35
O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA! Introdução A África é o berço da humanidade. Como se sabe, 98% da história humana aconteceu na África. Somente 2% da história humana aconteceu fora da África. Os africanos saíram do continente africano e se espalharam pelo mundo, e aí se diversificaram. Então, a África é o berço da humanidade, no sentido mais amplo, não somente no sentido físico, mas no sentido da consciência do que é ser um ser humano. Com o tema “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”, a ONU estabeleceu, em dezembro de 2013, que a década de 2015 a 2024 será toda em homenagem aos afrodescendentes. O principal objetivo da Década Internacional consiste em promover o respeito, a proteção e a realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de afrodescendentes, como reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Década é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita pelos afrodescendentes ao planeta, bem como propor medidas concretas para promover sua inclusão total e combater todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e qualquer tipo de intolerância relacionada. Dando continuidade às comemorações dessa década, no carnaval de 2016 vamos contar e cantar as histórias de luta e resistência do nosso recôncavo baiano, uma região que abrange uma parte da Bahia que foi responsável por este estado ser o que é hoje. O recôncavo baiano é formado atualmente por 20 cidades, 20 territórios de identidade. São eles: Cabaceiras do Paraguaçu, Cachoeira, Castro Alves, Conceição de Almeida, Cruz das Almas, Dom Macedo Costa, Governador Mangabeira, Maragojipe, Muniz Ferreira, Muritiba, Nazaré, Santo Amaro, Santo Antonio de Jesus, São Felix, São Felipe, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Sapeaçú, Saubara e Varzedo.

O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE.

CARA PRETA!

Introdução

A África é o berço da humanidade. Como se sabe, 98% da história humana

aconteceu na África. Somente 2% da história humana aconteceu fora da África.

Os africanos saíram do continente africano e se espalharam pelo mundo, e aí

se diversificaram. Então, a África é o berço da humanidade, no sentido mais

amplo, não somente no sentido físico, mas no sentido da consciência do que é

ser um ser humano.

Com o tema “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”, a

ONU estabeleceu, em dezembro de 2013, que a década de 2015 a 2024 será

toda em homenagem aos afrodescendentes. O principal objetivo da Década

Internacional consiste em promover o respeito, a proteção e a realização de

todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de afrodescendentes,

como reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Década

é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita pelos

afrodescendentes ao planeta, bem como propor medidas concretas para

promover sua inclusão total e combater todas as formas de racismo,

discriminação racial, xenofobia e qualquer tipo de intolerância relacionada.

Dando continuidade às comemorações dessa década, no carnaval de 2016

vamos contar e cantar as histórias de luta e resistência do nosso recôncavo

baiano, uma região que abrange uma parte da Bahia que foi responsável por

este estado ser o que é hoje.

O recôncavo baiano é formado atualmente por 20 cidades, 20 territórios de

identidade. São eles: Cabaceiras do Paraguaçu, Cachoeira, Castro Alves,

Conceição de Almeida, Cruz das Almas, Dom Macedo Costa, Governador

Mangabeira, Maragojipe, Muniz Ferreira, Muritiba, Nazaré, Santo Amaro, Santo

Antonio de Jesus, São Felix, São Felipe, São Francisco do Conde, São

Sebastião do Passé, Sapeaçú, Saubara e Varzedo.

Page 2: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando
Page 3: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

O Recôncavo Baiano

No Recôncavo encontramos uma grande diversidade de atividades religiosas,

artesanais, artísticas e de sabedorias ancestrais, que embora sofrendo

ameaças de “folclorizaçao”, são expressivas na pluralidade étnica dessa

região. Percebem­se lá a marca dos mais variados aspectos culturais,

presentes na arquitetura, língua, nas artes, destacando­se as danças africanas

e a capoeira. Na culinária, as influências dos antepassados deixaram de

herança deliciosos pratos, como o acarajé, vatapá, maniçoba, meninico de

carneiro, beiju e outras comidas de senzala.

As festas que mais se destacam são o São João, realizado em vários

municípios da região, e o Carnaval de Mascarados em Maragogipe e

Cabaceiras do Paraguaçu, entre outros. O Samba de Roda é um exemplo da

preservação da cultura africana, ligado ao culto dos orixás e caboclos, há

também características da cultura portuguesa, que é encontrada nos

instrumentos, no caso na viola, no pandeiro e na língua utilizada nas canções.

Ainda relacionado às danças do Recôncavo, podemos destacar

o maculelê, que acontece todo dia 2 de fevereiro, e tem seu grande destaque

em Santo Amaro da Purificação e Cachoeira. Sua origem é contestada por

vários estudiosos, alguns afirmam se tratar de uma dança indígena, outros de

luta negra. Já o Grupo de Bonecos da Casa da Cultura Américo Simas é um

representativo da cultura local e nacional. Além disso, é relevante

mencionarmos o Bumba­ meu­boi, Burrinha, Mandús etc.

Não podemos deixar de abordar aqui a importância do São João, comemorado

em toda região Nordeste. Considerada a festa que divide o ano, tem seus

festejos realizados intensamente na Bahia e no Recôncavo. É uma grande

manifestação cultural e ocorre em muitas cidades do estado, seus festejos

recebem maior importância nas cidades de Cruz das Almas e Santo Antonio de

Jesus, que lideram as comemorações, trazendo para esta celebração, turistas

da Bahia e do Brasil. As cidades oferecem como atrativo vários dias de festa,

shows de artistas famosos, quadrilhas, comidas típicas do período, queima de

fogueira, e, em Cruz das Almas, acontece a famosa Guerra de Espadas,

Page 4: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

também conhecida em todo país, esse período atrai a mídia nacional para fazer

a cobertura da brincadeira entre os visitantes e os moradores da cidade.

“As cidades do vapor de Cachoeira, da cana de açúcar, do fumo, da farinha de

mandioca cantavam a região com múltiplas sonoridades. Charuteiras, irmãs da

Boa Morte, povo de santo festejavam sambando na roda, ao lado de violeiros e

carvoeiros da estrada de ferro de Nazaré”. (Prof. Dr. Charles D’Almeida

Santana, em História e Culturas Populares do Recôncavo)

A importância do Recôncavo Baiano na luta pela Independência do Brasil na Bahia

Santo Amaro

No dia 14 de junho de 1822, os santamarenses, por meio da Câmara,

aclamaram D. Pedro como Alteza Real dirigente do poder executivo no Brasil,

conclamando a autonomia política, militar e econômica frente a Portugal. Três

dias depois, soldador portugueses invadiram as ruas da Vila de Santo Amaro e

tomaram o porto de Xareu, mas não abriram a luta.

Cachoeira

Foi em Cachoeira, no dia 25 de junho de 1822, que os baianos retaliaram as

pretensões do General Madeira e Melo de submeter a Bahia à autoridade

portuguesa. A cidade foi atacada por uma barca portuguesa, que ameaçava

fazer fogo contra os moradores caso não se submetessem à tropa lusitana. Em

resposta, a Junta Conciliatória presidida pelo Capitão Freitas Barbosa,

conclamou o povo a resistir aos ataques. Vitoriosa, a população impôs derrota

a barca portuguesa, obrigando­a a render­se e aclamando D. Pedro Príncipe

Regente e Perpétuo Defensor.

São Francisco do Conde

Nesta vila, o sentimento nacional era muito forte. Os chefes das tropas

conclamavam a multidão a juntar­se aos brasileiros que em Cachoeira haviam

reconhecido a autoridade de D. Pedro. No dia 29 de junho de 1822, as

autoridades e habitantes da Vila de São Francisco do Conde pronunciaram o

juramento da regência do príncipe D. Pedro. Após a instalação do conselho

interino de governo em Cachoeira e com o intuito de tomar a capital, partiu da

Page 5: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Vila de São Francisco o alferes Francisco de Faria Dultra com um contingente

que se instalou em Cabrito, próximo a Pirajá, onde em 8 de novembro de 1822

travou­se um das principais batalhas pela independência.

Page 6: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Nazaré

No dia 29 de julho de 1822, as tropas portuguesas tentaram invadir o povoado

de Nazaré e avançaram pela Ilha de Itaparica até alcançarem o canal do Funil.

Quando os portugueses se aproximaram, moradores da ilha se mobilizaram na

luta. A vitoria do Funil garantiu a posse do rio Jaguaribe e o controle sob a

povoação de Nazaré, que se tornou a principal fornecedora de alimentos às

tropas brasileiras.

Principais manifestações culturais dessas cidades

Bembé do Mercado, em Santo Amaro → Manifestação cultural e

religiosa que acontece desde o final do século XIX quando um grupo

de negros reuniu­se em praça pública da cidade de Santo Amaro da

Purificação para comemorar a Abolição da Escravatura, em 13 de maio

de 1888. É conhecida como Bembé do Mercado, Festa de Preto ou

Candomblé da Liberdade. Desde 1889, o Bembé vem sendo realizado,

com a participação de vários terreiros de candomblé da região, que

durante três dias realizam uma grande cerimônia de candomblé em

praça pública e tem seu ápice com a entrega de presente à Mãe

d’Água.

Segundo a história oral contada pelos santamarenses e reafirmada

pelos participantes do evento, no dia 13 de maio de 1889, um africano

de origem Malê, conhecido por João Obá, saiu às ruas juntamente com

seus filhos de santo para comemorar a Abolição. Neste ano foi armado

no Largo do Xaréu um grande caramanchão, coberto com palha e por

três dias foi realizado um grande candomblé que culminou com a

entrega de um presente à mãe d’água.

Irmandade da Boa Morte/Festa da Boa Morte, em Cachoeira → o

culto a Nossa Senhora foi difundida por todo o mundo ocidental, desde

o século IX, através da expansão católica. Nos trópicos sofreu

influência do catolicismo afro­brasileiro. Em Salvador, a devoção a

Nossa Senhora da Boa Morte, exclusivamente feminina, é registrada

desde o séc. XIX, na Igreja da Barroquinha. Uma devoção de mulheres

negras. A oralidade tende a afirmar que a transferência dessa

Page 7: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Irmandade para a cidade de Cachoeira se deu por volta de 1820. Lá,

se instalou numa casa de nº 41, chamada de Casa Estrela, local ainda

hoje reverenciado pelas irmãs durante o trajeto da procissão. As irmãs

revelam que a devoção surgiu vinculada a um pedido pelo fim da

escravidão feito pelas africanas a Nossa Senhora da Boa Morte.

A festividade se inicia no dia 13 de agosto, dia dedicado às irmãs

falecidas. Nestes dias as irmãs vestem­se de branco, saem em

procissão carregando a imagem postada sobre um andor rumo a Igreja

Matriz de Nossa Senhora do Rosário. No dia 14, com a imagem de

Nossa Senhora da Boa Morte, as irmãs saem da sede da Irmandade

em procissão noturna, carregando velas, entoando cânticos proferidos

durante o percurso fazendo menção à dormição de Nossa Senhora. O

dia 15 de agosto é dedicado a Nossa Senhora da Glória. A procissão

sai pela manhã da sede da Irmandade, seguida pelas filarmônicas

locais. Levam flores, carregam o andor de Nossa Senhora da Glória até

a Igreja Matriz, onde uma missa é celebrada, e quando acontece a

transferência dos cargos, com posse da nova comissão de festa. A

festa de prolonga até o dia 17, com muito samba de roda e uma farta

ceia durante os cinco dias de festa.

Festa de São Domingos de Gusmão, em Saubara→Essa festa é do

padroeiro de Saubara. Comemora­se no dia quatro de agosto. Seu

culto, na forma de uma devoção popular, realiza­se numa rocha, na

direção dos fundos da igreja, onde são depositados os “milagres” de

madeira, cera e gesso. Esses “milagres”, esculpidos por mãos

contemporâneas, confundem­se com velhos santos dos oratórios

domésticos que são entregues à guarda de São Domingos, quando as

pessoas, a quem pertenciam tais imagens, falecem. O local ganhou a

denominação de “Milagres de São Dominguinhos”.

Chegança de Saubara (Marujada) → Dança do século XVII.

Desenvolve temas vinculados à vida do mar e às lutas entre cristãos e

mouros. os principais grupos de chegança de Saubara são as

seguintes: Chegança dos Marujos “Fragata Brasileira”, saindo da Rua

Boca da Mata; Chegança dos Mouros “Barca Nova”, saindo da Rua da

Page 8: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Rocinha; Samba de Raparigas, quando os homens se trajam como

“Senhores” de paletó e gravata, e as mulheres como mucamas.

Page 9: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Chegança de Sapeaçú → manifestação cultural expressiva, trazida pelo povo negro, uma das raízes negras na cidade. Dança só homens negros com equipes de seis homens de um lado e seis de outro, parecendo cordão de pescadores.

Capabode, em São Francisco do Conde → A palavra Capabode

surgiu durante a Era Colonial, a expressão vem do ato dos escravos de

arrancar os testículos do bode. Os africanos escravizados também

arrancavam a cabeça do animal e usavam para se disfarçar e

conseguir fugir dos senhores de engenho. Mais tarde, os escravos

descendentes de bantos (Angola) começaram a confeccionar máscaras

horripilantes para assustar e saquear os estabelecimentos locais. Com

o passar do tempo, a história e as máscaras dos capabodes foi

incorporada ao carnaval de São Francisco do Conde, tornado­se um

dos grupos mais animados da cidade.

Mandu, em São Francisco do Conde → A palavra Mandu pode ser

encontrada tanto no vocabulário dos índios quanto no dos africanos.

Para os índios, significa uma espécie de fantasma e para os segundos

é aquele que se dedica a um orixá, no caso Xangô, Ifã e Obatalá. Nas

festas, as pessoas tocavam atabaques, berimbau e rucumbo,

instrumentos que ficavam ocultos sob as vestes. Independente da

origem, a tradição se iniciou no século XXI e se perpetuou no

calendário folclórico da cidade de São Francisco do Conde.

Meninos da Lama, em São Francisco do Conde → No carnaval de

São Francisco do Conde, uma forte tradição são os Meninos da Lama.

São garotos, filhos de marisqueiros da região, que saem às ruas

durante o carnaval, com o corpo coberto de lama. O grupo meninos da

lama na verdade é uma forma cultural de passar para a sociedade a

realidade onde os meninos estão inseridos, pois são crianças que

sobrevivem do trabalho que realizam como marisqueiros ou catadores

de caranguejo junto com seus pais, de onde tiram o sustento de suas

famílias. Eles mostram de onde vieram e em que local estão fixadas as

suas raízes.

Page 10: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando
Page 11: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Lindroamor, em São Francisco do Conde → O grupo Lindroamor

teve sua origem nas festas religiosas trazidas pelos portugueses,

principalmente no culto a São Cosme e Damião. Durante os festejos

dos nobres, restava aos escravos sair pelas ruas em grupos para tentar

conseguir esmolas. Com o tempo, eles perceberam que introduzir

imagens de santos em bandejas floridas e bandeiras e cantar e dançar

com um gingado todo especial típico de Angola tornaria o grupo mais

atrativo e traria mais dinheiro para eles. O Lidroamor Axé é o mais

representativo dos gêneros no Brasil, foi reativado a mais de 10 anos e

conta com mais de 80 integrantes da comunidade de São Francisco do

Conde na Bahia. O grupo Lindroamor atravessou séculos e hoje é um

dos grupos culturais mais importantes do Brasil

Rezas e Caruru de São Cosme e São Damião, em Sapeaçú → O

principal evento que até hoje é preservado em Sapeaçú e que tem

origem na cultura africana são as rezas e o caruru de São Cosme e

São Damião. Um fato curioso em Sapeaçú é que as rezas e os carurus

mais fartos e de grande porte são realizados por algumas mulheres

brancas da cidade. Mesmo com a participação em massa das mulheres

negras, algumas mulheres brancas se adaptaram a cultura dos negros

e cultivavam a fé em Cosme e Damião.

Nego Fugido, em Santo Amaro → Ninguém sabe ao certo como e

nem quando começou, sabe­se apenas que o grupo Nego Fugido, há

mais de 100 anos, faz parte calendário festivo da comunidade

Acupense, distrito de Santo Amaro. O grupo transforma as ruas num

grande cenário, nas tardes de domingo no mês de julho. Durante a

apresentação faz uma recriação da perseguição, captura e liberdade

vivida pelos escravos e contada no cais do porto pelos mais velhos.

Samba do Machucador, em Cruz das Almas → Contam que

enquanto as negras africanas escravizadas no Brasil faziam os

temperos das comidas nas casas grandes, aproveitavam o som do

machucador de madeira na tigela de barro ou de madeira e cantavam

as canções de saudade. Assim nasceu o samba do machucador que

Page 12: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

hoje segue cantando o refrão da Cultura Popular: “Minha mãe me deu

machucador, eu não sou pimenta, minha mãe me machucou”. O grupo

"Samba do machucador" faz releituras autênticas dos sambas

cantados nas festas tradicionais da Zona Rural e é formado por

qualquer pessoa do município de Cruz das Almas que deseja

participar.

Samba de Enxada, em Cruz das Almas → Para tornar a lida do

campo mais amena os negros africanos cantavam canções, surgindo

assim as canções de trabalho. Para tornar estas canções mais

animadas, no caminho entre a roça e a senzala, elas ganhavam ritmos

mais quentes. Hoje acompanhado de refrões e umbigadas segue o

Samba de Enxada do Corta Jaca formado pelos senhores e senhoras

que trabalham no campo do município de Cruz das Almas , mas não

perdem a oportunidade de festejar.

Samba de Roda Filhos do Varre – Estrada, em São Felix → Foi

fundado em 13 de junho de 1972 por Eugênio Bispo Silva, conhecido

como "Seu Geninho" atual presidente do grupo. Durante algum tempo

o grupo chamou­se Samba de Roda filhos de Ogum, mas em 2006

após decisão da própria diretora voltou ao seu nome original. Mesmo

antes da data de fundação, o Samba de Roda já existia, tendo como

líderes Tonho de Mirinha e Maria.

Samba da Capela, em Conceição do Almeida → originário das

tradicionais rezas que se faziam para os santos de devoção das

comunidades negras da cidade de Conceição do Almeida. É um samba

dramático que segue uma sequência coreográfica ensaiada e

acompanhada com danças e cantigas tradicionais. Atualmente, o grupo

está organizado como associação e desenvolve um trabalho sócio

cultural com jovens e crianças da comunidade que tem assim a

oportunidade de aprender as músicas e danças tradicionais.

O Carnaval dos Mascarados, em Maragojipe → Essa festa tem um

grande significado para os moradores locais, há quem diga que os

mesmos esperam o ano todo para a realização da festividade. Certos

Page 13: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

grupos de mascarados levam tão a sério a festa que não dizem para os

seus familiares qual será a fantasia utilizada no carnaval, tudo para não

serem reconhecidos. A fantasia, desde sua escolha, confecção e uso é

muito importante para o morador local. As ruas de Maragojipe mudam

totalmente, os caretas (como são chamados os mascarados) tomam

conta do perímetro urbano da cidade, o cenário é peculiar, os

mascarados em conjunto com as edificações do século XVIII e XIX,

fazem do carnaval da cidade uma festa atrativa.

O ato de utilizar a máscara tem um significado muito importante para o

morador local, o carnaval de Maragojipe sem os mascarados não

existe, pois eles são a essência da festividade, eles dão a vida e a

alegria do carnaval local e quem utiliza a máscara e a fantasia

incorpora um novo personagem, o mascarado deixa de ser agente

social para ser ator social.

Lavagem de Nossa Senhora da Purificação, em Santo Amaro

A Lavagem da Purificação, que acontece sempre no último domingo de

janeiro, e atrai milhares de turistas para a cidade e grandes atrações da

música baiana e brasileira, com o desfile das baianas, elegantemente

trajadas de branco, acompanhadas da tradicional Charanga, tendo

como ponto de partida a porta da casa de D. Canô (Saudosa Matriarca

dos Veloso como era carinhosamente tratada). Ao longo de todo o

percurso, a Charanga procura dar ênfase, principalmente às músicas

carnavalescas mais antigas, intercalando com músicas atuais. Em boa

parte do circuito, são tocadas músicas que dizem respeito à tradição da

festa, seguindo em direção a Igreja da Purificação, onde inicialmente

ocorre a lavagem do adro da igreja com água perfumada. Em seguida,

o Prefeito da cidade faz a abertura oficial da festa profana e, a partir

daí, tem início o cortejo da Lavagem da Purificação, percorrendo as

ruas da cidade. Para encerrar as Festas de Nossa Senhora da

Purificação, o seu ponto alto é a parte religiosa, que culmina com a

Procissão de 02 de fevereiro, dedicada a padroeira da cidade. No seu

cortejo, a presença de várias imagens da região à frente, como se

fossem verdadeiros batedores, na segurança e, ao mesmo tempo em

sinal de reverência à Nossa Senhora da Purificação, ela, com toda a

Page 14: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

sua imponência, carregando o seu filho nos braços, abençoando a

todas aquelas pessoas que a acompanham, e por que não dizer a toda

Santo Amaro e região.

Page 15: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Samba de "Santa Mazorra", em Saubara

Tipo de “samba de roda” encontrado em Saubara e em outras poucas

cidades do Recôncavo. Tocando, bebendo e cantando os Sambadores

saem pelas ruas de Saubara levando uma boneca enfeitada

(caracterizada de “santa). A Santa Mazorra é representada por uma

boneca, conhecida como a “Santa dos biriteiros”, porque ao sair pelas

ruas passa nas casas dos moradores que estão preparados para

recebê­la, com uma mesa farta de bebidas e comidas.

Ao entrar nas casas, seus integrantes cantam a ladainha da Santa e

músicas em agradecimento pelo dinheiro, que é pedido pelo refrão

(Santa Mazorra quer dinheiro!), pela comida e bebida oferecida pelo

morador.

Durante o dia, o grupo junto com a “Santa”, percorre as ruas. Várias

casas neste dia ficam de portas abertas esperando a hora em que o

cortejo vai passar para serem agraciados, "abençoados" com a visita

da Santa e seus seguidores que ao longo do percurso vai aumentando

o número de integrantes.

Outras manifestações culturais de Recôncavo

Santo Amaro ­ A Burrinha da Saudade, Lindroamor, Mandús,

Bombachas do Acupe, Samba de Roda São Bráz e Samba de Roda e

Maculelê de Nicinha ­ Raízes de Santo Amaro.

São Sebastião do Passé ­ Samba de Roda de Maracangalha.

Saubara ­ Chegança Feminina Barca Nova, Marujada Fragata

Brasileira, Caretas do Mingau, Chegança Moura e Samba das

Raparigas.

Maragojipe ­ Samba de Roda Maragogó e Samba de Roda Filhos dos

Coqueiros.

Muritiba ­ Samba de Roda Segura a Véia.

São Félix ­ Bumba Meu Boi, Samba de Roda Filhos de Nagô, Mandús e

Cabeçorras.

Cruz das Almas ­ Samba de Roda e Samba da Capela.

Page 16: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Cachoeira ­ Mandús, Cabeçorras e Samba de Roda Suspiro do Iguape.

Governador Mangabeira ­ Tabuleiros de Pindoba.

São Francisco do Conde ­ Nega Maluca, Paparutas da Ilha do Paty,

Reisado, Samba Chula Filhos de Pitangueiras e Samba de Roda Raízes

do Angola.

Samba de roda

Esse ritmo musical é nascido das cerimônias do Candomblé e está sempre

presente nas festas populares, o ano todo. As cidades de Cipó e Candeias

colocam em destaque o samba de roda nos festejos juninos e em Cachoeira,

na festa de Nossa Senhora da Boa Morte. Em São Félix, Muritiba, Conceição

do Almeida e Santo Amaro, o samba de roda é destaque.

Um dos grupos símbolos artísticos e culturais dessa manifestação, é a

percussionista Edith Oliveira Nogueira. Conhecida como Dona Edith do Prato,

ela morreu em 2009, com falência múltipla dos órgãos e não gostava da ideia

de ser vista como artista. Seu principal instrumento era um prato e um garfo

que ao tocar, entoava um som que somente ela conseguia percutir com

perfeição. Muito próxima da família Velloso, Dona Edith do Prato foi ama de

leite de Caetano. Morreu aos 92 anos, em um hospital, na capital baiana.

É importante salientar que está completando 10 anos que o Samba de Roda foi

considerado Patrimônio Imaterial da Humanidade

Calendário Festivo do Samba de Roda

Nossa Senhora da Boa Forte Cidade: Cachoeira Período: Agosto

Nossa Senhora da Purificação Cidade: Santo Amaro da Purificação Período: Fevereiro São João Cidade: Cipó e Candeias Período: Junho Dois de Julho Cidade: São Francisco do Conde e Conceição do Almeida Período: Julho

Page 17: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando
Page 18: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Samba Chula

A chula é um tipo de Samba de roda, no qual as cantigas são de louvor à

mulher, à beleza feminina. Nessa forma tradicional de dança somente a mulher

pode sambar, como resposta ao canto do homem. O samba chula é

característico principalmente da região de Santo Amaro da Purificação e era

realizado, originalmente, depois das rezas de santos, muito populares no

interior baiano. A dança da chula só tem início após a declamação dos

cantadores, quando uma pessoa por vez samba no meio da roda ao som dos

instrumentos e de palmas. Já o samba de roda corrido, que é o mais popular,

acontecia quando acabava o rito da chula e uma nova roda era feita para evitar

a saída das pessoas. No samba corrido homens e mulheres podiam sambar e

só acabava ao amanhecer.

Sambadores e Sambadeiras do Recôncavo

O Samba de roda da Bahia é composto por uma variedade de mestres e

mestras do samba que carregam em si uma grande variedade de estilos como

se apresenta o samba de roda do Recôncavo Baiano. Segue abaixo uma

relação com os nomes desses mestres e mestras e suas respectivas cidades

de origem, locais onde o samba é inerente a sua cultura:

Em Cachoeira: D. Ana, Seu Carlito, D. Dalva, Seu Domingos Preto, Seu

Gilson, Seu Fefeco e Mestre Dedão e Lucidalva, in memorian;

Em Conceição de Almeida: D. Fátima;

Em Cruz das Almas: Seu Deodato, D. Madalena Carolina e D. Julia Ribeiro,

in memorian;

Em Maragojipe: Mestre Bibiu, D. Candú, Seu Mané Véio, Seu Roque, e

Mestre Barão, Mestre Lucio, Mestre Miguel e Mestre Louro, in memorian;

Em Muritiba: Seu Avelino e Seu Ferrolho;

Em Santo Amaro: Seu João do Boi e Seu Alumínio, D. Nicinha, Seu Primeiro e

Mestra Santinha do Beijú;

Em São Felix: Seu Evandro César, Seu Geninho e Mestre Mario;

Em São Francisco do Conde: D. Alva, D. Áurea, Mestre Boião, D. Ilda, Seu

Pequeno, Mestre Zeca Afonso e Zé de Lelinha e Mestre Zezinho, in memorian;

Em São Sebastião do Passé: Seu Manoel e Pedro de Maracangalha;

Page 19: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Em Saubara: D. Ana, D. Zelita, João de Iaiá, Seu Pedro, D. Rita da Barquinha

e D. Franzina, in memorian;

Em Teodoro Sampaio: D. Fiita, Seu Paião e Mestre Pedro Joaquim, in

memorian;

Principais personalidades negras do passado As Tias Baianas.

As chamadas "tias" baianas tiveram um papel preponderante no cenário de

surgimento do samba no Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do XX.

Além de transmissoras da cultura popular trazida da Bahia e sacerdotisas de

cultos e ritos de tradição africana, eram grandes quituteiras e festeiras,

reunindo em torno de si a comunidade que inundava de música e dança suas

celebrações – as festas chegavam a durar dias seguidos. Nessa época, viviam

Tia Amélia (mãe de Donga), Tia Prisciliana (mãe de João de Baiana), Tia

Viridiana (mãe de Chico da Baiana) e Tia Mônica (mãe de Pendengo e Carmen

do Xibuca). Mas a mais famosa de todas foi Tia Ciata, em cuja casa nasceu o

samba.

Tia Ciata nasceu em Santo Amaro da Purificação, em 1854. Aos 22 anos,

mudou­se para o Rio de Janeiro junto com suas primas Amélia, Prisciliana e

Viridiana , no êxodo que ficou conhecido como diáspora baiana. No Rio, formou

nova família ao se casar com João Baptista da Silva, funcionário público com

quem teve 14 filhos.

Como todas as baianas da época, era grande quituteira. Começou a trabalhar

colocando o seu tabuleiro na Rua Sete de Setembro, sempre vestida de

baiana. Com tino comercial, também alugava roupas típicas para o teatro e

para o carnaval.

Mãe de santo respeitada, Hilária foi confirmada no santo como Ciata de Oxum,

no terreiro de João Alabá, na Rua Barão de São Felix, onde também ficava a

casa de Dom Obá II e o famoso cortiço Cabeça de Porco. Em sua casa, as

festas eram famosas. Sempre celebrava seus orixás, sendo as festas de

Cosme e Damião e de Nossa Senhora da Conceição as mais prestigiadas. Mas

também promovia festas profanas, nas quais se destacavam as rodas de

partido­alto. Era nessas rodas que se dançava o miudinho, uma forma de

sambar de pés juntos, na qual Ciata era mestra.

Page 20: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Tia Ciata recebia em sua casa um grande número de políticos, boêmios,

músicos e batuqueiros que lá iam saborear seus pratos típicos, principalmente

sua moqueca. Foi numa destas reuniões que nasceu"Pelo telefone", música

de Donga e Mauro de Almeida que, em 2016, completa 100 anos da

gravação desse que foi o primeiro samba gravado.

Antes de ser o que é hoje, o desfile das Escolas de Samba aconteciam sem

horário nem percurso fixo, o indispensável era que os grupos passassem pela

Praça Onze, pelas casas das “tias” baianas. Elas eram consideradas mães do

samba e do carnaval dos pobres. A casa de Tia Ciata era parada obrigatória,

pois era a mais famosa e muito respeitada pela comunidade. Até hoje, as tias

são representadas e homenageadas nos desfiles, pela ala das baianas das

escolas de samba.

Besouro de Mangangá

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, o homem apelidado de

besouro mangangá, realmente existiu. Infelizmente muito pouco se sabe sobre

essa figura envolta em lendas e mistérios que permanecem desde seu

nascimento até a sua morte e que os mais velhos ainda lembram em suas

histórias.

Nascido em 1897, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, filho dos

ex­escravos João Grosso e Maria Aifa, Manuel Henrique Pereira (seu nome de

batismo), teve toda sua vida permeada por muito misticismo. Não se sabe

quando, mas iniciou seus primeiros passos na capoeira com Mestre Alípio,

também ex­escravo, mais precisamente na Rua do Trapiche de Baixo. Diziam

que besouro era um negro alto e muito forte e na capoeira possuía uma

agilidade sem igual. O que provavelmente fez com que recebesse o apelido de

”besouro”, ou “besouro mangangá" (gênero de besouro venenoso).

Era exímio jogador de capoeira, assim como no manejo do facão e da navalha.

Incluindo o jogo de “santa­maria”. Jogo violento onde os capoeiristas jogavam

com uma navalha presa aos pés.

Muitos também afirmam ter algum parentesco com o capoeirista, mas somente

um tem isso comprovado. Rafael Alves França, (1917 – 1983) também

conhecido como Mestre Cobrinha Verde, era seu primo legítimo. Iniciado na

capoeira com seu primo aos 4 anos de idade, sob uma única condição: Nunca

Page 21: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

ganhar dinheiro com a capoeira. Promessa que foi mantida durante sua vida

inteira.

Besouro morreu jovem aos 27 anos de idade, no dia 8 de julho de 1924, mas

deixou um legado vivo até hoje. Contam ainda que besouro, após uma briga

em outra cidade, mesmo ferido conseguiu fugir de canoa e chegar até a Santa

Casa de Misericórdia em Santo Amaro, mas devido ao ferimento não resistiu.

André Rebouças

André Pinto Rebouças nasceu em 13 de janeiro de 1838, na cidade

de Cachoeira. Filho de Carolina Pinto Rebouças e do jurista e político Antônio

Pereira Rebouças, nascido em Maragojipe, Bahia, e irmão de Antônio Pereira

Rebouças Filho.

Aos 16 anos, seguiu com a família para o Rio de Janeiro e matriculou­se, junto

com seu irmão Antônio, na antiga Escola Militar, depois Escola Politécnica. Em

1857, tornou­se 2º tenente do corpo de engenheiros e recebeu o grau de

bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, em 1859, sendo sempre o

primeiro aluno da turma. Em 1860, recebeu o grau de engenheiro militar.

Seguiu para a Europa, em 1861, onde fez especialização em engenharia civil.

Retornando ao Brasil, continuou seus estudos como autodidata e dedicou­se à

causa abolicionista. Tornou­se, junto com seu irmão Antônio, comissionado do

Brasil para vistoriar e trabalhar no aperfeiçoamento de portos e fortificações do

litoral. Participou como engenheiro militar na Guerra do Paraguai.

Em 1866, retornou ao Rio de Janeiro, onde passou a desenvolver projetos com

seu irmão Antônio, para companhias privadas que investiam na modernização

do Brasil. Destacam­se, nesta fase, as obras para o abastecimento de água do

Rio de Janeiro, as docas Dom Pedro II e as docas da Alfândega.

Ainda na capital do Império, André foi secretário do Instituto Politécnico e

redator geral de sua revista, na qual escreveu vários artigos técnicos. Foi

responsável pela seção de Máquinas e Aparelhos da Sociedade Auxiliadora da

Indústria Nacional. Participava ativamente das discussões sobre o

desenvolvimento social e econômico da Nação.

Nos anos 1880, engajou­se ativamente na campanha abolicionista e lecionou

na Escola Politécnica. Participou da Confederação Abolicionista, da criação da

Page 22: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e redigiu os estatutos da Associação

Central Emancipadora.

Em 1892, partiu para Angola, onde trabalhou por 15 meses. Em seguida,

estabeleceu­se em Funchal, na Ilha da Madeira. Suicidou­se em 9 de maio de

1898, atirando­se em um penhasco, próximo ao hotel onde vivia.

André Rebouças deu grandes contribuições para a construção do Brasil no

século 19 e teve participação importante no movimento abolicionista. Introduziu

no País, técnicas inovadoras de engenharia, incluindo o uso do concreto

armado, utilizado pela primeira vez no Brasil em uma ponte em Piracicaba,

construída em 1875, da qual foi o responsável técnico junto com seu irmão

Antônio.

Antonio Rebouças

Antônio Pereira Rebouças Filho nasceu em 13 de junho de 1839, na cidade

de Cachoeira. Filho do conselheiro do Império, deputado e advogado baiano

Antônio Pereira Rebouças. Tinha sete irmãos, incluindo André Pinto Rebouças.

Em 1846, mudou­se com a família para o Rio de Janeiro, onde ingressou na

Escola Militar, junto com André. Ambos foram promovidos ao cargo de segundo

tenente do Corpo de Engenheiros e complementaram seus estudos na Escola

de Aplicação da Praia Vermelha.

Antônio e André foram para a Europa, em 1861, para complementar os

estudos, especializando­se em construção de estradas de ferro e portos

marítimos. No retorno ao Brasil, trabalhou no comissionamento de portos e

fortificações, junto com André. O Tenente do Corpo de Engenheiros Antônio

Rebouças foi o responsável por reformas em vários fortes no Sul do País,

incluindo a da Fortaleza de Santana da Capital Catarinense, em 1863.

Em 1864, Antônio seguiu para Curitiba, onde assumiu o cargo de engenheiro

chefe da Estrada da Graciosa, concluída em 1873. Fundou a Companhia

Florestal Paranaense, a primeira grande empresa madeireira do Paraná.

Entre suas inúmeras realizações, projetou a estrada de ferro Curitiba­Antonina

e a ponte sobre o rio Piracicaba, junto com seu irmão André, a primeira em

concreto armado do País. Faleceu ao contrair malária, durante a construção da

ponte, em maio de 1874.

Page 23: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Foi o idealizador da Ferrovia Curitiba­Paranaguá, um dos marcos da

engenharia nacional, e chegou a realizar os primeiros estudos, mas faleceu

antes de executá­los, jovem, aos 34 anos.

Manuel Faustino dos Santos Lira

Manoel Faustino Santos Lira foi um dos líderes da Revolta dos Búzios,

movimento ocorrido em Salvador, também conhecido como Revolta dos

Alfaiates. Segundo Braz do Amaral, ele tinha 16 anos durante a conspiração.

Nascido escravo de Antonio Francisco de Pinho, em Santo Amaro da

Purificação, tornou­se alfaiate, liberto, letrado e morava na casa de seus

senhores, D. Maria Francisca da Conceição, cunhada do Secretário de Estado

José Pires de Carvalho e Albuquerque, no Terreiro de Jesus. Ainda segundo

Braz do Amaral, Manoel Faustino procurou Francisco Muniz Barreto, professor

de gramática em Rio de Contas, e passaram a discutir sobre governos

republicanos. A partir daí, passou a frequentar reuniões secretas, nas quais se

discutiam os ideais da revolução francesa e sua possível aplicação na

sociedade brasileira. Consequentemente foi um dos primeiros suspeitos pela

autoria de panfletos anônimos que conclamavam a população a defender a

“República Bahiense”, em 1798. O fato de atuar na conquista de adeptos para

seu grupo, juntamente com outros, foi significativo para a decretação de sua

prisão, motivo pelo qual Manoel Faustino traçou um longo caminho de fuga,

refugiando­se na residência de José Pires, juntamente com o conjurado Lucas

Dantas, na madrugada de 7 de agosto. Depois embarcaram em uma lancha

que os conduziu ao engenho Guahiba, onde residia sua mãe. Posteriormente,

foi para o engenho da Pedra, onde acabou preso em 14 de setembro de 1798.

João de Deus do Nascimento

O mestre alfaiate João de Deus do Nascimento, um dos líderes da Revolta dos

Búzios, nasceu na cidade de Cachoeira, em 1762. João de Deus era homem

pardo, livre e pobre, filho de uma mulher parda e forra e de pai branco, cujos

nomes e origens são desconhecidos. Era casado com Luiza Francisca de

Araújo, também parda e livre, com quem teve cinco filhos. João de Deus deixou

envolver­se pelos ideais da Revolução Francesa que chegaram à América

portuguesa. As ideias revolucionárias de liberdade e igualdade contrastavam

com as condições de vida da população, marcada pela pobreza e

Page 24: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

discriminação. Por isso, passou a participar de reuniões secretas, que

discutiam os ideais liberais, ao lado de estudantes, intelectuais, soldados,

artesãos e funcionários. O mestre alfaiate, que também era cabo de Esquadra

do 2º Regimento de Milícias, tomou parte ativa da conspiração que intentava a

emancipação. Passou a divulgar as ideias separatistas e a convidar inúmeras

pessoas para participar do levante.

João de Obá

Falar em Bembé do Mercado é falar em João de Obá. Este líder religioso

reuniu seus filhos e filhas de santo para celebrar a passagem de um ano da

abolição. Era uma forma de mostrar resistência diante do aparato formado

pelos ex­senhores de escravos contra a abolição, pedindo a revogação da lei.

Toda esta manifestação é mantida desde a morte de João de Obá por adeptos

do Candomblé como uma forma de preservar a memória desta celebração, da

luta pela liberdade e afirmação religiosa.

Gaiaku Luiza

Luiza Franquelina da Rocha nasceu em 25 de agosto de 1909, em Cachoeira.

Gaiaku Luiza que é bisneta de africano e foi nascida e criada dentro do

candomblé, chegou a morar dentro da Roça de Ventura. Teve contato com as

velhas tias do candomblé que lhe ensinaram muita coisa. Em 1937 Gaiaku

Luiza foi iniciada para Oyá na nação kétu, no Ilê Ibecê Alaketu Àse Ògún

Medjèdjè. Foi Sinha Abali, segunda Gaiaku a governar a Roça de Ventura,

quem viu que Gaiaku Luiza deveria ser iniciada no jeje, nação de toda sua

família, e não no Ketu. Assim, encarrega sua irmã de santo Kpòsúsì

Rumaninha, de sua inteira confiança, a iniciar Gaiaku Luiza no Terreiro

Zòògodò Bogun Malè Hùndo, em Salvador. Em 1944 Gaiaku Luiza é iniciada

na nação jeje sendo a terceira a compor um barco de 3 vodunsì. Seu barco foi

constituído por uma Osun, um Azansú e uma Oya.

Gaiaku Luiza foi uma das poucas Vodunsì na Bahia que ousaram abrir uma

roça de candomblé jeje­mahi. Isso ocorreu em 1952, num período em que não

era comum tal prática dentro do culto jeje. Na época, supõe­se que existiam

somente dois terreiros jeje­mahi na Bahia, que eram o Zòògodò Bogun Malè

Hùndo, em Salvador, e a Roça de Ventura , em Cachoeira. Com a autorização

e participação de sua mãe de santo Romaninha, dona Luiza abriu um terreiro

jeje­mahi, tornando­se, então, uma Gaiaku. O título Gaiaku é próprio do

Page 25: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

jeje­mahi, nos terreiros jeje da Bahia, a mãe de santo pode ocupar três cargos:

Gaiaku, Doné e Mejitó. Esses cargos estão relacionados com as famílias dos

Voduns que compõem o culto.

Em 1952, Gaiaku Luiza inaugurou sua roça. Ela afirmou: “A inauguração foi

com muita festa para Azansú (Vodum que corresponde ao orixá Omolú), o

dono da casa, e foi muita gente prestigiar. A roça recebeu o nome de

Hùnkpámè Ayíonó Hùntóloji”

Este terreiro de candomblé jeje­mahi, fundado por Gaiaku Luiza, desde a sua

fundação, está situado em um local chamado Alto da Levada, próximo ao bairro

do Caquende, na periferia de Cachoeira.

Em 20 de junho de 2005, Luiza Franquelina da Rocha, ou Gaiaku Luiza de Oyá

faleceu, aos 96 anos de idade. Considerada uma das mais importantes

sacerdotisas do culto afro­religioso jeje­mahi do Brasil e possuidora de uma

sabedoria inigualável. Faleceu em Cachoeira, na sua roça, cercada de filhos de

santo, amigos e familiares, como ela sempre quis e costumava dizer: “Mãe de

santo tem que morrer dentro de sua roça”.

Theodoro Sampaio

O baiano Theodoro Sampaio contribuiu de forma importante para o ciclo

desenvolvimentista do Brasil da segunda metade do século 19 e início do

século 20. Engenheiro civil, geólogo, geógrafo, historiador, político, cartógrafo e

urbanista. Autor de importantes trabalhos científicos.

Theodoro Fernandes Sampaio nasceu em 7 de janeiro de 1855 no Engenho

Canabrava, no município baiano de Teodoro Sampaio, antigo distrito de Santo

Amaro, onde iniciou seus estudos. Seus pais eram a escrava Domingas da

Paixão do Carmo e, supostamente, o padre Manuel Fernandes Sampaio.

No Rio de Janeiro, estudou humanidades no colégio São Salvador e

diplomou­se em engenheiro civil pela Escola Politécnica, em 1876. Ainda

estudante, lecionou Matemática, Filosofia, História, Geografia e Latim.

Em 1879, fez parte da Comissão Hidráulica do Império. Projetou os

melhoramentos do Porto de Santos, estudo publicado em um artigo na Revista

de Engenharia no mesmo ano. Em 1883, foi nomeado primeiro engenheiro da

Comissão de Melhoramentos do Rio São Francisco.

Em 1886, fez o levantamento para a carta geológica de São Paulo. Em

seguida, fez parte de várias outras comissões do Império, visando o

Page 26: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

desenvolvimento do Brasil. Em 1898, foi nomeado diretor e engenheiro­chefe

do Saneamento do Estado de São Paulo, onde permaneceu até 1903. Suas

ideias sobre o desenvolvimento urbano das grandes cidades foram

contribuições importantes para a época.

Retornou à Bahia, em 1904, onde desenvolveu e publicou vários estudos

científicos. Escreveu os livros História da Fundação da Cidade da Bahia e

o Tupy na Geografia Nacional, obras que, ainda hoje, são referências

bibliográficas importantes em ciências humanas. Foi fundador e presidente do

Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Eleito deputado federal, em 1927.

Theodoro Sampaio nasceu escravo. Foi alforriado no batismo, pelo seu pai. Em

1877, comprou a alforria de sua mãe e de seus irmãos. Faleceu em 1937 e

hoje vive na memória nacional.

Page 27: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Principais personalidades de hoje

Dalva Damiana de Freitas

Charuteira, sambadeira, cantora e compositora, D. Dalva Damiana criou e

organizou um dos mais tradicionais e elegantes sambas de roda do Recôncavo

baiano, o Samba de Roda Suerdieck, na fábrica de charutos Suerdieck, no final

da década de 50. Dentre as características deste samba estão seu pioneirismo

e a performance das baianas que se apresentam com indumentárias típicas

apresentando o “samba no pé” e tocando tabuazinhas de madeira que

acompanham os tocadores no ritmo contagiante.

O Samba de Roda Suerdieck juntamente com o Samba de Roda Mirim “Flor do

Dia”, integra a Associação Cultural do Samba de Roda “Dalva Damiana de

Freitas” que possui uma parceria com a Associação de Pesquisa em Cultura

Popular e Música Tradicional do Recôncavo. Ambas associações

encaminharam ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

a solicitação de registro do Samba de Roda do Recôncavo baiano no livro das

Formas de Expressão do Patrimônio Nacional. Em 2004 o Samba de Roda do

Recôncavo baiano foi reconhecido como Patrimônio Imaterial do Brasil e em

2005 a Organização das Nações Unidas pra Educação, Ciência e Cultura

(UNESCO) conferiu à manifestação o título de Obra Prima do Patrimônio Oral e

Imaterial da Humanidade.

Em 2012, a UFRB concedeu o título de Dra. Honoris Causa a Dalva Damiana

de Freitas, honraria concedida em reconhecimento a personalidades que se

destacam nas ciências, nas artes ou nas relações com a sociedade. Dona

Dalva é considerada um ícone da cultura do Recôncavo.

Roberto Mendes

Baiano de Santo Amaro da Purificação, terra dos irmãos Caetano

Veloso e Maria Bethânia, o cantor e compositor Roberto Mendes é um dos

maiores expoentes do samba chula no Brasil. Dedica sua carreira à busca de

uma autêntica MPB.

Apadrinhado pelos célebres conterrâneos, Mendes iniciou sua carreira em

1972, no grupo Sangue e Raça. Em seguida, teve as músicas “Filosofia Pura” e

“Lua” gravadas por Bethânia, no mítico disco “Ciclo”. O primeiro álbum solo,

“Flama” viria em 1988. Em 1992 lançaria “Matriz” e em 2001 o elogiado

Page 28: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

“Tradução”, no qual conta com as participações de Jussara

Silveira e Margareth Menezes.

Jorge Portugal

Ele Nasceu em Santo Amaro da Purificação, no dia 5/8/1956 e ali viveu até os

17 anos. Em Salvador, se destacou como professor da língua portuguesa e

redação, tendo ensinado em vários colégios e cursos pré­vestibulares.

Na condição de poeta­ letrista, compositor, cantor, tem sua carreira artística

dedicada à tradução das mais genuínas manifestações da cultura brasileira,

sem perder a sintonia com o que vai pelo mundo, nem com as influências

contemporâneas. O seu trabalho musical tem­se afirmado ao longo desses

anos pela singularidade do seu estilo e pela aceitação popular que o mesmo

consegue. Hoje suas composições são executadas em várias partes do mundo,

ganhando dimensão nas vozes de interpretes consagrados como Maria

Betânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Daniela Mercuri, Margareth Menezes,

Tânia Alves, Raimundo Sodré, Roberto Mendes, Fafá de Belém, Sandra de Sá,

dentre outros artistas que já o gravaram. Participou de vários Festivais de MPB

com destaque para o MPB/80 da Rede Globo de Televisão, quando recebeu a

consagração nacional com a música a "MASSA", e em 1985 defendendo, ao

lado de Roberto Mendes, a música "Caribe, Calibre: Amor", na mesma

emissora de TV. Lançou em 1994 o disco "PALAVRA", no qual cristaliza as

suas principais influencias e invenções, tendo nas suas letras o seu ponto alto.

Atualmente é Secretário Estadual de Cultura da Bahia.

D. Canô

Chamada carinhosamente por “Dona Canô”, a mãe do compositor e cantor

Caetano Veloso e da cantora Maria Bethânia, nasceu Claudionor Viana Teles

Velloso, em Santo Amaro da Purificação, no dia 16 de setembro de 1907. Ficou

conhecida não somente por ser mãe do casal artista famoso, mas pela

simpatia, carisma, religiosidade e liderança.

Preocupada com a preservação da sua terra natal, Dona Canô lutou para não

deixar acabarem eventos como os “Ternos de Reis”, que sempre organizava na

sua cidade, bem como a tradicional trezena de Santo Antônio. Ela também era

uma ativista do meio ambiente, principalmente reivindicando a despoluição do

Rio Subaé.

Page 29: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Ela foi casada 53 anos com José Teles Velloso, o Seu Zeca, funcionário

público dos Correios, falecido em 13 de dezembro de 1983, aos 82 anos,

sendo que os dois tiveram, além dos já citados, os seguintes filhos: a escritora

Mabel Velloso (Maria Isabel), Clara Maria, Rodrigo, Roberto, Irene e a já

falecida, Eunice, conhecida por Nicinha, que era filha de criação.

Durante toda a sua vida, Dona Canô deu exemplo de educação, cultura e

sabedoria aos filhos, metade deste tempo ao lado do marido Zeca. Antes de

seu Zeca falecer, na década de 80, o casal podia ser visto pelas ruas de

Nazaré, onde residiam em direção ao bairro do Tororó, onde morava a filha

Mabel para visitá­la, sempre de mãos dadas, sorrisos e cumplicidade de um

par feliz e ciente da boa criação aos filhos.

Com toda musicalidade da infância, Dona Canô criou os filhos desta forma,

pois costumava cantar para todos e afirmava para eles que a música é a

melhor coisa do mundo. Desta forma, toda a família tem um pé na arte e

literatura, pois os oitos filhos tocavam um instrumento musical, sendo que dois

dos netos também são compositores e cantores, Jota Velloso e Belô Velloso.

Considerada por muitos a “embaixatriz” de Santo Amaro por sua atuação em

defesa da cidade e por sempre se envolver em mobilizações para o bem estar

da população, D. Canô angariou fundos para reforma da principal igreja de

Santo Amaro, mobilizou a população em apoio aos pescadores locais e em prol

do Rio Subaé.

D.Canô veio a falecer, aos 105 anos, no dia de natal de 2012, em sua

residência na cidade de Santo Amaro da Purificação

Maria Eunice Martins Luz

Mais conhecida como “Nicinha do Samba”, na cidade de Santo Amaro do

Recôncavo baiano, ela é uma das mais importantes personagens da história

de Santo Amaro e do samba de roda, principalmente pela sua personalidade

alegre, descontraída e brincalhona. Nicinha transita desde pequena nos

universos da cultura afro­baiana, típicos do Recôncavo: nos terreiros de

Candomblé, na Capoeira, no Maculelê, e preferencialmente no Samba de

Roda, onde ela se exibe como exímia sambadeira, dona de um requebrado

inigualável. Nicinha é a matriarca responsável pela manutenção do grupo de

samba de roda Raízes de Santo Amaro, que conta com uma quantidade

impressionante de sambadeiras, todas senhoras negras com roupas

Page 30: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

lindíssimas ao estilo das baianas do candomblé e com aquele sapateado

miudinho e o requebrado na cintura que só elas.

D. Nicinha, continua vivendo uma vida humilde, pé no chão, na comunidade do

Pilar, sabe preservar as amizades de muitos tempos com pessoas ilustres da

cultura de Santo Amaro, como a família Veloso, dentre outros. D. Nicinha teve

a oportunidade de levar a cultura popular de matriz africana do Recôncavo para

diversos lugares do Brasil e do exterior, tendo realizado apresentações na

Europa e nos Estados Unidos ao longo de mais de três décadas.

Emanoel Araujo

Emanoel Araujo, artista plástico baiano, nasceu numa tradicional família de

ourives, aprendeu marcenaria, linotipia e estudou composição gráfica na

Imprensa Oficial de Santo Amaro da Purificação. Em 1959 realizou sua

primeira exposição individual ainda em sua terra natal. Mudou­se para Salvador

na década de 1960 e ingressou na Escola de Belas Artes da Bahia (UFBA),

onde estudou gravura.

Foi premiado com medalha de ouro na 3ª Bienal Gráfica de Florença, Itália, em

1972. No ano seguinte recebeu o prêmio provindo da Associação Paulista de

Críticos de Arte (APCA) de melhor gravador, e, em 1983, o de melhor escultor.

Foi diretor do Museu de Arte da Bahia (1981­1983). Lecionou artes gráficas e

escultura no Arts College, na The City University of New York (1988).

Expôs em várias galerias e mostras nacionais e internacionais, somando cerca

de 50 exposições individuais e mais de 150 coletivas. Foi diretor da Pinacoteca

do Estado de São Paulo (1992­2002) e fundador do Museu Afro Brasil (2004),

onde é Diretor Curador. Em 2005, exerceu o cargo de Secretário Municipal de

Cultura.

Em 2007 foi homenageado pelo Instituto Tomie Ohtake com a exposição

Autobiografia do Gesto, que reuniu obras de 45 anos de carreira.

Rosildo Moreira do Rosário

A experiência de Rosildo em trabalhos voltados à cultura popular se mostra

consistente. O mesmo foi Presidente da Associação Chegança Fragata

Brasileira (entre os anos de 2002 e 2005), atuou como articulador da

participação da Marujada no Palácio do Governo em Brasília, no “I seminário

da pesca”, em 2003, foi Secretário de Educação do Município de Saubara por

Page 31: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

dois anos consecutivos (2005/2006), assumiu o cargo de Coordenador Geral

da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia, entre os

anos de 2005 e 2011, foi Coordenador Executivo do Projeto Circuito do Samba

da Bahia, no ano de 2006, atuou, internacionalmente, como articulador da

participação do Samba de Roda no I Festival de Patrimônio Imaterial na China,

em 2007 e do intercâmbio Casa do Samba e Escola de Música da Guiana

Francesa, em 2009, presidiu o Conselho Municipal de Educação do Município

de Saubara, entre 2007 e 2009, foi Diretor do Centro Educacional Municipal de

Acupe, em 2009 e atuou como Coordenador Executivo dos Projetos I e II

Séries de CD´s Casa do Samba, em 2011 e 2013, dentre muitos outros

trabalhos importantes de articulação, coordenação e direção, o que o torna,

não apenas apto, mas fundamental, para compor o quadro da Comissão de

avaliação do Edital Mestres das Culturas Populares Tradicionais da Bahia.

O Recôncavo e as Religiões de Matriz Africana

O Recôncavo baiano concentra um número significativo de terreiros de

candomblé das diversas nações, com predominância para as casas de axé de

nação Jeje e também de nação Ketu. Há também uma grande concentração de

centros de caboclos e umbanda. Recentemente dez terreiros das cidades de

Cachoeira e São Feliz foram registrados no “Livro de Registro Especial dos

Espaços destinados a Práticas Culturais Coletivas”, são eles: Aganju Didê Viva

Deus, Lobanekum, Lobanekum Filha, Ogodô Dey, Ilê Axé Itaylê, Hùnkpámè

Ayíonó Hùntóloji, Dendezeiro Nkossi Muncumbi (Cachoeira), Raiz de Airá e Ilê

Axé Ogunjá (São Felix). Além desses terreiros, existem também inúmeras

casas de axé em cidades como Muritiba, Nazaré das Farinhas, Santo Amaro

da Purificação, Maragojipe, São Sebastião do Passé e outros. A presença

esmagadora de manifestações culturais negras se dá em cidades onde há um

grande número de terreiros de religiões de matriz africana.

O Recôncavo Baiano e as Lyras Negras

O Recôncavo Baiano se tornou famoso também por causa das grandes

Filarmônicas, formadas por músicos negros que tanto tocavam de ouvido

quanto lendo as partituras, criando, assim, Escolas de Formação de Jovens,

através das famosas Liras Filarmônicas, na maioria das cidades do Recôncavo.

Page 32: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

As cidades pioneiras foram Cachoeira, Nazaré, Santo Amaro e Maragojipe, a

partir de 1930, essas liras se espalharam para o Recôncavo Sul, a exemplo

das cidades de Castro Alves, Amargosa, Muritiba e outras. Vale ressaltar que a

primeira orquestra criada no recôncavo baiano foi a Filarmônica Erato

Nazareno, em 1863, depois a Filarmônica 2 de julho e a Lira Siciliana de

Cachoeira liderou a festa de libertação dos negros escravizados, em 1888.

Outras filarmônicas conhecidas são Minerva Cachoerana, Lyra dos artistas,

Filho do Apolo (Santo Amaro), Grupo São João, Meninos Desvalidos, Lyra

Guarani, de Cruz das Almas dentre outras. Haviam fervorosas disputas

musicais nos coretos das praças, abrilhantando as festas religiosas, cortejos

marítimo e as festas profanas.

Quando a delegação do Ilê Aiyê esteve no Benin (África), em 1987, encontrou

várias manifestações culturais oriundas do Recôncavo Baiano, a exemplo da

Burrinha, Pau de sebo, caruru de São Cosme e Damião (esmola cantada com

estandarte, como ainda é feito em algumas cidades do Recôncavo) e

Filarmônicas acompanhando estes cortejos.

O amor do Jonatas Conceição pela sua querida Saubara “Mesmo tendo nascido em Salvador, Jônatas Conceição da Silva, “Nato” ou

“Natinho” para os mais íntimos, teve sua gênese familiar oriunda em Saubara,

em virtude do seu pai Tertulino Sales da Silva ser saubarense. Durante os

períodos de suas férias trabalhistas, Jônatas sozinho ou acompanhado dos

seus familiares ou de alguma pessoa próxima, costumava desfrutá­las em

Saubara, onde muitas vezes encontrava inspiração para escrever e procurava

descansar dos seus labores de professor, de radialista, de pesquisador e de

ferrenho militante dos movimentos negros. Incentivador e apaixonado pelas

manifestações culturais, “Natinho” não media sacrifícios de se deslocar de

onde estivesse até Saubara, a fim de assistir aos folguedos das “Caretas” por

ocasião dos festejos alusivos ao célebre 2 de Julho de 1823, atinentes à

participação dos saubarenses nas lutas em favor da Independência do Brasil,

na Bahia; aos espetáculos das danças lascivas proporcionadas pelas

“Cheganças dos marujos e mouros”; as encenações teatrais da “Xácara do Zé

do Vale” e concertos da Filarmônica São Domingos, que se apresentam

quando das celebrações religiosas em louvor e reverência ao orago Domingos

de Gusmão – “Padroeiro de Saubara”; performances dos “Ternos de Reis”,

Page 33: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

“Comédias” e “Bailes pastoris”, durante as celebrações natalinas”. (Betinho

D’Saubara)

Segundo o poeta José Carlos Limeira, um dos grandes amigos de Jônatas e

companheiro nas letras, "Jônatas era um poeta profundamente ligado às suas

raízes em Saubara. Eu sempre disse que ele vivia ‘saubariando’ a vida". Uma

das suas maiores alegrias acontecia nas temporadas de festas, quando os

grupos de samba de roda desfilavam pela cidade. A festança era maior quando

o Samba de Santa Mazorra colocava em seu itinerário a casa da família de

Jônatas. Houve certa vez em que Mãe Hilda participou desses festejos, na

casa de Jônatas, ao som do Samba de Santa Mazorra, “foi um dia de muita

festa e alegria”, relata Vivaldo Benvindo, diretor do Ilê Aiyê e um grande amigo

de Jônatas Conceição.

O seu amor pela cidade de Saubara se eternizou em um dos seus mais lindos

poemas “As Saubaras Invisíveis”, como vêem abaixo:

AS SAUBARAS INVISÍVEIS Chega­se a Saubara pelo caminho do mar.

Às velas, barcas velhas velejam rumo à baía. Viagem de gentes, trapos, mercadorias,

Odores repelentes que recendem tumbeiros Travessia de longínquas noites

(“Aquela viagem era uma eternidade!”) que ao vento cabia a tarefa de um porto feliz. Chega­se a Saubara por via de muitos rios

Do rio para o mangue, do mangue­rio para o mar. Caminhos do leva­e­traz mercantil

Ao porto de amaros negócios Percurso de antigos navegantes

Fundadores do eterno dar­se saubarense Desbravadores de restos da flora e fauna do lugar.

Chega­se, finalmente, a Saubara pelo primado da fé. Seus marujos e rezadeiras procuram, há muito,

o caminho da salvação. Seus filhos e netos, há pouco, descobriram outros caminhos…

Procuram, pela novidade alheia, desesperadamente, outra cidade inventar.

Os perseguidores da fé a tudo ver, oram, choram (A São Domingos que é de Gusmão que nos vele)

as chamas das velas revelam.

Conclusão

A ampla mistura de povos deixou marcas na cultura, na culinária e na

paisagem natural e artificial do Recôncavo Baiano, que hoje abriga uma

Page 34: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

população formada por 80% de negros, segundo o último senso étnico racial

divulgado pelo IBGE. Como resultado, suas cidades são marcadas por

manifestações da cultura negra e por um poderoso sincretismo religioso, no

qual a cultura dos negros influencia a dos brancos.

Um dos primeiros pedaços de terra pisados pelos portugueses, o Recôncavo

teve um papel relevante na produção agrícola do estado da Bahia até o início

do século XX. Por lá se instituiu um significativo comércio de açúcar, de fumo e

de outros produtos oriundos de diversas localidades, que foram levados a

Portugal e a outros países da Europa. O embarque dos produtos e o

desembarque dos escravos foram facilitados devido à proximidade do

Recôncavo com Salvador, primeira capital do país. Durante esse processo, os

colonizadores portugueses dizimaram aldeias tupinambás, e o Recôncavo se

estabeleceu como um dos principais destinos da diáspora africana.

Como vimos, o Recôncavo é o berço do cortejo Lindroamor em São Francisco

Conde; Nego Fugido, Samba de Nicinha e Maculelê, em Santo Amaro; Festa

dos Reis em Cabaceira do Paraguaçu e as Caretas de Saubara. A região

também é do Maculelê, da Marujada, da arte barroca e do tradicional Samba

de Roda e da Capoeira, considerados Patrimônio Cultural e Imaterial da

Humanidade.

O conjunto de cidades localizadas no entorno da Baía de Todos os Santos

também ganham relevância quando o assunto é sua contribuição para a

formação do candomblé como uma instituição religiosa. Isso graças à atuação

dos terreiros de candomblé presentes em diversas cidades. Contribuição esta

que teve reconhecimento ano passado, quando dez terreiros de Candomblé,

localizados nas cidades de Cachoeira e de São Felix passaram a ser

protegidos via tombamento. Os terreiros foram os primeiros do país a receber o

Registro Especial de Patrimônio Cultural Imaterial, que inclui também as

manifestações populares, os conhecimentos e as heranças simbólicas das

suas matrizes culturais.

Fontes

Textos sobre o município de Saubara (escritos por Betinho d`Saubara)

Page 35: O RECÔNCAVO BAIANO É AFRODESCENDENTE. CARA PRETA!”NCAVO... · é uma oportunidade para se reconhecer a contribuição significativa feita ... em procissão noturna, carregando

Texto “Jônatas Conceição: saubarense de boa cepa” de Betinho d`Saubara Informações sobre a cidade de Sapeaçú - Associação Cultural Birro Preto ACBP http://evooafrica.blogspot.com.br/2012/08/reconcavo-baiano-legado-afro-brasileiro.html http://peroladoreconcavo.blogspot.com.br/p/nossa-cultura.html http://www.saofranciscodoconde.ba.gov.br/?page_id=16 http://www.sambadenicinha.com/ http://povodoaxe.blogspot.com.br/2009/04/gaiaku-luiza.html http://www.bahia-turismo.com/historia http://narradoresdoreconcavo.com.br/ http://www2.tv.ufba.br/video/526-especial-tv-ufba-samba-chula http://www.museuafrobrasil.org.br/o-museu/emanoel-araujo http://antigo.acordacultura.org.br/herois/heroi/tiaciata http://www.gicult.com.br/colunas/santo-amaro-da-purificao-histria-festas-e-terra-da-cultura--4138/ http://www.oocities.org/br/familialmeida2000/SantaM.htm Herois Negros do Brasil, Cartilha Revolta dos Búzios. Fundação Pedro Calmon, Governo da Bahia - http://bit.ly/1gUAKHJ