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Revista Estudos Amazônicos • vol. VIII, nº 2 (2012), pp. 190-210
O Rio Amazonas: colonização e conquista
na visão de Américo Santa Rosa
Elson Luiz Rocha Monteiro*
Resumo: O autor analisa a partir de uma visão inicial e poética a lendária descoberta do rio Amazonas e a sua denominação por Vicente Yanes Pinzón, através do texto de Américo Santa Rosa que aborda a conquista e a colonização das margens do grandioso rio, cuja abordagem descreve a sua geografia e a sua geologia, assim como apresenta uma etnografia, das paisagens, dos povos que habitavam suas margens e da presença europeia na sua colonização, relacionando à tese deste autor.
Palavras-chave: Amazonas, Conquista, Colonização.
Abstract: The author examines the text written by Américo Santa Rosa about
the conquest and colonization of the river margin from a poetical initial view of the legendary discovery and denomination of the Amazon River by Vicente Yáñes Pinzón. The description of the landscape and of the people which lived in its riverbanks, as well as the european presence in its colonization, are related to the thesis supported by the author of this article about Freemasonry, power and sociality in the State of Pará during the 19th century.
Keywords: Amazon, Conquest, Colonization.
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A frota com audazes aventureiros singrava pelas águas barrentas
do “Mar Dulce”, cercado pela floresta tropical, calor e beleza
misturavam-se ao brilho da Serra da Lua, ao penetrar no belo
Sapucuá. Os marinheiros, sedentos e famintos, intentavam
aproximar-se das margens, quando então viram uma tribo de
mulheres guerreiras, de pele de cobre, saírem das matas com uma
habilidade que surpreendeu até os mais hábeis arqueiros da frota,
atacaram os bergantins, obrigando-os a afastarem-se das margens.
Os aventureiros se Perguntavam: quem seriam aquelas mulheres de
longos cabelos trançados e de pele bronzeada, com os seios
morenos a mostra, valentes, audazes, que colocavam os guerreiros
alvos, como a lua que brilhava na serra, a afastarem-se de suas
terras. Imaginaram então, que poderia ser aquilo que lhes fora
contado em sua infância, nas terras distantes de onde vieram.
Das terras de onde vieram, frias e sem a exuberância do verde e
do sol que queimava as suas peles claras, suas avós contavam a
lenda de uma tribo de mulheres guerreiras, hábeis cavaleiras,
precisas com seus arcos que disparavam flechas mortais. Suas avós
diziam que se tratava das terríveis “amazonas da Capadócia”,
mulheres guerreiras que defendiam seu território dos invasores, as
quais foram cantadas em prosa e verso por gregos e romanos. E
aquelas mulheres que habitavam este imenso rio que chamavam de
“Mar Dulce”, quem seriam? Suas mentes não esqueceriam mais. E,
ao singrar aquelas águas novamente, sabiam que estavam
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navegando no que agora passaram a chamar de “Rio das
Amazonas”.
Dos incidentes da viagem narrados por Orelhana, mais impressionara a referência a um combate que tivera de travar, em fins de julho de 1542, com uma legião de bellas mulheres semi-nuas, robustas e varonis, com os longos cabelos trançados ao redor da cabeça, que recurvando grandes arcos, faziam chover mortíferas flechas sobre os míseros soldados. Orelhanna, vendo caírem cinco dos seus companheiros, ordenou que o bergantin se approximasse da terra, protegendo a retirada das canoas. Esta manobra e a violência do ataque dos arcabuzes não demoveram as irritadas guerreiras das suas primitivas posições, sem que o número de mortas e feridas lhes parecesse espanto. O audaz capitão hespanhol, que dera antes o seu nome ao rio, cuja correnteza o conduzia a tão estranhas aventuras, chamou-o então “Rio das Amazonas”, em lembrança da valente hoste que tão denodadamente buscara tolher-lhe os passos1.
Desta forma lendária e poética, começa a História do Rio
Amazonas, que no dizer de Gonçalves Dias, em sua
“Confederação dos Tamoios”, é visto como a:
Baliza natural que ao norte avulta O das águas gigante caudaloso Que pela terra alarga-se vastíssimo; Do oceano rival, o rei dos rios, Si é que o nome de rei o não abate; Pois mais que o rei supera em pompa e brilho.
O rio-mar das amazonas, rio de encantos e poesias, do boto e
da Iara, que as crianças aprendiam desde tenra idade como sendo,
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“o maior rio do mundo em volume d`água”. E, hoje, com a
descoberta de nascentes mais longínquas, alguns o consideram o
maior rio do mundo em comprimento, superando o lendário Nilo,
berço da civilização egípcia. É desse rio de tantos encantos que
Santa Rosa desenvolveu sua tese que resultou na bela “História do
Rio Amazonas”, com sua minuciosa história geográfica e geológica
do belo rio e a narrativa de sua conquista e de seu povoamento.
A “História do Rio Amazonas”, de Santa Rosa, é um belíssimo
trabalho, que como é descrito no parecer final de aprovação de sua
tese, defendida no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
“relata o assumpto com ampla informação, estudando em primeiro
logar a Geographia physica da região banhada pelo - rio por
excellencia, glória do nosso planeta - como o qualificou o eminente
Elisée Reclus -” para passar em seguida à história do
descobrimento, por Vicente Yanez Pinzon, nos dias iniciais do
século XVI, às empresas trágicas ou malogradas de Pizarro e
Orellana, de Úrsua e de Aguirre, no correr do mesmo século, às
aventuras dos que buscavam o El-Dorado e dos que procuravam
colonizar as terras, até a expedição famosa de Pedro Teixeira
realizada na primeira metade do século seguinte, às missões de
catequese, “às viagens de caracter comercial – e as explorações
scientificas, que veem de Humboldt, Spix e Martius, aos
naturalistas e viajantes do Museu Goeldi”2.
A monumental obra começa falando da possível existência do
lendário continente da Atlântida, descrito por Platão em Timeu e
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Crítias. O gigantesco continente, que segundo o autor, “teria
existido na época devônica e que se rompendo, ao tempo do
devonio superior, deixaria... separados os dois continentes da era
paleozoica mais recente, o da Atlanta, ao norte e o de Gondwana, ao
sul”.3
Não entraremos na descrição fantástica que faz fez Santa Rosa
sobre os aspectos geográficos e geológicos do grande rio que nasce
nos contrafortes dos Andes peruanos e que tem uma história
geológica proveniente da época devônica, mas procuraremos
destacar ao longo deste trabalho, os aspectos políticos e históricos
que envolveram esta história, misto de lenda e realidade,
destacando principalmente a importância do Amazonas na
integração da região norte do Brasil, o qual serve de estrada
natural, como a veia principal de um sistema arterial que engloba
os seus irmãos grandiosos, como o Madeira, o Purus, o belo e o
misterioso rio Negro, bem como o encantador Tapajós, o
Tocantins, em cujas águas deságua o Araguaia e o Itacaiúnas. No
Amazonas desaguam, também, pequenos rios poéticos e cheios de
magia como o Surubiú, que banha a bucólica Alenquer.
Amazonas de tantas lendas, de distâncias gigantescas, cuja
medição de tempo é feita em dias e não em horas para calcular o
seu percurso. Fala-se em distâncias amazônicas, em tempos
amazônicos e a terra em sua volta povoada de Iaras e Botos,
encantados e encantarias, de um caboclo remador e cantador,
como cantava o maestro Waldemar Henrique. Região que já foi
Revista Estudos Amazônicos • 195
chamada de planície, mas que as descobertas posteriores revelaram
tratar-se de um vale, tendo à sua direita, o Planalto Central
Brasileiro e à sua esquerda, o Planalto das Guianas, entre um e
outro, exibe o vale em volta do Grande Rio.
Em suas terras e floresta espalham-se tribos, guerreiras no
passado, domesticadas e em extinção no presente, que
desaparecem do mesmo modo que os animais amazônicos pela
atividade predatória de um capitalismo que, na ânsia do lucro,
destrói e não sustenta os homens e a natureza. Tal é o rio que
Elysée Reclus denominou – o rio por excelência, a glória do nosso
planeta – tal é a região privilegiada, por ele, na qual, na opinião de
Humboldt – “mais cedo ou mais tarde se há de concentrar a
civilização do globo”.4
A conquista do Amazonas reporta a viagem de Vicente Yanez
Pinzon, comandante de uma das caravelas de Colombo, que
retornou à América e bordejando desde a América Central,
seguindo a costa, se viu, dias depois, tomado de surpresa, ao notar
que, “se achavam sulcando um mar de águas doces, deante do qual
como que haviam recuado as águas do oceano”.5
Era a foz do Amazonas, adentrada a primeira vez pelos
europeus que registrariam seu feito, denominando o grande rio de
águas doces de Santa Maria de La Mar Dulce. As tribos selvagens, na
linguagem europeia, que habitavam esta vasta região, são descritas
no trabalho de Santa Rosa como vindas do grande tronco tupi-
guarani e, em alguns casos do tronco gê. Tribos estas que não
196 • Revista Estudos Amazônicos
possuíam o nível de civilização das tribos que os espanhóis
encontraram no outro lado dos Andes, como perceberam ao
deparar-se com o grandioso Império Inca e ao norte, com o
majestoso Império Asteca.
A descrição desse mosaico tribal é um dos pontos grandiosos
do trabalho de Santa Rosa, o qual descreve minuciosamente os
grupos tribais existentes e as regiões que lhe serviam de “habitat”.
Não cabendo aqui adentrar nesta detalhada descrição, mas é
importante ressaltar quão grandioso é esse trabalho de Santa Rosa,
na descrição geográfica, geológica e humana da calha do
Amazonas, discutindo as origens da formação geológica e do
povoamento das terras amazônicas.
Nessa fase inicial de desbravamento e tomada de conhecimento
da região, Santa Rosa destaca o papel de Pedro Martyr d`Anghiera
que apresentou na corte da rainha Izabel de Castela, uma narração
detalhada da viagem e das descobertas de Pinzon:
É ainda Anghiera quem, em 1514, no livro IX 2ª década, faz a descrição do rio Maranon, designando os nomes das terras adjacentes - “Marinatambalo”, “Camamoro” e “Paricura”, como as descrevera Pinzon. Pela primeira vez se encontra o nome de Maranon, que alguns atribuem a informações de Estevam Fróes6.
O Amazonas que de Mar Dulce passou a Maranon, ainda assim
é chamado até entrar no Brasil, quando toma o nome de Solimões
Revista Estudos Amazônicos • 197
e, ao encontrar-se com o rio Negro, à altura de Manaus, recebe
então o nome pelo qual é mais conhecido, Amazonas.
As expedições de Pinzon e Orellanna não deram continuidade à
exploração e povoamento imediato do Amazonas, porque aquelas
“terras novas” eram consideradas de exclusivo direito de domínio
de Portugal e nelas se encontravam as extensões de terras
descobertas por Pinzon. O litígio resultante da disputa entre
portugueses e espanhóis, no dizer de Santa Rosa, “desde 1542
sucessivas Bullas Pontifícias vinham assegurando a Portugal o
direito de conquista das regiões dos infiéis, a descobrir ao Sul e a
Leste do Cabo Bojador até às Índias7”, que continuou afirmando:
Para solução do litígio, resolveram Portugal e Hespanha assignar, em 7 de junho de 1494, o célebre Tratado de Tordesilhas, pelo qual foi convencionada uma nova linha de limites entre os seus domínios, fixando a divisória por um meridiano a 270 legoas a oeste do archipelago de Cabo Verdxe, sanccionada pelo Papa Julio II, em 24 de janeiro de 15068.
Assim sendo, a colonização das terras da Amazônia pelos
espanhóis foi prejudicada pelo Tratado aludido. Os portugueses,
por sua vez, se despreocuparam com a colonização destas terras,
assim como do Brasil de um todo, pelo fato de encontrarem na
Índia uma estrutura de produção das chamadas “especiarias”, que
lhe trouxera lucros imediatos, dando-lhe, com aquisição a baixo
preço de artigos de luxo, como perfumes, seda, tapetes e etc., uma
enorme receita, eliminando a concorrência das cidades italianas,
198 • Revista Estudos Amazônicos
que adquiriam esses produtos a alto preço dos árabes, em
Bizâncio.
O que desencadearia a colonização da região seria a ocupação
do Maranhão pelos franceses, comandados por Daniel de La
Touche, Senhor de La Ravardiére, ao fundar a cidade São Luís e
tentar iniciar uma colônia a qual deu o nome de França Equinocial,
fato que obrigou o governo de Madri (na época Portugal estava
sob o domínio espanhol), a organizar uma expedição sob o
comando dos portugueses, Jerônimo de Albuquerque e Diogo
Moreno, cuja expedição não obteve o sucesso esperado. Então, em
1615, uma nova expedição comandada por Alexandre de Moura,
conquistou São Luís e obrigou os franceses a retirarem-se
definitivamente da região, acabando assim o sonho da “França
Equinocial”.
A partir desse fato teve início a colonização do Amazonas com
o envio da expedição de Francisco Caldeira Castelo Branco à foz
desse rio, pois, no dizer de Santa Rosa, “vencidos e expelidos os
invasores, removido estava o obstáculo para que chegassem ao
Amazonas os expedicionários da colonisação (mantida a grafia
original) do extremo norte, em conformidade das ordens da
metrópole”.9 Assim descreveu Santa Rosa sobre a fundação de
Belém:
Benevolamente acolhido pelos índios tupynambás, que habitavam as margens do rio Pará onde penetrou, poude assim Castelo Branco installar-se, sem demora, em uma ponta de terra sobre a Bahia
Revista Estudos Amazônicos • 199
do Guajará, que lhe pareceu mais favorável, e a que deu o nome de “Feliz Lusitânia”, construindo o seu abarracamento provisório e um forte de madeira a que chamou “Presepio”, para recordar o dia da partida da expedição.10
Assim foram lançados os fundamentos da cidade de Santa
Maria de Belém do Grão-Pará, a Belém de hoje. Estava também
lançada a pedra fundamental da conquista do Amazonas que teve
início com a expedição de Pedro Teixeira e com a posterior
“pacificação” dos indígenas através dos aldeamentos jesuíticos e
dos governamentais.
Exploração e conquista do Amazonas
A efetiva conquista do Amazonas se dará com a expedição de
Pedro Teixeira ainda no período de domínio espanhol. Os
portugueses, após a fundação de Belém, tiveram de expulsar os
piratas e os aventureiros, os contrabandistas, os ingleses, os
holandeses e os franceses que buscavam assentar-se na foz do
Amazonas. Para isto, os portugueses alicerçaram suas bases no
Forte do Presépio, posteriormente chamado de Castelo, em Belém
e, principalmente, no Forte de Gurupá. Franceses e ingleses
renunciaram logo às suas tentativas de colonização da área, mas os
holandeses, através da poderosa “Companhia das Índias
Ocidentais”, ainda tentariam, por volta de 1639, ocupar a região
compreendida pela bacia do Amazonas, mas “a expedição para isso
enviada às águas do rio-mar, teve de experimentar completa
200 • Revista Estudos Amazônicos
derrota, que lhe infligiu João Pereira de Cáceres, vindo do forte de
Gurupá”.11
Nesse mesmo ano, 1639, retornava a expedição de Pedro
Teixeira, que havia saído de Belém, dois anos antes, em 1637, para
explorar o grande rio. Em 1637, chegaram dois religiosos
espanhóis que tinham vindo de Quito e relataram que haviam
atravessado toda a região ao navegar pelo Amazonas. Estando
Portugal e suas colônias sob o domínio espanhol, não havia
problema de organizar-se uma expedição para explorar o grande
rio, pois, nesse momento, não haveria violação do Tratado de
Tordesilhas. Para isto foi preparada uma grande expedição, por
recomendação de Portugal, para explorar o Amazonas até o Peru.
Segundo Santa Rosa,
Iniciada na referida data, com 47 canoas, 2500 almas, 60 soldados, frei Domingos de La Brieba e os officiais Felippe de Mattos Cotrim, Pedro Favella e Pedro Baião de Abreu, foi certamente, essa expedição um dos factos mais memoráveis do periodo colonial do Amazonas.12
A partir desse momento teve início a colonização a partir da
submissão e da catequese dos índios, feita em grande parte pelas
missões fundadas por ordens religiosas, como os capuchos, os
carmelitas e principalmente pelos jesuítas; esta tarefa completava-
se com os estudos de naturalistas, de geógrafos e com os
estudiosos que abriram caminho para o conhecimento maior da
região.
Revista Estudos Amazônicos • 201
Ressalte-se em relação à viagem de Pedro Teixeira, que houve
um interesse de Portugal na exploração e ocupação dessas terras,
pois, em 1637, já havia um clima de agitação em Portugal pela
restauração da independência do país, do domínio espanhol, o que
ocorreria em 1640, porém Portugal já tinha deixado seu marco na
fronteira onde terminava a colonização espanhola a oeste, em
Iquitos e Letícia. Já prevendo a restauração, cuidaram os
portugueses com a viagem de Pedro Teixeira, de ocupar o espaço
da área compreendida entre o último reduto espanhol na
Amazônia, na atual fronteira do Peru e a região que ia deste ponto
até a foz, no Pará.
Posteriormente, o outro grande momento da história colonial
do grande rio se daria com o governo de Mendonça Furtado, no
século XVIII, quando, impulsionada pelo “progressismo” da era
pombalina, a região conheceria uma reforma administrativa e uma
modernização que lançaram as bases para a ocupação definitiva da
região, e em seguida passaria a viver a agitação da independência.
Ao longo do século XIX, uma das questões centrais ligadas ao
Gigantesco rio Amazonas, foi a abertura do grande rio à navegação
internacional, defendida por brasileiros e estrangeiros. Estes com a
ideia de penetrar através do mesmo para explorar e verificar as
riquezas da floresta, assim como colocar no horizonte a
perspectiva de colonização posterior, como a que se buscou
desenvolver na região de Santarém com a vinda dos confederados
americanos. Aqueles, os brasileiros defensores da abertura do
202 • Revista Estudos Amazônicos
Amazonas à navegação internacional, com a ideia de progresso e
desenvolvimento da região, que este fato poderia trazer, assim
como o de ampliar a colonização com a vinda dos povos europeus.
É este fato que nos coloca numa relação com o texto de Santa
Rosa, através de nosso trabalho sobre a maçonaria paraense no
século XIX, e ao falar sobre este tema não podemos deixar de
abordar sobre a figura de Aureliano Cândido Tavares Bastos, “o
apóstolo do progresso” do Brasil, no dizer de David Gueiros
Vieira13.
Neste sentido, A figura de Aureliano Cândido Tavares Bastos é
considerada de extraordinária importância no contexto brasileiro e
paraense do século XIX, pois foi um erudito conhecido e
importante nacionalmente, deputado do Partido Liberal, era um
homem de ideias progressistas e a razão de ele estar presente neste
trabalho, é o fato de ter se envolvido profundamente na discussão
sobre a abertura do Amazonas à navegação internacional, assunto
que foi tema de um dos grandes debates dos meados do século
XIX no Brasil e especialmente no Pará. Aureliano Cândido
Tavares Bastos foi um Homem de “ideias liberais, libertárias, pró-
imigração, está entre os que chamo de “amigos do progresso”14.
O debate sobre a abertura do Amazonas à navegação
internacional envolvia aspectos ligados à liberdade de comércio, à
penetração de novas ideias, inclusive no plano religioso, com a
abertura para a imigração protestante. Essas ideias tiveram em
Tavares Bastos um ferrenho defensor que participava ativamente
Revista Estudos Amazônicos • 203
do embate no âmbito intelectual e político. Em suas “Cartas do
Solitário”, Tavares Bastos receitava “o remédio para todas as
mazelas do Brasil”... , está, “o estabelecimento da mais ampla
liberdade de comércio... e a abertura do Amazonas e de outros
grandes rios brasileiros aos navios de todas as nações”.15 A partir
deste discurso, percebe-se que Esse debate era importante e
envolveria os diversos segmentos organizados da sociedade
brasileira, resultando em um embate do qual participariam os
partidos no parlamento, a maçonaria, a Igreja católica, os
positivistas, os republicanos e etc. Tavares Bastos estava no meio
deste redemoinho.
O Brasil não devia ter receio da competição e do mercado livre, escreveu Tavares Bastos. Na sua opinião, o impedimento dos maiores rios do Brasil, ou a entrega da sua navegação aos monopólios brasileiros era um estorvo ao comércio livre e uma barreira ao “progresso”. A exigência egoísta de monopólios, afirmou o jovem deputado, era um veneno que estava destruindo o país. ... O Brasil, a fim de alcançar o estágio de desenvolvimento real, tinha de abraçar o “verdadeiro evangelho”, ponderava Tavares Bastos. Esse “verdadeiro evangelho” era cosmopolita, colaborava “fraternalmente para a produção do mundo”, e explicava que era “para a riqueza, para a iluminação, para o progresso, para a moralidade, para o bem estar dos povos.16
Na verdade, este debate decorria em função do avanço e do
desenvolvimento do capitalismo internacional, que na segunda
metade do século XIX começava a transformar-se, do antigo
capitalismo das pequenas empresas para o capitalismo
204 • Revista Estudos Amazônicos
monopolista-financeiro, dos grandes grupos econômicos que
passaram a ter uma atuação em escala mundial, pois o mundo
entrava em uma nova era no setor de transportes, com os grandes
navios de ferro que irão singrar os mares, explorando todos os
recantos da terra e, desta forma, o debate da abertura do
Amazonas à navegação internacional se inseriu nesse contexto,
associado à ideia de progresso, ardorosamente defendida por
positivistas, pelos maçons e por pensadores progressistas como
Tavares Bastos.
Nesse período surgiu a proposta de criação de uma linha de
navegação a vapor New York-Rio de Janeiro, cuja ideia era “de
uma linha de vapores que, partindo de New York, seguisse pela
Costa Atlântica da América do Sul até sua extremidade”.17
Nesta contenda, tanto o Imperador como o Ministro das
Relações Exteriores, o Visconde do Rio Branco, ressalte-se, Grão
Mestre da Maçonaria Brasileira, discordavam do então jovem
deputado Tavares Bastos, que queria que a navegação costeira
fosse aberta à competição estrangeira. “Ambos estavam
convencidos de que o Amazonas, mais cedo ou mais tarde, deveria
ser aberto aos navios estrangeiros, entretanto, não antes de estarem
suas margens “colonizadas” por brasileiros”.18
A questão da abertura do Amazonas à navegação estrangeira
mobilizou os políticos liberais da região amazônica, como o
deputado paraense do Partido Liberal e maçom, Tito Franco de
Almeida, que “em 1860, discursava na câmara, pedindo a abertura
Revista Estudos Amazônicos • 205
do Amazonas à navegação estrangeira e o estabelecimento de uma
linha de vapores dos Estados Unidos ao Brasil”.19
Seguindo este mesmo raciocínio, para o jovem deputado
Tavares Bastos, a visão de “progresso” para o Brasil demandava
uma frota completa de vapores “elegantes” cruzando a baía de
Guanabara, ou subindo o Amazonas, o São Francisco e o Paraná,
espalhando “civilização” e o evangelho do trabalho árduo e da
abundância.
Tito Franco de Almeida compartilhava inteiramente deste
sonho de Tavares Bastos.20 O deputado paraense idealizava para
isto o belo futuro, da seguinte maneira:
...Quando as águas do Amazonas gemerem ao roncar de milhares de quilhas, pejadas de produtos a espalharem e acumularem riquezas; quando estas lindíssimas margens contiverem cidades, alimentadas por centenares de fábricas, a vomitarem o fumo do cavalo mecânico, quando...o vale do Amazonas for o coração do mundo a distribuir todas as aortas da indústria, comércio e civilização.21
Como se vê, o belo Amazonas, de tantas lendas, depois de seu
defloramento nos idos coloniais, agitava homens e ideias no século
XIX, diante do avanço inexorável do capitalismo avassalador da
segunda metade do século XIX, articulando-se tal debate com os
grandes embates da época, que envolveram as instituições políticas
e sociais, onde as ideias de “progresso” e de “civilização”, assim
206 • Revista Estudos Amazônicos
como o de democracia marcavam esse tempo. E, nesse contexto,
apareceram os liberais, os maçons, os católicos, os protestantes e
etc., pois a discussão da abertura do Amazonas passava também
pelo fato de a Igreja católica sentir-se ameaçada pela penetração do
capitalismo americano com sua ética protestante, assim como
houve o fluir das ideias liberais e das positivistas, as quais eram
vistas, muitas vezes, como parte da conspiração maçônica que
avançava sobre os estados pontifícios da Itália.
Nesse sentido, o texto de Santa Rosa se interpenetra com a
questão colocada em nosso projeto de estudar a maçonaria
paraense no século XIX, onde esses debates se fizeram presentes
nas publicações da época, maçônicas ou “profanas” (termo como
os maçons se referem aos nãos maçons), permeando também os
debates no Parlamento brasileiro, onde muitos dos deputados
liberais eram também maçons e positivistas, como Tito Franco,
Lauro Sodré, Serzedelo Corrêa, Dr. Assis, etc. Tavares Bastos, com
o apoio dos senadores nortistas Visconde Sousa Franco, Francisco
José Furtado e Leitão da Cunha, assim como pelo deputado Tito
Franco de Almeida, que apresentou em 8 de julho de 1862, um
projeto à Câmara que objetivava abrir o Amazonas e subsidiar uma
linha de vapores que atendesse o trecho New York-Rio.22
Neste contexto, é Importante ressaltar o papel do pastor norte-
americano James Cooley Fletcher, que exerceu enorme influência
junto a Tavares Bastos, bem como junto a outros diversos
Revista Estudos Amazônicos • 207
parlamentares no Rio de Janeiro, com foi enfatizado por David
Gueiros Vieira23.
Em 31 de agosto de 1864, o gabinete Zacarias foi derrubado.
“Tito Franco de Almeida, no seu relato do evento, declarou
claramente que ele e seus colegas liberais haviam derrubado
Zacarias por causa da questão da abertura do Amazonas e do
subsídio à linha de vapores”.
“O gabinete caído foi sucedido pelo 20º gabinete, encabeçado
pelo líder maçônico paraense, Senador Francisco José Furtado,
amigo e protetor de Tito Franco de Almeida”. O subsídio à linha
New York-Rio foi aprovado sob a liderança deste Gabinete. Sobre
esse assunto, Simonton assim escreveu ao Conselho da Missão:
O projeto da linha de vapores foi aprovado em ambas as casas e aqui já é lei. Mr. Fletcher tem sem dúvida, uma maravilhosa influência no Brasil... . Espero que essa linha venha a ser um grande sucesso, mas não posso sentir-me confiante disto.24
Neste momento estava chegando ao fim a Guerra de Secessão
nos Estados Unidos e para Tavares Bastos “a companhia de
vapores promoveria a imigração americana para o “progresso” e a
“elevação moral” do Império”. A guerra de Secessão nos Estados
Unidos terminara, e a linha de navegação quase realizou o sonho
dos seus fundadores, quando milhares de confederados
empobrecidos expressaram o desejo de ir para o Brasil. Desse
208 • Revista Estudos Amazônicos
modo, No Brasil, Fletcher imaginara que eles seriam os
propagandistas da cultura americana e do protestantismo.25
A questão da imigração foi um dos temas que agitou o Brasil no
XIX, pois as correntes mais progressistas da sociedade brasileira
defendiam a substituição do braço escravo pelo trabalho livre do
imigrante, assim como a ocupação dos chamados espaços vazios
do sul do Brasil, e um dos empecilhos para isto foi o fato de que a
religião católica era a religião de Estado no Brasil, situação que
representava um entrave para a imigração de pessoas oriundas das
regiões protestantes da Europa, como da Suíça e do norte da
Alemanha, as quais pretendiam povoar áreas do sudeste e do sul
do Brasil. A grande imigração, a secularização dos cemitérios, a
documentação civil, resumido tudo isso na discussão sobre a
separação da Igreja, do Estado, este foi um dos grandes embates
de intelectuais e de parlamentares no período.
Na polêmica sobre a abertura do Amazonas à navegação
internacional, todas essas questões se colocavam e chamavam para
a arena do debate, os maçons, os católicos, os liberais, os
republicanos positivistas e outros. A Igreja com fundamento na
reforma pretendida pelos ultramontanos26 fizera forte oposição a
essas iniciativas como afirmou Vieira: “É digno de nota que o
grande temor que os ultramontanos brasileiros tinham do
protestantismo cobria tanto o seu aspecto religioso como
cultural”.27 E, continuava adiante dizendo: “A crise político-
religiosa de 1872-1872 resultou num endurecimento de atitudes, da
Revista Estudos Amazônicos • 209
parte dos ultramontanos brasileiros, e reafirmação de valores mais
antigos e de um conceito de brasilidade mais de acordo com a
tradição ibérica”.28
Como vimos, a “História do Rio Amazonas”, de Américo Santa
Rosa, perpassou no século XIX, pelas grandes questões da época
que envolveram aspectos relacionados ao nosso trabalho, o qual se
propôs a estudar a “Maçonaria Paraense no Século XIX”.
Instituição esta que participou dos grandes debates do século,
onde a abertura do Amazonas à navegação internacional foi um
dos temas mais presentes, no qual se envolveram maçons
paraenses como os deputados Tito Franco de Almeida, o senador
José Francisco Furtado e outros, ressaltando que a maçonaria
atuava de encontro às ideias progressistas da época, as quais
passavam pelas grandes proposições que iriam ser posteriormente
implementadas pela República.
Artigo recebido em agosto de 2013 Aprovado em setembro de 2013
210 • Revista Estudos Amazônicos
NOTAS * Professor Adjunto IV, da Universidade Federal do Pará. 1 VIANNA, Arthur. “O Pará em 1900-Notícias Históricas”. In: SANTA ROSA, Henrique A. A História do Rio Amazonas. Belém/Pará: Officinas Graphicas do Instituto Lauro Sodré, 1926, p. 135. 2 RUCH, Gastão; GARCIA, Rodolpho; BITTENCOURT, Feijó; MAIA FORTE, J. Mattoso. “Parecer”. In: SANTA ROSA, A História do Rio Amazonas, pp. 3 e 4. 3 SANTA ROSA A História do Rio Amazonas, p. 7. 4 Idem, p. 103. 5 Idem, p. 110. 6 Idem, p. 123. 7 Idem, p. 112. 8 Idem, p. 113. 9 Idem, p. 151. 10 Idem, p. 153. 11 Idem, pp. 155-156. 12 Idem, p. 157. 13 VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, A Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981, p. 95. 14 Ibidem. 15 Idem, pp. 100-101. 16 Idem, p. 102. 17 ALBERDI, Juan Batisti, The Life andThe Industrial Labor of William Wheelwright in South America. Calleb Cushing. Trad. (Boston: A. Williams e Co.,1877), p. 23. In: VIEIRA, O Protestantismo, A Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, p.105. 18 VIEIRA, O Protestantismo, A Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, p. 104. 19 Idem, p. 108. 20 Ibidem. 21 Idem, pp. 108-109. 22 MONTEIRO, Elson Luiz Rocha. A Maçonaria e a Campanha Abolicionista no Pará: 1870 – 1888. São Paulo: Ed. Madras, 2012. 23 VIEIRA, O Protestantismo, A Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, p. 110. 24 Idem, p. 111. 25 Idem, pp. 111-112. 26 Ultramontanos, corrente que surge na Igreja católica no século XIX, que dava apoio ao ponto de vista dos papas, que considerava as ideias progressistas serem elementos errôneos e tendências perigosas dentro da religião e da sociedade civil. 27 VIEIRA, O Protestantismo, A Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, p. 112. 28 Idem, p.112.