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 1. Antes de falar do espetáculo, volto a atenção a Ionesco, também conhecido como um dos pais do Teatro do Absurdo. Eugène nasceu na Romênia em 1912, passou parte de sua infância na França, voltou para Romênia em 1925 onde se graduou em literatura francesa pela Universidade de Bucareste e, mais tarde, voltou para França, para ser mais exato a Paris, por receber uma verba do governo para estudar neste país e escrever uma tese sobre "pecado e morte na poesia francesa desde Baudelaire".  A história de Ionesco com o teatro começou quando ele já tinha 40 anos de idade. Ele começou a estudar a língu a inglesa por conta pró pria, fez d escoberta s que por uma ótica seriam banais, de senso comum, mas acabaram resultando numa revolução importante das técnicas dramáticas e acabou inaugurando o Teatro do Absurdo. Eugène flerta com problemas reais em seus trabalhos, que beiram o simbolismo. Dessas experimentações, ele criou a peça "A Cantora careca" (La Cantatrice chauve), apresentada em 1950 no Teatro dos Noctambules , na França. Com essa peça, Ionesco conseguiu dar o primeiro passo para a consolidação doTeatro do Absurdo, também conhecido como o  Anti-Teatro. Mesmo com o primeiro sucesso como dramaturgo, ele tinha problemas em dominar a técnica de composição de textos teatrais completos. Tais problemas em conseguir uma unidade dramática persistiram em seus trabalhos seguintes "Amedeu" (Amedée) 1954, "Assassino sem ordenado" (Tueur sans gages), em 1959 e "O Rinoceronte" (Le Rhinocéros) de 1959, sendo sanados a partir da peça "O Rei está a morrer" (Le roi se meurt) em 1962.  2. Até o apare cimento de O Rinocero nte, a drama turgia de Ion esco caracteri zou-se pela apresentação irônica e desconcertante de indivíduos vivendo situações absurdas e particulares. A partir daí perde o interesse por situações isoladas entre seres que se deglad iam entre si por meio de pala vras vazias. Suas reflexões concentram -se muito mais nas vidas de comunidades, geralmente submetidas e impotentes diante de forças estranhas.  A morte é uma das grandes obsessões de Ionesco, grande força que nenhuma lucidez ou vontade po de deter. E la sim é real, não fing e, não precis a de raciocíni os lógicos para explicar-se. E, sobretudo, não é absurda. Absurdas são as histerias coletivas que ele situou em O Rinoceronte. Ionesco contou como foi o ponto de partida da peça. O escritor francês Denis de Rougement encontrava -se em Nüremberg qua ndo teve a oportunidad e de assis tir a uma daque las impressiona ntes manifestações nazistas. Uma multidão imen sa postava -se à espera do Führer, que tardava a chegar. Quando a comitiva de Hitler apareceu,m o povo foiu tomado de uma histeria tão conta giosa, que o própr io Rougemo nt se sentiu atin gido. Já estava prestes a sucumbir à estranh a e terrível magia, qua ndo, afastan do -se da turba, parou para pensar: que espécie de demônio o estava possuindo, para ficar quase seduzido pela idéia de se entregar, como os outros, ao delírio insano? Então O Rinoceronte é uma grande sátira ao nazismo. As palavras de ordem dos conformistas da época da ocupação alemã na França tinham bastante relação com a adesão dos habitantes da cidade de Ionesco à rinocerontite . "Eles não atacam...", "Se os deixar tranquilos, eles ignoram vocês." Mas O Rinoceronte vais mais longe: é uma crítica a todo pensamento totalitário, de direita ou esquerda, que possa esmagar todos os outros, e que gere um sistema onde não haja mais lugar para qu alquer ti po de op osição.  Além disto, critica também o conformismo, que, criando condições de submissão a uma ordem absurda, transforma os homens em verdadeiros títeres. Por comodismo, por inércia, por interesse, os conforma dos seguem passivamente a manada , mansos e anônimo s, renunciando àquilo que neles é mais essencial e elevado: o pensamento. Disseram que Ionesco ficou muito perto do didatismo de Brecht nesta peça. Esta afirmação deve ter surpreendido o dramaturgo, tão avesso à ideologias. Ionesco não acredita, como

o rinoceronte

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1. Antes de falar do espetáculo, volto a atenção a Ionesco, também conhecido como um dos pais doTeatro do Absurdo. Eugène nasceu na Romênia em 1912, passou parte de sua infância na França,voltou para Romênia em 1925 onde se graduou em literatura francesa pela Universidade deBucareste e, mais tarde, voltou para França, para ser mais exato a Paris, por receber uma verba dogoverno para estudar neste país e escrever uma tese sobre "pecado e morte na poesia francesadesde Baudelaire".

  A história de Ionesco com o teatro começou quando ele já tinha 40 anos de idade. Elecomeçou a estudar a língua inglesa por conta própria, fez descobertas que por uma ótica seriambanais, de senso comum, mas acabaram resultando numa revolução importante das técnicasdramáticas e acabou inaugurando o Teatro do Absurdo. Eugène flerta com problemas reais em seustrabalhos, que beiram o simbolismo. Dessas experimentações, ele criou a peça "A Cantora careca"(La Cantatrice chauve), apresentada em 1950 no Teatro dos Noctambules, na França. Com essapeça, Ionesco conseguiu dar o primeiro passo para a consolidação do Teatro do Absurdo, tambémconhecido como o  Anti-Teatro. Mesmo com o primeiro sucesso como dramaturgo, ele tinhaproblemas em dominar a técnica de composição de textos teatrais completos. Tais problemas emconseguir uma unidade dramática persistiram em seus trabalhos seguintes "Amedeu" (Amedée)1954, "Assassino sem ordenado" (Tueur sans gages), em 1959 e "O Rinoceronte" (Le Rhinocéros)

de 1959, sendo sanados a partir da peça "O Rei está a morrer" (Le roi se meurt) em 1962. 

2. Até o aparecimento de O Rinoceronte, a dramaturgia de Ionesco caracteri zou-se pela

apresentação irônica e desconcertante de indivíduos vivendo situações absurdas e

particulares. A partir daí perde o interesse por situações isoladas entre seres que se

degladiam entre si por meio de palavras vazias. Suas reflexões concentram -se muito mais

nas vidas de comunidades, geralmente submetidas e impotentes diante de forças

estranhas.

 A morte é uma das grandes obsessões de Ionesco, grande força que nenhuma lucidez ou

vontade pode deter. Ela sim é real, não finge, não precisa de raciocíni os lógicos para

explicar-se. E, sobretudo, não é absurda. Absurdas são as histerias coletivas que ele situou

em O Rinoceronte.

Ionesco contou como foi o ponto de partida da peça. O escritor francês Denis de

Rougement encontrava -se em Nüremberg quando teve a oportunidade de assistir a uma

daquelas impressionantes manifestações nazistas. Uma multidão imensa postava -se à

espera do Führer, que tardava a chegar. Quando a comitiva de Hitler apareceu,m o povo

foiu tomado de uma histeria tão contagiosa, que o própr io Rougemont se sentiu atingido. Já

estava prestes a sucumbir à estranha e terrível magia, quando, afastando -se da turba,

parou para pensar: que espécie de demônio o estava possuindo, para ficar quase seduzido

pela idéia de se entregar, como os outros, ao delírio insano?

Então O Rinoceronte é uma grande sátira ao nazismo. As palavras de ordem dos

conformistas da época da ocupação alemã na França tinham bastante relação com a

adesão dos habitantes da cidade de Ionesco à rinocerontite . "Eles não atacam...", "Se os

deixar tranquilos, eles ignoram vocês."

Mas O Rinoceronte vais mais longe: é uma crítica a todo pensamento totalitário, de direita

ou esquerda, que possa esmagar todos os outros, e que gere um sistema onde não hajamais lugar para qualquer tipo de op osição.

 Além disto, critica também o conformismo, que, criando condições de submissão a uma

ordem absurda, transforma os homens em verdadeiros títeres. Por comodismo, por inércia,

por interesse, os conformados seguem passivamente a manada, mansos e anônimo s,

renunciando àquilo que neles é mais essencial e elevado: o pensamento.

Disseram que Ionesco ficou muito perto do didatismo de Brecht nesta peça. Esta afirmação

deve ter surpreendido o dramaturgo, tão avesso à ideologias. Ionesco não acredita, como

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Brecht, numa nova ordem política capaz de redimir o homem. A falta de preocupação

sociológica de seu teatro valeu -lhe inclusive uma longa polêmica com o crítico inglês

Kenneth Tynan, no jornal Observer de Londres.

Tynan, que fora um dos primeiros admiradores de Ionesco, dizia em 1958, que o autor fazia

um teatro totalmente desvinculado da vida, em suma, um divertissement , que furtava a

prestar serviços ao próprio teatro. Ionesco, por sua vez, rebatia as críticas e afirmava que

sua arte não era dissociada da vida e da morte dos homens- e que, de resto, não cabia nem

a ele, nem à arte em geral, se ocupar com a solução do destino do homem. Ionesco sempre

se mostrou irritado com textos onde o teatro é usado para propagar idéias, ideologias,

vaidades. Esta seria a sua posição frente à dramaturgia: o autor não é demagogo,

pedagogo, , líder. O texto deve fluir da anarquia interior e, se, eventualmente refletir um

tempo, uma história - como em O Rinoceronte-, será mera casualidade.

Mesmo sem desejar fazer um teatro engajad o, a crítica está implícita em todas as suas

obras. Em seu universo burlesco e desesperado, as personagens de Ionesco traduzem uma

alienação sintomática. Seus diálogos, monólogos, refrões, clichês, não mascaram nenhuma

verdade grandiloqüente ou metafísica: dão apenas a medida de um mundo esclerosado e

inviável, onde não resta muito a fazer. O homem está abandonado a si mesmo e marcado

para morrer. Não há nada - nem deuses nem anjos - que possa impedir sua queda.

Gregor Samsa causou comoção ao se transformar num pequeno e inofensivoinseto no livro A Metamorfose, de Franz Kafka, imagine a repercussão de ter todos

os personagens de uma história, um a um, se transformando em rinocerontes nopalco. Mas, tratando-se de uma peça de Eugène Ionesco, dramaturgo do absurdo,ninguém estranhou muito.

Eugène Ionesco nasceu na Romênia em

1909, e passou a infância em Paris, na

 

França. Suas primeiras peças são quase

esquetes, e não fizeram muito sucesso naépoca, apesar de mais tarde, na década desessenta, terem se transformado emmaterial cult, principalmente A Cantora

Careca e A Lição. Acabou consagrado,

premiado em todo o mundo e eleito para aAcademia Francesa em 1970. No final davida, Ionesco deixou o teatro um pouco de lado para se dedicar à defesa dos

direitos humanos. Morreu em Paris em 1994.

Juntamente com Samuel Becket (de Esperando Godot ), Eugène Ionesco é um dospais do teatro do absurdo. Contra tudo que se fazia no teatro, el es abriram novasportas onde qualquer coisa era possível. Mas enquanto Becket produziu um

nonsense quase puro, centrado no campo das idéias e desvinculado da realidadeimediata, Ionesco escreveu várias peças que remetem a problemas reais e podemser consideradas beirando o simbolismo. O Rinoceronte, de 1958, é uma delas.

Assim, do nada, numa corriqueira cena de rua parisiense, passa um rinoceronte

correndo. O povo, quase em uníssono, se surpreende, mas a vida continua.

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Também continuam, porém, a aparecer rinocerontes. E isto serve de pretexto para

muitas conversas sobre a possível origem destes rinocerontes, e até sobre se tudo

 

não passaria de ilusão. Um especialista em lógica é consultado, mas suas

elocubrações são tão absurdas que incluem até a teoria de que o filósofo Sócratesna verdade teria sido um gato. Outro personagem chega à conclusão que os

rinocerontes vistos não passam de fruto da imaginação, e mesmo quandoconfrontado com um dos paquidermes recusa-se a admitir que está vendo umdeles. Mais tarde, quando já é impossível negar, ele se apresenta como um dosprimeiros a ter estudado a questão. É com pequenos episódios como este que

Ionesco vai construindo em O Rinoceronte um painel de tipos que todos nós bemconhecemos.

Em meio a todos estes rinocerontes e às teorias que os cercam, está o

protagonista Berenger. Ele parece ser o único a perceber que algo está muitoerrado, o primeiro a pressentir a verdade sobre a origem de tantos rinocerontes, o

primeiro a levantar a voz contra a corrente de inutilidades proferidas pelos outros

personagens. E é tanto a cegueira quanto a recusa em ver que condena a todos,que os destina a fecharem o círculo transformando-se eles mesmo emrinocerontes.

O rinoceronte, esse animal estranho e quase mítico (durante séculos, na Europa,

acreditava-se que fosse um ser raro e mágico), sempre foi símbolo de algo dentrode nós, das gravuras de Dürer aos filmes de Fellini, sem esquecer as estátuas deDalí. Ionesco soube capturar a mesma imagem e fazer de sua peça O Rinoceronte 

 

um marco da história do teatro.