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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA CÁSSIO SILVA MOREIRA O PROJETO DE NAÇÃO DO GOVERNO JOÃO GOULART: o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964) Porto Alegre 2011

O projeto de nação do governo joao goulart

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analisa o plano trienal e as reformas de base como projeto articulado de governo

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA

    CSSIO SILVA MOREIRA

    O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART:

    o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964)

    Porto Alegre

    2011

  • CSSIO SILVA MOREIRA

    O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART:

    o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964)

    Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao

    em Economia da Faculdade de Cincias

    Econmicas da UFRGS, como quesito parcial

    para obteno do ttulo de Doutor em Economia

    com nfase em Economia do Desenvolvimento.

    Orientador: Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca

    Porto Alegre

    2011

  • DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)

    Responsvel: Biblioteca Gldis W. do Amaral, Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS

    Moreira, Cssio Silva M838p O projeto de nao do governo Joo Goulart : o plano trienal e as

    reformas de base (1961-1964) / Cssio Silva Moreira. Porto Alegre, 2011.

    404 p. : il.

    Orientador: Pedro Cezar Dutra Fonseca.

    nfase em Economia do Desenvolvimento.

    Tese (Doutorado em Economia) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Cincias Econmicas, Programa de Ps-Graduao em Economia, Porto Alegre, 2011.

    1. Histria econmica : Governo Joo Goulart : 1961-1964 :

    Anlise do discurso : Brasil. 2. Poltica econmica : Planejamento econmico : Anlise do discurso : Brasil. I. Fonseca, Pedro Cezar Dutra. II. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Cincias Econmicas. Programa de Ps-Graduao em Economia. III. Ttulo.

    CDU 33 : 94(81).087

  • CSSIO SILVA MOREIRA

    O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART:

    o Plano Trienal e as Reformas de Base

    Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao

    em Economia da Faculdade de Cincias

    Econmicas da UFRGS, como quesito parcial

    para obteno do ttulo de Doutor em Economia

    de Doutor em Economia com nfase em

    Economia do Desenvolvimento.

    Aprovada em: Porto Alegre, 09 de junho de 2011.

    ___________________________________________________________________________

    Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca UFRGS - Orientador

    __________________________________________________________________________

    Profa. Dr

    a. Maria Anglica Borges - PUC-SP

    ___________________________________________________________________________

    Prof. Dr. Carlos Nelson dos Reis - PUC-RS

    ___________________________________________________________________________

    Prof. Dr. Srgio Marley Modesto Monteiro - UFRGS

  • Dedico esse trabalho a minha me e ao

    Prof. Pedro Fonseca.

    A todos que lutam por um mundo mais

    justo e com igualdade de

    oportunidades.

    In Memoriam ao presidente Joo

    Goulart

  • AGRADECIMENTOS

    A realizao do curso e da tese de doutorado um caminho longo, que com certeza tivemos a

    participao, mesmo que indiretamente, de muitas pessoas... Por isso gostaria de agradecer:

    Ao Professor Pedro Cezar Dutra Fonseca, pela orientao amiga e pelas inmeras e

    produtivas aulas e conversas que tivemos sobre a pesquisa. Alm disso, durante todos estes

    anos de convvio acadmico, seu interesse e confiana em meu trabalho sempre

    permaneceram, nunca permitindo que eu desanimasse. Se o ex-presidente Joo Goulart teve

    um mestre poltico como Getlio Vargas, posso afirmar que tive o meu mestre intelectual: o

    Prof. Pedro Fonseca. dele, tambm, os eventuais mritos dessa tese.

    Professora Maria Alice da Cunha Lahorgue e ao Professor Dulio de vila Brni que tive o

    prazer de ter como orientador e que contriburam para esse caminho. Professora Clarisse

    Chiappini Castilhos que me abriu as portas da Academia. Ao Professor Charles Sidarta que de

    certa forma me influenciou a pesquisar sobre o governo de Joo Goulart. A todos os meus

    professores de economia na UFRGS e da PUC-RS. Ao Professor Srgio Monteiro e ao

    Professor Estrela Farias pelas sugestes na banca de defesa do projeto. Aos funcionrios da

    UFRGS, da biblioteca e do Centro de Cpias do FCE, em especial Sandra do departamento.

    UFRGS e ao Programa de Doutorado em Cincias Econmicas, pelo apoio institucional e

    por proporcionar condies adequadas para a realizao dessa tese; aos funcionrios do

    PPGE; especialmente Iara, Lurdes, Cludia e Raquel, da secretria de Ps-Graduao, pela

    ateno em inmeros momentos. Llian da biblioteca da FCE pela ajuda com as normas da

    ABNT.

    Professora Isabel Jonastiac pela correo do portugus e ao Professor Estevo Cogoy pela

    ajuda com as referncias bibliogrficas. A Profa. Dra. Bianca Smith Pilla pela ajuda com a

    apresentao. A Daniela Leo por sempre me escutar.

    instituio IBGE, ao Comit de Treinamento (CCT) e, em especial, alguns servidores entre

    eles: Luiz Felipe Louzada, Virginia Pegado, Srgio Crtes e Isabella Xavier pelo apoio em

    uma hora difcil. Ao meu colega e amigo Cludio Nienow.

  • minha famlia, sem a qual eu nada seria. A minha me, que sempre esteve ao meu lado em

    todos os momentos difceis da minha vida. A quem posso dizer que sinto muito orgulho pela

    criao que tive e que me educou praticamente sozinha.

    minha namorada, que sempre me apoiou nas horas difceis, e a sua linda famlia (Snia,

    Andr, Raquel, Daniel e Vivi) pelo carinho e compreenso em relao s horas que tive que

    abdicar de seu convvio para ficar mergulhado na pesquisa e na elaborao desse trabalho.

    Agradeo de corao pelo carinho, compreenso e incentivo que tive por diversos momentos.

    Aos meus amigos e amigas pelos momentos de descontrao que me renovavam os nimos

    para trilhar esse caminho,

    A DEUS, por ter me permitido a oportunidade de conviver com todas essas pessoas.

  • As naes expansionistas viram que o domnio sobre os povos de

    outra raa, outra lngua, outra religio e outros costumes, odioso e desperta

    o orgulho pela ptria, gera nacionalismo e incita os nimos revolta e s

    reivindicaes da liberdade. A experincia ensina assim aos povos fortes

    outros caminhos que os leva, sem aqueles inconvenientes, mesma

    finalidade: o caminho da dominao econmica, que prescinde do ataque

    frente soberania poltica. Esse o perigo que nos cumpre evitar. Os fortes

    passaram ento a apossar-se das riquezas econmicas dos povos fracos,

    reduzindo-os impotncia e, pois, submisso poltica.

    (Artur Bernardes)

    Faz parte da natureza da posio privilegiada que ela desenvolva a

    prpria justificao poltica e, com frequncia, a doutrina econmica e

    social que lhe seja mais conveniente. Ningum gosta de acreditar que seu

    bem-estar pessoal est em conflito com a necessidade pblica maior.

    (John Kenneth Galbraith)

    Nesse quadro, passei a ver o socialismo como a progresso do

    trabalhismo por meio da incorporao do campesinato ao sistema

    econmico e poltico brasileiro pela reforma agrria e atravs do controle

    das multinacionais. Esse o caminho brasileiro da revoluo social. No

    uma revoluo cerebrinamente socialista, mas concretamente socialista,

    porque ps-capitalista, pela impotncia do capitalismo para promover uma

    prosperidade generalizvel. Tratava-se de levar frente a Revoluo de

    1930, criando um governo nacionalista, capaz de enfrentar o

    estrangulamento imperialista. Um governo vinculado aos sindicatos, capaz

    de mobiliz-los para grandes atos de massa. Um governo socialmente

    responsvel ante as populaes pobres da cidade e do campo. Um governo

    orientado para o capitalismo de Estado, capaz de fortalecer as grandes

    empresas pblicas como a Petrobras, a Vale, a CSN, o Branco do Brasil e de

    criar novas empresas pblicas, como a Eletrobrs e a Embratel...

    (Darcy Ribeiro)

    O livro uma escada para ser um intelectual

    (Olga Silva Druck)

  • RESUMO

    A pesquisa defende a hiptese da existncia no governo Joo Goulart de um projeto

    econmico e social de longo prazo para o Brasil, afastando-se das teses de que se tratava de

    um governo errtico ou sem consistncia em suas medidas de poltica econmica. Para

    tanto, analisa as polticas econmicas e medidas efetivamente implementadas e os

    pronunciamentos, entrevistas, relatrios e discursos do Presidente Joo Goulart. Constata-se

    que, em linhas gerais, representou uma continuao do projeto nacional-desenvolvimentista

    de Vargas, entretanto focado na substituio de importaes de bens intermedirios e de

    capital e nas reformas estruturais as chamadas Reformas de Base. Acreditava o governo que

    estas promoveriam fortalecimento do papel do estado e redistribuio de renda, garantiriam a

    consolidao e ampliao do mercado interno e um crescimento econmico mais equilibrado.

    As reformas de base so analisadas como uma seqncia lgica e intimamente interligadas

    entre si, cujo resultado esperado era um desenvolvimento com melhor distribuio de renda,

    em consonncia com a ideologia desenvolvimentista. Dessa modo, pretendeu-se contribuir

    para o estudo da formao econmica e social do Brasil tendo como delimitao cronolgica

    o perodo de 1961-1964.

    Palavras-chave: Governo Joo Goulart. Reformas de base. Projeto de desenvolvimento.

    Economia brasileira. Plano Trienal.

  • ABSTRACT

    The research supports the hypothesis that the government of Joo Goulart of a project's

    economic and social long-term for Brazil, away from the thesis that it was a government

    "erratic" and without consistency in its economic policy measures. It analyzes the economic

    policies and measures actually implemented and speeches, interviews, reports and speeches of

    President Joao Goulart. It appears that, in general, represented a continuation of the national-

    developmentalist Vargas, yet focused on import substitution of intermediate goods and capital

    and structural reform - the so-called basic reforms. They believed the government would

    promote strengthening of the role of the state and redistribution of income, would guarantee

    the consolidation and expansion of the internal market and a more balanced economic growth.

    The basic reforms are analyzed as a logical sequence and closely interlinked, whose expected

    outcome was a development with better income distribution, in keeping with the

    developmentalist ideology. In this way, aims to contribute to the study of economic and social

    formation of Brazil as having the chronological delimitation 1961-1964 period.

    Keywords: Government Goulart. Basic reforms. Development Project. Brazilian economy.

    Plano Trienal.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Elementos constantes no projeto trabalhista brasileiro.................................. 94

    Figura 2 - Primeira parte da Mensagem ao Congresso Nacional de 1964...................... 180

    Figura 3 - Segunda parte da Mensagem ao Congresso Nacional de 1964...................... 181

    Figura 4 - Estrutura organizacional do Plano Trienal, 1962........................................... 239

    Figura 5 - Carter sistmico das Reformas de Base....................................................... 269

    Figura 6 - Esquematizao da crise poltico-econmica de 1964................................... 334

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Crescimento do PIB e taxa de inflao 1954-1964................................... 102

    Grfico 2 - Fases de combate inflao com os respectivos perodos dos ministros

    no Ministrio da Fazenda do Governo Joo Goulart................................. 106

    Grfico 3 - Evoluo da taxa de crescimento do salrio mnimo e da taxa de

    inflao, 1954-1964................................................................................... 107

    Grfico 4 - Evoluo dos meios de pagamento, emprstimos total ao setor privado

    e emprstimos dos bancos comerciais ao setor privado, 1960-1964......... 110

    Grfico 5 - Taxa de inflao mensal, 1954-1964......................................................... 111

    Grfico 6 - Trajetria do Hiato do Produto e do Hiato do Produto Industrial, 1955-

    1964........................................................................................................... 117

    Grfico 7 - Trajetria da taxa de crescimento da produo industrial e da taxa de

    investimento, 1954-1964........................................................................... 118

    Grfico 8 - Trajetria da taxa de crescimento do PIB per capita e taxa de

    crescimento populacional, 1954-1964....................................................... 122

    Grfico 9 - Trajetria da carga tributria em relao ao PIB, 1954-1964.................... 123

    Grfico 10 - Trajetria da participao da Unio e dos Estados na carga tributria em

    relao ao PIB, 1954-1964......................................................................... 124

    Grfico 11 - Evoluo do dficit primrio federal em relao ao PIB, 1954-1964...... 126

    Grfico 12 - Evoluo do imposto de renda e do imposto sobre consumo dentro da

    estrutura tributria, 1954-1964................................................................. 127

    Grfico 13 - Estrutura da pauta de importaes do Brasil, 1961................................... 129

    Grfico 14 - Importaes por departamentos em porcentagem da oferta total - 1955,

    1960 e 1962............................................................................................... 131

    Grfico 15 - Pauta de exportaes do Brasil, 1962........................................................ 132

  • Grfico 16 - Trajetria das exportaes e importaes, 19541965.............................. 135

    Grfico 17 - Conta de Servios e Rendas da Balana de Servios, 19541965............ 137

    Grfico 18 - Saldo da remessa de lucro e pagamento de juros, 19541965.................. 138

    Grfico 19 - Balana de transaes correntes e de Capital e Financeira em milhes

    de dlares, 19541965............................................................................. 140

    Grfico 20 - Investimento direto e outros investimentos em milhes de dlares,

    19541965............................................................................................... 141

    Grfico 21 - Investimento direto estrangeiro em milhes de dlares, 19541965...... 142

    Grfico 22 - Emprstimos governamentais estrangeiros e demais emprstimos de

    curto e longo prazo em milhes de dlares, 19541965........................... 147

    Grfico 23 - Ingresso e amortizao de capital em milhes de dlares, 19541965..... 148

    Grfico 24 - Balano de pagamentos e Erros e omisses em milhes de dlares,

    19541965................................................................................................. 149

    Grfico 25 - Reservas internacionais em milhes de dlares, 19541965.................... 150

    Grfico 26 - Dvida externa total em milhes de dlares, 19541965.......................... 151

    Grfico 27 - Dvida externa de longo prazo e de curto prazo em %, 19541965.......... 152

    Grfico 28 - Dvida externa de longo prazo e de curto prazo em milhes de dlares,

    19541965................................................................................................. 153

    Grfico 29 - Pagamento de juros e servio da dvida externa em % das exportaes,

    1954-1965.................................................................................................. 158

    Grfico 30 - Dvida externa total e lquida em % do PIB, 1954-1965........................... 159

    Grfico 31 - Nmero de anos necessrios para saldar a dvida externa total e lquida

    com as exportaes do perodo, 1954-1965.............................................. 159

    Grfico 32 - Reservas internacionais como proporo da dvida externa e das

    exportaes, 1954-1965............................................................................. 160

  • Grfico 33 - Servio da dvida externa e pagamentos de juros em % das reservas,

    1954-1965.................................................................................................. 161

    Grfico 34 - Pagamento de juros e servio da dvida externa em % do PIB, 1954-

    1965........................................................................................................... 161

    Grfico 35 - Dficit em transaes correntes em % do PIB, 1954-1965....................... 162

    Grfico 36 - Saldo em conta corrente em % das exportaes, 1954-1965.................... 163

    Grfico 37 - Servio do passivo externo e servio do passivo externo mais

    amortizaes em % do PIB, 1954-1965.................................................... 164

    Grfico 38 - Servio do passivo externo e servio do passivo externo mais

    amortizaes em relao s reservas internacionais, 1954-1965............ 164

    Grfico 39 - Servio do passivo externo e servio do passivo externo mais

    amortizaes em % s exportaes, 1954-1965...................................... 165

    Grfico 40 - Trajetria do nmero de deputados federais por partidos em %, 1945-

    1962........................................................................................................... 171

    Grfico 41 - Pesquisado IBOPE perguntando "O que vem achando da atuao do

    Presidente Joo Goulart?" em %, junho/julho de 1963......................... 177

    Grfico 42 - Pesquisado IBOPE perguntando "Voc votaria em Joo Goulart se ele

    pudesse candidatar-se reeleio para a Presidncia da Repblica?" em

    %, julho de 1963 e maro de 1964............................................................

    178

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Medidas adotadas no contexto das reformas de base............................... 55

    Quadro 2 - A crise dos anos 60 e suas explicaes.................................................... 56

    Quadro 3 - Trecho de doze mensagens de Pasqualini................................................ 77

    Quadro 4 - Medidas legislativas em tramitao no congresso entre 1949-1959........ 90

    Quadro 5 - Ncleo do Projeto Vargas......................................................................... 92

    Quadro 6 - Principais opositores e aliados do governo Joo Goulart......................... 96

    Quadro 7 - Programa Base do PTB 1946................................................................ 98

    Quadro 8 - Diretrizes da Aliana para o Progresso.................................................... 143

    Quadro 9 - Principais decretos legislativos, leis ordinrias e emendas

    constitucionais aprovadas durante o governo Joo Goulart- Decretos e

    Leis econmicas e sociais, 1961-1964.....................................................

    153

    Quadro 10 - Projetos de Lei enviados pelo Executivo e no aprovados pela Cmara

    dos Deputados durante o governo Joo Goulart, 1961-1964................... 155

    Quadro 11 - Obras de saneamento realizadas no governo Joo Goulart por estados,

    1961-1964................................................................................................ 214

    Quadro 12 - Diretrizes da poltica financeira do governo Goulart, 1964..................... 216

    Quadro 13 - Decretos e leis referentes rea econmica, 1961-1964......................... 225

    Quadro 14 - As Reformas de Base do governo Joo Goulart, 1963............................. 261

    Quadro 15 - Programa da Frente Progressista de apoio as Reformas de Base, 1964... 266

    Quadro 16 - Diretrizes das mudanas tributrias e oramentrias propostas pelo

    governo Goulart, 1963-1964.................................................................... 281

    Quadro 17 - Diretrizes das mudanas referentes ao Imposto de Renda propostas

    pelo governo Goulart, 1963-1964............................................................ 282

    Quadro 18 - Instrues da SUMOC durante o governo Goulart, 1961-1964............... 285

    Quadro 19 - Diretrizes da lei delegada solicitada pelo governo Goulart, 1963........... 291

    Quadro 20 - Destino dos recursos e critrios de alocao do Fundo de

    Desenvolvimento e Estabilizao do Comrcio Exterior, 1963............... 292

    Quadro 21 - Princpios do governo para a Reforma Agrria, 1964.............................. 295

  • Quadro 22 - A educao brasileira no incio dos anos 1960........................................ 300

    Quadro 23 - Discursmetro dos discursos de Joo Goulart, 1961-1964...................... 313

    Quadro 24 - Anlise do principal discurso de Goulart o Comcio das Reformas na

    Central do Brasil, 1964............................................................................ 317

    Quadro 25 - Semelhanas e diferenas do Plano Trienal e o PAEG............................ 359

    Quadro 26 - Semelhanas e diferenas do Plano Trienal, Mensagens ao Congresso

    Nacional de 1963-1964 e o II PND.......................................................... 365

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Crescimento do PIB, da Produtividade Industrial e da Inflao: Brasil,

    1961-1965.................................................................................................... 59

    Tabela 2 - Graus de utilizao da capacidade: total da indstria e departamentos

    industriais em % - (1955/1965) .................................................................. 118

    Tabela 3 - Concentrao fundiria no Brasil, 1960....................................................... 122

    Tabela 4 - Participao na renda dos salrios em %, 1960........................................... 123

    Tabela 5 - Dficits de caixa do tesouro e fontes de financiamento na Esfera Federal

    (% PIB), 1954-1964..................................................................................... 125

    Tabela 6 - Balano de Pagamentos do Brasil em milhes de dlares, 19541965....... 134

    Tabela 7 - Balano Comercial do Brasil em milhes de dlares, 19541965.............. 134

    Tabela 8 - Balano de Servios e Rendas do Brasil em milhes de dlares, 1954

    1965.............................................................................................................

    ....

    136

    Tabela 9 - Transferncias Unilaterais do Brasil em milhes de dlares, 19541965... 139

    Tabela 10 - Balana de Capital do Brasil em milhes de dlares, 19541965............... 139

    Tabela 11 - Indicadores externos do Brasil em bilhes de dlares, 1954-1965............. 155

    Tabela 12 - Indicadores de vulnerabilidade externa da economia brasileira, 1954-

    1965.............................................................................................................

    .......

    157

    Tabela 13 - Quantidade de Decretos do Executivo/ Leis Aprovadas, 1947-1964.......... 173

    Tabela 14 - Crditos concedidos pelos bancos federais e organismos financiadores da

    rede estadual e privada, 1962-1963............................................................. 196

    Tabela 15 - Taxa de analfabetismo e nmero de analfabetos no Brasil, 1900-2000...... 273

  • LISTA ABREVIATURAS E SIGLAS

    ALALC................ Associao LatinoAmericana de Livre Comrcio

    AMFORT............. American Foreing Power

    BACEN................ Banco Central do Brasil

    BB........................ Banco do Brasil

    BNCC.................. Banco Nacional de Crdito Cooperativo

    BNDE.................. Banco Nacional de Desenvolvimento

    Econmico....................................................

    BNH..................... Banco Nacional de Habitao

    CACEX................ Carteira de Cmbio e Comrcio Exterior do Banco do

    Brasil....................................................

    CADE.................. Comisso Administrativa de Defesa

    Econmica....................................................

    CAMDE............... Campanha da Mulher pela Democracia

    CAMOB............... Caixa de Mobilizao Bancria do Banco do Brasil

    CARED................ Carteiras de Redesconto do Banco do Brasil

    CDE..................... Conselho de Desenvolvimento Econmico

    CELG................... Companhia Energtica de Gois

    CEPAL................. Comisso Econmica para a Amrica Latina

    CERCIN............... Comisso de Estudos dos Rios e Canais Interiores Navegveis

    CFP...................... Comisso de Financiamento da Produo

    CGT..................... Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil

    CIBRAZEM......... Companhia Brasileira de Armazenamento

    CLT....................... Consolidao das Leis Trabalhistas

    CMN..................... Conselho Monetrio Nacional

    CNBB................... Sistema de Educao pelo Rdio

    CNEN................... Comisso Nacional de Energia Nuclear

    COBAL................. Companhia Brasileira de Alimentos

  • COCAP................. Comisso Coordenadora da "Aliana para o Progresso"

    CONTAG.............. Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

    CONTEL.............. Conselho Nacional de Telecomunicaes

    COPLAN.............. Comisso Nacional do Planejamento

    COSIPA................ Companhia Siderrgica Paulista

    CPC....................... Centro Popular de Cultura

    CSN...................... Companhia Siderrgica Nacional

    CVRD................... Companhia Vale do Rio Doce

    CVSF.................... Comisso do Vale do So Francisco

    DNOS................... Departamento Nacional de Obras e Saneamento

    DNPM................... Departamento Nacional de Produo Mineral

    EMBRATEL......... Empresa Brasileira de Telecomunicaes

    EUA...................... Estados Unidos da Amrica

    FIDENE................ Fundo de Investimentos para o Desenvolvimento Econmico e Social

    do Nordeste

    FMI....................... Fundo Monetrio Internacional

    FPN....................... Frente Parlamentar Nacionalista

    FRONAPE............ Frota Nacional de Petroleiros

    FUNAI.................. Fundao Nacional do ndio

    GEIFAR................ Grupo Executivo da Indstria Qumico-Farmacutica

    IAPI...................... Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos

    IBAD.................... Instituto Brasileiro de Ao Democrtica

    IBGE..................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IBOPE................... Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica

    ICM....................... Imposto sobre Circulao de Mercadorias

    II PND................... Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento

    IPASE................... Instituto de Previdncia e Assistncia dos Servidores do Estado

    IPES...................... Instituto de Polticas Econmicas e Sociais

  • IPI......................... Imposto sobre Produtos Industrializados

    ISEB...................... Instituto Superior de Estudos Brasileiros

    ITT........................ International Telephone & Telegraph

    IVOR.................... Imobiliria Volta Redonda

    LIMDE.................. Liga da Mulher Democrtica

    MCP...................... Movimento de Cultura Popular

    MEB...................... Movimento de Educao de Base

    MNCA.................. Movimento Nacional contra o analfabetismo

    NOVACAP........... Companhia Construtora da Nova Capital

    NUCLEOBRAS.... Empresa Nuclear Brasileira S.A

    ONU...................... Organizao das Naes Unidas

    PAEG.................... Plano de Ao Econmica do Governo

    PCB....................... Partido Comunista do Brasil

    PDC...................... Partido Democrtico Cristo

    PEI........................ Poltica Externa Independente

    PENESA............... Pescas do Norte S.A.

    PL.......................... Projeto de Lei

    PR......................... Partido Republicano

    PRP....................... Partido Republicano Progressista

    PSB....................... Partido Socialista Brasileiro

    PSD....................... Partido Social Democrtico

    PSI........................ Processo de Substituio de Importaes

    PSP........................ Partido Social Progressista

    PTB....................... Partido Trabalhista Brasileiro

    PUA...................... Pacto de Unidade e Ao

    SAMDU................ Servio de Assistncia Mdica Domiciliar e de Urgncia

    SFH....................... Sistema Financeiro da Habitao

  • SIDESC................ Siderrgica de Santa Catarina S.A

    SOTELCA............ Termoeltrica de Tubaro S.A.

    SUDENE.............. Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste

    SUDEPE............... Superintendncia do Desenvolvimento da Pesca

    SUMOC................ Superintendncia da Moeda e do Crdito

    SUNAB................. Superintendncia Nacional de Abastecimento

    SUPRA................. Superintendncia de Poltica Agrria

    UDN...................... Unio Democrtica Nacional

    UEEs..................... Unies estaduais dos estudantes

    UNE...................... Unio Nacional dos Estudantes

    USB...................... Unio Social Brasileira

    USIBA.................. Usina Siderrgica da Bahia

    USIMINAS........... Usinas Siderrgicas de Minas Gerais S/A

    USP....................... Universidade de So Paulo

  • SUMRIO

    1 INTRODUO.......................................................................................................... 31

    2 O LEGADO DE VARGAS........................................................................................ 37

    2.1 Da Revoluo de 30 ao projeto Vargas.............................................................. 38

    2.2 O panorama da economia brasileira no incio da dcada de 60: do governo

    JK crise poltico-econmica do governo Goulart..................................................... 49

    2.3 O conceito de populismo e a formao do trabalhismo no Brasil....................... 65

    2.4 A trajetria e o pensamento poltico-econmico de Joo Goulart at a

    presidncia...................................................................................................................... 81

    2.5 A herana de Getlio Vargas: o projeto trabalhista............................................. 92

    3 O CONTEXTO ECONMICO DA CRISE........................................................... 101

    3.1 O desempenho macroeconmico e as caractersticas da economia brasileira.... 101

    3.2 O setor externo da economia brasileira................................................................. 127

    3.2.1 Estrutura da pauta de exportao e importao...................................................... 128

    3.2.2 O balano de pagamentos....................................................................................... 133

    3.2.3 Reservas internacionais e dvida externa................................................................ 149

    3.2.4 Principais indicadores de vulnerabilidade externa.................................................. 154

    4 O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART.......................... 167

    4.1 A implementao de um projeto: planejamento econmico, investimentos em

    setores estratgicos e as realizaes do governo Joo Goulart.................................. 167

    4.1.1 A instituio do planejamento, relaes com o legislativo e ndices de

    aprovao de governo...................................................................................................... 167

    4.1.2 Diretrizes da ao governamental........................................................................... 178

    4.1.2.1 Poltica de Explorao dos Recursos Minerais e de Energia Hidrulica........... 183

    4.1.2.2 Poltica Nacional de Energia Eltrica, Nuclear e de Petrleo........................... 185

    4.1.2.3 Poltica de Transportes........................................................................................ 190

    4.1.2.4 Poltica Nacional de Telecomunicaes.............................................................. 193

    4.1.2.5 Poltica de Agricultura e Abastecimento............................................................. 195

    4.1.2.6 Poltica para a Indstria de Transformao....................................................... 198

    4.1.2.7 Poltica de Descentralizao Espacial dos Investimentos................................... 202

    4.1.2.8 Poltica Nacional de Educao, Cincia e Tecnologia....................................... 204

  • 4.1.2.9 Poltica Nacional de Sade.................................................................................. 209

    4.1.2.10 Poltica de Habitao e Saneamento................................................................. 211

    4.1.2.11 Diretrizes da Poltica Oramentria e de Financiamento................................ 214

    4.1.2.12 Poltica de Mercado de Trabalho...................................................................... 218

    4.1.2.13 Poltica de Reestruturao Institucional e outras aes relevantes.................. 220

    4.2 O Plano Trienal e as Mensagens ao Congresso Nacional de 1963 e 1964: a

    continuao do processo de substituio de importaes no departamento de

    bens de capital e intermedirios e a Poltica Externa Independente.........................

    232

    4.3 As Reformas de Base: objetivos e a finalidade...................................................... 258

    4.3.1 A reforma poltica e eleitoral.................................................................................. 272

    4.3.2 A reforma administrativa........................................................................................ 275

    4.3.3 A reforma tributria e oramentria........................................................................ 277

    4.3.4 A reforma bancria................................................................................................. 284

    4.3.5 A reforma agrria.................................................................................................... 294

    4.3.6 A reforma da educao e universitria.................................................................... 299

    4.3.7 A reforma urbana.................................................................................................... 304

    4.3.8 A reforma cambial e do estatuto do capital estrangeiro.......................................... 308

    4.4 A sntese do pensamento de Goulart: o discurso da Central do Brasil............... 312

    5 CONCLUSO............................................................................................................ 327

    REFERNCIAS............................................................................................................. 337

    APNDICE A - Uma breve comparao entre algumas propostas do Plano Trienal e

    das Mensagens ao Congresso Nacional de 1963-1964, do PAEG e do II PND.............. 359

    ANEXO A Agenda governamental em 1963............................................................... 369

    ANEXO B Trechos de discursos de Joo Goulart, 1953-1964.................................... 381

  • 31

    1 INTRODUO

    O ano de 1964 pode ser considerado um marco para visualizar de forma clara dois

    projetos para o pas. De um lado, havia o nacional-desenvolvimentismo, baseado na

    construo de um capitalismo nacional por meio de incentivo a empresas locais. De outro,

    havia o desenvolvimentismo associado-dependente, que tinha como agente principal o capital

    estrangeiro para a construo do capitalismo no Brasil1. Em ambos o papel do Estado era

    crucial, contudo com algumas diferenas em sua forma de atuao. No primeiro, ao Estado se

    impunha uma atuao muito mais interventora e estatista; no segundo, embora continuasse

    intervindo, admitia-se mais um papel regulador e estimulador ao capital estrangeiro. Esses

    projetos tinham pontos convergentes. Dentre eles cabe destacar dois. O primeiro era o

    objetivo do crescimento econmico. O segundo consistia no papel importante do Estado para

    a industrializao brasileira. Cabe a ressalva aqui que, nesse momento, havia a convico

    quase generalizada de que crescimento e desenvolvimento econmico eram praticamente

    entendidos como sinnimos e que o simples alcance e manuteno do crescimento econmico

    ocasionaria uma melhoria nas condies de vida de toda a populao.

    Atualmente o Estado continua sendo um agente relevante. Entretanto as economias

    passam por um processo que vem sendo denominado de globalizao, o qual traz

    significativas transformaes nas esferas poltica, cultural, tecnolgica e econmica. No

    Brasil, esse processo chegou de forma mais lenta no incio da dcada de 1990, j que durante

    a dcada de 1980 o combate inflao foi prioridade dos governos no pas. Embora o

    crescimento econmico fosse um objetivo, pelo menos no plano retrico do discurso oficial,

    esse foi relegado a segundo plano em razo da instabilidade monetria. Entretanto, com o

    advento do Plano Real, a estabilidade passou a ser o status quo da economia brasileira e um

    novo anseio nacional crescimento com distribuio de renda - voltou a ser visto por alguns

    economistas como prioridade num pas de enormes desigualdades sociais e regionais. Nesse

    contexto que ressurge o questionamento da importncia de um projeto de nao para que

    insira como ponto relevante a insero da economia brasileira diante de novo contexto

    internacional que se delineia.

  • 32

    O objetivo de promover o crescimento econmico tendo como prioridade a

    distribuio de renda algo recente na poltica econmica. Contudo, ele parece ter existido de

    forma concreta h algumas dcadas, mais precisamente no governo do ex-presidente Joo

    Goulart.

    Esse projeto de nao comeou a ser construdo antes da dcada de 1960, em

    especial durante a Era Vargas, quando podemos dizer que o Estado brasileiro teve sua

    consolidao como interventor na economia. No mbito econmico, o projeto Vargas, que

    ficou conhecido como nacional-desenvolvimentismo, foi a opo adotada. Nacional, porque

    via na dependncia comercial, tecnolgica e financeira o principal entrave ao

    desenvolvimento. Para isso seria necessrio o fortalecimento do capital nacional de forma a

    promover o fortalecimento da indstria brasileira e de controlar e diminuir a influncia do

    capital estrangeiro. Como aquele capital era incipiente, visto que grande parte ainda estava

    direcionado para a economia agroexportadora, a etapa inicial do projeto de industrializao

    deveria ser apoiada fortemente pelo Estado. O capital estrangeiro seria importante, mas o

    Estado delimitaria em que reas ele atuaria.

    O Projeto Vargas tinha como alicerce a participao do Estado na economia e essa

    atuao deveria respaldar-se por meio de vrios instrumentos. Primeiramente, com a atuao

    das empresas estatais. Em segundo, por meio do planejamento e da distribuio setorial dos

    investimentos. Em terceiro, pela subordinao das polticas monetria, fiscal e cambial ao

    objetivo prioritrio do desenvolvimento. Em quarto, pelo controle dos fluxos de capital

    estrangeiro. Em quinto, pela expanso da previdncia social e da legislao ao trabalho. Por

    fim, a promoo do mercado interno por intermdio de uma redistribuio de renda mais

    equitativa que se tentou implementar, como no governo Goulart.

    O governo Joo Goulart gerou inmeras controvrsias, pois desde que assumiu a

    presidncia do pas houve enorme contestao por segmentos de polticos civis e de militares

    sobre sua legitimidade e uma constante luta para obt-la. Goulart foi eleito vice-presidente

    com Jnio Quadros, embora fossem adversrios, j que a constituio permitia a eleio de

    Presidente e Vice-Presidente de chapas separadas. Este, embora representando o pequeno

    Partido Democrtico Cristo (PDC), contava com o apoio da Unio Democrtica Nacional

    (UDN) e sua campanha baseou-se na moralidade e no combate corrupo. Eleito, renunciou

    depois de sete meses. Internamente foi marcado por uma poltica econmica conservadora;

    entretanto, no mbito da poltica externa, Jnio surpreendeu indo em direo poltica

    1 Embora a existncia e a denominao destes dois projetos no sejam consenso na literatura, adota-se essa

    concepo, a qual ser objeto de maior detalhamento a seguir.

  • 33

    externa independente (PEI). A PEI representou, dentre outras consequncia a ampliao das

    relaes comerciais com os pases do bloco socialista.

    Com a renncia de Quadros, assumiu o poder o vice-presidente Joo Goulart em

    uma situao tumultuada. Os ministros militares e as foras de apoio ao presidente Jnio

    Quadros no aceitavam a posse de Joo Goulart, que estava em misso oficial na China.

    Contudo, no sul do pas seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura

    Brizola, iniciou a Campanha da Legalidade, que culminou na negociao de uma soluo de

    compromisso por meio do parlamentarismo, tendo como primeiro ministro Tancredo Neves.

    O governo Goulart, ento, pode ser dividido em dois perodos: de 1961 a 1962, num regime

    parlamentarista e de 1963 a 1964 num regime presidencialista, ao qual retornou aps o

    plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963.

    O governo Goulart enfrentou os mesmos problemas do seu antecessor: economia

    com crescente inflao e estagnao do PIB. Para isso, o governo lanou o Plano Trienal e

    aprofundou a PEI. O Plano Trienal possua dois componentes bsicos. O primeiro consistia

    em medidas de combate inflao e o segundo as chamadas Reformas de Base (reformas

    agrria, eleitoral, universitria, bancria, da legislao sobre o capital estrangeiro, urbana e a

    tributria). Entretanto, esse plano no pde ser implementado em sua totalidade, posto que foi

    interrompido por meio do golpe civil-militar de 1964. A oposio ao governo Goulart

    considerava-o catico, sem objetivos e cooptado pelas foras comunistas no pas. Dessa

    forma, justificou-se o golpe como a forma de se restabelecer a ordem e a seriedade no trato

    com os assuntos de interesse nacional.

    Entretanto, o questionamento a esse respeito levantado na literatura se realmente

    havia um projeto de desenvolvimento no governo Goulart, ou apenas medidas tomadas por

    presses conjunturais. Considera-se aqui o sentido mais amplo do termo projeto, ou seja, um

    conjunto de ideias conectadas (viso de como deveria ser o futuro) postas em prtica por meio

    de uma estratgia e aes com finalidade definidas. Afinado a este projeto de longo prazo,

    supe-se que deve existir um plano de governo, delineado e com objetivos definidos e

    conectados, implementados por intermdio de instrumentos para se alcanar um resultado. A

    finalidade dessa tese , portanto, contribuir para detectar e esclarecer qual seria o projeto de

    nao do governo Joo Goulart (1961-1964).

    A hiptese formulada que houve um projeto de desenvolvimento econmico e

    social no governo Joo Goulart e que esse seria uma continuao do nacional-

    desenvolvimentismo iniciado no governo Vargas. Entretanto, com uma nova varivel nesse

    processo: a proposta de reforma estrutural com forte vis distributivo para a promoo do

  • 34

    mercado interno. Essa preocupao com a redistribuio de renda era a varivel que

    distinguia o governo Goulart dos anteriores. O projeto era de carter capitalista, tendo como

    instrumento a continuidade do processo de substituio de importaes; entretanto, nessa

    etapa os departamentos principais a serem desenvolvidos seriam os de bens de capital e os de

    bens intermedirios.

    Para isso, o estudo pretende demonstrar, por meio da anlise das polticas e medidas

    efetivamente implementadas, pesquisadas em pronunciamentos, entrevistas, comunicados ao

    congresso, relatrios, enfim, amparando-se na anlise do discurso e de documentos do

    Presidente Joo Goulart e de seus ministros e assessores, a existncia desse projeto

    econmico e social para o Brasil. Ademais, analisar-se-o as polticas e medidas efetivamente

    implementadas, alm das sinalizadas por meio de planos e intenes. Dessa forma, espera-se

    contribuir para o estudo da formao econmica e social do Brasil tendo como delimitao

    cronolgica o perodo de 1961-1964.

    A pesquisa define-se como circunscrito rea da Histria Econmica. O uso da

    anlise do discurso pode ser uma valiosa fonte de estudo. Embora estudos de histria

    econmica geralmente consistem em anlise de dados, projees e simulaes de variveis

    econmicas, a investigao de variveis de difcil qualificao, tais como as instncias de

    poder, a constituio das classes sociais, o papel do Estado e a influncia poltica sobre as

    polticas econmicas implementadas ganham relevncia para compreender o mundo

    complexo da economia dentro de um contexto histrico determinado (FONSECA, 1989).

    A utilizao, tambm, da anlise do discurso como mtodo investigativo permite

    analisar construes ideolgicas presentes em um texto. O discurso a prtica social de

    produo de textos. Isso significa que todo discurso uma construo social, no individual, e

    que s pode ser analisado considerando seu contexto histrico-social, suas condies de

    produo; significa ainda que o discurso reflete uma viso de mundo determinada,

    necessariamente vinculada ao seu autor e sociedade em que viveu. Por isso, a anlise do

    discurso pode apontar para a viso de mundo, ou seja, para a existncia de ideias conectadas

    para uma finalidade. A partir destas constataes, pode-ser inferir que o trabalho de

    reconstruo do passado uma tarefa muito mais complexa do que ler e interpretar os

    documentos. Faz-se necessrio analis-los, considerando as particularidades formais dos

    textos e os processos de produo de sentido. Conforme Foucault (1996), os discursos so,

    portanto, saberes, ou seja, compreenses produzidas pelas sociedades sobre as relaes

    humanas. Os discursos no se limitam ao universo das ideias e no antecedem a organizao

    social, pois so inseparveis dela. Fazem-se presentes e constituem as prticas, as relaes

  • 35

    sociais, as instituies e as representaes, ou seja, o social (FOUCAULT, 1987). Entretanto,

    j o discurso poltico precisa ser analisado em duas linhas: o xito em desconstruir o outro e a

    forma como constri a si prprio, como oposio ao outro (PINTO, 2006).

    Portanto, o objetivo geral desta pesquisa investigar a existncia de um projeto

    econmico e social para o Brasil no governo Goulart e, em caso afirmativo, qual seria e o que

    pretendia. Para isso, como objetivos especficos temos; i) demonstrar que o governo Goulart

    propunha continuar o projeto Vargas; ii) mostrar que se pode perceber em Goulart um

    pensamento poltico coerente durante sua trajetria; iii) analisar o contexto poltico e

    econmico do perodo; iv) demonstrar a intencionalidade do governo em continuar o processo

    de substituio de importaes; v) verificar as realizaes do governo Goulart; e vi) investigar

    quais eram as reformas de base e qual a sua finalidade.

    Deve-se ter em vista que no perodo em anlise havia a convico, aceita em vrios

    crculos e inclusive em parte do governo, de que uma das principais causas do

    subdesenvolvimento estava na dependncia do pas para com o exterior. Portanto, o caminho

    para alcanar o desenvolvimento impunha a diminuio da dependncia, tanto comercial,

    produtiva e tecnolgica como financeira, e para isso seria necessrio desenvolver um mercado

    interno forte. Esse se consubstanciava nas reformas de base propostas no Plano Trienal.

    Ademais, interessante salientar a tamanha resistncia por parte de segmentos da sociedade

    em relao continuidade de um governo que teria apenas mais um ano de governo aps

    1964. Para tanto, essa pesquisa procura contribuir com a viso de que o presidente Joo

    Goulart expressa, por meio da documentao analisada, uma noo bem deliberada dos seus

    objetivos e que propunha aprofundar o projeto de desenvolvimento nacional iniciado com o

    presidente Vargas. Dessa forma, pode-se sustentar que agentes polticos e econmicos

    tiveram seus interesses contrariados com esse projeto e sugerir a tese de que a principal causa

    do golpe civil-militar foi a rejeio a um projeto de desenvolvimento com forte vis

    distributivo.

    A fim de alcanar esses objetivos, a presente tese esta organizada da seguinte

    maneira. No captulo 1, pretende-se demonstrar as influncias das ideias de Vargas no

    pensamento de Goulart. O captulo retoma a Revoluo de 1930 e a ruptura com o modelo

    agroexportador, assim como procura delinear qual seria o projeto de Vargas. Em seguida,

    aborda-se o fenmeno do populismo e procurar-se- mostrar as diferenas da expresso

    populismo, difundida na literatura, com o legado trabalhista, sugerindo que o perodo Goulart

    foi um governo popular e trabalhista. No item posterior, pretende-se avaliar o discurso e as

    idias de Joo Goulart at assumir a presidncia, assim como reconstituir os principais fatos

  • 36

    de sua trajetria e expor seu pensamento poltico. Por fim, pretende-se apontar a evoluo do

    projeto Vargas para o projeto trabalhista.

    No captulo 2, apresentado o panorama da economia brasileira na conjuntura 1961-

    1964. Inicia-se com as caractersticas e os desequilbrios (interno e externo) da economia

    brasileira. Analisar-se-, tambm, o balano de pagamentos do Brasil, enfatizando a estrutura

    da pauta de exportaes e importaes, a balana de servios e as remessas de lucro e a dvida

    externa, e realizar-se- uma anlise da vulnerabilidade externa da economia brasileira do

    perodo.

    No captulo 3, realizado um detalhamento das realizaes do governo Goulart e

    sua relao com o legislativo. Aps, sero analisados os objetivos do Plano Trienal e das

    mensagens ao Congresso Nacional. Nesse ponto, pretende-se mostrar a inteno do governo

    em aprofundar o processo de substituio de importaes, em especial no setor de bens de

    capital. A seguir, procurar-se- examinar a Poltica Externa Independente e mostrar a inteno

    do governo em diversificar as exportaes e buscar novos mercados como forma de diminuir

    a dependncia externa. Aps, pretende-se apresentar as Reformas de Base, seus objetivos e

    sua finalidade. Conclui-se o presente estudo sistematizando o projeto de Goulart e

    demonstrando a atualidade de muitas das reformas de base para o Brasil.

  • 37

    2 O LEGADO DE VARGAS

    A economia brasileira passou por profundas transformaes no sculo passado. Do

    incio da dcada de 1930 ao fim dos anos 50, transitou de uma economia agroexportadora -

    tendo a pauta de exportao centrada fortemente num nico produto, o caf para a maior

    economia industrializada da Amrica Latina. Esse perodo foi denominado Era Vargas,

    tendo como lder o ex-presidente Getlio Dornelles Vargas, que governou o Brasil por dois

    perodos. O primeiro durou de 1930 a 1945 e o segundo de 1950 a 1954. Vargas chegou ao

    poder por meio do golpe civil-militar de 1930, que deps o ex-presidente Washington Lus e,

    a partir de ento, implementou uma poltica de defesa do caf. Paulatinamente, incentivou o

    processo de industrializao do pas por meio de uma poltica econmica que favorecia a

    industrializao, principalmente no setor de bens de consumo no-durveis. Esse processo foi

    chamado de Substituio de Importaes (PSI).

    Mesmo aps o suicdio de Vargas, em agosto de 1954, a polarizao no campo das

    ideias polticas e econmicas entre os chamados getulistas e anti-getulistas continuou a se

    acentuar, chegando a seu pice em 1964. Os primeiros, partidrios das ideias de maior

    interveno do Estado e de proteo ao trabalho, iniciados no governo Vargas. Os segundos,

    contra a participao acentuada do Estado na economia, os quais englobavam tanto os

    defensores da vocao agrcola para o pas como os que defendiam a industrializao, mas

    com menos participao do Estado e com maior presena do capital estrangeiro. Essas ideias

    influenciaram muitos polticos no pas e suas decises no mbito econmico nos anos

    posteriores a Vargas.

    O Brasil da dcada de 1960 era muito diferente daquele da dcada de 1930. Nos anos

    30, grande parte da populao encontrava-se no campo; a participao da agricultura, na

    composio do PIB, era maior que 60% e, embora existisse indstria, esta era incipiente e

    gravitava na economia cafeeira. Com a morte de Getlio Vargas, as ideias e a sua viso de

    pas continuaram sendo defendidas por alguns polticos, em especial, Joo Belchior Marques

    Goulart, o Jango.

    O objetivo geral desse captulo demonstrar a influncia das ideias de Vargas, assim

    como o projeto de desenvolvimento existente durante esse governo, no pensamento poltico e

    econmico de Joo Goulart. Comea-se demonstrando a "ruptura" do modelo agrrio-

    exportador e a escolha do tipo e da forma de intensificar a industrializao brasileira,

    prioritria a partir de 1930. Posteriormente, procura-se discutir o sentido do que seria

    populismo, e apresentar qual seria o que se denomina de a doutrina trabalhista. No correr

  • 38

    deste captulo, pretende-se demonstrar que Goulart, ao assumir a Presidncia da Repblica,

    era um poltico experiente e focado na implementao de um projeto ao qual se pode

    denominar de trabalhista, sintetizado no programa do seu partido o PTB.

    2.1 Da revoluo de 30 ao projeto Vargas

    Durante a dcada de 1920, em razo das incertezas quanto ao rumo da economia

    brasileira, cresceram os debates em torno da necessidade de um projeto para o pas, inclusive

    sobre a necessidade ou no da industrializao. Esses debates surgiam concomitantes com as

    crises recorrentes do setor cafeeiro e com a crescente industrializao dos pases

    desenvolvidos. Entretanto, embora houvesse certo crescimento industrial no perodo, o pacto

    poltico-econmico vigente se, de um lado, no era contrrio indstria, de outro lado

    voltava-se firmemente manuteno da economia agro-exportadora como principal alicerce

    da economia nacional.

    A chamada Repblica Velha (1889-1930) caracterizava-se pelo predomnio da atividade

    de exportao, a chamada economia agroexportadora. O caf foi, nesse perodo, o principal

    produto responsvel pela entrada de divisas no pas. Estas eram as responsveis pela

    possibilidade de importao de produtos manufaturados, visto que, embora j houvesse

    diversas indstrias, essas ainda eram incipientes e ligadas economia cafeeira. Salienta-se

    duas correntes explicativas para a formao e expanso da indstria no Brasil. A primeira,

    chamada de industrializao induzida pelas exportaes, argumenta que o surgimento da

    indstria residia na expanso da economia cafeeira, gerando divisas que permitiam aos

    industriais importarem mquinas e equipamentos em perodos de prosperidade. A segunda,

    chamada de teoria dos choques adversos, sustenta que o crescimento industrial decorria das

    crises do setor cafeeiro. Nesse sentido, um dos pilares da poltica de valorizao do caf era a

    desvalorizao cambial. Se, por um lado, uma taxa cambial mais desvalorizada incentivava as

    exportaes de caf, por outro lado dificultava a importao de produtos manufaturados, o

    que incentivava a produo local desses produtos (VERSIANI; SUZIGAN, 1990).

    Para entender o episdio conhecido como Revoluo de 1930, importante retroceder

    ao ano de 1922. Esse foi um ano crtico para o governo brasileiro, pois foi repleto de disputas

    polticas e levantes militares. Entre estes, surgiu o movimento militar chamado tenentismo,

    que embora no fosse unificado ideologicamente, tinha no seio de suas reivindicaes a

    mudana na poltica nacional, ou seja, o fim da repblica das oligarquias. O escopo dessas

    mudanas residia na moralizao da administrao pblica, da instituio do voto secreto, da

  • 39

    criao de uma justia eleitoral independente e na defesa do nacionalismo econmico, embora

    muitas vezes difuso. Pregava-se, tambm, uma reforma na educao pblica. Esse movimento

    foi o alicerce para as transformaes polticas e econmicas ocorridas na dcada de 30.

    A industrializao apenas comeou a ganhar importncia com o esgotamento do modelo

    agroexportador baseado no caf, durante os anos 1920, o qual conheceu seu colapso em 1929.

    Conforme Furtado (1962), nas dcadas posteriores, com a crescente expanso do mercado

    interno, houve um deslocamento do eixo dinmico da economia do setor primrio para a

    indstria. Para este autor, com a Grande Depresso as contradies do modelo agroexportador

    comearam a aparecer com mais nitidez. A grande participao de um nico produto na pauta

    de exportao deixava vulnervel o abastecimento de manufaturados importados para o

    mercado interno. Portanto, a necessidade de industrializar o pas parecia latente. Alm disso, a

    crescente expanso da populao no meio urbano ocasionava uma maior demanda por

    produtos manufaturados.

    A camada social emergente de empresrios industriais e da classe mdia urbanizada,

    formada por intelectuais e principalmente por militares, assim como da grande massa de

    trabalhadores, comeavam a participar da vida poltica do pas, crescendo os questionamentos

    quanto ao rumo da economia brasileira, centrada nas exportaes de caf. Esses

    descontentamentos podem ser analisados em quatro esferas: cultural, econmica, poltica e

    militar. No mbito cultural, um dos movimentos de mais repercusso foi a Semana de Arte

    Moderna de 1922, que trouxe para o debate a questo da identidade nacional. Na esfera

    econmica, cresceu o questionamento da vocao agrcola do Brasil e da necessidade de

    uma industrializao no pas. No mbito poltico, surgiu uma aliana de grupos oligrquicos

    no hegemnicos, especialmente formados por polticos dos estados do Rio Grande do Sul,

    Rio de Janeiro, do norte e nordeste. No mbito militar, o descontentamento de alguns oficiais

    mais jovens fez surgir, como dito anteriormente, o movimento tenentista, que vai ser um dos

    pilares da Revoluo de 1930. Portanto, a conjuno desses fatores, aliada recesso

    proveniente da Grande Depresso, ocasionou um movimento poltico-militar que deps o

    presidente, e a partir da comeou-se a reverter o quadro de vocao agrcola do Brasil.

    Assim, no contexto externo, o colapso da Bolsa de Nova York em 1929 generalizou uma

    enorme crise para o conjunto da economia mundial. Esse fato afetou a economia

    agroexportadora que, desde a Primeira Guerra Mundial, apresentava sinais de declnio. No

    contexto interno, ocorreu uma mudana poltica. O golpe de estado que deps o presidente

    Washington Lus trouxe mudanas no ambiente poltico do pas. Essas mudanas foram

    lideradas por Getlio Vargas, que para superar a crise econmica implementou um projeto

  • 40

    industrializante baseado na substituio de importaes e na proteo ao trabalho com forte

    participao do Estado e do capital nacional, o qual ficou conhecido como nacional-

    desenvolvimentismo. Esclarece Fonseca:

    [...] que quaisquer termos ou expresses para designar fenmenos sociais complexos

    apresentam limitaes, embora no se possa dispens-los. No caso, prefere-se aqui manter a denominao tradicional de Nacional-Desenvolvimentismo, a qual ainda

    parece mais apropriada diante das outras opes, como varguismo (sugere um

    projeto mais pessoal), "nacional-populismo" (j traz consigo de imediato uma carga

    desqualificadora e depreciativa) ou nacional-estatismo (posto que, embora a

    presena do Estado seja fundamental em sua implementao, o projeto contraria o

    que comumente denota a palavra estatismo, a qual usada contrapor estado

    sociedade ou, alternativamente, a capitalismo e a mercado). No caso, no

    representou nem uma imposio do estado sociedade, posto que nesta foi gestado e

    enraizado socialmente ao longo de sua vigncia, nem tampouco pretendia ocupar o

    espao da iniciativa privada ou suprimi-Ia, j que se tratava de um projeto de

    desenvolvimento capitalista (FONSECA, 2009, p.2).

    Analisando-se o impacto da crise de 1929 no balano de pagamentos brasileiro, verifica-

    se que com a diminuio do ritmo de crescimento das exportaes de caf que, conforme Baer

    (2002), correspondia a 71% das exportaes, aumentou a escassez de divisas. Alm disso, as

    importaes cresciam em maior proporo do que as exportaes, o que ocasionava um

    estrangulamento externo em virtude da escassez de moeda estrangeira para abastecer o

    mercado interno com os produtos importados. Segundo Furtado (1962), durante a dcada de

    1920, as exportaes cresceram 10% enquanto as importaes cresceram 100%. Esse

    panorama mostra a tendncia de um colapso das contas externas brasileira, agravado agora

    pela crise da economia mundial com a quebra da bolsa. Com os preos dos produtos primrios

    caindo no mercado internacional e a escassez de crdito externo para continuar financiando a

    compra do caf, a crise cambial comeava a ficar insustentvel, o que levava reduo das

    reservas. O dficit na balana comercial no cobria o histrico dficit da balana de servios

    proveniente do pagamento de juros da dvida. Ademais, a balana de capitais sofreu o impacto

    da crise mundial com a diminuio da entrada dos crditos externos e do aumento dos

    encargos da dvida externa.

    No mercado interno, a crise do setor exportador impactava com a queda da renda. Com

    esta, reduzia-se o pagamento de salrios e, assim reduzia-se a demanda de consumo

    dificultando a expanso da indstria razovel admitir que essas dificuldades no mbito

    econmico favoreceram mudanas na esfera poltica, embora a formao da chapa

    oposicionista liderada por Vargas a Aliana Liberal, deu-se antes da deflagrao da crise

    mundial (incio de 1929, quando a crise foi deflagrada a partir de outubro desse ano). Nas

    eleies presidenciais de 1930, a oposio sofreu uma derrota. Esta chapa oposicionista,

  • 41

    formada por uma coligao de mbito nacional, principalmente com polticos descontentes

    com a poltica do caf com leite2, no aceitou a eleio de Julio Prestes por considerar as

    eleies manipuladas. Assim, surgiu um movimento, com apoio militar, que deps o

    presidente Washington Lus.

    No dia 03 de novembro de 1930, Vargas assumiu a chefia do Governo Provisrio do

    Brasil (1930-1934), trazendo consigo o programa econmico-social da Revoluo de 1930.

    Na plataforma de Vargas estava em evidncia a instituio do voto secreto e universal, assim

    como a institucionalizao do ensino pblico gratuito. Encaminhou a modernizao eleitoral e

    as leis sociais; durante este perodo seu governo teve carter ditatorial e foram nomeados

    interventores em diversos estados. Vargas tambm demonstrava apoio industrializao e

    acenava para uma melhoria nas condies de trabalho dos assalariados urbanos,

    principalmente os operrios.

    Vargas, com o apoio dos militares, fez mudanas significativas na vida econmica e

    poltica do pas durante sua permanncia no governo. Alm da defesa do caf, por meio da

    queima de estoques, o governo lanou o novo Cdigo Eleitoral, que estabeleceu o voto

    secreto para maiores de 21 anos alfabetizados e criou a Justia Eleitoral, assim como

    sancionou vrias leis regulamentando as relaes de trabalho no Brasil. Sua ascenso ao poder

    coincidiu com a crise econmica proveniente da queda da exportao de caf. As

    circunstncias impunham que o problema das contas externas comeasse a ser enfrentado

    rapidamente e foi lanado um conjunto de medidas para incentivar as exportaes e reter as

    importaes; assim, paulatinamente, apontava-se para a direo de substitu-las por produo

    local.

    Getlio definia seu governo como de reconstruo nacional. Para isso acenava, em seu

    discurso de posse, com vrias transformaes. Conclamava a unio dos brasileiros para um

    reajustamento social e econmico do pas. No terreno financeiro e econmico, inclua entre as

    tantas providncias essenciais a executar, a restaurao do critrio pblico ao fortalecimento

    das fontes produtoras, abandonadas s suas dificuldades e asfixiadas sob o peso de tributaes

    de exclusiva finalidade fiscal (VARGAS, 2004, p. 45). Seu programa de governo estava

    baseado em seis alicerces. O primeiro era uma reforma poltica, por meio da garantia do

    direito de voto secreto e universal, para isso foi realizada uma Assemblia Constituinte para

    redigir uma nova carta magna. O segundo, uma reforma na educao, por meio da difuso

    intensiva do ensino pblico, especialmente tcnico-profissional. O terceiro, uma reforma

    2 Denominao tradicional do pacto entre polticos, representantes da oligarquia mineira e paulista, para

    alternarem-se na presidncia da Repblica nas trs primeiras dcadas do sculo XX.

  • 42

    trabalhista, com a proteo do trabalho urbano assalariado e uma poltica de imigrao como

    reforo presena intervencionista e planejadora do Estado na economia. O quarto, uma

    reforma no Estado, por intermdio de uma racionalizao dos quadros do funcionalismo

    pblico, no contexto da modernizao da economia, assim como uma moralizao do servio

    pblico. Em quinto, uma reforma tributria, fazendo modificaes no sistema tributrio, de

    modo a dar respaldo produo nacional. Em sexto, uma reforma econmica que visava

    proteo economia nacional, em especial a indstria, por meio de uma interveno do

    Estado para modernizar a economia. Alm desses pontos bsicos, houve tambm medidas que

    visavam ao saneamento, valorizao da autonomia do papel das Foras Armadas e

    integrao territorial do pas, mediante um plano de viao geral.

    Em relao proteo da economia nacional, pode-se mencionar duas importantes

    linhas de atuao. A primeira consistia no enfrentamento da crise cambial por meio de

    medidas econmicas que visavam ao equacionamento das contas externas. A segunda visava

    manuteno da demanda agregada e do nvel de emprego (FURTADO, 1962).

    Para enfrentar os problemas do balano de pagamentos, Vargas adotou basicamente

    quatro medidas. A primeira, relacionava-se dvida externa, que trazia impactos negativos

    balana de servios e de capital. O governo suspendeu parte dos pagamentos da dvida e fez

    uma auditoria, reduzindo-a expressivamente. Constatou-se que somente 40% dos contratos

    estavam documentados. Com isso, na negociao feita conseguiu-se uma reduo

    significativa da dvida externa. A segunda, terceira e quarta consistiam em medidas para

    reduzir as importaes por intermdio do controle de cmbio, a desvalorizao da moeda

    nacional e a elevao de tarifas de importao.

    Com a queda das exportaes, engendrou-se na economia brasileira uma escassez de

    divisas, a qual pressionou para a desvalorizao da moeda nacional. Ademais, o governo

    sustentava essa desvalorizao e encarecia os produtos importados como mecanismo de

    incentivo s exportaes; esta medida, adotada conscientemente ou no, resultava na

    promoo da industrializao3. Contudo o problema histrico brasileiro a dvida

    continuava a pesar sobre as contas externas. Os encargos com juros e a remessa de lucros para

    o exterior neutralizavam o resultado positivo da balana comercial. Entretanto, esse problema

    foi enfrentado quando Vargas suspendeu parte do pagamento da dvida e congelou a remessa

    de lucros para o exterior.

    3 Enquanto Furtado (1962) advoga que as medidas no foram conscientes em defesa da indstria, mas

    subproduto da preocupao com a defesa do nvel de renda do caf. Fonseca tem entendimento contrrio e

  • 43

    Para garantir a manuteno da demanda agregada e do nvel de emprego, o governo

    adotou inicialmente uma poltica de defesa do caf. Essa poltica consistia em manter o nvel

    de renda da economia cafeeira por tempo determinado como forma de proteger a economia

    nacional e no de favorecer exclusivamente os cafeicultores como era feito com o Acordo de

    Taubat. O governo federal criou o Conselho Nacional do Caf, rgo voltado, dentre outros

    objetivos, a acompanhar o preo do caf e para impedir que o preo continuasse a cair. A

    mudana mais importante em relao ao referido acordo foi a forma de financiamento.

    Enquanto antes de Vargas, pelo acordo de Taubat, o financiamento era por meio de

    endividamento externo, com a nova poltica de defesa do caf esse financiamento foi

    realizado por intermdio do aumento de impostos e de emisso monetria que incentivavam a

    expanso da renda e do crdito (FONSECA, 1989). Mais adiante, o governo comeou a

    destruir os estoques comprados como meio de manter o equilbrio entre demanda e oferta. Ao

    invs de o governo garantir a rentabilidade do setor cafeeiro, promoveu a substituio gradual

    dos investimentos, diversificando tanto a produo agrcola como incitando a produo

    industrial. Essa poltica de defesa, aliada s medidas de reduo das importaes, manteve o

    nvel de renda e emprego da economia, bem como contribuiu para que a participao da

    indstria no PIB aumentasse.

    Embora antes de 1930 houvesse alguns perodos de crescimento da produo industrial,

    foi durante o governo Vargas que este se verificou com maior intensidade e passou a contar

    com instrumentos e rgos estatais voltadas a sua defesa. Enfim, a forma de ampliar e

    consolidar a indstria foi, por meio de novo modelo, o Processo de Substituio de

    Importaes (PSI), que visava produzir internamente produtos que pesavam na pauta de

    importao. O governo Vargas mudou a concepo de que o Brasil tinha um destino marcado

    pela vocao agrcola, o que legitimava a dependncia da demanda externa, e passou,

    paulatinamente, a criar condies para que a economia brasileira retomasse o crescimento

    independentemente do desempenho dos pases desenvolvidos. Para isso, o governo comeou a

    praticar medidas protecionistas e intensificar a ao do Estado na economia para promover e

    proteger a indstria nascente e a demanda interna. Por meio da implantao do controle de

    cmbio, desvalorizao da moeda nacional e com a elevao das tarifas para produtos

    importados, o Brasil diminuiu sensivelmente o volume de bens trazidos de fora, deixando de

    ter saldo deficitrio na balana comercial para um supervit (FONSECA, 1989).

    defende que j na dcada de 1930 pode-se detectar um projeto voltado industrializao do pas (FONSECA,

    2003).

  • 44

    Portanto, os pilares desse novo projeto de pas que se desenhava estava baseado no

    fomento indstria de bens de consumo no durveis e na promoo do mercado interno. Nas

    dcadas seguintes, acresce a estes a proposta de implementar a indstria de base, como a

    siderurgia, a alavancar o crescimento da economia brasileira. Em relao aos trabalhadores,

    Vargas criou o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio e decretou vrias leis de garantia

    do trabalho, sendo todas elas Consolidadas nas Leis do Trabalho (CLT). Entre essas cabe

    destacar a que obrigava as empresas a empregar 2/3 de trabalhadores de nacionalidade

    brasileira, assim como a lei sindical, a jornada de trabalho de 8 horas, o salrio mnimo,

    descanso semanal, frias, licena-gestante remunerada, instituio da segurana do trabalho,

    jornada de 6 horas para bancrios, telefonistas, mineiros e outras categorias profissionais e a

    instituio da Previdncia Social.

    De 1934 a 1937, sob vigncia de nova Constituio (que garantia o voto secreto e

    feminino e a consolidao das leis sociais), Vargas foi presidente constitucional, enfrentou a

    Intentona Comunista em 1935 e se valeu do perigo comunista para obter os apoios

    necessrios implantao de uma ditadura afinada com os fascismos da poca, o chamado

    Estado Novo. Essa revolta foi um dos pretextos para dar o golpe do Estado Novo, mas serviu

    tambm para a consolidao do Estado Nacional brasileiro. Uma das justificativas da

    implantao do regime ditatorial foi que eleies, com resqucios nos moldes anteriores, ou

    seja, manipulao e coero dos eleitores por meio do voto comprado ou forado,

    devolveriam o pas s antigas elites contrrias prioridade da industrializao. As eleies

    marcadas para 1934 prorrogaram o mandato de Vargas at 1938. Contudo, com o golpe de

    1937, no houve eleies e o presidente permaneceu at ser deposto pelos militares em 1945.

    Mesmo no regime ditatorial, Vargas enfrentou outro levante, liderado pela Ao Integralista

    Brasileira, cujos adeptos estavam mais prximos do modelo do fascismo italiano; como os

    anteriores, este foi dizimado.

    Se, por um lado, o Estado Novo representou um retrocesso ao regime democrtico, por

    outro lado foi fundamental para o avano de mudanas de carter econmico e social

    mencionadas anteriormente. Aos poucos a estrutura administrativa foi sendo montada; criou-

    se o Departamento Administrativo do Servio Pblico (DASP). Alm da suspenso dos

    pagamentos de juro e amortizao da dvida externa e da adoo da legislao do trabalho, o

    governo, paralelamente implantao da indstria de base, criou o Conselho de Economia

    Nacional que lanou o primeiro plano de aes do governo, o Plano Quinquenal.

    Em especial durante o Estado Novo, o governo inaugurou a grande indstria de base no

    pas por meio da instalao da siderurgia. Em 1939, foi criado o Plano de Especial de Obras

  • 45

    Pblicas e Aparelhamento da Defesa Nacional que visava ampliao da infraestrutura de

    comunicaes, transportes e siderurgia. Assim, em 1942 comeou a ser construda a primeira

    siderrgica estatal a Usina de Volta Redonda Companhia Siderrgica Nacional (CSN).

    Com o incio da Segunda Guerra Mundial, barganhando com os EUA, Getlio conseguiu um

    financiamento para a construo da siderrgica e em troca cedeu temporariamente um espao

    no nordeste para instalao de uma base area norte-americana. Em seguida, criou a

    Companhia Vale do Rio Doce, que forneceria os minrios necessrios indstria que estava

    para ser instalada.

    Com o golpe de 10 de novembro de 1937, liderado por Vargas, aumentaram a

    centralizao administrativa e a supresso dos direitos polticos. No mbito econmico, o

    governo propunha modernizao da nao por meio de polticas que propiciassem um Estado

    forte, centralizador, planejador e interventor. Ele seria o agente fundamental na produo,

    definindo prioridades e setores estratgicos, e no desenvolvimento econmico. Do ponto de

    vista econmico, seu legado foi a ideia de que o governo precisaria recorrer ao planejamento

    para alcanar o crescimento econmico. Ademias, no bastava planejar, devia liderar esse

    crescimento econmico com vistas direo dos recursos. Do ponto de vista social, no

    primeiro momento, a incorporao dos trabalhadores urbanos organizao sindical; no

    segundo governo, a incorporao dos trabalhadores urbanos poltica. Enfim, pode-se

    resumir o conjunto de polticas pblicas implementadas por Vargas em: benefcios sociais aos

    trabalhadores, o incentivo industrializao, o fortalecimento da identidade nacional em

    detrimento dos regionalismos e a redefinio do papel do Estado como agente regulador das

    relaes entre empresrios e assalariados, alm de interventor, planejador e investidor na

    esfera econmica. Esse seria o seu legado, que seria institucionalizado como projeto poltico

    de um partido, o PTB.

    Com o fim do Estado Novo, em 1945, Vargas convocou eleies para o ano seguinte.

    Ao mesmo tempo em que setores pressionavam para o fim da ditadura, surgiu um movimento

    chamado Queremista que propunha as eleies para a nova Assembleia Constituinte com a

    permanncia de Getlio. A oposio desconfiou que era mais uma manobra do velho poltico

    para permanecer na presidncia. Com a crescente presso dos militares, Getlio Vargas foi

    deposto em outubro de 1945.

    Antes, porm, comearam as movimentaes de vrios segmentos sociais com vistas

    constituio de partidos polticos para concorrer s eleies. De um lado, os partidos

    getulistas, Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um de

    base agrria e de polticos que fizeram carreira no Estado Novo, o outro de base operria e de

  • 46

    inclinao social-democrata. De outro lado, um partido anti-getulista ligado ao setor agro-

    exportador, ao capital estrangeiro e parte da classe mdia: a Unio Democratica Nacional

    (UDN). Ademais, legalizou-se o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O candidato da PSD,

    Dutra, venceu as eleies e seu governo foi marcado, conforme Saretta (2002), por relativa

    continuidade na gesto econmica. Entretanto, esta no esconde diferenas importantes na

    conduo da poltica econmica.

    A marca da administrao Dutra (1946-1950), sobretudo no seu primeiro ano, foi

    a tentativa de relaxar os controles estatais sobre a economia, herdados da

    ditadura do Estado Novo e da excepcionalidade do perodo da guerra. A par do

    fechamento de rgos pblicos que detinham algum controle sobre a atividade econmica, o novo governo brasileiro de 1946 inovou ao executar uma poltica

    cambial e de importao liberadas. Dispondo de inusitado saldo cambial - em

    torno de US$ 700 milhes - e preocupado com o combate inflao permitiu-se

    a liberdade no uso das cambiais para abastecer o carente mercado interno. Houve

    sem dvida uma proposta explcita de efetivar uma poltica econmica liberal

    (SARETTA, 2002, p.11).

    Conforme Saretta, o governo Dutra foi abalizado por uma poltica econmica interna

    consubstanciada no equilbrio oramentrio, na diminuio da participao do Estado na

    atividade econmica e no corte/diminuio dos gastos pblicos. Em relao poltica

    econmica externa, esta foi assinalada por uma frustrao frente expectativa de que os

    Estados Unidos colaborariam para o desenvolvimento brasileiro.

    A histria da poltica econmica destes anos revela em parte esta frustrao, pois

    embora os Estados Unidos investissem no Brasil, no o fizeram na proporo que a

    economia brasileira necessitava. A carncia de dlares e os equvocos na conduo

    da poltica cambial levaram a profundas modificaes na conduo da economia

    brasileira. Decorrido pouco mais de um ano de governo, este se viu obrigado a

    impor controles sobre as operaes externas, j que as divisas em moedas conversveis praticamente desapareceram por conta da liberalidade do primeiro ano

    (SARETTA, 2002, p.11).

    Em 1950, ocorreram novas eleies. De um lado a oposio novamente com o

    brigadeiro Eduardo Gomes. De outro lado, Getlio Dornelles Vargas, representando o PTB,

    mas com forte apoio do PSD, mesmo tendo candidato prprio. Vargas adotou um discurso

    fortemente nacionalista como pode ser visto em parte a seguir: Empenhar-me-ei a fundo em

    fazer um governo eminentemente nacionalista. O Brasil ainda no conquistou a sua

    independncia econmica e, nesse sentido, farei tudo para consegui-la (SILVA, 1983,

    p.172). Vargas comeara a articular seu retorno presidncia da Repblica recorrendo ao

    nacionalismo como instrumento para o desenvolvimento econmico, e ao trabalhismo como

    forma de ampliar a cidadania social dos trabalhadores. Vargas defendia que a independncia

    econmica seria obtida por meio da industrializao, especialmente a de base e bens de

    capital. Para isso pretendia implantar meios de produo necessrios produo de outros

  • 47

    bens. Antes era necessrio, no entanto, criar empreendimentos estatais que garantissem um

    bloco de atividades produtivas que estariam em curso. Dessa forma, o presidente incentivou a

    criao da Petrobras para garantir a energia necessria para os investimentos a serem

    realizados. As estatais criadas em seu governo anterior, tais como: CSN e a Vale do Rio Doce,

    passaram a funcionar. Tambm foi encaminhado um projeto para a construo de uma grande

    empresa de energia eltrica, a Eletrobrs. Ademais, houve continuidade na construo da

    usina de Paulo Afonso, e foram iniciadas a construo de hidreltricas e termeltricas no Sul.

    Para financiar parte desses projetos, o governo previa a criao do Imposto nico sobre

    Energia Eltrica.

    Em 1953, foi realizada a reforma cambial e lanada a Instruo 70 da Superintendncia

    da Moeda e do Crdito (SUMOC). Essas medidas visavam dificultar a importao de bens

    suprfluos com o intuito de estimular a produo nacional. Ademais, com o mesmo propsito

    foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) para financiar investimentos na

    obteno e produo de bens de capital. Se, por um lado, a expanso do setor de bens de

    produo (capital e intermedirio) tinha como agente as empresas estatais, por outro lado o

    setor de bens de consumo (bens no durveis num primeiro momento) estava sob o controle

    da iniciativa privada.

    Depois da Grande Depresso, o fluxo de capital dos pases centrais para a Amrica

    Latina diminuiu consideravelmente. Os EUA passaram, ento, a ajudar na reconstruo da

    Europa com o Plano Marshall, restringindo a entrada de capitais europeus e norte-americanos

    para as economias subdesenvolvidas. Com essa escassez temporria de capital estrangeiro,

    houve mais espao para o empresariado nacional em conjunto com o Estado manter o controle

    sobre a economia local. O Estado brasileiro nesse perodo teve um papel fundamental para o

    desenvolvimento industrial. Se, por um lado, expandia a produo de bens intermedirios e a

    infraestrutura, por outro lado regulava as transferncias do setor agroexportador para o setor

    industrial. Essa forma de industrializar o pas, sustentada no Estado e no capital nacional,

    ocorreu pari passu consolidao de uma ideologia nacionalista. A construo da Petrobras

    foi um marco nesse aspecto, assim como o legado do nacionalismo econmico.

    A defesa da industrializao do pas por parte de Vargas no comeou com sua ascenso

    Presidncia. Desde a Repblica Velha identificado uma influncia positivista e

    intervencionista em seu discurso. Aceitava o intervencionismo estatal, que mesmo sem ser

    contrrio propriedade privada, buscava uma harmonia entre as classes. Com o passar dos

    anos, especialmente a partir de 1953, pode se perceber uma maior influncia social-democrata

    em seu discurso (perceptvel nos termos usados como explorao e imperialismo). Na

  • 48

    trajetria de Vargas pode-se identificar trs fases: positivismo da Republica Velha;

    desenvolvimentismo autoritrio dos anos 30 e Estado Novo; e trabalhismo dos anos 1950.

    Elas tm um elemento comum: o anti-liberalismo Tanto poltica como economicamente esse

    parece ser a doutrina que permanece no projeto Vargas, ou seja, a supremacia do social

    sobre o indivduo e a interveno do Estado para regular e regulamentar a sociedade e o

    mercado (FONSECA, 1989).

    O projeto se configurou numa poltica efetiva de modernizao do pas, por intermdio

    da criao e consolidao de um novo tipo de estado. Esse foi moldado por meio de uma

    reforma administrativa ancorada em uma burocracia oficial, com empresas estatais em reas

    estratgicas, com legislao social e trabalhista (que envolvia o estabelecimento de pacto

    poltico capital e trabalho) e a relao de troca entre o Estado e o sistema sindical, o que pode

    ter favorecido a expanso da participao popular no incio da dcada de 1960. Esse projeto

    de Estado Nacional foi alicerado em planejamento setorial da economia, intervencionismo e

    teve no nacionalismo econmico o fundamento ideolgico para uma proposta de construo

    da soberania nacional.

    Esse projeto, todavia, passou a enfrentar reaes adversas. Com a recuperao da

    Europa e a consolidao dos EUA como economia hegemnica, aumentaram a formao e a

    expanso de grandes corporaes estrangeiras. Pressionado cada vez mais pelos EUA e pelo

    maior partido de oposio, a UDN, para renunciar, o presidente Vargas suicidou-se em agosto

    de 1954, deixando uma carta na qual expressava seu pensamento e os motivos pelo qual

    cometeu esse ato. Era uma espcie de herana poltica, mostrando seus ideais e a viso de

    pas. Nesta, dizia-se defensor dos interesses do povo e que havia muitos grupos tentando

    impedir sua ao. Que aps decnios de espoliao do Brasil por parte dos grupos econmicos

    e financeiros estrangeiros, iniciara um projeto de libertao nacional para promover maior

    igualdade social. Entretanto, para combater essas iniciativas, grupos econmico nacionais

    haviam se associado aos grupos internacionais para derrub-lo. Aes para potencializar as

    riquezas do pas, como a criao da Petrobras e a lei para impedir lucros extraordinrios,

    foram fortemente combatidas por esses.

    O suicdio, conforme vrios analistas, adiou o golpe contra o seu projeto nacional por

    dez anos. Nesse contexto, em 1955 foi eleito Juscelino Kubitschek (PSD) e Joo Goulart

    (PTB), presidente e vice-presidente respectivamente. Este ltimo considerado por muitos

    como o herdeiro poltico de Getlio Vargas.

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    2.2 O panorama da economia brasileira no incio da dcada de 60: do governo JK crise

    poltica-econmica do governo Goulart

    Durante o perodo 1954-1964 cresceu o embate entre dois projetos para o Brasil. De um

    lado o projeto Vargas, chamado de nacional-desenvolvimentismo, e de outro um projeto ou

    caminho que via na aliana com o capital estrangeiro a soluo para problemas do pas, como

    a escassez de capital, de tecnologia e de poupana externa. Esse ltimo foi batizado de

    desenvolvimentismo associado-dependente (CARDOSO; FALETTO, 1970). Fonseca salienta

    que:

    [...] a palavra nacional auxilia em sua diferenciao de outro estilo de desenvolvimento, mais intemacionalizante e menos disposto a polticas

    redistributivas, gestado no governo JK e que aparece de forma mais ntida

    aps 1964. A partir da, e at o final da dcada de 1970, continuam o

    desenvolvimentismo e o PSI (processo de Substituio de Importaes),

    mas da forma "dependente-associada", como prefere a tradio da Escola

    de Sociologia da USP (Florestan Femandes, Femando Henrique Cardoso,

    Octavio Ianni), ou que se poderia chamar de dese