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1 O recurso de agravo de instrumento no Novo CPC e a problemática do seu cabimento. Alexandre Flexa 1 Bernardo Annes Dias 2 1. Introdução Antes de entrar propriamente no estudo da problemática do cabimento do agravo de instrumento, necessário se faz introduzir os aspectos basilares relativos ao instituto. 1.1. Conceito e natureza jurídica Saber qual a natureza jurídica de determinado instituto significa localizá-lo dentro da estrutura organizacional da matéria a qual pertence, o que possibilita entender quais são os seus fundamentos (que servem de alicerce axiológico para o instituto), bem como as suas consequências jurídicas, o que confere ao agravo de instrumento a natureza jurídica de recurso. Neste ponto, faz-se imperioso definir recurso. E, a melhor definição de recurso é encontrada na doutrina de Barbosa Moreira, para quem recurso é “o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”. Assim, partindo da premissa de que os recursos são meios impugnativos de provimentos jurisdicionais, dentro de uma mesma 1 Advogado sócio sênior do escritório SMGA Advogados, no Rio de Janeiro. Professor de Direito Processual Civil dos cursos de pós-graduação da FGV, PUC e EMERJ. Autor de Novo Código de Processo Civil, Temas Inéditos, Mudanças e Supressões (ed. Juspodivm); coautor de Comentários ao Novo Código de Processo Civil (ed. Forense); . 2 Advogado no escritório SMGA Advogados, no Rio de Janeiro.

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O recurso de agravo de instrumento no Novo CPC e a

problemática do seu cabimento.

Alexandre Flexa1

Bernardo Annes Dias2

1. Introdução

Antes de entrar propriamente no estudo da problemática do

cabimento do agravo de instrumento, necessário se faz introduzir os

aspectos basilares relativos ao instituto.

1.1. Conceito e natureza jurídica

Saber qual a natureza jurídica de determinado instituto significa

localizá-lo dentro da estrutura organizacional da matéria a qual

pertence, o que possibilita entender quais são os seus fundamentos

(que servem de alicerce axiológico para o instituto), bem como as

suas consequências jurídicas, o que confere ao agravo de

instrumento a natureza jurídica de recurso.

Neste ponto, faz-se imperioso definir recurso. E, a melhor definição

de recurso é encontrada na doutrina de Barbosa Moreira, para quem

recurso é “o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo

processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração

de decisão judicial que se impugna”.

Assim, partindo da premissa de que os recursos são meios

impugnativos de provimentos jurisdicionais, dentro de uma mesma

1 Advogado sócio sênior do escritório SMGA Advogados, no Rio de Janeiro. Professor de Direito

Processual Civil dos cursos de pós-graduação da FGV, PUC e EMERJ. Autor de Novo Código de Processo

Civil, Temas Inéditos, Mudanças e Supressões (ed. Juspodivm); coautor de Comentários ao Novo Código

de Processo Civil (ed. Forense); .

2 Advogado no escritório SMGA Advogados, no Rio de Janeiro.

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relação jurídica processual, o próximo passo é saber qual a espécie

de manifestação jurisdicional o agravo de instrumento se mostra apto

a impugnar.

Para tanto, é relevante saber quais são as espécies de

pronunciamentos do juiz. E, de acordo com o artigo 203 do

CPC/2015, os provimentos judiciais podem ser de 03 (três) espécies:

sentenças; decisões interlocutórias e despachos.3

Dessas três espécies de manifestações jurisdicionais, apenas duas

podem ser, em regra, objeto de impugnação por recurso, uma vez

que, por expressa determinação legal (art.1001 do CPC/2015), os

despachos são irrecorríveis.4

De tal modo, conclui-se que somente pode ser objeto de recurso o

pronunciamento jurisdicional que possua conteúdo decisório capaz de

causar prejuízo às partes, cingindo-se, então, as decisões

interlocutórias, sentenças e, excepcionalmente, despachos.

Neste ponto, cabe ressaltar que a novel legislação trouxe

expressamente a conceituação de sentença e decisão interlocutória,

conforme parágrafos 1º e 2º do art.203, in verbis: Art. 203, (...) §1o

Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais,

sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com

fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do

procedimento comum, bem como extingue a execução. (...) §2o

Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza

decisória que não se enquadre no § 1o. (grifo nosso).

3 Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

4 Na forma do art. 1.001 do CPC/2015, os despachos são irrecorríveis, como já acontecia no art. 504 do

CPC/1973. Contudo, é constante na jurisprudência o entendimento pelo cabimento de recurso contra

despacho que seja capaz de gerar prejuízos às partes. Nesse sentido, por todos, STJ, 2º T., AgRg no

AResp 716.445/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Dje de 27/08/2015.

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Da leitura do dispositivo fica claro que o conceito de decisão

interlocutória, com o advento do CPC/2015, passou por uma

evolução, deixando de ser apenas o pronunciamento do juiz que

resolve questão processual incidente, para passar a ter uma definição

“residual”. Isso porque, de acordo com o art. 203, §2º do CPC/2015,

será considerado como decisão interlocutória todo o pronunciamento

jurisdicional, que decida alguma questão no curso do processo, mas

que não se amolde à definição de sentença.

Nesse sentido, é a lição de Fredie Didier Jr., in verbis: “ainda que

tenha como fundamento uma das hipóteses do art.485 ou 487, o

pronunciamento do juiz não será sentença se não puser termo a uma

fase procedimental, será, então, decisão interlocutória.”5

Como exemplo digno de referência, que a melhor doutrina entende

ter natureza jurídica de decisão interlocutória, ainda que aprecie o

mérito da demanda, é a denominada “decisão parcial de mérito”,

novidade introduzida pelo novel diploma processual no art.356 do

CPC/2015.6

Assim, é correto afirmar que houve uma ampliação dos casos de

pronunciamento judicial que se amoldam como decisões

interlocutórias.

Por conseguinte, no sistema recursal civil brasileiro vige, como regra

geral, o princípio da unirrecorribilidade. Dessa forma, para cada

espécie de decisão existirá apenas um único recurso adequado.7

5 Didier Jr., Fredie, Curso de direito processual civil, V.03, 13ª Ed., Editora Juspodivm, 2016, p.206.

6 Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela

deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art.

355.

7 “De acordo com essa regra, não é possível a utilização simultânea de dois recursos contra a mesma

decisão; para cada caso, há um recurso adequado e somente um. “ Didier Jr., Fredie, Curso de direito

processual civil, V.03, 13ª Ed., Editora Juspodivm, 2016, p.110.

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Com efeito, o agravo de instrumento é o recurso apto a impugnar as

decisões interlocutórias, como preceitua o art. 1.015 do CPC/2015.

Com isso, conseguimos chegar ao conceito de agravo de instrumento

como “o recurso adequado para impugnar algumas decisões

interlocutórias, expressamente indicadas em lei como sendo

recorríveis em separado.” 8

1.2 – Evolução histórica do instituto

Para compreender o instituto e sua sistematização atual mostraremos

rapidamente a sua normatização desde o CPC/1939 até o modelo

vigente.

No CPC/1939, o agravo de instrumento era o recurso cabível contra

decisões interlocutórias específicas, previstas no rol do art.842 do

diploma processual de 1939 ou na legislação extravagante. Logo, não

era toda a decisão interlocutória que poderia ser impugnada por meio

de agravo de instrumento, sendo um recurso restrito às hipóteses

legais.

Já no CPC/1973, em sua redação originária, o agravo de instrumento

passa a ser o recurso cabível contra qualquer decisão interlocutória.

Conviviam, respectivamente, o agravo de instrumento e o agravo

retido, cabendo a parte a faculdade de escolha para saber qual

recurso interpor.

Saliente-se que, na sistemática original do CPC/1973, o agravo de

instrumento era interposto perante o juízo de 1º grau, que proferiu a

decisão impugnada, sendo dotado de efeito regressivo, bem como

não possuía efeito suspensivo, como regra geral, só sendo cabível

este efeito como medida excepcional, quando estivesse presente uma

das hipóteses do rol artigo 558 do CPC/1973.

8 Câmara, Alexandre Freitas, O novo processo civil brasileiro, 2ª Ed., Editora Atlas, 2016, p.522.

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Ainda na vigência do CPC/1973, o instituto passou por relevantes

alterações, com o advento das Leis n.º 9.139/95 e 11.187/05.

A lei n.º 9.139/95 trouxe como primeira grande modificação, a

alteração no nomen iuris do instituto, uma vez que o termo “agravo”

passa a ser gênero, tendo como espécies: o agravo retido e o agravo

de instrumento. Outra alteração substancial no regime jurídico do

agravo de instrumento foi quanto sua interposição, pois este passa a

ser interposto diretamente no juízo ad quem, ou seja, perante o

Tribunal.

Outrossim, cria-se a obrigatoriedade da retenção do agravo em face

de decisões posteriores à sentença.

Em seguida, entra em vigor a lei n.º 11.187/05, que realiza uma

profunda reformulação na sistemática do instituto, tendo como

principal ponto de mutação o fato de que o agravo retido passa a ser

a regra geral de impugnação das decisões interlocutórias, somente

sendo cabível o manejo do agravo de instrumento em hipóteses

excepcionais, que podem ser resumidas em casos nos quais houvesse

risco de lesão ao direito material, em razão do decurso do tempo.

Nesse novo regime, se a parte interpusesse o agravo de instrumento

fora das hipóteses excepcionais, o relator deveria converter o agravo

de instrumento em agravo retido, a fim de apreciá-lo se e quando

interposto o recurso de apelação.

2. Agravo de instrumento no Novo CPC

O novo CPC revolucionou o regime jurídico do recurso de agravo, em

especial no processo de conhecimento.

Manifestamo-nos alhures que “a novel legislação passa a adotar o

sistema de irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias,

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ainda que de forma mitigada, deixando para a apelação a

oportunidade de insurgência dos provimentos interlocutórios, (...)”9

A mens legis é dar ao processo de conhecimento maior celeridade, o

que se alcançaria, ao menos em tese, mediante a diminuição de

incidentes processuais e recursais, além da concentração de atos

processuais.

Desse modo, a regra geral é a irrecorribilidade imediata (em

separado) das decisões interlocutórias, tendo como medida

excepcional a impugnação dessa espécie de provimento judicial por

meio do agravo de instrumento.

Outrossim, “no CPC/2015, o recurso de agravo, na modalidade retida,

deixa de existir no ordenamento jurídico”10

Portanto, a nova legislação processual civil criou duas espécies de

decisões interlocutórias no 1º grau de jurisdição: recorríveis de

imediato e não recorríveis de imediato.

Podemos estruturar o regime jurídico da impugnação das decisões

interlocutórias da seguinte forma: em regra esses provimentos

judiciais são “não recorríveis de imediato”, somente podendo ser

atacadas em sede de apelação.11

Por sua vez, as “decisões interlocutórias recorríveis de imediato”

configuram exceção ao sistema de irrecorribilidade em separado

dessas decisões, sendo agraváveis as decisões previstas em um rol

legal.

9 Flexa, Alexandre, et alii, Novo Código de Processo Civil: temas inéditos, mudanças e supressões, 2ª Ed.,

Ed. Juspodivm, 2016, p.735.

10 Op. Cit., p.735.

11 § 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar

agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de

apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

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Como ensina Fredie Didier Jr., “as hipóteses de agravo estão

previstas no art. 1.015, CPC; nele, há um rol de decisões agraváveis.

Não são todas as decisões que podem ser atacadas por agravo de

instrumento.”12

Neste ponto, cabe salientar que esse regime jurídico está adstrito ao

processo de conhecimento, uma vez que de acordo com o parágrafo

único do art. 1.015 do CPC, todas as decisões interlocutórias

proferidas em sede de liquidação de sentença, cumprimento de

sentença, processo de inventário ou processo de execução são

passíveis de impugnação por meio do agravo de instrumento, in

verbis: “art. 1.015, parágrafo único. Também caberá agravo de

instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de

liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo

de execução e no processo de inventário. ”

Outro ponto que merece destaque é a não incidência imediata do

instituto da preclusão no tocante as decisões interlocutórias

irrecorríveis de imediato. Logo, essas decisões serão atingidas pela

preclusão consumativa, mas, tão somente, se não forem objeto de

impugnação na apelação.

Nesse sentido, Daniel Assumpção Neves pronuncia-se em sua obra

Manual Processual Civil, in verbis: “as decisões interlocutórias que

não puderem ser impugnadas pelo recurso de agravo de instrumento,

não se tornam irrecorríveis, o que representaria nítida ofensa ao

devido processo legal. Essas decisões não precluem imediatamente,

devendo ser impugnadas em preliminar de apelação ou nas

contrarrazões desse recurso, nos termos do art. 1.009, § 1º, do Novo

CPC. ” 13

12 Op. Cit., p.205

13 Neves, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito processual civil – Volume único – 8ª Ed. Ed.

Juspodivm, p.1559.

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3. Tipicidade das hipóteses de cabimento do agravo de

instrumento:

Toda essa mudança trouxe uma grande celeuma envolvendo o

instituto do agravo de instrumento e que é o objeto principal deste

artigo: as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento são

típicas? Ou seja, é cabível agravo de instrumento contra decisões

interlocutórias sem expressa previsão legal?

Cuida-se de questão controvertida no âmbito doutrinário, havendo

duas correntes rivalizando-se.

Todavia, antes de adentrar na controvérsia propriamente dita, é

preciso fazer um esclarecimento que servirá de embasamento para a

compreensão adequada da questão posta. Assim, preliminarmente,

deve ser abordada a diferença entre os institutos da “taxatividade” e

“tipicidade”.

“Taxatividade” significa a existência de um rol fechado de hipóteses

de cabimento ou de afastamento da incidência de determinado

instituto previsto em lei. Por sua vez, “tipicidade” deve ser entendida

como a previsão legal de um fato ou de uma conduta, que se

subsume, com perfeição, a descrição trazida no tipo legal.

Dessa forma, o rol previsto no art. 1.015 do CPC/2015 é

exemplificativo, pois o seu próprio inciso XIII remete para outras

hipóteses. Contudo, essas outras hipóteses devem estar também

previstas em algum dispositivo legal? Se a resposta for positiva, as

hipóteses de cabimento serão sempre típicas. Se negativa, então a

conclusão inafastável é que não existe tipicidade para o cabimento do

agravo de instrumento. É o que passamos a abordar.

Uma primeira corrente, defende que as hipóteses de cabimento são

típicas, pois permite que o recurso de agravo de instrumento possa

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ser manejado em outros casos, desde que expressamente previstos

em lei. Logo, é uma posição que não permite a abertura da

interpretação das hipóteses legais fora da ordem jurídica, adotando

nitidamente uma postura restritiva.14

A mens legis, segundo defende essa corrente, visa proporcionar

celeridade processual, restringindo a fase recursal interlocutória,

remetendo a impugnação dessas decisões à preliminar de apelação

(art.1.009, § 1º, do CPC/2015).

Por outro lado, há uma segunda corrente, capitaneada por Fredie

Didier Jr., defendendo que o rol das hipóteses de cabimento não é

exaustivo, sendo cabível, por meio de interpretação extensiva ou

analógica, criar novas hipóteses de cabimento, ainda que não

previstas em lei, ou seja, atípicas.

O referido autor, inclusive, destaca que: “No sistema brasileiro, há

vários exemplos de enumeração taxativa que comporta interpretação

extensiva”.15

Essa é a posição, também, de Daniel Amorim Assumpção Neves, em

sua obra o Manual de Direito Processual Civil, in verbis: “ainda que a

doutrina aponte que a novidade tem como fundamento o princípio da

oralidade, a partir do aumento das hipóteses de irrecorribilidade de

decisão interlocutória em separado, (...), entendo que a técnica

legislativa não foi a mais adequada. (...). Num primeiro momento,

duvido seriamente do acerto dessa limitação e das supostas

vantagens geradas ao sistema processual. A decantada desculpa de

que o agravo de instrumento é o recurso responsável pelo caos vivido

na maioria de nossos tribunais de segundo grau não deve ser levada

a sério. (...). A recorribilidade somente no final do processo será um

14 Essa é a posição de Alexandre de Freitas Câmara. op. cit., p. 522 e Comentários ao Novo Código de

Processo Civil, 2ª edição, Ed. Forense, 2016, p. 1.518.

15 Op. Cit., p. 210.

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convite aos tribunais de 2º grau a fazer vista grossa a eventuais

irregularidades, nulidades e injustiças ocorridos durante o

procedimento. (...). Há decisões interlocutórias de suma importância

no procedimento que não serão recorríveis por agravo de

instrumento: (...). Seja como for, aguarda-se a popularização do

mandado de segurança, que passará a ser adotado onde atualmente

se utiliza o agravo quando este tornar-se incabível. Corre-se o risco

de se trocar seis por meia dúzia, e, o que é ainda pior, desvirtuar a

nobre função do mandado de segurança. (...)” 16

Ademais, o festejado autor defende que melhor seria se o legislador

apresentasse um rol de hipóteses de “não cabimento” do agravo de

instrumento e, não como foi feito, um rol de casos em que o aludido

recurso é cabível (rol do art.1.015 do CPC/2015), medida que evitaria

a tão malsinada popularização do mandado de segurança.

Assim, para evitar que a impugnação da decisão interlocutória de

imediato seja feita por meio do mandado de segurança, o que

retardaria mais o processo, entendemos pela possibilidade da adoção

da interpretação extensiva, o que ampliaria os casos de cabimento do

instituto.

Neste ponto, é preciso explanar o que se entende por “interpretação

extensiva”.

A interpretação de um dispositivo legal significa o exercício necessário

realizado pelo aplicador do direito com a finalidade de revelar o seu

exato sentido e alcance.

Todas as normas para terem aplicabilidade precisam ser

interpretadas. E, para dar efetivação a essa tarefa de interpretar a

norma jurídica, existem diversas técnicas, que são estudadas pela

hermenêutica jurídica, dentre elas a interpretação extensiva.

16 Op. Cit., p.1560/1561.

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Na interpretação extensiva, estende-se o alcance da norma, a fim de

atingir outras hipóteses, uma vez que esta disse menos do que

deveria. No caso do agravo de instrumento, realizando-se a

interpretação extensiva o exegeta irá interpretar o rol do art. 1.015,

do CPC/2015, com fito de permitir a incidência desse recurso em

hipóteses análogas aquelas expressamente previstas, que não estão

expressamente previstas no rol legal.

A utilização dessa interpretação pode ser a solução para se evitar a

utilização do mandado de segurança como sucedâneo recursal, e sua

consequente proliferação.

Nesse sentido, é a lição de Fredie Didier Jr., in verbis: “a

interpretação extensiva opera por comparações e isonomizações, não

por encaixes e subsunções. As hipóteses de agravo de instrumento

são taxativas e estão previstas no art. 1.015 do CPC/2015. Se não se

adotar a interpretação extensiva, corre-se o risco de se ressuscitar o

uso anômalo e excessivo do mandado de segurança contra ato

judicial, o que é muito pior, inclusive em termos de política judiciária.

(...). É verdade que interpretar o texto normativo com a finalidade de

evitar o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança pode

consistir num consequencialismo. Como se sabe, o consequencialismo

constitui método de interpretação em que, diante de várias

interpretações possíveis, o intérprete deve optar por aquela que

conduza a resultados econômicos, sociais ou políticos mais aceitáveis,

mais adequados e menos problemáticos. Busca-se, assim, uma

melhor integração entre a norma e a realidade. É um método de

interpretação que pode servir para confirmar a interpretação

extensiva ora proposta.”17

Essa é a corrente que defendemos, pois é a única apta a garantir

que, em algumas situações que não estão previstas no rol do art.

17 Op. Cit., p. 211.

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1.015 do CPC/2015, mas que se apresentam capazes de gerar

imediato prejuízo à parte, precisa de uma resposta jurisdicional

efetiva e célere18. Não nos parece razoável que em casos como esses

os litigantes sejam obrigados a aguardar até o advento de possível

recurso de apelação para poderem impugnar decisões judiciais que

lhe tragam prejuízo imediato.

Destarte, trata-se de medida que tem por finalidade precípua a

concretização dos princípios da efetividade da prestação jurisdicional

e do duplo grau de jurisdição.

18 À guisa de exemplo, a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro já vem se manifestando no sentido que defendemos, como demonstram

os seguintes trechos:

“Agravo de instrumento que é descabido. Rol do artigo 1.015 que, embora não seja

taxativo, não pode ser lido como meramente exemplificativo.” (Agravo de

Instrumento n.º 0024930-24.2016.8.19.0000; Relator: Des. Luiz Fernando da

Andrade Pinto; 25ª Câmara Cível do TJERJ).

“O rol do artigo 1.015, do CPC, é exemplificativo, admitindo outras hipóteses, em

especial a dos autos que desacolhe exceção de incompetência.” (Agravo de

Instrumento n.º 0029124-67.2016.8.19.0000; Relatora Des. Helda Lima Meireles,

3ª Câmara Cível do TJERJ, julgado em 21/07/2016).