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Revista Super Sul {Set/Out de 2011} 42 Por Juliano Rigatti R eproduzo a seguir versão do escritor e educa- dor Rubem Alves para a história do dinamarquês Hans Christian Andersen sobre um rei vaidoso que gostava de ser elogiado por sua elegância. “Havia um rei muito tolo que adorava roupas bo- nitas. Os tolos, geralmente, gostam de roupas bonitas. Pois esse rei enviava emissários por todo o país com a missão de comprar roupas diferentes. Era o melhor cliente da Daslu. Os seus guarda-roupas estavam entu- lhados com ternos, sapatos, gravatas de todas as cores e estilos. Eram tantas as suas roupas que ele estava muito triste porque seus emissários já não encontravam novidades. Dois espertalhões ouviram falar do gosto do rei pelas roupas e viram nisso uma oportunidade de se en- riquecerem às custas da vaidade da Majestade. A vaida- de torna bobas as pessoas: elas passam a acreditar nos elogios dos bajuladores... Foi isso que aconteceu com um corvo vaidoso que estava pousado no galho de uma árvore com um queijo na boca: por acreditar nos elogios da raposa ficou sem queijo... Pois os dois espertalhões-raposa foram até o pa- lácio real e anunciaram-se na portaria, apresentando o seu cartão de visitas: ‘Doutor Severino e Doutor Valério, especialistas em tecidos mágicos.’ O rei já havia ouvido falar de tecidos de todos os tipos mas nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem trazidos à sua pre- sença. Diante do rei fizeram uma profunda barretada, tirando seus chapéus. ‘Falem-me sobre o tecido mágico’, ordenou o rei. Um dos espertalhões, o mais loquaz, se pôs a falar. ‘Majestade, diferente de todos os tecidos comuns, o tecido que nós tecemos é mágico porque somente as pes- soas inteligentes podem vê-lo. Vestindo um terno feito com esse tecido Vossa Majestade será cercada apenas por pessoas inteligentes, pois somente elas o verão...’ O rei ficou encantado e imediatamente contratou os dois espertalhões, oferecendo-lhes um amplo aposento onde poderiam montar os seus teares e tecer o tecido que só os inteligentes poderiam ver... Passados alguns dias o rei mandou chamar o minis- tro da educação e ordenou-lhe que fosse examinar o te- cido. O ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelões estavam trabalhando. ‘Veja, excelência, a beleza do tecido’, disseram eles com a mãos estendidas. O ministro da educação não viu coisa alguma e entrou em pânico. ‘Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo sou burro...’ Resolveu, então, fazer de contas que era inteligente e começou a elogiar o tecido como sendo o mais belo que havia visto. ‘Majestade’, relatou o ministro da educação ao rei, ‘o tecido é incomparável, maravilhoso. De fato os tece- lões são verdadeiras magos!’ O rei ficou muito feliz. Passados mais dois dias ele convocou o ministro da guerra e ordenou-lhe que examinasse o tecido. Aconteceu a mesma coisa. Ele não viu coisa alguma. ‘Meu Deus’, ele disse, ‘não sou inteligente. O ministro da educação viu e eu não estou vendo...’ Resolveu adotar a mesma tática do ministro da educação e fez de contas que es- tava vendo. O rei ficou muito feliz com a seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros ministros. Até que o rei resolveu pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Mas, como os ministros, ele não viu coisa alguma porque nada havia para ser visto. Aí ele pensou: ‘Os ministros da educação, da guerra, das finanças, da cultura, das comu- nicações viram. São inteligentes. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Não posso deixar que eles saibam da minha burrice porque pode ser que tal conhecimento venha a desestabilizar o meu governo...’ O rei, então, entregou-se a elogios entusiasmados ao tecido que não havia. O cerimonial do palácio determinou então que de- veria haver uma grande festa para que todos vissem o rei em suas novas roupas. E todos ficaram sabendo que somente os inteligentes as veriam. A mídia, televisão e jornais, convidaram todos os cidadãos inteligentes a que comparecessem à solenidade. No Dia da Pátria, a cidade engalanada, bandeiras por todos os lados, bandas de música, as ruas cheias, to- caram os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes: ‘Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instan- tes a sua inteligência será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver.’ Canhões dispararam uma salva de seis tiros. Rufla- ram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova. Foi aquele oh! de espanto. Todos ficaram maravi- lhados. Como era linda a roupa do rei! Todos eram inte- ligentes. No alto de uma árvore estava encarapitado um menino a quem não haviam explicado as propriedades mágicas da roupa do rei. Ele olhou, não viu roupa ne- nhuma, viu o rei pelado exibindo sua enorme barriga, suas nádegas murchas e vergonhas dependuradas. Ficou horrorizado e não se conteve. Deu um grito que a multi- dão inteira ouviu: ‘O rei está pelado!’ Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. E uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. Todos gritavam enquanto riam: ‘O rei está nu, o rei está nu...’ O reino está nu COMUNICAÇÃO CORPORATIVA

O reino está nu

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Artigo de minha autoria publicado na edição Setembro-Outubro de 2011 da revista Super Sul, especializada no varejo da região Sul.

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Page 1: O reino está nu

Revista Super Sul {Set/Out de 2011}

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Por Juliano Rigatti

Reproduzo a seguir versão do escritor e educa-dor Rubem Alves para a história do dinamarquês Hans Christian Andersen sobre um rei vaidoso que gostava de ser elogiado por sua elegância.

“Havia um rei muito tolo que adorava roupas bo-nitas. Os tolos, geralmente, gostam de roupas bonitas. Pois esse rei enviava emissários por todo o país com a missão de comprar roupas diferentes. Era o melhor cliente da Daslu. Os seus guarda-roupas estavam entu-lhados com ternos, sapatos, gravatas de todas as cores e estilos. Eram tantas as suas roupas que ele estava muito triste porque seus emissários já não encontravam novidades.

Dois espertalhões ouviram falar do gosto do rei pelas roupas e viram nisso uma oportunidade de se en-riquecerem às custas da vaidade da Majestade. A vaida-de torna bobas as pessoas: elas passam a acreditar nos elogios dos bajuladores... Foi isso que aconteceu com um corvo vaidoso que estava pousado no galho de uma árvore com um queijo na boca: por acreditar nos elogios da raposa ficou sem queijo...

Pois os dois espertalhões-raposa foram até o pa-lácio real e anunciaram-se na portaria, apresentando o seu cartão de visitas: ‘Doutor Severino e Doutor Valério, especialistas em tecidos mágicos.’

O rei já havia ouvido falar de tecidos de todos os tipos mas nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem trazidos à sua pre-sença. Diante do rei fizeram uma profunda barretada, tirando seus chapéus.

‘Falem-me sobre o tecido mágico’, ordenou o rei.Um dos espertalhões, o mais loquaz, se pôs a falar.‘Majestade, diferente de todos os tecidos comuns, o

tecido que nós tecemos é mágico porque somente as pes-soas inteligentes podem vê-lo. Vestindo um terno feito com esse tecido Vossa Majestade será cercada apenas por pessoas inteligentes, pois somente elas o verão...’

O rei ficou encantado e imediatamente contratou os dois espertalhões, oferecendo-lhes um amplo aposento onde poderiam montar os seus teares e tecer o tecido que só os inteligentes poderiam ver...

Passados alguns dias o rei mandou chamar o minis-tro da educação e ordenou-lhe que fosse examinar o te-cido. O ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelões estavam trabalhando.

‘Veja, excelência, a beleza do tecido’, disseram eles com a mãos estendidas. O ministro da educação não viu coisa alguma e entrou em pânico. ‘Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo sou burro...’ Resolveu, então, fazer de contas que era inteligente e começou a elogiar o tecido

como sendo o mais belo que havia visto.‘Majestade’, relatou o ministro da educação ao rei,

‘o tecido é incomparável, maravilhoso. De fato os tece-lões são verdadeiras magos!’ O rei ficou muito feliz.

Passados mais dois dias ele convocou o ministro da guerra e ordenou-lhe que examinasse o tecido. Aconteceu a mesma coisa. Ele não viu coisa alguma. ‘Meu Deus’, ele disse, ‘não sou inteligente. O ministro da educação viu e eu não estou vendo...’ Resolveu adotar a mesma tática do ministro da educação e fez de contas que es-tava vendo. O rei ficou muito feliz com a seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros ministros. Até que o rei resolveu pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Mas, como os ministros, ele não viu coisa alguma porque nada havia para ser visto. Aí ele pensou: ‘Os ministros da educação, da guerra, das finanças, da cultura, das comu-nicações viram. São inteligentes. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Não posso deixar que eles saibam da minha burrice porque pode ser que tal conhecimento venha a desestabilizar o meu governo...’ O rei, então, entregou-se a elogios entusiasmados ao tecido que não havia.

O cerimonial do palácio determinou então que de-veria haver uma grande festa para que todos vissem o rei em suas novas roupas. E todos ficaram sabendo que somente os inteligentes as veriam. A mídia, televisão e jornais, convidaram todos os cidadãos inteligentes a que comparecessem à solenidade.

No Dia da Pátria, a cidade engalanada, bandeiras por todos os lados, bandas de música, as ruas cheias, to-caram os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes:

‘Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instan-tes a sua inteligência será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver.’

Canhões dispararam uma salva de seis tiros. Rufla-ram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova.

Foi aquele oh! de espanto. Todos ficaram maravi-lhados. Como era linda a roupa do rei! Todos eram inte-ligentes.

No alto de uma árvore estava encarapitado um menino a quem não haviam explicado as propriedades mágicas da roupa do rei. Ele olhou, não viu roupa ne-nhuma, viu o rei pelado exibindo sua enorme barriga, suas nádegas murchas e vergonhas dependuradas. Ficou horrorizado e não se conteve. Deu um grito que a multi-dão inteira ouviu:

‘O rei está pelado!’Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. E uma

gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. Todos gritavam enquanto riam: ‘O rei está nu, o rei está nu...’

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ção de um amigo do que pelas peças publicitárias ou pela mídia. Um estudo realizado em abril deste ano pela TNS, uma das maiores empresas de pesquisa de mer-cado do mundo, revelou que os brasileiros são os que mais têm contatos em redes sociais na América Latina, com média de 231 amigos virtuais. O seu cliente quando fala, fala para centenas.

Há muitos casos reais de empresas e profissionais que subestimaram o poder de influência desta nova realidade e se deram mal. Não há mais mercado para companhias que não estabelecem com a sociedade uma relação de integridade.

O rei da história de Andersen foi traído por sua vaidade. Imaginou que conseguiria ser admirado por uma farsa. Investiu e reuniu em torno de si gente que também tentava sustentar uma mentira e ainda tirar vantagem dela. Bastou um cliente se manifestar para que o reino todo se voltasse contra a Vossa Magestade.

Não basta parecer honesto. Não existe tecido má-gico. Estamos todos nus.

Juliano Rigatti é jornalista, possuiMBA em Gestão Empresarial e trabalha com

varejo há 10 anos. E-mail: [email protected]. Cartão de visita: http://flavors.me/uzina

O rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos e voltou correndo para dentro do palácio.

Quanto aos espertalhões, já estavam longe e de-viam ter transferido os milhões que haviam ganho para um paraíso fiscal...”.

E que relação há entre este escândalo e a empresa em que você trabalha?

Digamos que o rei seja a sua empresa e o menino em cima da árvore, o seu cliente.

No passado, o grande vilão da reputação de uma empresa, especialmente de uma empresa de serviços, chamava-se boca a boca. Temia-se que a má impressão de um cliente ou de um fornecedor influenciasse outro cliente ou fornecedor. Ou inúmeros deles. A amplitude de uma opinião negativa sobre um feito de sua organi-zação era difícil de ser definida.

Obviamente que a mídia de massa nunca foi des-prezada. Televisão, rádio, jornais e revistas sempre fo-ram os grandes responsáveis pela robustez de muitas marcas no imaginário coletivo. Não há dúvida. A dife-rença é que há alguns anos, o já temido boca a boca transformou-se em uma revolução digital – passando a concorrer, inclusive, com os veículos tradicionais. Há um protagonismo generalizado. E não basta dizer que muitas vezes somos até mais influenciados pela percep-