disciplinar: aproximações entre Elio Fazzalari e Jürgen Habermas. Direitos Fundamentais & Justiça, n. 12, jul./set. 2010. Disponível em: <http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/12_%20Dout_Nacional_8.pdf>. Acesso em: 15 abri. 2013.

TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989.

VAROTO, Renato Luiz Mello. Prescrição no processo administrativo disciplinar. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.