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ISBN: 978-85-7282-778-2 Página 1
O RELEVO DE CUESTAS NO ESTADO DE SÃO PAULO:
ESTUDO EM BUSCA DO ENTENDIMENTO DE SUA DINÂMICA
EROSIVA
Cenira Maria Lupinacci (a), Tissiana de Almeida Souza (b)
(a) Departamento de Planejameno Territorial e Geoprocessamento, Instituto de Geociências e Ciências Exatas,
UNESP, [email protected]
(b) Departamento de Planejameno Territorial e Geoprocessamento, Instituto de Geociências e Ciências Exatas,
UNESP, [email protected]
Eixo: 6 -Dinâmica e gestão de bacias hidrográficas
Resumo
Na região sudeste do Brasil, o estado de São Paulo caracteriza-se por apresentar uma sinuosa linha de escarpas, que constituem um sistema de cuestas, cujas feições que indicam a
presença de considerável morfodinâmica. Assim, o objetivo desse trabalho é discutir a dinâmica
erosiva da área drenada pelo rio PassaCinco, caracterizada pela presença de extenso front de
cuestas. Para isso, foi elaborado um mapa geomorfológico da área e coletadas informações sobre
os materiais constituintes do relevo. A partir desses dados, foi possível constatar a presença de
várias rampas coluviais no sopé das escarpas da cuesta as quais se apresentam dissecadas por
sulcos erosivos. Ainda, muitos afluentes do rio Passa Cinco apresentam leques aluviais em seus
desagues, demonstrando a sobrecarga de sedimentos que essas drenagens carregam. Diante dessas
constatações, considera-se que o mapeamento produzido, assim como sua análise, podem nortear
futuras ações de planejamento e gestão da dinâmica erosiva da área.
Palavras chave: mapa geomorfológico, rampas coluviais, feições erosivas, front cuestiforme.
ISBN: 978-85-7282-778-2 Página 2
1. Introdução
Na região sudeste do Brasil, o estado de São Paulo caracteriza-se por apresentar
extensa área de domínio sedimentar, de relevo suavizado, o qual é interrompido por uma
sinuosa linha de escarpa, entendido como um sistema de cuestas. Desde os trabalhos
clássicos, com destaque para Penteado (1976), já se afirmava que a morfogênese do relevo de
cuestas da bacia do Paraná é resultado de fenômenos mais complexos do que aqueles típicos
de circundesnudação. Neste viés, Penteado (1976, p. 42) destacava a necessidade de um
cuidado nessa discussão, apontando para uma possível origem de duplo aspecto: tectônico e
erosivo. Essa autora defendia que a explicação genética a esse conjunto de cuestas se encontra
atrelada a uma escavação que “não foi exclusivamente erosiva guiada pelas camadas tenras,
porém resultante de erosão diferencial desenvolvida por uma drenagem pós-cedente a
falhamentos pós-cretácicos”. (PENTEADO, 1976, p. 46)
Há estudos, por sua vez, que priorizaram uma abordagem estrutural, como por
exemplo, a pesquisa de Facincani (2000). Em estudo sobre a ação da morfotectônica na
modelagem da paisagem local, valendo-se de investigações litológicas, estruturais e
geomorfológicas, Facincani (2000) identificou um sistema de falhamentos que pode exercer
influência nos processos erosivos responsáveis pela elaboração desse relevo de cuestas.
Assim, ao considerar a referida complexidade da morfogênese desse relevo
cuestiforme, Penteado (1976) já apontava a necessidade de estudos de tectônica, cronologia
absoluta e geomorfologia das zonas de contato depressão-escarpa de cuesta para trazer mais
luzes ao entendimento da sua dinâmica evolutiva.
Além disso, esse conjunto de relevos, quando avaliados in loco, apresentam feições
que indicam a presença de considerável dinâmica erosiva a qual necessita ser analisada,
visando diagnosticar e planejar um adequado uso da terra. Trata-se de setores do interior de
São Paulo com intensa atividade agrícola, com destaque para o cultivo de cana de açúcar,
visando o abastecimento das usinas sucroalcooleiras do interior paulista.
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Considerando essas questões, foi selecionada como área de estudo a alta bacia do rio
Passa Cinco (Figura 1) cujas nascentes caracterizam-se como drenagens obsequentes que
recortam o front da cuesta.
Figura 1 –– Altimetria e perfil topográfico da área de estudo.
Elaboração: Carolina Doranti Tiritan
Assim, o objetivo desse trabalho é discutir a dinâmica erosiva da área drenada pelo
rio Passa-Cinco, a qual é caracterizada pela presença de extenso front de cuestas. Para atingir
esse objetivo, foi elaborado um mapa geomorfológico da área, cujos dados foram analisados
conjuntamente com aqueles, obtidos por meio de informações bibliográficas, referentesaos
solos, a litologia e as feições tectônicas existentes nesse setor.
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2. Material e Métodos
A carta geomorfológica da bacia do rio Passa Cinco foi organizada através da
interpretação de pares estereoscópicos de fotografias aéreas disponíveis no acervo da UNESP,
em escala aproximada de 1:40.000, datadas de 1988. Os dados obtidos nessa interpretação
foram transformados para escala de 1:50.000 visto ser essa a escala disponível em termos de
base topográfica da área. A base topográfica foi organizada a partir das cartas topográficas
Itirapina (Folha SF-23-M-I-3) e Rio Claro (Folha SF-23-M-I-4), elaboradas pelo IBGE (1969
a, b).
O primeiro procedimento consistiu na digitalização, através de scanner, das 31 (trinta e
uma) fotografias aéreas, que foram posteriormente trabalhadas no aplicativo para computador
StereoPhoto Maker®, seguindo os procedimentos descritos por Souza e Oliveira (2012) para a
elaboração de imagens tridimensionais através do método Anáglifo, que possibilita a
interpretação visual através de óculos 3D. Esta técnica, conforme Souza e Oliveira (2012),
permite a identificação e a inserção das simbologias associadas à cartografia do relevo
diretamente sobre as imagens em ambiente digital, otimizando o trabalho dos pesquisadores e
possibilitando a interpretação simultânea de uma imagem tridimensional por duas ou mais
pessoas, o que não ocorre em ocasiões nas quais o par de fotografias aéreas é analisado
através de estereoscópio.
O procedimento seguinte foi o georreferenciamento das imagens tridimensionais no
ArcMap™ com a utilização de pontos comuns (pontes, confluências de drenagens,
cruzamentos de estradas) presentes na base topográfica. Desta forma, gerou-se um mosaico de
imagens em três dimensões para a área de estudo.
A próxima etapa consistiu na interpretação visual das imagens com óculos 3D comum
e a inserção das simbologias que representam as formas de relevo cartografadas.A preparação
das simbologias correspondentes às formas de relevo seguiu os procedimentos técnicos
propostos por Paschoal, Conceição e Cunha (2010).
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Ainda, as propostas técnicas de Tricart (1965) e Verstappen e Zuidam (1975)
orientaram o processo de elaboração da cartografia do relevo da área de estudo, assim como a
escolha dos símbolos, cores e tramas que compõem o mapeamento. Como a área de estudo é
bastante extensa, nesse artigo apresentar-se-á trecho relevante do mapa realizado o qual
permite compreender os principais resultados obtidos.
3. Resultados e Discussão
O front das cuestas (Figura 2) abarca um conjunto de feições expressivas da paisagem
da bacia do rio Passa Cinco. As litologias que sustentam este compartimento geomorfológico
são compostas pela interdigitação entre os basaltos da Formação Serra Geral e os arenitos de
ambiente continental desértico da Formação Botucatu, depositados a cerca de 145 milhões de
anos (PERROTA et al., 2005). Esta linha destacada pelo desnível altimétrico é caracterizada
por cornija bem demarcada por declives acentuados (acima de 47%) e talus cuestiforme com
presença de rampas coluviais (Figura 2) que definem a transição para o compartimento da
Depressão Periférica Paulista, no qual ocorrem declives predominantes de 12 a 30%. O
desnivelamento topográfico provocado pela presença do front cuestiforme gera quedas d’água
nos afluentes do rio Passa Cinco que nascem no reverso deste (Figura 3a).
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Figura 2 - Cuestas no setor SE da bacia do rio Passa Cinco.
A análise da figura 3b permite verificara presença de várias rampas coluviais no sopé
das escarpas da cuesta as quais, conforme verificado in loco, se encontram dissecadas por
sulcos erosivos, demonstrando a fragilidade desses materiais, transportados
gravitacionalmente e com baixa agregação. Trata-se de extensas áreas de transição do relevo
que em muitos casos já estão recobertas por pastagens e pela cultura da cana de açúcar
(Figura 2). A cultura da cana de açúcar, em primeiro plano na figura 2, em sua fase inicial de
desenvolvimento, recobre de forma parcial os solos, deixando-os expostos à dinâmica pluvio
erosiva típica do início da estação chuvosa. Essa dinâmica erosiva leva a construção frequente
de terraços agrícolas (Figura 3c), os quais nem sempre são eficazes na contenção da erosão
visto que muito comumente se registra a presença de sulcos erosivos em áreas com esse tipo
de prática conservacionista. Convém destacar ainda que, segundo IAC (1981, 2014), os solos
da área estudada apresentam-se dominados pela fração arenosa, derivada dos sedimentos
areníticos da Formação Botucatu. A conjunção desses fatores justifica a preocupação causada
por processos erosivos na região.
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Além disso, muitos afluentes do rio Passa-Cinco apresentam leques aluviais em seus
desagues, assim como fundos de vale de fundo plano (Figura 3d), demonstrando a sobrecarga
de sedimentos que essas drenagens carregam. Essa sobrecarga, abandonada principalmente ao
longo do curso principal, advém também do perfil longitudinal dos afluentes do rio Passa
Cinco, os quais têm suas nascentes no setor de montante do front (Figura 3), no reverso
cuestiforme, e sua energia dinamizada a partir de cachoeiras que se desenvolvem na travessia
da referida feição do relevo. No setor de reverso ainda, apresentado na porção inferior da
figura 3e, destaca-se a frequência de rupturas topográficas. As rupturas topográficas, ao se
desenvolverem em função das variações de resistência das fáceis litológicas, nesse caso da
Formação Itaqueri ((PERROTTA et al., 2005), indicam que tal terreno encontra-se submetido
a ação erosiva que, ao denudar tais resistências, criam as irregularidades no formato das
vertentes. Dessa forma, os cursos fluviais a jusante do front cuestiforme apresentam
dinâmicas deposicionais marcantes, com fundos de vale planos.
Essa dinâmica de movimentação dos materiais ainda é agravada pela presença de
lineamentos tectônicos, identificados pela bibliografia (FACINCANI, 2000) e passíveis de
serem reconhecidos pelos cotovelos e retilinidades (Figura 3f) presentes no sistema fluvial
estudado.A presença de tais lineamentos responde ainda pela aceleração natural dos processos
erosivos, levando a evolução e recuo do front da cuesta e a geração dos morros testemunhos.
Assim, na figura 2 e 3g é possível observar a presença de morro testemunho e sua
proximidade com o front cuestiforme. Essas feições encontram-se separadas por um sistema
de drenagem cujas retilinidades e ângulos de mudança de rumo dos cursos fluviais
demonstram a presença de lineamentos.
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Figura 3 – Recorte de trecho da carta geomorfológica da bacia do rio Passa Cinco. Em a quedas de
água, em b rampas de colúvio com sulcos erosivos, em c terraços agrícolas, em dvale de fundo plano, em e
rupturas topográficas do reverso, em f cotovelos e em g morro testemunho.
a b
c
d
e
f
g
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4. Considerações Finais
A área estudada apresenta especificidades geomorfológicas tanto em termos de feições
do relevo como de dinâmica processual e de materiais. Assim, a dinâmica erosiva e
deposicional do relevo torna-se bastante ativa, o que gera a presença de feições erosivas
lineares em um cenário de atividades agropecuárias intensas. Essas feições erosivas lineares
são registradas mesmo quando o uso da terra é acompanhado por práticas conservacionistas.
Esse fato relaciona-se diretamente ao domínio arenítico dos solos e da litologia, com destaque
para a presença da Formação Botucatu e de Latossolos e Argissolos com elevados índices de
areia, conforme dados apresentados respectivamente por Perrota et al. (2005) e IAC (1981).
Além da fragilidade dos materiais constituintes apontada, ainda registram-se
frequentes lineamentos sobre os quais se encaixam sistemas de drenagens, fato apontado por
Facincani (2000) e possível de ser constatado também pela trajetória dos cursos fluviais
(Figura 3).Assim, os rios, aproveitando-se da fragilidade estrutural, desenvolvem intensa
dinâmica erosiva a qual se reflete na dinâmica das vertentes que são frequentemente marcadas
por rupturas topográficas e feições lineares, principalmente sulcos erosivos. Tais lineamentos
ainda auxiliam o recuo do front cuestiforme, que se apresenta intensamente festonado, assim
como a individualização dos morros testemunhos (Figura 2 e 3).
A disposição espacial dos cursos fluviais, com nascentes no reverso da cuesta, e curso
marcado pela presença de cachoeiras em função do front, também criam intensa dinâmica de
materiais. Dessa forma, o desnível topográfico do front, além de se constituir em um degrau a
ser equalizado pelos rios ao longo de seu perfil longitudinal, ainda gera a presença de rampas
de colúvio em seu sopé, as quais, pela natureza dos materiais transportados por gravidade,
constituem-se em terrenos de elevada suscetibilidade erosiva.
Além dessas características naturais dos terrenos, vinculadas aos materiais,
lineamentos e morfologia, convém considerar que a área de estudo encontra-se em setor do
Estado de São Paulo dominado pela cultura canavieira, a qual apresenta um ciclo de cultivo
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(Figura 2) que pouco protege os terrenos nas primeiras chuvas de verão, colaborando com a
dinâmica erosiva.
Diante dessas constatações, considera-se que o mapeamento produzido, assim como
sua análise, constitui-se em um diagnóstico dessas especificidades, podendo nortear futuras
ações de planejamento e gestão da área.
Agradecimentos
Agradecemos à FAPESP pelo financiamento, processo n. 2016/25231-3
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