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O PROBLEMA DA INTERPRETAO JURDICA Facta non verba – fatos, no palavras! 1.1 Conceito A palavra “hermenutica” tem a sua raiz no deus da mitologia grega Hermes. A imagem do deus alado est ligada a “apoio, cipo, coluna” (BRANDO, 1987, p. 181). Os gregos, porm, davam-lhe um significado variado. Era conhecido, por exemplo, como smbolo de trapaa, astcia e ardil: “um verdadeiro trickester, um trapaceiro, um velhaco, companheiro, protetor de amigos e de ladres” (Idem, p. 195-196). Porm, parece que a misso de Hermes transcendia mediocridade humana: era o deus da interpretao. Hermes tinha a principal misso de traduzir e interpretar a vontade dos deuses aos homens e lhe eram, neste sentido, atribudas qualidades de “astcia e inventividade, domnio sobre as trevas”. Era o “logos, o sbio, o judicioso, o tipo inteli- gente do grego refletido, o prprio logos. Hermes o que sabe, por isso, transmite toda cincia secreta” (Idem, ibidem). Na antiguidade adota-se, em muitos textos, o vocbulo hermenutica. Aristteles, no Organon, considerou que o tema merecia um tratamento relevante, da o famoso livro Peri Hermeneias, “Da Interpretao”. O termo ainda encontrado em inmeros escritores antigos, como Xenofonte, Eurpedes, Epicuro, Lucrcio e Longino, dentre outros (PAL- MER, 1986). O uso dos termos hermenutica e hermenutico em sua origem est ligado a tor- nar compreensvel quando este processo envolve o uso da linguagem (Idem, p. 4). O meio de tornar compreensvel associado a Hermes. Este deus o mediador e portador de uma mensagem em que esto implcitas as trs vertentes bsicas do significado da palavra hermenutica. As trs orientaes que usam a forma verbal hermeneia para fim exemplificativo significam exprimir em voz alta, explicar e traduzir (PALMER, 1986). Saliente-se que estes significados podem ser expressos pelo verbo em portugus inter- pretar e, no entanto, cada um representa um sentido independente e relevante do termo interpretao. Hermenutica teolgica A preocupao teolgica de compreender e interpretar os textos bblicos j existia no antigo judasmo, na interpretao do Antigo Testamento. Nos sculos II e III a pa- trstica apresenta o problema hermenutico sob dois ngulos: de um lado, a Escola de Antioquia, que se atinha ao sentido histrico-literal da narrao bblica. De outro lado, a Escola de Alexandria, que procurava atingir um sentido espiritual mais elevado, em uma exposio simblico-alegrica (PALMER, 1986, p. 6). Na Idade Mdia, a compreenso patrstica das Escrituras dava aos textos sagrados uma feio especulativa e sistemtica, apesar de continuar a ser a orientao doutrin- ria o aspecto hermenutico-exegtico dos escritos bblicos. No comeo da Era Moder- na, o problema da interpretao dos textos se agrava, principalmente com o advento da Reforma Protestante. Segundo Lutero, a Bblia no deveria ser exposta conforme o ensino tradicional da Igreja, mas

o Problema Da Interpretacão

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Textos sobre a interpretação constitucional

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O PROBLEMA DA INTERPRETACAO JURIDICA

Facta non verba – fatos, nao palavras!

1.1 Conceito

A palavra “hermeneutica” tem a sua raiz no deus da mitologia grega Hermes. A imagem do deus alado esta ligada a “apoio, cipo, coluna” (BRANDAO, 1987, p. 181). Os gregos, porem, davam-lhe um significado variado. Era conhecido, por exemplo, como simbolo de trapaca, astucia e ardil: “um verdadeiro trickester, um trapaceiro, um velhaco, companheiro, protetor de amigos e de ladroes” (Idem, p. 195-196). Porem, parece que a missao de Hermes transcendia a mediocridade humana: era o deus da interpretacao. Hermes tinha a principal missao de traduzir e interpretar a vontade dos deuses aos homens e lhe eram, neste sentido, atribuidas qualidades de “astucia e inventividade, dominio sobre as trevas”. Era o “logos, o sabio, o judicioso, o tipo inteli- gente do grego refletido, o proprio logos. Hermes e o que sabe, por isso, transmite toda ciencia secreta” (Idem, ibidem).

Na antiguidade adota-se, em muitos textos, o vocabulo hermeneutica. Aristoteles, no Organon, considerou que o tema merecia um tratamento relevante, dai o famoso livro Peri Hermeneias, “Da Interpretacao”. O termo ainda e encontrado em inumeros escritores antigos, como Xenofonte, Euripedes, Epicuro, Lucrecio e Longino, dentre outros (PAL- MER, 1986).

O uso dos termos hermeneutica e hermeneutico em sua origem esta ligado a tor- nar compreensivel quando este processo envolve o uso da linguagem (Idem, p. 4). O meio de tornar compreensivel e associado a Hermes. Este deus e o mediador e portador de uma mensagem em que estao implicitas as tres vertentes basicas do significado da palavra hermeneutica. As tres orientacoes que usam a forma verbal hermeneia para fim exemplificativo significam exprimir em voz alta, explicar e traduzir (PALMER, 1986). Saliente-se que estes significados podem ser expressos pelo verbo em portugues inter- pretar e, no entanto, cada um representa um sentido independente e relevante do termo interpretacao.

Hermeneutica teologica

A preocupacao teologica de compreender e interpretar os textos biblicos ja existia no antigo judaismo, na interpretacao do Antigo Testamento. Nos seculos II e III a pa- tristica apresenta o problema hermeneutico sob dois angulos: de um lado, a Escola de Antioquia, que se atinha ao sentido historico-literal da narracao biblica. De outro lado, a Escola de Alexandria, que procurava atingir um sentido espiritual mais elevado, em uma exposicao simbolico-alegorica (PALMER, 1986, p. 6).

Na Idade Media, a compreensao patristica das Escrituras dava aos textos sagrados uma feicao especulativa e sistematica, apesar de continuar a ser a orientacao doutrina- ria o aspecto hermeneutico-exegetico dos escritos biblicos. No comeco da Era Moder- na, o problema da interpretacao dos textos se agrava, principalmente com o advento da Reforma Protestante. Segundo Lutero, a Biblia nao deveria ser exposta conforme o ensino tradicional da Igreja, mas apenas compreendida por si mesma (idem, p. 7). Tal principio representa a mudanca de uma interpretacao baseada na autoridade eclesiastica para uma interpretacao fundada no conhecimento direto do cristao com a “Palavra de Deus”, sem a intermediacao da Igreja. Todavia, os problemas nao param por ai. Com a influencia do Iluminismo, que penetrou no dominio da teologia pro- testante, “mostra-se claramente a tendencia a reduzir o cristianismo ao plano de uma religiao da razao natural e, portanto, excluir o carater de Revelacao sobrenatural e de misterio” (idem, p. 7).

O seculo XIX presencia, alem dos ataques do Iluminismo, o inicio da pesquisa his- torica e historico-religiosa ao estudar o Oriente Antigo, suas linguas, literaturas, reli- gioes e seus mitos que revelam uma tendencia a questionar os dogmas da fe. A investi- gacao historico-critica do seculo passado mostra muitas vezes a tendencia a nao apenas voltar-se a tradicao de interpretacao eclesiastica da Biblia e das doutrinas de fe que dai dimanam, mas, tambem, eliminar todo acontecimento sobrenatural, toda revelacao di- vina historicamente acontecida e contida nas escrituras (CORETH, 1973, p. 9).

Contra as investidas do Iluminismo e do movimento historico-critico, natural- mente, levantaram-se vozes de defesa e preservacao do conteudo salvifico das Es- crituras, como o teologo Karl Barth, ja no inicio deste seculo. Outro teologo volta a imprimir, aos textos biblicos, uma reflexao historico-filosofica da maior relevancia, nao so para a

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teologia, mas para o estudo da hermeneutica, de modo geral. Trata-se de Rudolf Bultmann que, ao se valer do metodo historico-critico, mediado pela filosofia, propunha a desmitologizacao dos escritos do Novo Testamento. Ou seja, ensinava que as mensagens dos evangelhos estavam cheias de mitos nao alcancaveis para o homem moderno. Era preciso, entao, desmitologizar a mensagem crista, para que se revelasse o contexto antropologico-existencial do homem moderno no mundo. Dai a ligacao de Bultmann com Heidegger: É essa interpretacao da existencia humana, tirada de Heidegger, que Bultmann toma como base para a interpretacao da Escritura: um principio hermeneutico de sua compreensao da Biblia. Esta convicto de que a analise existencial de Heideg- ger, ou hermeneutica da existencia, fornece os conceitos objetivos e justos para falar da existencia humana (PALMER, 1986, p. 11).

Outras observacoes poderiam ser feitas, mas seria extrapolar o ambito deste traba- lho. O que e relevante salientar e a discussao sobre a interpretacao e a compreensao, que e uma inquietacao do espirito humano. Dar o sentido correto de uma determinada interpretacao impoe limites ao proprio conhecimento, que, como se viu, foi e e um de- safio para a teologia, bem como para os outros ramos do conhecimento.

1.3 Pressupostos filosoficos da interpretacao juridica

Antes de se estudar a hermeneutica juridica propriamente dita, e imprescindivel fazer uma introducao sobre a influencia da hermeneutica filosofica na formacao do estudo da interpretacao juridica. O pensamento filosofico dos quatro grandes teoricos da questao hermeneutica, a saber, Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer, foi precedido pelo trabalho realizado por Friedrich Ast (1778-1841) e Friedrich August Wolf (1759-1824), os quais influenciaram, principalmente, o pensamento de Schleiermacher.1 Friedrich Schleiermacher quando iniciou, em 1919, sua fase de conferencias sobre hermeneutica, considerava que havia varias hermeneuticas e que se deveria formular uma hermeneutica geral que pudesse ser a arte da compreensao e por meio dela interpretar qualquer texto que fosse: religioso, juridico, literario etc. Tal interpretacao seria uma obra de arte. A hermeneutica, na condicao de arte de compreender, nao e uma disciplina geral, mas, ao contrario, existe uma pluralidade de hermeneuticas que obedecem a setores especificos (SOTELO, 1982, p. 2).

Schleiermacher partia da demonstracao da hermeneutica relacionada com o indivi- duo, o ser concreto, existente e atuante no processo de compreensao do dialogo. A her- meneutica e, para ele, a arte de compreender e a distincao entre “falar” e “interpretar” passa a ser a base fundamental de sua hermeneutica. A compreensao ou a interpretacao vem a ser o processo de reconstrucao daquilo que o autor realmente disse ou escreveu (PALMER, 1986, p. 23).2 Todo o processo de compreensao e um circulo onde se dao voltas: o chamado circulo hermeneutico.

1 Para um estudo da hermeneutica filosofica, cf. o excelente livro de Palmer (1986). Esta obra contem um estudo aprofundado sobre hermeneutica filosofica, desde as raizes historicas ate as concepcoes mais moder- nas. Para um estudo da hermeneutica filosofica aplicada ao direito, recomenda-se a leitura de Lamego (1990), em que o autor faz uma reflexao filosofica da hermeneutica juridica em que aponta a relacao entre os filosofos que estudaram a hermeneutica e sua aplicacao ao pensamento juridico.

2 Afirma o autor, ainda, que “para Schleiermacher, a compreensao enquanto arte e voltar de novo a experi- mentar os processos mentais do autor do texto. É o reverso da compreensao, pois comeca com a expressao ja fixa e acabada e recua ate a vida mental que a produziu. Assim a interpretacao consiste em dois momentos interatuantes: o momento ‘gramatical’ e o ‘psicologico’ (no sentido lato de tudo aquilo que se inclui na vida psiquica do autor). O principio em que se assenta esta reconstrucao, seja ela gramatical ou psicologica, e o circulo hermeneutico”. A interpretacao, como o apreender dos processos mentais que o autor experimentou, pode ser comparada com a criacao no Direito da teoria denominada mens legislatoris, defendida por Savigny apos 1814. Para uma melhor compreensao acerca do tema, que sera retomado posteriormente, consultar Fer- raz Junior (1990), especialmente as p. 240-243.

3 Diga-se, ainda, que o “termo compreensao e reservado para designar a operacao na qual a mente capta a mente de outra pessoa. Nao e de modo algum uma operacao puramente cognitiva da mente, e aquele momen- to muito especial em que a vida compreende a vida” (idem, ibidem.)

Nas suas ultimas obras, Schleiermacher entende ser a hermeneutica a compreensao e interpretacao do estilo literario em que as abordagens gramaticais e psicologicas sao metodos intuitivos que centralizam o papel essencial

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da linguagem. A hermeneutica passa a ser uma interpretacao do estilo e e, com efeito, a compreensao total desse mes- mo estilo o objetivo principal e essencial da hermeneutica schleiermacheriana.

Em sintese do pensamento de Schleiermacher, a hermeneutica deixa de ser uma disciplina especifica de determinado ramo do conhecimento, a exemplo da Teologia, do Direito etc., para se transformar na “arte de compreender uma expressao linguistica” (Idem, p. 100). Todavia, apos a morte de Schleiermacher, em 1834, a preocupacao com a construcao de uma hermeneutica geral ficou em segundo plano. A hermeneutica passa a ser identificada com os limites de uma disciplina particular e e subdividida em inter- pretacao historica, filosofica ou juridica.

Continuador da obra de Schleiermacher, Wilhelm Dilthey (1833-1911) acreditava que “a compreensao” era a palavra-chave para os estudos humanisticos. A explicacao e para as ciencias. A abordagem dos fenomenos que unifica o interno e o externo e a com- preensao. As ciencias explicam a natureza, e os estudos humanisticos compreendem as manifestacoes da vida (idem, p. 105). A hermeneutica era uma teoria da compreensao – e nao somente da interpretacao do texto –, mas, principalmente, era a tentativa de entender a vida que se revela e se exprime nas obras. A compreensao e a operacao por meio da qual a mente humana consegue captar a mente ou o espirito do autor. Nao e, porem, cognitiva, mas apreensiva. A compreensao (idem, p. 112)3 e o processo mental pelo qual se capta a experiencia humana vivida, que vai alem da teorizacao racional (CARDOSO, 1988, p. 3).

Dilthey esta preso ao cientificismo e a objetividade da Escola Historica, a qual tinha procurado ultrapassar. Renova-se, com ele, o projeto de uma nova hermeneutica que e contextualizada no horizonte da historicidade e sera objeto, ulteriormente, de um con- sideravel avanco. Dilthey estabeleceu os fundamentos do pensamento de Heidegger na temporalidade. Pode, com razao, ser considerado o pai da problematica hermeneutica contemporanea.

A questao fundamental na hermeneutica de Martin Heidegger (1988, p. 131) e a in- terpretacao do ser, nao no sentido da metafisica ocidental, mas como os proprios gregos a haviam concebido. Sua obra, Sein und Zeit4 (1927), e denominada hermeneutica feno- menologica do ser, mas ele proprio a designava hermeneutica do Dasein.5 Foi Heidegger quem cunhou a expressao “compreensao”.6 É o termo especifico de toda compreensao- -interpretacao. Nos autores anteriores, procedia-se a compreensao sem pressupostos. Em Heidegger isso e impossivel, se nao houver um pressuposto: a interpretacao nunca e a captacao sem pressupostos de algo previamente dado, principalmente com a relacao sujeito-objeto, ou seja, sao por meio de pressupostos ja dados, admitidos ou nao, que se parte para a analise e compreensao. Logo, toda compreensao e temporal, intencional e historica, quer dizer, o dialogo pensante com o texto acarretara uma nova desoculta- cao, isto e, uma nova descoberta temporal. Ulteriormente, em suas ultimas palestras, acrescenta que a linguagem e, em si mesma, uma hermeneutica: a linguagem e a fala e esta e a interpretacao. Heidegger foi decididamente mais longe do que Dilthey. Este via na hermeneutica a base metodologica de todas as disciplinas humanisticas. Heidegger, ao contrario, acreditava que a hermeneutica aponta para o fato da propria compreensao nao por metodos historicos de interpretacao que superem os metodos cientificos. A dicotomia historico-cientifica a que Dilthey dedicou toda a sua vida e abandonada e passa-se a sustentar a posicao de que toda compreensao se radica no carater historico da compreensao existencial. Abre-se o caminho para a hermeneutica filosofica de Gadamer (idem, p. 140, 141).

Hans-Georg Gadamer e o herdeiro de Heidegger. Ultrapassa, porem, a fenomenolo- gia e a ontologia do ser no mundo heideggeriano ao defender uma ontologia da lingua- gem. Concebe uma hermeneutica dialetica com a superacao de todo o metodo e com a fundacao de toda a compreensao7 e interpretacao num conceito da distancia temporal. Acaba com a tensao do presente, passado, futuro e com a questao do juizo previo por- que faz uma critica ao conceito usual de historia para tentar compreender o autor e reconstruir o passado (SOTELO, 1986, p. 7). Enfatiza Gadamer o conceito historico e

4 Em portugues, ser e tempo.

5 Segundo PALMER (1986, p. 132), “Heidegger utiliza as raizes gregas das palavras phainomenon ou phainestai e logos. Phainomenon, diz Heidegger, significa “aquilo que se mostra, o manifesto, o revelado (das offenbare)”. Pha e semelhante ao grego phos e significa luz ou brilho, “aquilo em que algo pode se tornar manifesto, pode se tornar visivel”. Phenomena, portanto, e “o conjunto daquilo que se revela a luz do dia, ou que pode ser revelado, aquilo

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que os gregos identificaram simplesmente como ta onta, das Seiende, aquilo que e”. Portanto, a teoria hermeneutica em Heidegger significa que a interpretacao nao esta na mente humana, e sim nas ma- nifestacoes das coisas em si, com que deparamos a nossa frente ou da realidade que vem e se apresenta ao nosso entendimento.

6 Para Heidegger, “a compreensao e o poder de captar as possibilidades que cada um tem de ser, no contexto do mundo vital em que cada um de nos existe”. Nao e capacidade ou o dom especial de sentirmos a situacao de outra pessoa, nem e o poder de captar mais profundamente o significado de “alguma manifestacao da vida” (PALMER, 1986, p. 135).

7 Segundo Gadamer, “a compreensao nao se concebe como um processo subjetivo do homem em face de um objeto, mas sim como o modo de ser do proprio homem; a hermeneutica nao se define enquanto disciplina geral, enquanto auxiliar das humanidades, mas sim como tentativa filosofica que avalia a compreensao, como processo ontologico – o processo ontologico do homem” (PALMER, 1986, p. 168).

dialetico de experiencia (nos autores anteriores, a experiencia era de suma importancia para a interpretacao e compreensao) em que o conhecer nao e simplesmente um fluxo de percepcoes, mas um acontecimento, um evento, um encontro. Segundo Hegel, a experiencia e um produto do encontro da consciencia com o objeto. Gadamer, por sua vez, defende que a experiencia tem a sua realizacao dialetica nao no conhecimento, mas na abertura a experiencia e nisso se da a compreensao (PALMER, 1986, pp. 201-204).

Em Gadamer revela-se, portanto, um novo horizonte de consideracoes sobre a teo- ria hermeneutica a anunciar o comeco de um novo estagio frutifero no pensamento mo- derno sobre a interpretacao. Enquanto a hermeneutica de Heidegger ja concebe ontolo- gicamente o evento da compreensao, Gadamer desenvolve a ontologia da compreensao numa hermeneutica dialetica que poe em causa os axiomas fundamentais da estetica moderna e da interpretacao historica, o que fornece, por conseguinte, a base filosofica para uma critica radical as concepcoes da interpretacao que hoje dominam na critica literaria (SOTELO, 1986, p. 7).

O resultado do confronto e da assimilacao das posicoes ate aqui expostas deu lugar, no pensamento moderno, a duas posicoes sobre a interpretacao. Por conseguinte, ha, hodiernamente, no estudo hermeneutico, duas correntes bem definidas. As duas posi- coes doutrinarias sao representadas por dois pensadores que demarcam a discussao me- todologica moderna sobre a interpretacao. Sao eles Emilio Betti e Hans-Georg Gadamer (PALMER, 1986, p. 55).

Betti segue a orientacao filosofica de Dilthey. Propoe uma teoria que defende a autonomia do objeto em que e possivel apartar o sujeito do objeto interpretado. Deste modo, e possivel a defesa de uma interpretacao historicamente valida (idem, p. 67).8 Gadamer,9 ao contrario de Betti e inspirado em Heidegger, entende que a compreen- sao e um acontecimento historico. O sujeito e o objeto interpretado se relacionam de maneira intima em que o interprete participa ativamente do processo de interpretacao. Nao e possivel, neste caso, falar-se em neutralidade, uma vez que e impossivel ao sujei- to-interprete investigar e descobrir os fatos fora da historia (idem, ib).10

8 Diz o autor, ainda, que Betti “procura o que e pratico e util para o interprete. Pretende normas que distin- gam uma interpretacao certa de uma interpretacao errada, que diferenciem um tipo e outro de interpretacao” (Idem, p. 67).

9 Gadamer (1998, p. 38) afirma que Dilthey nao logrou exito na tentativa de resolver o problema que inten- tou justificar, qual seja, legitimar as ciencias humanas, tornando-as iguais as ciencias da natureza. Segundo Gadamer: “o esforco de Dilthey para compreender as ciencias humanas a partir da vida – e comecando pela experiencia vivida – nunca se afinou verdadeiramente com a concepcao cartesiana da ciencia de que ele nao soube se desfazer. Por mais que quisesse enfatizar as tendencias ‘contemplativas’ da vida mesma, a atracao desse algo ‘solido’ que a vida comporta, sua concepcao de objetividade, que ele reduz a objetividade de ‘resul- tados’, permanece ligada a uma origem que e muito diferente da experiencia vivida”.

10 “Diga-se, ainda, que a preocupacao de Gadamer, no mesmo entendimento de Heidegger, esta nas se- guintes indagacoes: qual o carater ontologico da compreensao? Em que especie de encontro com o Ser esta implicado o processo hermeneutico? Como e que a tradicao e a transmissao do passado entram no ato de compreensao de um texto historico e o podem moldar?” (idem, ibidem.).

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Gadamer esta convencido de que e impossivel um conhecimento objetivo que colo- que o interprete na condicao de espectador ausente do cenario, imune a qualquer tipo de contato com o mundo exterior. Betti, por outro lado, ao negar o dogma do preconcei- to objetivo, diz que Heidegger e Gadamer “sao os criticos destrutivos da objetividade e que pretendem mergulhar a hermeneutica num pantano de relatividade, sem quaisquer regras” (idem, p. 56).

O interesse de Betti nao partiu do desejo filosofico de uma avaliacao mais adequada da verdade de uma obra de arte (como aconteceu com Gadamer) ou de um desejo de chegar a uma compreensao mais profunda do ser (como aconteceu com Heidegger) ou da obrigacao de alcancar a total compreensao da palavra biblica (como em Bultmann e em Ebeling). Betti queria distinguir os diferentes modos de interpretacao das discipli- nas humanas e formular um corpo basico de principios, com os quais se interpretassem as acoes dos homens e os objetos. Dai afirmar-se que, qualquer que seja o papel da subjetividade da interpretacao, o objeto mantem-se objeto e pode-se tentar fazer dele e realizar com ele uma interpretacao objetivamente valida.

Gerhard Ebeling e Ernst Fuchs, discipulos de Bultmann, acentuam que o interprete esta sempre no seio da historia que quer interpretar e o sentido da historia esta em re- lacao com a compreensao que o interprete tem do futuro. A hermeneutica, dizem eles, tem que encontrar seu apoio na palavra evento. É a propria palavra que abre e mediatiza a compreensao: o fenomeno primario no dominio da compreensao nao e a compreensao da linguagem, mas a compreensao atraves da linguagem. Desta exposicao, dois pontos podem ser observados: primeiro, a atribuicao, a hermeneutica, da finalidade da remocao dos obstaculos a compreensao; em segundo lugar, a historia nao e um museu de fatos, mas uma realidade que se exprime com palavras.

As objecoes que Betti faz a obra de Gadamer sao, em primeiro lugar, que esta nao serve de metodologia ou de auxiliar da metodologia dos estudos humanisticos e, em segundo lugar, que ela poe em risco a legitimidade de se referir ao estatuto objetivo dos objetos de interpretacao e que, portanto, torna discutivel a objetividade da propria interpretacao.

Nesta polarizacao entre Gadamer e Betti estao presentes outros autores importan- tes, como Hirsch, aliado de Betti, e Bultmann e Ebeling, do lado de Gadamer. Segundo E. D. Hirsch, companheiro de Betti, a norma e o sentido verbal pretendido pelo autor. Este sentido verbal e imutavel, reprodutivel e fixo. A hermeneutica que nao lida com a validade nao e hermeneutica, mas qualquer outra coisa. Para este autor, o problema hermeneutico-filosofico e simplesmente o de determinar o sentido verbal pretendido pelo autor.

Rudolf Bultmann e um dos maiores teologos do seculo passado. A discussao feita por ele do problema hermeneutico sempre sera em termos de exegese de um texto trans- mitido historicamente. Bultmann entende que toda interpretacao da historia e guiada por um determinado interesse e se baseia numa compreensao previa do tema interpre- tado. Assim, toda interpretacao e dirigida por uma pre-compreensao do interprete. No que diz respeito, por exemplo, a historia, o historiador e uma parte do proprio campo que observa. O conhecimento historico, ele proprio, e um evento historico. O sujeito e o objeto da ciencia historica nao existem independentemente um do outro (PALMER, ibidem, p. 73). Nesta linha de raciocinio, e questionavel defender uma objetividade que nao implique no reconhecimento da subjetividade do interprete. Nao se pode propor, porem, uma interpretacao puramente subjetiva, mas, ao contrario, e preciso reconhecer, de acordo com Bultmann, a autonomia essencial do objeto e buscar-se um equilibrio entre a subjetividade do interprete e a estranheza do objeto (BLEICHER, 1980, p. 94).

Conclui-se que, filosoficamente, a questao da possibilidade do conhecimento ob- jetivo permanece. De um lado estao os que defendem a objetividade e consideram a hermeneutica a fonte teorica das normas de validacao. Do outro, apresentam-se os fe- nomenologos do evento da compreensao que realcam o carater historico deste “evento” e, consequentemente, as limitacoes de todas as pretensoes a um conhecimento objetivo e uma validade objetiva (idem, p. 73).

1.4 A interpretacao juridica e sua especificidade

A interpretacao juridica tambem e afetada pelas discussoes teologicas e filosofi- cas na medida em que realca as tensoes entre o sujeito e o objeto da compreensao. Compreender um texto legal nao e simplesmente descobrir os signos linguisticos a semelhanca do que se tenta fazer com uma obra de literatura, se e que e possivel fazer uma exegese textual descomprometida, ainda que seja de um poema. A busca de uma conceituacao de hermeneutica

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juridica nao e consensual porque ha inumeras definicoes da expressao “hermeneutica juridica”. Grande parte, nao obstante, procura interpretar racionalmente as leis. Interpretar seria “descobrir o sentido e o alcance da norma, pro- curando a significacao dos conceitos juridicos” (DINIZ, 2012, p. 380).

Carlos Maximiliano (2006, p. 9) e um dos representantes mais ilustres da herme- neutica classica e um dos mais citados nas obras dedicadas a interpretacao. É referencia obrigatoria nos cursos de direito, a despeito de sua doutrina no atual estagio do direito ter passado por diversas releituras criticas. Maximiliano doutrina que

interpretar e explicar, esclarecer; dar o significado de vocabulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressao; extrair, de frase, sentenca ou norma, tudo o que nela se contem. É da definicao de interpretacao que o conceito de hermeneutica se aclara. Interpretar e aplicar a hermeneutica. Porem, de acordo com a dogma- tica tradicional, interpretacao e hermeneutica adquirem sentidos diferenciados. Enquanto a interpretacao, como as artes em geral, dispoe de uma tecnica es- pecifica, orientada por regras e principios, a hermeneutica se vale do resultado dos trabalhos da filosofia juridica, fixando os novos processos de interpretacao (idem, p. 1).11

Tercio Sampaio Ferraz Jr. destaca-se por ser um autor que tem um pensamento intermediario entre a velha hermeneutica e a nova hermeneutica. Ferraz Junior nao e defensor da interpretacao formal. Antes enfatiza que a interpretacao e o resultado da intervencao do interprete comprometido com o processo de decisao. O conceito de interpretacao do Direito e um instrumento que intervem na sociedade e visa a decidi- bilidade. O jurista nao interpreta como se estivesse diante de um texto literario, sem nenhum compromisso aparente. Antes, o hermeneuta intervem para decidir, para a composicao de determinado conflito (2008, ibidem, p. 232).

A interpretacao como arte e tambem defendida por autores que se aproximam de uma abordagem mais racional do direito e estabelecem uma distincao entre hermeneu- tica e interpretacao. Linares Quintan (DANTAS, 1995, p. 83) entende que hermeneu- tica juridica e a disciplina cientifica que tem por objetivo o estudo e a sistematizacao dos principios e metodos interpretativos. A interpretacao, por seu turno, e a aplicacao da hermeneutica. Esta tem por missao fixar os principios que regem aquela. Enfim, a hermeneutica e a teoria cientifica da arte de interpretar

1.4.1 O valor atual do brocardo in claris cessat interpretatio ou o mito da autossuficiencia do texto legal

A clareza do texto legal seria uma das maiores conquistas de uma racionalidade ideal – a vitoria suprema do iluminismo – em que os legisladores seriam perfeitos e os aplicadores do direito simplesmente obedeceriam a vontade da lei. O iluminismo signi- fica “a emancipacao da razao” em que os direitos humanos sao “a ideologia depois do fim, a derrocada das ideologias, ou, para usar uma expressao em voga, a ideologia no fim da historia” (DOUZINAS, 2009, p. 20). Ora, a propria existencia da interpretacao ja denuncia que algo ininteligivel precisa se transformar em inteligivel, o que contraria o adagio medieval in claris cessat interpretatio. A origem do brocardo esta na ascensao do liberalismo politico em resposta aos glosadores que temiam “o arbitrio do juiz e ao respeito religioso ao texto da lei” (SILVEIRA, 1968, p. 41). A genese do apanagio se funda na certeza da inexigibilidade da interpretacao da lei inteligivel. Quer dizer que o exercicio hermeneutico so teria funcao ante as normas obscuras ou defeituosas. A clareza, porem, nao e requisito de indispensabilidade da interpretacao, conforme ensina Alipio Silveira:

se admitirmos o conceito de clareza como ausencia de duvidas – significado cer- to – poder-se-ia aceitar o brocardo, pois uma lei cujo significado e ausente de duvidas nao precisa ser interpretada. Mas ha a questao da imediatidade. Uma lei pode nao ter significado imediatamente perceptivel, mas so fixavel depois de operacao hermeneutica mais ou menos ardua, exigindo esclarecimento, para que o significado se torne claro. Uma vez esclarecido esse significado, e logico que cessa a interpretacao (idem, p. 40).

A licao epigrafada revela que a lei, para ser clara, pressupoe o exercicio hermeneu- tico. A lei nada mais e senao uma abstracao, somente transportada a compreensao pela interpretacao que transcende os limites filologicos. Dai a falacia do apego a literalidade porque a norma e a sintese de outros fatores sociais e nao subsiste na condicao de man- damento isolado. A lei nao deve ser interpretada exclusivamente de acordo com o seu conteudo linguistico. Antes, e imperativo buscarem-se as razoes morais motivadoras do texto em seu contexto social. A conclusao a que se chega e a de que, se fosse necessario adotar algum brocardo, acolher-se-ia o ensinamento “scire leges non hoc

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est, verba earum tenere, sed vim ac protestatem” (saber as leis nao e conhecer-lhes as palavras, porem sua forca e poder) (MAXIMILIANO, 2006, p. 34). Atualmente, porem, caiu em desuso a utilizacao do apanagio in claris cessat interpretatio (idem, p. 35).12

O processo hermeneutico e aplicado a todas as normas e parte do pressuposto de que nao ha norma suficientemente clara que prescinda da interpretacao e que a con- clusao sobre a clareza de determinado enunciado normativo e resultado do proprio processo interpretativo. Assim, para decidir se determinado texto e claro ou obscuro, bem como para decidir se determinada controversia e contemplada ou nao por certa norma, e imprescindivel, evidentemente, uma operacao intelectual. Pois bem, o nome dessa operacao e justamente o que se conhece por interpretacao. Nao ha qualquer diferenca entre a atribuicao de sentido que se da a um texto claro e outra atribuicao a um texto obscuro. Nos dois casos esta-se sempre diante de uma decisao sobre o significado de certas palavras (GUASTINI, 1995, p. 91-92). Segundo o conceito mais difundido de interpretacao, o termo significa simplesmente determinar o sentido de um texto. Cada atribuicao de sentido a um texto qualquer e uma especie de interpre- tacao. Para determinar um sentido de um texto e necessario interpreta-lo, quer dizer, a aplicacao do Direito e vinculada sempre a um processo de interpretacao que e me- diatizado por fatores linguisticos, morais, ideologicos, politicos, conforme se vera no transcorrer desta obra.

1.5 A superacao da tecnicca de subsuncao e o papel criativo do juiz

Linhas atras se afirmou que inexiste norma suficientemente clara que prescinda de interpretacao. Outra questao relevante e o debate sobre o papel do juiz na aplicacao do Direito. Em primeiro lugar, a referencia historica a separacao dos poderes consagrada pelo pensamento iluminista (artigo 16 da Declaracao dos Direitos do Homem e do Ci- dadao, de 26.8.1789) de que “toda sociedade, na qual a garantia dos direitos nao e asse-

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12 Segundo Carlos Maximiliano (idem, ibidem), “a nenhum jurista ficaria bem repetir hoje as definicoes de Richeri e Paula Batista. Os dominios da hermeneutica nao se estendem somente aos textos defeituosos; ja- mais se limitam ao involucro verbal: o objetivo daquela disciplina e descobrir o conteudo da norma, o sentido e o alcance das expressoes do Direito. Obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas, ambiguas ou isentas de controversia, todas as frases juridicas aparecem aos modernos como suscetiveis de interpretacao”.

urada nem a separacao dos poderes determinada nao tem Constituicao” (AZEVEDO, 1996, p. 110)13 marcaria um limite a uma suposta funcao criativa do juiz. A conviccao de que a criacao do Direito seria uma tarefa indelegavel do Poder Legislativo permeou todo o seculo XIX e principio do seculo XX e veio a solidificar-se num “modelo teorico puramente imaginario”.

A heranca historica do pensamento juridico, que ve no juiz “um ser privado de alma” cujas sentencas sao meramente “um texto exato das leis” (DUVERGER, 1996, p. 4),14 ainda sobrevive nos dias de hoje, conquanto o problema atual esteja mais voltado a questao sobre os limites da liberdade de decisao. Na atualidade, o problema diz respeito aos limites da liberdade de decisao do interprete. Porem, o legislador elabora a lei em abstrato, mas nao desce aos fatos concretos, nao vislumbra os casos particulares que demandam uma solucao particular. As funcoes do papel do legislador e do juiz sao bem delineadas por Recasens Siches (1972, p. 211), quando doutrina que o legislador, no seu ambito de competencia, detem amplos poderes para fixar normas gerais que considere mais justas e pertinentes. Ao reves, para cumprir uma lei ou um regulamento, o juiz ou o administrador deve transformar a regra geral em uma norma individualizada, com a modificacao dos preceitos abstratos e genericos em comandos concretizados individual- mente. É justamente este exercicio hermeneutico que se pode denominar interpretacao

juridica (idem, p. 210-211).

Nos sistemas politicos contemporaneos os textos normativos sao o resultado de uma atividade entre as diversas coalizoes que sustentam o governo. Assim, e uma ficcao falar de vontade do legislador ou da lei, porque o processo legislativo e a sintese de um processo complexo, que envolve a participacao de diversos atores, conforme doutrina de Riccardo Guastini (1995, p. 98).

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Par exemple, prenons le cas d’une loi qui nait a la suite d’un projet de loi propose par le gouvernement. D’apres le droit constitutionnel italien, le procede de for- mation d’une telle loi est le suivant: un technicien ou un groupe de techniciens redigent le projet; le ministre competent soumet le projet au Conseil des minis- tres; le Conseil des ministres approuve le projet; le President de la Republique autorise la presentation du projet aux chambres; dans chaque chambre, le projet est examine et modifie prealablement par une commission; ensuite, dans chaque chambre, le projet est encore modifie par des amendements proposes par les deputes ou les senateurs; et finalement, dans chaque chambre, chaque article du projet ainsi que le projet dans son ensemble est vote par une majorite variable. Qui est donc l’auteur de la loi?

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Diz, ainda, o autor que “a analise do pensamento de Montesquieu, procedida por Eisenmann e Althusser, conduz a conviccao de que nao concebeu ele uma rigida separacao dos poderes do Estado, mas uma combina- cao, fusao, ligacao dos poderes. Declara o mesmo Eisenmann no sentido do afastamento da ilusao ‘historica’ de que tivesse Montesquieu consagrado a separacao dos poderes” (idem, ibidem).

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14 Estas expressoes sao cunhadas por Montesquieu.

A discussao sobre a liberdade do interprete sera retomada posteriormente, prin- cipalmente quando forem abordados os principios fundamentais e a funcao politica do juiz, especificamente no capitulo quarto. Neste momento cabe apenas dizer que o processo legislativo e mediado por diversas vontades interdependentes e, as vezes, contraditorias. Um projeto de lei pode comecar com uma redacao e receber tantas emendas que se transformara num ato normativo diferente do que fora concebido originariamente. A lei quando promulgada e interpretada de acordo com diversas con- figuracoes politicas, economicas, culturais que dependem de diversas variantes no momento de sua aplicacao.