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  T E L, A C P (ELACPOP) F F 2011

O Rei do Fim de Ano Ou Como Roberto Carlos Virou Folclore

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – INSTITUTO DE ARTES VISUAIS

O Rei do Fim de Ano

Ou Como Roberto Carlos Virou Folclore

Bruno da Silva Lima

[09/90850]

Trabalho final para a disciplina Elementos de Linguagem, Arte e Cultura Popular (ELACPOP)ministrada pelo professor Fabio Fonseca no segundo semestre de 2011

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Introdução: Algumas Facetas de Um Reinado

Roberto Carlos. O Rei. Uma das figuras mais influentes do cenário musical brasileiro.

Sua longa trajetória é marcada por vários pontos dignos de nota. O objetivo desta breve

análise é apontar alguns aspectos importantes em sua carreira em relação à cultura popular do

Brasil. Não se trata de um percurso linear, porém. Em cada tópico dos que se seguem, avança-

se ou retrocede-se no tempo conforme a necessidade do assunto em questão.

“Por que Roberto Carlos se mantem popular por tanto tempo?” Ao fim destas observa-

ções, talvez tenhamos algumas pistas para responder esta pergunta.

O Rei da Hibridação Cultural

Em sua infância, Roberto Carlos foi muito influenciado por Bob Nelson, um cantor

brasileiro que se vestia de cowboy e cantava música country em português. Aqui, observa-se o

primeiro sinal de hibridação cultural em sua carreira.

Na década de 60, Roberto explode como enorme sucesso musical entre os jovens

brasileiros. Inicialmente cantando ritmos típicos do Brasil (samba canção, bossa nova, etc.), o

cantor passa a se dedicar ao rock, ritmo amplamente popularizado no exterior. A hibridação

aqui acontece na medida em que o cantor digere a música juvenil da época, o rock, ao traduzir

diversas canções para o português, além de fazer suas próprias composições dentro do estilo.

Roberto Carlos, Wanderleia e Erasmo Carlos são os precursores do movimento Jovem

Guarda, que é uma óbvia abrasileiração da “beatlemania”, como era chamada a onda jovem

provocada pelos Beatles no mundo todo. Influenciado ainda pelos jovens de Liverpool,

Roberto Carlos estrela três filmes: “Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura”, “Roberto Carlos e

o Diamante Cor de Rosa” e “Roberto Carlos à 300 Km Por Hora”, todos grades sucessos de

bilheteria.

Mais tarde, ainda naquela década, Roberto Carlos segue o caminho inverso da

hibridação anterior, suas músicas é que são traduzidas e lançadas no exterior, ora interpreta-

das por ele, ora cantadas pelos grandes sucessos locais. Ele se torna assim, um dos ícones

mundiais da música latina.

O Rei da Tradição Inventada

É muito recorrente que alguém que se destaque em uma área no Brasil receba o título

de “rei” desta área, como se o título legitimasse seu sucesso. Com Roberto Carlos não foi

diferente. Recebeu em 1966 o título de “Rei da Juventude” em rede nacional, no programa

Buzina do Chacrinha, sentando-se em um trono e coroado por sua mãe, Laura. Nos anos

seguintes, é chamado ainda de “Rei da Jovem Guarda”, “Rei da MPB” e, posteriormente, só “ O

Rei”.

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Em seu início de carreira dentro do rock, Roberto Carlos era anunciado nas rádios

como o “Elvis brasileiro”. Assim, pode-se dizer que a partir dos anos 70, ele se torna o “Sinatra

brasileiro”.

Com o fim da Jovem Guarda, Roberto Carlos passa a seguir um repertório voltado para

canções românticas. Isto acontece em momento propício, visto que a maioria dos jovens setorna mais politizada do que a geração do “Iê-iê-iê”. Seu público alvo passa a ser os jovens da

década anterior, agora mais velhos, que continuam ouvindo o cantor.

Consagrado como um cantor romântico, ele apresenta um especial de natal em 1974

na Rede Globo de televisão. O especial é um sucesso tão grande que o cantor passa a

apresentar um especial anual na emissora, sempre na semana do natal, desde 74 até hoje. Em

todo este tempo, o único ano que ficou sem o especial de fim de ano de Roberto Carlos foi

1999, quando o cantor se afastou de todos os seus compromissos profissionais para se dedicar

à esposa enferma.

O Rei da MPB

De certa forma, o termo Música Popular Brasileira (MPB) surgiu pela influência de

Roberto Carlos. Antes da Jovem Guarda, a Bossa Nova era um ritmo alvo de muitas críticas

pelos músicos mais tradicionalistas. Diziam que a Bossa era americanizada, que era muito

influenciada pelo Jazz e, por isso, não brasileira. Ironicamente, o quadro se inverte com o

sucesso da Jovem Guarda, que se inspirava abertamente no Rock americano e inglês.

Comparada com o Iê-iê-iê, a Bossa era vista como autenticamente nacional como aliada contraeste “levante estrangeirista”. Surge então a denominação “MPB”: Música Popular Brasileira.

Músicos da Jovem Guarda chegaram a ser discriminados em vários festivais nacionais sendo

considerados alienados pela ótica da época.

Na TV Record dos anos 60, havia dois programas semanais: O Fino da Bossa,

apresentado por Elis Regina, e Jovem Guarda, apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos

e Wanderleia. Elis Regina, que era abertamente contra o movimento juvenil americanizado,

usava o programa como meio de combater o Iê-iê-iê, mas a Jovem Guarda se mantinha cada

vez mais popular entre o público brasileiro.

A despeito da discriminação que Roberto Carlos sofria pelos músicos nacionalistas

mais politizados, vários ícones da luta contra a Ditadura Militar se tornaram posteriormente

amigos do cantor e reconhecem a importância da Jovem Guarda para a história da MPB.

Segundo o próprio Caetano Veloso, em uma gravação promocional da Jovem Guarda em 1995,

a Tropicália teria surgido como reação ao movimento juvenil de Roberto Carlos. O programa e

o movimento Jovem Guarda passavam muito mais energia do que as músicas nacionalistas

envelhecidas da MPB. A Tropicália seria a injeção de energia que a MPB necessitava naquele

momento.

No início da década de 70, houve o declínio da Jovem Guarda e a transição de Roberto

Carlos de ícone juvenil para cantor romântico. Ironicamente, ele passaria a ser classificado

como músico popular brasileiro e logo também chamado de “Rei da MPB”.

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O Rei da Ditadura Militar

De todos os músicos brasileiros nos anos 60, talvez Roberto Carlos tenha sido o que

menos sofreu perseguição e censura após o golpe de 64. Certamente, isso não passou

despercebido.

Em seu artigo intitulado “O Rei Roberto Carlos e a Ditadura Militar no Brasil”, Uraniano

Mota critica acidamente a posição do cantor neste período. Segundo Uraniano, Roberto Carlos

prosperou durante a Ditadura por ser um jovem alienado entretendo uma juventude alienada,

fazendo-a esquecer dos problemas políticos do país e esta atitude era incentivada pelo

governo da época. Enquanto outros músicos mais politizados eram perseguidos pelos

militares, a estrela de Roberto Carlos brilhava ainda mais. Mesmo seu parceiro de composições

Erasmo Carlos chegou a passar um período exilado, mas Roberto não foi tocado.

Se havia uma perseguição para o Rei nesta época, não vinha dos militares, vinha dos

músicos da então nomeada MPB. Por estar à frente da Jovem Guarda, Roberto Carlos era vistocomo o símbolo da alienação juvenil daquela época. Ainda assim, o cantor fez uma homena-

gem à Caetano Veloso sem lhe pronunciar o nome: “Debaixo Dos Caracóis Dos Seus Cabelos”.

Sabe-se que a Ditadura Militar foi um período difícil para todos os artistas. A posição

de Roberto Carlos nesta época levanta a questão “A Arte tem alguma obrigação social?”. Isto

é, ela pode ter este aspecto crítico e contestatório, mas os que não se engajam nisto, aqueles

artistas com um viés escapista, são culpados por não a empregarem desta forma?

O Rei de Todas as Classes

O apelo das músicas de Roberto Carlos atingia todas as classes sociais. Na época da

Jovem Guarda, falavam de aventuras juvenis e paqueras, traziam para nosso país a cultura

americana e eram recheadas de escapismo em uma época difícil de viver. Já em sua fase

romântica, as músicas falavam de amores, de dores, de fé e esperança. São temas que

transcendem as limitações sociais do seu público.

Em seus picos de popularidade, Roberto Carlos era ouvido em todo o Brasil. Entretan-

to, somente os mais abastados podiam pagar para vê-lo cantando ao vivo devido aos altos

custos dos ingressos de seus shows. Na época da Jovem Guarda era comum que os estádios

onde eram realizados os shows ficassem mais cheios do lado de fora do que de dentro. Nada

disso impedia seus fãs de o ouvirem nas rádios ou de comprar seus discos. Suas letras ingênuas

e rimas simples eram de grande apelo para as classes mais baixas, que não absorviam o

conteúdo complexo das letras dos músicos mais politizados e eruditos.

Há ainda o aspecto de “homem que venceu na vida” na trajetória do cantor. Vindo de

uma família pobre, filho de um relojoeiro e uma costureira, Roberto hoje é um dos homens

mais ricos do país, colecionador de carros caros, dono de iates e aviões particulares.

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Atualmente, ele faz shows caríssimos para um público muito seleto, normalmente em

cruzeiros marítimos. Seus fãs menos abastados devem se contentar com o especial de fim de

ano apresentado na TV Globo.

O Rei da Religiosidade

Roberto Carlos sempre foi assumidamente católico praticante. Uma de suas canções

mais populares, “Jesus Cristo” (1970), marca a inclinação religiosa do cantor em sua carreira.

Em meio a encontros com o Papa, gravação de um álbum com composições católicas e uma

peregrinação (e show) em Jerusalém, Roberto Carlos firma sua imagem como devoto.

As diversas tragédias em sua vida levaram Roberto Carlos cada vez mais para seu lado

espiritual. Teve sua perna direita amputada pouco abaixo do joelho após ser atropelado por

uma locomotiva à vapor quando criança, duas de suas esposas sucumbiram ao câncer, suafilha sofreu um ataque cardíaco e seu filho ficou quase totalmente cego. A reação de Roberto

frente às adversidades é se voltar para sua fé e, sendo o Brasil um dos países mais católicos do

mundo, é natural que isso o faça ainda mais querido por seu público.

Conclusão: O Rei Está Morto...

Roberto Carlos é provavelmente o ícone musical mais antigo ainda ativo no Brasil. Suas

canções influenciaram várias gerações e seu especial de fim de ano, há trinta e sete anos no ar,

se tornou parte inseparável da cultura brasileira.

Desde o início de sua carreira nos anos 50 até hoje, pessoas nascem e morrem

chamando-o de “O Rei” sem se perguntar conscientemente o porquê disto. Na verdade, talvez

não importe. A maioria das pessoas só busca alguém para seguir. Fazer muitas perguntas sobre

este alguém poderia ferir sua aura de nobreza. Basta olhar para o homem e ver o sujeito

humilde, devoto, ingênuo que ele é e ouvir suas canções que falam de amor. Às vezes isso

basta.

Longa vida ao Rei.

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Bibliografia

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MOTA, URANIANO. O Rei Roberto Carlos e a ditadura militar no Brasil. Disponível em:

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