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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPUC-SP
JULIANA HOJAS DA SILVA
O programa Lugares de Aprender: a escola sai da escola – análise, dimensões e limites
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
SÃO PAULO2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPUC-SP
JULIANA HOJAS DA SILVA
O programa Lugares de Aprender: a escola sai da escola – análise, dimensões e limites
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do grau de MESTRE em Educação: História, Política, Sociedade sob orientação do Prof. Dr. Leda Maria de Oliveira Rodrigues .
SÃO PAULO2011
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4793251E3http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4793251E3
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais José Ernesto e Dercy pelo amor e apoio incondicional. Minha irmã Cintia
pela amizade e paciência.
Patricia (in memorian), Erika e Jussara pela amizade e por estarem ao meu lado durante uma
fase importante sem as quais não teria chegado aqui.
Aos professores do programa Educação: História, Política, Sociedade e ao colegiado por
terem me apresentado ao universo acadêmico.
À Elisabete Adania, secretária do programa pela educação e competência.
À colega Bianca Zucchi pelo estímulo e colaboração.
Aos demais colegas do programa pelas discussões e pela companhia nos muitos cafés que
tomei na PUC.
Aos professores Dra Darcy Raiça e Dr Luiz Carlos Novaes pelas indicações e sugestões no
exame de qualificação.
Agradeço especialmente à minha orientadora professora Dra. Leda Maria de Oliveira
Rodrigues pelas aulas, por servir de exemplo e pela confiança.
A “cultura”, supostamente, garantida pelo diploma escolar, é um dos componentes fundamentais do que faz o homem realizado em sua definição dominante, de modo que a privação é percebida como uma mutilação essencial que atinge a pessoa em sua identidade e dignidade de homem, condenando-a ao silêncio em todas as situações oficiais em que tem de “aparecer em público”, mostrar-se diante dos outros com seu corpo, sua maneira de ser e sua linguagem.
Bourdieu
Não hesito em declarar: o diploma é o inimigo da cultura.Paul Valéry
SILVA, Juliana Hojas. 2011. O programa Lugares de Aprender: a escola sai da escola – análise, dimensões e limites. Dissertação de Mestrado. Educação: História, Política, Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
RESUMO
Esta pesquisa elege como tema a relação escola , instituição cultural e o papel que a escola exerce na formação de hábitos culturais dos indivíduos. A partir do programa Cultura é Currículo da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo nos propomos verificar a relação entre a proposta e os conteúdos curriculares do Ensino Médio. Analisou-se o segmento do Cultura é Currículo denominado Lugares de Aprender: a escola sai da escola. O programa Lugares de Aprender promove o acesso de alunos e professores da rede estadual de ensino a museus, centros, institutos de arte, cultura e parques. Estabelece-se como problema de pesquisa: os fundamentos e ações educativas propostos pelo programa Lugares de Aprender estão garantidos pelos documentos do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEESP) atendendo as necessidades de ampliação da cultura? O objetivo geral da pesquisa é verificar de que forma o programa Lugares de aprender expressa (se estiver expresso) a concepção de cultura encontrada nos documentos curriculares. Os objetivos específicos são: identificar quais propostas pedagógicas estão incorporadas no texto do programa e quais os temas valorizados; analisar e confrontar a documentação produzida pelo programa Lugares de aprender: a escola sai da escola com os Parâmetros, Propostas e Orientações Curriculares do Ensino Médio. A análise foi realizada com base nos conceitos de capital cultural, cultura e currículo através das obras de Bourdieu, Eagleton e Sacristán. A pesquisa é de natureza empírica construída a partir da análise qualitativa dos documentos. A comparação entre os documentos curriculares selecionados e a proposta do programa Lugares de Aprender indicaram diferenças com relação ao papel que o professor deve desempenhar e ao princípio de autonomia presente na LDB. A proposta do programa Lugares de Aprender apresenta uma estrutura que não permite as escolas e aos professores participarem ativamente do programa Lugares de Aprender restringindo sua função a de executores desta proposta.
Palavras-chave: relação escola e instituição cultural, políticas públicas, currículo e cultura.
ABSTRACT
This research has selected as its main issues the relationship between the school and the cultural institution, and also the role that the school plays in forming the cultural habits of the individuals. Based on the programme known as Culture is Curriculum (Cultura é Currículo) of the Secretary of Education of the State of São Paulo, which proposes to articulate the curricular contents of primary and secondary education with cultural productions. There was the analysis of the segment of the Cultura é Currículo known as Places to Learn: The School Leaves the School (Lugares de Aprender: a escola sai da escola). The Lugares de Aprender programme promotes the access of students and teachers of Brazilian state schools to museums, centres, art institutes, culture in general and parks. The main problem of the research is established thus: are the fundamental principles and educational actions, as proposed by the Lugares de Aprender programme, guaranteed in the documents of the Ministry of Education (MEC) and the Secretariat for Education of the State of São Paulo (SEEP), and do they meet the needs for expansion of culture? The main aim of this research study is to check how the Lugares de aprender programme expresses (if this is indeed stated) the concept of culture as found in curriculum documents. The specific aims are those of identifying what pedagogical proposals are incorporated into the text of the programme, and what issues are valued, and then analyse and compare the documentation produced by the Lugares de aprender: a escola sai da escola programme with the parameters, proposals and curricular guidance for secondary education. The analysis was carried out based on the core concepts of cultural capital, culture and curriculum, through the works of Bourdieu, Eagleton and Sacristán. The comparison between the curricular documents selected and the proposal made by the Lugares de Aprender programme show differences in the role that the teacher should perform and also the principle of autonomy as present in the Brazilian General Education Law (LDB). The proposal made by the Lugares de Aprender programme presents a structure that does not allow the schools or the teachers to have an active participation in the Lugares de Aprender programme, restricting their own functions and also those of the executors of this proposal.
Key Words: Relationship between school and cultural institution, public policies, curriculum and culture.
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................................10
1. Sobre o programa Cultura é Currículo........................................................................25
a) Características.............................................................................................................25
b) Objetivos.....................................................................................................................26
2. Equipamentos Culturais...............................................................................................30
Capítulo I. Referencial Teórico - Definições
1.Capital Cultural.............................................................................................................35
2. Cultura........................................................................................................................44
a) seleção cultural............................................................................................................47
3. Currículo.....................................................................................................................50 a) O papel do professor na teoria curricular....................................................................56
Capítulo II. Procedimentos de pesquisa
1. Delimitação do campo.................................................................................................59
2. Definição do método...................................................................................................59
3. Instrumentos................................................................................................................59
4. Seleção dos documentos..............................................................................................60
5. As escolas selecionadas...............................................................................................61
a) Escola 'A'.....................................................................................................................64
b) Escola 'B'.....................................................................................................................65
Capítulo III. Produções Curriculares- Análise...........................................................68
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................84
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................87
ANEXOS.........................................................................................................................90
LISTA DE ABREVIATURAS
Cenp – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNE – Conselho Nacional de Educação
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
DRE – Diretoria Regional de Ensino
DE – Diretoria de Ensino
EJA – Educação de Jovens e Adultos
EM – Ensino Médio
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICOM- Conselho Internacional de Museus (Internacional Council of Museums)
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MAM – Museu de Arte Moderna
MEC – Ministério da Educação
Minc – Ministério da Cultura
MINOM – Movimento Internacional por uma Nova Museologia
FDE – Fundação Desenvolvimento da Educação
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCN EM – Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio
SEE – Secretaria Estadual de Educação
SEESP --Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação
Introdução
Esta pesquisa pretende analisar a relação entre escola e instituição cultural.
Utilizará como campo de pesquisa o programa Cultura é Currículo. Lugares de
Aprender: a escola sai da escola da Secretaria de Educação do estado de São Paulo.
Busca responder se os fundamentos e ações educativas propostos pelo programa
Lugares de aprender estão garantidos nos documentos do Ministério da Educação
(MEC) e da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEESP) e se atendem às
necessidades de ampliação da cultura.
Tendo por base as produções acadêmicas em que a relação instituição cultural1 e
escola foi abordada, podemos afirmar que o museu é uma instituição que, dentre as suas
atividades, promove educação (uma educação não-formal e destinada aos grupos não
exclusivamente escolares), a partir de uma pedagogia própria que aborda temas diversos
de acordo com o acervo da instituição em questão. Ou seja, existe uma prática
pedagógica nos museus que não é a mesma da escola, pois é composta de dinâmica e
recursos diferentes dos da escola. A escola como instituição de educação formal,
trabalha a partir de um currículo definido com temas explorados de acordo com uma
disciplina específica e é destinada às séries determinadas pela faixa etária. Lopes (1988)
ao estudar em sua dissertação o vínculo entre museus e propostas educacionais afirma
que:
Tratados no âmbito ora da Educação Popular, ora da Educação Permanente na literatura, os museus atuam no campo da educação não-escolar. Isto é, no campo de práticas educacionais que se dão fora do ensino regular e oficial do país a níveis de primeiro, segundo e terceiro graus. Guardam, porém, estreitas relações com práticas escolares. (Lopes, 1988. p. 38)
O interesse por estudar a relação escola e instituições culturais surgiu a partir da
minha experiência como educadora no setor educativo da exposição Memória do Gás,
gerida pela Fundação Patrimônio Histórico de Energia e Saneamento. Em contato
constante com instituições escolares de diferentes níveis de ensino (Fundamental,
1 Adotamos a definição de museu do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) órgão do Ministério da Cultura (MinC) que compreende museu como instituição que independente de sua denominação apresente características que cumpram funções museológicas. Nessa pesquisa utilizaremos a expressão instituição cultural como termo que abrange museus, centros de ciência, centros culturais, parques e outras instituições que se propõe a organizar, sistematizar e expor bens culturais.
10
Médio e Superior) de instituições municipais, estaduais e particulares, em 2008, a
exposição tornou-se parceira do programa Cultura é Currículo. Lugares de aprender: a
escola sai da escola.
O levantamento bibliográfico realizado no banco de teses da CAPES2 através
dos descritivos educação e museu, museu e escola, escola e educação não-formal
apontou 53 dissertações de mestrado, 11 teses de doutorado e 2 produções de mestrado
profissionalizante. A partir dos resumos do Banco de Teses da Capes e das teses e
dissertações defendidas na PUC-SP até o ano de 2010 foram selecionadas para leitura
completa as dissertações de mestrado LOPES,1988; MARTINS, 2006; CRUZ, 2008;
BARBOSA, 2010; TEIXEIRA, 2010 e as teses de doutorado GRISPUM, 2000 e
CAZELLI, 2005 todas defendidas em programas de pós graduação em educação. Lopes,
1988; a partir do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas
apontou o vínculo entre a origem do uso dos museus por grupos escolares e o
movimento da escola nova no Brasil. Cazelli, 2005 investiga quais as chances que os
jovens têm de acessar museus/instituições culturais através de algumas características.
Busca explorar o potencial explicativo dos capitais econômico, social e cultural no
aumento ou diminuição destas chances. Trabalha com as hipóteses (dentre outras):
• As possibilidades dos jovens de terem acesso a museus ou instituições culturais afins estão relacionadas com os capitais social e cultural com que eles podem contar. (Cazelli, 2005, p.35).
• Do ponto de vista escolar, a possibilidade de professores e escolas contribuírem para o estoque de capitais social e cultural que viabiliza o acesso dos jovens a museus ou instituições culturais afins são mediadas por aspectos das políticas culturais e educacionais que contribuem para aproximar ou afastar as escolas e seus estudantes dos equipamentos culturais. (Cazelli, 2005, p.36).
Através do resultado e dos dados da pesquisa de Cazelli, busca-se compreender
como políticas públicas podem contribuir, ou não, para aproximar escola e instituições
culturais. A pesquisa Ciência, cultura, museus, jovens e escolas: quais as relações? de
Cazelli envolveu 48 escolas (25 da rede particular e 23 da rede privada de ensino) 80
turmas de oitava série totalizando 2.298 alunos e 81 profissionais (entre professores,
coordenadores pedagógicos e diretores). Utilizou-se como instrumento de pesquisa
2 Relativos a teses e dissertações defendidas a partir de 1987 http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses acessado em outubro de 2009.
11
http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses
questionários que tiveram como base os conceitos de capital cultura e capital
econômico, buscando identificar fatores que favorecessem o acesso destes grupos de
jovens aos equipamentos culturais. A pesquisadora dividiu as escolas a partir de
características socioeconômicas medidas através de questionários respondidos pelos
alunos sobre a posse de bens familiares, práticas culturais familiares, disponibilidade de
leitura dos pais, escolaridade dos pais, recursos educacionais familiares, participação em
cursos extracurriculares e questionários respondidos pelos profissionais da escola sobre
recursos disponíveis na escola (também observáveis pelos pesquisadores) e dados sobre
formação profissional. A pesquisadora categorizou as redes privada e pública de ensino
revelando na escola pública municipal uma rede de ensino mais homogênea, reflexo das
políticas públicas e uma rede privada de escolas de perfis diferentes em razão da
natureza da instituição, mas principalmente dividida pela origem social dos alunos.
Classificou as escolas em níveis socioeconômicos a partir dos níveis socioeconômicos
dos alunos.
(...) o número médio de museus visitados (qualquer temática restrito) pelos estudantes das escolas particulares é maior do que o número médio dos pertencentes às escolas municipais. No entanto, o número médio de museus visitados pelas escolas municipais de nível socioeconômico baixo e alto é maior que o número médio das particulares de nível socioeconômico baixo . (Cazelli, 2005, p. 133).
Ou seja, as escolas particulares demonstraram uma relação proporcional
comparada com seu nível socioeconômico. Quanto maior o nível socioeconômico da
escola, maior o número de museus visitados. Em contrapartida, nas escolas públicas, o
número de museus visitados independe do nível socioeconômico da escola.
Individualmente, os alunos das escolas particulares visitaram mais museus do que os
alunos das escolas públicas, revelando-se assim, as práticas culturais de alguns alunos
estimuladas pela família.
Com base nos resultados encontrados, podemos dizer que para os alunos pertencentes à rede municipal, a escola é um contexto muito importante, não só para promover o acesso, mas para garantir um número maior de museus visitados. Para os alunos da rede privada, a família atua de forma mais marcante, garantindo o acesso e a quantidade de instituições culturais visitadas.(Cazelli, 2005,p.134).
12
Portanto, para os alunos das escolas municipais, a escola exerce um papel
predominante como agente que possibilita o contato com instituições culturais,
enquanto nas escolas particulares o papel de apresentar instituições culturais cabe à
família. Martins (2006) analisa a relação escola e museu através dos grupos escolares
que visitaram o Museu de Zoologia da cidade de São Paulo. Cruz (2008) e Teixeira,
(2010) trabalham com grupos de professores em museus de arte. Cruz (2008) comparou
a formação cultural dos professores ao potencial educativo do museu Lasar Segall, a
partir do uso dos professores do museu. Teixeira (2010) detecta a impressão dos
professores de diferentes regiões da cidade de São Paulo quando visitam o Museu de
Arte Moderna de São Paulo. Barbosa (2010) analisa o programa Lugares de aprender
através dos materiais didáticos produzidos pelo programa e sua relação com a disciplina
história. Barbosa procura compreender de que maneira o material didático produzido
pelo programa Lugares de Aprender colabora com a prática docente dos professores da
disciplina história. Utilizou como instrumento de pesquisa a análise do conteúdo dos
fascículos abrangendo compreensão dos textos e das imagens e dos relatórios de
acompanhamento de visitas de professores da rede estadual paulista em diferentes
espaços culturais. As análises dos documentos e fascículos apresentadas por Barbosa
(2010) analisam as informações dos materiais didáticos produzidos para o Ensino
Fundamental. Esta pesquisa analisa o conteúdo da proposta do programa Lugares de
Aprender produzida para o Ensino Médio. As duas pesquisas tratam de diferentes
aspectos do mesmo programa. A pesquisa realizada por Barbosa identificou um
programa anterior ao Cultura é Currículo com propostas similares a este elaboradas
pela mesma Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) no ano de 2005.
Segundo Barbosa os projetos do programa Cultura é Currículo:Os três projetos seguem uma tendência já iniciada em outro Programa Curricular, elaborado pela Coordenaria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), intitulado de Caminho das Artes, criado em 2005. Neste programa, além de serem contempladas as atividades apresentadas no Cultura é Currículo, foi oferecido, também, aos professores e alunos, a participação destes em apresentação de orquestras e em espetáculos de dança. O que diferencia os dois programas é que no programa Cultura é Currículo foi elaborado um material diversificado para subsidiar as intervenções dos professores, já no Caminho das Artes, foram produzidos materiais apenas para as atividades destinadas ao cinema e ao teatro, sendo, portanto, marcado pela ausência de materiais pedagógicos direcionados aos professores para a realização das outras atividades previstas. A partir desta constatação, podemos inferir que o programa
13
Cultura é Currículo foi elaborado com a finalidade de continuar e ampliar as iniciativas propostas pelo programa Cultura é Currículo (Barbosa, 2010. p.89).
Para Barbosa, os materiais didáticos produzidos pelo programa Lugares de Aprender
oferecem propostas e métodos críticos. O pesquisador afirma que os materiais
pretendem compensar a formação precária dos professores da rede estadual
sistematizando sua ação pedagógica (Barbosa, 2010. p.115). Esta dissertação aborda o
mesmo programa com o objetivo de analisar a relação documentos curriculares e o
conteúdo da proposta do Lugares de Aprender. A pesquisa de Barbosa chega à
conclusão que o material produzido pelo programa visa compensar deficiências dos
professores. A partir da referida afirmação, esta dissertação dialoga com a pesquisa de
Barbosa e propõe uma investigação com base nas produções curriculares e nos
conteúdos da proposta do programa.
Sobre a relação escola e bens culturais, as pesquisas na área da educação
levantaram hipóteses sobre quem e quais ações estimulam esta prática. Alguns discutem
o papel do professor como o principal responsável por incentivá-las. Cruz (2008), sobre
a relação formação cultural dos professores e percepção da potencialidade educativa dos
museus de arte concluiu que os professores aproveitavam a experiência de ter acesso às
obras de arte e consequentemente possibilitavam que seus alunos tivessem
aproveitamento igual e integral das obras de arte. Cazelli (2005), através de pesquisa
quantitativa medida por questionários, investigou quais as chances dos jovens
frequentarem museus de qualquer temática. Trabalhou a partir da hipótese de que as
chances de frequentar museus dependiam da 'quantidade' de capital cultural, social e
econômico que os jovens possuíam. A pesquisa foi realizado em escolas públicas e
privado no Rio de Janeiro, em diferentes níveis sociais e econômicos e apontou
algumas diferenças entre os alunos das escolas de ensino público e privado. As escolas
particulares e públicas foram divididas em nível social e econômico baixo e alto. Na
pesquisa que dentre muitos outros itens procurou extrair informações sobre escolaridade
dos pais, número de vezes que viu seus pais lendo em casa, recursos educacionais
presentes em casa (jornais, livros, jogos educativos, dicionários), cursos extra-escolares,
frequência a teatro, cinema etc. com a família. Também extraíram informações sobre a
estrutura da escola (recursos materiais educacionais/culturais) práticas culturais dos
profissionais da escola. “(...)nas escolas municipais não existe uma relação entre a prática
cultural dos profissionais e o número de museus visitados, enquanto nas unidades 14
particulares esta relação é evidente”(Cazelli, 2005. p151) Os resultados que mais
chamaram a atenção evidenciaram que, nas escolas públicas, independente do nível
socioeconômico da escola, os dados sobre recursos culturais/educacionais da instituição
escolar (segundo a pesquisa muito escassos) e práticas culturais não interferiram no
número de museus visitados. Nas escolas particulares, ao contrário, estes dados foram
proporcionais ao número de museus visitados.
Observando a distribuição das escolas das redes municipal e privada segundo a disponibilidade de recursos educacionais/culturais ou a prática cultural dos profissionais, ficou também evidenciado que embora as unidades da rede municipal tenham baixa disponibilidade destes recursos ou profissionais com baixa prática cultural não existe uma relação entre estes indicadores e o número de museus visitados. O fomento para o acesso a museus ou instituições culturais afins é uma política geral desta rede de ensino, reafirmando que ações, mobilização, investimentos e trocas que são estabelecidas para instituir a prática de visita estão associados às unidades escolares. (Cazelli,2005 p.184)
Como já mencionado anteriormente, nas escolas públicas o fator determinante
que possibilita a frequência aos museus é a ação de programas de políticas públicas. Os
dados da pesquisa também revelam que o número de museus visitados por escolas
públicas muitas vezes é maior que o número de visitas das escolas particulares. No
entanto, um número maior de visitas aos museus não interferiu no desempenho escolar
dos estudantes das escolas públicas (Cazelli, 2005). A pesquisa de Cazelli colabora para
essa dissertação a partir das informações sobre o papel das políticas públicas no acesso
de alunos da rede pública a museus. Segundo a autora os alunos provenientes de meios
com níveis socioeconômicos altos frequentam equipamentos culturais influenciados
pelo contexto familiar, ao contrário, a frequência dos alunos provenientes de níveis
socioeconômicos baixos a equipamentos culturais é diretamente dependente das ações
escolares, sendo a probabilidade desse acesso ser estimulado pela família muito menor
que para os alunos de níveis socioeconômicos mais altos.
Cruz (2008) verificou que professores que procuravam o museu de arte
espontaneamente para levar sua classe de alunos eram dotados de 'capital cultural
elevado' e os dados mostravam que estes frequentemente eram provenientes de meio
familiar com escolaridade elevada, estavam habituados a frequentar cinemas e teatros,
tinham facilidade para citar o último livro lido e/ou o pintor favorito. Estes também
eram os que, com maior frequência, tinham cursado a universidade pública e realizado
viagens ao exterior. Os professores que foram ao museu através das iniciativas públicas
15
foram os que com maior frequência vinham ao museu pela primeira vez e não
costumavam frequentar os demais equipamentos culturais (cinema, teatro, etc.).
Teixeira (2010) pesquisa a temática escola e museu e sua relação com as
desigualdades geográficas, econômicas e culturais. Através dos questionamentos de
Bourdieu, a autora busca responder como a posição social ocupada pelo professor na
hierarquia da educação e a situação geográfica da escola refletem a possibilidade de
adesão desse profissional a um programa de visitação de um museu de arte voltado às
escolas? A opinião do professor sobre a visita ao museu de arte expressa uma posição
de grupo (a posição social na hierarquia docente) e se a resposta reflete sua
familiaridade ou distanciamento com este bem cultural (Teixeira, 2010. p. 35). O campo
de pesquisa selecionado foi o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). A
pesquisadora utilizou dados do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal da
cidade de São Paulo (IDH-M) e relatórios contendo os resultados dos questionários
respondidos por professores da rede pública e privada de diferentes regiões da cidade de
São Paulo que visitaram o MAM com suas escolas como instrumentos de pesquisa. O
cruzamento de dados entre os dois instrumentos possibilitou apreender se a opinião do
professor sobre a visita ao museu reflete sua posição social, segundo a autora uma
hierarquia na educação pensada sob termos econômico, acadêmico e geográfico
identificando marcas de distinção social. A pesquisa elege como referencial teórico os
conceitos de capital cultural, econômico e social de Bourdieu e aponta como conclusão
que a análise dos questionários sugere que os professores da rede privada estão mais
familiarizados com os objetivos do programa proposto pelo MAM, confirmando a
hipótese de que a opinião dos professores reflete sua posição na hierarquia da educação
(medida através dos dados de remuneração salarial do professor e posição geográfica
em que a escola está alocada entre outros). A dissertação de Teixeira colabora para essa
pesquisa ao expor dados sobre a relação entre desigualdade cultural e escolar diante da
desigualdade social. Na análise das propostas do programa Lugares de Aprender e das
produções curriculares, a discussão sobre trajetória escolar e familiar será discutida
frente ao processo de assimilação e fruição cultural sob o conceito de capital cultural de
Bourdieu.
Ao longo do século XX, as instituições culturais têm se preocupado cada vez
mais em democratizar o acesso, aproximar-se da comunidade, formar um público
16
frequentador e promover educação a partir dos recursos que possuem. Nesses termos, o
público escolar ganhou visibilidade nesses locais.
Dentro do panorama nacional de museus, o público escolar configurou-se ao longo da implantação de serviços de atendimento educacional como um alvo, consciente ou não, das ações educacionais institucionais. O trabalho sistemático de atendimento a esse público sempre absorveu grande parte dos parcos recursos humanos das instituições, seja no atendimento monitorado a exposições, na preparação de materiais de formação específicos ou na teorização dos pressupostos e objetivos envolvidos nessa relação. (Martins, 2006, p. 12)
A origem dos museus se reporta às primeiras coleções particulares, ou os
primeiros “museus” onde se visava, sobretudo, preservar e conservar obras de arte,
utensílios tradicionais e objetos exuberantes para expor a título de curiosidade como
prática que pregava expor o desconhecido, esdrúxulo, curiosidades, o conhecimento
voltado para o exótico. Hoje, o trabalho coletivo para conservar e preservar objetos do
passado, obras de arte, artigos de uso científico, espaços de preservação ambiental, tem
entre seus principais objetivos, a intenção de divulgar, comunicar e possibilitar, através
de suas ações a construção de um conhecimento. A “vocação para a comunicação”,
“democratização do acesso” e “constituição de espaços democráticos” estão entre os
itens que caracterizam a definição do que é um museu. O Instituto Brasileiro de Museus
(IBRAM), órgão vinculado ao Ministério da Cultura no Brasil (MinC), define museu da
seguinte forma:
O museu é uma instituição com personalidade jurídica própria ou vinculada a outra instituição com personalidade jurídica, aberta ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento e que apresenta as seguintes características:I - o trabalho permanente com o patrimônio cultural, em suas diversas manifestações;II - a presença de acervos e exposições colocados a serviço da sociedade com o objetivo de propiciar à ampliação do campo de possibilidades de construção identitária, a percepção crítica da realidade, a produção de conhecimentos e oportunidades de lazer;III - a utilização do patrimônio cultural como recurso educacional, turístico e de inclusão social;IV - a vocação para a comunicação, a exposição, a documentação, a investigação, a interpretação e a preservação de bens culturais em suas diversas manifestações;V - a democratização do acesso, uso e produção de bens culturais para a promoção da dignidade da pessoa humana;VI - a constituição de espaços democráticos e diversificados de relação e mediação cultural, sejam eles físicos ou virtuais.
17
Sendo assim, são considerados museus, independentemente de sua denominação, as instituições ou processos museológicos que apresentem as características acima indicadas e cumpram as funções museológicas. Definição dada pelo Departamento de Museus e Centros Culturais - IPHAN/MinC - outubro/2005. (BRASIL, IBRAM, 2010)
Dessa forma, os equipamentos culturais procuram desenvolver um trabalho
voltado às atividades educativas, o que levou muitas instituições a construírem
estratégias com o objetivo de contribuir para formar um novo público frequentador de
instituições culturais e possibilitar o acesso mais democrático a diversas manifestações
culturais.
Sobre a relação museu, comunidade e educação a museóloga Bina (2007)
afirma em consonância com o Movimento Internacional para uma Nova Museologia
(MINOM): 3
A educação não-formal torna-se o foco central, exercida por equipe interdisciplinar no próprio museu, em escolas ou outros, buscando sempre uma interação dialógica que proporcione o despertar para a simbologia dos objetos expostos. Enfim, através destes elementos, o museu passou a exercer sua função social e priorizar a preocupação com o indivíduo, montando exposições atraentes, com poucos textos e etiquetas informativas das peças, utilizando termos compreensivos; a oferecer às escolas uma programação educativa diversificada, composta por visitas monitoradas em exposições, palestras, oficinas, cursos, concursos e exibições de vídeos, enfim, atividades que complementem os conteúdos programáticos escolares. (Bina, 2007, p. 04)
Segundo Martins, a partir dos anos de 1960 surgiram iniciativas através de
reuniões internacionais sobre museus que produziram documentos essenciais para esse
movimento, o que possibilitou iniciativas para aproximar museus e comunidade e nesse
sentido, uma aproximação com a escola.
É a partir dessas discussões que se acentua o entendimento do museu enquanto instituição de grande potencial educativo. Esse potencial declarado, presente desde meados do século XIX, onde vários museus foram cooptados para o esforço de instrução e popularização do saber, tomou um rumo que passou a englobar também a escola. As relações dessas duas instituições tiveram seu fomento incentivado por órgãos vinculados à educação e a pratica museológica, como a UNESCO e o próprio ICOM. Essa aproximação cedeu ao museu o papel de ilustrador dos conteúdos escolares, fato esse criticado pela ampla bibliografia atual sobre o papel educacional dos museus. (Martins, 2006, p. 10)
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 3 Movimento oficializado em 1985 no II Encontro Internacional-Nova Museologia/Museus Locais em
Lisboa, Portugal.
18
(UNESCO) e outros órgãos ligados aos museus e instituições de preservação cultural e
ambiental têm incentivado programas, projetos e políticas públicas que possibilitem o
trabalho voltado para o desenvolvimento de ações para preservação do patrimônio
cultural e ambiental. Essas propostas, na área da educação, resultaram em práticas
educativas denominadas Educação Ambiental e Educação Patrimonial:
O crescente interesse pelos problemas que ameaçavam a existência de vida no planeta encorajou a inclusão da educação patrimonial e ambiental nos currículos, de diversos níveis de ensino, no decorrer da década de 1990, em parte dos países signatários da Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). No Brasil, essa preocupação foi contemplada mediante a inclusão de temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCN/1998) e por meio da organização de novas grades curriculares das disciplinas dos cursos de graduação – conforme o Parecer do Conselho de Educação Superior (CNE/CES 13/2002). (Pelegrini, 2009, p. 16)
A Educação Patrimonial passou a ser foco de ação nos museus visto que estes
locais se caracterizam por pesquisar, preservar e comunicar ações ligadas ao patrimônio
cultural:
Para contemplar as práticas educacionais de museus de quaisquer naturezas, poderíamos pensar no conceito de “Educação para o Patrimônio”, que pode ser entendido como formas de mediação que propiciam aos diversos públicos a possibilidade de interpretar objetos de coleções dos museus, do ambiente natural ou edificado, atribuindo-lhes os mais diversos sentidos, estimulando-os a exercer a cidadania e a responsabilidade social de compartilhar, preservar e valorizar patrimônios com excelência e igualdade. A arte, enquanto bem patrimonial, tornando-se acessível a todos – por meio de metodologias adequadas à fruição, compreensão em sua multiplicidade de sentidos e estímulo à criação, revelará modos distintos de conhecimento.Tanto os Museus de História, como os de Ciência, como os de Arte, buscam formas de mediação que propiciam aos seus públicos a possibilidade de interpretar os objetos de suas coleções, atribuindo-lhes os mais diversos sentidos, estimulando-os a exercer, como cidadãos, a responsabilidade social de compartilhar, preservar e valorizar seus patrimônios. Os métodos serão muitos e sempre adequados às realidades de cada instituição, de cada acervo, de cada educador envolvido. Independente da tipologia do museu, o conceito de Educação para o Patrimônio poderia ser assumido para todos eles. (Grinspum, 2000, p. 30)
Segundo Koptcke (2002), o atendimento ao público escolar nos museus
representa uma tendência mundial que encontrou desde a década de 50 na UNESCO
incentivo para que os museus desempenhassem um papel relevante na dimensão cultural
do desenvolvimento. Nestes termos, novamente a questão da educação em museus está
19
vinculada à utilização de uma prática pedagógica denominada educação patrimonial,
como revela Martins:
É a partir principalmente do século XX que essa relação irá se desenvolver com mais força, com a entrada maciça de grupos escolares de todas as faixas etárias em todos os tipos de museus. Diversas questões contribuem para a composição desse panorama: a diversidade do acervo e as características comunicacionais de cada museu, a inserção temática dessa tipologia patrimonial nas necessidades e currículos escolares, questões políticas e legislativas de ambas as instituições, ideais e teorias educacionais e formação de profissionais – são alguns dos temas que parecem ser os mais recorrentes na literatura referente ao tema. Dessa forma, diversos tipos de relação, cooperação e parceria podem desenvolver-se entre museus e escolas. (Martins, 2006, p. 24)
Pelegrini (2009), a partir de estudo em que aborda o patrimônio cultural como
instrumento didático-pedagógico a ser aplicado na sala de aula, identifica nos conteúdos
das Cartas Patrimoniais4 uma longa trajetória de sugestões que visavam à promoção da
inserção do patrimônio em atividades educativas, tais como: Carta de Atenas de 1931, a
qual continha recomendação para que os educadores habituassem a infância e a
juventude para preservarem os monumentos de valor histórico; Declaração de Amsterdã
(1975) em que havia a sugestão de educar jovens no envolvimento de tarefas voltadas à
defesa do patrimônio; Carta Internacional para salvaguarda das cidades históricas
(1987) que continha recomendação para “a adoção de programas de informação
divulgados desde a idade escolar”.
Nessa linha, surgiram as referências à inclusão da educação patrimonial nos temas transversais dedicados à pluralidade cultural e ao meio ambiente, integrados à história e geografia, respectivamente. Essa medida visava, em última instância, estender os conhecimentos adquiridos pelos alunos aos demais membros das comunidades (Pelegrini, 2009. p. 102)
É possível identificar nas Orientações Educacionais Complementares aos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Humanas trechos que recomendam
visitar “lugares de memória” para favorecer o contato do estudante com a produção
cultural onde visam esclarecer as noções de identidades culturais múltiplas na sociedade
brasileira:
4Documentos produzidos pela Unesco em conjunto com outras instituições de preservação que elaboram propostas e diretrizes que visam preservar bens culturais dotados de valor para a humanidade.
20
Estabelecer relações entre o patrimônio histórico e cultural preservado do lugar em que vivem e as memórias e identidades locais, regionais, nacionais e mundiais, percebendo e criticando a predominância dos marcos históricos ligados às histórias dos grupos sociais dominantes, como critério de seleção e configuração do patrimônio a ser preservado. O educando reconhece, desse modo, a necessidade de ampliação do próprio conceito de patrimônio histórico e cultural, de maneira a abarcar a produção dos diferentes grupos sociais e os marcos que façam lembrar os acontecimentos significativos para esses grupos. (BRASIL. 2002, p. 75)
Através das referidas orientações complementares aos parâmetros curriculares
nacionais e outros trechos das orientações curriculares do Estado de São Paulo é
possível afirmar que a atuação e o incentivo de órgãos externos para que no Brasil (que
é um país com bens culturais materiais e imateriais tombados pela humanidade
inclusive cidades históricas, gêneros musicais e ecossistemas) sejam incentivadas ações
voltadas a um público jovem, portanto em idade escolar, pesou para que fossem
incluídas nos currículos oficiais medidas que incentivassem o professor trabalhar com
seus alunos assuntos referentes ao patrimônio cultural.
A região metropolitana da cidade de São Paulo dispõe de equipamentos culturais
(museus, bibliotecas, monumentos, parques públicos) distribuídos pela cidade e que a
princípio deveriam estar a serviço da população, com a função não somente de entreter,
mas de promover uma concepção de cidade pública e educar através da experiência e
diversidade cultural. Cruz (2008), em sua dissertação sobre a formação cultural dos
professores e suas percepções acerca das potencialidades educativas dos museus de arte
investigou os hábitos de frequência a espaços culturais de dois grupos distintos de
professores e procurou detectar como aqueles hábitos culturais foram formados. Através
da aplicação de questionários, Cruz (2008) investigou os hábitos culturais desses
indivíduos na infância (ação familiar) e verificou através dos dados que além do fator
constituição familiar, muitos professores haviam tido o primeiro contato com
instituições culturais através da escola, ou seja, a escola também se mostrou
determinante na construção do hábito de frequência a espaços culturais.
Nesses termos, é essencial discutir que papel a escola exerce na formação
cultural dos indivíduos e se esses hábitos incentivados pela escola prevalecem e
permanecem além do tempo e território escolar. Sobre o número de equipamentos
culturais segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Cazelli afirma:
21
Outro dado importante é o que mostra o número médio de equipamentos existentes nos municípios de cada Unidade da Federação (a média situa-se em 6, considerando os 17 equipamentos investigados pela pesquisa). Os estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro (maior média: 9 a 17), São Paulo e Mato Grosso do Sul formam um eixo, que somado ao Distrito federal correspondem à mais significativa presença de equipamentos culturais. Os estados da Região Sul, Ceará e Pernambuco apresentam uma média superior a seis equipamentos por município (7 a 8). As maiores carências são notadas nos estados de Tocantins, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte e Maranhão (média: 3 a 4). Segundo a pesquisa, a distribuição de equipamentos culturais segue a tradicional diferenciação socioeconômica dos estados brasileiros. (CAZELLI, 2005, p.26).
A pesquisa de Cazelli sobre as características associadas aos jovens e a seu
entorno (familiar e escolar) e as chances de acesso a museus ou instituições culturais,
teve como campo, a cidade do Rio de Janeiro, onde a desigualdade de distribuição de
equipamentos se repete.
(...) fica evidenciado que nos bairros nos quais residem 75,4% da população do Rio de Janeiro, existem apenas 73 equipamentos culturais (museus, centros culturais, teatros, cinemas e bibliotecas). Já o Centro, Zona Sul, Tijuca e Barra onde moram 24,6 % dos cariocas (área clara do mapa), dispõem de 483 destes aparelhos culturais. (Cazelli, 2005,p.31).
É indiscutível que museus e instituições culturais são lugares dotados de
inúmeras possibilidades de aquisição de informações, exercícios de leitura visual e
instrumentos de conhecimento. Segundo Koptcke (2001), atualmente na Europa e EUA
o público escolar representa aproximadamente de 15% a 30% do total de visitantes de
museus e centro culturais e, no Brasil, grupos escolares correspondem de 50% a 90%5
dos visitantes, variando de acordo com as características da instituição. Isto é, se, por
um lado, estes dados demonstram que a frequência de escolares em nosso país é muito
maior que em outros países, por outro lado, parecem expressar que essas ações não têm
surtido o efeito desejado na medida em que não favorecem o incremento destas
atividades quando se atinge a idade adulta.
Além disso, segundo alguns autores que se debruçaram sobre a relação museu-
escola, esse equipamento cultural faz parte do que se denomina de “educação não-
5 “dados coletados no cadastro de reservas do Centro de recepção do museu” KOPTCKE, Luciana Sepúlveda. Analisando a dinâmica da relação museu - educação formal. In: Caderno do Museu da Vida O formal e o não-formal na dimensão educativa do museu 2001/2002. O Museu da Vida situa-se no campus da Fiocruz da Fundação Oswaldo Cruz responsável pelo Observatório de Museus e Centros Culturais (OMCC) referência na realização de pesquisas e bases de dados no campo museal brasileiro.
22
formal”, em contraposição à “educação formal” que trabalha o desenvolvimento
cognitivo dos indivíduos, normalmente associado à instituição escolar. Diferencia-se,
por outro lado, da “educação informal”, na qual se adquire conhecimento de diversas
fontes por interesse, vocação, motivação própria, influência da mídia, possibilidade de
acesso, cotidiano, convivência, etc. Consideram-se os museus como integrantes da
“educação não-formal” na medida em que trabalham com o conhecimento de forma
intencional, mas que não está localizada nos espaços formais de educação. As
finalidades do museu poderiam, portanto, ser caracterizadas como educação não-formal,
já que não é escola, mas que não é informal, pois desenvolve ação educativa que tem
uma intenção pedagógica (KOPTCKE, 2002). Martins (2006) também categoriza esta
especificidade da finalidade educativa dos museus e instituições culturais:
A educação praticada nos museus guarda as características de acontecer fora do espaço escolar; trazer um caráter opcional, tanto no que se refere a intenção de aprender, como a de ensinar; trabalhar com características intrínsecas diferenciadas e não fornecer certificação. É interessante notar que muitas das definições coletadas pelos autores, assim como aquelas presentes na bibliografia pertinente, fazem uma categorização da educação não-formal a partir de uma oposição com a educação formal, escolar. Esse fato salienta a proximidade relacional entre os dois universos educacionais, alvos da presente investigação: a escola e o museu. (Martins, 2006, p. 37)
A cidade e seus equipamentos culturais deveriam estar a serviço de uma
educação que tem como centro a cidade, o que ela oferece e a relação entre seus
habitantes. No entanto, não é possível acreditar que a cidade oferece uma cultura
institucionalizada para que todos os habitantes usufruam dos equipamentos culturais de
maneira igualitária. Afinal, eles não estão distribuídos igualmente entre a região
metropolitana de São Paulo. A pesquisadora Isaura Botelho6 analisando os
equipamentos culturais na cidade de São Paulo, afirma “O que se revela é uma cidade
desequilibrada onde há uma baixa correspondência entre crescimento urbano e a
distribuição dos equipamentos culturais” (Botelho, 2003, p. 02).
A partir de indicadores7 sobre equipamentos culturais disponíveis na cidade de
São Paulo (centros culturais, espaços e casas de cultura) produzidos pela Secretaria
6 Doutora em ação cultural pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole/CEM do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento/CEBRAP.
7 Observatório Nossa São Paulo indicador: centros culturais, espaços e casas de cultura, fonte SEMPLA (Secretaria Municipal de Planejamento) 2006 e 2007.
23
Municipal de Planejamento e divulgados pelo Observatório Nossa São Paulo, no ano de
2007 a cidade contava com 36,11% destes equipamentos localizados na subprefeitura da
Sé e 20,83% na subprefeitura de Pinheiros, ou seja, mais da metade localizado em duas
das trinta e duas subprefeituras. Com base nos dados do IBGE (2000) Botelho no
mesmo artigo citado anteriormente expõe que
Salta aos olhos o fato de que a maior concentração de crianças e jovens entre 10 e 19 anos forma um cinturão em torno do município, em regiões praticamente desprovidas de equipamentos culturais, o que é um grave problema que ultrapassa o plano da cultura. (Botelho, 2003, p. 03)
Não ter acesso a bens culturais que fazem parte do patrimônio cultural da cidade
também é uma forma de exclusão, pois restringe a apropriação desse conhecimento a
segmentos sociais específicos, especialmente dos jovens que vivem na periferia de São
Paulo. É necessário refletir sobre o acesso de alunos das regiões mais carentes da cidade
às instituições culturais. Esse tema também visa discutir o papel que a escola tem na
formação cultural do indivíduo.
No artigo publicado por Lopes (1991) é dado que, a partir de 1932 no Brasil,
com o escolanovismo, o museu passa a ser visto como interessante para as práticas
escolares. Eles atuariam como aliados da escola na ilustração do conhecimento. A
autora aponta a Escola Nova como a origem do papel educacional assumido hoje pelos
museus.
Nessa época, em que todo educacional estava voltado para o interior das escolas e não mais para a ampliação da rede escolar, a preocupação pedagógica adentrou explicitamente os museus, influenciando-os para que passassem a dar prioridade ao apoio à escola. Nesse contexto, perderam terreno nos museus suas funções de disseminação de conhecimentos para público amplos, independentemente da escola. Em razão desse apoio, chegou-se até a propor a subordinação da escola ao museu. Em sua preocupação de colaborar com materiais que permitissem uma “fixação” dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula, particularmente no ensino de ciências naturais, Leontsinis (1959) chegou a propor que o ideal seria que algumas escolas fizessem uma “inversão currículo”, de modo que fosse possível atender a um número maior de escolas com exposições circulantes. (LOPES, 1991, p. 445)
Para a autora, atribuir a característica “escolarizado” ao museu é negativa “a
questão da contribuição dos museus à educação não deveria ser tratada como de
costume nem apenas do ponto de vista de enriquecer ou complementar currículos, ou
ilustrar conhecimentos teóricos” LOPES (1991, p. 453) enfatiza que os museus sejam 24
instituições de caráter único podendo contribuir com a escola sem reproduzir as práticas
escolares.
Marandino (s/d) discute a relação museu escola ao analisar especificamente
museus de ciências “Em linhas gerais, pode-se dizer que os museus trabalham com o
saber de referência tanto quanto a escola, porém dão a este saber uma organização
diferenciada, além de utilizarem linguagens próprias.” (Maradino, s/d, p. 93). Na mesma
linha, Grinspum (2000) concorda que a prática pedagógica no museu deve se diferenciar
da prática escolar:
O Museu, por outro lado, percebe que se relacionar com a Escola de hoje não significa mais prestar-se a ilustrar os conteúdos escolares. Ao contrário, são muitos os benefícios possíveis, porque além de propiciar acesso à cultura, ao desenvolvimento individual e coletivo, a Escola ajuda os educadores de museu a conhecerem como se ensina e como se aprende, a partir de pesquisas e reflexões na área pedagógica. E o museu torna-se um espaço cultural significativo, pois propicia o contato multisensorial com objetos de suas coleções ou exposições, possibilitando a expressão e desenvolvimento da capacidade critica de cada sujeito (Grinspum, 2000, p. 42)
1. Sobre o programa Cultura é Currículo
a) Características
O contato com esse programa intensificou o interesse particular do pesquisador
por trabalhar a questão do acesso de escolares às instituições culturais, e de
compreender o papel que a escola assume na construção de hábitos culturais de seus
alunos. O programa Cultura é Currículo (instituído através da resolução SE 19, de 13-
3-2009 publicada no diário oficial8) elaborado pela Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo (SEE SP) se propõe como uma nova relação do currículo escolar com as
manifestações culturais do estado e ferramenta de desenvolvimento dos conteúdos
curriculares. A resolução institui o desenvolvimento do projeto desde a data de sua
implantação com quatro anos de duração e possibilidade de continuidade.
O Programa Cultura é Currículo integra o conjunto de ações definidas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEESP) para concretização da sua política educacional, visando propiciar melhor qualidade de ensino da escola pública estadual, seja no sentido de atender aos desafios do mundo moderno, como em relação à função de transmissão do saber, para inserção social de seus alunos. Em acordo com os parâmetros pedagógicos da atual gestão, pauta-se por princípios estabelecidos para a organização curricular:
8 Diário Oficial Poder Executivo- Seção I São Paulo, 119 (49) - 14 de março de 2009. 25
Currículo e Cultura; Currículo referido a competências; Currículo que tem como prioridade a competência escritora e leitora. (São Paulo, Seção I São Paulo, 119 (49) 2009)
b) Objetivos
O programa Cultura é Currículo como parte das ações de política pública do
Estado se São Paulo age exclusivamente nas escolas públicas estaduais. O programa
Cultura constitui-se num currículo e pretende:
-Possibilitar o acesso das escolas da rede estadual de ensino a produções culturais, delimitada pelos objetivos centrais: - Democratizar o acesso de professores e alunos da rede pública estadual a equipamentos, bens e produções culturais que constituem patrimônio cultural da sociedade, tendo em vista uma formação plural e a inserção social. - Fortalecer o ensino por meio de novas formas e possibilidades de desenvolvimento dos conteúdos curriculares em articulação com produções socioculturais e fenômenos naturais, diversificando-se as situações de aprendizagens. - Estimular e desenvolver a aprendizagem por intermédio de interações significativas do aluno com o objeto de estudo/conhecimento de disciplinas, reforçando-se o caráter investigativo da experiência curricular. (São Paulo, SEE, 2009.)
A estrutura do programa Cultura é Currículo divide atribuições para a Secretaria de
Educação, a Fundação Desenvolvimento da Educação (FDE9) e as Diretorias do Ensino
(DE). A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo fica responsável por:
Art. 3° - Fica criada, junto ao Gabinete da secretaria, Comissão de Estudos responsável pelo desenvolvimento do Programa, com as seguintes atribuições:I- Propor medidas para implantação do Programa na Capital, Grande São Paulo e Interior e adequações aos Projetos a serem desenvolvidos em consonância coma s diretrizes da Secretaria da Educação;II- Definir critérios para análise e avaliação das ações desenvolvidas pelos projetos do Programa;III- Divulgar as produções e experiências dos alunos das escolas participantes de cada projeto do Programa; IV- Promover debates e seminários para ajustes dos conteúdos dos Projetos às propostas curriculares da Secretara da Educação;V- Orientar a participação das escolas por meio de um Termo de Adesão e
9 Criada em 1987, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) é responsável por viabilizar a execução das políticas educacionais definidas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, implantando e gerindo programas, projetos e ações destinadas a garantir o bom funcionamento, o crescimento e o aprimoramento da rede pública estadual de ensino. Cabe à FDE produzir, adquirir e distribuir materiais institucionais indicados ao ensino e à aprendizagem, bem como providenciar os recursos físicos (como prédios, mobiliário e equipamentos) utilizados pela rede. (São Paulo, SEE, 2009).
26
Compromisso que deverá ser assinado por aqueles que queiram participar do projeto “Lugares de Aprender: a escola sai da escola”;VI- Validar a aplicação do Termo de Adesão e Compromisso junto às Diretorias de Ensino e escolas participantes e efetuar reformulações sempre que necessário;VII- Acompanhar as reuniões de avaliação do Programa junto às instituições culturais e Diretorias de Ensino participantes;VIII- Promover reuniões sistemáticas com a Secretaria Estadual de Cultura, para estabelecer e reforçar os objetivos e metas do programa;IX- Convidar, quando necessário, educadores da Rede Estadual de Ensino de Ensino e das Instituições Culturais participantes do Projeto, para avaliar, sugerir e apontar novos encaminhamentos para o Programa, indicados pela Secretaria da Educação, secretaria da Cultura e Dirigentes das Instituições Culturais;X- Encaminhar à Secretária Adjunta relatório mensal das ocorrências e providências adotadas. (São Paulo, Diário Oficial Poder Executivo- Seção I São Paulo, 119 (49) - 14 de março de 2009. )
A gestão do programa Cultura é Currículo é de responsabilidade da FDE, segundo a
resolução publicada no Diário Oficial:
Art. 4° - Cabe à Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE:I- Estabelecer acordos com instituições culturais no Estado de São Paulo, passíveis de receberem, em visita, alunos da rede pública estadual de ensino;II- Repassar as vagas e horários de visitas às Diretorias de Ensino que devem repassar às escolas de sua responsabilidade;III- Encaminhar material didático referente ao projeto, para as escolas participantes e disponibilizar o material no site http://culturaecurriculo.edunet.sp.gov.br(São Paulo, Diário Oficial Poder Executivo- Seção I São Paulo, 119 (49) - 14 de março de 2009. )
O programa Cultura é currículo está divido em três projetos: Escola em Cena, O
Cinema vai à Escola e Lugares de Aprender: a escola sai da escola. O Escola em Cena
promove o acesso de alunos e professores a produções de teatro e dança articulando as
atividades ao currículo escolar. Os professores recebem orientações através de um
material de apoio didático indicando possibilidades de relacionar as linguagens de teatro
e dança ao trabalho pedagógico. O material pedagógico é composto de: unidade
informativa contendo informações sobre história do teatro e dança (contexto histórico e
social, produção, elementos de cena); subsídios para desenvolvimento de projetos
didáticos com orientações para professores sobre atividades relacionadas ao teatro e a
dança vinculadas aos resultados de aprendizagem esperados e indicações para criação
de teatro estudantil na escola contendo etapas para organizar os grupos, montar cenas e
envolver a comunidade.
O Cinema vai à escola é uma ação exclusiva para o Ensino Médio disponibiliza
27
a escola um acervo de filmes em DVD e recursos pedagógicos de diferentes categorias
e gêneros como material de apoio as atividades da escola, contendo: Caderno de
Cinema do Professor com referenciais teóricos e orientações didático-pedagógicas; Luz,
Câmera...Educação! Um DVD com vídeo produzido para o projeto analisa aspectos das
produções cinematográficas e a Seleção do conjunto de 20 filmes em DVD cujo critério
de escolha utilizou o currículo do Ensino Médio, uma pesquisa por amostragem dos
temas que os alunos preferiam, escolas cinematográficas distintas em épocas,
diversidades de gêneros (documentário, ficção, etc.) e produções de diferentes países.
O segmento Lugares de aprender: a escola sai da escola será utilizado como
campo exploratório para análise na presente pesquisa. O programa Lugares de Aprender
é uma das ações do Cultura é Currículo; sua proposta é levar os alunos da rede estadual
de ensino de São Paulo para conhecer instituições culturais articulando essas visitas
com as orientações curriculares. Segundo a resolução o programa Lugares de aprender
se caracteriza por:
Promover o acesso dos alunos da rede pública estadual de ensino a museus, centros, institutos de arte e cultura e parques, como atividade articulada ao desenvolvimento do currículo, e foi concebido em acordo com a proposta Curricular do estado de São Paulo, observando os parâmetros pedagógicos da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – Cenp. (São Paulo, Diário Oficial Poder Executivo- Seção I São Paulo, 119 (49) - 14 de março de 2009. )
Um piloto do programa Lugares de aprender foi realizado na cidade de São
Paulo de agosto a dezembro de 2008. Desde 2009 está em vigor na rede estadual
paulista de ensino, atende 61 Diretorias de Ensino (CEI – Interior do Estado e COGSP –
Capital), 2.631 escolas, cerca de 259 mil alunos e 16 mil professores. O programa
Lugares de aprender é de adesão espontânea cabendo as Diretorias de Ensino
apresentá-lo para as escolas de sua região. O setor responsável pela condução do
programa Lugares de aprender nas diretorias de ensino é o da Oficina Pedagógica. Para
aderir a este segmento a escola deverá assinar um Termo de adesão e compromisso
(Anexo, p. 91)
Art. 2° - a participação da unidade escolar no Projeto “Lugares de Aprender: a escola sai da escola” se fará por Termo de Adesão e Compromisso da Escola e da Diretoria de Ensino, por suas Oficinas Pedagógicas.Parágrafo único: as escolas que assinarem o Termo de que trata o caput deste artigo, comprometem-se a realizarem as visitas às instituições culturais e a utilizarem o material pedagógico desenvolvido para o projeto, tornando parte do conteúdo curricular, o conhecimento apreendido nas visitas. Cenp. (São Paulo,
28
Diário Oficial Poder Executivo- Seção I São Paulo, 119 (49) - 14 de março de 2009. )
O programa Lugares de aprender está dividido em cinco eixos temáticos, cabendo a
cada eixo, séries e instituições culturais específicas de atuação.
• 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental – Os seres vivos diante das estrelas• 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental – Heranças Culturais• 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental – Espaços, Tempos e Obras• 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental – Patrimônio, Expressões e Produções• 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio – Séculos, Contextos e Transformações
Para os professores disponibiliza um material didático denominado Subsídios
para desenvolvimento de projetos didáticos também divididos nos mesmos eixos
temáticos de acordo com a série e a proposta curricular. Os subsídios para
desenvolvimento de projetos didáticos caracteriza-se como:
O material pedagógico produzido para apoiar os educadores no planejamento, exploração e utilização pedagógica das visitas a instituições e a espaços culturais é formado por subsídios para o desenvolvimento de projetos didáticos, elaborados para cada segmento, de acordo com as disciplinas, temas transversais e eixos temáticos estabelecidos. Apresentam uma justificativa da importância do tema a ser tratado, situando-o na proposta curricular; a identificação do que se espera que os alunos aprendam; o produto a ser apresentado ao final das atividades de aprendizagem e as etapas de seu envolvimento. Diário Oficial Poder Executivo- Seção I São Paulo, 119 (49) -. 14 de março de 2009
Conforme a resolução do programa Lugares de aprender, o momento da visita
da escola a instituição cultural seria parte deste conjunto de atividades, uma “situação de
aprendizagem”. A definição sobre qual instituição cultural visitar não cabe a escola, já
que está primeiro delimitado pelo eixo temático (descrito acima de acordo com as
séries) e segundo porque cabe a diretoria de ensino organizar (de acordo com a
disponibilidade de vagas das instituições culturais) qual escola visitará determinada
instituição cultural (museu, parque, centro cultural etc.). O programa Lugares de
aprender: a escola sai da escola foi elaborado pela Secretaria de Educação do estado de
São Paulo. A gestão do programa Cultura é Currículo cabe à Fundação
Desenvolvimento da Educação (FDE). Mesmo não sendo a instituição cultural um
espaço de educação formal o programa Lugares de Aprender: a escola sai da escola
atribui aos museus e instituições culturais o papel de integrar o conteúdo curricular.
29
Segundo conteúdo divulgado no link do site da Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo o programa Lugares de Aprender busca alcançar como resultado:
Resultados Esperados• Dinamização do trabalho docente com a realização de projetos didáticos
correlacionados ao currículo escolar e ás experiências desenvolvidas nas instituições e espaços culturais.
• Ampliação e aprofundamento da aprendizagem dos alunos pela apropriação de conteúdos de disciplinas das áreas científicas, de arte e de comunicação linguística, proporcionados nas visitas às instituições culturais.
• Ampliação do universo cultural de alunos e professores.• Valorização do patrimônio cultural da cidade.• Compreensão e respeito às diferenças culturais de grupos e povos.• Formação de público de visitação a instituições e espaços culturais,
decorrente do desenvolvimento do interesse de alunos e professores pela apropriação de bens culturais. (http://culturaecurriculo.edunet.sp.gov.br)
2. Equipamentos Culturais
Considera-se cinemas, teatros, bibliotecas, museus, etc., como equipamentos
culturais. No Brasil a distribuição destes equipamentos culturais é muito desigual,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE) da pesquisa
sobre Informações Básicas Municipais (MUNIC,2001). O IBGE coletou informações
sobre atividades culturais em mais de 5000 municípios brasileiros. A respeito dos dados
sobre cinemas, museus, teatros e bibliotecas públicas a distribuição dos equipamentos,
segundo o tamanho do município, revela que quanto menor o município menor também
a existência de equipamentos culturais. Entre os equipamentos culturais a biblioteca
pública é o mais difundido.
Tratando especificamente de museus/instituições culturais o cadastro nacional de
museus do Sistema Brasileiro de Museus (SBM) instrumento criado para levantar o
número de museus presenciais e virtuais no território nacional registrou o total de 2.968
instituições em janeiro de 2011. Destas 1.149 localizadas no Sudeste, 518 apenas em
São Paulo. Outro dado interessante é o de que somente 20,85% dos município
brasileiros possuem algum museu . Ou seja, dentre as demais regiões brasileiras São
Paulo pertence ao eixo com maior número de equipamentos culturais. No entanto, no
município de São Paulo a distribuição destes equipamentos culturais pela cidade é
muito desigual ficando quase a totalidade concentrada nas regiões centro e oeste o que
30
torna o acesso ainda mais complicado principalmente para os jovens da periferia que
habitam locais muito distantes do centro. Dados (já expostos na introdução) obtidos a
partir de indicadores10 sobre equipamentos culturais disponíveis na cidade de São Paulo
(centros culturais, espaços e casas de cultura) produzidos pela Secretaria Municipal de
Planejamento e divulgados pelo Observatório Nossa São Paulo, no ano de 2007 a cidade
contava com 36,11% destes equipamentos localizados na subprefeitura da Sé e 20,83%
na subprefeitura de Pinheiros, ou seja, mais da metade localizado em duas das trinta e
duas subprefeituras.
No programa Lugares de Aprender a FDE é o órgão responsável por estabelecer
contratos com as instituições culturais do Estado de São Paulo em condições de receber
visitas das escolas pelo programa. A instituições culturais parceiras (Anexo, p.91) do
programa Lugares de Aprender devem cumprir alguns pré-requisitos para viabilizar o
contrato: entrada gratuita, banheiro gratuito, um setor educativo com profissionais
disponíveis para acolher, acompanhar e realizar a monitoria dos grupos escolares na
exposição.
Estas considerações são importantes, tendo em vista que de acordo com as teses
e dissertações da área de educação e museus, um dos pontos discutidos na relação
escola e bens culturais é que uma prática cultural leva às demais. Neste sentido, é
possível apontar que articular em conjunto o acesso a diversas produções culturais
contribui para gerar nos alunos o interesse e a disposição de freqüentar museus e
instituições culturais. É necessário averiguar se as prescrições correspondem à
realidade, principalmente se a execução do programa na escola não se restringe apenas a
oferecer condições físicas de transporte e lanche. Somente uma ação bem estruturada
pode gerar resultados na dinâmica da sala de aula e no desenvolvimento da vida cultural
dos alunos e professores.
Os temas considerados fundamentais para a análise dessa pesquisa são a relação
escola e instituição cultural; discutir o papel que a escola exerce na formação de hábitos
culturais dos alunos e o conceito de cultura nas produções curriculares.
Tendo em vista as considerações acima, estabelece-se como problema de
pesquisa: os fundamentos e ações educativas propostos pelo programa Lugares de 10 Observatório Nossa São Paulo indicador: centros culturais, espaços e casas de cultura, fonte SEMPLA (Secretaria Municipal de Planejamento) 2006 e 2007.
31
Aprender estão garantidos nos documentos do Ministério da Educação (MEC) e da
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEESP) e atendem às necessidades de
ampliação da cultura?
O objetivo geral da pesquisa é verificar de que forma o texto do programa
Lugares de aprender expressa (se estiver expresso) a concepção de cultura11 encontrada
no currículo escolar.
São objetivos específicos:
• Identificar quais propostas pedagógicas estão incorporadas no programa
Lugares de aprender e quais temas são valorizados;
• Analisar e confrontar a documentação produzida pelo programa Lugares de
aprender: a escola sai da escola com os Parâmetros Curriculares nacionais e
estaduais, os temas transversais do Ensino Médio.
Nas instituições culturais é constante a preocupação em formar públicos
frequentadores de museus/instituições culturais, pois na maior parte destas iniciativas,
democratizar o acesso a seu acervo é um dos pontos essenciais de sua justificativa para
existir. Considera-se, também que o interesse em conhecer museus (conhecer um
planetário, um viveiro, um museu de zoologia, o zoológico, museus de arte e de história,
monumentos, centros de ciência, ecomuseus, etc.) se inicia em uma fase de suas vidas
em que as suas experiências determinarão suas escolhas futuras, isto é, durante a fase do
crescimento dos indivíduos e que estão associadas a experiências familiares e escolares.
Segundo Bourdieu:
Considerando a parte que pode caber a família na transmissão da cultura artística compreende-se que a prática cultural e, mais ainda, a competência artística e as atitudes em relação às obras culturais estejam estritamente associadas ao capital cultural nacional: toda a tradição cultural dos países de velha tradição exprime-se, de fato, em uma relação tradicional com a cultura que não pode ser constituída em sua modalidade própria, com a cumplicidade das instituições encarregadas de organizar o culto da cultura, a não ser no caso em que o princípio da devoção cultural foi inculcado, desde a primeira infância, pelas incitações e sanções da tradição familiar. (Bourdieu , 2003, p. 66)
Para discutir que papel a escola exerce na formação cultural dos indivíduos e se
esses hábitos incentivados pela escola prevalecem e permanecem além do tempo e
território escolar, faz-se fundamental a contribuição de Bourdieu. Os conceitos de
11 Cultura: o conceito de cultura foi discutido no item Referencial Teórico 32
capital cultural e capital escolar serão essenciais na análise dos fundamentos do
programa Lugares de aprender os quais propõem não só utilizar as instituições culturais
como “suporte pedagógico”, “ferramenta” e “ilustração” dos conteúdos escolares, mas
formar um público frequentador de instituições culturais (museus) desde a idade
escolar.
É essencial discutir se os resultados esperados pelo programa Lugares de
Aprender descritos na resolução da proposta têm condições de desenvolver-se na
realidade. Com base na resolução do programa esta pesquisa propõe-se a discutir se o
capital escolar tem força para formar práticas\disposições culturais que são por
definição segundo Bourdieu tradicionalmente 'herdadas' da família segundo a origem
social dos indivíduos. Visto que um dos pontos que o programa Lugares de Aprender
busca alcançar como resultado é o de formar público frequentador de instituições
culturais.
O programa Lugares de Aprender é uma das ações do programa Cultura é
Currículo. Esta pesquisa pretende mapear nos parâmetros curriculares nacionais (PCN)
do MEC, nas orientações curriculares da Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo na resolução do Cultura é currículo e nas propostas e produções do programa
Lugares de Aprender como esses documentos abordam e compreendem o conceito de
cultura. Buscou-se confrontar possíveis diferenças já que esses documentos foram
produzidos por diferentes instituições, em diferentes contextos sujeitos a influências de
origens diversas. Como referenciais teóricos da área curricular utilizou-se Sacristán,
para quem o currículo é um conceito multifacetado não cabendo uma definição única e
visto como construção e processo social:
O currículo é mais um processo social, que se cria e passa a ser experiência através de múltiplos contextos que interagem entre si. (Sacristán,1998, pp.178)
As análises da documentação selecionada (parâmetros e orientações curriculares
e produções didáticas) serão realizadas levando em consideração o contexto que
envolve sua produção.
Numa sociedade em que a cultura de procedência dos indivíduos condiciona suas capacidades, interesses e aspirações, o currículo comum da escolaridade pode ser entendido como o conjunto de conhecimentos, competências e valores de que todos podem tirar proveito. Certos conteúdos que são mais necessários para aqueles que sem sua aquisição seriam mais discriminados fora da escola. Esses Conteúdos são a oportunidade para todos aqueles que, por sua cultura de procedência e origem social, teriam menos oportunidades de ter acesso ao
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conhecimento e às distintas formas de expressão cultural. O currículo comum é uma oferta para participar dos bens culturais, criando as condições da colaboração e igualdade social. (Sacristán, 1998, p. 174)
Além de Bourdieu e Sacristán, diferentes concepções do conceito de cultura
serão discutidas segundo a obra de Eagleton .
Esta dissertação trabalha com as seguintes hipóteses:
Segundo Bourdieu, o conceito de capital cultural afirma que o costume de
frequentar instituições culturais (movido pela necessidade de usufruir bens culturais) é
uma disposição criada por alguns indivíduos, segundo sua trajetória de vida que
depende das experiências e de um conjunto de informações a que foi submetido, e do
valor que o meio confere a essas experiências. Primeira hipótese: O programa Lugares
de Aprender falha ao propor metas inatingíveis buscando formar um público
frequentador de museus. Considerando que a formação de um público de visitação às
instituições culturais depende de um trabalho de inculcação durante a trajetória de vida
dos indivíduos, as visitas estão mais relacionadas aos costumes familiares.
O programa aparece como plano pronto aplicado a partir de materiais que
propõe atividades, sem a participação dos professores no processo de formulação.
Segundo Sacristán afastar os professores do processo de elaboração dos componentes
curriculares pode criar incapacidades que limitarão suas habilidades fora do modelo
proposto (Sacristán, 2000. p.83). A estrutura do programa Lugares de Aprender
organizada a partir dos órgãos da Secretaria de Educação (SEE SP) impede qualquer
ação do professor no processo de escolha da instituição cultural que as turmas irão
visitar. O professor participa como executor de uma atividade que ele não elaborou.
Segunda hipótese: restringir a ação do professor ao papel de executor reflete
uma descrença na capacidade e autonomia do professor em desenvolver atividades em
conjunto com as instituições culturais que auxiliem no desenvolvimento dos conteúdos
curriculares.
II. Referencial Teórico - Definições
1. Capital Cultural
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“Não há atalhos no caminho que leva às obras da cultura e os encontros artificialmente arranjados e diretamente provocados não têm futuro.” Bourdieu.
Esta pesquisa propõe-se a discutir se o acesso de escolas a instituições culturais
interfere nas práticas pedagógicas dentro da sala de aula. Antes é necessário explorar
com base na resolução do programa Lugares de Aprender o que motiva uma política
pública educacional promover visitas de escolas às instituições culturais. Esta discussão
elege como referencial o conceito de capital cultural, com base nele pretende-se
explorar quais vantagens o acesso a esta cultura institucionalizada sob a forma de bens
culturais proporciona. É possível afirmar que guarda um potencial de melhorar o ensino,
ou seja, que a prática de frequentar museus e instituições culturais de alguma forma
colabora com o desenvolvimento dos indivíduos durante a fase escolar? Um dos
objetivos desta pesquisa é o de discutir qual o papel da escola na formação cultural dos
alunos.
Este capítulo busca analisar a formação cultural que a ação escolar proporciona a
partir do conceito de capital cultural. Para isso, precisamos conhecer, nos documentos, a
definição do que é considerado por formação cultural e por que esta formação cultural é
vista como essencial a ponto de ser promovida pelo poder público. Dessa forma, o
conceito capital cultural ajuda-nos a compreender qual é a formação cultural pretendida.
O conceito de capital cultural foi formado com base na análise do sistema de ensino
francês. Segundo Gonçalves (2010) oferta única de ensino público situado numa
sociedade muito específica e mais rígida que a brasileira. O sistema de ensino francês é
público e universal, diferente do sistema de ensino brasileiro composto por rede pública
e rede privada. Também é necessário considerar a diferença da relação do Brasil com
seus patrimônios e bens culturais que possui características próprias. Na teoria de
Bourdieu, além da prática familiar, pesam a tradição cultural do país e sua relação com
a cultura, com os bens e instituições culturais.
Considerando a parte que pode caber à família na transmissão da cultura artística, compreende-se que a prática cultural e, mais ainda, a competência artística e as atitudes em relação às obras culturais estejam estreitamente associadas ao capital cultural nacional: toda a tradição cultural dos países de velha tradi