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O PRISIONEIRO DO CÁUCASO...O PRISIONEIRO DO CÁUCASO Um fidalgo servia no Cáucaso como oficial. Chamavam-no Giline. Uma vez, chegou-lhe uma carta de sua mãe dizendo assim: "Estou

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LIEVTOLSTÓI

OPRISIONEIRODOCÁUCASO

FREEBOOKSEDITORAVIRTUAL–CLÁSSICOSESTRANGEIROS

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Título:OPRISIONEIRODOCÁUCASO

Autor:LievTolstói(1828–1910)

Traduçãoeadaptaçãodeautordesconhecidodoiníciodoséc.XX.Apresentenarrativa, versão condensada e adaptada de “Kavkazskii Plennik”, foipublicada originalmente na revista “Eu sei tudo”, edição de julho de 1924.Atualizou-seaortografiaefizeram-sepequenasadaptaçõestextuais.

Imagemdacapa:IlyaYefimovichRepin(1844-1930)

Leiautedacapa:Canva

Série:ClássicosEstrangeiros–vol.17

Editor:FreeBooksEditoraVirtual

Site:www.freebookseditora.com

Direitosdaobraeda tradução:Original e traduçãodedomíniopúblico (art.41, caput e art. 40, “caput” e parágrafo único da Lei nº 9.610, de 19 defevereirode1998)

Direitosdaadaptaçãotextual:©PauloSoriano.Proibidaareproduçãosemautorizaçãopréviaeexpressadoeditor

Ano:2017

Sitesrecomendados:

www.triumviratus.net,www.contosdeterror.com.br

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SumárioOPRISIONEIRODOCÁUCASO

SOBREOAUTOR

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OPRISIONEIRODOCÁUCASOUmfidalgoservianoCáucasocomooficial.Chamavam-noGiline.Uma

vez, chegou-lhe uma carta de suamãe dizendo assim: "Estoumuito idosa edesejotornaraver-teantesdemorrer.Vempassarcomigoopoucotempoquemerestadevida.Depois,quandoeuestivermorta,poderásvoltarateuserviço.Encontrei-teumanoiva,umamoçaqueéinteligente,boaetemalgumafortuna.Pode ser que ela te agrade e, se casares com ela, poderás ficar aqui parasempre”.

Giline teve ummomento de hesitação. De fato, sua mãe já não podiadurarmuito.Seelenãoatendesseaesseapelo,talveznuncamaisavisse...

Foi procurar seu coronel, obteve uma licença, despediu-se de seuscamaradas, ofereceu a seus soldados quatro barricas de vodca e dispôs-se apartir.

Ora,haviaentãoguerranoCáucaso.Nãosepodiaandarpelasestradasnem de dia nem à noite. Quando um russo saía das fortalezas, os tártarosmatavam-no ou levavam-no para as montanhas. Por isso, todas as semanas,saíam escoltas de fortaleza em fortaleza para assegurar o percurso dos queprecisavamviajar.

Eraverão.Aoalvorecer,organizou-seacaravanadiantedafortalezaquese pôs emmarcha comos primeiros raios do sol.Giline ia a cavalo e umacarriola levava suas bagagens. Mas o grupo ia tão lentamente que ele seimpacientou:"Meucavaloédosmelhores—pensouele.—Possomuitobemirsozinho.Seencontraralgumapatrulhatártara,nãomeserádifícildistanciá-la."

Deteve-se, hesitante. Kosta, um outro oficial, homem gordo, pesado evermelho,tivera,aoqueparece,omesmopensamentoeaproximou-se.

—Querestentaraviagemsozinho?Seoqueres,voucontigo.

—Vamos—disseGilineresolutamente.

E partiram a trote largo, de olhar alerta, obser vando a planície que seestendiaimensaemtornodeles.Mas,aofimdeumahora,aestepeterminou.Aestradametia-seentreduasmontanhas.

—Aquiéqueéprecisotercuidado—disseGiline.—Euvousubirum

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poucoparaversenãoháemboscadapreparada.

Seu cavalo era um animal de raça. Subiu como um gamo a ásperaencostae,malchegandoaoaltodeumcômoro,ooficialviu,acercademilmetros,uns trinta tártarosacavalo.Quis recuar,masos tártaros jáo tinhamvisto e correram em seu encalço. Giline lançou sua montaria pelo declive,bradandoaKosta:

—Alerta!Alerta!

Kosta perdeu a cabeça e, em vez de fugir, saltou do cavalo para seabrigaratrásdele,comaloucaideiadefazerfrenteaostártaroscomumasóespingarda. Giline lançou seu cavalo a galope em direção à planície naexpectativadealcançarossoldados.

Mas seis tártaros surgiram do outro lado domonte e galoparam paracortar-lheocaminho.

Era o desastre irremediável. Antes que pudesse refletir, Giline viu-tecercado. Tirou o sabre e precipitou-se para o inimigo mais próximo, umgigante com grande barba ruiva. Mas os outros fizerem fogo e as balasatingiramseucavalo,quecaiuquasedesúbito,prendendo-lheumaperna.

Seisbraçoslogooprenderam.Eletentouresistirainda,masostártarosbateram-lhecomascoronhasdascarabinaseeleperdeuossentidos.

Quandovoltouasi,estavaamarradoàgarupadohomemdebarbaruiva,comorostoencostadoasuascostasrobustas.

Caminharamtodoorestododiaepartedanoiteparachegarafinalaumacampamentonomeiodamontanha.

Durante trêsdias,deixaram-nosozinhoemumachoça infectaonde lheatiravamalimentosgrosseiroscomoaumcão.Apenasporduasvezeseleteveumavisitapiedosa.Umameninadedezadozeanos,vestidaeornadacomoumídolo, com o pescoço carregado de colares multicores, veio vê-lo e ficoulongashorasaseulado.

Falavaumpoucode russoe,comoGilinesequeixavade fome, trouxealguns bolos de milho que, em comparação com o regime a que estavasubmetido,pareceramdeliciosos.

Depois,informou-se.ElasechamavaDinaheerafilhadeAbdulMural,

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ochefedaquelebando tártaro.Essasvisitas foramoúnicoconsolo trazidoaGilineemsuainfectaprisão.Porfim,umanoitevierambuscá-loeolevaramàpresençadohomemruivo,queelesoubetratar-sedeAbdulMural.

O chefe só falava tártaro e, cercado por seus principais auxiliares,ordenou ao intérprete da tribo que transmitisse suas ordens: ele tinha queescreveràsuafamíliapedindotrêsmilrublosparaseuresgate.

—Não—disseGiline, resolutamente.—Eunão sou rico.Minhamãenão poderia pagar essa quantia.Omáximo que poderá dar é um resgate dequinhentosrublos.

— É pouco — declarou o intérprete. — O chefe diz que, se nãoescreverespedindotrêsmilrublos,mandaráchicotear-te.

Mas Giline sabia como se deve falar com tártaros. Sabia quemostrarreceiodiantedeleserapior.

Ergueu-seedisse,comarfurioso:

—Etu,dizateuchefeque,semecastigar,nãodareinemumcopeque.Poderáchicotear-meoumatar-me,masnãohádetercoisaalguma.

O intérprete traduziu e o chefe discutiu por algum tempo com seustenentes.Depois,voltou-separaGiline.

—UruseDgiquite(rapazvalente)—disseeleemsualíngua.—Dá-memilrublos.

—Quinhentosrublos;nemummais.Nemquemematem.

O chefe hesitou umpouco, depois deu umaordem.O intérprete saiu enãotardouavoltartrazendoKosta,esfarrapadoecomospésemsangue.

—Aíestá—disseochefe.—Aesteexigicincomilrubloseelejáes-creveuàsuafamília.

—Eleérico;eunãosou.

O chefe abriu uma caixa. Tirou umas folhas de papel, pena, tinta, pôstudodiantedeleedisse:

—Escreve.

Eraaaceitação.

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Gilineaproveitouasituação.

—Escreverei—disseele.—Mashásdedarroupasdecentesamimeameucompanheiro, tiraro torodemadeiraquenosacorrentaramàspernasedeixar-nosjuntos.

O chefe desatou a rir e concordou, menos com relação ao toro demadeira,que—declarou—apenasseriaretiradoànoite.

Giline, então, escreveu a carta, mas pôs-lhe um endereço falso,pensando: "Hei de arranjar um meio de fugir e minha mãe não precisarávendernossacasinhaparamelibertar.”

MalseviufechadoemcompanhiadeKosta,expôs-lheseuplano.Masoinfelizestavacomospéstãoferidosquetiveramdeesperarquaseummêsin-teiroparaqueelemelhorasse.Por fim,decidiram-se.Gilinefeznofundodachoça uma abertura bastante larga para que pudessem passar. E, depois defazerosinaldacruz,puseram-seemfuga.

Mas, ao fim de uma hora de jornada, os pés deKosta recomeçaram asangrar e ele pediu ao companheiro que o abandonasse. Giline, porém,persistiu. Haviam de salvar-se ou perder-se juntos. E por um longo trechocarregou o outro, arquejando de fadiga. Chegando a uma curva onde seiniciavaumdecliveásperoeduro,deteve-separarespirarumpoucoeouviuvozesatrásdesi.

Atirou-secomKostaparadentrodeumamoita.Dois tártarossurgiramdescendoaladeiraeteriampassadosemvê-lossenãoviessemcemumcão.Oanimaldescobriu-ospelofaroedenunciou-lhesapresença.

Trazidos de novo ao acampamento de Abdul Mural, sua existênciatornou-sehorrível.Destaveznão lhes tirarammaisos torosdemadeiradospés e os colocaram nãomais em uma choça,mas em um “silo”, uma covaaberta no chão em forma de funil invertido, isto é, com o fundo circular elargosobumaaberturamuitoestreita.

Nãoerapossívelsairdalisenãoiçadoporcordas.

Nodiaseguinte,Dinahveioajoelhar-seàbeiradacovaecontemplou-oscomardeprofundapiedade.

— Por que nãome salvas?— perguntou-lhe Giline, sem saber o quedizia.

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— Eles estão muito zangados contigo — disse a menina. — Muitozangadosporquetufugisteeporqueteusir mãosandamporperto.

Seus irmãos? Ela decerto se referia aos soldados russos. Teriam astropasganhadoter renoapontodeestarjánosarredoresdamontanha?

Umaesperançadeslumbrantedespontou-seemseucoração.

—Dinah...ouve—balbuciouelecomvozsuplicante.—Setenspenademim...traze-meumpau...Omaiscompridoquepuderesencontraraíporperto.

Ameninaafastou-secomarpensativoehesitante.Gilinedeixou-secairdejoelhoseoroucomprofundofervor.

Mas teve que esperar muito. Ouvia grande movimento em torno.Patrulhaschegavamepartiamacadainstante.Aspatasdoscavalosressoavampesadamentenochão.

Erajánoiteescuraquandoelesentiuterracairdabordadafossasobresuacabeça.Olhouparacimaeviuumavaraquedescialentamente.EraoqueDinah pudera encontrar: um cabo de lança tártara, longa e fina. Mas erabastantesólida.EGilinenãoerapesado.Despediu-sedeKosta,quenãopodiaacompanhá-locomospésinformesedoloridos,eagarrou-seàvara,tendoocuidadodecolocá-laomaisaprumoquelhefoipossível,afimdeevitarqueelavergasse.

Mas o peso do toro acorrentado a um de seus pés perturbava-lhe osmovimentos e por duas vezes ele caiu sem poder alcançar aborda. Por fim,conseguiu-o,e,retirandoavara,recomendouaDinah:

—Coloca-aondeaencontrasteparaquenãodesconfiemdeti.

Ela afastou-se, arrastando a vara. E Giline, apanhando no chão umapedracortante, tentouforçarocadeadodacorrenteparase livrardo torodemadeira.

Então,comonãoconvinhaperdertempo,pôs-seemmarcha,carregandootorodemadeira,afimdecaminharmaisdepressa.

Jáconheciaocaminhoeandouoitoverstes1,semhesitar.Mas,consegui-

riaalcançaraflorestaantesquealuasurgisse?

Atravessou um riacho e chegou às primeiras árvores quando a lua

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aparecia.

Sentou-se para repousar um pouco e de novo tentou abrir o cadeado.Suasunhassangraramemvãonessatentativa.Tevequeprosseguircarregandoo pesado toro. Era uma canseira tamanha que se tinha de deter a cada dezpassos.

Caminhou assim durante toda a noite, tendo encontrado apenas doistártarosacavalo.Masescondeu-seentreafolhagemenãofoivisto.

Aoamanhecer,estavaquasenolimitedafloresta.

Espreitou atentamente por entre as árvores e viu uniformes, carabinas.Eramcossacosqueestavamacampadosali,amenosdeumaverste.

Mas,juntodasárvores,bemperto,viutrêstártaros.

Elestambémovirameprecipitaram-se.

Giline, alucinado, delirante de pavor e esperança, precipitou-se pelaencostagritando:

—Irmãos!Irmãos!

AlembrançadaspalavrasdeDinahfazia-ochamarassimossoldadosdesuaraça.

Seusgritosforamouvidoseoscossacosacudiramagalope,obrigandoostártarosaumrecuoprudenteparaafloresta.

Duashorasdepois,ocomandantedasotnia2,informadoporGiline,fazia

umataquebruscoaoacampamentodostártarosparalibertarKosta.

*

Quandorelatavaessahistória,Gilineconcluía:

—Eisporquenuncamaisviminhamãe,nemmecasei.Erameudestino.

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SOBREOAUTOR

Pormuitosconsideradoomaiorromancistadaliteraturarussa,LievNikoláievichTolstói(1828–1910) deixou obras-primas inexcedíveis como “Guerra e Paz”, “Anna Kerenina” e “AMorte de IvanIllitch”. Deixou, também, diversas narrativas breves, entre as quais fábulas, apólogos e contos. “OPrisioneiro doCáucaso” foi escrito em 1872. Trata-se de um conto baseado um incidente real do qualTolstóitomouconhecimentoquandoservianoexércitorusso.

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Notes

[←1]Medidadecumprimentorussaequivalentea1067metros.Formaparalela:versta.

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[←2]Unidademilitarcossaca.