o Que Teismo Aberto John Frame

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    Neste captulo, tentarei descrever em termos gerais a posio do tesmoaberto, contrastando-o com o tesmo tradicional. Porm, em primeiro lugar,

    preciso remover algumas barreiras para um entendimento recproco.

    A retrica e a realidade

    Os telogos do movimento tesmo aberto nem sempre tm sido muito cla-ros ao descrever aquilo em que acreditam. Muitas de suas exposies (porm,certamente, no todas) so mais parecidas com palestras motivadoras ou discur-sos polticos do que com filosofia ou teologia sria. Eles parecem estar maisinteressados na persuaso do que na clareza. Muitas vezes, eles escrevem pro-sas emotivas, procurando sensibilizar o leitor com respeito sua posio e dar umsentimento de averso em relao s concepes tradicionais de Deus. Precisocomear alertando os leitores para que no se deixem levar por essa retrica.

    Clark Pinnock, por exemplo, um dos telogos desse movimento, distinguedois modelos de Deus que as pessoas comumente trazem consigo na mente:

    Podemos imaginar Deus primeiramente como um monarca distante,afastado das contingncias do mundo, imutvel em todos os aspectosdo seu ser, como um poder todo-determinante e irresistvel, ciente detudo o que ir acontecer e que nunca se arrisca. Ou, podemos enten-der Deus como um pai que se preocupa, dotado de atributos de amore receptividade, generosidade e sensibilidade, abertura e vulnerabili-dade, uma pessoa (em vez de um princpio metafsico) que se aventura

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    no mundo, reage ao que lhe acontece, relaciona-se conosco e interagedinamicamente com os seres humanos.1

    Pinnock endossa o segundo modelo e o identifica como sendo o tesmoaberto.2 Mas essa descrio de supostos modelos gerais de Deus no soa comoverdadeira. Minha impresso que a maioria dos cristos associa elementos deambos os modelos: Deus um monarca, mas no afastado. Ele um poder todo-determinante e irresistvel, mas tambm um Pai que se preocupa.3 Ele no contingente (ou seja, dependente) do mundo, tampouco est afastado das con-tingncias do mundo, pois est muitssimo envolvido com o mundo que criou.

    Est a par de tudo o que acontece e nunca se arrisca, contudo abundante emamor e receptividade, em generosidade e em sensibilidade. Ele uma pessoa,no meramente um princpio metafsico.4 Tambm no creio que muitos cristos(mesmo os tradicionais) desaprovassem a descrio que Pinnock fez a respeitode Deus como algum que conhece o mundo, reage ao que acontece, relaciona-seconosco e interage ativamente com os seres humanos.5

    O que Pinnock apresenta como sendo dois modelos distintos de Deusconsiste, em grande parte, de aspectos de um modelo nico o modelo bblicoque tem orientado o pensamento da maioria dos cristos ao longo dos sculos.Eu rejeitaria dois elementos da primeira lista (a indiferena de Deus e seuafastamento do curso do mundo) e questionaria dois da segunda lista (a abertu-

    ra de Deus e sua vulnerabilidade).6 Penso que a maioria dos cristos atravsda Histria concordaria comigo.

    A abertura do Deus soberano

    Eu disse que questiono os termos de Pinnock, abertura evulnerabilidade, mas no que os rejeito. Na verdade, posso ratificar essestermos em alguns sentidos. Contudo, eles so ambguos. O termo abertura ,certamente, uma metfora. No usado nas Escrituras como um atributo deDeus, e no possui um significado padro na literatura teolgica. Richard Ricedefine esse termo mostrando que o tesmo aberto considera Deus como re-ceptivo a novas experincias e flexvel quanto ao modo como age em direo aseus objetivos no mundo.7

    Eu acredito, porm, que Pinnock e outros usem a palavra aberto tam-bm por causa de suas conotaes.8 O termo d uma boa impresso. Elesugere um panorama de vastas campinas, cheias de alegres raios solares, es-teiras convidativas, portes abertos, pensamentos no-dogmticos e pessoasdispostas a compartilhar os seus segredos mais ntimos. Esse tipo de fantasia

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    certamente atraente s pessoas em nossa cultura. No entanto, precisamos sercuidadosos quanto a isso. Isso porquefechado , s vezes, melhor que aberto.A comida se estraga se deixarmos a porta da geladeira aberta. Um cofre aber-to um convite para os ladres. E no nada prudente deixar a porta do carroaberta enquanto este estiver em movimento. Talvez, em certos aspectos, melhor para Deus que ele sejafechado. Por exemplo, se ele realmente deixoutodo o futuro completamente em aberto, ele tambm deixou em aberto a possi-

    bilidade da vitria de Satans.Como veremos, o soberano Deus do tesmo cristo tradicional fechado

    em certos aspectos. Entretanto, concernente a outros aspectos, ele tambm

    um Deus de abertura. Ele abre o mundo de maneira maravilhosa para os seusfilhos, ordenando que exercitem domnio sobre o mundo inteiro (Gn 1.28), habi-litando Paulo a dizer que ele tudo pode por meio de Cristo (Fp 4.13). Ele colocauma porta aberta perante o seu povo enquanto proclamam a Cristo por todo omundo (Cl 4.3; Ap 3.8). Deus pode abrir e fechar as portas da criao precisa-mente por ser soberano: o que abre, e ningum fechar, e que fecha, e nin-gum abrir (Ap 3.7).

    Sua soberania o torna totalmente aberto a nossas oraes, pois ele semprepode respond-las. Para ele, porta alguma se encontra fechada. Ele pode, na ver-dade, at mesmo abrir as portas do corao humano sua influncia; e no pode-mos deix-lo de fora. Seu poder soberano nos abre para ele e, vice-versa, ele a ns.

    Portanto, a metfora da abertura beneficia ambas as partes. Na verda-de, os relativamente poucos usos de aberto na Bblia encaixam-se melhor nomodelo tradicional do que no de Pinnock. Porm, no h dvida de que no se

    pode construir teologia sobre metforas, pois estas tm a caracterstica de po-derem ser tomadas em vrias direes diferentes, mas de preferncia com

    base no ensino das Escrituras.

    Vulnerabilidade soberana

    Vulnerabilidade uma idia que examinarei mais adiante neste livro.Minha opinio que Deus, em sua natureza bsica, no pode sofrer perda, e oseu plano eterno no pode sofrer derrota alguma. Nesses aspectos, ele invulnervel. Mas, ao interagir com as criaturas, ele realmente pode se entris-tecer (Ef 4.30). Jesus era profundamente vulnervel, mesmo sendo nada me-nos que o prprio Filho de Deus. E at mesmo, independentemente daEncarnao, o profeta declar: Em toda a angstia deles, foi ele (Deus) angus-tiado (Is 63.9). Essa nfase bblica totalmente compatvel com o tesmoclssico, como argumentarei neste livro.9

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    As ambigidades do tesmo aberto

    Entretanto, no fizemos muito progresso em definir, de modo mais preci-so, a natureza do tesmo aberto e suas diferenas com relao viso tradicio-nal. As duas listas de Pinnock, como vimos, so muito vagas, ambguas e equi-vocadas ao definir essas diferenas. Gastei algum tempo em suas listas parademonstrar que o apelo do tesmo aberto freqentemente baseado nasconotaes, nos sons e na retrica das palavras, em vez de na substncia.

    Outro exemplo fornecido pelo prefcio do livro The Openness of God:

    Deus, em sua graa, concede aos seres humanos liberdade significati-va para cooperar com, ou ir contra, a vontade de Deus para suas vidas,e ele entra em relacionamentos dinmicos e recprocos conosco.A vida crist envolve uma genuna interao entre Deus e os sereshumanos. Respondemos s iniciativas graciosas de Deus e Deus reage nossas respostas... e assim por diante. Deus se arrisca nesse relaci-onamento recproco. Mesmo assim, ele infinitamente rico em recur-sos e competente para manejar as coisas, levando-as a seus objetivosltimos. s vezes, Deus, sozinho, decide como executar esses objeti-vos. Em outras ocasies, Deus age com decises humanas, adaptandoos seus prprios planos para que se ajustem s situaes inconstantes.

    Deus no controla tudo o que acontece. De preferncia, ele est aber-to a receber informao de suas criaturas. Em dilogo amoroso, Deusnos convida a participar com ele na formao do futuro.10

    Os autores admitem, para mrito deles, que essa descrio de tesmoaberto feita somente em forma de grandes pinceladas.11 Todavia, esse otipo de descrio que prende a ateno e as emoes da maioria dos leitores.Os autores se oferecem para nos levar a uma aventura maravilhosa, de granderisco, mas de braos dados com o prprio Deus. Quem no gostaria de ir?

    Mas o que liberdade significativa? Os telogos do movimento dotesmo aberto tambm a descrevem como sendo a liberdade real ou liberda-

    de verdadeira. (Compare a ltima referncia com a interao verdadeira.) claro que todos querem ter liberdade verdadeira, e todos gostariam deacreditar que a possuem (na verdade, que outro tipo de liberdade h?). Entre-tanto, essa linguagem prejudica muito a argumentao. Como veremos maisadiante, o tesmo aberto ensina uma perspectiva especfica de liberdade, ouseja, o indeterminismo, o qual altamente controverso na teologia. Argumenta-rei que esse conceito no bblico e incoerente. Por meio de uma anlise

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    cuidadosa, o indeterminismo se revela como sendo, no liberdade verdadeira,mas sim um tipo de escravido ao acaso imprevisvel.

    E qual o significado de um relacionamento dinmico com Deus, emoposio a um relacionamento esttico? A teologia moderna exalta coisas di-nmicas e demoniza tudo o que esttico. E os autores de The Openness ofGodseguem fielmente essa tendncia. Porm, qual a verdadeira diferena?Evidentemente, nesse contexto, dinmica significa mudana, em vez de po-deroso. Contudo, mesmo na teologia clssica, o nosso relacionamento comDeus muda em certos aspectos, mesmo que Deus, em si mesmo, no mude; ouseja, Deus imutvel em sua natureza e em seu plano eterno, mas o seu rela-

    cionamento com as criaturas certamente muda. Portanto, na verdade, tanto ateologia ortodoxa como o tesmo aberto nos prometem um relacionamento di-nmico com Deus.

    Ser que queremos realmente excluir qualquer aspecto esttico (imu-tvel) do nosso relacionamento com Deus? Ser que no importante quealguns dos aspectos desse relacionamento sejam imutveis, como, por exem-

    plo, as promessas de Deus, o seu caminho para a salvao, a sua justia, asua santidade e a sua misericrdia? O escritor do Salmo 136 no se deleitaem repetir o refro: sua misericrdia dura para sempre? Ser que algumtelogo do tesmo aberto ficaria contente se visse o amor de Deus se trans-formar em crueldade?

    Meu apelo a todos os leitores de livros escritos por telogos que defen-dem o tesmo aberto que no se deixem levar pela retrica. No deixem quecoisa alguma lhes passe despercebida. Reflitam bem sobre o assunto; pergun-tem-se o que esses autores esto realmente dizendo. No se deixem impressi-onar pela linguagem ambgua, mas retoricamente atraente, que eles usam.

    Como os telogos que defendem o tesmoaberto vem o tesmo tradicional

    Agora hora de nos deslocarmos da retrica s diferenas verdadei-

    ras entre o tesmo aberto e o tradicional. Os telogos do tesmo aberto, diga-sea seu favor, vo, por vezes, alm de uma postura retrica para uma posturaanaltica. Richard Rice, por exemplo, nos d um relato preciso dos temas emcontrovrsia, e preciso examin-lo. Devemos, primariamente, considerarcomo os telogos do tesmo aberto vem os ensinamentos dos testas tradici-onais. Aqui vai o meu resumo do que Rice denomina de perspectiva tradici-onal ou convencional:12

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    1. Ela enfatiza a soberania, a majestade e a glria de Deus.2. A vontade de Deus a explicao final de todas as coisas.3. A sua vontade irresistvel.4. Ele generoso e benevolente, mas igualmente glorificado com a

    destruio do mpio.5. Ele est acima do tempo.6. Ele conhece todas as coisas do passado, do presente e do futuro.7. Em sua essncia, ele no afetado pelos acontecimentos e pelas

    experincias humanas.

    Os termos tradicionale convencionalsugerem que as tradies teolgi-cas, em sua maioria, concordariam com essas afirmaes. Na realidade, porm,a descrio de Rice reflete especificamente as convices calvinistas, mais doque qualquer outra tradio. Os arminianos, por exemplo, no concordariam quea vontade de Deus a explicao final de tudo ou que sua vontade irresistvel.Por outro lado, nem todos os calvinistas concordariam que Deus glorificadoigualmente (ou em todos os sentidos), tanto na salvao dos justos quanto nadestruio dos perversos. Os calvinistas acreditam que Deus predestina igual-mente ambos os resultados, assim como preordena todos os acontecimentos danatureza e da Histria. No entanto, nem todos os acontecimentos lhe so agrad-veis e, nesse sentido, nem todos os acontecimentos o glorificam de maneira idn-

    tica. Quanto destruio do mpio, a Escritura afirma que Deus no tem prazerna morte do perverso (Ez 33.11) e muitos calvinistas tomam esse ensinamentode modo totalmente literal.13 Entretanto, a lista de Rice indica os conceitos sobreDeus que os telogos do tesmo aberto querem rejeitar.

    As principais reivindicaes do tesmo aberto

    Posteriormente, Rice expe a sua prpria perspectiva de Deus, a qual compartilhada por outros telogos do tesmo aberto. Mais uma vez parafraseioe resumo, usando muito da prpria linguagem de Rice:14

    1. O amor a qualidade mais importante de Deus.2. O amor no apenas cuidado e comprometimento, mas tambm ser

    sensvel e compreensivo.3. As criaturas exercem influncia sobre Deus.4. A vontade de Deus no a ltima explicao de todas as coisas.

    A Histria o resultado da combinao do que Deus e suas criaturasdecidem fazer.

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    5. Deus no conhece todas as coisas eternamente, mas aprende com odesenrolar dos acontecimentos.

    6. Portanto, em certos aspectos, Deus depende do mundo.

    Alm dessas, h uma stima proposio que Rice no menciona aqui,mas que central ao tesmo aberto possivelmente seja, at mesmo, a raiz daqual se deriva todo o sistema:

    7. Os seres humanos so livres no sentido indeterminista.

    Indeterminismo o nome filosfico daquilo que Pinnock chama de li-berdade significativa, descrita na passagem anteriormente citada. O filsofo etelogo do tesmo aberto William Hasker define o livre-arbtrio indeterministada seguinte maneira:

    Um agente livre com respeito a uma dada ao num dado momentose, nesse momento, est em seu poder execut-la, bem como, em seu

    poder, a capacidade de abster-se dela.15

    Dessa perspectiva, as nossas escolhas livres so absolutamenteindeterminadas e sem motivo ou razo. Elas no so predeterminadas por Deus,

    ou pelas circunstncias, ou at mesmo pelo nosso prprio carter e pelos nos-sos desejos. Argumentarei no captulo 8 que essa perspectiva de liberdade no bblica. A Escritura afirma que somos livres para agir de acordo com osnossos desejos e nossa natureza, e que a graa de Deus pode nos libertar do

    pecado para servir a Cristo. No entanto, ela no ensina o indeterminismo, mas,antes, o exclui. Ademais, argumentarei que, contrrio a Hasker e outros, oindeterminismo no estabelece responsabilidade moral, mas, antes, a destri.

    Nos captulos que se seguem examinarei essas reivindicaes distintasdo tesmo aberto, tanto as positivas quanto as negativas, comparando-as com oensino da Bblia.