50
"0 homem cognosc en te e simplesmente 0 guar da da realid ade." (W. Luijp en) \ L --------_.~~~'~'.'~.------------------------------------------------ . . . , \ . ' .. i ): "CAl NA REAL" "Qu em c ompr ee nde qu e a mundo e a verdade sabre 0 mu nd o s ao ra di c al men te hu man os, esta preparado p ar a c on ce ber q ue nBOexiste urn rnundo- e rn -s i, ma s mui tos mun dos h uma no s, de ac or do com as atitudes ou pontes de vista do sujei to exi ste nte . " (W. Luij pen) A expressao que da nome a e ste c ap it ulo in tr o- dut6rio e uma das tantas que diariamente surgem no uso coloquial da linguagem e que podem ou nao se incorporar ao aeervo de uma lingua. "Cai n a r ea l" e uma g fr ia brasileira r e e en t e, s i gn i fi e an d o um apelo para que nosso interlocutor deixe a e sonhar au de ta ze r p ia no s m ir ab ola nte s e u t6 piO Os volte a r ea li dade , volt e a te r "05 pes no chao"~ Tnteressante esta visao espacial da questao: 0

O Que é a Realidade?

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"0 homem cognoscente e simplesmente 0

guarda da realidade."

(W. Luijpen)

\

L- - - - - - - - _ . ~ ~ ~ ' ~ ' . ' ~ . - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

. '

.. i ) :

"CAl NA REAL"

"Qu em compr ee nde qu e a mundo e a v er da de

sabre 0 mundo s ao r ad ic almen te humanos, e st

preparado para conceber que nBOexiste urn rnundo-

e rn -s i, ma s mui tos mundos h umano s, de ac or do

com as atitudes ou pontes de vista do sujei to

existente. "

(W. Luijpen)

A expressao que da nome a e ste c ap it ulo in tr o-

dut6rio e um a das tantas que diariamente surgem

no uso coloquial da linguagem e que podem ounao se incorporar ao aeervo de uma lingua. "Ca

n a r ea l" e um a g fr ia brasileira r e een t e, s i gn i fi e ando

um apelo para que nosso interlocutor deixe asonhar au de ta ze r p ia no s m ir ab ola nte s e u t6 piO Os

e volte a rea lidade , volt e a te r "05 pes no chao"~

Tnteressante esta visao espacial da questao: 0

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i'! .:

8 Jotio-Ftancisco Duarte Junior 0que e Realidade

sonho, a ilusao, 0 erro estao nas alturas; a reali-dade, no solo.'- --Quando ' s e t r a t a - de abaridonar

o irreal, de voltar-se ao mundo s61ido e concre to ,

ca Imos na realidade, colocamos os pes no chao.

O.real. e , o'tarreno firme que pisamos em nosso

cotidiano.

Realidade. Todos usamos rotineiramente esta

palavra nos mais diferentes contextos 8 areas de

atuacao e, no entanto, quase nunca paramos para

pensar em seu significado, no que encerram estas

suas nove letras. E nao paramos porque, assim

~ primeira vis ta, 0 conceito nos parece tao 6bvio

que consideramos dssnecessario qualquer questio-

namento a seu respeito. Todavia, segundo urna

assercso que ja se tornou popular, 0 6bvio e 0

mais diffcil de ser percebido. Alias, a este respeito,

ja dizia um antigo professor que S8 0 homem

vivesse no fundo do mar provavelmente a ultima

coisa que ele descobriria seria a aqua.

Muitas ciencias - especialmente as chamadas

ci€mcias humanas - trabalham com 0 conceito

realidade, incorporando-o ao seu jargao caracte-

rfstico, Na psicologia e ciencias afins (psicanalise,

psiquiatria) talvez seja onde 0 emprego da palavra

e maior e mais decisive e, paradoxalmente, onde

o seu signif icado e menos pensado e questionado.Estudantes e profl,ssionais da psicologia quase

sempre embatucarri quando se Ihes propos que• _ o f

expliquern a termo realidade que empregam em

suas falas e dissertacoes. Em geral tais pessoas

descartam a questao por considera-lademais", ou entao respondem com fra

empregadas pelo senso comum, .corno:e como 0 mundo e", ou "rea lidade e aquas coisas sao". Expressoes que nao di

nem esclarecem qualquer dOvida, po

como e que 0 mundo e? Como as c

E elas serao sempre de uma mesma

podem variar, de acordo com a maneira

olhadas e apreendidas?Tome-se urn quadro a 61eo, por exem

se ve uma paisagem composta por algum

em primeiro plano, uma arvore florida c

um gramado em segundo plano e tendoo horizonte tisnado aqui e ali por fiapos

esgar~adas. C o m ~certeza nos tomariam

se dissessernos que nele , plantas, arvore

e nuvens sao reais. As plantas do qu

possuem a mesrna qualidade de sxistencia

que vivem ali no jardim e, no entanto,

ainda que de maneira diferente. C

poder-se-ia dizer que as plantas do jardim

e aquelas do quadro uma [-epresenta<;ao d

Mas isto nao resolve a qusstao. poisapresenta tarnbern um segundo lin ( vel

dade: e composto de tintas, tela eelementos que codem ser trabalhados

maneiras, criando-se uma real i dade

ou nao. Em outras palavras: existe um

do quadro que capto com a min~~~en

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10 J oao -Franc is co Dua rt e J uni or 0 qu e e Realidade

~ em o< ;aQ , e outra captada de m aneira m ais "f tsica",

digamos assim . a quadro para 0 espectador ediferente do quadro para 0 c ar re ga do r d e mo bf lia s,

e diferente ainda para 0 c ie ntista q ue 0 submete

I" ao raio X e a outros processos a fim de com provar

se ele, na realidade, foi pintado no secu!o XVIII.

(D iferentes maneiras de se apreender a mesmaobjeto: em cada uma delas 0 quadro possui um areal id ade d iv e rs a.

au ainda a arvore florida, que serviu de m odelo

ao pintor. Enquanto este a captava em termos de

forma, cores, luz e sornbras, 0 ja rd in eiro q ue

cuidava do campo viu nela a possibilidade de um

abrigo contra a inclernencla do' sol e sentou-se asua som bra para descansar. E ambos a percebiamde maneira diferente do aqronorno que, neste

instante, sugeria ao dono das terras que a arvore

nao fosse cortada, a fim de se preservar um certoe qu illb rio e co l6 gic o n o lo ca l.

M ais ao fundo dessa paisagem corre um regato

d e a gu as claras, Para a lavadeira que al i lava as suas

roupas a aqua tern urn sen- do diverse de que para

a cam inhante que ve nela a chance de matar a sua

sede. E 0 jardi neira, que a ela acorreu quandotratou de apagar urn incendio que irrompia no

mato seco, nesse momenta a percebia de forma

diferente do menino que tada tarde se dirige ao'\ regato para pescar alguns lambaris. E , i nqu i r id o ,

certam ente urn qu (rnico diria que a aqua daquele

regato nada mais e do que H 20, au seja, uma

'.~"__,,__--~~

substancia cujas m olecules sao com postas de dois

atornos de hidroqenio e um de oxiqenio.

De acordo com estes exemplos nota-se que, na

verdade, talvez nao dev8ssem os falar de realidade,

e sim de realidades, no plural. a mundo se

apresenta com urna nova face cada vez que rnuda-

mas a nossa perspectiva sobre ele. Conforme anossa intencao ele se revela de um jeito. Em

linguagem filos6fica dir-se-la que as coisas adqui-

rem estatutos distintos segundo as diferentes

m aneiras da intencionalidrde hum ana. Segundoas diferentes formas de a consciencia se postar

frente aos objetos. A aqua, para os sujeitos acim a,apresenta real i dades diversas, que sao -ainda dife-

rentes da realidade da aqua para a desportista que

nela vence um campeonato de natacso ou para 0

incauto que nela se aventura e quase se afoga

por nao saber nadar.

Note tambern que nestes exemplos foramconsiderados apenas elementos do chamado

"rnundo ffsico": aqua, nuvens, arvore, plantas,

etc. Quando se trata de fatos hurnanos, culturais e

sociais, a coisa cresce em complexidade. Qual a

realidade de uma greve? De um golpe militar?D o ensino pago? D e elelcoes diretas ou indiretas?

De uma paixao que leva a esc rever poemas e aembriaguez, quando nao correspondida? Qual a

rea lid ad e d os m od os d e v id a d e riosso s a nte pa ssa do s

das cavernas, que inferim os a partir de um a seriede ind (cios geol6gicos e antropol6gicos? Sem

1

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I

Jodo-Franc isco Duarte Jun ior 0qu e e Realidade

duvida, aqui os pontos de vista se multiplicam,

. aume nta nd o, c on se qU en te me nte ,0

nurnero dep os sib ili da de s d e 0 r ea l s e ap re sen ta r.

R ea lid ad e, p ort an to , e um conceito extrem a-

. m ente cornplexo, que rnerece reflex5es fnos6ficas

aprofundadas. A final, toda construcso hu ma fi a ,seja na ciencia, na arte, na filosofia ou na religiao,

trabalham com 0 real, ou tern nele 0 s eu fu nd a-

mento ou ponto de partida (e de chegada). M elhor

dizendo, trata-se, em ultim a analise, de se questio-

na r 0 sentido da vida humana, vida que, dotada de

uma consciencia reflexiva, construiu s eu s conc ei to s

de r ea Jidade , a partir dos quais, se exerce no m undo

e se multiplies, alterando a cada momenta a faced o p la ne ta .

N o p araq rafo an terio r, 0 grifo no verbo "cons-

truir" tern a sua : azao de ser. Sera fundamenta I

com preender-se que a realidade n~o e alqo dado, que

esta a f se oferecendo aos olhos humanos, olhos que

simplesmente a registrariam feito um espelho ou

cam era fotogrM ica. 0 homem nao e u rn s er p as siv o.

que apenas grava aquilo que se apresenta aos seuss en ti do s. P el o c on tr ario : 0 homem e 0 construtor

._Qp__ mundo, 0 edificadm-cra-·t~~~ii-dade.'· E~t;"'~cons tr u -f da · , ' ·· fod i3da· no ie ncon tr o .Tr i- ce s sim te en tr e

os sujeitos humanos e 0 m undo onde vivem .

Contudo, 0 paradoxo rnais gritante e q ue , s en doo homem 0 construtor da realidade, em sua vida

cotidiana ele nao se p.ercebe assirn. M u T t o ' · · p · e f ocontrario: percebe-se com o estando subm etido a

realidade, com'. sendo conduzido

Tnaturais ou s O C : C 1 i s ) sobre as quais el

nao pode ter controls alg um . F eito 0

d r. F ra nk en st ei n, a criatu ra v olta-se c

criador.Mas como, voce podera p erg un tar

do cap (tulo (on de se pretende apenas

a problernatlca do tema): quer dizer

reza, as torcas ffsicas, sao criadas pe

Nao, eu Ihe respondo, pedindo-Ihe

tenha paciencia e acompanhe a svoluc

ernie nos caprtulos subsequentes. A s fonao sao criadas pelo ser humano, ma

de percebe-las, de interprets-las e de

re la co es . co rn e la s, sim. Psnsernos n u

extremo: 0 peixe que vive no rio p

maneira radicalmente distinta do p

mora ern sua margem. S6 0 homem

no rio, toma-to como objeto de se

e interpretacao. A realidade do do,

no mundo humano, tao-somente s

assim para a homem. Qual seria a real

para urn habitants de outra qalaxia

tasse? Nao se pode saber.J a que estamos falando em aqua, re

regato citado nas paqinas anteriores.

critas a Ii as varias "real idades" da aqsentidos que ela adquire, de acordo

cionalidade dos hom ens que com ela se

Foi apontado entao que, para urn

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- - - - - - -l i l i i i i

1 {I"

I L . _

14 Jo t io -Franc isco Duar te Junior 0qu e e Realidade

q~ trnico}, a aqua e uma substancia formada de

hidroqenio e oxlqenio. N6s, _ hab itan tes d o m un do

m?derno e com. algum qrau de intorrnacao,

ten~emos a acreditar que na realidade a agua eaq~llo que diz ser a ciencia .. E 0 cien tista q uem

terl~ as c~a~es com que se· abrem as portas da

realidade ultim a das colsas. A re alid ad e d a aqua eser ela formada por hidroqenio e oxiqenio ligados

na proporcao de dois para urn.

Ora, _~~~~_~_ .urna crenca periqosa, que colocanas maos da ciencia a poder suprerno'de decidir

~cerca da realidade do mundo e da vida. Para 0pescador, poueo se Ihe da se a agua e 'formada

destes au daqueles elementos, nesta au naquela

p!opor<;ao. Seus conhecim entos a respeito do riosao de outra ordem, sua realidade e c on str u ( da

de forma diversa, e sobre esta realidade ele atua

a fim de manter a sua subsistencia,

A lias, as aguas com as quais entram os em contatono nosso cotidiano sao sernpre refrescantes ougeladas, sujas ou lim pas, turbulentas ou placidas

c?nvidativas ou arneacadoras, nunca um a substan~

Cia fo~mada por tais e tais elementos qufrnicos.

A real~ ~.d ~ d esv elad a p ela cien cia e u ma "realidade

de _~egund~. - ·oTdEim'7 ,a u · s e ja, constrii (d a sobre - a s 'retacoes d o d fa :i ;-d ia · qu e 0 homern -·mantem com

0...mund,9. Ant~s de a qu (mica afirmar a composl-

( faD .d a ag ua , trl.lho es e trilh5 es d e s eres hu man os ja

haviarn se relacionado com ela, percebido e atuado

s ob re a s ua " re ali da de ".

Toda esta discussao m ostra que, contlgua aqu~ sfgo da realidade coloca-se outra: a da verdade.

E ste s d oi s c on ce it os carninharn juntos et d e c erta

form a, discutir um im plica discutir 0 outro. Nao

me alongarei neste ponto agora, deixando-o para

as paqlnas finais. Por ora basta notar-se que, de

par com os "nrveis" de realidade, cam inham

tarnbern os lin (veis" de verdade. Nao ha porque

se considerar as verda des cient (ficas como sendo

mals "verdadeiras"., (ou rnais seguras) do que as

verdades sstetlcas ou filosoficas. por exemplo.

C ada um a delas apresenta 0 seu grau de valor no

seu co ntex te especrfico. T en ta nd o c om pa re -l as

es tam os, co mo se d iz, m istu ran do estac5 es .

Concluindo: a questao da realidade (e daverdade) passa··pera· cornpreensao d as d ff er 'e nt es

rnaneiras de 0 ho mem se relacio nar corn omundo.

C ie nc ia , fi lo so fia , a rt e e r eli gia o· ~ a · oq ua tro fo rm as

marcantes e especiais de esse relacio nam ento se dar.

Todavia, em nosso cotidiano, a atitude fllosoflca.a cientffica, a artfstica ou a religiosa sao especies

de parerrteses que abrimos em nossa forma usual,

ro tin ei ra , d e viverrnos a vida e cuidarm os de nossasobrevivencla. De certa m aneira, a realidade da vida

cotid iana se imp5e a nos com todo a se u p iso.

Ali, a agua nao e H10, nem a arrocho salarial

um a exploracao da mais-valia - verdades per ti-

nentes a es fera d a cien cia e d a filo so fia.

~ ~..r.ean qad e d a v id a co tid ian a e, se s e p od ed iz er

_..~.~s~m , a realidade por excelencia. na qual nos

15

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____-----------------..

16 J oi io -F ranc is co Duar te J un io r

,1~'I

~"

f!

'1II~

'\

. '! l5)vemos como opeixe na agua: Sera ela, portanto,

que ocupara as nossas "-reftexoes nos capftulos

seguintes, ci tando-se, aqui e ali, estes outros modos

especiais de construcao da realidade ("realidade

de segunda ordem", como chamamos anterior-

mente). Apenas um ultimo capitulo foi reservado

para S8 t ratar das realidades e verdades constru (das

pela ciencia, por ter ela, nos dias que correm, um

oapel preponderante nos destinos do planeta (nao

nos esquecarnos da arneaca nuclear que paira

sobre as nossas cabecas}.Vamos, pois, "cair na real",

- ~

! •

I

"NO PRINCIPIOERA A PALA VRA"

"Nao hA sentido sem palavras

sem linguagem,"

"Na palavra, na linguagem. e que

.mente as coisas."

(

Nas paqinas anteriores foi dito que 0

o construtor da realidade, 0 construtor d

Que, ao contrario do peixe, por exempl

o ser humano pode tamar 0 rio como

de seu pensament'o, rsflexao e prajeto.r 0 homem pode dispor de uma certa "

com ralacao ao mundo, interpretando-o e

sentidos diversos. ~ precise agora exp

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18 ri'

I! \ ,.,.,..~(\ -.

'\

Joa o-F ra nc is co Duar te Ju ni oQ qu e e Realidade

c la ra me nte t ai s a fir rn ac oe s. ja qu e elas sao b asicas

para que se entenda 0 q uee ] a re alid ad e :fo rJa da

\p -~ Ia e sp ec ie hu man a em s ua ex is ten cla. ex is teric ia

'~sta radicalmente diferente de todas as outras

.,i fo rm as d e v id a q ue h ab ita rn o pl an et a.

o que funda esta diferenca, 0 que torna 0

homem humano e. basics e decisivarnente, apalavra, a linguagem . A consciencia humana euma consciencia reflex iva porque ela po de se

vo ltar so bre si m esm a, isto e , 0 hom em po de pensar

em si proprio. tomar-se como objeto de suareflexao. E isto 56 e possrvel qracas a linguagem:

sistem a sim b6 1ico p elo qual se represen ta as coisas

do mundo, pelo qual este mundo e ordenadoe rec eb e s ig n i fica ca o ,

A trav es d a p alav ra 0 h om em p ed e "d es pren der-/ se" de seu rneio ambiente irnediato.: tomando

ccnsciencia de espacos nao acessiveis aos seus

sentidos. O u seja: a palavra traz-m e a conscienciaregioes nao alcancaveis pelos m eus sentidas aquie agora. Quando digo "Japao", p or exem plo,

torno-me consciente de uma regiao do planetaque no momento me e inacessr, el, que nao pode

ser vista nem tocada por m im . 0 animal nao pode

tazer isto : esta irrem ediav e!m en te preso, ad erid oaos seus sentidos.' A consciencla animal 'nao vai

'alern daquilo que seus orgaos dos sentidos trazern

ate ele .. ,0 a nima l a si a in di ss ol uv el rn en te Iiqadoao aqui. " , .",',.'.'.

Por isso S8 diz que 0 animal possui um meio

am bien ts . en qu an to 0 homem vive no mundo.S6 pela p alav ra po dem os ter co nscien cia, encerrar

em nossa mente a totalidade do sspaco no qual,

v ivem os: o . p laneta T erra. \A vida anim al, ao\ c ontrario, esta sempre e apenas ligada ao sspaco." q ue e xi st e. e m s ua v olt a, o seu .m.eioambiente. I

< "'P el a p al av ra 0 ho mem criou tarnbern 0 tempo,ou a consciencia dele. Posso pensar no meu

passado, e nao s6 no meu passado, mas no de toda

a sspecie humana: com a palavra e.n?ontro e

erio sigl}ificayoes para aquilo que VIVI ontem,

anteontem , ou para aquilo que outros homensviveram tres seculos atras, Com a palavra posso

a in da o la ne ia r 0 meu futuro, com ela sei .queexiste um tempo que vira, um tempo que ainda

na o e J a 0 an j ma I, nao: esta preso nao apenas

ac aq 'ui, mas tambsrn ao agora. ~ animal v .ive

num presente imutavel. eterno, fixo: sua vld~

e tao-scrnente uma sucessao de instantes: nao haprojeto s para 0 fu turo nem interpretacoes do

passado. .E sta e a rad ical dlterenca entre ho mem e an im al:

o m eio sim b6 1ico criado pela lingu ag ern hurnan a,

l in gu ag ern q ue c ap ac ita 0 h om em a _ pr of eri r 0 se u

lieu". S im , pois nao estamos aderidos ao nosso

corpo com o 0 animal ao dele. 0 animal e 0 se ~

corpo, eorpo atraves do qual esta ancorado. ao aqu I

e agora. 0 homem tern urn cor p o, ou sera, pode

"descolar-se" dele e torna-lo com o objeto de suas

reflexoes. Somos mais que nosso corpo: somos

19

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r

II

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20 Joilo·Francisco Duarte Junior' 0 qu e e Realidade

tarnbern a canscrencia deste corpo, que sabemas

finito. Neste sentido e que, em linguagem filosofica,se fala da transcendtfnCia.-huma.na'l 0 homem trans.

cende, var--£ilemda imediatividade do aqui e agoraem que esta 0seu corpo.

Vivemos assim, nao apenas num universe fisico,

mas fundamentalmente simb6lico. Um universo

criado pelos significados que a palavra empresta

ao mundo. Ha que S8 mencionar aqui, rapidamente,

a questao do suicfdio, ja que 0 homem e 0 unico

ser que, deliberadamente, pode por fim a propria\tida. 0 sulcrdto e 0 exemplo mais extrema de

como este universo de significavoes constru (do

pelo ser humane chega a ser-Ihe mais importante

que a dimensao meramente flsica da vida. Muitas

vezes seu corpo esta em perfeitas condlcoss, mas 0

homem se mata. E se mata porque a vida deixou

de fazer sentido, perdeu a sua coerencia simb6lica:

nao ha mais valores ou sign ificados sustentandoa x-isten cTa:~" '1Existenoia -..:'Esta, a oalavra chave. 'As coisas e

os anlmals--s§'O, enquanto 0 homem existe. Exis-

tencia e justamente a vida (bioI6gica) mais 0 seu

sentido. Sentido que advern da linguagem, instau-

radora do humano, que advern da palavra, criadora

da consciencia reflexiva e do mundo. "N o princi-

pia era a Palavra" (Joac, 1.1), diz 0 texto blblico.Pela palavra se faz 0 mundo. Somente com a

palavra surge isto a que chamamos mundo.

"Um momento" - poderiam objetar _ "as

. .. a o rd en ac do d es te a gi om er ad o d e s er es n u

significative, so e posstvel a ~ h Ol ~ .e r: ! ,a ~ av e

consciencia simbolica, lingiiistica.

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, ."ii

, . , ;

, i

1n

22 J odo -F ran ci sc o Dua rt e J uni a 0 qu e e Realidade

coisas, arvores, nos, pedras, m ontanhas ja na o

estavam a ( antes de surgir 0 homem e sua Iingua-

gem ?" Sim , m as ainda nao eram mundo. Mundo

e apenas e tao-somente um conceito humano.

M undo e a cornpreensso de tudo isto numa totali-

dade, e a ordenacao deste aglomerado de seres

num esquem a significativo , so possivel ao ho mem

at r av es d e su a con sciencia sim b6 1ica, ling i.H stica.

Sem esta consclencia, sem alquern que dissesse

"isto e 0 mundo", tudo continuaria apenas um

conglomerado de coisas. 0 mundo - que e um

conceito essencialmente humane - apenas surge

com 0 homem e para 0 ho me m. A nim ais e v eg etais

continuam presos neste aglomerado chamado

m eio am biente. S6 0 ser hum ane habita 0 mundo.

Mundo e homem surgiram juntos e perm anecemi nd is so lu v elm en te l ig ad o s.

M as a fin al, 0 que e mundo? Nurna .f6rmu la

simples podem os afirmar: m undo e 0 que podeser dito . M undo e 0 conjunto ordenado de tudo

aquilo que tem nome. As coisas existem para m im

at raves da denorninacao que Ihes empresto. Que

isto fique claro: 56 podemos perisar nas corsas

atraves das palavras que as representam , enten-

dendo-se "coisas" a ( nao em seu senti do estrita-

m ente ffsico, material. ldeia, sentimentos (os

"substantivos abstratos"}, existern para rrurn .

tornarn-se objetos de m eu refletir, pelos seus

n om es .. A m or, ju stic a, frate rn id ad e, raiva, demo-

cracia sao conceitos que fazem parte do meu

" " ' :

mundo porque criados e reconhecidos por meio

da pa la v ra .

Definitivamente: 0 que existe para 0 homem

tem um nome. Aquilo que nao tem nome nao

existe, nao po d e ser pensado. Um a pequena obser-

vacao e pertinente que se faca aqui: algum as

"coisas". alguns conceitos existem para nos sem

serem esp ecificam en te no meado s p ela lin guagem ,

m as v er n a lu z atrav es d e o utro s s is te ma s sim b6 lic os

criados pelo ser hum ano. A linguagem e 0 sistema

fun dam en tal e p rim ord ial d e criacao e siq nificacao

do mundo, mas alem dela foram desenvolvidos

ou tros, com o 0 da rnaternatica. da qu (m ica, das

a rt es , e tc .

Dadas estas colocacoes podemos co r necar a

perceber que, alern de se falar em mundo como um

d ad o q en eri co . t ar nb er n e lfc ito fa lar-se e m m un do ,

significando 0 a cerv o d e c on ceito s e c on hec im en to s

que cada indlviduo possui. Ou seja: quanta rnals

palavras conheco, quanto mais conceitos posso

a rt ic ul ar , m ai or e 0 -m eu m un do, m aior e 0 alcance

e am plitu de d e m inha con sciencia. Tornernos po r

exemplo a palavra "zeugo". Se voce, leitor, nao

sabe 0 que ela significa, a "coisa ' que ela desiqna

esta ausente de seu mundo, nao faz parte daqui!o

em que voce pode pensar. (Uma olhada no dicio-

nario Ihe dara 0 sig nificado e am pliara 0 se u

mundo. E , por favor, nao fique irritado feito

ficou 0 ed ito r: isto e s6 u ma p eq uen a b rin ca deira.)

Nao e por outro motive que na famosa obra de

i.L

23

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Jodo-Franc isco Duar te Junior! 0 que e Realidade

ficcao 1984, de George Orwell, a ditadura implan-

tada no pa(s imaqinario de Ocean ia gradativamenteia diminuindo 0 vocabulario permitido ao povo e

registrado nos dicionarios. Quanto menos palavras

a populacao soubesse, menor a sua capacidade de

racioctnio e menor a sua consciencia de mundo.

H a coisa de dez anos, aqui mesmo no Brasil,

viveu-se uma censura tao ferrenha aos meios de

comunicacao que determinadas palavras e conceitos

simplesmente nao podiam neles aparecer. Certos

aspectos da realidade nao podiam ser expressos

nem nomeados, sob pena de prisao e processos por

atentado contra a "sequranca nacional".

Na ultima frase do paraqrafo anterior foi reintro-duzida a palavra realidade. Depois de todo este

raciocfnio acerca do conceito de munrio podemos

perceber que, se ele e ordenado e significado

atraves da linguagem, consequenternente a reali-

dade sera tarnbern fundamental mente estabelecida

e mantida por ela. A partir da linguagern que um

povo emprega (e tarnbern a partir de suas condicoes

materiais, e clare), ele constr6i a sua realidade.

A construcao da realidade passa pelo sistema

Iinqufstico empregado pela comunidade.A lingua-

gem de um povo e 0 sistema que Ihe permite

organizar e interpretar a realidade, bem como

coordenar as suas acces de modo coerente eintegrado. ' ,

o que e 0 mite bfblico da construcao da Torre

de Babel senao uma (antililustracao disto que esta

- sendo afirmado? Pelo castigo divino os

que estavam construindo a torre cornefalar Ifnguas diferentes, 0 que Ihes impos

a ccmunicacao e, consequenternente, a

tacao consensual do mundo e a conjuqacao

na qual estavam envolvidos. Assim, a

realidade) tornou-se imposslvel de ser erigiNossa percepcao do mundo e , fundamenta

derivada da Iinguagem que empregamos.

.linguagem esta, dialeticamente, ligada as c

materiais de nossa existencia, especialme

sociedades divididas em classes. Porsrn, 0

nio aqui desenvolvido prende-se exclusivam

aspecto geral da questao, qual seja, a dernode que 0 sistema llnqufstico de que se

povo e condicionante de sua maneira de in

o mundo e de nele agir (construindo a sua re

Nesta afirrnacao. de que a nossa p

deriva-se da Iinguagem que util izamos, 0

do termo percepcao va; alern de seu sig

mais geral de "compreensao". Envolve

percepcao entendida como 0 produto d

orgaos dos sentidos. Visao, audicao,

qustacao e tato sao tarnbern "educados"

ralmente, 0 que vale dizer lingLiisticame

derlvacao. Com alg; "ns exemplas isto se

mais claro.

Certa tribe africana possui r em seu voc

em torno de cinquenta maneiras difere

se afirmar que "fulano vern (au esta) an

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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26 lotio-Francisco Duarte luniP qu e e Realidade

.• I!,:

C ada um a dessas expressoes descreve 0 jeito de a

pessoa andar (balancando os braces, gingando os

quadris, etc.) . Desde crianca 0 indivrduo tem a

sua visso, a sua percepcao de movimentos, trei-

nada, ja que precisa empregar corretarnente a

expressao verbal correspondente aos modos de

seus sem elhantes andarem . C onssquentem ente. elesconseguem captar nuances e sutilezas do andar

que nos nao conseguimos, a nao ser atraves de

urn esforco deliberado para tanto. A linguagem

que empregam em seu cotidiano os obriga a desen-

v olv er e sta p er ce pc ao e sp ec ff ic a.

U rn outro exemplo deste condieionamento

linqiiistlco tem a ver com aquilo que a psicologia ..(

denomina "constancies da percepcao". U rn prate f

sobre urna mesa sempre nos parecera circular, :

independentem ente do nosso angulo de visao. rUm aviao nos ceus nunca sera v h - c , " ) com o algo t

rninusculo. E urna maca sempre nos parecera

vermelha, sejam quais forem as coridicoes de

ilurninacao. Estas sao as constancies da form a, do

tam anho e da cor, respectivamente. Notemos que,

no prim eiro caso, na verdade 0 prato chega aos !nossos olhos com o urna elipse (e nao urn cfrculo}: t

n o s eg un do 0 aviao atinge as nossas retinas como ~.l,t

urn objeto de tamanho Infimo; e no terceiro, ~ode I

ser que a m aca se apresente arroxeada, se ilum inada r

p ar lu ze s a zu is .. t.

Todavia, nossos sentidos passaram por toda um a faprendizagem (estreitam ente ligada a l inguagem) I:

!

\":":~~~---------

e, ao verm os 0 prato, logo 0 c on ce it o " ci rc ul ar "

nos vem a m ente; ao verm os 0 aviao ja sabemos

que ele nao pode ter 0 tam anho de uma caixa de

f6sforos, e ao conceito "maca" imediatamente

associa-se 0 conceito "verm elha". Quando

aprendemos a desenhar e a pintar temos de nos

treinar para suspenderm os esta nossa linguagem

conceitual, observando as coisas com o elas chegam

aos nossos olhos. 0 que os pintores chamados

"prim itives", "inqenuos" ou neives nao fazem

e [ustarnente esta suspensao: pintam m ais atraves

d os c on ce it os . P in tam 0 p ra to n um a fo rm a c irc ula r,

seja qual for a perspectiva considerada. "De

repente os olhos sao palavras", assinala 0 poeta

P ab lo N e ru da .

o ser humano move-se, entao, num mundo

essencialmente simb6lieo, sendo os sfmbolos

lingu rsticos os preponderantes e basicos na edifi-

cacao deste mundo, na construcao da realidarle.

C om o a firm ou 0 filosofo L udw ig W ittgensl- i n ,lias lim ites de m inha Iinguagem denotam os lim ites

de meu mundo", Ou seja: 0 mundo, para m im ,

c irc un sc re ve -s e a qu i 1 0 que pode ser captado par

m inha consciencia. e m inha consciencia apreende

as "coisas" atraves da linguagem que ernprego e

que ordena a m inha realidade. A ssim , 0 re al se ra

sem pre urn produto da dialetica. do jogo existente

entre a materialidade do mundo e 0 sistem a de

s iq ni fl ca ca o u ti li za do p ar a o rq an iz a- lo ,

-,.••••

27

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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A EDIFICA~AO DA REALIDADE

"0 intere ss e sociol6g ico nas questce s da ' rea li -dade' e do 'conhecimento' jus tifica-se ass lrn inlclal-

mente pelo fat e de sua relati vi dade social. 0 que

e 'real' para urn mange tibetano pode nao ser

'real' para um homem de neg6cios americano.

o ' conhecimento' do c riminoso e di fe ren te do

'conhecimento' do criminalista."

(P. Berger e T. Luckmann)

N o prim eiro paraqrato do caprtulo introdut6rio

foi feita a seg uinte afirrnacac: 0 real e 0 terrenofirm e que pisam os em nosso cotid iano. A gora serapreciso que se parta desta assercao, procurando

compreende-Ia dentro de um contexto rnais

especffico.Todos temos consciencia, de uma maneira ou

de outra, de que 0 m un do a pres en ta rea lid ad es

\ .~,~":.~.. . ".

ri

,

!(.

1 /;

o que e Realidade

rnultiplas, isto e, q ue ha zo nas d istin tas

cacao, Frsquenternente passam os dedessas realidades e sabemos que cadaexige-nos uma forma especffica de pe

a< ;:ao , q ue ca da urna deve ser vivida

peculiar. Quando sa (mas do cinema

acordam os de urn s on ho , p or e xe mp lo ,

tamos a passagem de uma a Dutra

distintas da realidade. 0 filme (a arte)on (rico apresentam -nos elementos

consciencia nao m istura nem con

a qu ele s p ro ve ni en te s d a v id a c ot id ia na .Com o ja afirmado anteriormente,

diana a q ual reto rn am os s em pre e c on sno s a re al id ad e p or e xc el en ci a, a r ea li

m inante. N ossa co tid iano e 0 mund

ardenada no qual nos movemos dd am en te , d ev id o a su a con stancia e a se

a conhecimento de que dispomos sabre

Po rern , m esm o 0 cotidiano nao c

bloeo m onol rtico de realidade: nelezonas mais proxirnas ou distantes

consciencia, A realidade que me e m

aq uela na q ual tenho m aier seq uran ca,

ao mundo que se acha ao alcance de mmundo no qual atuo, trabalhando p

ou co nserv a-lo . A qu i su bjazem em m in

c ia m o ti vo s e ss en cia lm en te praqrnatico

m inha atencao se pren de aq ui!o qu e esfiz ou p retend o fazer. A in terp retacao

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30 Jaffa-Francisco Duarte Junior

cotidiana fundamenta-se em propositos praticos,

propositos que, em ultima analise, tern a ver coma nossa sobrevlvencia.

A partir dessa regiao mais clara e evidente de

nosso dia-a-dia, outras V a G se sucedendo e, arnedida que se afastam de nossa possibitidade de

manipulacao. tornam-se rnais obscuras. Porexemplo: uma pessoa todo dia ao dirigir-se parao trabalho, cruza a ponte sobre 0 rio que corta

a cidade. De la ve pescadores em suas margens,

com os canicos nas rnaos, Nunca tendo pescado,

desconhece as tecnicas da pesca e, mais especifi-

camente, desconhece aquele rio em particular:

os tipos de peixe que existem ali, os melhores

lugares para apanha-los, as iscas que devem ser

empregadas, etc. 0 rio e a pesca fazem parte

de seu cotidiano, mas estao localizados numa

area de realidade merros conhecida e manipulavel

do que a ocupada pelo seu trabalho no escrit6rio.

Da mesma forma 0 terreiro de umbanda que

este mesmo indivfduo ve as vezes em seus passeios.

Ao passar pela sua porta ouve 0 som ritmado dos

rituais, mas desconhece totalmente como eles se

processam e 0 que se passa lit dentro. Esta e. para

ele, uma zona de realidade ainda mais obscura

e distants do que aquela ocupada pelo rio e os

pescadores.

o setor da realidade que me e mais claro e

conhecido pode ser chamado de "nao-problerna-

tico", Ali a meu conhecimento me habilita a viver

o que e Realidade

de maneira mais ou menos "rnecanlca", no sentido

de nao serem necessaries novos conhecimentos

ou novas habilidades para resolver as pequenas

questoes surgidas. Se, contudo, um problema

inusitado aparece neste cotidiano, procuro

resolve-to a partir do conhecimento ja cristalizado

pelo meu dia-a-dia, buscando integrar esta novarealidade problernatica aquela nao-problemchica.

Diariamente, POI- exemplo, tomo determinado

6nibus para chegar ao meu local de trabalho.

Mas urn dia urna greve dos motoristas daquela

companhia gera-me um problema que me obriga

a sair da rotina a fim de resolvs-lo. Busco entao

saber se outras companhias que nao estao em

greve tern linhas que me servem, ou se ha colegas

de trabalho na regiao onde moro que estejam

dispostos a dividir um taxi comigo. 0 problema

me obriga a procurar um novo conhecimento,

que se integra entso ao meu cotidiano ja conhecido.Como a vida cotidiana e dominada pelo espfrito

praqrnatico, a maioria dos conhecimentos de que

dispomos para atuar nesta esfera e do tipo

"receita". Ou seja: conhecimentos que me dizem

como devo proceder para alcancar tais e tais

propositos determinados. Nao se colocam aqui os

"porquss", mas essencialmente 0 "como". Sei

como uti lizer 0 telefone, mas nao por que, ao

discar um certo nurnaro, meu amigo atende do

outro lado da linha. 5ei como ligar e sintonizar. a TV, mas nao posso explicar 0 fato de a imagern e

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32 !olio-Francisco DUflrte Junior I 0 qu e e Realidade

_ _ - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -o sam safrem das estacoes transm issoras e serem

cap tad os p elo m eu aparelho recep tor. A ssim , m ov e-

rna-nos em nosso dia-a-dia baseados em conheci-

mentos praticos que nao sao questionados nem

colocados em duvida, a menos que urn fato novo

n ao p ossa ser resolv id o n em ex plicad o p or eles.

Sendo nosso cotid iano considerado a realidade

predorninante, a linguagem que utilizam os nesta

esfera da vida, com seus conceitos e "f6rmulas",

tende a ser tarnbern 0 n osso m eio lin qu fstlco

predom inante. Nossa in tepretacao do mundo

fun dam en ta-se n esta I in gu ag em : p ro cu ram os sern-

pre compreender outras esferas da realidade a

partir dela. A s experiencias que vivenciamos em

outros cam pos de siqnificacso delim itados (com o

a arte e os sonhos) sao por n6s "traduzidas" para

esta linguagem rotineira. Ao proceder assim elnevitavet que ocorra uma certa "distorcao" dos

significados provenientes dessas outras areas, na

m edida em que eles somente sao expressos em

sua plenitude atraves dos codiqos que Ihes saoespecfficos.

Isto e fa cilm en te v eriflca ve l. p or ex em plo , n um a

exposlcao de artes plasticas. especial m ente em se

tratando da chamada "arte abstrata". a publico

nao afeito aos c6digos esteticos deste tipo de

expressao fica, em geral, procurando encontrar nasobras form as e contornos que Ihes sao conhecidos:

um anim al, urn rosto , um a arvore. etc. F ica bus-cando traduzir uma realidade um tanto obscura

Ii

II

{ ,

I

naquela que Ihe e c on he ci da e r ot in ei ra .

E stes o utro s cam po s d e siq nificacao ,

sao especies de parenteses que se abrem

realidade predom inante, a da vida cotid

"enclaves" que apresentam seus modos

d e s iq n if lc ac ao , 0 que vale dizer, de

E sem pre necessario um eerto "estorco"

d eslig arm os da realid ade co tid ian a e p e

n esses o utro s seto res: e preciso que se

a linguagem e a vlsao rotineira do mun

riorm ente foram citados como exempl

"enclaves" a arte e a esfera orurica. M aque se note que tarnbem as experiencias

(rru sticasl, assim co mo 0 p en sam en to

(a filosofia e a ciencial. fa ze m p arte d es s

l im i ta d os d e s iq n if ic ac ao .

A q uestao cientrfica sera abordada

capitulo , m as para que este ponto fique

basta que se anote do is exemplos. Emdiaria 0 qu (mico que utiliza a aqua pa

tom ar banho, nadar DU regar 0 seu ja

cebe-a com o fresca, I (m pida, suja, eo

etc. Passa a pensar nela como H 20 apenas

em seu laboratorio , realiza suas ex

cientfficas. O u entao D cientista social

seu eserit6rio , estuda os reflexos da

buicao de renda na torrnacao de urnam arginal. A o ser roubado por um "trorn

n a rua, reag e co mo qu alqu er p essoa, in ded e su a co rn preen sao te6 rica d o fato .

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34 Joao-Franc isco Duarte Junior

A r ea li da de p re po nd era nt e e sem pre a do dia-a-

dia, e ja foi afirm ado que mesmo esta rea Iidade

possui um a regiao que e mais clara e. evidente

(aquela ao alcance de nossa manlpulacao). A medida

que m e afasto desta esfera, m eus conhecim entos

vao se tornando m ais obscuros e nebulosos, como

S8 a totalidade do mundo fOSS8 uma regiao depenum bra da qual se destaca a zona mais iluminada

d o c ot id ia no . Se i que existem as pescadores e

suas tecnicas logo al i, m as iqnoro 'e st e c on he ci -

m ento que Ihes e p ec ulia r. S ei q ue e xis te m te rre iro s

de umbanda, e ignor~ ainda m ais 0 seu modo de

funcionamento. E sei, num caso extremo, que

os norte-am ericanos chegaram a Lua, porern todo

o processo envolvido nesta viagem m e e totalmente

ignorado.Percebe-se, desta form a, que existe um cabedal

de conhecim entos que e s oc ia lm en te d is trib u ( do .

M eu sab er habi Iita-m e a viver0

m eu dia-a-dia e,a medida que determ inadas zonas da realidade se

afastam d o m eu co tid ian o, 0 conhecim ento de que

disponho sobre elas torna-se m ais e m ais esquem a-

tico. Ha esferas do real cujo do m (nio pertence

apenas a pessoas altam ente especial izadas e que,

estando distantes de nossa m anipulacao. sao-nos

to talm en te o bscu ras. S e e i rnposs f ve l c a nhe c ermos

tudo 0 q ue ou tro s co nhecem , tod av ia e im po rtan te

que saibam os com o' 0 co nhecim en to esta d istri-

bu fd o p ela so cied ade, ao m en os em lin has g erais.

O u seja: e precise que tenhamos em mente a

a qu e e Realidade

quem devem os recorrer quando um determ inado

fato nos obriga a buscar um saber especffico.

Por exemplo: nao sei como funciona 0 meu

televisor, m as devo saber a quem tenho de recorrer

quando ele apresenta algum defeito . Nao se; com o

me. curar de urna doenca que me acom ete, mas

sei como fazer para consultar um medico quepodera m e tratar. A ssim , 0 saber de com o 0 saber

esta repartido pelo co rp o so cial o nde viv em os e ur n

dos rnais im portantes conhecim entos de que dispo-

m os, p ossib ilitan do -n os qu e p en etrem os naq uelas

e sf er as q ue estao d ista ntes d e nosso cotidiano.

Em nossas m odernas saciedades, tendo a conhe-

cim ento se especializado em graus altam ente

esp ecifico s, as vezes e n ec es sa rio q ue re co rra mo s

a profissionais que nos indiquem quais outros

p ro fissio nais p odem reso lv er 0 n os so p ro ble ma .

Consultamos prim eiram ente um "cl (n ic o g era l" ,

e ele no s en cam in ha ao m ed ico esp ecialista n aqu eletipo de enferm idade que nos acom ete. R ecorrem os

a um am igo despachante, e ele nos indica os

passos que devemos dar e as reparticoss publicas

que tem os de percorrer para legalizarm os a cornpra

de um irnovel,M igrantes que provern do m eio rural au [~

pequenos vilarejos, ao se defrontarem com uma

m etr6pole trequenternente sofrem um ser io abalo

justam ente por penetrarem num a realidade extre-

m am ente com plexa sem 'disporern de um a visao de

como 0 conhecim ento esta ali d istribu ido. ~

~. _ ..._------'--------------

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:3 6 Jodo-Franc isco Duarte Junior

eo mu m ou vir-se d eles afirrnacoes como: "vim para

eel a fim de encontrar-me com meu am igo fulano

e pensei que, perguntando, todo mundo soubesse

onde ele mora", ou ai nda "pensei que bastava

ficar na pracinha da igreja no dom ingo para m e

eneontrar com ele, saindo da rnissa". 0 esquem a

de realidade trazido por eles de seus locals de

origem deixa de funcionar nesta nova real ida de,

t o rna -s e inope ra n te .A partir do exposto nestas ultimas paqinas voce

pode perceber que a realidade nao e sim plesm ente

co nstru (d a, m as so cialm en te ed ificad a. A co nstru -

c;ao d a rea lid ad e e u m p ro ce ss o fu nd am en ta lm en te

social: sao comunidades humanas que produzem

o co nhecim en to de q ue necessitam , d istribu em -n o

entre os seus m embros e, assim , edilicam a sua

realidade. Ao longo das paqinas seguirites esse

aspecto so cial d a con strucao d a realid ade ira se to r-

n and o m ais claro . Sig am os co m 0 nos so r a ciocf n io .

Como foi vista, a construcao da realidade

depende da maneira como 0 conhecimento e

d ispo sto n a so cied ad e, 0 que fornece a ela umacerta estrutura. A estru tura social e basicamente

constru (da sobre a gam a de ·conhecim entos de que

s e d is po e s oc ia lm en te , e nt en de nd o-s e c on he cime nt oa( nao apenas em seu sentido "teorico", mas

t amb er n " p ra ti cc ": 0 acervo de conhecim entos vaidesde as formulas manipu ladas pelos cientistas

at e 0 saber necessar io para se assentar as pedras deum calcarnento, por exemplo. A distribuicao do

II ·

I

o que e Realidade

co nhecim en to e tarnbern a dtstribuicao

E sta estru tu ra so cial esta assen tada

das pessoas sobre um processo denom

ceciio , processo este que irnpoe pad

racao entre os individuos. O u seja: p

outro com 0 qual interagimos sem pre

determ inadas "classlficacoes", que

dentro de certos "tipo s". A ssim , v ejo

cutor, por exem plo , com o "hornern",

"com erciante", "brincalhao", "ca

A preendem os os outros a partir desses

tipos existentes em nossa sociedade

estes que padronizam nossas in terac

b uin do p ara a es ta bilid ad e d a re al id ad e

N ao a pe na s 0 outro e apreendido comas tarnbern as situ acoes nas q uais int

tipificadas. H a por exemplo a relaca"compra e venda", a de "consulta m

"professor-aluno", etc. Em cad a u r n a

mas de anternao quais sao os com

adequados ou nao, e 0 que podemos

ou tro em term os de atitud es trpicas.

N as in te ra co es d itas " fa ce a fac e", e

em contatos mais (ntirnos, esses pa

cadores sao m ais fluidos. Junto aquele

parte de meu "cfrculo (rrtimo" h a

liberdade e espontaneidade na m inha ase p ren de rig idam en te as tip ificac;;o es

porern. que m inhas relacoes vao S8

"aqu i e a go ra " o s e sq ue ma s tip ific ad ore

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38 Jodo-Francisco Duarte Junior

mais fortes e atuantes. No outro polo deste

c on tin uo d e re la co es e nc on tr arn -s e a qu el as s itu ac oe s

onde os outros se apresentam como abstracces

inteiramente anonirnas, Se escrevo uma carta ao

gerente comercial de um a determ inada firm a

so licitand o-Ihe catalo qo s e listas de p recos d e seu s

produtos, por exemplo, ele se apresenta a m im

especificamente com o "gerente cornercial": urntipo esquernatico sem qualquer sinal de indivi-

du alid ade ou traces de person alid ad e ..

Assim , apreendem os a realidadesocial da vida

cotid iana como um contInuo de tip ificacoes. que

vai desde as situacoes face a face ate aquelas

abstratas e anonirnas onde 0 outro e tao-somente

ur n tipo, A estru tu ra so cial a a so ma d essas tip ifi-

cacoes e dos padroes de interacao produzidos par

elas. A construcao social da realidade depende,

pois, fundamentalmente de um a estrutura social

estabelecida e conhecida (ao m enos em suas linhas

gerais) pelos seus m embros. ~ esta estru tura rela-tivam ente estavel que perm ite que os indiv (duos

se movimentem com desernbaraco dentro dar e al i d ade co ti d ia na.

Falando das tipiticacoes e da estrutura social

delas decorrente estamos nos referindo tarnbem

a form acao de habitos, isto a , n o ss os c ompo rt s-

m entos e acoes apenas podem tornar-se habituais

(e portanto conhecidos e previs (veis) se houver

uma certa rotina padronizada. Se a cada passo

estivessemos tateando num meio novo e irnpre-

I!

1I

I, iI

!

o que e Realidade

vis Ivel sena im posslvel adquirirm os uma visao

estavel do m undo, seria im posslvel a construcao

d a re alid ad e: e sta ria im pla nta do 0 caos. 0 real a

que nos habituamos na vida cotidiana depende

d esta ord em e d e seu s pad ro es d e interacao hu man a,

o que nos garante a form acao de habitos e rotinas.

Peste este co nceito d e tip ificacao e d a estrutu ra

social que dele se deriva podemos abordar agoraa questao da institucionalizacao, ou seja, das

institu icoes criadas na e pela sociedade. A institu-

cionalizacao nada mais e que um a decorrencia

da tipificacao re cfp ro ca e ntre p es so as e m in te ra cao .

de forma que tal tip ificacao seja percebida por

o utro s d e rn aneira o bjetiva, o u seja, con stitu in do

pspeis que podem ser desem penhados por outras

pessoas. M elhor dizendo: na m edida em que certas

acces adquirem um padrao,· com base nas tip ifi-

cacoes, essas aedes podem vir a ser executadas por

diversos outros indivlduos da mesm a maneira.

A instituicao significa 0 estabelecim ento depad r oes de com portam ento na execucao de deter-

rn inadas tarefas, oadroes estes que vao sendo

t ra nsmi ti do s a s uc es siv as q era co es .

Im aginemos dois indivlduos que sofrem um

acidente de aviao e caem em meio a s el va . E sc a-

pando ilesos, logo iniciam um a serie de procedi-

m entos que Ihes perm itam sobreviver e serem

lo calizad os p elas eq uip es d e salv am en to. 0 p ilo to,

pelo seu conhecimento de como usar a bussula e

outras formas de orientacao, sai explorando as____________________~~ __~ __~

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Ja f fa -Franc isco Duar te Jun io r

arred ores e fazen do sinais nas clareiras proxirnas.

o passageiro, sendo um cacador, incumbe-se deprovidenciar a alim entacao de que necessitam .Toda m anha ambos saem para suas tarefas espec]- .

ficas, e eventual m ente observam -se m utua m ente a

realize-las. Cada urn passa entao a tipificar 0

com portam ento do outre. isto e. passa a estabele-

cer para si pr6prio urn modelo de como se realiza

esta o u aq uela tarefa executada pelo co mp an heiro.

Cada um aprende a sequencia de procedimentos

necessaries para a orientacao ou a caca, podendo

v ir a d es em pe nh ar 0 papel de cacador ou sinali-

z ad or s e h ou ve r n ec es si da de .

o que aconteceu aqui? 0 m ais im portante eque os comportam entos de ambos tornaram -se

padronizados 8, p ortan to , p re vis tv eis p ara 0 outre.

o s in aliza do r sa be q ue 0 cacad or, depo is d e arm ar

o laco, devera cobri-lo com folhas e gravetos, e 0

cacador por sua vez sabe que 0 s in al iz ad o r, d e po is

de atear fogo em galhos secos, colocara folhasv erd es n a fo gu eira p ara p ro du zir fu rn aca .

N este exem plo aind a n ao ex iste u ma institu icao

no senti do exato do termo, mas apenas 0 german

dela. Nao ha um a instituicao por nao haver outrosindivfduos que percebam "de fora" como as dois

realizam suas tarefas; par nao haver quem os

perceb a com o ex ecu tan tes d e d eterm inad os p apeisdentro daquele contexto, e que possam vir a

s ub st it uf -I os n aq ue la " or qa ni za ca o" . A medida,

porern . que esta orqanizacao devesse ser transm i-

o qu e e Realidade

tid a a n ov as q era co es , e la se to rn aria u ma

Os aprendizes perceberiam a institu icslnaiizacao" com o algo objetivo, com o

d ad e d ad a, ja pronta, que exige tals e ta

tam en to s de seus m em bro s.

Note que os dois sobreviventes c

juntos 0 seu mundo, a sua realidade a

Ela foi estabelecid a pela div isao d e taref

qi..ien te tlpificacso recfproca. A mbos

esta sua incip iente institulcao fa; criad

e que pode ser alterada a qualquer m

necessano, Percebem -se como execup ap ei s c ujo script fo i elab orado p or ales

M as im aginem os agora que os ·doispar ali duas criancas (unicas sobrevivente

tribo da redondeza - facarnos urn

[iteratura). Essas criancas sao adotadas

tornam-se aprendizes de suas tarefas.aprender a .executar as papeis que

cum prem em sua instituicao de caca-s

E sta realid ad e sera en tao ap reen did a p elocomo algo objetivo, algo nao criado p

homens. Se, por exemplo , 0 s in al iz ad o

que acende a sua fogueira faz uma figaesquerda e olha para 0 ceu, provavelm

aprendiz passara, no futuro , a fazer exat

m esma f or ma , p oi s e st e c om p ort am en to eco mo n ecessar io a rnan utencao d a in stitu

sera feito nao po r q ualq,uer eficacia d a r dmas porque "8 assim que se faz " , isso

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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Jo tl o"F r an c is co Duar te Ju ni 1 q u e IiRealidade

instituic;:ao exige".

Este exem plo quase simplista tern a fina!idade

de c% car u~ ponto de fundamental importanciana c~mpreensao de como se edifica socialmentea . r e? l~ da de . A s i ns tit ui< ;:o es te rn s em pre uma origemhlstor,'~a, ou seja, surgiram com urna fina/idadeespec., f ica, tendo sido criadas desta ou daquela

m an erra p e~ os seu s in icia do re s. C on tu do , n a m ed id aem que ,~ a~ tr~ nsm !;;d as as gerac;:oes posterio reselas s~ cnstaillam, quer diler,. passam a ser

p erce bld ~as co mo in dep en den tes d os in d;v (d uo s q ue

as m ant.em . as papeis exigidos cor elas podem ser

p r~enchldos por qualqu er urn, ja q ue es ra o estab e"

!ecl.d?s ~ nao podem variar segundo Vontadesin diV Id ua ls . A s i ns tit uic ;: oe s p as sa m a s er p er ce bi da s

Co n ;o. e stando acim a dos homens, passam a ter um ae sp_ e cl e de v ida independen t e.

,E ~ om o .s e a s i ns tit ui c;:o es ti ve ss em uma r ea lid ad epr.op~la, cuja eX istencia nao m ais e percebida com o

crrac; :ao .humana.E l a s

a dq ui re m uma o bje ti vi da de ,uma solldez de coisa dada. E extremamente diUciipar~ os indiv_rduos perceberem que a estruturaS?clal onde vrvem e a ssim p orq ue os homens a

flzeram e a mantem assim. E ta se apreS8nta a n6s

s~mpre como urna coisa objet;va: afinal, estavaar antes de nascermos e Continuara depois den os sa m o r te .

~ st e fe nome no e c~amado de reificar;:ao, nomed errv ad ? d a p alav ra latIn a res, q ue s ig n if ic a " co is a" ,A real/dade, constru ida Socialmente, e sampre

reificada, ou seja, transfo rm ada em coisa: adquire

o m esmo estatuto das coisas naturals, dos objetos

ffsicos. N es te sen ti d o e que a in st it u ciona li za c; :a o ,

sobre a qual se edifica a realidade, possui em si

urn contro le socia I : ao ser percebida como algo

dado, estabelecido, evita que os indiv(duos procu-

rem altera-la. A instituicao e soberana, os hom ensdevem adaptar-se a ela, cumprindo os papeis ja

e sta be le cid os . Q uem ja nao ouviu um a frase com o:

"pessoalmente nao queria fazer isso. mas tive defa ze -I o p orq ue a i ns tit ul ca o 0 exige"?

Tome-se 0 casamento , por exernplo, com o um a

instituicao arraig ada em no ssa cultura. A pesar de ele

vir sofrendo questionamentos e altera<;:oes, e de

apresentar pequenas diferencas em alguns outros

pa I ses, sua essencia se rnantsm para a grande

maioria da populacso. Em relacao a ele e bastante

frequents o uv irm os a firm a< ;:o es co mo : lise d ep en -

desse de m i m eu nao teria m e casado dessa m aneiratradicional, em igreja e cartorio, porern nao tive

escolha, era a unica forma aceita socialmente";

ou ainda: "eu nao escolhi me casar, tude ja estava

preparado desd e 0 meu nascimento para que eu

m e casasse". A grande m aioria da p opula<;:ao, pelo

menos apa: entemente, ere que a unica forma

"correta", "M ica", "direita", de urn retacrone-

mento amoroso entre homem e mulher ocorrere atraves dos papeis de marido e de esposa que

a institui<;:ao exige. T odavia, se tom arm os outras

cu ltu res . esp ecialm en te aq ue las d ita s "p rim itiv as ",

43

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4 4 Jo ii o -Franci sco Duarte Jun ior

verem os que este relacionam ento ocorre institu-

cional m ente de m aneiras as rnais variadas: suas

r ea li da de s s ao c on st ru (das d e mo do s d lf er en te s.Esta e a estranha dialetica que rege 0 mundo

humane: 0 homem cria sua realldade atraves

das instituic;:5 es, que Ihe dao um a estrutu ra social,

mas passa entao a ser "condicionadc" por tais

lnstltuicoes. 0 poeta V in (cius de. M oraes anota

esteticamente este ponto ao dizer: "Mas ele

desconhecia / Este fato ex traordinario / Que 0

opera rio faz a coisa / E a coisa faz 0 operario."

A realidade, socialm ente edificada atraves da

institucional izacao. por este jogo dialetico da

reificacao apresenta-se entao aos hom ens com o

urn dado objetivo e coercitivo, que Ihes determ inaa consciencia. Em linhas gerais pode-se notar que

este processo possui tres m om entos: 1) a conduta

humana e tipificada e padronizada em papeis,

o que implica 0 e sta be le cim e nto d as in stitu ic fie s(a realidade social 8 urn produ to humane): 2) a

realidade e objetivada, ou se]a, percebida com o

p ossu in do v id a p ro pria (0 produto - a realidade- "desliga-se" de seu produtor - 0 homem);

3) esta realidade tornada ob jetiva determ inaa seguir a consciencia dos homens, no curso da

socializacao, isto 8, no pro cesso de aprendizagem

do mundo par que passam as novas qeracces(0 homem torna-se produto daquilo que ele

p r6p r io p roduzi u) .E p re ciso q ue se e nte nd a c la ra m en te e sta d ia le tic a

o qu e e Realidade

q ue p erf az 0 m undo social hum ane, em su

fases disti ntas, a fim de que nao S8 fique co

visao simplificada e mecanicista do prNo ss a c on sc ie nc ia e d ete rrn in ad a so cia Im en

seja, as instirulcoes e padroes de conduta

decorrentes exercem sobre nos um efeito "

tiv o". c on dic io na nd o-n os p ara a v id a e m s ocPorern, send o tais instltulcoes eriadas e m

por nos, elas sao passrveis d e s ofre re m r nu

e a lteracoes atraves de esfo rcos del i berados. seritido (se assim nao fosse nao haveria a hi

A palavra "esfo rco", a ( , e em pregada em su

ampla acepcao, pois que, como ja v isto ,

conscisncia requer um certo traba Iho

"desliqar-se" das condicoes que a determpensando-as e procurando cornpreende-las

fora". A o se fazer ciencia e filoso fia, por ex

o esforco requerido a consciencia e justa

o de procurar desl i gar-se 0 m axim o possfv

concepcoes cotidianas da realidade, ref

sobre as condicoes e processes em que ta

c c pc oe s s ao e ri gi da s.R esta-nos, porern, considerar um dado

mental neste mecanismo de construcao d

dade atraves das instituicoes socia is. Trata

a<;:30 do sistem a Iingu Istieo, ferram enta

na criacao do mundo humano, como expoca p (tulo anterior. Ao serem esta belecid

lnstltulcoes sao sernpre acompanhadasco rrespondente esquem a explicativo e nor

1"""

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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I I

, 1

I

I

- - - - - - - - - - - - - - -Joao-Francisco Duarte Junior I 0que e Realidade6

que, por m eio da linguagem , conceitua-as e deter-

m ina regras para 0 seu funcionam ento. A isto

cham a-se de leqitimsceo. As institu icoss sao

legitim adas por meio da linguagem : as razfies de

sua existencia sao tracadas e transm itidas concei-tualm ente (vale dizer, linquisticarnente}, bem

com o as norm as para 0 s e u f unc ionamen to.

Essas normas, dentro da realidade da vidacotid iana, assum em aquele carater de "receita"

ja referido, ou ssja, para penetrarmos enos

movermos dentro de tal institu icao devemos

proceder desta ou daquela form a, segundo os seusp re ce it os p ra gma ti co s .\ ". :JO p rim ei ro c o nh ec im e nt o

que tem os, relative a ordem institucional, esta

situado a n ( vel pre-teorico . no sentido de na o se r

urn co nhecim en to elab orad o m ais ab stratam en te

em torno dos "porques", e sirn praticam ente

com relacao ao "como". Se desejo legalizar a

compra de um im6vel, par exemplo , sei que devo

dirig ir-m e a urn cart6rio de registro de im oveis

a fim de passar um a escritura - este e 0 conheci-

m ento praqrnatico de que disponho, num prim eiron (vel.

1 :3 0 segundo nlvel de leqitimacao contern pro po-

sicoes teor icas, mas ainda em form a ru t 'irnentar.

A qu i e sta o p re se ntes a lg un s e sq uem as e xp lica tiv os

q ue p od em relacio nar 0 c on he cime nt o p ra qm at ic o

referente a d iv ersasinstituic;;o es, in teg ran do-o sentre _ si. Se me perguntam por que ao comprar 0

irn ov el d evo reqistra-Io em meu nome, posso

-__-

.i

responder que isso assegura perante a lei que so

o seu leqrtimo dono, e ainda que os poderes

publicos necessitarn desses registros a fim d

c ob ra r o s im pa sto s d ev id os a os cid ad ao s..~ : No terceiro n I vel d e leg itim a9 ao enco ntram -se

teorias expllcitas que legitim am um a instituicao

em termos de um corpo diferenciado de con h

c im en to s, isto e _ co nhecim ento s esp ecificos e comum nlvel m aier de abstracao. Possuem urn gra

m ais elevado de com plexidade e estao entregues

a especial istas naqueJe setor institucional. Para

adquirir este conhecim ento faz-se necessario ur

aprendizado formal do assunto . No exemplo

anterior da compra do irnovel, ha todo um conhe

cimento a respeito de leis e norm as jur Id icas qu

regulam a materia e que sao de dom lnio do

donos e funcionarios dos cart6rios, bem como d

advogados. E a estes especiallstas que deverno

recorrer no caso de uma questao referente

regu l arizacao desta situacao que nao pode se

resolvida com 0 conhecim ento praqrnatico d

q u e d is po rn o s.:: 9 0 quarto e ultim o nlvel de leqitirnacao da ordem

in stitu cio nal d en om in a-s e universo simb6licoo universo sim bolico consiste nurn corpo te6rico

de conhecim entos que busca um a inteqracao entr

as diferentes setores de um a dada ordem institu

cional num esquema 16gico e consistente. Nest

n I vel procura-se essencialm ente os porques, sem

qualquer vest (gio de pragm atismo. Ouer dizer

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o un i verso simb61ico comp5e-se de teorias que

ju st ifi ca m e e xp li ca m 0 p orq ue d e u ma ln stitu icao

existir e em que se fundamenta 0 s eu f un ci on a-

m en to, sem nen hum a alusao aos esquem as praticos

de seu dia-a-dia. T arnbern ele esta a cargo de

especialistas e depende de um processo format

p ar a a s ua a pr en di za gem .Voltando ao nosso exemplo, encontramos

juristas que podem nos explicar teoricamente

como se estruturam as leis de uma nacao. dentre

as quais acham-se aquelas que dispoern sobre a

propriedade privada. A lern disso um fil6sofo

poderia discutir as origens de tais propriedades

na hist6ria humana, mostrando, por exemplo,como a partir delas surge todo um sistema de

dominacao e exploracso do trabalho at raves da

luta de classes. Note porern que nenhuma dessasteorias nos fornecem receitas de como devemos

p roceder para leg alizarm os a cornp ra que fizem os:

n ao existem alusoes a vida cotid ian a no un iverso

sirnbolico.A ntes d e serem d isc utid os alg un s o utro s as pecto s

com relacao aos un iverso s simboliccs co nv ern q ue

se aponte alguns pontos relevantes a respeito da

leqit i rnacao insti tuc iona l .

Prirneiramente deve-se notar que a 16gica (oua coerencial nao reside nas institu icces e em SE'U

funcionamento, mas na rnaneira como elas sao

tratadas na retlexao e pensamento dos homens.1 , --_Q_U_er_d_i_Ze_,_"_as_i_ll_st_i_tU_i_<;:_o_e_sg_a_n_h_a_m_ u _m _s _e ntd o e

48 lotio-Francisco Duarte Junior

~.

o que e Realidade

um a (aparente) coerencia ao serem le

vale dizer, ao serem p ensadas e explicitadad a lin gu ag em . M uitas v ezes o s p orq ues d a

de um a institu icao eo seu m odo de fu ncio

tal como sao verbalizados e transm itidosgera<;:oes

rsao diversos dos m otiv os reais q

existir e operar. A linguagem cria um a 16sxplicacao. im prim indo-as erltao a ins

n os , p elo p ro ces so d e reificac;ao ja de sc ri

tam os que esta legitim a<;:ao provenha

z ac ao l ns tit uc io na l m esma .Este fato, quando ocorre de mane

ex plica< ;:ao lingu fstica seja diferente (

radicalm ente inverse) dos reais m otivostuicbes recebe 0 nome de ideotoqie.. ,

claram ente: a ideo logia e u ma ex plicrespeito a institui< ;:oes e fato s socia is qseus ve rdade ir o s porques, A ideo log ia emacae a qual, rnais do que aclarar as

in td ns ec as a s i ns tit ui co es . p ro cu ra o cu ltade u rn s is te ma e xp lic ati vo q ua lq ue r. Ou

a ideologia serve aos interesses de degru pos so cia is ao escon der a realidade d

coes e criar-Ihes uma outra atravesm esm o que esses grupos nao tenham

disso . Uma discussao mais ampla a resq ue stao ·· fu giria d os "lim ite s d este te xto ,

aqui anotada como urn processo imp

c on st ru ca o s oc ia l d a re ali da de .Com o desdobram ento deste fato con

~~

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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s o Jodo-Francisco Duarte Junior 0qu e e Realidade

mos que a leqitirnacao n ao s o p od e c ria r e xp lic ac de s

para a existencia e funcionamento da ordem

in stitu cio na l c omo tarnbern inventar um a origem

hist6rica para ela. Ou se]a: ao longo da hist6ria

as origens de um a determ inada instituicao podem

ser reeriadas pelo processo linquistico que a

acom panha, gerando tradicoes, lendas e m itos em

to rno de su as o rig en s.

Alguns exem plos deixarao rnais c laro s e ste s

tras ultirnos paraqrafos. E conium 'ouvir-se que

os pobres so sao pobres porque nao se esforcarn

e nao traba Iham 0 suficiente para progredirem e,

a s s i r n , a sc en dere m soc ia lm en te. E sta ide ia esc ond e

o fato de que nossas sociedades capitaJistas sao

estruturadas de m aneira a garantir que as classes

e co nomic am en te in fe rio riz ad as a ss im p erma ne cam,

mantendo-se a divisao de classes; ta I assercao

("os pobres sao pregu icosos") retira desta divisao

de classes (baseada na propriedade privada) a causa

d a p obre za, c olo can do -a so bre 0 om bro dos indivi-

duos, isto e: 0 qu e e e feito to rn a-se c ausa , in ve r-

tendo-se a relacao atraves da idr.oloqia.

Outro exemplo. Na igreja cat61 i ca afirm a-se

que a instituicao do cel ibato para religiosos foi

criada a fim de que estes pudessem dedicar todo

o seu tempo ao trabalho, sem preocupacoss com

uma fam (I ia. Contudo. sabe-se que 0 e el i bato fo i

. institu (do quando a lqreja corria 0 risco de ver

seu capital dispersar-se, caso as religiosos se

easassem e tivessem suas posses transferidas a

. .. a id eo lo gia e Ulna e x pl ic ac do c om r es pe it o a

i ns ti tu ic o es e f at os socia is q ue e sc on de s eu s v er da de ir os

porques.

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lotio-Francisco Duarte Junior

herdeiros. 0 celibato como protecao do trabalho

e um a o ri ge m in ve nta da p os te ri orm en te .

M as ja e tempo de se voltar ao universe sim b6-

lico - 0 nfvel m ars alto de leqit irnacao -, onde as

construcoes te6ricas estao totalm ente distantes da

realidade praqmatica do cotid iano. A funcao do

un iverse sim b61ico co nsiste em in teg rar nu m eorp o

unico de conhecimentos (num a teoria} todas as

experiencias poss (veis dentro de um a institu i<;:ao

o u d e um co nju nto de in stitu icd es (um a socied adel.

A traves do universe sim b61ieo pode-se explicar

q uaisq uer fatos o co rrid os den tro daqu ela realid ade

em term os do s sign ificad os q ue este un iverse p ro ve.

De certa maneira os un iversos sim b61 lcos, ou

m ec an ism os co nee itu ais d e in teq rac ao e e xp lic acs o

da realidade, perteneem a um desses quatro tipos:

rnitoloqicos, teoloqico., f ilo s6 fi co s o u c ie nt l'f ic os .

A o c on tra rio d os u niv ers es s im b6 1ic os m ito l6 gic os ,

os outros tres sao de propriedade de elites de

esp ecialistas, cu jos co rpo s d e co nhecim ento s estao

afastados do conhecim ento com um da sociedade.

E a eles a quem 0 "le.jo" deve recorrer no caso

de nao consegu ir in terpretar e in tegrar em seu

c on hec im en to c otid ia no urna determ in ad a ex pe-

rien cla p or e le v iv id a o u p re sen cia da .

as u niv ers os s im b6 1ic os ( ou teortas) s ao c ri ad os

p ar a l eg it im ar em , n um n ( ve l q e ne rlc o, a s i ns tit uic oe ssocials ja e xi ste nte s, e nc on tr an do -I he s e xp li ca cd es

e in teg ran do -as n um to do sig nificativ o. Porern. 0

inverso tarnbern pode ser verdadeiro ; quer dizer:

\

o que e Realidade

in sti tu ic de s SOCi al S podern vir a ser

a fim de se conform arem com teoria

tru idas, tornando-as assim m ais "leg (t

e entao a essen cia da d ialetica qu e reg e

macoes socia is, onde alteracces na p

diana das instituicoes obrigam a rnu

teorias, m as t ar nb er n r nu da nc as n as teo

a alteracoes na pratica institucional.

um dos dois sentidos deste fluxo de

e romper com a cornpreensao d ia l et ic a

Em resum o: tran sfo rm aco es o bjetiv as

coes (que alguns diriam , na infra-estrutu

conduzem a transforrnacoes no corpo

cirnentos. nas ideias (que alguns diriam

e st ru tu ra s oc ia l) , e v ic e- ve rs a.

E p rec ise n ota r-s e as sim 0 po der reateo ria s, is to e , sua cap acid ade p oten cial

reais os seus conceitos; no senti do

retorn ar, do u niverse sim b6 fico on de fo

zidos, a vida cotidiana dos indivrduo

partlcularrnente verii icav el n o am bito d

humanas, especialmente no da psico

exem plo: depois da psicanal ise de Fre

parte de seus conceitos se incorporararn

gem cotid iana das pessoas, que passaram

perceber em si m esmas enos outros

festacoes de tais conceitos, tornando-ose m s eu d ia -a -d ia .

Para concluir este capitu lo convern

que em nossas modern as sociedades, d

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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54 lotio-Francisco Duarte Junior

listas, ocorre a existencia de inumeros universos

sim b61icos que coexistem pacificam ente au m esm o

se entrechacam. Cada grupa de "espectalistas"tende a ter uma perspectiva sabre a sociedade

(isto e, s ab re a · r e al id ad e) a partir de seu universo

simb61ico particular. Isto torna extrema mente

dificil a esta be le cim en to d e u ma co bertura sirnbo-

l ica estavel e valida para a sociedade inteira, tal

como encontrada nas sociedades "primitivas".

o q ue pa re ce o eorrer e a e x i ste nc ia de u rn un iv erse

sim b6lieo m ais alargado e vago sabre 0 q ua l to do s

coneordam , e cujas falhas. ou deficiencies sa o

supridas pela conceituallzacao proveniente dos

u ni ve rs os p ar ci ai s m a is e sp ec ia li za do s.

Esta situacso pluralists e, inclusive, 0 q ue to rn a

mais rapidas e mais faceis as rnudancas socials.

por nao haver um unico universe sim b61ieo estavel

e estabelecido regendo toda e qualquer experiencia

no interior da sociedade. 0 pluralism o da civilize-

< ; : £ 1 0 acelerou as transforrnacties e, de certa form a,obrigou o' desenvolvimento de uma tolerancia

maier entre os grupos que apresentam diterencas

em sua s vis5 es d a rea l id ade .

C om o ultim a a firrna cao e interessante que voce

perceba 0 que estamos fazendo neste pequeno

texto. Na medida em que estamos pensando nos

mecanismos de construcao da realidade, desde as.tip ific a< ;:5 es a te os un iv erso s sim b6 1ic os, e sta mos

elaborando uma teoria sobre as teorias. Melhor

dizendo: ao construirm os um a conceituacao sobre

II1

o que e Realidade

o funcionam ento das estruturas socia is e os univer-

sos simb61icos delas decorrentes estamos, por

assim dizer, construindo uma leqitirnacao de

segundo grau. U ma legitima.;:ao que, em ultima

a na lis e, p ro eu ra e xp lic ar 0 funcionam ento do m ais

alto nfvel de leqitirnacao da realidade social: 0

universe simb6lico. Ao refletirmos sobre como

a realidade e e dific ada e sta mos c onstru in do

tarnbem uma realidade conceitual que pretende

legitimar 0 p ro ce ss o to do .

•••• ••

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A MANUTENc::AoDA REALI DADE

"Sando produ tos h is t6 ricos da a tividade huma-

n a, todo s as universos soci almente con strurdos

modificam-se, e a transforrnacao e realizada pelas

aedes concretas dos seres humanos."

(P. Berger e T. Luckmann)

A orqanizacao da sociedade esta assentada, como

vimos, basicamente sobre as instituicoes e as

leqitimacoes dela decorrentes. As instituicdes

corporificam-se na vida cotidiana dos indivlduos

atraves dos papeis que estes devem desempenhar

para fazer parte delas. Ao participarmos da insti-

tulcao "escola", por exemplo, ou assumimos 0

papel de professor, ou 0 de aluno, ou ° de funcio-nario tecnico-administratlvo. Cada um deles

~ prescreve-nos modos especfficos de comporta-

........--~~~==:::::==:-==.=~~~

. ,

o que e Realidade

mentes e, se porventura passarmos a des

los de forma nao prevista, estaremos subv

ordem institucional, desencadeando entde certos mecanismos controladores que p

"corrigir" a nossa conduta.

o estabelecimento de papeis. isto e.

padronizados de comportamento, ja e urinstrumento protetor de que se valem

tutcoes a fim de S8 preservarem. Para qu

tuicoes funcionem ordenadamente,

previs (vel, faz-se necessario este jogo

que retira das pessoas a possibil idade de

baseadas apenas em seus desejos individu

senti do e que foi comentado no capitulo

o fato de as instituicoes serem coercitsobreporem it individualidade de seus mem

~ claro que 0 grau de rigidez e de e

exigido no desempenho dos papeis depend

de instituicao em que se esta e do tipo

pol (tico maior que rege a sociedade. Nu

sidade, por exemplo, a professor tern mai

lidade e uma maior margem de criacao

no desempenho de seu papel do que

no quartel; e ambos, numa sociedade dem

possuem mais espaco para manifestar

dualidade do que numa sociedade total itar

Alias, e justamente esta margem delidade dentro dos papeis que possibil ita

e alteracao das instituic;:5es a partir de

ou seja, da conduta de seus membros.

Page 27: O Que é a Realidade?

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S8 Joao-Francisco Duarte Junior

em que se vai criando novas form as de desempenho

de urn papel isto aearreta, consequenternente,

alteracoes no modo de funeionamento da insti-

tuicao, No entanto, este processo e lento, pois as

instituicoes possuem m eeanism os estabilizadores

que as protegem de mudancas bruseas ao sabor da

vontade de seus m em bros.

Ao n (vel das leqitirnacdes. isto 8, dRS expliei-

tac oes linguistieas que aeom pa nham as ir..cituicoes.

a proposicao de maneiras alternatlvas de se

cornpreende-las talvez seja rnais facilm ente verifi-

cavel e ate mesmo rnais toleravel, na medida em

que uma "teoria" divergente sobre a realidade nao

implica, neeessariamente, um a mudanca imediata

nesta estrutura. Contudo, visoes divergentes que

surjam no interior de um dado universo simb61ieo

contern ern si 0 germen da subversao, e a ordem

institucional procure tarnbern se proteger dessas. "heresies". ..,

U rn ponto, porern, deve fiear claro: e irnpossfvelao indivfduo sozinho manter uma concepcao

diseordante do universo simb61ieo em que esta,

Sozinho ninquem eonstr6i uma (nova) realidade.

Alternativas a urn determ .inado universo sim b61ieo

apenas sao posstveis quando sustentadas por um

grupo de individuos divergentes, que rnantern e

compartilham entre si esta diferente visao da

realidade. Uma unica pessoa com uma proposicao

divergente e fa cilm ente cla ssifieada com o "louca ",

"m arginal", "irnoral", "doente". etc., e faeilm ente

o que e Realidade

- I

II

I

. . . e inipossivel ao individuo sozinho manter uma

concepc.io discordante do universo simbolico em que

e st d . .. A lt em at iv as a um determinado universo

simbolico apenas sao possiveis ...

5

Page 28: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

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60 Ja ff a -Franci sco Duarte Jun ior

isolada do convrvio dos demais a fim de ser

submetida a processes "terapeuticos" que pro-

curam faze-Ia retornar

area lid ad e esta b elecid a

pelo universe sirnbolico predominante.

Todo universe sim b6lico, entao. contern em si

m ecanism os conceituais de autoprotecao destinados

a destruir possfveis oposicoes que possam surgir

no seu interior. Antes de nos determos mais demo-

radamente nos tlpos e m od os de fu ncio nam ento

desses m ecanism os, vejam os urna pequena tabula

orlqinaria da Argentina, aqui contada resum ida-

mente, e que ilustra esses m ee an is mo s p ro te to re s

d as ln stitu ico es e u niv erses sim bolicos ,

Num tempo em que os hom ens ainda nao se

alim entavam da carne de animals, urn incendio

consurniu um bosque onde havia inurneros porcos.

A lquern que por ali passava, apes a extincao das

chamas, resolveu experimental' aqueles porcos

assados e descobriu que eram pa lataveis, Logo a

notfcia se espalhou e os homens passaram a comer

porcos assados, que eram entao preparados da

maneira original, isto e, reuniam-se os anim ais num

bosque e ateava-se fogo a v eq et ac ao . E st a i ns ti tu ic ao

de cozi menta de porcos fo i crescendo e comeca ra m

a surgir especialistas: especialistas em tipos de

bosques, em ventos, em atear fogo no setor norte,

no setor sui, le51-8, o este, especialistas em reflores-

tamento, especia Iistas no ponto da mata em que

as animals deveriarn ser colocados, etc. Enfim ,

toda uma paraternalia para tazer progredir e aper-

i

l.

!

I

o que e Realidade

teicoar a institulcao f oi c ri ad a .

Realizavam-se entao congressos

tecnicas e inovacoes dentro de ca

eram apresentadas e discutidas. A te

in div fd uo p ro cu ro u 0 presidente

apresentou-Ihe uma proposta que

radical rnudanca na Instituicao, ta

bastaria que os porcos fos sem m or

numa grelha, sob a qual S8 acen deri

fogueira. Imediatamente 0 preside

o absurdo de sua proposicao. po i

o desem prego para m ilhares de es

de abalar a conflanca qu e 0 restan

manifestava com relacao ao

detinham. Mostrou-Ihe ainda

daquela m aneira, revelava-se um pe

subversivo que poderia levar a soc

ainda rnais ao propugnar metodos

implicavam os homens matarem

suas proprias m aos. 0 presidents e

de "generosidade", disse ao dissiden

vez ele seria perdoado, mas com

nunca revelar a n i nquern aquela id

E assim as homer-s continuaram a

bosques e a institu i980 foi m antida.

as mecanismos de manutencao

simb61icos (e das I nstituicoes) sao

terepeuticos e aniquiladores. 0tabula acim a ernpreqou 0 terapeutico

ver ao membro dissidente que sua v

Page 29: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

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i2 Jo do -F ran ci sco Duar te Ju ni or

cada, falsa, doentia, fazendo-o entao voltar aver

a realidade da maneira correta, quer dizer, da

m a ne ir a p re sc ri ta p el a i ns ti tu ic ao e seu un iverso

slrnbollco.

A s olu ca o te rap eu tic a d as d iv erq en cias s urg id as

dentro de um universe sirnbolico implica que

este universe possua, em seu corpo de conheci-

mentos, tres mecanismos especificos: 1) um a

teoriada dissidencia: 2) urn aparelho de diaqnos-

tieo e 3) um sistem a para a "cura" p ro p ri a m e nt e

dita.A t eo ria d a d is sid en cia ja p re ve c on ce itu al m en te a

p os sib ilid ad e d e su rg irem d esv io s n aq ue le universe

sim b61ico e procura construir to do urn' arcabouco

te6rico que explique como e por que indivfduos se

d es via m d a " co rre ta" v isao d a realid ad e, E sta teo ria

funcio na com o um a especie de m anual de p ato lo gia,

d ig am os assim , postu lan do e conceitu ando os tipos

de "enferm idades" que podem acometer os seus

mem bros e as causas de sua ocorrencia. Num a tribe

ind(gena, par exemplo, onde todos devem dividir

o s pradutos d a caca, pesca o u lavou ra, um ind iv fdu o

qu e se rec use a as sim p ro ced er recebera uma d et er -

m in ad a "e tiq ue ta" clas sificat6 ria e 0 s e u compor ta -

mento sera explicado par meio de uma teoria

q ualq uer, co mo : 0 se u caso e de possessao pelo

espfrito do m al.

o aparelho diaqnostico destina-se a detectar

"sintomas" nos indivfduos COil) pr opensao ad iv erq en cia o u ja im erso s n ela. T arn bern co nsiste

o que e Realidade

num mecanisme conceitual que interpreta esses

sinais a partir da teoria da dissidencia, bem com o

uma serie de procedimentos destinados ao exame

dos membros suspeitos de diverqencia. 0 indio '

do exemplo acima, ao sair para a c ac a e p or var ies

dias segu idos nao trazer nada, apresenta um

comportamento que pode estar indicando que .ele

esteja 'escondendo para si os produtos de suaativ id ade. N as ditad uras ferren ham en te antlco-

) munistas, a leitura de determ inados autores ou 0

srnpreqo d e d et er min ad as p al av ra s s ao i nd ic ad ore s,

para as torcas repressoras, de que 0 lndividuo estacon tam inado pel a "doenca do cornunisrno".

o mecanisme de "cura", ap 6s d etectad o 0

desviante e classificada a sua "patoloqia", consiste

entao em faze-lo retorn ar ao u niverse sim b61ico

qu e ele aband onou . A s tecnicas em pregad as podem

ser as mais variadas possfveis, mas todas dizem

respeito a uma "reeducacao", isto e , procuram

fazer com que 0 d es vi an te a ba nd o ne a visao disso-nante e recom ece a Interpreter a real idade a partir

do universe s im b61 ic u p re dom in an te . 0 Indio

pode ser despojado de todos as s eu s p er te nc es

pessoais e submetido aos rnetodos exorcistas do

page. 0 comunista pode ser preso e torturado

ate se tornar confuso e abdicar de suas ideias,

Note que todos esses rnecan.smos e p ro ce di -

mentos sao uma forma de contro le social, uma

forma de se assegurar que os membros da insti-

tuicao ou sociedade em ouestao compartilhem da

63

Page 30: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 30/50

Jo tio -Francisco Duar te Jun io r64

m esm a interpretacao da realidade. Do exorcism o

a psicanallse. da assistencla pastoral as polleias

po l (ticas. todas seguem este mesmo esquema

terapeutico,E 0 m eeanism o eonceitual para a terapsutica,

em pregado num determ inado universe sim b61ieo,

pode ainda ser extremamente desenvolvido aponto de conceituar (e assim Iiquidar] quaisquer

duvidas que porventura sejam sentidas, pelo

desviante ou pelo terapeuta, com relacao a pr6pria

terapeutica. Quer dizer: essas duvidas sao expli-

cadas como um dos sintomas mesmo do desvio.

Na psicanalise, por exemplo, as duvidas do

paciente sao c1assificadas como "resistsncia"(a terapia), e as do terapeuta 'como "contra-

t ra ns te re nc ia " .-A terapeutica 8, portanto, um mecarnsmo

destinado a manter os indivlduos divergentes

dentro do universe simbolico que interpreta a

realidade. Ela 8 empregada contra os "hereticos

internes", ou seja, contra aqueles que perteneem

a insfituicao ou a sociedade em questao e que

cornecarn a apresentar divetqencias quanto it

m an eira d e e nte nd er e /o u d e a gir na qu ela rea lid ade .

o segundo mecanisme autoprotetor de que se

valem os urversos sim b61icos, a aniquilacao, nao

se destina aos desviantes internos, e sim aos diver-

gentes localizados fora de seu am bito. Quando um a

sociedade defronta-se com outra, cuja hist6ria e

modo de vida sao muito diferentes dos seus,

o qu e e Realidade

ocorre um confronto entre distintos

simb6licos, isto 8, entre diferentes r

Isto gera um problema bem mais agudo

criado por dissidentes internos, pois ness

um a alternativa entre dois un iversos s

fortemente estabelecidos: ambos possue

tra dic ao " ofic ia l" . E mais facil um unide tratar com grupos m inoritarios de div

cuja postura pode ser definida com o "iqn

ou "patologia", do que enfrentar outra

que considera este pr6prio universo co

v oc ad o o u p at ol 6g ic o.N es te emb ate 0 que acontece 8 que urn

p ro cu ra e nfre nta r 0 outro mun ido dasrazbes possfveis a fim de provar sua prop

rioridade e a inferioridade do oponentai nda que 0 sim ples aparecim ento deste

opositor constitui-se numa seria arnea

coloca em .xeque a dsfinicso de rea!prim eiro, ate entao considerada a unica

Os rnern'vos da sociedade com o que dque ha outras maneiras de se viver e se

a cxistencia vale dizer, a realidade. A.

irnposta ao povo por govern os totalitarl

m ais e que um m ecanism e preventivo, qu

evitar que as pessoas tenham consciencia

realidades posslveis, evitando-se um

ent re u ni ve rs os s imb 6l ic os .Na aniquilacao, entao, dois sao os m

utilizados para anulacao do novo uni

Jo i io -Franc isco Duar te Junioro qu e e Realidade 67

Page 31: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 31/50

primeiro deles, como ja citado, consiste em atribuir

urn status inferior as suas defin icoes. procurando

dernonstrar-se a quanta elas sao "ignorantes",

"atrasadas" au "deqeneradas". enfim, i rnpossrveis

de serem levadas a serio. 0 segundo mecanismo

e mais ambicioso: pretende explicar as definicoes

do universo contrario em termos dos conceitos

do universe original, incorporando-as a si e, assim,liquidando-as, em ultima analise. Este processo euma especie de, fagocitose, onde as concepcoes

alien tgenas' sao traduzidas em conceitos de nosso

unlverso, procurando demonstrar-se assim que

elas ja estavam previstas e consideradas em nossa

realidade, s6 que atraves de outros termos e

conceitos. Com esta sutil inversao aquilo que era

antes oposicao passa a ser afirrnacao do un i verso

original.

. Pensando no processo de catequese {rei igiosa

ou nao) a que foram submetidos os indfgenas

brasileiros pelos portugueses, percebe-se claramenteeste mecanismo de aniquilacao: eles eram consi-

derados povos "incultos", "barbaros" "irnorais"· ,

que nao haviam encontrado "0 verdadeiro Deus"

e desconheciam a "superioridade da civil izacao

europeia". Ou ainda notemos os embates que' as

vezes ocorrem entre "umbandistas" e "espiritua-

listas" de um lade e psiquiatras e psic61ogos do

outro. Estes ultimos procuram explicar a realidade

vivida pelos primeiros, em suas incorporacoes e

transes, atraves de seus conceitos, como: "histeria",

,I,

!

"suqestao", "hipnose", etc., enquanto os espirt-

tual istas pretendem entender as chamadas

"doencas mentais" valendo-se dos elementos de

seu universe sirnbolico, a saber, incorporacao de

entidades destrutivas, "despachos" feitos por

terceiros, etc. E neste confronto e quase inevitavelque os profissionais da psicologia invoquem a seu

favor a "superioridade da ciencla" na revelacao

das verdades do mundo. .

Urn aspecto central nesta questao do confronto

entre universos simb61icos nao pode ser esquecido:

ele envolve, necessariamente, 0 poder. A deflnicao

da real i dade que salra "vencedora" e que se fixara

na sociedade como resultado desse conflito ,depende sobremaneira da forca (material e ffsica)

de que dispoern os oponentes, na maioria das vezes

ate mais do que a engenhosidade dos tecnicos

legitimadores. Uma realidade e quase sempre, na

hist6ria do mundo, imposts pela torca e violencia.

Nao foi assim com os povos "primitivos", coloni-

zados pelo europeu "civilizado"? E nao vem sendoassim com 0 neocolonialismo, onde as nacoes

poderosas, econornica e militarmente, vern se

impondo as do Terceiro Mundo? Os mc'hores

argumentos que a humanidade tern encontrado

para eleger urna definicao de realidade como

"melber" estao no empunhar arrnas.

Retornando aos "hereticos internes" devernos

observer entre elesuma classe muito especial, que

nem sempre e considerada abertamente divergente

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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, '

-Jodo-Franci sco Duarte Jun ior

e nem "sernpre sofre o s p ro cesso s terapeuticos,

princip alrn ente nas sociedades pluralistas e dem o-

craticas. T rata-se do s in telectuais. Enten da-se po r

intelectuais aqueles indlvfduos cujo trabalhoconsiste precisamente em manipular universos

simb61icos, em geral buscando neles fal has e

brechas por onde possam ser introduzidas novas e

alternatives concepcoes da realidade .. Enquanto

na sociedade existem os "Iegitim adores oficia is",

ou seja, pessoas que laboram no sentido de manter

e arraigar p rofun dam ente aqu elas concep coes tid as

e havidas como a unlca realidade possfvel, 0

trab alho d o in telec tu al re aliz a-se n o sen tid o in verso :

q ue st io n ar e ss as c on ce pc de s.

o legitimador oficial tem a seu favor toda a

in fr a- es tr ut ura d as in st itu ic oe s, ja implantada eque serve de base concreta a s ua l eq it ir na ca o

teorica. ao passo que a projeto do intelectual

S8 desenvolve num vacuo institucional. Neste

sentido e que se po d e falar em utopia, tom ando-se

o termo no seu sentido literal, derivado do grego:

utopia = = lugar nenhum . As construcoss te6ricas

dos intelectuais, que nao se derivam das institui-

90es, sao utopias no sentido de ainda nao existirem

concretamente, com todo urn arcabouco de vidap r at ic a su st en t ando -a s .

C om o afirrn ad o an te rio rm en te, n in qu ern s us te nta

sozinho uma concepcao divergente de realidade, eisto e valido tarnbern para os intelectuais. Se Ihes

falta 0 respaldo da sociedade m aior, todavia eles

r~~.-~~-- ~~'.....~._-_..

i;

.r

o que e Realidade

encontram -no entre si mesmos, ou seja,

sociedade de intelectuais que eles con

Suas coricepcoes d iss id en te s s ao s is te matic

negadas pela praxis mesma .da sociedad

subjetivamente eles podem mante-Ias po

sub so ciedade a q ue p ertencem seus eom pa

c on si de ra m- na s c om o r ea Ii da de .Da ( 0 horror intrinseco que ditaduras

quer matiz nutrern contra os in telectuaisprogramas de estudo e pesquisas: eles

apontando sem pre na direcao de transfor

no que existe, rumo a u r n a s oc ie da de d

distinta da que os poderosos pretendem c

a fim d e m an ter seu s p rivi leqios.

O s inteleetuais tern ainda a opcao da r

q u e/ h is to ri cam en te , e bastante im portanela, eles se d isp5em a tornar co ncreto 0 s e u

ou seja, transform ar a sociedade (a realidad

que se adeque as suas concepcocs. at

somente teoricas, E sta o pca o. COl .tudo,

contar com 0 res pa ld o c on cre to , in stit

de outros grupos dentro da sociedade.

revo lucoes apenas teor icas. nao ha resem 'm u dances na infra-estru tura social, a

vida concretam ente vivida pelas pessoas.

m ais a s r ev olu ci on ari as e d is si de nt es c on

dos intelectuaisse espalharn e tomamc

entre outros grupos da sociedade, mais_ ,sol idificando a real i dade a Iternativa p

U ma revolucao 5e realiza (torna-se real)

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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70 lotio-Francisco Duarte Junior

pelo movimento da maioria da sociedade, as

transtorrnacoes nas instituicoes edificam um a nova

realidade.Realizada a revolucao, isto 8, tornadas reais

aquelas concepcoes ate entao tid as co mo utopicas

e d iv erg en te s, e frequente ver-se 0 i ntelectual

.a ss urn lr o . p ap el in verso , q ual seja, 0de l eg it imado roficial. Agora ele pode passar de opositor a propa-

gandista da nova realidade, contribuindo para .q~e

ela seja ap ren did a e assim ilad a p elo s gru po s so cials.

E pode assurnir tarnbern, c om o c om ple me nto , 0

papel de "terapeuta". procurando reeducar os

rnais renitentes, os contra-revolucionarios qu e

insistem em manter suas a ntigas concepcoes e

minar a nova realidade no senti do de um retorno

a antiga. O u ainda 0 intelectual, apes a revolucao,

pode entender que ela se afastou daquelas con-

cepcoes que a nortearam, que "nao era bem isso

o que se pretendia", retornando ao seu papel decrItico e opositor, trabalhando para que m a rs um a

vez a realidade seja alterada. E e sempre born

frisar que este seu trabalho so e p osslv el n a m ed id a

em que haja uma tolerancia dem ocratica ao plura-

Iism o de concepcoes."f A te aqui nossas consideracoes acerca da manu-

tencao da realidade disseram respeito a um nlvel

col~tivo, social, em termos de instituicoes e

. universos simb61 icos. Porern, e precise que se

verifique como a realidade e conservada com

relacao aos individuos, na vida cotidiana. Neste

o que e Realidade

n (vel pode-se distingu ir entre dois tipos gerais de

conservacao da realidade: uma rotineira e outra

critics.A rotineira destina-se a manter a realidade

interiorizada pel o s i ndividuos na vida do dia-a-dia,

ou se]a, assegura que nos m ovim entemos num m elo

conhecido e p re vis fv el, sem r n u d a n c a s bruscas,seja a nfvel s ub jetiv o, s eja a n I ve l o bje ti vo . E m

prlrneiro lu ga r is to e c on se gu id o atraves dos hat -itos

e ro tin as , q ue sao a es sen cia d a in stitu cio nalizacso .

Enquanto m inha realidade cotidiana se desenvolve

de forma rotineira, isto e, d e m an eira ja c on he cid a,

estao s us pe ns as q ua is qu er duvidas e quest ionamen-

tos que me obrigariam a pensar sobre a m inha

identidade (quem sou 7) e a id en tid ad e d as co isas

e pessoas que me cercam. 0 m un do co ntin ua a (

como eu 0 conheco: no meu percurso ate 0

trabalho tome 0 mesmo onibus. que segue 0

trajeto habitual, as pessoas sobem e descem deleda maneira usual, as casas e ediffcios continuam

os mesmos, meus horarios sao rnantidos, etc. -

tudo isso me reafirma continuamente a solidez da

real i dade e me da a sequranca de que necessito

p ara d es en vo lv er m in ha s a ti vid ad es .

Em segundo lugar a conservacao rotineira econseguida atraves de nossa interacao com os

outros, Estes, podem ser "outros siqnificativos"

(aqueles com quem mantemos relacfies pessoais

mais Intimas) , ou menos importantes: ambos os

tipos ajudam na conservacao de real idade. Ouaido

Page 34: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

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!. 72) Jodo-Francisco Duarte Junior

para a meu carro, par exemplo, e pergunto ao

guarda de transite se posso estacionar ali, este eum encontro ocasional, m as que, im plicitam ente,

reassegura a real i dade: ele me reafirma que sou

proprietarro do verculo tal, que m oro n esta cidade,que as regras de transite continuam a existir, que

o s p oli ci ais e st ao fa ze nd o 0 seu trab alho , etc .

( Nota-se entao que 0 meio mais importante na

I m anutencao da real idade e a conversa, ou seja,a tra ve s d ela 0 mundo e i nc es san t emente r ea fi rmado.

, Nao nos ssquecamos daquilo que foi discutido

\ no segundo capitulo: pela linguagem 0 mundoI ganha sentido, siq nificacao. N a m aioria dos dialo-

/ gas que mantemos, a realidade esta assegurada, aomenos de forma impl (cita: falamos num mesmo

idioma e de coisas conhecidas, que cornpoem a

nossa real idade. U rn sim ples "bom -dia" do portei ro

de meu ediflcio me informa que as coisas conti-

nuam com o sem pre.Os dialoqos que mantemos com os "outros

significativos" sao ainda m ais im portantes neste

processo , na medida em que neles ha uma carga

adicional d e afetiv idacle, con tribuind o com m aiorpeso para assegu rar a nossa real i dade subjetiva.

As opinioes em itidas por aqueles que me sao

significantes tern m aior torca para edificar emanter a minha identidade e a das coisas (e. eclaro, tern tarnbern maior force para alterar essas

identidadesl. Pela conversa a realidade nao s6 emantida mas a inda vai sofrendo modificac;:6es:

1I

'i

; : _ -

·'1

qc·

d

t,

t'

l

I ·,'j

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I,i,1,1,

« ,J

,,~.

!1

I·1.w '

J

': 1~i'i,· 1r 1I!, :I, ~I

:-/

~,~

o que e Realidadc

certos temas, num dado mom ento, torn

discutidos e, portanto, mais relevan

rea is), enquanto outros vao sendo es

perdendo a sua real idade no centro

atencao. A lgo que nunca e falad o poss

uma real idade subjetiva vacilante e

oposicao a solidez daquilo que nos

d e q ue falam os 0 d i a in te ir o.Assim , a conversa mantern continu

certeza na real idade cotidiana, m as podede esta certeza ser abalada por urn fato

Por exemplo: m inha mulher (um outro

significativa) me diz de uma hora para

vai me deixar porque sou um fracassado

mais me ama. Este e um momenta c

faz 0 meu mundo estremecer. Sua op

compartamemo roubam de m im a c

tin ha q uan ta a m in ha r ea li da de s ub je tividentidade . (sere; real m ente um fr

alern de abalar a realidade objetiva (

e este on d e podemos ficar sozinhos d

Coma se faz para se viver sozinha 7) .E necessaria entao que sejam aci

m ecanismos de conservacao crftica da

mecanismos estes que entram em c

situacoes em que 0 real corneca a desm o

os indivfduos. Tais mecanismos saoem pregados na conservacao rotineira,

agora a confirrnacao da realidade devsxplfcita e intensa. Vou, por exem plo ,

74 Jo do -F ran c is co Duar te Ju ni or ' o que e Realidade

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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/

com meus am lgos e parentes a fim de saber se eles

creem que eu seja realmente um fracassado, e

arran]o rapidam ente um a namorada, 0 que me

confirma que e pcssivel me amarem e que sou

. capaz de viver "a do is". Esses procedirnentos

":'ajudam-me a : eestru turar e a manter a rea I idade

que m e era conhecida e que foi abalada.

Nessas situacoes entices tarnbern pode serposta em jogo uma serie de tecnicas que a soc ie-

dade prove justamente para tais casos. Dentro do

mesmo exemplo, posso procurar um psicoloqo

para um aconselham ento ou um a psicoterapia, que

me ajudem a reafirrnar a minha identid ade; o u

mesmo buscar palavras de apoio junto ao pastor

de m inha igreja, no horatio reservado para 0

atendim ento dos fie i s.

Esses colapsos que a realidade pode sofrer nao

se dao apenas a ruvet i nd iv id ua l, m as a in da c ol et iv o,

como em caso de catastrofes, revoltas por pa rte

de determ inad os grupos, etc., qu ando tarnbern sa oacionados mecanismos de manutencao do real.

A o ser con vocad a um a passeata d e desem pregados

e na irninencia d e o co rrerem s aq ue s e d ep red ac oes,

p ar ex em plo , 0 governador ou a prefeito podem

ir aos meios de comunicacao e declararem que a

polfcia estara nas ruas para gai'antir a ordem e

a normalidade {vale dlzer, a realidadel. Tais

processos de afirrnacao d o rea l, ev id en tem en te,

tern a sua intensidade e force de aplicacao au men-

t ada s p r opo rc ionalmen t e a seriedade com que a

i

I

arneaca a deslnteqracao e p erceb id a. A rn eaca s m

serias exigem um a rnultiplicacao d os m ec an ism o

e ritu ais d e co nserv aca o cr itic a d a rea lid ad e.

Como ja observado paginas atras, no caso

revolucao a realidade pode sofrer, em termos

coletividade, uma rupture e um rearranjo sob u

nova forma (uma nova ordem institucional)

Este fa t o pode ocorrer tarnbern com os lndividuoquando par qualquer motive seus parametre

sub jetiv os do real sao desestru turados e novam en

org anizados a partir de o utros prism as. A conversa

religiosa 8, de certa maneira, 0 prototipo de

tipo de fenorneno, onde 0 indiv (duo repensa

reestrutura sua maneira de viver, sentir e pens

de acordo com os novos valores fo rn ecid os p

novo universo sirnbolico.

No caso exem plificado anteriorm ente, quand

m inha mulher me deixa e coloca em duvida 0m

sucesso , po de ser que eu venha a descobrir q

ela esteja certa, e entao mude radicalmentem inha vid a: venda os m eus pertences, aba ndo

o meu emprego, arranjo uma casinha na praia

passo a fazer artesanato para ganhar dinheir

Terei entao de passar por uma reaprendizagem

realidade, ou seja, devo aprender a me orient

neste meu novo mundo, com relacionamentos

diferentes, outros tipos de am izades e valor

d is ti nt os d aq ue Je s c ul ti va do s a nt er io rm e nt e.

Esse processo de reco nstru < ; : a 0 d a rea Iida

subjetiva, que implica um aprendizado, qanha

Page 36: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

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76 Jaffa-Francisco Duarte Junior

contornos mais nftidos ao se tratar, no capitulo

seguinte, das maneiras como a realidade e ensinadaas novas gera90es e reensinada aqueles que ativeram desestruturada.

C Ia

A APRENDIZAGEMDA REALIDADE

"Sendo a sociedade uma real i d

tempo objetiva e sub jet iva, qual

cornpreensso t e6 rica r elat iva a ela

ambos estes aspectos,"

(P, Berger e

a fenorneno da reificacao, isto 8, a ap

realidade como se fosse algo dado, in

dos homens (e nao, constru Ida socia

uma constante verificada em qualque

"civilizada" ,ou "primitiva". Perceber

de forma desreificada, au seja, como

acao humana, exige um certo esforco

ciencia, e isto s6 pode ser conseguido

ja ter side introjetado. Apenas depois

78 Jaffa-Francisco Duarte Junior o que e Realidade

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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dade ter side aprendida como algo exterior e

coercitivo, apenas depois de 0 in div id uo ter-se

integrado nela e que este pode conseguir uma

certa "distancia" que Ihe perm ita percebe-la"de fora".

o processo de aprendizagem da realidade 8 .

denominado socializar;ao. Por ele tornamo-nos

hum anos, aprendem os aver 0 mundo com o 0 veern

n os so s s em elh an te s e a manipula-lo pratlca econceitualm ente atraves dos instrunientos e c6di-

gas em pregados em nossa cultura. A socializacao

pode ser dividida em duas fases: a prirnaria e

a secundaria .

Na socializacao prirnaria. qu e ocorre essencial-

mente no interior da farnflia, de par corn a evolucao

n eu ro fisio l6 gica v am os ad qu irin do a conscisncia

que a linguagem nos perm ite e que nos "hom iniza".

Individuos criados longe de seus semelhantes,

como comprovam os casos de criancas deixadas

nas selvas ainda bebes e "adotadas" p or a nim ais ,

nao se tornam humanos. Essas criancas, encon-tra da s q ua nd o ja beiravam a adolescencia. n ao eram

mais do que pequenos animais que cacavarn,

grunhiam e andavam "de quatro": tentada a sua

"horninizacao", a sua inteqracao na sociedade,

bem pouco conseguiram aprender e acabaram

sucumbindo. E inevitavel: (: que conhecem os

.como "0 humano" s6 e possivel se produzido

socialmente.

A soci al iz ac ao prlrnaria e b as ic a e f un dam en ta l,

pois toda e qualquer aprendizagem subsequent

tera de se apolar nesses a Ii ce rc es c on st ru (dos

primeira infancia. Nes te p ro ce ss o estao envolvid

nao apenas aspectos cognitivos e racionais, m

essen cialm en te fa to res em ocio nais. E a ernoc

que liga a crianca ao s prirneiros "outros sign

cativos": os seus pais. Esti:l l iga<;:ao afet iva

condicao necessaria para que a socializacao

realize a bom termo, e sem ela seria extrem a m e"dificil, quando nao imposslvel, este prime

aprendizado do rnundo.

o conteudo e 0 in stru me nto m ais im po rtan

d a s oc ia l izacao prirnar!a, sem duvida, e a l inguage

Po r el a e com ela a realidade vai sendo apresentad

a crianca: 0 mundo vai se vestindo de siqniflcacd

vai sendo montado atraves das palavras que

organizam e 0 edificam para 0 hom em . A ssim

que a realidade, ou se]a, a so cied ad e e a id en tid a

doindiv(duo, vao sendo cristalizados em

consciericia n o m esm o p ro ces so de intsriorizacao

C am inha-se progressivam ente no senti do de uabstracao de sign i ficados e de papeis, desde

m undo fam iliar ate 0 mundo como um to

A prirneira id en titic acao d a crianca se da com

membros de sua fam ilia. Na medida em que

progride em seu aprendizado, os papeis e sign

cados desempenhados e transmitidos pe

familiares VaG sendo percebidos com o caracter

ticos tarnbern de outras pessoas. Oesta forma,

sociallzacao prima-ia p arte-se d os o utro s siq niti

Page 38: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

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80 Ja ff a -Franci sco Duarte Jun ior

tivos e se atinge 0 qu e S8 denom ina "ou tro

general izado". A formacao deste conceito de

outro generalizado na consciericia do indivfduosignifica que ele agora nao se identifica apenas

com os outros concretos que estao a sua volta, m as

com uma generalidade de outros, ou seja, com

uma soci edade .~~~ E e neste ponto que termina a socializacao

prim aria: quando a crianca percebe q ue a realidade

transcende as fronteiras de sua casa e se espalha

por todo um mundo social. A I las, algumas crises

podem ocorrer neste momento exatamente peladescoberta de que 0 mundo dos pais nao e 0

unico existente, e sim uma pequena parte de algo

infinitamente complexo e ate assustador. Taiscrises podem inclusive serem agravadas se elaperce be que, par qualquer motivo, 0 munda dos

pais e rnesrno ridicu larizado em outros grupos

s ocials. E ste e um fenorneno que tern ocupado

a atencso de inurneros educadores corn relacao

as crlancas que provem do meio rural ou de favelas

e periferias e que, numa escola elitizada, veem

seus valores e formas de expressao - va Ie dizer,

a sua realidade - serem menosprezados pelos

co le gas e p ro f es sor es .

J a a socializacao secundaria diz respeito a

q ua lq ue r p ro ce ss o s ub se qu en te a p rim aria qu e visea in tr od uz ir 0 indivrduo em novos setores do

mundo objetivo de seu meio social. Ouer dizer:

pela sociallzacso secundaria interiorizamos

i_

o qu e e Realidade

"subrnundos" institucionais (ou b

instituicoesl que eomp5em a noss

Por este processo vamos sen d o intro

instituicoes sociais e assimilando as

as leqitimarn. Isto significa a aquisica

cim ento de funcoes e de papeis espec

ou indiretamente deeorrentes da divi

I ho e d o c on he cim en to .

Enquanto a so cializacso prim aria v

de alta dose de afetividade, a secunda

esta carga de ernocoes e se da de

racional e pJanificada, on d e 0 con

apresentado em seq uencias loqicas e

Este processo de aprendizagem em

de instrutores especial izado s, com o o

por e xempl o.

Como 0 conhecimento assim ilado

zacao secundaria e m eno s m arcado

el~ pode mais facilmente ser colparenteses, isto e. esquecido au deixa

Justamente pela ernocao que 0 acqu e 0 "mundo basico" interiorizado

zacao primaria se mantem solido e c

sim as possibilid ades de ser abalado. Mp si co l6 gi ca s r es sa lt am 0 fato de os

d e n oss a p erso nalid ad e ac hare m-se n as

vividas na primeira infancia, quandcurso a social izacao prirnaria, A rn

hist6ria e a qeoqraf ia, par exernplo,

esquecidas e postas de lado pela cn

82 Jo ii o -Franci sco Duarte Jun ior o qu e e Realidade

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da escola, mas 0 mundo dos pais e inevitavel:

ela vive nele, quer queira ou nao.

A realidade interiorizada no processo secun-

dario e, assim , m ais fragij e fugaz, podendo sofrer

desestru turacoes e novas montagens. E e impor-

tante notar-se tarnbern que a real idade subjetiva

(0 acervo de conhecimentos in teriorizados) ·e a

re al id ad e o bje ti va (0 conjunto de institu icoes e

leqitirnacoes da sociedade) nunca rnantern entre

si uma relaeao sirnetrica. Ou seja:· e imposstvel

co nhecer-se tu do 0 que existe na sociedade,

conhecer-se a to talidade do real Imesrno na s

culturas mais "prim itivas"), nem tudo 0 qu e

existe em nossa consciencia e prov en iente d as

objetivacoes socials. como a consciencia do pro-

prio corpo, por exemplo . A realidade subjetiva

e a objetiva sao co-extensivas, porem nunca

sirnetricas.Quando no capitulo anterior tratamos da

conservacao da rea Iidade, foi abordada a questaodos indiv iduos que, por qualquer motivo, tern a

sua realidade subjetiva abalada ou m esmo oeses-

truturad a. A li afirm ou -se qu e nesses casos e desen-

volvido todo UITl trabalho no senti do de, ou

conservar a realidade arneacada. ou reconstruir a

demolida. E precise agora que S8 observe m ais de

perto essa tarefa de recon strucao, ja que ela nada

. mais e do que uma reeducacao, ou rnelhor, uma

re -soc ia l izacao.Se 0 co nteu do d a co nscien cia que foi adq uirido

na socializacao secundaria sofre abalos ou

desestru tura, tal fato nao provoca choques mui

series no indivlduo, pois que trata-se de conhec

m en to s ( te ori co s) p ou co c ol or id os e mo ci on alme nte

e que podem ser facilm ente substitu idos p

outros. Trocar uma visao te6rica por outra, u

sistema de pensamento por Dutro, quando

re alid ad e b asics (e mo cio nal) co ntin ua e stru tu rad a

na o e ta re fa m ui to c om pl ic ad a.

Contudo, a coisa se complica quando os abal

e desestruturacoes atingem os valores e a vis

de mundo adquirida ao longo da socializaca

prirnaria. Neste n ( vel estao envolvidos aspecto

fo rtem ente em ocio nais, e abalo s nessas d irnensoe

sao sentidos pelo individuo como fissuras em s

p ro pr ia i de nt id ad e. E ev id en te que u m a desestr

turacao total da real i dade subjetiva jamais se

possfvel, pois que, em ultim a analise, 0 indivldu

continuara a ter 0 mesmo corpo e a habitar

m esm o u niverse f isico. (Os casas de desestruturacfies acom panhadas de rnutilacoes corporal

sao , realmente, os mais series. E este e , muit

vezes, 0 drama daqueles que foram submetidos

t or tu ra s e s ev ( ci as .)

As alteracdes mais profundas operadas

rea lid ad e s ub je tiv a ( aq ue la s q ue atin ge m 0 mund

basico da socializacao prirnarial recebem a den

m inacao particu lar de elterneciies e, como

citado,· 0 caso da conversao rei ig iosa serve

p ro to tip o e xp l i ca ti vo d es te p ro ce ss o.

Page 40: O Que é a Realidade?

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I"

I:['

i"

,

'.

II '

84 Jaffa-Francisco Duarte Junior

Para que ocorra efetivam ente , um a alternacao

exige 0 concurso de terceiros, pais estando deses-truturados aqueles fundamentos adquiridos na

infancia 0 indivfduo necessita passar por uma

re-socializacso semelhante a primaria, Foi dito

sem elhante e nao igual porque esta re-socializacao

na o corneca do nada, como acontece com a socla-

lizaC;ao prirnaria, onde 0 b e b e se qu er e sta "p ro nto "

em termos neurofisiol6gicos. A s sem elhancas

que am bos os processos rnantsrn entre si dizem

respeito a carga em ocional necessaria para a estru-

turacao da realidade subjetiva (e da pr6pria

identidade). Ao passar por uma alternacao 0

indivfduo preclsa de um forte grau de identificacsoem ocional c om 0 pe sso al s oc ia liz an te , c om o 0 qu e

o lig av a a os p ais.

a mais di. .cil na alternacao 13sempre a .ianu-

tencao da nova realidade, ja que a tender-cia a

retornar ao m undo arraigado na prim eira intancia

eelevada. Fazer com que 0 in div id uo a ba nd on e

de vez a antiga visao e passe a interpretar a reali-

dade da nova maneira exige um a serie de procedi-

m entos e cuidados especia is. E precise que este

deixe para traz 0 mundo que antes habitava, e

o ideal para tanto consiste na segregac;ao f(sica

durante a re-soclalizacao. Da ( a necessidade de

claustros, conventos, retiros, etc., no caso da

conversao religiosa: locais on d e os contatos se

dao apenas com aqueles que possuem a visao de

realidade a ser assim ilada. Observe , par exem plo,

o que e Realidade

que as conhecidos "cursilhos" realiz

Igreja cat61 iea em busca de novos adecuram trabalhar com estes dais aspect

mentais: um forte grau de ernocao e

m ento (tem porario] dos iniciados,

Esta seqrsqacao no proeesso de a lter

deve ser apenas ffsica, m as tarnbem

de maneira conceitual, isto 13, os antiq

nheiros que a individuo deixou, portadore

que "era tarnbern a sua visso de realida

ser redefinidos a partir do novo universo

adquirido. Esses antigos companheiros

aquilo que ales representam passam e

tipificados como "impuros", "p"ln fie is". e tc ., 0 que nada mais 13 d

processo de aniquilacao que visa a

superioridade do novo universe sim

detrimento do antigo, tornado assim

e desp r ez [vel

A alternacao im piica, desta form a, um

pretacao do proprio passado do indiv

do novo universe sirnbolico par ele

Tudo 0 que foi vivido deve agora ser

para harm onizar-se com sua nova vlsao

E bastante frequents. nesse s casos, que

tido" chegue mesmo a inventar fatos

mentos em sua biografia pregressa,

torna-la m ais plaustvel dentro de seu no

de referencia, Histor icamente e muito

falsificacao e a invencao de docum entos

86 Jodo-Franc isco Duarte Jun ior o qu e e Realidade

Page 41: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

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I I

o que parece ser decorrente justamente dessa

necessidade de coerencia entre 0 passado e 0

presente daqueles que sofrera m conversdes. Se na

socializacao secundar ia, que se apola na prim a ria,

o passado deve ser retomado a fim de que 0

p res en te se ja in te rp re tad o n um a se qu en ciah arrn o-

nica, n a re-socializacao ocorre 0 in ve rso . ls to e :

o passado deve ser redefin ido e mesmo alteradoem funcao do presen te.

R es er vemo s a go ra e st as u lt irn as li nh as d o c ap itu lop ara c itar e c on ceitu ar a o co rre nc ia d e s oc ia liz ac be s

malsucedidas. Este problema, evidentemente,

reveste-se de gravidade quando a socializacao

q ue n ao fo i b em -s uce did a e a p rirn aria . E e nten de -

se que a socializacao tenha side malsucedida

quando existe um alto grau de assimetria entre

a realidade subjetiva e a objetiva, au seja, a visao

de mundo assim ilada pelo indivrduo e bastante

discrepante do mundo tal como objetivamente

d efinido p ela sociedade em que ele viv e.Tais casos ocorrern principalrnente devido ao

fato de existirern acentuadas diverqencias entre as

visdes de m undo do pessoal socializador. Isto pode

ocorrer, por exernplo. quando a crianca passa

grande parte de seu tempo sob os cuidados de uma

empregada ou baba que provern de um grupo social

ou cultura radicalm ente diversa da dos pa i s. Desta

maneira 0 indivrduo estara. em sua prim eira

infancia, sofrendo a rnediacao do mundo atraves

d e o utro s siq nifica tiv os cu ja s re al id a de s s ub jetiv as

A d ificuld ad e d o e squ iz o fr en ic o em e ri gi r para s i me smo

lima i de n ti dad e una e c o er en te , [ ra gmen tando -s e

numa multiplicidade de ileus" ...

.> -"*-Y#"'~

Page 42: O Que é a Realidade?

8/4/2019 O Que é a Realidade?

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II

" I'

88 Jodo-Franc isco Duar te Junior

s ao d isc rep an tes , a ca rre tarid o-I he u ma d ificu ld ad e

em erigir para si uma realidade subjetiva m a isharm on ica e co erente com a ob jetiva.

P od e-s e i nc lu si ve a na li sa r 0 " dis tu ro io m en ta l"

c la ss if ic ad o p el a p si co lo gi a c om o " es qu iz of re ni a" ,

sob este asp ecto . A d ificuld ad e d o esq uizofren ico

em erig ir para si mesmo uma identidade una e

coeren te, frag mentand o-se nu ma m ultip licidad e d e

"eus", tern side encarada pelas m odernas teorias

psicol6gicas como resultante do choque entre

realidades contradit6rias durante a sua intancia,

Sob este ponto de vista, tal indivfduo e resultante

de urn processo malsucedido de social lzacao

p rim aria, o nd e n un ca co nse gu iu o bte r u ma ex ten saocoeren te e in teg rad a entre a sua realid ad e su bjetiva

e a ob jetiva. E m ais: su a pr6 pria realid ad e su bjetiva

nao foi coerentemente edificada, constitu indo

partes desconectadas entre si e com 0 mundo asua volta. A ssim , 0 osquizofrenico vive sob asescombros da real idade que, por ter-Ihe sido

constru Id a s ob re a I ic erc es d es articu la de s, a ca bo u

d es mo ro nan do e rn p ed aco s so lto s.• . t ! t - '

A REALIDADE CIENTIF

"Vista que se acham contid

muitas atitudes, hi! tambern mnao um mundo-em-si . Nao exists.

urn mundo-em-si cient(fico. E

ran tos mundos clantrficos esp

tlntos, quantas s ao as a ti tudes

. diversas de perguntar."

R eservou-se este ultim o capitu lo

mente para se tratar da ciencia e da

el a construtda por urn m otivo especi

que suas verdades e construcoes vern

m un do m oderno . A tu alm en te ten dem oapen as n aq ueles fatos qu e sejam ci

provados, mesmo que nao entendamque vern a ser ciencia. Parece que a p

90 Jaffa-Francisco Duarte Junior a que e Realidade

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tern adquirido entre n6s um carater quase rnaqico,

apesar do paradoxo aparente que possa estar

c on tid o n es ta afirmacao, T en do e la c olo ca do 0 se u

aval sobre qualquer fato, este ganha aos nossos

olhos um alto grau de credibilidade, por mais

ab su rd o qu e n os p are ca .

Sem duvida nao sera torcar muito 0 raciocrnio

se disserm os que a ciencia (ou pelo m enos0

miteque se construiu em torno dela) ocupa na m oderna

civilizacao 0 lugar outrora ocupado pela teologia.

At e 0a dve nto d a m od ernid ade a s esc ritura s sa gra das

tin ham p ara 0 homem 0 c ara te r de le i na in te rp re -

tacao das verdades do mundo: a . p alavra final

cabia, em ultima anal i se, aos legitimadores e

peritos em textos sagrados. N ao foi 0 q ue a co nte -

c eu c om G alile u, c ara cte ristic am en te 0 'pioneiro

no rnetodo experim ental cientrfico? O s religiosos

sim plesm ente se recusaram a 0 1 har pelo seu teles-

copio porque suas afirrnacoes eram contraditadas

por todas as escrituras e a tradicao judaico-crista.

N ao havia 0 que discutir: a rea I idade se dava de

acordo com os textos sagrados, e qualquer desvionao era outra coisa senao heresia,

Mas agora a questao se inverteu: tudo aqui 1 0

que nao seja cientificam ente com provado nao deve

merecer 0 n os so re sp eito , ja que se trata tao-

somente de "filosofia", "poesia" ou simp les

su pe rstic ao o u m istic ism o. E evidente que esta

pcsicao central da ciencia adveio das transfer-rnacoes que at raves dela (e da tecnologia, sua

f ilh a d ir eta ) conseguirarn irn prirnir-se a o m un

o poder da ciencia na definicao da realida

deriva-se de seu enorme poder para transform

o mundo e ate reduzi-Io a p6. t lro nic o: se u po

de definlcao do real advern, em ultima analise,

su a c ap acid ad e d e d estru (-10.

Faz-se urgente e necessarlo. portanto, que

desmistifique um pouco esta coisa quase m agcham ada ciencia. relativizando-a ate que S9 co

preenda que ela e apenas urna das formas de

construir e entender a realidade. Pois que e

como vimos, nasce de urn jogo dialetico en

o hornern e 0 rnundo ffsico, entre a conscienc

eo trabalho hum anos e a rnaterialidade das coisa

Oependendo da pergunta que lancarnos

mundo obteremos um tipo de resposta. 0

signifiea esta afirrnacao? Basicamente que

coisas se apresentam a n6s de acordo com 0 no

ponto de vista sobre elas. R ecordem os 0 que

dito nurn cap (tu 1 0 anterior. A aqua s6 aparecsa m im como H 20 se meu questionamento a

s e r ea li za r 11 0 am bito da qufrnica. Para a lavade

da rnargern do rio d realidade da aqua e e

Ifmpida au barrenta, propfeia ou nao ao

pro pos ito d e la va r as ro up as.

Par estas assercoes pode-se compreender

nao ha urn mundo-em-si, urna rsalldade fecha

em si m esm a, mas que 0 m undo e sem pre e neces

riarnente um mundo-para-o-homem. Mundoaquilo que 0 hom em conceitua, organiza e tra

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8/4/2019 O Que é a Realidade?

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i'[

9 2 Joao-Franc isco Duarte Junior

forma, ja 0 dissemos .anteriormente. A ciencia e

a revelacao de certos aspectos do mundo taiscomo eles se apresentam ao ser humano, quando

este Ianca-lhe determinadas questoes,

E como funciona a ciencia 7 Fundamentalmente

atraves de modelos. Uma teoria clentrfica e um

modelo constru (do para representar determinado

aspecto da realidade, 'dentro de seu campo

especffico de siqnlftcacao. 0 cientista observa

determinados fatos, organiza-os de modo a cons-

tituir um modelo coerente e submete este seu

modelo a cornprovacao ernprrlca. Se as coisas se

passarem tal como previstas no seu modelo isto

significa que ele tem valor explicativo e funciona

como esquema de cornpreensso e manlpulacao

daquele aspecto do real. Caso contrario, 0 modelo

e rejeitado como falso e deixado de lado.

Isto nos coloca a questao da verdade, nao s6

no campo cientffico como de maneira gera!.

Pode-se afirmar (e isto pode chocar alguns) que

verdade e aquila que funciona, que serve aos

nossos propositos, Se um dado modele cientffico

funciona, isto e, permite que por ele determinados

aspectos do mundo possam ser manipulados, entao

ale e eonsiderado verdadeiro, ao menos ate que

novos fatos surjam, que nao possam mais ser

explicados 0,) manipulados por ele. E aIorna-senecessaria a construcao de um novo modele.

a atorno, por exemplo, era originalmente cones-

bido como a menor partrcu!a da materia, urna

o qu e e Realidade

partfcula . indivisfvel (daf 0 nome:

grego= sem partes), Depois, devido

de varies tenomenos. construiu-separa 0 atorno em que ele apresentava

de part (culas nucleares e outro tipo

que girava em torno deste nucleo

sistema solar.Assim, as modelos da ciencia sao

se construir 0 real dentro de seu ambit

(e note que dissernos construir, a

descobrir a real). Tais modelos vao sen

da hist6ria, substitu (dos par outros

gentes e sxplicativos e, portanto, a r

a clsncia constr6i vai sendo transforma

namente. A questao da verdade, pordeve ser tarnbern relativizada tern

Aquilo.que hoje e to.nado como verdad

modele que hoje funciona) arnanha p

de se-!o (deixara de funcionar). At

tempo era verdade que 0 atorno

apenas de pr6tons, neutrons e eletr

desenvolvimento da flsica quantica is

e verdadeiro: no seu interior ha

outros tipos de partrculas subatomicas.

atual afirma que a maior parte da

conhecidas se forma par diversas

de tres entidades au partfculas elememinadas "quarks", que seriam entao

constituintes da materia. Porern.

modelo ja esta sendo contestado na

94 Jo ao -F ran c is co Duar te Jun io r o qu e e Realidade

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exlstsncla de unidades ainda m enores, que form a-r ia m o s " qu ar ks ".

A questao da verdade depende entao de dois

fatores: sua localizacso na hist6ria do conheci-

mento e sua validade num determ inado setor darealidad e. Este u ltim o fato r sig nifica q ue as v erd a-

des constru (das pelo homem ao manter um a

d eterm inad a po stu re frente ao m un do (a cien Hfica,por exernplo) , nao S8 s ob re pfie rn n em in va lid am

o utr as v er da de s construldas a partir de posturas

d iferen tes (a artfstica e a religio sa, po r exem plo ).

Verda des cientfficas sao validas no ambito da

ciencia.. verdades esteticas no am ~jto das artes,

e assim por diante.> Cada uma delas constitu i

aspectos diversos da realidade construida palos

hom ens, e e i nd ev id o c o rn p ar a- la s p re te n de n do -s e

a superioridade de um a em detrim ento das outras.

A rea lid ad e co ns tru Id a p el a c ie nc ia e , s e as sim

podemos cham ar, urna "realidade de segunda

ordem": uma realidade que se apoia naquela.ern que nos m ovemos em nosso dia-a-dia. M elhor

dizendo: as construcoes cientrficas partem , inevi-

tavelm ente, de nossa (hum ana) cercepcao da

realidade. ~ som ente porque nosso sistema visual

nos perm ite a percepcao das cores que a ciencia

pede estuda-Ias e concluir que se tratam de ondas

lum inosas de diferentes com prim entos. Se, com o'c er to s a n im a is , p er ce be ss er no s 0 mundo em p reto

e branco, nao poderfarnos fa lar das cores e a

clen cia p ro vav elm en te n ao se disp oria a estu da-Ias

(ja que elas nao existlriarn para nos) . 0 mund

qu e 0 cientista constr6 i, em ultim a analise,

derivado do m undo em que ele vive.

A te aq ui falam os em ciencia d e m aneira q en erica

m as e preciso que se efetue um a importante

divisao no seu interior, separando-a em clencia

n atu ra ls e h um an as . A s n atu ra is o cu pam -s e, e clar

da natureza, e m esm o a ( podem os divid i-Ias novm ente naquelas que tratam do mundo ffsico

in anim ado (ffsica, q u (m ica, etc.I, e naquelas qu

trabalham com a vida (bio logia, subdivid ida e

b ot an ic a, z oo lo gi a, e tc .) .

As ciencias naturais do mundo inanim ado ter

na m aternatica, ou seja, na quantificacso, 0 se

principal instrumento de conhecimento. A real

dade, neste am bito, e traduzida em termos d

nurneros e relacoes nurnerlcas, Sao cham adas d

"exatas" porque apresentam elevado grau d

ex atid ao e p rev isib ilidad e. E sta u ltim a caracterfs

tica e im portante e m erece a nossa atencso , ja qunela reside a diferenca fundamental entre ta

c ie nc ia s e a s h um an as .

o objeto de estudo das ciencias f Isico-naturals.

ou se]a, 0 mundo Hsico com suas forces G pr

c ess os , a pre sen ta u ma c on sta nc ia e u m a reg u la rid ad

inexoraveis. A natureza apresenta a infin it

p acien cia de S6 rep etir sernp re, em qu alqu er lu ga

mantendo seus sistem as de interacao entre

elementos, A aqua, por exemplo , aquecida sob

pressao de uma atmosfera entrara em ebulicao

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I.

t.

9 6 Jo do -F ran c is co Dua rt e Ju ni or 0qu e e Realidade

100°C, aqui ou na Patagonia; um acido m isturado

a uma base produzira urn sal m ais aqua. s eja o nd e

'for. 0 que se esta tentando dizer e q ue a n atu rezaopera segundo determ inadas leis e normas que

nao se alteram ao sabor do acaso, e 0 t ra ba I hodo cientista e justamente construir model os que

r ep re se nte m e sta o rd em OCU Ita.

E e por isso que as ciencias ffsicas detern elevado

grau de previsibilidade: encontrada esta ordem

natural torna-se sim ples prever 0 qu e acontecera

so b tais e tais condicces, dada a im utabilidade dasleis que regem a natureza. Desta forma essas

. . . . . . . - 'crencias sao exatas e perm item a pr evis a o na o

devido ao metoda que empregam (baseado na

quantificacao}, mas porque seu objeto de estudose r egu la r e r epe ti ti vo.

Dentre as ciencias natura is, aquelas que se

ocupam da v ida (en ten did a b iologicam en te)

tarnbern possuem uma consideravet rnarqern deexatidao, q ue Ihe s p erm ite 0 controle e u ma certaprevisao, A vida nao e tao rnonotona quanto 0

mundo ffsico, m as ainda assirn as estruturas eprocessos dos organismos vivos se mantern bas-

tante regulares. Caes sempre procriaram e pro-criarao caes. e a funcao do estornaqo 8 / em

q ualq uer o rg an ism o q ue 0 possua, d ige ri r a li rn ento s,

assim com o as arvores se alim en tam d os nutrientes

absorvidos pelas ralzes em qualquer lugar do

mu~do. 0 o bje to d e e stu do s d as c ie nc ia s b io l6 gi ca s,a vida, mantern entso uma certa regularidade que

tam bern Ihes perm its urn born saldo de

c er te z a e p r ev i si b il id a de .

Contudo, ao ingressarmos no reino da c oi sa s e c om pl ic a. 0 ho mem p os su i u ma

biol6gica regular, m as suas construcces

tamentos nao se derivam diretamente

organismo. Por exemplo: passaros voam

tern asas, mas 0 homem nao as possu

formas de se elevar nos ceus: peixes

agua respirando at r aves das guelras, atr

pertinente ao homem que, no entanto,

formas de descer e permanecer muito t

as aquas. A ssim, 0 ser humano nao e

m in ado pelo seu organ ism o, com o os animo hom em se agrupa ainda em culturas

em cada uma desenvo lve m aneiras d ife

viver e compreender a vida. 0 iraniano

d e d et er mi na da rnaneira, tern os seus

seu deus, etc. E lL vive de forma difer

exemplo, do brasileiro, que cultua outro

veste-se de outra forma, etc. E ambosdiferentes dos esquim6s, que apresen

je ito p ec uliar d e co nstru ir a realid ad e. D e

nao sendo 0 h om em d et er mi na do b io lo g

ele inventa a sua maneira de viver, c

realidade culturalmente. E ainda made um a m esma cultura coexistem grupos

e, mesmo dentro ' de tais grupos, osapresentam caractedsticas exclusivam en

personal (sticas. E m su ma: 0 ham em apres

Jaffa-Francisco Duarte Junior o que e Realidade

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liberd ade qu e e irred utivel ao m eram en te fisico ,

a o p uram en te b io l6 gico .

D isso decorre a im possib ilidade de as ciencias

hum an as serem ex atas e p rev isfv eis. H a d im en s5 es

fundam entais no hum ano que nao perm item

quaisquer previsoes o u q uan tificaco es. N ao se p od e

aplicar ao estudo do homem os mesmos m etcdos

u tilizad os nas cisn cias fisico -n atu ra is, e ain da m ais

porque, em tais -ciencias, 0 objeto de estudos ediferente do sujeito que 0 investiqa (0 homem) ,

enquanto nas hum anas 0 p rop rio o bjeto e ur n

o u tr o s u je it o.

Toda esta distincao que fizemos entre as dife-

rentes ciencias foi necessaria pan: que 0 m ito da

quantificacao com o criteria ultim o para 0 estabe-

lecim ento da verda de seja posto de lado au, ao

m enos, relativ izado. Porque m uitos ainda cream

que a verdade seja mais "verdadeira" quando

expressa em nurneros, e m uitos cientistas procu-

ra ra m e stu da r 0 hom em valendo-se dos m etodos

das cienclas ffsico-natura is, esperando assimobter maior veracidade em seus trabalhos. O ra, 0

ser hum ane pede metodos especfficos de estudo, e

a q u an ti fl ca ca o 56 deve ser crlterio de verdade

dentro de um delim itado setor da realidade:·0m un do n atu ra I .

\ H a entao zonas de realidade, cada qual coberta

por cienclas especfficas, que se valem d e r ne to do s

p artic ula re s. A s construcoos de cada um a delas

sao v erd ad eiras e tern 0 seu am bito restrito aq uela

. f

".

. ,

'.

area determ inada do real. Uma ciencia e esta

clencia e nao outra, pelo fa to de dirigir a realidade

esta pergunta especifica e nao outra qualquer.

O s cientistas vao, assim , constru indo a realidade

cien tffica co mp artim entad am en te, isto e. dentro

de seus campos delim itados de atuacao, e tais

campos nao podem simplesm ente ser som ados

ou justapostos uns aos outros. Melhor dizendo:

e im possfvel a construcao de um a ciencia un a, q ueabranja a reaJidade como. um to d o e estabeleca

leis e teorias para tudo aqu ilo que existe, E

tendencia tem side justam ente a inverse: cada vez

m ais as ciencias se fragm en tam e se esp ecializarn ..

r es tr in gi nd o g ra da ti va me nt e 0 seu interesse a

parcelas m eno res d o real. A m edicin a, p or ex em pJo ,

qu e o rig in ariam en te estu dav a 0 funcionam ento

afeccoes do organism o hum ane em sua totalidade,

fragm entou-se tanto que hoje cada 6rgao deste

arganismo e estudado por um especiaJista. A

realidade como urn todo jam ais podera ser objeto

de estudos de uma (m ica ciencia, pois que nao haum a realidade una e indivcvel. e sim tantas

quantas sao as ciencias que as (_onstroern,

A definicao do real, ou n.elhor, do conceito

humano de realidade nao e tarefa p ara cien ciasespecfficas, e sim para a filosofia. Ao cientista

cabe m an ip ular seto res d eterm in ado s d a realid ade,

con stru ind o-Ihes m od elo s represen tativ os e ex pli-

cativ os, enq ua n to 0 fil6sofo se ocupa da com-

preensao de com o 0 h or ne rn p erc eb e e c om p re en de

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100 J a ff a-F ran ci sc o Dua rt e J uni or

o mundo, instaurando a sua realidade (dentro da

qual esta a propria ciencia}. E evidente que um

dialoqo entre a filosofia e as ciencias so pode serfecundo para ambas, mas as cientistas em geral

tern, m iopem ente, se recusado a ouvir os +ilosotos.

m ovidos m uito s deles pela v elha crenca na verdade

suprema da ciencia (e da quantificacao). Par sua

vez a filosofia, ao tentar com preender 0 que e

realidade, dependebastante do conhecimento

a dv in do d as c ie nc ia s. e sp ec ia l m en te 0 d as h um a na s

(m ais particularm ente dos dados fornecidos pelaa nt ro po lo gi a, s oc io lo gia e p sic ol og ia ). E fi na lm en te

cabe ao fil6sofo manter tarnbern uma posicao

d e hum ildad e no qu e co ncern e a seu conhecim en to

sabre 0 conhecimento humano que constroi arealidade: hum ildade para reconhecer que ha

regioes do real inacesslveis ao pensam ento pura-

mente loglco e raciona!. D imens5es essas a que sechega at raves de outras construcoes humanas,

com o a arte e a religiao, po r exem plo.

Como ultirnas palavras faz-se necessaria uma

pequena advertencia aqueles que se dedicarn aestud ar cien cias hum anas e q ue freq uen tern enteu tiliz am -se d o term o rea Iid ad e n as s uas c on stru co es

te6ricas: e p reciso co mp reen der to do 0 mecanismosocial e cultural que a palavra tern atras de s ir a

fim de se evitar erros grosseiros e, a que e pior,v io le nc ia s c on tr a 0 pr6prio homem . Porque 0

p sico lo qo ou psiqu iatra, por ex em plo, p ode sub me-ter seu cliente a urn vasto r epertorio de testes e

o que e Realidade

i nv es ti qa co es c om 0 intuito de descobriencontra orientado na realidade. Isto

nossa condicao de sanidade pede-nosta 980 minima e necessaria na realidadvivemos. Contudo, a sutil e profunda

s er feita e: orientado em que realidadecom o se espera ter ficado claro nas paq

dentes, a realidade que habitamos tdefinicao ditada pelos grupos socia is

a que pertencemos, e uma orientacaorealidade po d e parecer iloqica e mesmo

v ista a p artir d e o utra .

* ' > : , *

P .S . - Se v oce nao tern dicion ario, oud e n ele p r oc urar 0 s ig ni fic ad o d a p al av r

n ao sera por isso qu e ficara privad o destZeugo e um instrum ento m usical da G r

c om po sto d e d uas fla utas reu nid as.

o que e Realidade 1

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INDICAc;OES PARA LEITURA

Este pequeno texto tern a sua principal inspiracao e a

sua espinha dorsal na obra A Construceo Social da Reali -

dade, de Peter L . B erger e T hom as Luckrnann, publicada

em Petr6polis pela Editora Vozes. Trata-se de um livro

fundam ental para quem pretenda seguir adiante nos racio-

cfnios aqui expostos, e que disponha de algum conheci-

m en to f ilo s6 fic o e so cio l6 gic o. E sp ec ia lm en te o s c on ce ito s

apresen tad os no terceiro, quarto e quinto caprtulos deste

texto foram retirados do trabalho de B erger e L uckmann.

A li se en co ntram tais c on ceitos ap ro fu nda uo s e fartam en te

exemplificados, acrescidos de outros que nao caberiam

aqui, pela exiquidade de espaco, Certamente a obra dos

d oi s a ut or es e obrigat6ria para todos os estudantes de

f il os of ia e c ie nc ia s h um an as .

Outra obra basica para i:I c or np re en sa o d a e st ru tu ra ca o

da realidade, de um ponto de vista mais abrangente e

filo s6fico (o nde inc lusiv e a d lscu ssa o d a c ien cia e d a lin gua -

gem estao presentesl. e lntroduceo a Fenomenoloqie

Existencial, de W . luijpen, publicada em Sao Paulo pela

Editora Pedag6gica e U niversitaria (EPU ). Trata-se de um

'I,J

trabalho m ais denso, ao qual convern se achegar com alguns

conhecim entos previos de fitosofia, apesar de ele ter sido

e sc rito c om in te nsf ie s c la ra m en te didaticas,

Qua_nto a questao da ciencia e da realidade por eta

construrda e i rn pr es ci nd fv el a l ei tu ra d e Filosofia da Ciencie:

lntroducso ao Jogo e Suas Regras, d e R ube m A lv es, p ub li-

cado em Sao Paulo pela Editora Brasiliense. De leitura

a ce ss lv el e a qra da ve l, 0 texto procura demonstrar que aciencia nada m ais e do que um jogo de montar, um jogo

onde val-se construindo modelos representativos da

r ea li da de . P ar a t an to , 0 auto r v ale-se ta mb ern d e um proc e-

dimento ludico: ao longo do livro uma ser ie de jogos e

quebra-cabecas vai sendo apresentada ao leitor, que, ao

se empenhar em suas solucoes, descobre praticamente os

m ec an is mo s o pe ra t6 rio s d a c le nc ia .

A inda dentro do ambito da ciencia seria indicada a

leitura de 0 Que e Teorie, de O ta via no R am os, p ub licad o

em Sao Pau lo p ela E dito ra B rasilien se, nesta m esm a co lec ao

" Pr irn eiro s P as se s" . A li 0 autor procura demonstrar com o

surgem as teorias e como se dao suas articulacoes com ap ra tic a, n o a mb it o d as c ie nc ia s ff sic o-n atu ra is e d as h urn an as .

F inalmente, para os que se disponham a entender

rnelhor a questao das leqitirnacoes e teorias que invertem

a ordem pratica das coisas e acabam ocultando, mais do

que explicando, a vida concretamente vivida, 0 indicado

seria 0 Que Ii kieoloqie, de M arilena Chaut, desta m esma

Editora e Colecao. A autora procura, em seu texto, expli-

c itar como surqern e como operam as ideologias, defi-

nindo-as numa linha de pensamento que tem os seus

p aram etre s esta be lecid os n a o bra do filoso fo K arl M arx .. . .i _ @ , .

. ..~

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