O Regime Militar

Embed Size (px)

Citation preview

O Regime militar foi o perodo da poltica brasileira em que militares conduziram o pas. Essa poca ficou marcada na histria do Brasil atravs da prtica de vrios Atos Institucionais que colocavam em prtica a censura, a perseguio poltica, a supresso de direitos constitucionais, a falta total de democracia e a represso queles que eram contrrios ao regime militar. A Ditadura militar no Brasil teve seu incio com o golpe militar de 31 de maro de 1964, resultando no afastamento do Presidente da Repblica, Joo Goulart, e tomando o poder o Marechal Castelo Branco. Este golpe de estado, caracterizado por personagens afinados como uma revoluo instituiu no pas uma ditadura militar, que durou at a eleio de Tancredo Neves em 1985. Os militares na poca justificaram o golpe, sob a alegao de que havia uma ameaa comunista no pas.

Golpe Militar de 1964O Golpe Militar de 1964 marca uma srie de eventos ocorridos em 31 de maro de 1964 no Brasil, e que culminaram em um golpe de estado no dia 1 de abril de 1964. Esse golpe ps fim ao governo do presidente Joo Goulart, tambm conhecido como Jango, que havia sido de forma democrtica, eleito vice-presidente pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Imediatamente aps a tomada de poder pelos militares, foi estabelecido o AI-1. Com 11 artigos, o mesmo dava ao governo militar o poder de modificar a constituio, anular mandatos legislativos, interromper direitos polticos por 10 anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que fosse contra a segurana do pas, o regime democrtico e a probidade da administrao pblica, alm de determinar eleies indiretas para a presidncia da Repblica. Durante o regime militar, ocorreu um fortalecimento do poder central, sobretudo do poder Executivo, caracterizando um regime de exceo, pois o Executivo se atribuiu a funo de legislar, em detrimento dos outros poderes estabelecidos pela Constituio de 1946. O Alto Comando das Foras Armadas passou a controlar a sucesso presidencial, indicando um candidato militar que era referendado pelo Congresso Nacional. A liberdade de expresso e de organizao era quase inexistente. Partidos polticos, sindicatos, agremiaes estudantis e outras organizaes representativas da sociedade foram suprimidas ou sofreram interferncia do governo. Os meios de comunicao e as manifestaes artsticas foram reprimidos pela censura. A dcada de 1960 iniciou tambm, um perodo de grandes transformaes na economia do Brasil, de modernizao da indstria e dos servios, de concentrao de renda, de abertura ao capital estrangeiro e do endividamento externo.

GOVERNO CASTELLO BRANCO (1964-1967)Castello Branco, general militar, foi eleito pelo Congresso Nacional presidente da Repblica em 15 de abril de 1964. Em seu pronunciamento, declarou defender a democracia, porm ao comear seu governo, assume uma posio autoritria. Estabeleceu eleies indiretas para presidente, alm de dissolver os partidos polticos. Vrios parlamentares federais e estaduais tiveram seus mandatos cassados, cidados tiveram seus direitos polticos e constitucionais cancelados e os sindicatos receberam interveno do governo militar. Em seu governo, foi institudo o bipartidarismo. S estavam autorizados o funcionamento de dois partidos: Movimento Democrtico Brasileiro ( MDB ) e a Aliana Renovadora Nacional ( ARENA ). Enquanto o primeiro era de oposio, de certa forma controlada, o segundo representava os militares. O governo militar impe, em janeiro de 1967, uma nova Constituio para o pas. Aprovada neste mesmo ano, a Constituio de 1967 confirma e institucionaliza o regime militar e suas formas de atuao.

GOVERNO COSTA E SILVA (1967-1969)Em 1967, assume a presidncia o general Arthur da Costa e Silva, aps ser eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. Seu governo marcado por protestos e manifestaes sociais. A oposio ao regime militar cresce no pas. A UNE ( Unio Nacional dos Estudantes ) organiza, no Rio de Janeiro, a Passeata dos Cem Mil. Em Contagem (MG) e Osasco (SP), greves de operrios paralisam fbricas em protesto ao regime militar.

A guerrilha urbana comea a se organizar. Formada por jovens idealistas de esquerda, assaltam bancos e seqestram embaixadores para obterem fundos para o movimento de oposio armada. No dia 13 de dezembro de 1968, o governo decreta o Ato Institucional Nmero 5 ( AI-5 ). Este foi o mais duro do governo militar, pois aposentou juzes, cassou mandatos, acabou com as garantias do habeas-corpus e aumentou a represso militar e policial.

GOVERNO DA JUNTA MILITAR (31/8/1969-30/10/1969)Doente, Costa e Silva foi substitudo por uma junta militar formada pelos ministros Aurlio de Lira Tavares (Exrcito), Augusto Rademaker (Marinha) e Mrcio de Sousa e Melo (Aeronutica). Dois grupos de esquerda, O MR-8 e a ALN seqestram o embaixador dos EUA Charles Elbrick. Os guerrilheiros exigem a libertao de 15 presos polticos, exigncia conseguida com sucesso. Porm, em 18 de setembro, o governo decreta a Lei de Segurana Nacional. Esta lei decretava o exlio e a pena de morte em casos de "guerra psicolgica adversa, ou revolucionria, ou subversiva". No final de 1969, o lder da ALN, Carlos Mariguella, foi morto pelas foras de represso em So Paulo.

GOVERNO MEDICI (1969-1974)Em 1969, a Junta Militar escolhe o novo presidente: o general Emlio Garrastazu Medici. Seu governo considerado o mais duro e repressivo do perodo, conhecido como " anos de chumbo ". A represso luta armada cresce e uma severa poltica de censura colocada em execuo. Jornais, revistas, livros, peas de teatro, filmes, msicas e outras formas de expresso artstica so censuradas. Muitos professores, polticos, msicos, artistas e escritores so investigados, presos, torturados ou exilados do pas. O DOI-Codi ( Destacamento de Operaes e Informaes e ao Centro de Operaes de Defesa Interna ) atua como centro de investigao e represso do governo militar. Ganha fora no campo a guerrilha rural, principalmente no Araguaia. A guerrilha do Araguaia fortemente reprimida pelas foras militares.

O Milagre EconmicoNa rea econmica o pas crescia rapidamente. Este perodo que vai de 1969 a 1973 ficou conhecido com a poca do Milagre Econmico. O PIB brasileiro crescia a uma taxa de quase 12% ao ano, enquanto a inflao beirava os 18%. Com investimentos internos e emprstimos do exterior, o pas avanou e estruturou uma base de infra-estrutura. Todos estes investimentos geraram milhes de empregos pelo pas. Algumas obras, consideradas faranicas, foram executadas, como a Rodovia Transamaznica e a Ponte Rio-Niteroi. Porm, todo esse crescimento teve um custo altssimo e a conta deveria ser paga no futuro. Os emprstimos estrangeiros geraram uma dvida externa elevada para os padres econmicos do Brasil.

GOVERNO GEISEL (1974-1979)Em 1974 assume a presidncia o general Ernesto Geisel que comea um lento processo de transio rumo democracia. Seu governo coincide com o fim do milagre econmico e com a insatisfao popular em altas taxas. A crise do petrleo e a recesso mundial interferem na economia brasileira, no momento em que os crditos e emprstimos internacionais diminuem. Geisel anuncia a abertura poltica lenta, gradual e segura. A oposio poltica comea a ganhar espao. Nas eleies de 1974, o MDB conquista 59% dos votos para o Senado, 48% da Cmara dos Deputados e ganha a prefeitura da maioria das grandes cidades. Os militares de linha dura, no contentes com os caminhos do governo Geisel, comeam a promover ataques clandestinos aos membros da esquerda. Em 1975, o jornalista Vladimir Herzog assassinado nas dependncias do DOI-Codi em So Paulo. Em janeiro de 1976, o operrio Manuel Fiel Filho aparece morto em situao semelhante. Em 1978, Geisel acaba com o AI-5, restaura o habeas-corpus e abre caminho para a volta da democracia no Brasil.

GOVERNO FIGUEIREDO (1979-1985)A vitria do MDB nas eleies em 1978 comea a acelerar o processo de redemocratizao. O general Joo Baptista Figueiredo decreta a Lei da Anistia, concedendo o direito de retorno ao Brasil para os polticos, artistas e demais brasileiros exilados e condenados por crimes polticos. Os militares de linha dura continuam com a represso clandestina. Cartas-bomba so colocadas em rgos da imprensa e da OAB (Ordem dos advogados do Brasil). No dia 30 de Abril de 1981, uma bomba explode durante um show no centro de convenes do Rio Centro. O atentado fora provavelmente promovido por militares de linha dura, embora at hoje nada tenha sido provado. Em 1979, o governo aprova lei que restabelece o pluripartidarismo no pas. Os partidos voltam a funcionar dentro da normalidade. A ARENA muda o nome e passa a ser PDS, enquanto o MDB passa a ser PMDB. Outros partidos so criados, como : Partido dos Trabalhadores ( PT ) e o Partido Democrtico Trabalhista ( PDT ). A Redemocratizao e a Campanha pelas Diretas J Nos ltimos anos do governo militar, o Brasil apresenta vrios problemas. A inflao alta e a recesso tambm. Enquanto isso a oposio ganha terreno com o surgimento de novos partidos e com o fortalecimento dos sindicatos. Em 1984, polticos de oposio, artistas, jogadores de futebol e milhes de brasileiros participam do movimento das Diretas J. O movimento era favorvel aprovao da Emenda Dante de Oliveira que garantiria eleies diretas para presidente naquele ano. Para a decepo do povo, a emenda no foi aprovada pela Cmara dos Deputados. No dia 15 de janeiro de 1985, o Colgio Eleitoral escolheria o deputado Tancredo Neves, que concorreu com Paulo Maluf, como novo presidente da Repblica. Ele fazia parte da Aliana Democrtica o grupo de oposio formado pelo PMDB e pela Frente Liberal. Era o fim do regime militar. Porm Tancredo Neves fica doente antes de assumir e acaba falecendo. Assume o vice-presidente Jos Sarney. Em 1988 aprovada uma nova constituio para o Brasil. A Constituio de 1988 apagou os rastros da ditadura militar e estabeleceu princpios democrticos no pas.

Link: http://www.sohistoria.com.br/ef2/ditadura/p4.php

Breve histria do regime militarRenato Cancian* Especial para a Pgina 3 Pedagogia & Comunicao

As intervenes militares foram recorrentes na histria da repblica brasileira. Antes de 1964, porm, nenhuma dessas interferncias resultou num governo presidido por militares. Em maro de 1964, contudo, os militares assumiram o poder por meio de um golpe e governaram o pas nos 21 anos seguintes, instalando um regime ditatorial. A ditadura restringiu o exerccio da cidadania e reprimiu com violncia todos os movimentos de oposio. No que se refere economia, o governo colocou em prtica um projeto desenvolvimentista que produziu resultados bastante contraditrios, tendo em vista que o pas ingressou numa fase de industrializao e crescimento econmico acelerados, sem beneficiar, porm, a maioria da populao, em particular a classe trabalhadora.Antecedentes do golpe

Os militares golpistas destituram do poder o presidente Joo Goulart, que havia assumido a presidncia aps a inesperada renncia de Jnio Quadros, em 1961. Sua posse foi bastante conturbada e s foi aceita pelos militares e pelas elites conservadoras depois da imposio do regime parlamentarista. Essa frmula poltica tinha como propsito limitar as prerrogativas presidenciais, subordinando o Poder Executivo ao Legislativo. Goulart, contudo, manobrou politicamente e conseguiu aprovar um plebiscito, cujo resultado restituiu o regime presidencialista. O presidente, entretanto, continuou a no dispor de uma base de apoio parlamentar que fosse suficiente para aprovar seus projetos de reforma poltica e econmica. A sada encontrada por Goulart foi a de pressionar o Congresso Nacional por meio de constantes mobilizaes populares, que geraram inmeras manifestaes pblicas em todo o pas. Ao mesmo tempo, a situao da economia se deteriorou, provocando o acirramento dos conflitos de natureza classista. Todos esses fatores levaram, de forma conjunta, a uma enorme instabilidade institucional, que acabou por dificultar a governabilidade. Nessa conjuntura, o governo tentou mobilizar setores das Foras Armadas, como forma de obter apoio poltico, mas isso colocou em risco a hierarquia entre os comandos militares e serviu como estmulo para o avano dos militares golpistas.

Em 1964, a sociedade brasileira se polarizou. As classes mdias, as elites agrrias e os industriais se voltaram contra o governo e abriram caminho para o movimento dos golpistas.Os governos militares

Governo Castello Branco (abril de 1964 a julho de 1967): O marechal Humberto de Alencar Castello Branco esteve frente do primeiro governo militar e deu incio promulgao dos Atos Institucionais. Entre as medidas mais importantes, destacam-se: suspenso dos direitos polticos dos cidados; cassao de mandatos parlamentares; eleies indiretas para governadores; dissoluo de todos os partidos polticos e criao de duas novas agremiaes polticas: a Aliana Renovadora Nacional (Arena), que reuniu os governistas, e o Movimento Democrtico Brasileiro (MDB), que reuniu as oposies consentidas. Em fins de 1966, o Congresso Nacional foi fechado, sendo imposta uma nova Constituio, que entrou em vigor em janeiro de 1967. Na economia, o governo revogou a Lei de Remessa de Lucros e a Lei de Estabilidade no Emprego, proibiu as greves e imps severo controle dos salrios. Castelo Branco planejava a transferir o governo aos civis no final de seu mandato, mas setores radicais do Exrcito impuseram a candidatura do marechal Costa e Silva.

Governo Costa e Silva (maro de 1967 a agosto de 1969): O marechal Arthur da Costa e Silva enfrentou a reorganizao poltica dos setores oposicionistas, greves e a ecloso de movimentos sociais de protesto, entre eles o movimento estudantil universitrio. Tambm neste perodo os grupos e organizaes polticas de esquerda organizaram guerrilhas urbanas e passaram a enfrentar a ditadura, empunhando armas, realizando sequestros e atos terroristas. O governo, ento, radicalizou as medidas repressivas, com a justificativa de enfrentar os movimentos de oposio. A promulgao do Ato Institucional n 5 (AI-5), em dezembro de 1968, representou o fechamento completo do sistema poltico e a implantao da ditadura. O AI-5 restringiu drasticamente a cidadania, pois dotou o governo de prerrogativas legais que permitiram a ampliao da represso policial-militar. Suprimidos os direitos polticos, na rea econmica o novo presidente flexibilizou a maioria das medidas impopulares adotadas por seu antecessor. Costa e Silva no conseguiu terminar seu mandato devido a problemas de sade. Afastado da presidncia, os militares das trs armas formaram uma junta governativa de emergncia, composta pelos trs ministros militares: almirante Augusto Rademaker, da Marinha; general Lira Tavares, do Exrcito; e brigadeiro Sousa e Melo, da Aeronutica.

Ao trmino do governo emergencial, que durou de agosto a outubro de 1969, o general Mdici foi escolhido pela Junta Militar para assumir a presidncia da Repblica.

Governo Mdici (novembro de 1969 a maro de 1974): O general Emlio Garrastazu Mdici disps de um amplo aparato de represso policialmilitar e de inmeras leis de exceo, sendo que a mais rigorosa era o AI-5. Por esse motivo, seu mandato presidencial ficou marcado como o mais repressivo do perodo da ditadura. Exlios, prises, torturas e desaparecimentos de cidados fizeram parte do cotidiano de violncia repressiva imposta sociedade. Siglas como Dops (Departamento de Ordem Poltica e Social) e Doi-Codi (Destacamento de Operaes e Informaes-Centro de Operaes de Defesa Interna) ficaram conhecidas pela brutal represso policial-militar. Com a censura, todas as formas de manifestaes artsticas e culturais sofreram restries. No final do governo Mdici, as organizaes de luta armada foram dizimadas. Na rea econmica, o governo colheu os frutos do chamado "milagre econmico", que representou a fase urea de desenvolvimento do pas, obtido por meio da captao de enormes recursos e de financiamentos externos. Todos esses recursos foram investidos em infra-estrutura: estradas, portos, hidreltricas, rodovias e ferrovias expandiram-se e serviram como base de sustentao do vigoroso crescimento econmico. O PIB (Produto Interno Bruto) chegou a crescer 12% ao ano e milhes de empregos foram gerados. A curto e mdio prazo, esse modelo de desenvolvimento beneficiou a economia, mas a longo prazo o pas acumulou uma dvida externa cujo pagamento (somente dos juros) bloqueou a capacidade de investimento do Estado. A estabilidade poltica e econmica obtida no governo Mdici permitiu que o prprio presidente escolhesse seu sucessor: o general Ernesto Geisel foi designado para ocupar a Presidncia da Repblica.

Governo Geisel (maro de 1974 a maro de 1979): O governo do general Ernesto Geisel coincidiu com o fim do milagre econmico. O aumento vertiginoso dos preos do petrleo, principal fonte energtica do pas, a recesso da economia mundial e a escassez de investimentos estrangeiros interferiram negativamente na economia interna. Na rea poltica, Geisel previu dificuldades crescentes e custos polticos altssimos para a corporao militar e para o pas, caso os militares permanecessem no poder indefinidamente. Ademais, o MDB conseguiu expressiva vitria nas eleies gerais de novembro de 1974, conquistando 59% dos votos para o Senado, 48% da Cmara dos

Deputados e as prefeituras da maioria das grandes cidades. Por essa razo, o presidente iniciou o processo de distenso lenta e gradual em direo abertura e redemocratizao. No obstante, militares radicais (denominados pelos historiadores como a "linha dura"), que controlavam o sistema repressivo, ofereceram resistncia poltica de liberalizao. A ao desses militares gerou graves crises institucionais e tentativas de deposio do presidente. Os casos mais notrios de tentativas de desestabilizar o governo ocorreram em So Paulo, quando morreram, sob tortura, o jornalista Vladimir Herzog e o operrio Manoel Fiel Filho. O conflito interno nas Foras Armadas, decorrente de divergncias com relao conduo do Estado brasileiro, esteve presente desde a tomada do poder pelos militares at o fim da ditadura. No entanto, Geisel conseguiu superar todas as tentativas de desestabilizao do seu governo. O golpe final contra os militares radicais foi dado com a exonerao do ministro do Exrcito, general Slvio Frota. Ao trmino do mandato de Geisel, a sociedade brasileira tinha sofrido muitas transformaes. A represso havia diminudo significativamente; as oposies polticas, o movimento estudantil e os movimentos sociais comearam a se reorganizar. Em 1978, o presidente revogou o AI-5 e restaurou o habeas corpus. Geisel conseguiu impor a candidatura do general Joo Batista Figueiredo para a sucesso presidencial.

Governo Figueiredo (maro de 1979 a maro de 1985): Joo Baptista de Oliveira Figueiredo foi o ltimo general presidente, encerrando o perodo da ditadura militar, que durou mais de duas dcadas. Figueiredo acelerou o processo de liberalizao poltica e o grande marco foi a aprovao da Lei de Anistia, que permitiu o retorno ao pas de milhares de exilados polticos e concedeu perdo para aqueles que cometeram crimes polticos. A anistia foi mtua, ou seja, a lei tambm livrou da justia os militares envolvidos em aes repressivas que provocaram torturas, mortes e o desaparecimento de cidados. O pluripartidarismo foi restabelecido. A Arena muda a sua denominao e passa a ser PDS; o MDB passa a ser PMDB. Surgem outros partidos, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrtico Trabalhista (PDT). O governo tambm enfrentou a resistncia de militares radicais, que no aceitavam o fim da ditadura. Essa resistncia tomou a forma de atos terroristas. Cartas-bombas eram deixadas em bancas de jornal, editoras e entidades da sociedade civil (Igreja

Catlica, Ordem dos Advogados do Brasil, Associao Brasileira de Imprensa, entre outras). O caso mais grave e de maior repercusso ocorreu em abril de 1981, quando uma bomba explodiu durante um show no centro de convenes do Rio Centro. O governo, porm, no investigou devidamente o episdio. Na rea econmica, a atuao do governo foi medocre, os ndices de inflao e a recesso aumentaram drasticamente. No ltimo ano do governo Figueiredo surgiu o movimento das Diretas J, que mobilizou toda a populao em defesa de eleies diretas para a escolha do prximo presidente da Repblica. O governo, porm, resistiu e conseguiu barrar a Lei Dante de Oliveira. Desse modo, o sucessor de Figueiredo foi escolhido indiretamente pelo Colgio Eleitoral, formado pela Cmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Em 15 de janeiro de 1985, o Colgio Eleitoral escolheu o deputado Tancredo Neves como novo presidente da Repblica. Tancredo derrotou o deputado Paulo Maluf. Tancredo Neves, no entanto, adoeceu e morreu. Em seu lugar, assumiu o vice-presidente, Jos Sarney.

Link: http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/historia-regime-militar.jhtm

Saiba o que foi e quanto durou a ditadura militar no Brasil

Perodo foi marcado por protestos e pela perseguio poltica contra quem se opunha ao regimeDo R7

Texto:

A ditadura militar no Brasil teve incio no dia 1 de abril de 1964 depois de um golpe das Foras Armadas contra o ento presidente do pas, Joo Goulart. Na poca, os militares chamaram o golpe de revoluo e o justificou afirmando que Goulart estava transformando o Brasil em um pas comunista, principalente porque ele prometia implantar um conjunto de mudanas que inclua a reforma agrria. Depois de entregar um manifesto exigindo a renncia de Goulart, as tropas militares ocuparam partidos polticos, sindicatos e quem mais apoiasse as reformas. A sede da UNE (Unio Nacional dos Estudantes) foi incendiada. Sem poder de reao, o presidente se refugiou em Porto Alegre, sua terra natal, onde ficou at o dia 2 de abril. Ele ento se exilou no Uruguai e morreu na Argentina em 1976.

Arquivo Nacional/1979

Pichao no centro do Rio de Janeiro durante a ditadura militar; perodo foi marcado pela represso poltica e pelos protestos contra o regime

Os militares criaram uma junta militar, que assumiu o controle at o dia 15 de abril, quando o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco assumiu a Presidncia aps eleio no Congresso realizada quatro dias antes. Ao contrrio das ditaduras tradicionais, a brasileira no contou com um nico presidente com mandato por tempo indeterminado. Ao todo, foram cinco presidentes militares eleitos indiretamente entre 1964 e 1985. Foram eles: Humberto de Alencar Castello Branco (1964 - 1967), Arthur da Costa e Silva (1967 - 1969), Emlio Garrastazu Mdici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974 - 1979) e Joo Baptista de Oliveira Figueiredo (1979 - 1985). Assim que o novo governo se estabilizou, os militares comearam a emitir os chamados AIs (Atos Instuticionais), medidas que tentavam legitimar o golpe. Os 17 atos diminuram as liberdades da populao, levando o pas ditadura. A violncia e a diminuio dos direitos dos cidados aumentaram com a implantao do AI-5 no governo do presidente Costa e Silva, em dezembro de 1968. Por meio dele, foram cancelados os artigos da Constituio que poderiam beneficiar a oposio. Com essa medida, ficou mais fcil para os militares cassar direitos polticos, censurar a imprensa e restringir a defesa de acusados, por exemplo. Em novembro de 1965, a ditadura cassou os partidos polticos e implantou o sistema bipartidrio: enquanto a Arena (maioria no Congresso) apoiava o governo, o MDB (atual PMDB) fazia oposio a ele. Na maior parte do tempo, o Congresso permaneceu aberto, mas o novo regime tirou sua autonomia. Quando algum parlamentar denunciava o governo, ele era cassado. Em 1966, no entanto, a ditadura fechou o Congresso. O presidente Castelo Branco s o reabriu depois que alguns parlamentares oposicionistas foram presos ou cassados. A reabertura do Parlamento chegou com uma nova Constituio, aprovada em janeiro de 1967 sem uma Assemblia Constituinte. Desde o incio da ditadura, houve muitos protestos contra ela. Graas sua forte atuao, os estudantes e trabalhadores foram os principais alvos do regime. Em outubro de 1964, a Une e todas as entidades estudantis foram extintas. No ano seguinte, os universitrios da UnB (Universidade de Braslia) foram considerados subversivos pela ditadura, que fechou o local aps a invaso da polcia.

Em maro de 1968, uma manifestao contra a m qualidade do ensino foi reprimida com a morte de Edson Lus de Lima Souto, de 18 anos, no restaurante estudantil Calabouo, no Rio de Janeiro. A reao levou estudantes e setores da Igreja Catlica e da sociedade civil a realizar uma das principais manifestaes contra a ditadura, a passeata dos cem mil. Foi tambm naquele ano que aconteceu a primeira greve de trabalhadores, em Osasco. Mas foram os operrios do ABC Paulista, na Grande So Paulo, que deram mais trabalho. Para tentar conter os protestos, os militares intervieram em sindicatos e afastaram seus lderes. A partir de ento, os nomes dos dirigentes sindicais precisavam ser aprovados pelo Ministrio do Trabalho. Um dos protestos mais agressivos aconteceu no dia 4 de setembro de 1969, quando um grupo conhecido como MR-8 sequestrou o embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, libertado trs dias depois em troca de 15 presos polticos. Os envolvidos no caso foram exilados no Mxico. Apesar dos protestos, a ditadura gozou de popularidade, especialmente porque a economia do pas cresceu muito entre 1963 e 1973, dcada conhecida como "milagre econmico": foi o auge da ditadura. A partir de 1974 - ltimo ano de mandato do presidente Mdici - , esse crescimento comeou a diminuir porque a inflao aumentava junto com a dvida externa. Em 1979, o fim do "milagre" j era sentido pela populao, que aumentou os protestos. Foi principalmente nesse perodo que as greves dos metalrgicos do ABC - comandados pelo ento sindicalista Luiz Incio Lula da Silva - aprofundaram a crise da ditadura. A soluo encontrada pelo ento presidente Ernesto Geisel foi abrandar a represso. A ditadura deu incio a uma transio gradual para a democracia. O presidente Joo Figueiredo acabou com o bipartidarismo, aprovou eleies diretas para governador em 1982 e anistiou militares e opositores. Apesar das concesses, a populao iniciou, em 1984, um movimento - liderado por Ulysses Guimares - que ficou conhecido como "Diretas J", que pedia eleies presidenciais diretas no Brasil. Uma emenda constitucional pedindo essas eleies foi rejeitada, mas, no ano seguinte, Tancredo Neves - outro lder do movimento - foi eleito indiretamente presidente civil do pas, o primeiro desde Goulart. Tancredo acabou adoecendo e foi internado no dia 14 de maro de 1985, um dia antes da posse. Quem assumiu foi o vice, o tambm civil Jos Sarney. Apesar das expectativas, Tancredo jamais foi empossado porque morreu no dia 21 de abril daquele ano. Em maio, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que permitia a eleio direta para presidente em dois turnos. Em novembro, o parlamento aprovou outra emenda, a que convocava a Assemblia Nacional Constituinte. A ditadura militar j fazia parte da histria do Brasil.

Link:

http://noticias.r7.com/brasil/noticias/saiba-o-que-foi-e-quanto-duroua-ditadura-militar-no-brasil-20090927.html

Quais foram as torturas utilizadas na poca da ditadura militar no Brasil?

por Roberto Navaro

Uma pesquisa coordenada pela Igreja Catlica com documentos produzidos pelos prprios militares identificou mais de cem torturas usadas nos "anos de chumbo" (1964-1985). Esse ba de crueldades, que inclua choques eltricos, afogamentos e muita pancadaria, foi aberto de vez em 1968, o incio do perodo mais duro do regime militar. A partir dessa poca, a tortura passou a ser amplamente empregada, especialmente para obter informaes de pessoas envolvidas com a luta armada. Contando com a "assessoria tcnica" de militares americanos que ensinavam a torturar, grupos policiais e militares comeavam a agredir no momento da priso, invadindo casas ou locais de trabalho. A coisa piorava nas delegacias de polcia e em quartis, onde muitas vezes havia salas de interrogatrio revestidas com material isolante para evitar que os gritos dos presos fossem ouvidos. "Os relatos indicam que os suplcios eram duradouros. Prolongavam-se por horas, eram praticados por diversas pessoas e se repetiam por dias", afirma a juza Kenarik Boujikain Felippe, da Associao Juzes para a Democracia, em So Paulo. O pau comeu solto at 1974, quando o presidente Ernesto Geisel tomou medidas para diminuir a tortura, afastando vrios militares da "linha dura" do Exrcito. Durante o governo militar, mais de 280 pessoas foram mortas - muitas sob tortura. Mais de cem desapareceram, segundo nmeros reconhecidos oficialmente. Mas ningum acusado de torturar presos polticos durante a ditadura militar chegou a ser punido. Em 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia, que determinou que todos os envolvidos em crimes polticos incluindo os torturadores - fossem perdoados pela Justia. :-(

Link:http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quais-foram-

as-torturas-utilizadas-na-epoca-da-ditadura-militar-no-brasil

A Ditadura MilitarEste tempo de divisas, tempo de gente cortada... tempo de meio silncio, de boca gelada e murmrio, palavra indireta, aviso na esquina. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Dormia A nossa Ptria me to distrada Sem perceber que era subtrada Em tenebrosas transaes. CHICO BUARQUE DE HOLLANDA

Recife, 1964. Beira da praia, brisa da noite, manses dos usineiros. As garrafas de champanha so abertas. Festa. Pessoas bonitas, perfume, olhares de fmeas, dentes brancos de alegria. As risadas unem o gozo ao deboche. Vida longa para o novo governo! Que nunca mais se falem em greves nem nessa maldita terra para os camponeses! Morte aos inimigos da propriedade! Um pouco longe dali, noite negra e silncio. De repente, chegam os soldados. Vasculham os casebres. Procuram os inimigos da ptria. As pessoas simples tm medo. Precisam dormir cedo porque amanh tm de ir para roa cortar cana. Mas o olho continua aberto. S a boca que permanece fechada. No quartel, homens armados de fuzil automtico arrastam o ancio. Espancado em praa pblica. Maxilar quebrado por uma coronhada de rifle. Chutaram-lhe tanto os testculos, que arrebentou a bexiga. Vai urinar sangue por quase um ms, O velho ferido est algemado. Ao seu redor, caminhes do Exrcito, berros de oficiais, rdio, holofotes, metralhadoras, Por que tanto aparato? Por que tantos homens, tantas armas, tanta fora bruta? Por que o velhinho to perigoso? Gregrio Bezerra nasceu no serto. Criancinha, viveu a fome e a prepotncia dos latifundirios. Foi quase um escravo. Brinquedo de menino era enxada e foice, sonho de um dia comer carne-seca. Nunca viu escola. S aprendeu a ler e escrever com 24 anos, quando servia o Exrcito - e nunca mais deixaria o orgulho de ter sido militar. Pouca instruo, mas o conhecimento da vida e a argcia do homem do povo. Um dia, entrou em contato com aquela gente estranha. Falavam coisas que ele nunca tinha ouvido mas que, extraordinariamente, parecia j saber. Alguns eram at doutores, mas o tratavam como

igual. Muitos dos estranhos eram como Gregrio, como Severino, como Jos, como tantos outros: mos de calo, cara rasgada de sol, trabalho e sofrimento. Ouviu, refletiu e juntou-se a eles. Voltava ao canavial, onde o homem perde a perna, ou o juzo, pela picada de cobra, o golpe errado do faco, o jeito doido de o capataz falar. Mas agora, era ele que tinha o que dizer para contar para os seus irmos de labuta. Nos campos, nos mocambos miserveis, nas portas das usinas e das fbricas, Gregrio seria a voz da conscincia dos que ainda no tinham conscincia, a posse dos que nada possuam. Ele era o homem do povo que descobre sua fora e, finalmente, se levanta. Em vez de lamentar suas misrias, ergue-se para combat-las. Sabia falar a lngua dos humildes e fazer as perguntas decisivas; a quem pertence? A quem dado? O que se deve transformar? Os homens mais poderosos de Pernambuco o temiam. Gregrio Bezerra, velho quase analfabeto, ferido e enjaulado em 1964. Lder campons, ex-deputado federal, inimigo do latifndio. E se um dia todos aqueles homens e mulheres com as mos grossas e rosto queimado se transformassem em milhes de Gregrios? Era preciso evitar a qualquer custo. Por isso, Gregrio Bezerra tinha sido preso. Naquele momento, os grandes senhores da terra comemoravam sua vitria. O reveillon de 1964 acontecia em 31 de maro.

Governo Castello Branco (1964 1967)Bem que Leonel Brizola props ao presidente Jango resistir ao golpe de 1964 com armas na mo, a partir do Rio Grande do Sul. Mas o presidente, muito deprimido, no queria derramamento de sangue. Como milhares de brasileiros, os dois tambm se exilaram no estrangeiro. Enquanto isso, no Rio de Janeiro - Copacabana e Ipanema -, a classe mdia se confraternizava com a burguesia. Chuva de papel picado, toalhas nas janelas, buzinao, banda e chope. Abraos, choro de alegria, alvio pelo fim da desordem. O Brasil estava salvo do

comunismo! Os crioulos no invadiriam mais as casas das pessoas de bem! As empregadinhas voltariam a ficar de cabea baixa! Mas nos subrbios o medo substitua o chope. Ali, a revoluo iria procurar os "inimigos do Brasil". E quem seriam esses monstros? Pessoas simples, enrugadas pelo trabalho duro, mas que tinham ousado no se curvar; operrios, camponeses, sindicalistas. Nenhum banqueiro, nenhum megaempresrio, nenhum tubaro foi sequer chamado para depor numa delegacia, Eram todos homens de bem, pessoas que amavam o prximo... principalmente se o prximo fosse um bom parceiro de negcios. Os soldados armados de fuzis prendiam milhares de pessoas: dirigentes populares, intelectuais, polticos democratas. A UNE foi proibida e seu prdio, incendiado. A CGT, fechada. Sindicatos invadidos bala. Nas escolas e universidades, professores e alunos progressistas expulsos. Os jornais foram ocupados por censores e muitos jornalistas postos na cadeia. A ordem era calar a boca de qualquer oposio. Os polticos que no concordaram com o golpe, geralmente do PTB, tiveram seus mandatos cassados. Ou seja, perderam seus direitos polticos por dez anos. O primeiro cassado, inimigo nmero um do regime, foi Lus Carlos Prestes. O segundo foi o ex-presidente Joo Goulart. Depois, veio uma lista de milhares de pessoas que foram demitidas de empregos pblicos, presas, perseguidas, arruinadas em sua vida particular. Juscelino e Jnio tambm perderam seus direitos, para que no tentassem nenhuma aventura engraadinha na poltica. S a UDN no teve punidos: coincidncia, no? Os comunistas, claro, eram perseguidos como ratos. Muitos foram presos e espancados com brutalidade. O pior que o xingamento de comunista servia para qualquer um que no concordasse com o regime. Seria o suficiente para ser instalado numa cela, Fariam a reforma agrria num cubculo 2 X 2 e socializariam a propriedade do buraco no cho que servia de privada. Para espionar a vida de todos os cidados, foi criado em 1964 o SNI (Servio Nacional de Informaes). Havia agentes secretos do SNI em quase todos os cantos: escolas, redaes de jornais, sindicatos, universidades, estaes de televiso. Microfones, filmes, ouvidos aguados. Bastava o agente do SNI apontar um suspeito para

ele ser preso. Imagine o clima numa sala de aula, por exemplo. Eu mesmo perguntei, certa vez, a um professor de histria, o que ele achava de algo que os militares haviam decretado. Ele, apavorado, respondeu algo como: No acho nada! Eu tinha um amigo que achava muito e hoje ningum acha ele! Eram muitos os desaparecidos naqueles tempos... O professore correndo o risco de ser detido caso fizesse uma crtica ao governo. Os alunos, falando baixinho, desconfiando de cada pessoa nova, apavorados com os dedos-duros. A ditadura comprometia at as novas amizades! O pior que o SNI cresceu tanto que quase acabou tendo vida prpria, independente do general-presidente, a quem estava ligado. Seu criador, o general Golbery do Couto e Silva, no final da vida, diria amargurado: Criei um monstro. O novo governo passou a governar por decreto, o chamado AI (Ato Institucional) O presidente baixava o AI sem consultar ningum e todos tinham de obedecer. O AI-1 determinava que a eleio para presidente da Repblica seria indireta. Ou seja, com O Congresso Nacional j sem os deputados e senadores incmodos, devidamente cassados, e um nico candidato. Adivinha quem ganhou? Pois , em 15 de abril de 1964 era anunciado o primeiro general-presidente, que iria nos governar o Brasil segundo interesses do grande capital estrangeiro nos prximos anos: Humberto de Alencar Castello Branco. Castello tinha sido um dos figures da Sorbonne, ou seja, dos intelectuais da ESG. A maioria de seus ministros tambm era oriunda da ESG, a Escola Superior de Guerra, rplica nacional do War College norte-americano. Tranqilos com a vitria, os generais nem se importaram com as eleies diretas para governador em 1965. Esperavam que o povo brasileiro em massa votasse nos candidatos do regime. Estavam errados. Na Guanabara e em Minas Gerais venceram polticos ligados ao ex-presidente Juscelino Kubitschek. (Em So Paulo no houve eleies. Seriam depois.) Mostra clara de que alguns meses depois do golpe ainda tinha muita gente que no apoiava o regime. Pois bem, os militares reagiram. Vinte e poucos dias depois das eleies desastrosas, foi baixado o AI-2, que acabava em definitivo com as eleies diretas para presidente da Repblica. Agora, o presidente seria eleito indiretamente, ou seja, s votariam os deputados e senadores. Voto nominal e declarado, ou seja, o deputado era chamado l na frente para dizer, no microfone, se votava ou no no candidato do regime. Quantos teriam coragem de dizer, na cara dos ditadores, que no aprovavam aquela palhaada? Muito poucos, inclusive porque os mais ousados eram sumariamente cassados.

O AI-2 tambm acabou com os partidos polticos tradicionais. O PSD, o PTB, a UDN, tudo isso foi proibido de funcionar. Agora, s poderiam existir dois partidos polticos: a Arena e o MDB. A Arena (Aliana Renovadora Nacional) era o partido do governo. Estavam ali todos os polticos de direita que apoiavam descaradamente a ditadura. De onde vinham? Basicamente, da UDN. Mas tambm um bando de gente do PSD, do PSP de Adhemar de Barros e, por incrvel que parea, muitos da velha guarda integralista. Apoiavam o regime militar em tudo que ele fazia. O MDB (Movimento Democrtico Brasileiro) era o partido da oposio consentida. A ditadura, querendo uma imagem de democrtica, permitia a existncia de um partido levemente contrrio. Contanto que ningum fizesse uma oposio muito forte. O MDB era formado pelos que sobraram das cassaes, um pessoal do PTB, alguns do PSD. No comeo, a oposio era muito tmida. Nos anos 70, porm o MDB conseguia votaes cada vez maiores para deputados e senadores. Ento seus polticos - muitos eram novos valores surgidos na dcada - comearam a fazer uma oposio importante ao regime, capitaneados pela figura do deputado paulista Ulisses Guimares (1916-1992) . Naqueles tempos, brincando que se diz a verdade, comentvamos que o MDB era o Partido do Sim e a ARENA era o Partido do Sim Senhor! O AI-3, do comeo de 1966, determinava que as eleies para governador tambm seriam indiretas. Os nicos com direito a voto eram os deputados estaduais, que tinham de ir l na frente e declarar para todo mundo em quem votavam. Mais intimidao seria impossvel, no mesmo? O circo estava todo armado para que a ARENA governasse todos os setores da vida nacional.

A Constituio de 1967No Brasil, os homens da ditadura faziam questo de criar uma imagem de que o pas era um regime democrtico. Alegavam que existia partido de oposio e eleies para deputado e senador. V l, mas acontece que os polticos mais crticos estavam cassados e o MDB, sob vigilncia. Alm disso, o Congresso Nacional ficou com os poderes muito cerceados. Um deputado podia fazer pouca coisa alm de elogiar as praias douradas do Brasil. No fundo, quem mandava

mesmo era o general-presidente e pronto. Dentro dessa preocupao de manter a aparncia (s a aparncia) de democrtico, o regime promulgou a Constituio de 1967, que vigorou at 1988, quando finalmente foi aprovada a Constituio atual. Promulgar no bem a palavra. Porque no existiu sequer uma Assemblia Constituinte. Os militares fizeram um rascunho do texto constitucional e enviaram para o Congresso aprovar. Congresso mutilado pelas cessaes, nunca devemos esquecer. O trabalho era pouco mais do que aplaudir. Trabalhos regulados por um relgio que tocava corneta. Deputados obedientes como soldados em marcha. Para comear, eleies indiretas para presidente da Repblica e governadores de Estado, Os prefeitos de capital e cidades consideradas de segurana nacional (como Santos, em So Paulo, o maior porto do pas, ou Volta Redonda, no Rio de Janeiro, por causa da gigantesca Companhia Siderrgica Nacional) seriam nomeados pelo governador. Em outras palavras, a Arena governaria o pas pela fora da lei (e das armas, claro). A Constituio de 1967 aumentava as atribuies do Executivo e a centralizao do poder. por isso que havia Congresso aberto. Pela Constituio, os deputados e senadores no podiam fazer quase nada, a no ser discursos. Veja bem: a lei no permitia nem mesmo que o Congresso pudesse controlar as despesas do Executivo. No pas inteiro, governadores e prefeitos tambm podiam gastar vontade no que quisessem - estradas para valorizar latifndios, estdios de futebol para enriquecer empreiteiras, teatros para a elite se divertir, prdios pblicos enormes para os figures ficarem sem fazer nada no ar condicionado. Os deputados estaduais e vereadores no tinham poderes para impedir esses gastos. Os governadores perderam a autonomia para gastar. Para qualquer obra importante, tinham de pedir dinheiro ao governo federal, ou seja, ao general-presidente. O mesmo valia para os prefeitos. Por exemplo, vamos imaginar que na cidade X, o Fulano do MDB fosse eleito prefeito. A maior parte do dinheiro dos impostos ficava com o governo federal, em Braslia. O prefeito Fulano quer fazer uma escola municipal para X. No tem dinheiro. Tem de pedir para o governador, que da Arena e, certamente, recebe ordens de Braslia para no dar nada. Agora, se o prefeito fosse da Arena, as coisas mudavam de figura. Principalmente porque o prefeito se lembraria de apoiar a eleio de deputados e senadores da Arena. Esqueminha montado e quase sem furos. D para entender por que o regime militar no teve medo de manter eleies para o Congresso e permitir a existncia do

MDB? Era como um jogo de futebol faclimo de ganhar, porque o juiz roubava escancarado para o lado de quem j estava no poder... O pior de tudo que o regime iria fechar mais ainda. O ltimo ato do governo de Castello foi a LSN (Lei de Segurana Nacional). Reprimir passava a ser sinnimo de defender a ptria.

A Economia no Governo Castello BrancoA primeira atitude do novo governo foi anular as reformas de base. Criaram um Estatuto da Terra, que previa uma tmida reforma agrria. Claro que jamais sairia do papel dos burocratas. O latifndio estava livre para engolir os camponeses. A lei de 1962, que controlava remessas de lucros para o estrangeiro, foi anulada. As multinacionais foram ofertadas com todas as facilidades. Os mestres do PAEG (Plano de Ao Econmica do Governo) foram os ministros Otvio Gouveia de Bulhes (Fazenda) e Roberto Campos (Planejamento). Para diminuir a inflao, eles aplicaram receitas econmicas monetaristas. Trataram de tirar o dinheiro de circulao. Para comear, cortaram os gastos pblicos, ou seja, o governo investiria menos em hospitais e escolas j se preparava a introduo do ensino pago nas universidades pblicas e comeava-se com a poltica de esvaziamento na qualidade do ensino pblico gratuito de boa qualidade, valorizando mais as instituies privadas. At antes da Ditadura Militar, estudar em colgios particulares era amesquinhante demonstrao de incompetncia para acompanhar o elevadssimo nvel que ento o ensino pblico mantinha... Em 1964, tinha sido fundado o Banco Central para controlar todas as operaes financeiras do pas. Tambm foi criada uma nova moeda, o cruzeironovo. Os salrios foram considerados os grandes responsveis pela crise econmica do pas. Claro, os operrios deviam estar ganhando fortunas e o pas no poderia suportar um soldador ou torneiro mecnico passando frias na Cote dAzur, fazendo compras na Avenue Montaigne, em Paris. Assim, os aumentos salariais passaram

a ser sempre menores do que a inflao. A idia era fazer com que o aumento de preos, por causa do crescimento dos salrios, fosse cada vez menor. Acompanhe o raciocnio dos caras. Por exemplo, se a inflao fosse de 30% naquele ano, a lei obrigava o patro a conceder um aumento abaixo daquela inflao, de s, digamos, 20%. Claro que esse patro iria compensar o prejuzo de ter de pagar mais salrios aumentando os preos de seus produtos e servios. (Por isso mesmo, diziam, existia a inflao!) Mas, em quanto? Se o salrio aumentava em 20%, o patro poderia aumentar os preos em, digamos, 21%: teria at um pouquinho mais de lucro do que antes. Mas o aumento geral dos preos (por causa do salrio maior em 20%, todos os empresrios reagiriam aumentando os preos em 20% e quebrados) seria perto dos vinte e pouco por cento, e no mais os 30% anteriores, No ano seguinte, com inflao de, suponhamos, uns 22%, o patro poderia dar um aumento de salrio de s uns 10%. A os preos, para compensar esse aumento salarial, subiriam uns 12%, por exemplo. E assim, num passe de mgica, a inflao teria cado de 30% para 12% ao ano. Claro que tudo isso est simplificado, mas a idia bsica era essa mesma. Agora, no sei se voc se tocou: por essa receita, os salrios eram comidos pela inflao. Em outras palavras, a ditadura militar reduziu a inflao arrochando os salrios dos trabalhadores. Um dos recursos para diminuir salrios foi a extino da estabilidade. Pela lei antiga, depois de dez anos numa empresa, era quase impossvel despedir um empregado. Isso acabou. No lugar, foi criado o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Servio), em 1966, que ainda existe mas, com os ventos ainda mais conservadores que andam soprando neste pas, tem havido uma tendncia a propor a suspenso at deste direito para os trabalhadores. Funciona assim: a cada ms, o patro deposita nos bancos uma parte do salrio do empregado, formando uma espcie de caderneta de poupana (outra inveno do regime militar) chamada de FGTS, Acontece que o FGTS s pode ser sacado em momentos especiais, como na compra de uma casa prpria ou, caso mais comum, quando o empregado despedido. Essa lei facilitou a vida dos empresrios. Agora, despedir era tranqilo. Os empregados, sabendo que podiam perder o emprego a qualquer momento, eram obrigados a aceitar salrios mixurucas. Grandes empresas (como as automobilsticas) chegaram a ser acusadas de ter uma armao para, de vez em quando, despedir alguns operrios (logo absorvidos por outra fbrica, tudo combinado

secretamente). A rotatividade da mo-de-obra (rodando de emprego em emprego) seria um excelente mecanismo para baixar salrios. Em princpio, o dinheiro do FGTS serviria para que o recmcriado BNH (Banco Nacional da Habitao) financiasse casas populares. Na prtica, o que aconteceu foi que o BNH acabou financiando a construo de condomnios de luxo para milionrios. Ou seja, o pobrezinho pagando, indiretamente, a manso do ricao. No devemos esquecer que as greves estavam totalmente proibidas. O peo tinha de engolir quieto a pancada salarial, seno haveria outra paulada mais dolorosa ainda. Para que os emprstimos do governo federal e os impostos devidos a ele fossem pagos decentemente, criou-se a correo monetria. Antes, o sujeito podia esperar um ano para pagar impostos porque ento ele pagaria uma quantia desvalorizada pela inflao. Agora, a correo monetria simplesmente aumentava o valor da dvida no mesmo percentual da inflao. Como o governo no queria emitir papel-moeda (estava combatendo a inflao), obviamente os empresrios sofreram restries ao crdito. Juros altos, dificuldade de obter emprstimos, poucos investimentos. A economia crescia pouco. Os ministros sabiam que estavam provocando esta recesso. Achavam que era um dos remdios para baixar a inflao. Realmente, as compras diminuram. Reduzida a demanda (procura), caram os preos: outro fator deflacionrio. Para agilizar o crescimento da economia, Roberto Campos e Otvio Gouveia de Bulhes, os ministros-gurus do PAEG, criaram muitas facilidades para o investimento estrangeiro. Tinham-se ido os tempos do nacionalismo trabalhista. Bem, e o PAEG deu certo? Para o que ele se propunha, sim, foi bem-sucedido. A inflao caiu. O preo social disso que representa problema. Os economistas iluminados da poca falavam pudicamente no lado perverso das medidas econmicas. Por que a economia voltou a se recuperar? H vrias explicaes. Para comear, os investidores estrangeiros ficaram mais tranqilos: no havia mais ameaa de nacionalismo, nem de greves e muito menos de socialismo. Alm disso, o novo governo tinha eliminado as restries ao capital estrangeiro. Assim, as multinacionais comearam a investir em peso na construo de novas

fbricas. O FMI, feliz com o Brasil militar, tambm emprestou dinheiro, E ns vimos que ajuda do FMI era uma espcie de garantia para que outros banqueiros confiassem no pas. Uma das causas mais importantes da inflao o descontrole da economia: cada empresrio tenta lucrar na marra, simplesmente aumentando os preos. Vira uma corrida histrica de preos e salrios aumentando sem parar. Para reverter o quadro, deveria haver um acordo nacional dos empresrios entre si e dos empresrios com os trabalhadores. Mas Jango, no seu tempo, encontrara dificuldade em montar o acordo. Ocorria o oposto: as lutas de classes se tornavam mais agudas. Obviamente, a ditadura no resolveu as coisas por consenso, promovendo um plano com que toda a sociedade concordasse. As coisas foram impostas na marra. Na marra principalmente sobre os trabalhadores. Ou seja, o consenso foi obtido na base do Ou voc concorda comigo ou entra na porrada! De qualquer modo, a estabilidade foi conseguida. Quer dizer ento que uma ditadura consegue estabilidade? Essa pergunta necessita de outra: de que tipo de estabilidade estamos falando? Quando examinamos as estatsticas econmicas percebemos que a estabilidade teve um preo: o aumento de explorao da fora de trabalho.

Costa e Silva (1967 1969)Os militares tinham indicado e o Congresso balanou a cabea: o novo general-presidente era Arthur da Costa e Silva. S a Arena tinha votado na eleio indireta. Em vez de levantar o brao, batia continncia. O MDB, em protesto (era minoria), havia se retirado do plenrio. Com mos ao alto. Costa e Silva era tido como um homem de hbitos simples. Em vez da companhia dos livros, como gostava o pedante Castello Branco, preferia acompanhar as corridas de cavalos. Pessoalmente, diziam que era gente boa. Mas se Costa e Silva queria tranqilidade, tinha escolhido mal o emprego. Melhor seria dar palpites no jockey.

Depois do impacto de 64, com aquela onda de prises e fechamentos, as oposies ao regime voltaram a se articular. At mesmo Lacerda tinha virado oposio. que ele tivera esperana de se tornar presidente, mas aqueles a quem bajulara lhe viraram as costas. Magoado, procurou unir Juscelino e Jango, exilados, numa Frente Ampla. Pouco resultado daria. Longe do pas, tinham pouca influncia. Apesar do PAEG de Castello diminuir a inflao e retomar o crescimento, a situao da classe operria vinha piorando. Em 1965, os operrios paulistas ganhavam, em mdia, apenas 89% do que recebiam em 1960, em 1969, apenas 68%. Estava ficando feia a coisa. Os anos 60 formaram a grande dcada revolucionria. Os anos da minissaia, dos homens de cabelo comprido, da plula anticoncepcional; da guerra do Vietn, dos hippies, do feminismo; da Revoluo Cultural na China, da Primavera de Praga, dos Beatles, dos Rolling Stones, de Jimi Hendrix e Janis Joplin, do LSD, do psicodelismo, das viagens Lua; de Kennedy, Krutchev e Mao Tsetung; do cinema de Godard, Pasolini e Antonioni; das idias e dos livros de Sartre, Marcuse, Althusser, Hermann Hesse, Erich Fromm e Wilhelm Reich; dos transplantes de corao, dos computadores e do amor livre, de Bob Dylan, Jim Morrison e Martin Luther King; de "Paz e Amor", Woodstock e Che Guevara. Especialmente, 1968. Trabalhadores e estudantes se levantaram no mundo inteiro. Em Paris, cidadela do tranqilo capitalismo desenvolvido, os operrios fizeram greve geral e os estudantes jogavam pedras na polcia. Nos muros da capital francesa, os grafites anunciavam o novo mundo: proibido proibir, A imaginao no poder!, Amor e revoluo andam juntos. Nos EUA, atacava-se o racismo. Tempos de Martin Luther King e de Malcolm X, grandes lderes negros. Os estudantes norte-americanos tambm sonhavam com socialismo e milhares deles protestariam contra o absurdo de a mquina de guerra ianque agredir o povo do Vietn. Na Amrica Latina, sonhava-se com guerrilhas libertadoras. Na TchecoEslovquia, aconteceu a Primavera de Praga: os comunistas, liderados por Dubcek, tentaram construir o socialismo humanista. Na China Popular, o camarada Mao Tsetung estimulava a Revoluo Cultural. A Cuba revolucionria de Fidel Castro e Che Guevara mostrava o caminho para os jovens latino-americanos: guerrilha, revoluo popular, socialismo Hasta la victoria compaeros! (At a vitria companheiros!) No Brasil, a luta era contra uma ditadura militar

e um capitalismo troglodita. Desafiando abertamente o regime, os operrios fizeram greve em Contagem (Minas Gerais). Pouco depois, pararam os metalrgicos de Osasco (So Paulo). O governo militar, atravs da Lei Suplicy, quis impedir que os estudantes se organizassem. O maldito acordo MEC-Usaid previa a colaborao dos tcnicos americanos na reformulao do ensino brasileiro. E o que os ianques propunham? Acabar com as discusses polticas na universidade: estudante deveria apenas ser mo-de-obra qualificada para atender as multinacionais aqui instaladas. Alm disso, o governo queria que o ensino superior fosse pago. Ou seja, faculdade s para minoria de classe mdia alta para cima. Mas a UNE estava l para lutar contra. poca gloriosa do movimento estudantil. Coragem, sonhos libertrios, utopia na alma. A juventude queria o poder no mundo! Os estudantes iam para a rua contra um governo que esculhambava a universidade pblica, contra um regime militar. Apesar de proibidas, suas passeatas nas ruas atraram cada vez mais participantes, de operrios e boys a donas de casa e profissionais liberais. A grande imprensa chamava-os de infantis, toxicmanos, desequilibrados. A polcia atacava. Cassetetes, gs lacrimogneo, caminhes brucutu. Eles respondiam com pedras, bolas de gude (contra a cavalaria da PM), coquetis molotov e idealismo. Os principais lderes estudantis estavam no Rio de Janeiro: Vladimir Palmeira e Lus Travassos.Lista de Livros Indicados - Clique aqui

Voltando no tempo...Imagine que voc, com sua idade atual, acaba de voltar no tempo. Estamos em 1968, no Rio de Janeiro. Em que que voc est pensando? O que que voc faz no dia-a-dia? Imagine que voc de classe mdia e est se preparando para o vestibular. Assustador. A faculdade tem vagas reduzidas. Alis, essa uma das bandeiras do movimento estudantil: alargar o funil que desemboca na universidade. Que curso voc vai seguir? A maioria quer ser engenheiro, mdico, advogado. Mas tem gente que quer conhecer o Brasil para transform-lo: vo estudar sociologia, histria, filosofia e at economia. Um amigo seu diz, brincando, que tem um

professor de sociologia da USP que um dia ainda vai ser presidente da Repblica. Na faculdade, quem no de esquerda est por fora. Claro que h uma povo de gente alienada, que nem d bola para o que acontece no pas. Mas voc e seus amigos so conscientizados. O problema que existe uma floresta de partidos e grupelhos de esquerda: PC do B, AP, Polop, Dissidncia na Guanabara e tantos outros (sigla era um troo importante naquela poca). S no vale o PCB, que no bem visto pela garotada, que o chama de Partido. Parece com um velho sbio que no d mais no couro. Na verdade, o fato de o PCB no aceitar a luta armada contra o regime tira o charme dele. Afinal, todos temos pster de Che Guevara e Ho Chi Minh na parede de casa e gostamos de nos imaginar na selva entre os camponeses, com idias na cabea e um fuzil na mo. As pessoas lem o suficiente para no se sentirem alienadas. Estamos em 1968 e alguns autores so obrigatrios: Leo Huberman, Engels, Lnin, Nlson Werneck Sodr, Caio Prado Jr, Moniz Bandeira e o famoso manual marxista de Politzer. Quem no leu, ouviu falar. O que suficiente para participar de um debate, que o que mais interessa. Para os mais metidos a espertos, cabe citar Marcuse, Althusser, Gramsci e Erich Fromm. No corredor da faculdade, vocs discutem poltica. Baixinho, mas escancarado (at 1968 ainda dava para fazer isso). De um lado, os que acham que primeiro devem organizar os trabalhadores para depois partir para luta armada, do outro, os que acham que a luta armada organizar os trabalhadores. Isso mesmo que voc est lendo: na cabea do pessoal, a revoluo est ali na esquina. s pegar. Hoje tem passeata convocada pela UNE. Na faculdade, pintamos as faixas com os dizeres manjados como Abaixo a ditadura e o provocativo Povo armado derruba a ditadura. Vamos para a passeata? um problema. Sua me tem medo, seu pai (na poca, claro, lembre-se de que estamos em 68) apoiou o golpe. Melhor ir escondido. Se voc mulher pior, porque tudo proibido: freqentar boate, beber, chegar em casa tarde da noite, viajar com o namorado e, bvio, ir passeata. Portanto, mais uma que vai escondida alegando que ia ficar na biblioteca estudando. L est voc com o pessoal, no centro da cidade. Gritando palavras de ordem contra o regime. Dos edifcios, papel picado e

aplausos. O apoio dos escritrios te enche de autoconfiana e voc realmente se sente fazendo algo de importante na histria do Brasil. Na cabea, o grande hino da poca, Pra no dizer que no falei das flores, de Geraldo Vandr: Vem, vamos embora / que esperar no fazer / quem sabe faz a hora / no espera acontecer... De repente, chegam os homens. Marcham juntos, compactos, uma massa sem indivduos. a polcia. Escudo, cassetete de madeira, capacete protegendo o miolo mole. Corre que eles esto vindo! D tempo de pixar o muro com o spray Abaixo a represso! Sai fora. O cheiro de gs lacrimogneo incomoda. Hora de botar a pastilha de Cebion debaixo da lngua, leno molhado no nariz. O pau cantou! Contra a violncia cega, a conscincia estudantil, contra a brutalidade do Estado, pedradas, xingamentos e alma libertria transbordando. No h graa nenhuma. Tem gente que sai com o rosto ensopado de sangue, hematomas pelo corpo, dentes quebrados, Muitos so presos e empurrados para o carro corao de me. Haja claustrofobia. Seguiro para a delegacia, para serem fichados, humilhados e levar uns cascudos. S no final do ano que a polcia comea a atirar para matar. Se voc no apanhou muito nem foi preso, d para chegar num barzinho no comeo da noite, Depois de uns chopes, ou cuba-libre (rum com Coca-Cola), todo mundo ficava animado para contar pela dcima vez suas proezas, sempre um pouquinho exageradas, claro. Voc pode estar interessado(a) numa pessoa, num cara ou numa menina. (Mas no h duplo sentido: o homossexualismo no era tolerado nem pela esquerda. Ser bicha era quase sinnimo de ser contra-revolucionrio. Muitos guerrilheiros machos se remoeriam de culpa pelos annimos desejos inconfessveis. S no final dos anos 70 as mentalidades comearam a mudar.) Pois bem, se voc estivesse a fim de algum, logo trataria de falar alto para aparecer. Essas coisas no mudaram demais desde ento, no mesmo? Um bom caminho era se mostrar intrpido no combate aos policiais e, ao mesmo tempo, estar por dentro das ltimas novidades culturais. No cinema, contavam muito os filmes intelectualizados. O esquema de Hollywood, bajulando atores e espetculos, no estava com nada. Pelo menos nos papos-cabea. O negcio era filme de diretor-autor. Antonioni (Blow-up, 1967, e , Zabriesky Point, 1969), Jean-Luc Godard (A Chinesa, 1967), Pasolini, Bergman, Visconti, Fellini e o nosso Glauber Rocha ( Terra em Transe, 1967, Drago da

Maldade contra o Santo Guerreiro, prmio de Cannes 1969 como melhor diretor), claro que tambm se via muita coisa comercial... A as estrelas eram Marlon Brando, Richard Burton, Marilyn Monroe, Sophia Loren, Jane Fonda, Paul Newman, Marcelo Mastroiani, Alain Delon e, claro, Jane Fonda, que depois de posar nua virou militante contra a Guerra do Vietn. Em literatura, a turma gostava de coisas engajadas como obras de Brecht, Maiakovski, Pablo Neruda, Gorki, Sartre. Mas tambm valia Franz Kafka, o judeu tcheco que escrevia em alemo sobre o absurdo da sociedade burocrtica. O americano Henry Miller descrevia o sexo com uma crueza to violenta que achavam que era arte. Quem j gostava de misticismo lia Hermann Hesse. Claro que ningum era um chato de ir a um bar e ficar conversando sobre coisas intelectuais e polticas o tempo inteiro. Isso s existe em srie da Globo. As pessoas tambm danavam, iam a festas, bebiam alm da conta, namoravam, iam s compras, estudavam para as provas. Toda menina moderninha falava de amor livre. Anticoncepcional era a plula da moda. Entretanto, mesmo entre o pessoal de esquerda, havia muito conservadorismo. A maioria das moas casaria virgem mesmo e, no mximo, permitiriam algumas carcias avanadas. Mulher que transasse com alguns caras era vista como galinha, e certamente ningum iria querer algo mais srio com elas. Como j ensinava Maquiavel no Renascimento italiano, os preconceitos tm mais razes do que os princpios.

O fechamento do regime (mais ainda!)A esquerda voltava a crescer no Brasil. Nas ruas, as passeatas contra o regime militar comeavam a reunir milhares de pessoas em quase todas as capitais. Diante disso, a direita mais selvagem partiu para suas habituais covardias. Alis, covardia era a especialidade da organizao terrorista de direita CCC (Comando de Caa aos Comunistas). O nome j diz tudo. Consideravam que a esquerda era feita por mamferos a serem abatidos. Os trogloditas, ento, atacaram os atores da pea Roda Viva, de Chico Buarque, em So Paulo, Surraram todo mundo, inclusive a atriz Marlia Pra. Depois,

metralharam a casa do arcebispo D. Hlder Cmara, em Recife (alguns membros da Igreja Catlica estavam deixando de bajular o regime). Em So Paulo, os filhinhos-de-papai da Universidade Mackenzie (onde nasceu o CCC) agrediam os estudantes da USP, na rua Maria Antnia, valendo desde pedradas at tiros de revlver. De acordo com o jornalista Zuenir Ventura, o fantico brigadeiro Joo Paulo Burnier elaborou um plano criminoso, o Para-Sar. Uma loucura: os pra-quedistas da aeronutica, secretamente, pegariam os inimigos do regime e jogariam do avio no mar alto, a uns 40 quilmetros da costa. Alm disso, havia o projeto de explodir o gasmetro do Rio de Janeiro, comeo da avenida Brasil, rea industrial e de trnsito engarrafado. Morreriam umas 10 mil pessoas queimadas. Tragdia nacional. Burnier botaria a culpa nos comunistas e, com a populao querendo o linchamento dos responsveis, prenderia os esquerdistas e os executaria sumariamente. Que coisa diablica, no? S no se concretizou graas bravura e ao patriotismo de um militar da aeronutica: o grande brasileiro capito Srgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Srgio Macaco. A operao teve de ser cancelada. Mas o capito Srgio foi afastado da Aeronutica. A greve operria de Contagem terminou com acordo salarial entre patres e empregados: Mas em Osasco a coisa foi diferente. Ela tinha sido bem melhor preparada, inclusive com participao de estudantes esquerdistas na organizao do movimento. O governo ento falou grosso. O sindicato dos metalrgicos foi invadido e o presidente, Jos Ibraim, teve de se esconder da polcia. O exrcito preparou uma operao de guerra e ocupou as instalaes industriais. A partir da, quem fizesse gracinha de greve teria de enfrentar os blindados e fuzis automticos. Ou seja, as greves acabaram. Contra os meninos e meninas do movimento estudantil, foram lanados homens armados at os dentes. Agora passeata comeava a ser dissolvida a bala. No Calabouo, um restaurante carioca freqentado por estudantes, a polcia militar assassinou um rapaz, dson Lus. Nem a missa de stimo dia, na catedral da Candelria, foi respeitada pela polcia, que baixou o sarrafo nas pessoas que saam do templo. Em resposta, a maior passeata j vista na avenida Rio Branco: a clebre Passeata dos Cem Mil (26/6/1968). Era a multido, bonita, vigorosa, olhando para a vida, exigindo a mudana.

Os militares estavam apavorados. At onde aquilo tudo iria levar? Concluram que precisavam endurecer mais ainda o regime. E endureceram. As passeatas de estudantes passaram a ser reprimidas pelas prprias Fonas Armadas e muitos estudantes foram baleados. Agora, em vez do cassetete, vinha o fuzil automtico. O congresso secreto da UNE, em Ibina (SP) foi dissolvido, com 1240 estudantes presos. O pior estava por vir. Faltava s o pretexto. No Congresso Nacional, o jovem deputado Mrcio Moreira Alves, do MDB, fez um discurso em que recomendava que as mulheres no namorassem os militares envolvidos com as violncias do regime. O que seria do pas, se os oficiais no namorassem? Ficariam com o fuzil na mo? Os generais exigiram sua punio, mas o Congresso no permitiu. Foi, ento, que saiu o Ato Institucional n 5, o AI-5, numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. Claro que o caso do deputado era s desculpa. Tratava-se, na verdade, de aumentar a represso e silenciar os opositores. O AI-5 foi o principal instrumento de arbtrio da ditadura militar. Com ele, o general-presidente poderia, sem dar satisfaes a ningum, fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos. de parlamentares (isto , excluir o poltico do cargo que ocupava, fosse senador, governador, deputado etc.), demitir juzes, suspender garantias do Poder Judicirio, legislar por decretos, decretar estado de stio, enfim, ter poderes to vastos como os dos tiranos. Tem gente que chega a falar do golpe dentro do golpe. Se a ditadura j era ruim, agora ela piorava.E muito!

A oposio parte para a luta armadaO que significa viver sob uma ditadura militar? exagerado achar que a toda hora tem tanque na rua, soldados desfilando dentro das faculdades. Aparentemente no muda muita coisa, porque voc vai s compras, ao dentista, praia e ao cinema, namora e casa, v televiso. A no ser o fato de que seu vizinho oficial do Exrcito e voc sabe que por isso ele manda aqui no prdio (e isso pode ser at

bom para a vizinhana), o resto parece bem normal. Mas, se voc tiver um pingo de conscincia, desconfia que as coisas no vo bem. Existe um cheirinho de esquisitice: as pessoas falam baixo, h uma nuvem de mistrio cobrindo o pas, o estmago fica pesado demais. Depois de 1964 ainda dava para fazer umas passeatazinhas e desafiar o regime. Depois do AI-5 (dezembro de 1968) o regime tinha fechado de vez. Passeata era dissolvida a tiros de fuzil. Em cada redao de jornal havia um imbecil da polcia federal para fazer a censura, No poderia sair nenhuma notcia que desagradasse ao governo. Uma simples reportagem esportiva sobre o time do Internacional de Porto Alegre, com sua camisa vermelha, poderia ser encarada como propaganda da Internacional Comunista. Alm da censura, o jornal no podia dizer que tinha sofrido a censura (isso, claro, tambm era censurado). O jeito foi botar receitas de bolo nos vazios deixados pelas partes retiradas pela polcia. As pessoas estavam lendo uma pgina sobre poltica nacional e, de repente, vinha aquela absurda receita para fazer uma torta de abacaxi. Os espertos sacavam logo que era um protesto. Os mais ingnuos (por conivncia ou convenincia, chegavam a mandar cartas para as redaes dos jornais, pois as receitas, por vezes, eram irracionais: cinco quilos de acar, 100 g de farinha de trigo, dois quilos de sal, vinte tabletes de fermento, uma colher de ch de suco de laranja... No h receita que d certo assim, hehehe. Claro que existem ainda hoje ingnuos ainda mais imbecis, que declaram coisas como: naquele tempo o governo era muito melhor do que hoje. Bastava abrir os jornais, eles s tinham elogios para o governo. Alis, tambm tinham receitas de bolo muito boas. Ningum podia falar mal do governo. Reclamao na fila do nibus era uma linha at cadeia. Estudantes e professores que conversassem sobre poltica poderiam ser expulsos da escola ou da faculdade, devido ao decreto-lei n 477 (1969), Imagine o clima dentro da sala de aula. Se o professor contasse aos alunos o que voc est lendo neste livro, corria o srio risco de no poder voltar mais sala de aula. Ou mesmo para a sua prpria casa...

_ O que voc acha da situao atual? _ Eu no acho nada! Tinha um amigo que achava muito e hoje ningum acha ele! To fora!

Qualquer aluno novo que tentasse se enturmar era logo suspeito de pertencer ao SNI. Veja que coisa, a ditadura tolheu at as novas amizades! O poltico que fizesse oposio aguda seria logo cassado pelo AI-5. Foi o caso, por exemplo, do deputado federal Francisco Pinto (MDB), punido em 1974 porque fez no Congresso um discurso chamando de ditador o ditador chileno Pinochet em visita ao Brasil, o deputado Lysneas Maciel (MDB) solicitou a criao de uma CPI (Comisso Parlamentar de Inqurito) para apurar denncias de corrupo no regime. No teve CPI nenhuma e ele ainda foi cassado. isso a: numa ditadura, a sociedade no pode fiscalizar o governo. Os cidados esto enjaulados, mas a corrupo est livre. Com tantas dificuldades, como continuar fazendo oposio ao regime? Para muitos jovens, s havia um caminho a seguir: a luta armada. Falar em guerrilha nos anos 60 arrepiava muita gente. Ela parecia ser a grande arma de libertao dos povos do Terceiro Mundo. Exemplos no faltavam. Em Cuba, Fidel Castro e Che Guevara abriram o caminho: No Vietn, os guerrilheiros de Ho Chi (Minh derrotavam a maior mquina de guerra do planeta, a do imperialismo norte-americano. Na Arglia, os guerrilheiros dobraram as tropas francesas e conquistaram a independncia do pas. Na prpria China, a revoluo socialista foi vitoriosa depois de anos de guerrilha camponesa comandada por Mao Tsetung. No Brasil no poderia ser diferente: muitos estudantes, velhos militantes da esquerda e intelectuais comearam a organizar grupos guerrilheiros. Para eles, depois do AI-5 no havia mais espao para a legalidade. S a luta armada libertaria o Brasil. Ao contrrio do que voc possa pensar, o PCB foi contra a luta armada. Os comunistas acreditavam que a luta no momento no era nem socialismo nem reformas bsicas, mas pelo fim do regime

autoritrio. Sua estratgia era a de se unir a todos os grupos democrticos contra o regime. Atuaria, clandestino, no MDB. Muita gente da esquerda considerou esse programa covarde, reformista (um xingamento horroroso, pois isso equivaleria a no ser um revolucionrio. Mas naquele momento os comunistas eram qualquer coisa, menos revolucionrios...). A juventude queria a mudana logo, a todo preo. E foram esses jovens, garotes e meninas, adolescentes ainda, estudantes e sonhadoras, que embarcaram na aventura da luta armada. Um dos grandes gurus era o francs Regis Debray, que tinha sido companheiro de guerrilha de Che Guevara. Foi ele que lanou a teoria foquista: meia dzia de combatentes criariam um foco guerrilheiro numa rea rural. Primeira etapa, o treinamento militar. Depois, contato com a populao. Ganham a confiana atravs do trabalho, da honestidade, de solidariedade. Imagine o efeito disso: o campons jamais viu um mdico e, de repente, aquelas pessoas o tratam com cuidado, curam seus filhos. Nesse processo, os guerrilheiros vo transmitindo suas idias, mostrando que o latifndio deveria ser confiscado, que os camponeses precisam se unir e se armar. E quando chegam os jagunos do fazendeiro, os guerrilheiros esto prontos para responder com fogo de armas de guerra, Pronto, est deflagrada a luta. Agora, junto com os camponeses que aderem ao movimento, eles se lanam para o mato. O Exrcito chega logo depois, quase sempre truculento: tortura moradores, incendeia barracos, molesta as meninas. O povo v com clareza quem est do lado dele. Os guerrilheiros, por sua vez, nunca enfrentam o Exrcito de frente. As tticas incluem emboscadas, aes rpidas e fulminantes. Depois, a fuga veloz: sua mobilidade e ataques de surpresa so armas letais. Conhecem a regio, contam com o apoio logstico dos moradores. Quase invencveis. Mas este um foco. A teoria foquista imaginava que surgiria outro foco ali, e mais outro adiante, e outro, e outro. At que um dia esses focos comeariam a se unir para compor um grande exrcito popular. Tal como ensinou Mao Tsetung, o campo cercaria a cidade. E a revoluo seria vitoriosa. Simples, no? , simples demais para dar certo: havia muitos sonhos e pouco p no cho. Como fazer guerrilha camponesa num pas em que a maioria j vivia na cidade? Bem que o sinal de alerta j havia sido dado: em 8 de outubro de 1967, Che Guevara foi assassinado pela CIA, quando organizava um foco guerrilheiro na Bolvia. No era um aviso de mau agouro?

Desde 1968 j existiam aes guerrilheiras. Mas o grosso mesmo foi entre 1969 e 1973. Havia um cacho de grupos de luta armada, diferentes nos objetivos e nas estratgias, embora no final todos visassem ao socialismo (j se disse que as esquerdas s se encontram na cadeia...). Uns achavam que primeiro era preciso derrotar a ditadura, outros achavam que j era possvel lutar imediatamente pelo socialismo; uns achavam que primeiro era preciso organizar os trabalhadores e depois se lanar na guerrilha, outros achavam que atravs da luta guerrilheira os trabalhadores iriam se organizando; uns achavam que a guerrilha urbana era a mais importante, outros, que era a rural. No vamos estudar as mincias das organizaes. Basta dar uma idia geral de como funcionavam as mais importantes: VPR (Vanguarda Popular Revolucionria), o MR-8 (Movimento Revolucionrio Oito de Outubro), a ALN (Ao Libertadora Nacional), o PCBR (PCB Revolucionrio), o PC do B, a VAR-Palmares. Quem eram esses guerrilheiros? No eram muitos, apenas algumas centenas. Os simpatizantes, que eventualmente podiam esconder algum em casa ou contribuir com dinheiro, no iam alm de uns mil e poucos. Apesar de sonharem com a revoluo proletria, havia poucos operrios ou camponeses. Os lderes geralmente eram antigos comunistas, rompidos com o Partido porque o PCB estava contra a luta armada. Ainda tinha um grupo importante de militares desertores do Exrcito. Muitos guerrilheiros eram como talvez voc seja, amigo leitor, com 17 ou 18 anos de idade, estudantes secundaristas ou acabando de entrar na faculdade. A maioria dos guerrilheiros foi presa antes de comear a luta armada no campo. Na verdade, a guerrilha ficou sendo urbana mesmo, sem repercusso maior. Houve algumas tentativas de panfletar na porta de fbricas, e um grupo chegou a levar um caminho cheio de comida para distribuir na favela, anunciando aquela como a primeira das muitas expropriaes revolucionrias que o povo far daqui em diante. Pura iluso. A represso do governo agia com muita eficcia e rapidamente os grupos foram desmantelados. No final, tinham de assaltar bancos para levantar fundos para a luta e seqestrar embaixadores em troca da libertao de presos polticos. Desde o incio a guerrilha j tinha muitos erros. Para comear, os guerrilheiros consideravam-se marxistas, mas quase nada tinham lido a respeito. Ningum tinha feito uma anlise profunda da

sociedade brasileira para ter certeza de que aquela era a melhor estratgia a ser seguida. Por exemplo, sonhavam com uma guerrilha camponesa num pas enorme que j era urbano e industrial. Queriam buscar seus prprios caminhos polticos, mas no fundo imitavam modelos de outros pases, como Cuba e China. Falavam em nome dos trabalhadores, mas jamais tiveram um contato maior com a populao. O povo, dominado pela propaganda oficial e pela imprensa censurada, os ignorava ou os tratava como bandidos, seqestradores, assaltantes de banco, terroristas. Viviam to fora da realidade, que s faltaram dizer que as vitrias do governo, pulverizando a guerrilha, eram a mostra do desespero da burguesia em sua crise final. Coitados, eram rapazes e moas que nunca tinham visto um revlver na vida enfrentando um Exrcito profissional bem equipado e com assessoria dos EUA. Nem dava para comear. A nica tentativa que teve alguma consistncia foi a Guerrilha do Araguaia. Ela se desenvolveu mais ou menos entre 1972 e 1974, organizada pelo PC do B. Lembremos que, na poca, ao contrrio do PCB (que era de linha sovitica e contra a luta armada) o PC do B seguia o socialismo chins (o maosmo) e apoiava a guerrilha. Pois bem, no comeo dos anos 70, grandes empresas do Sudeste e multinacionais investiram em pecuria extensiva na regio do Tocantins-Araguaia. Quando chegaram l, j havia pequenas roas na mo de camponesesposseiros (no tinham documentos legais da propriedade da terra, apesar de trabalharem nelas havia muitos anos). Nem quiseram saber, passaram a fazer grilagem das terras (tomar ilegalmente). Quando o campons no queria abandonar a terra, os capangas da empresa iam l, ateavam fogo no barraco, destruam a plantao, espancavam os moradores. Como voc pode perceber, as lutas de classes entre os grileiros e os posseiros eram muito fortes. O PC do B quis aproveitar esse potencial de revolta e chegou na regio para montar uma base de treinamento. Foram descobertos pelo Exrcito, que deslocou para regio milhares de soldados. Contra uns 60 guerrilheiros. Numa regio isolada do pas, imprensa censurada, as pessoas s sabiam alguma coisa atravs de boatos. Mas na regio do Araguaia at hoje as pessoas humildes se recordam do que aconteceu. Muitos militares abusaram do poder e espancaram brutalmente a populao para que revelasse os esconderijos dos guerrilheiros. Os prisioneiros eram torturados de forma brbara e muitos encontraram a morte depois que o corpo virou uma massa de pedaos de carne e sangue. Os guerrilheiros mortos foram enterrados em cemitrios clandestinos e at hoje as famlias procuram seus corpos. Em 1974, a guerrilha do Araguaia estava destruda.

O que dizer sobre essa loucura toda? Foram rapazes e moas, muitos ainda adolescentes, que tiveram a coragem de abandonar o conforto do lar, a segurana de uma vida encaminhada, a tranqilidade da vida de jovem de classe mdia, para combater um regime opressor com armas na mo. Pessoas que do a vida pelo ideal de libertao de seu povo no podem ser consideradas criminosas. Mesmo que a gente no concorde com os caminhos trilhados. Eles mataram? Certamente. Mas nunca torturaram. Nem enterraram suas vtimas em cemitrios clandestinos. E se o tivessem feito, nada disso justificaria a tortura e o assassinato executados pelo governo. Alm disso, seria mesmo inadmissvel pegar em armas contra um regime antidemocrtico que esmagava o povo brasileiro? Que moral uma ditadura tem para definir como deve ser combatida?Lista de Livros Indicados - Clique aqui

Represso e Tortura

Ou ento cada paisano e cada capataz Com sua burrice far jorrar sangue demais Nos pantanais, nas cidades, caatingas E nos gerais CAETANO VELOSO

Como que a ditadura conseguiu dizimar a guerrilha? A represso foi selvagem. Imagine que voc fosse um guerrilheiro naquela poca. Documento falso, revlver escondido na cintura, olhar assustado para qualquer pessoa da rua. Distante da famlia, dos amigos, de qualquer conhecido. Clandestino. Codinome, ou seja, nome inventado, nem os companheiros sabiam sua identidade. Se fossem presos, no poderiam te revelar. Vocs se escondem num apartamento discreto no subrbio. E mudam de residncia quase todo o ms. Esse esconderijo chamado de aparelho. Um dia, voc tem um ponto, ou seja, um encontro marcado com outro guerrilheiro. Ele no aparece. Provavelmente, caiu (foi preso). Em algumas horas, debaixo de paulada, pode ser que ele abra. Os meganhas logo vo chegar.

preciso desativar o aparelho rpido. De repente, chega a polcia. Tiroteio. Mortes. Se voc escapar com vida, vai direto para o poro. Agora sim, voc vai sentir na pele a face mais negra do regime. A tortura. No houve guerrilheiro preso que no fosse barbaramente torturado. Ficar pendurado no pau-de-arara (um cavalete em que o sujeito fica preso pela barra que passa na dobra do joelho, com ps e mos amarrados juntos) um dos piores suplcios. Alm disso, pontaps, queimaduras de cigarros, choques eltricos, alicates arrancando os mamilos, banhos de cido, testculos amassados com alicate, arame em brasa introduzido pela uretra, dente arrancado a pontaps, olhos vazados com socos. Mulheres estupradas na frente dos filhos, homens castrados. A lista de atrocidades infindvel. Os torturadores so animais sdicos. Mas alm da maldade pura e simples, havia a necessidade estratgica: a tortura extraa confisses em pouco tempo, dando oportunidade de prender outras pessoas, que tambm seriam torturadas, revelando mais coisas e assim por diante. Infelizmente, a tortura revelou-se bem eficaz. Houve muita gente, entretanto, que nada falou. Veja bem, amigo leitor, bastava contar tudo que a tortura acabaria. Essa era a diablica proposta. Imagine-se no lugar do preso, apanhando feito um co, nu, sangrando, com a cabea enfiada num balde cheio de fezes e vmito dos outros. Algumas frases e voc seria mandado para um hospital. No entanto, muitos no falaram. Bravamente, recusaram-se a colaborar com a represso. Morto sob tortura tinha o caixo lacrado para ningum ver o cadver arrebentado. O laudo oficial do IML, emitido por mdicos venais comprometidos com a ditadura dizia friamente que a morte tinha ocorrido em tiroteio com a polcia. Uma gerao que pagou um alto preo por seus sonhos: pagou com o prprio sangue. Por isso, amigo leitor, se hoje eu posso escrever essas linhas, se hoje voc pode dizer o que pensa, saiba que entre os responsveis por nossa liberdade esto aqueles que deram sua vida para que um dia o pas no estivesse mais sob o jugo das botas da tirania. Mas, afinal, quem eram os torturadores? Onde as pessoas eram torturadas? Ao contrrio do que se possa pensar, a tortura no era feita em algum lugar escondido, uma casa de subrbio ou uma

fazenda afastada de tudo. No, infelizmente as pessoas eram torturadas em lugares pblicos, na frente de muitas testemunhas. Como Mrio Alves, dirigente do PCBR, torturado at a morte nas dependncias do Primeiro Batalho de Polcia do Exrcito, na rua Baro de Mesquita, Tijuca, Rio de Janeiro. Reparou no local? Um quartel do Exrcito! Como tambm aconteceu em delegacias, em bases da Marinha. Atravs da Operao Bandeirantes (OBAN), do DOI-CODI, dos Servios de Informao das Foras Armadas (CENIMAR, CISA, CIEX), do DOPS e do SNI, o governo exterminou a guerrilha com brutalidade. Claro que a maioria dos militares no teve nenhum envolvimento com a tortura. Muitos sequer sabiam que ela estava acontecendo. Mas inegvel que os torturadores ocupavam importantes posies no aparelho repressivo do Estado: eram policiais civis, PMs, agentes da polcia federal, delegados, oficiais e sargentos da Marinha, do Exrcito, da Aeronutica, mdicos que avaliavam a sade da vtima e autorizavam a continuao da tortura. Muito triste saber que alguns desses monstros permanecem na polcia, nas Foras Armadas e que foram anistiados pelo general Figueiredo em 1979. Neste pas, jamais um torturador sentou no banco dos rus. A ditadura no se manteve s com violncia fsica. Ela soube se valer de uma propaganda ideolgica massacrante. Numa poca em que todas as crticas ao governo eram censuradas, os jornais, a tev, os rdios e revistas transmitiam a idia de que o Brasil tinha encontrado um caminho maravilhoso de desenvolvimento e progresso. Reportagens sobre grandes obras do governo e o crescimento econmico do pas convenciam a populao de que vivamos numa poca incrvel. Nas ruas, as pessoas cantavam: Ningum segura esse pas. Os guerrilheiros eram apresentados como terroristas, inimigos da ptria, agentes subversivos. Qualquer crtica era vista como coisa de comunista, de baderneiro. Houve at quem chegasse ao cmulo de acusar os comunistas de responsveis pela difuso das drogas e da pornografia! O futebol, como no poderia deixar de ser, foi utilizado como arma de propaganda ideolgica. Na poca, a esquerda se perguntava: O futebol aliena os trabalhadores, o pio do povo? E houve at quem torcesse para que o Brasil perdesse a Copa: como se o

trabalhador brasileiro precisasse de uma derrota no jogo de futebol para realmente se sentir oprimido! Ou seja, quem estava supervalorizando o futebol: o povo ou a esquerda? De qualquer modo, meu amigo, aquela seleo brasileira de 1970 foi simplesmente o maior time de futebol que j existiu. Pel, Tosto, Jairzinho, Grson, Rivelino, Clodoaldo, Carlos Alberto Torres, seus craques so inesquecveis. O tricampeonato conquistado na Copa do Mxico encheu o pas de euforia. Nas casas (pela primeira vez a Copa foi transmitida ao vivo pela televiso) e ruas o povo explodia de alegria e cantava: Todos juntos, vamos / Pra frente Brasil.. Os homens do governo, claro, trataram logo de aparecer em centenas de fotos ao lado dos craques. Queriam que o pas tivesse a impresso de que s tnhamos ganho a Copa graas ditadura militar (embora as vitrias de 1958 e 1962 tivessem sido no tempo da democracia, com JK e Jango). O prefeito de So Paulo, Paulo (que no era So) Maluf, resolveu dar para cada jogador um automvel zero quilmetro de presente. O presidente Mdici, vestido com a camisa rubronegra do Flamengo, era aplaudido de p por parte da torcida no Maracan. Triste pas, o general chutava a bola, os torturadores chutavam os presos. Alm do futebol, os brasileiros conheceram uma nova paixo, o automobilismo. At hoje, o mundo s teve um nico piloto capaz de vencer na sua estria na Frmula 1: o nosso merson Fittipaldi, campeo mundial em 1972 e 1974. Nas escolas vivia-se um clima de ufanismo (exaltao da ptria). Todo mundo tinha de acreditar que o Brasil estava se tornando um pas maravilhoso. Nos vidros dos carros, os adesivos diziam: Brasil Ame-o ou Deixe-o! como se os perseguidos polticos foragidos tivessem se exilado por antipatriotismo. Um pontap na verdade. Claro que essa euforia toda no comeo dos anos 70 no vinha s das vitrias esportivas e da mquina de propaganda do governo. Em realidade, o pas vivia a excitao de um crescimento econmico espetacular. Era o tempo do milagre econmico.

Governo General Emlio Garrastazu Mdici (1969 1974)"A plenitude do regime democrtico uma aspirao nacional. . . " PRESIDENTE MDICI

Costa e Silva no teve muito tempo para se alegrar com os efeitos do AI-5. um derrame o matou, em agosto de 1969. O povo no teve tempo de se alegrar; uma Junta Militar, comandada pelo general Lyra Tavares, assumiu o governo at se nomear o novo general-

presidente. 0 vice de Costa e Silva, o civil Pedro Aleixo (ex-UDN), no tinha apoiado totalmente o AI5 e por isso fora jogado para escanteio. No mesmo ano, ocorreu a Emenda Constitucional n 1, que alguns juristas consideram quase como uma nova Constituio. Ela legalizou o arbtrio e os poderes totalitrios da ditadura. Todas aquelas medidas arbitrrias tipo AI-5 e 477 foram incorporadas Constituio. Alm disso, ela estabeleceu que o presidente podia baixar medidas (decretos-leis) que valeriam imediatamente. 0 Congresso disporia de 60 dias para examinar o decreto. O Congresso tinha 60 dias para votar a aprovao. Se depois desse prazo no tivesse havido votao (o Congresso poderia, por exemplo, estar fechado pelo AI-5, ou com nmero insuficiente de membros comparecendo s sesses), ele seria automaticamente aprovado por decurso de prazo. Dias depois, era indicado o novo chefe supremo do pas. O novo presidente era o general Emlio Garrastazu Mdici. Seu governo teve dois pontos de destaque: o extermnio da guerrilha e o crescimento econmico espetacular (o milagre). Nenhuma poca do regime militar foi to repressora e brutal, Nunca se torturou e assassinou tanto. Nos pores do regime, as pessoas tinham suas vidas postas na marca do pnalti. E assim os rgos de re-presso marcaram gols, liquidando guerrilheiros como Marighella (4/11/69), Mrio Alves (16/11/70) e Lamarca (17/09/71). Na economia, o ministro Delfim Netto comandou o milagre econmico. A produo crescia e se modernizava num ritmo espetacular. A inflao, dentro dos padres brasileiros, at que era moderada, l na casa dos vinte e tantos por cento. Construa-se com euforia. Obras, como a ponte Rio-Niteri, a rodovia Transamaznica, a refinaria de Paulnia e a instalao da tev em cores (1972), pareciam mostrar que a prosperidade seria eterna. A classe mdia comprava aes na Bolsa de Valores e imaginava se tornar grande capitalista. Para acelerar o crescimento, ampliaram-se as empresas estatais ou criaram-se novas, principalmente na produo de ao, petrleo, eletricidade, estradas, minerao e telecomunicaes. Os nomes delas voc j ouviu falar: Petrobrs, Eletrobrs, Telebrs, Correios, Vale do Rio Doce, Companhia Siderrgica Nacional, Usiminas e tantos outros. Crescimento e modernizao que no beneficiavam as classes trabalhadoras. Pelo contrrio, quanto mais o pas crescia, tanto mais piorava a vida do povo. Em 1969, por exemplo, o salrio mnimo s

valia 42% do que representava em 1959, Em 1974, isso desceu para 36%. Os ricos foram ficando cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres, A ditadura foi uma espcie de Robin Hood s avessas. Essa distribuio de renda ao contrrio era facilitada pelo fato de que no havia nenhuma greve, nem sindicato independente, nem a oposio no Congresso tinha margem de manobra. Era uma ditadura que fazia uma coisa incrvel: o pas crescia como poucos no mundo e quanto mais riquezas eram produzidas, mais difcil ficava a vida dos trabalhadores.

E a Rede Globo, principal aliada da Ditadura, sempre lembrando ao povo miservel que "est tudo bem"...

At nos pases mais pobres da frica, a mortalidade infantil diminua. Nas grandes cidades brasileiras ela crescia, Quanto mais a renda per capita do Brasil aumentava, mais as crianas pobres morriam porque comiam pouco, no eram vacinadas, no tinham mdico, De repente, houve uma epidemia de meningite, Doena