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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO THAÍS OLIVA FERNANDES SANDERS O RITUAL DE PASSAGEM CONTEMPORÂNEO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL EM RONDÔNIA CUIABÁ-MT 2017

O RITUAL DE PASSAGEM CONTEMPORÂNEO DO CURSO DE ... · 1.1 os primeiros ciclos econÔmicos e a desconfiguraÇÃo do modo de vida indÍgena ..... 26 1.2 a criaÇÃo do territÓrio

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

THAÍS OLIVA FERNANDES SANDERS

O RITUAL DE PASSAGEM CONTEMPORÂNEO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA

INTERCULTURAL EM RONDÔNIA

CUIABÁ-MT 2017

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THAÍS OLIVA FERNANDES SANDERS

O RITUAL DE PASSAGEM CONTEMPORÂNEO DO CURSO DE

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL EM RONDÔNIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós­Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Concentração Educação, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.

Orientador: Prof. Dr. DARCI SECCHI

Cuiabá-MT 2017

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos povos indígenas de Rondônia que tiveram seu modo de vida

violado, diante um Estado de Direito de representatividade desenvolvimentista.

E, mesmo assim, continuam a pedagogizar o bem viver, em suas relações com a

natureza, com seus entes vivos e mortos, e com outras culturas.

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AGRADECIMENTOS

Reconheço que esta pesquisa não seria possível sem os encontros dela decorrentes, por

isso agradeço a Deus, pelas pessoas colocadas em meu caminho durante o desenvolvimento da

mesma.

Minha gratidão especial a:

Todos/as acadêmicos/as do Curso de Licenciatura Básica Intercultural, que

contribuíram com o desenvolvimento desta pesquisa;

Aos povos Arara e Gavião, que tão bem me receberam;

Aos professores do Departamento Intercultural da Universidade Federal de Rondônia,

que dividiram comigo o dia­a­dia do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural;

À minha coorientadora, Josélia Gomes Neves, todo o meu respeito e admiração.

Sempre!

Ao meu orientador, Prof. Dr. Darci Secchi, pela disposição de fazer pesquisa em

Rondônia;

Aos professores do mestrado, pelas discussões teóricas;

Aos funcionários do PPGE da UFMT, pelo gentil atendimento.

Aos novos amigos do mestrado, com quem compartilhei momentos de aprendizagem

acadêmica e interpessoal, em especial a Patrícia Dias, Cleicinéia Oliveira de Souza, Aila

Oliveira Serpa, Fernanda Batista do Prado, Valdeson Paula Portela e Solange Mara Moreschi

Silva;

Aos amigos de trabalho da Universidade Aberta do Brasil, pelas discussões sobre a

dissertação;

À minha querida mãe; por seu joelho dobrado, sempre intercedendo junto a Deus pela

família;

Ao meu pai, “In Memoriam”, pela virtude e resignação. Saudades...

Aos meus irmãos, pelo suporte em minhas ausências;

E finalmente, ao meu esposo, estímulo no cansaço, consolo nas lágrimas, sorriso no

percurso. Te amo....

Compartilho com todos esse título.

Obrigada!

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RESUMO

Uma vez que a educação tradicional, elaborada pelo e para o núcleo comunitário, não é mais suficiente para atender relações de convívio interétnico, cada vez mais necessárias na contemporaneidade, as sociedades indígenas recorrem à formação docente indígena no Ensino Superior, como mecanismo de estruturação da modalidade de educação escolar indígena. Por meio desta dissertação de mestrado propomos discutir o Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural – LEBI, destinado aos povos indígenas do estado de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas, como Ritual de Passagem, para conhecer as especificidades demandadas sobre a formação superior docente indígena. A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Ji­Paraná, no estado de Rondônia, no período de 2 anos, compreendendo março de 2015 a março de 2017. O estudo envolveu representantes das comunidades indígenas Arara e Gavião, discentes, docentes e equipe gestora. Como recurso metodológico recorreu­se à “etnografia pós­moderna”, discutida por Klein e Damico (2014), como um exercício de investigação que não visa a totalidade dos fatos, mas as condições de produção de determinadas regras, crenças e conhecimentos, por meio da polifonia das vozes que abrange o contexto do Curso de LEBI. Para os trabalhos de campo, utilizou­se as técnicas de observação participante, conversas informais, entrevistas, questionários, diário de campo, análise de fontes documentais e bibliográficas. Além desses aportes, recorreu­se ao Diagnóstico Rápido Participativo – DRP, do “Manual de Técnicas DPRR” de Martin Whiteside (1994). Os principais teóricos que contribuíram para a ampliação e aprofundamento do estudo foram: Freire (1979b, 1985, 1996, 2001); Gennep (2011); Gomes (2009); Luciano (2013); Matias (1997); Melià (1989, 1996, 1998, 1999); Mignolo (1994, 2007); Neto (1993); Neves (2009, 2012, 2013, 2015); Perdigão e Bassegio (1992); Quijano (2005); Santos (2011) e Secchi (2005). A pesquisa traz contribuições para a compreensão de que, no contexto de formação, os acadêmicos se encontram corporificados pelo processo histórico de colonização do estado de Rondônia, responsável pela desestruturação do modo de vida indígena e sua consequente reorganização para as relações interétnicas, como é o caso da criação de organizações indígenas e sua luta por ensino superior docente. Sendo assim, o estudo implicou na análise da crítica pós­colonial, que discute o modo como a universidade tem referenciado o fazer acadêmico e produzido o conhecimento científico por uma matriz hegemônica. Nesse contexto, a pesquisa evidenciou que o Ritual de Passagem do Curso de LEBI expressa as especificidades dessa formação, que abrangem: a comunidade, a cultura, o empoderamento teórico­político, a pesquisa, o exercício da docência e a representação comunitária. Palavras chave: Licenciatura Indígena; Ritual de Passagem; Colonialidade do Saber.

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ABSTRACT

Since traditional education, elaborated by and for the community nucleus, is no longer sufficient to meet interethnic relations, increasingly necessary in contemporary times, indigenous societies resort to indigenous teacher training in Higher Education, as a mechanism for structuring the modality of indigenous school education. Through this Master's thesis we propose to discuss the Undergraduate Course in Basic Intercultural Education (LEBI), destined to the indigenous peoples of the state of Rondônia, Northwest of Mato Grosso and South of Amazonas, as Ritual of Passage, to know the specificities demanded about the higher indigenous teacher formation. The research was carried out in the city of Ji­Paraná, in the state of Rondônia, in the period of 2 years, comprising March 2015 to March 2017. This research involved representatives of the indigenous communities Arara and Gavião, students, teachers and management team. As a methodological resource, was used the “postmodern ethnography”, discussed by Klein and Damico (2014), as an investigative exercise that does not cover all of the facts, but the conditions for the production of certain rules, beliefs and knowledge, about the polyphony of voices that covers the context of the LEBI Course. For the field works, were used the techniques of participant observation, informal conversations, interviews, questionnaires, field diary and analysis of documentary and bibliographic sources. In addition to these contributions, was used the Participatory Rapid Diagnosis ­ DRP, from Martin Whiteside's “Manual of DPRR Techniques” (1994). The main theorists who contributed to the expansion and deepening of the study were: Freire (1979b, 1985, 1996, 2001); Gennep (2011); Gomes (2009); Luciano (2013); Matias (1997); Melià (1989, 1996, 1998, 1999); Mignolo (1994, 2007); Neto (1993); Neves (2009, 2012, 2013, 2015); Perdigão and Bassegio (1992); Quijano (2005); Santos (2011) and Secchi (2005). The research contributes to the understanding that, in the formation context, the academics are embodied by the historical colonization process of the Rondônia state, responsible for the destructuring of the indigenous way of life and its consequent reorganization for interethnic relations, which results in the creation of indigenous organizations and their struggle for teaching higher education. Thus, the study implied in the analysis of the postcolonial critique, which discusse how the university has referenced the academic doing and produced the scientific knowledge by a hegemonic matrix. In this context, the research showed that the Ritual of Passage of the LEBI Course expresses the specificities of this formation, which include: community, culture, theoretical­political empowerment, research, teaching and community representation. Keywords: Indigenous Bachelor; Ritual of Passage; Coloniality of Knowledge.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 ­ Projetos de colonização (PA, PAD e PIC) em Rondônia, 1971­1984, e as Terras Indígenas com período de documentação junto à FUNAI ..................

42

Figura 02 ­ Localização do estado e das Terras Indígenas em Rondônia ........................ 46

Figura 03 ­ Uso e cobertura da terra e as Terras Indígenas em Rondônia ........................ 49

Figura 04 ­ Quantitativo bovino por município nas áreas de entorno das Terras Indígenas ...............................................................................................................

50

Figura 05 ­ Ocupação no entorno das Terras Indígenas de Rondônia ............................. 52

Figura 06 ­ Rede Territorial: transportes e circulação de soja na Amazônia Meridional (RO e MT) ...................................................................................................

53

Figura 07 ­ Passeata contra os projetos de barragem em Rondônia ................................. 56

Figura 08 ­ Expansão da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) ..................................... 68

Figura 09 ­ Matriz Curricular do Curso de LEBI ..................................................................... 85

Figura 10 ­ Prédio destinado ao Curso de LEBI, localizado na UNIR campus de Ji­Paraná ... 111

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 ­ Quantidade dos estudantes matriculados no Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural em 2016, por Terra Indígena ...................................

97

Gráfico 2 ­ Tempo de docência dos alunos do curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural ........................................................................................

100

Gráfico 3 ­ Demonstrativo de inscrições homologadas, classificados e vagas dos processos seletivos do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural ...

110

Gráfico 4 ­ Quantidade de alunos matriculados no Curso de Licenciatura em Educação Básica intercultural, por etnia indígena – ano 2016 ........................

114

Gráfico 5 ­ Demonstrativo de titulação acadêmica do corpo docente do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural – ano 2016 ...........................

118

Gráfico 6 ­ Demonstrativo de intenção de curso dos acadêmicos do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural – ano 2016 ....................................

121

Gráfico 7 ­ Demonstrativo de pretensão profissional dos acadêmicos após a formação do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural – ano 2016 ........

125

Gráfico 8 ­ Demonstrativo de alunos do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural participantes de movimentos indígenas – ano 2016 ............................

127

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BASA Banco da Amazônia S/A

CETA Comissão de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia

CGEEI Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena

CGR Câmara de Graduação

CIMI Conselho Indigenista Missionário

CONSEA Conselho Superior Acadêmico

CONSEC Conselho de Campus de Ji­Paraná

CONSUL Conselho Universitário da Universidade Federal de Rondônia

COPIAM Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia

COPIAR Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

DCHS Departamento de Ciências Humanas e Sociais

DEINTER Departamento de Educação Intercultural

DNPVN Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis

DRP Diagnóstico Rápido Participativo

DSEI Distrito Sanitário Especial Indígena

EFMM Estrada de Ferro Madeira­Mamoré

FETAGRO Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNDACENTRO Fundação Centro de Ensino Superior de Rondônia

GPEA Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação na Amazônia

IAMÁ Instituto de Antropologia e Meio Ambiente

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

IES Instituições de Educação Superior

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

LEBI Licenciatura em Educação Básica Intercultural

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

NEI Núcleo de Educação Indígena

NEIRO Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia

OIT Organização Internacional do Trabalho

OPIRON Organização dos Professores Indígenas de Rondônia e Noroeste de Mato Grosso

PA Projetos de Assentamento

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

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PAD Projetos de Assentamento Dirigido

PAR Projeto de Assentamento Rápido

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PIC Projetos Integrados de Colonização

PL Projeto de Lei

PNE Plano Nacional de Educação

PPC Projeto Pedagógico de Curso

PROHACAP Programa de Habilitação e Capacitação de Professores Leigos de Rondônia

PROLIND Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas

PROLING Programa Pró­Licenciatura Indígena

RDC Rubber Development Company

REN Representação de Ensino da Secretaria de Estado da Educação

REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SAVA Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SECONS Secretaria dos Conselhos Superiores

SEMTA Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia

SERDIL Serraria Dias Ltda.

SESP Serviço Especial de Saúde Pública

SOPH Sociedade de Portos e Hidrovias de Rondônia

SPI Serviço de Proteção aos Índios

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TI Terras indígenas

UFMT Universidade Federal do Mato Grosso

UNIR Fundação Universidade Federal de Rondônia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13

1 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DE RONDÔNIA PARA OS POVOS INDÍGENAS TERRITORIALIZADOS ............................................................

25

1.1 OS PRIMEIROS CICLOS ECONÔMICOS E A DESCONFIGURAÇÃO DO MODO DE VIDA INDÍGENA ................................................................................

26

1.2 A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DO GUAPORÉ E A DESTERRITORIALIZAÇÃO DO POVO INDÍGENA ............................................

37

1.3 CONSOLIDAÇÃO ECONÔMICA DO ESTADO DE RONDÔNIA E REORGANIZAÇÃO DO MODO DE VIDA INDÍGENA ........................................

47

2 O “ENTRE-LUGAR” DO CURSO DE LICENCIANTURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL ..................................................................

61

2.1 A UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA E O SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO ...............................................................................................................

66

2.2 A PARTICIPAÇÃO DAS ORGANIZAÇOES INDÍGENS NO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL .........................................................................................................

71

2.3 O PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL ............................................................

78

2.3.1 Justificativa do Curso ........................................................................................... 79

2.3.2 Pressupostos Legais do Curso .............................................................................. 81

2.3.3 Objetivos do Curso .............................................................................................. 82

2.3.4 Currículo do Curso .............................................................................................. 83

2.3.5 Avaliação no Curso ............................................................................................. 86

2.3.6 O perfil profissional do Curso ............................................................................. 87

2.3.7 Ingresso, vagas e integralização no Curso .......................................................... 89

2.3.8 O colegiado do Curso ........................................................................................... 89

3 O RITUAL DE PASSAGEM DA FORMAÇÃO ACADÊMICA INDÍGENA 91

3.1 RITOS PRELIMINARES DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL ............................................................

92

3.1.1 Comunidade indígena .......................................................................................... 95

3.1.2 Formação e habilitação docente ........................................................................... 97

3.1.3 Empoderamento teórico­político ........................................................................... 101

3.2 RITOS LIMINARES DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL ..................................................................................

104

3.2.1 O espaço público e as relações interculturais ........................................................ 104

3.2.2 Autonomia ............................................................................................................ 112

3.2.3 Pesquisa ................................................................................................................ 116

3.2.4 Cultura .................................................................................................................. 119

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3.3 RITOS PÓS­LIMINARES DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA INTERCULTURAL ............................................................

123

3.3.1 Exercício da docência ........................................................................................... 123

3.3.2 Movimento indígena ............................................................................................. 126

3.3.3 Outros projetos ..................................................................................................... 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 131

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 135

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INTRODUÇÃO

Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia­se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos. (FREIRE, 1979, p. 33).

Como é possível compor um estado democrático, com indivíduos que se conhecem tão

pouco? Como é possível assentar­se em um território ignorando seu povo originário? Se no

passado colonizador, em função da negação política da cultura indígena, por que nos dias

atuais? Construir relações interculturais tem sido um dos propósitos dos povos indígenas do

estado de Rondônia, para tanto, buscam por meio da formação docente em ensino superior

fortalecer a escola indígena, uma vez que a educação tradicional, elaborada pelo e para o núcleo

comunitário, não é mais suficiente para atender relações de convívio interétnico, cada vez mais

necessárias na contemporaneidade.

Sendo assim, o presente estudo se propôs a analisar o ritual de passagem no Curso de

Licenciatura em Educação Básica Intercultural (LEBI)1, desenvolvido pela Fundação

Universidade Federal de Rondônia (UNIR), no município de Ji­Paraná, como espaço histórico

conquistado pelos povos indígenas, mas principalmente, para conhecer as especificidades dessa

formação demandada pelos acadêmicos indígenas, assim como a universidade, enquanto lócus

de conhecimento científico hegemônico, tem feito tal mediação.

Para explorarmos o contexto que envolve o Curso de LEBI, recorremos aos estudos do

antropólogo francês Arnold Van Gennep2 (2011), sobre ritos de passagem, nos quais sugere a

compreensão das sociedades, grupos ou comunidades, por meio de sua interpretação

ritualística, fruto da análise de que a vida em sociedade, em qualquer núcleo, reside na mediação

entre as mudanças próprias da individualidade e a dinamicidade sociocultural.

Para o autor, o ritual de passagem tem a finalidade sistematizar a passagem do indivíduo

de um estamento social a outro, dentro de determinado grupo, sociedade ou comunidade, por

isso, consiste sempre em um “cruzar fronteiras”. Assim, o ritual de passagem revela uma

estrutura elaborada para a apropriação, pelo indivíduo, de elementos necessários à sustentação

do ordenamento social, necessários à continuidade da coletividade nos diversos âmbitos da

1 Neste trabalho adotamos a sigla LEBI, para nos referirmos ao curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural. 2 Arnold Van Gennep nasceu em 23 de abril de 1873, em Ludwigsburg, na Alemanha, e faleceu em 7 maio de 1957; estudou na escola sociológica francesa e se formou em antropologia social.

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cultura. Desse modo, é possível afirmar que os rituais de passagem não são estáticos; a

dinamicidade da cultura, continuamente demanda novos postos, que exigem indivíduos para

assumi­los. Dentro dessa estrutura, a transição do indivíduo de um posto social a outro,

previamente determinado, é legitimada por um ritual de passagem, assim como o Curso de

LEBI.

Vale salientar que Gennep (2011) não propõe esta teoria para sociedades, tidas como

tradicionais ou tribais à época de seu estudo, mas, a partir de uma análise de diversas

sociedades; nesse sentido exaustivamente explorado em seu livro, encontra um padrão entre

todas elas, que consiste nos rituais de passagem a que são submetidos todos os indivíduos que

convivem em sociedade, mesmo os excluídos em seu núcleo. Dessa forma, o conceito de ritual

de passagem explorado pelo autor não deve arremeter ou prender­se exclusivamente à descrição

de rituais “exóticos” de comunidades “tribais”, tampouco esvaziar sua importância social. O

ritual de passagem proposto por Gennep se trata exatamente de apresentar acontecimentos

individuais ou grupais de relevância social para dada comunidade e ou sociedade.

A pesquisa ainda teve por referência diversos estudos pós­coloniais, sobre

colonialismo3. Para os autores4 que discutem a temática, a teoria europeia, que admitiu a ideia

de raças superiores, tomou força e se disseminou por todas as regiões colonizadas pela América,

sendo utilizada para validar conceitos, como soberania, civilização e raça, legitimando a ideia

de padrão cultural e hierarquia racial, e a consequente submissão no imaginário dos povos

colonizados ao colonizador. Invisibilidade, subjugação, negação, servidão, foram os principais

prejuízos desse período para a composição de nações reconhecidamente pluriétnicas.

Com este referencial buscamos compreender, o processo da colonialidade5, pelo qual o

modelo colonial, após a independência da nação, se manteve pela ideologia política. Uma vez

que continuou a exercer a “dominação” nas mentes e comportamentos dos povos colonizados,

mantendo a ordem organizacional que reforçava o imaginário social de inferiorização racial, ou

3 Aníbal Quijano qualifica o colonialismo como “a expansão mundial da dominação colonial por parte da mesma raça dominante ­ os brancos (ou do século XVIII em diante, os europeus) ­ que impôs o mesmo critério de classificação social a toda a população mundial em escala global” (QUIJANO, 2005, p. 108). 4 Pensadores, como Aníbal Quijano, Santiago Castro­Gómez, Fernando Coronil, Enrique Dussel, Arturo Escobar, Edgardo Lander, Francisco López Segrera, Walter D. Mignolo, Alejandro Moreno, dentre outros. 5 “Quijano (1997) cunhou o conceito de colonialidade como algo que transcende as particularidades do colonialismo histórico e que não desaparece com a independência ou descolonização. Essa formulação é uma tentativa de explicar a modernidade como um processo intrinsecamente vinculado à experiência colonial. Essa distinção entre colonialidade e colonialismo permite, portanto, explicar a continuidade das formas coloniais de dominação, mesmo após o fim das administrações coloniais, além de demonstrar que essas estruturas de poder e subordinação passaram a ser reproduzidas pelos mecanismos do sistema­mundo capitalista colonial­moderno” (ASSIS, 2014, p. 614).

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mesmo reconhecer outras formas de organização social, discussão que aprofundaremos mais

adiante.

As discussões pós­colonialismo possuem uma corrente principal, conhecida como

Grupo Modernidade/Colonialidade, que estudam os efeitos da colonialidade em 3 campos:

colonialidade do poder, colonialidade do saber e colonialidade do ser; Walsh (2009) acrescenta

e explora ainda a colonialidade da “mãe­natureza”. Para os interesses do presente estudo, nos

aprofundamos na noção de colonialidade do saber, uma vez que é nesse âmbito que se realiza

o processo de formação superior de professores indígenas. A colonialidade do saber, na análise

de Porto­Gonçalves (2005), se materializa pela distribuição do conhecimento elaborado no

centro­europeu, nos países colonizados, inviabilizando a circulação de outros conhecimentos,

ao classificá­los como saberes locais ou regionais, tomando para si a hegemonia do

conhecimento, situação que o autor chama de geopolítica do conhecimento.

Tomando essas referências, a pesquisa foi orientada pelas seguintes questões

problematizadoras: De que forma o Ritual de Passagem Curso LEBI, desenvolvido pela UNIR,

no município de Ji­Paraná, se constituiu como espaço histórico conquistado pelos povos

indígenas? Quais são as especificidades demandadas pelos acadêmicos indígenas sobre a

formação? Como a universidade, enquanto lócus de conhecimento científico hegemônico tem

feito tal mediação?

Este estudo buscou conhecer por meio do ritual de passagem do Curso de LEBI, as

especificidades demandadas pelos acadêmicos indígenas na formação, bem como a

universidade se reelabora para desenvolver essa política pública, num ambiente empoderado

pela colonialidade do saber, para se reconfigurar em lugar de enunciação de saberes fora da

unicidade desenvolvimentista do conhecimento científico produzido.

O locus principal da pesquisa se deu na UNIR, Campus6 de Ji­Paraná, onde

acompanhamos discentes, docentes e equipe gestora do Curso, e como lócus secundário tivemos

a sede da PADEREÉHJ, organização que representa os povos Arara e Gavião da Terra Indígena

Igarapé Lourdes. Local onde foram entrevistados representantes das comunidades indígenas

Arara e Gavião, dado o entendimento de que: “[...] para que se possa apreender o dinamismo

próprio da vida escolar, é preciso estudá­la com base em pelo menos três dimensões: a

institucional ou organizacional, a instrucional ou pedagógica e a sociopolítica/cultural”

6 A Universidade Federal de Rondônia, localizada em Porto Velho, possui 8 extensões nos municípios de Guajará­Mirim, Ariquemes, Ji­Paraná, Presidente Médici, Cacoal, Rolim de Moura, Vilhena e Porto Velho.

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(ANDRÉ, 1995, p. 42). Esta pesquisa foi desenvolvida no período de 2 anos, que compreendeu

de março de 2015 a março de 2017.

Metodologicamente, a compreensão de um ritual de passagem deve ser etnográfica,

“isto é, apreendida pelo pesquisador em campo junto ao grupo que ele observa” (PEIRANO,

2003, p. 36). Assim, a interpretação do ritual de passagem do Curso de LEBI demandou um

estudo etnográfico, para que se pudesse apreender o significado da simbologia de comunicação

presente na formação como uma síntese da corporificação histórica daqueles indivíduos, o que

resulta no próprio ritual de passagem e que atribui significado ao mesmo.

Na busca pela compreensão metodológica desse contexto, encontram­se Klein e Damico

(2014); esses autores partem do entendimento de que a “antropologia pós­moderna” surge a

partir da posição autorreflexiva na qual ocorre a substituição do “outro” pela sua

“representação”. “O sujeito deixa de ser pensado como uma entidade prévia ao discurso, para

ser tratado com próprio efeito da discursividade (ou da atividade interpretativa)” (KLEIN;

DAMICO, 2014, p. 69). Para então, argumentarem a “etnografia pós­moderna”.

O método etnográfico apresenta como principal característica a permanência prolongada

do pesquisador com o local e o grupo de investigação, dispondo de ferramentas, como a

observação sistemática e o registro no diário de campo, a fim de provocar o estranhamento (no

pesquisador), necessário à compreensão do contexto. No entanto, “A chamada virada pós­

moderna na etnografia coloca em relevo um modo de conceber a linguagem e o papel

fundamental que esta desempenha na instituição dos sentidos que damos às coisas do mundo”

(KLEIN; DAMICO, 2014, p. 69).

Embora esses autores não tratem especificamente do tempo entre pesquisar/grupo ou

campo de pesquisa, tampouco apresentem um conceito acabado para a etnografia pós­moderna,

expõem como novos elementos metodológicos as relações e interações cotidianas que são

comungadas, tais como a presença do narrador (eu), a evocação ao invés da descrição e

utilização de interrupções feitas por artefatos culturais, como documentos oficiais, panfletos,

outdoors, entre outros, para a produção do texto.

A etnografia se torna especialmente preferida para pesquisadores que trabalham com a

temática indígena no campo da educação, devido à importância dada à percepção do sujeito

sobre seu contexto; nesse sentido, tanto o método etnográfico quanto a etnografia pós­moderna

partem do princípio de que estas são “mais modestas quanto às reivindicações de possuírem a

verdade e a autoridade, mais criticamente auto­reflexiva com respeito à subjetividade e mais

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autoconsciente das estratégias linguísticas e narrativas” (GOTTSCHALK, 1998, p. 127 apud

KLEIN; DAMICO, 2014, p. 67).

Considerando, portanto, essa contextualização, entendemos que na etnografia pós­

moderna o período de imersão do pesquisador no campo com o grupo ou indivíduo pode ser

variável, tanto no que se refere a tempo quanto lócus, segundo propósitos da pesquisa. Assim,

para o desenvolvimento dessa pesquisa todos os momentos na presença do grupo em estudo

foram valiosos para o conhecimento da estrutura do ritual de passagem da formação acadêmica

do Curso de LEBI; para tanto, além dos momentos de acompanhamento da etapa presencial do

Curso, constituíram­se parte metodológica integrante dessa pesquisa 06 momentos tidos como

especiais.

O primeiro deles ocorreu entre os dias 21, 22 e 23 de dezembro de 2015, momento

marcante por conhecer um pouquinho do dia­a­dia do povo Arara (Karo) na aldeia I’tarap, a

convite de uma aluna do Curso de LEBI, Marli Peme Arara, na companhia da coorientadora

Profª Drª Josélia Gomes Neves, muito querida entre todos da comunidade, pois faziam questão

de vir cumprimentá­la e “jogar conversa fora”. Nessa ocasião surpreendeu­me alegremente o

reencontro com 03 alunos que tive o prazer de conhecer quando lecionava no Ensino

Fundamental: Valdir, Ivonete e Beto, que se dirigiram ao meu encontro entre largos sorrisos.

Pelas manhãs íamos à escola da aldeia, conversávamos com os professores que

contavam um pouco das dificuldades, assim como das melhorias e dos projetos em andamento,

e à tardinha observávamos o aglomerado de crianças e jovens no terreiro e os mais idosos

sentados à frente de suas casas, entre conversas com um e outro. Esse momento foi muito

importante, pois pude perceber o tempo e a essência das relações sociais na comunidade.

Outro momento importante ocorreu na Jornada de Estudos Acadêmicos II, com o tema:

“Agora, a história é outra. Lei 11.645/08 essa conquista é de todos nós”, promovido na UNIR

pelo Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA), destinado a participantes dos

projetos de iniciação científica e extensão universitária (indígenas e não indígenas), que contou

com 08 encontros ocorridos entre os meses de março a maio de 2016, nos quais se discutiu

currículo intercultural, pedagogias coloniais, cultura brasileira, identidade cultural, línguas

indígenas, interculturalidade crítica, pluralidade cultural, sendo que o segundo encontro:

“Diálogos Interculturais – Presença de Lideranças e estudantes Indígenas”, ocorrido no dia 18

de março, teve a mesa composta por acadêmicos do Curso de LEBI.

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Esse encontro não possuiu uma formalidade academicista7, mas se parecia com um bate

papo acompanhado por teorias, em que membros da mesa, professores da UNIR e participantes

dialogavam desinibidos. Nessa ocasião, lembro­me de perguntar ao grupo como se sentiam

diante de tantas expectativas (administrativa, política, comunitária, acadêmica, pessoal, etc.)

sob a responsabilidade do professor indígena, a exemplo da elaboração de um processo

pedagógico próprio para sua comunidade. Desse encontro surgiu o estreitamento da minha

relação com mais acadêmicos do Curso de LEBI.

Em seguida, participei do IX Seminário de Educação (SED), “Educação Intercultural e

Democracia: Enfrentamentos à Colonialidade na Escola Amazônica”, ocorrido em agosto de

2016 no município de Ji­Paraná. Durante os 3 dias de evento presenciou­se a composição de

mesas com lideranças e acadêmicos do Curso de LEBI, no entanto seu diferencial (no que se

refere à minha pesquisa) se tratou da presença e da participação de lideranças indígenas que

discorrem sobre a educação na comunidade e sobre a formação acadêmica dos professores

indígenas.

A fala da liderança indígena, Joaquim Suruí, demonstrou uma visão política da educação

com clara finalidade de relações interculturais para a sobrevivência comunitária; seu

posicionamento em relação ao professor formado no Curso de LEBI, revela que o

reconhecimento do professor indígena como uma liderança deve ser melhor trabalhado pela

academia afim de delimitar seus contornos.

Um evento memorável do qual participei foi a tradicional “Festa do Jacaré” que faz

parte da cultura do povo Arara (Karo), realizada nos dias 28, 29 e 30 de setembro de 2016 na

aldeia I’tarap, que contou com a participação do povo Gavião da aldeia Paygap, ambas da Terra

Indígena Igarapé Lourdes localizadas no município de Ji­Paraná.

Faz parte desse ritual anual a captura de um jacaré vivo que, ao final da festa tradicional

será morto por uma mulher indígena escolhida pela comunidade, como simbologia da “mulher

valente”. Já na concepção intercultural do ritual, ele significa uma oportunidade de mostrar aos

demais que o povo Arara (Karo) é diferente dos demais povos indígenas, quando abre a festa à

participação pública e se mostram pintados de urucum, característica comum desse povo.

Esse ano o evento contou com a apresentação da Defesa Pública de TCC da acadêmica

do Curso de LEBI Marli Peme Arara, intitulado “Wayo Akaña a Festa do Jacaré: narrativa de

7 Em Paulo Freire e Antonio Faundez (1985), academicista se refere à descrição dos conceitos e não com a compreensão crítica do real; para os autores, determinado conceito, em lugar de ser, puramente descrito, deve ser transformado, o que resulta em experiência validamente acadêmica, enquanto preocupada com a relação prática­teoria.

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um ritual Karo”, apresentado no terreiro da comunidade e aberto a todos. Motivo de orgulho da

comunidade, foi amplamente aplaudida pelas lideranças e pelos demais presentes.

O último encontro trata­se do II Seminário da Área de Linguagens das Licenciaturas

Indígenas – II Seallin, ocorrido em novembro de 2016, que contou com a participação de

professores, sabedores e lideranças indígenas do estado de Rondônia e de Mato Grosso do Sul,

para uma discussão sobre a primeira língua ou língua materna (descrição das línguas indígenas,

políticas linguísticas, contribuições do curso Intercultural na área de linguagem, bem como

desafios e perspectivas do processo). A mesa de encerramento desse evento contou com uma

discussão sobre as expectativas do curso de licenciatura intercultural indígena na perspectiva

das lideranças indígenas.

Tal mesa foi composta por importantes lideranças indígenas do estado, como: Isaias

Tupari, Firmino Arara, Pedro Agamenon Arara, Elizabeth Aikanã, Marli Peme Arara, Joaquim

Suruí, Alberto Padag Gavião, Ariram Caoorowaje, Glória Salina (da etnia Guarani, do Mato

Grosso do Sul), Miguel Zan Zoró e Tiago Kapawandú Zoró (ambos do Mato Grosso divisa com

Rondônia) coordenador da mesa redonda. As falas daqui surgidas foram imprescindíveis para

as conclusões dessa pesquisa, pois, apesar de específicas de cada contexto comunitário, revelam

uma relação profícua com a academia.

O uso da etnografia pós­moderna nos possibilitou expandir o campo da pesquisa, a

participação em diferentes contextos dialógicos permitindo­nos observar a qualidade das

relações interculturais desse grupo em estudo. As anotações do diário de campo, derivadas da

observação participante desses eventos, se tornaram importantes ferramentas de reflexão. “Hoje

entendemos que entrar no campo significa deixar­nos envolver por ele, uma vez que o que ali

acontece não está pronto, tampouco é algo dado a priori” (KLEIN; DAMICO, 2014, p. 74, grifo

dos autores).

Por último, mas não menos importante, destaco o convite para entrar no Grupo de

Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA), na Linha de Pesquisa Antropologia

Etnopedagógica e Currículo. Este coletivo de estudo aprofunda, entre outras temáticas:

alfabetização intercultural; presença indígena em escolas urbanas da Amazônia; Lei nº

11.645/2008; formação docente em Licenciaturas Interculturais; Educação Intercultural e o

currículo de ensino de Línguas Indígenas em Rondônia; histórias e memórias dos povos

indígenas de Rondônia, com ênfase nos povos ressurgidos, constituindo­se em um importante

núcleo de suporte teórico para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Como técnicas para a construção dos dados, tendo como referência a etnografia pós­

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moderna, no período de interação social entre o investigador e os sujeitos, utilizamos a

observação participante, conversas informais, entrevistas, questionário, análise documental e

diário de campo, com destaque para a leitura dos TCC dos alunos do Curso de LEBI, que se

constituíram em material produtivo de conhecimentos indígenas do estado.

O Diagnóstico Rápido Participativo (DRP)8 também foi utilizado; esta técnica consiste

em uma entrevista semiestruturada, utilizada neste trabalho com o objetivo de obter, de forma

precisa, novas informações acerca do processo de criação do Curso de LEBI. Essa entrevista

foi realizada com a Profª Drª Josélia Gomes Neves9, interlocutora ativa desse processo. O

conceito de rápido se aplica a este instrumento metodológico, em virtude do caráter diferencial

do entrevistado, que deve ser uma pessoa com informações importantes sobre o assunto

pesquisado.

Nesse caso, nossa entrevistada, em sua atuação como professora universitária assume

uma militância voltada para a provocação do diálogo intercultural na academia, onde apoia o

movimento indígena por espaço na universidade. Participou da formação em magistério (nível

médio) para professores indígenas ­ Projeto Açaí10 e, como integrante do Departamento de

Ciências Humanas e Sociais (DCHS), ajudou a implantar o Departamento de Educação

Intercultural (DEINTER); criou, com estudantes e docentes, o Grupo de Estudos e Pesquisas

em Educação na Amazônia (GPEA), “no intuito de potencializar a elaboração e o diálogo de

saberes no âmbito das populações tradicionais da Amazônia: indígenas, extrativistas,

quilombolas e ribeirinhas” (NEVES, 2009, p. 73).

A diversidade de instrumentos metodológicos se fez necessária quando consideramos

os diversos segmentos envolvidos (equipe gestora, docentes, discentes, membros e lideranças

indígenas) no Curso de LEBI. Sendo assim, para organização e análise dos dados foi utilizada

a técnica da entrevista semiestruturada, com a equipe gestora (coordenador do curso) e

membros da comunidade indígena Arara e Gavião da TI Igarapé Lourdes, para que pudessem

se alongar em assuntos que julgaram pertinentes. Para os discentes e docentes foi utilizada a

técnica do questionário, além de diálogos informais e observações, com o suporte do diário de

campo, instrumento fundamental para os registros informais e circunstanciados no ambiente de

formação, seminários e palestras.

8 WHITESIDE, Martin. Diagnóstico (Participativo) Rápido Rural. Manual de Técnicas. Maputo, Moçambique: Comissão Nacional do Meio Ambiente ­ CNMA, 1994. 9 Josélia Gomes Neves é Professora Doutora da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji­Paraná, integrante do Departamento de Ciências Humanas e Sociais – DCHS e do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA. 10 Curso de Formação de Professores Indígenas ­ Habilitação em Magistério Nível Médio. Instituído em Rondônia pelo Decreto Estadual nº 8.516, de 15 de outubro de 1998.

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O questionário foi apresentado no 1º semestre de 2016, e preenchido por 72 acadêmicos

das turmas C, D1 e D2, que concordaram em participar da pesquisa. Segundo dados da

secretaria da UNIR, existem 93 alunos matriculados no Curso de LEBI. Entre os 21 alunos que

não participaram da pesquisa estão: os desistentes, os alunos que faltaram no dia da aplicação

do questionário, e aqueles que optaram por não participar da pesquisa.

Para melhor entendimento do texto, quando foram utilizadas falas dos questionários,

indicamos somente o gênero e a etnia do acadêmico, a exemplo: (Acadêmica Puruborá). O

nome dos acadêmicos, dos membros da comunidade indígena e dos professores serão mantidos

em sigilo, conforme acordado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Sobre a seleção do público discente, cabe ressaltar que o Curso de LEBI, desenvolvido

pela UNIR em Ji­Paraná, cenário central deste estudo, está constituído por 3 turmas, com

acadêmicos de 23 etnias distintas. Para viabilizar os estudos, foi aplicado um questionário para

todos os acadêmicos que concordaram em preenchê­lo; o material elaborado teve por base os

dados apresentados no questionário, a fim de obter informações gerais sobre os acadêmicos,

como: total de participantes por gênero, etnias, tempo de docência, entre outros. Esta etapa foi

realizada no ambiente de formação (campus de Ji­Paraná), no período em que os estudantes

participaram da etapa presencial de formação na universidade. Assim como com o coordenador

do Curso de LEBI e com 4 integrantes do corpo docente.

Por meio de uma parceria com a PADEREÉHJ, organização que representa os povos

Arara e Gavião da Terra Indígena Igarapé Lourdes, foram possibilitadas as entrevistas com

integrantes das respectivas comunidades na sede da mesma. Nesta oportunidade foi explicada

a natureza da pesquisa e apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o

desenvolvimento da entrevista semiestruturada, com o intuito de conhecer suas considerações

acerca do Curso de LEBI.

Para organizar os estudos optamos por apresentar o texto desta dissertação, do ponto de

vista da estruturação formal, em uma introdução, 3 seções e as considerações finais. A primeira

seção traz um levantamento bibliográfico da temática indígena regional e local, destacando os

aspectos relevantes do processo de ocupação do Centro­Oeste e da Amazônia brasileira. Nessa

fase foram aprofundados os estudos sobre a história dos povos indígenas de Rondônia e dos

impactos havidos com as frentes de colonização11, com o pano de fundo da teoria da

11 Existem 2 tipos de colonização: de exploração e de povoamento. Na colonização de povoamento, os colonizadores buscam desenvolver a região colonizada. Criam leis, organizam, investem em infraestrutura e lutam por melhorias. Como ocorrido em Rondônia após a abertura da BR­364. A colonização de exploração explica o primeiro período ocorrido em Rondônia, até a abertura da BR­364, tempo durante o qual o

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colonialidade. Os principais suportes bibliográficos utilizados, que tratam desse período

histórico, foram: Matias (1998); Oliveira (2003); Perdigão e Bassegio (1992); Pinto (1986);

Rocha (2014); Santos (2014); Silva (1984), e Quijano (2005).

A segunda seção se fundamentou na pesquisa bibliográfica e documental, como

complemento recorreu­se à técnica do DRP. Essa etapa teve a finalidade de apresentar o

contexto de criação da UNIR; a importância dos movimentos indígenas para a

institucionalização do Curso de LEBI e análise documental do Projeto Pedagógico do Curso.

Para abordar esta seção utilizamos autores, como: Bhabha (2013); Castro­Gómez (2005);

Lander (2005); Luciano (2013); Melià (1989, 1996, 1998, 1999); Mato (2009); Neto (1993);

Santos (2011).

Ainda no que se refere ao processo de criação do Curso de LEBI, foram analisados os

seguintes documentos: ATA da reunião do Núcleo de Educação Indígena (NEI); ATA da

reunião ordinária do Conselho de Campus de Ji­Paraná (CONSEC); e os Pareceres: 873/CGR,

880/CGR, 881/CGR e 882/CGR do Conselho Superior Acadêmico (CONSEA), referentes à

aprovação do Projeto Político do Curso (PPC). Para complementar os dados documentais,

utilizou­se a entrevista realizada com a Profª Drª Josélia Gomes Neves, além de outras

publicações da autora (2009, 2012a, 2012b, 2013, 2015). E, para apresentar o Curso do LEBI,

realizou­se uma análise mais detalhada do Projeto Pedagógico do Curso (2008).

A terceira e última seção teve enfoque no ritual de passagem da formação docente

indígena, segundo ênfase dada a elementos constitutivos do processo de formação. Nesta etapa

a bibliografia norteadora consistiu nos estudos de Gennep (2011), sobre ritual de passagem. O

que permitiu a noção de que a formação superior indígena compreende um contexto antecedente

à formação, um contexto específico de formação e um contexto futuro à formação, que se

relacionam para a globalidade simbólica que compreende o Curso de LEBI.

Também foram utilizados dados do questionário aplicado para os acadêmicos, o

currículo lattes dos docentes, e análise dos processos seletivos dos vestibulares de: 2009/Edital

nº 010, 2010/Edital nº 009, 2011/Edital nº 021 e 2015/Edital nº 001. Os suportes bibliográficos

dessa etapa foram: Bhabha (2013); Bonin (1997); Castro­Gómez (2005); Freire (1979, 1996,

2008); Gomes (2009); Lander (2005); Luciano (2013); Melià (1989, 1996, 1998, 1999) e Secchi

(2005, 2007).

território se encontrava conquistado ou invadido para a exploração (Fonte: sua pesquisa.com e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

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Tais autores sinalizam para a necessidade de reflexão quanto ao fato de que, em âmbito

de um programa de formação docente indígena, os acadêmicos carregam consigo um conteúdo

simbólico deveras promissor para suas comunidades. Trata­se, justamente, do desvelamento do

modelo colonial que, historicamente, os colocou na condição de aprendizes ou de artífices

desprestigiados.

O texto que apresentamos busca contribuir com o fortalecimento de pressupostos e

concepções acerca do Curso de LEBI, que se propõe a formar um profissional apto a

desenvolver um processo pedagógico específico para sua comunidade bem como responder às

necessidades comunitárias de autorrepresentação.

A provocação de uma pedagoga para conhecer um programa de ensino específico, que

se propõe a respeitar as particularidades culturais do indivíduo e ou grupo na ação de formação,

justificou a tentativa de pesquisar sua estrutura; uma vez que a forma de como esse grupo

demanda e responde a esta política educacional ainda não é pública. Para tanto, esta Dissertação

de Mestrado, do Programa de Pós­Graduação em Educação da Universidade Federal do Mato

Grosso (UFMT), se propôs a analisar o ritual de passagem do Curso de LEBI.

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1 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DE RONDÔNIA PARA OS POVOS

INDÍGENAS TERRITORIALIZADOS

Nessa perspectiva da invasão das Terras Indígenas [...], a grande ameaça que existe hoje é essa questão das decisões que a gente não participa ativamente, [...]. Não há simplesmente uma ameaça física, mas uma ameaça política, que ultrapassa nossa visão, articulada fora dos nossos olhares. (Uraan Anderson Suruí)12.

Para discutir os antecedentes históricos do estado de Rondônia e suas implicações para

os povos indígenas, nos propomos a contextualizar o processo de ocupação e os conflitos e

tensões dele decorrentes. Essa escrita foi mobilizada pela necessidade de discutir elementos da

história regional, considerando principalmente o que este conjunto de situações representou e

impactou no modo de vida dos acadêmicos do Curso de LEBI.

As leituras de Hugo (1995), Matias (1998) e Pinto (1986) nos permitiram compreender

que as terras, hoje denominadas estado de Rondônia, ganharam importância no cenário

colonizador a partir do século XVI; os grandes rios Madeira, Mamoré e Guaporé13 facilitavam

a navegação, a demarcação de divisas fronteiriças e a vigilância armada, condições favoráveis

para o domínio e exploração portuguesa, o que lhe garantiu a posse da região, mais tarde

requerida pelo governo brasileiro. Em virtude de suas riquezas naturais esse período de

colonização de exploração é marcado pela construção do Real Forte Príncipe da Beira, pela

Coroa Portuguesa, e da Estrada de Ferro Madeira­Mamoré, pelo governo brasileiro.

Os primeiros períodos exploratórios foram propagados como Ciclo do Ouro e Ciclo da

Borracha, que exigiram a elaboração de programas de atração de trabalhadores, além da

exploração do trabalho de indígenas. Tanto as inserções de elementos do modo de vida de

colonizadores e exploradores como a ideologia cristã dos jesuítas, que aqui chegaram com o

discurso de catequização e proteção indígena da servidão e da guerra justa, apresentaram

elementos que determinaram nova configuração ao modo de vida do grande número de povos

indígenas residentes nessa região.

12 Coordenador da OPIRON estudante do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural (UNIR). Fala proferida durante a Jornada de Estudos Acadêmicos II, “Agora, a história é outra. Lei 11.645/08. Essa conquista é de todos nós”. Promovida pelo Departamento de Ciências Humanas e Sociais (DCHS) e Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA), da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), ocorrida em 18/03/2016. 13 A bacia hidrográfica do rio Madeira é formada pela junção das águas do rio Beni e Mamoré. A bacia hidrográfica do rio Mamoré nasce nas montanhas bolivianas (Andes). O rio Guaporé é divisor natural entre o Brasil e a Bolívia, tendo sua cabeceira localizada na Chapada dos Parecis, Estado do Mato Grosso, e desaguando no rio Mamoré (LIMA, 2002).

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No entanto, a consequência mais impactante do processo histórico regional para os

povos indígenas adveio do status adquirido com os ciclos econômicos da colonização de

exploração, seguido pela organização política local, que colaborou para sua elevação à condição

de Território Federal do Guaporé; propagado sob a noção de vazio demográfico, desconsiderou

a territorialidade das nações indígenas tradicionalmente estabelecidas. Esses fatores

acarretaram na invasão de Terras Indígenas pela prática de expulsão ou mesmo de dizimação

étnica.

Após o declínio dos Ciclos do Ouro e da Borracha, o novo Território, até então

desassistido pela administração política nacional, necessitava estabelecer comunicação com o

restante do país e promover o desenvolvimento econômico local. Como medida de atendimento

ao isolamento local foram implantadas as Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas,

conhecidas como Comissão Rondon.

O percurso aberto na floresta para a instalação dos postos telegráficos proporcionou uma

nova rota de ocupação demográfica, oposta ao das margens dos rios Madeira, Mamoré e

Guaporé, mais tarde oficializada como BR­364. Este fato contribuiu para um intenso fluxo

demográfico, marco da ocupação de povoamento, estruturação do aparelhamento do estado e

consolidação de novos ciclos econômicos, como agricultura, pecuária, extração de madeireira

e estanho, entre outros, favorecendo a criação do estado de Rondônia em 1981. Tais

acontecimentos compeliram os povos indígenas à assimilação da cultura do colonizador e à

nova reorganização social e política para garantir a sobrevivência e assegurar a garantia de

direitos.

Para melhor compreensão das fases mais expressivas dessa narrativa, a presente seção

apresenta a história do processo de colonização do estado de Rondônia e sua implicação no

modo de vida dos povos indígenas locais, divido nos seguintes momentos: a) Os primeiros

ciclos econômicos e a desconfiguração do modo de vida indígena; b) A criação do Território

Federal do Guaporé e a desterritorialização do povo indígena; c) A consolidação econômica do

estado de Rondônia e reorganização do modo de vida indígena.

1.1 OS PRIMEIROS CICLOS ECONÔMICOS E A DESCONFIGURAÇÃO DO MODO DE

VIDA INDÍGENA

A região, cercada pelos rios Madeira, Mamoré e Guaporé, dentro dos limites

portugueses, era um território demasiadamente populoso. Pinto (1986), a partir dos estudos das

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Cartas Etnográficas de Rondônia e das obras de Vitor Hugo e Barão de Marajó, registra no

século XVIII, como sendo as principais nações indígenas no vale do Madeira14, os povos:

Arara, Abacaxis, Aripuanã, Andirás, Acuriatós, Aritikis, Arikemes, Ahôpôvô, Aruá, Arití, Anunzé, Arikapu, Ava, Aruasi, Amniapé, Aboba, Abitana, Apairandê, Acaricuara, Anhangatiningo, Baepuat, Bicitiacap, Barbado, Brauará, Caripuna, Canumã, Cariritiana, Crurau, Cawahib, Cayuvava, Curenas, Corapas, Cazarin, Cabixi, Chapacura, Chacobo, Crenen, Curitiá, Causaros, Comauy, Capaná, Cici, Euat, Ferreirus, Guarinamã, Guajejus, Guazatrês, Guarais, Guaratégaja, Guajaratá, Guaririaz, Huanyan, Huruparás, Iuri, Luma, Itanga, Iten, Itagapuk, Itoceauhis, Jabuti Jacariat, Jaru, Jacarégoá, Kepkirijust, Kanamá, Kawahiwa, Kanoá, Kawahiwahiwa, Kapisana, Kajuna, Kep­Kiri­Vat, Ko­ko­zu, Mura, Matanawi, Matanauê, Maracá, Moré, Macurapé, Maracanã, Mutucuru, Mauá, Mequens, Munrudurucus, Mialat, Matauá, Majubin, Muré, Nhacanga­Piranga, Ntogapid, Nhambikuara, Nawaité, Onicoré, Oniconenis, Pauserná, Pacawara, Paama­Paraparixana, Piriahai, Pirahá, Parintintin, Parnawat, Patati, Paacas Novos, Pareci, Painela, Puru­borá, Pareguês, Puxacá, Poivat, Ramarama, Raipi, Aiassu, Rokorona, Surui­Sirionó, Sapupés, Saramaiká, Sinabu, Taquatep, Torá. Torerise, Tura, Tuperi, Tapoaia, Tagrani, Tangrês, Taiute, Takwatip, Tucumã­fet, Urunamakan, Urupá, Urutike, Uintacu, Uomo, Umotina, Urupuya, Uarupá, Uarupá, Urumi, Urucai, Wirafet, Wayoro, Wanyan, Yahahi, Yaboti­fat, Ypotwat, Zapucaya, Zurina. (PINTO, 1986, p. 227).

Esta faixa territorial teve sua estrutura social modificada, segundo Pinto (1986), a partir

de 1640, momento em que passa a ser conhecida e explorada com o revelar das riquezas naturais

da região, ocasionando nova estrutura econômica, política e social.

Pode­se dizer que as Missões Jesuíticas foram as primeiras instituições a chegar à região

com o intuito de estabelecer vínculo com os povos indígenas locais, com uma dupla missão:

salvar almas e se beneficiar dos recursos naturais disponíveis. Conforme Pinto (1986, p. 224),

existem evidências de que “[...] antes da segunda metade do século XVII, os inacianos

estivessem devassando sem alarde os sertões da bacia madeirense, explorando metais

preciosos”. Seu poder de convencimento explorava as práticas lusitanas de “guerra justa”, que

visava a captura do indígena, assim os jesuítas persuadiam os indígenas ao descimento e

aldeamento, como forma de manter sua “segurança.

Nesses lugares de concentração, ocorria a desconfiguração do modo de vida indígena,

onde passavam a receber orientações sobre a organização social do aldeamento, como trabalho,

14Antes da expedição de Pedro Teixeira a Quito, em 1637, o rio Madeira já era conhecido com esse nome pelos jesuítas, aventureiros e comerciantes de drogas. Os nativos também o chamaram de Iruri, devido aos índios Iruri, que habitavam as grandes extensões de suas margens. Também o nome de Caiari era utilizado para denominá­lo (PINTO, 1986).

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religião, “civilidade” ou “bons modos”, além de serem obrigados a falar a língua portuguesa,

contexto que inviabilizava várias práticas culturais.

Outra forma de contato se revelaria com o Ciclo do Ouro que, conforme Pinto (1986) se

propagou a partir do século XVIII, com a descoberta de jazidas auríferas no rio Corumbiara,

afluente do Guaporé, e no rio Coxipó­Mirim, afluente do rio Cuiabá. Segundo esse autor, neste

local se formaram núcleos populacionais próximos às arraias de mineração e o estabelecimento

de uma rota comercial de exportação do produto e de abastecimento interno de sal, via rios

Guaporé, Mamoré, Madeira e Amazonas, uma vez que a produção aurífera era destinada à

Coroa Portuguesa.

Conforme apresenta Pinto (1986), nesse período, Portugal e Espanha assinam o Tratado

de Madrid (1750), que estabelecia os limites entre os 2 países e a definitiva posse da região para

o rei de Portugal, que declara como primeiro Governador e Capitão­General da Capitania de

Mato Grosso, D. Antônio Rolim de Moura; esse prosseguiu rumo ao Guaporé, depois de visitar

os garimpos de Santana, Pilar e São Francisco de Xavier; e fundou, no local conhecido como

Pouso Alegre, em 19 de março de 1752, a capital de sua Capitania, denominada Vila Bela de

Santíssima Trindade; esse ano representou o início da ocupação oficial das possessões

portuguesas no Oeste do Brasil.

A política de exploração portuguesa permitia a adoção do trabalho escravo na região;

segundo relatos de Pinto (1986), por volta de 1770, era constante a fuga de escravos negros, o

que diminuía a produção de ouro. “As peças, nos mercados de escravos, estavam ficando cada

vez mais caras” (PINTO, 1986, p. 276), portanto, o Governador Coutinho organizou uma

expedição de captura, ao “quilombo, fundado [...], por José Piolho, à margem do rio Cabixi”

(PINTO, 1986, p. 276), na ocasião, “cerca de 300 pessoas, entre africanos, crioulos, índios e

caburés” foram capturados.

Com a finalidade de evidenciar seu domínio, vinte e seis anos após a criação da

Capitania de Mato Grosso, Dom José I, rei de Portugal, manda construir um forte militar,

denominado Real Forte Príncipe da Beira, em 1776, à margem direita do rio Guaporé. Coube à

missão do capitão general, Dom Luiz Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, governador da

capitania de Mato Grosso, sua construção, que, essencialmente, simbolizava “o autoritarismo,

a violência, a dominação, a soberania do dominante sobre o dominado” (PERDIGÃO;

BASSEGIO, 1992, p. 151).

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O Forte15 perdeu seu valor estratégico com a evasão populacional provocada pelo

esgotamento das jazidas de ouro e foi abandonado. Vila Bela da Santíssima Trindade16 também

se desestruturou; seu nono e último governador, D. Francisco de Paula Magessi Tavares de

Carvalho, troca seu nome para Mato Grosso, passando a governar de Cuiabá. A parte Norte

dessa região só voltaria a ser povoada na segunda metade do século XIX, estimulada por outra

atividade econômica, que impulsionou a vinda de novos trabalhadores do nordeste brasileiro

para a extração da borracha vegetal.

Segundo Matias (1998), o primeiro Ciclo da Borracha, como ficou conhecido, foi

responsável por estabelecer uma estrutura econômica na região, a partir da figura de novos

personagens, como o seringalista, o gerente17 e o seringueiro. Conforme esse autor, o

seringalista era o dono do seringal e determinava as condições do trabalho, ao passo que os

seringueiros eram os que penetravam a floresta pelos rios Madeira, Jamari, Machado, Guaporé

e Mamoré para a extração do látex. As áreas que passaram a corresponder por seringal, sob

vigilância armada e peregrinação de seringueiros, forçaram os povos indígenas ao

deslocamento, à incorporação do trabalho ou confrontamento.

Pode­se dizer que o ciclo da borracha foi o que mais contribuiu para a alteração do modo

de vida indígena, sendo dispostos de acordo com as necessidades de manutenção do sistema

exploratório empregado no local. Para manter funcional a estrutura de dependência que

mantinha a servidão no seringal, o seringalista utilizava do trabalho indígena em atividades de

sustento desse ordenamento, conforme domínios técnicos e capacidade física dos indígenas:

[...] barqueiro, responsável de transportar as produções e mercadorias, mateiro, responsável em localização das seringueiras e castanheiras. Poaieros responsável de extrair as raízes de uma planta, medicinal poaia. Farinheiro, responsável pela fabricação da farinha de macaxeira. Construtor, responsável pela construção das casas para os seringueiros. (TUPARI, 2014, p. 37)

O potencial econômico desse ciclo sobrepujou o desafio humano dessa atividade e,

segundo Perdigão e Bassegio (1992), levou o governo amazônico a veicular propaganda

enganosa com promessa de vida nova para trabalhadores de outras regiões do Brasil. A partir

desse recurso, milhares de nordestinos se deslocaram para a Amazônia, sendo espalhados nos

15 O Real Forte Príncipe da Beira (1776­1783) está localizado a 15 km do município de Costa Marques, às margens do Rio Guaporé. Somente em 1937 foi reativado pelo exército como contingente de fronteira, mesmo ano em que foi tombado como monumento histórico do estado de Rondônia (PINTO, 1986). 16 Com a independência do Brasil, em 1822, foi criada a Província de Mato Grosso, em substituição à Capitania. Somente em 1835 a capital da Província foi oficialmente transferida de Mato Grosso para Cuiabá (PINTO, 1986). 17 Gerente: “braço­direito” do seringalista, inspecionava todas as atividades do seringal (ARAUJO, 2010).

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seringais, sob comando do gerente, principalmente ao longo da bacia do rio Ji­Paraná ou

Machado, território de vários povos indígenas. Contudo este ato não foi suficiente para suprir

a demanda por mão de obra, como não deixou de demandar o trabalho indígena.

Conforme Araujo (2010), para os seringueiros o trabalho, basicamente, era dividido

entre 3 atividades: sangria das árvores, recolhimento do látex e defumação; tanto os

instrumentos de trabalho quanto a precária alimentação deviam ser adquiridos no barracão de

propriedade do seringalista. O autor destaca, ainda, que a agricultura de subsistência também

“era proibida, o seringueiro não podia dispensar tempo em outra atividade que não fosse o corte

da seringa” (ARAUJO, 2010, p. 1), essa responsabilidade era imposta às comunidades

indígenas em troca de produtos de baixo custo e revendidos nos barracões a custos elevados.

Conforme atesta a narrativa do Isaias Tupari, estudante do Curso de LEBI em seu Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC).

[...] os Tupari foram submetidos aos sistemas de cultivos agrícolas, comandados pelo administrador chamado Edelson e depois substituído por outro administrador por nome de Francisco Augusto. Pois eram eles os responsáveis pelas produções dos alimentos para os trabalhadores de outras localidades, como os seringueiros, os castanheiros, os barqueiros, os administradores, entre outras. [...]. Neste local, eram produzidos: Farinha da macaxeira, arroz, feijão, farinha de tapioca entre outras. Essas produções abasteciam os dois grandes barracões do seringal: Colorado e São Luís. (TUPARI, 2014, p. 36).

A precária remuneração do seringueiro não era suficiente para que o mesmo adquirisse

os produtos necessários à sua sobrevivência e os utensílios de trabalho, devido seu alto custo,

o que gerava uma dívida impagável com o seringalista, impedindo­o de deixar o seringal.

Nos seringais, esses homens valiam menos que os escravos. Na outra extremidade da sociedade regional, os seringalistas e grandes comerciantes usufruíam da riqueza fácil proporcionada pela borracha. Essa evidente contradição no quadro social do Ciclo da Borracha se devia a um perverso sistema de exploração, que consumiu a vida de milhares de homens. O sistema de aviamento se constituía numa rede de créditos e se espalhou nos imensos seringais que foram abertos em todos os vales amazônicos. (ARAUJO, 2010, p. 1).

As atribuições impostas às comunidades indígenas para a manutenção desse sistema

tiveram consequências incalculáveis em seu campo cultural, a inclusão de objetos de trabalho

e produtos derivados do contato levou à sua consequente necessidade: “Foi assim que

começamos a entrar nesse mundo capitalista, ou seja, o mundo do dinheiro, o mundo de ‘só vou

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te dar se você também me der alguma coisa’” (GAVIÃO, 2015b, p. 16). A ausência do meio

comunitário, em função da permanência nas colocações do seringal, não incorreu apenas na

impossibilidade de práticas culturais e da utilização da língua do colonizador, mas

comprometeu a transmissão histórico­cultural feita pela oralidade às novas gerações.

A interferência do mundo do branco foi muito rápida e o povo Gavião começou a se dividir em atividades. Uma delas foi a comercialização de borracha. Os índios comercializavam borracha, então cada família procurou sua colocação para trabalhar. Todas as famílias saíram para fazer sua própria colocação, suas pequenas aldeias, onde havia seringueiras para extrair a borracha. (GAVIÃO, 2015b, p. 14).

O trabalho era uma garantia de sobrevivência e de sustento de cada uma das famílias, pois todos os trabalhos eram trocado em objetos e mercadorias e nunca foram remunerados. Com isso, as famílias foram enfraquecendo os hábitos de repassarem os conhecimentos tradicionais para os jovens. (TUPARI, 2014, p. 37).

Os meus parentes também foram obrigados a não falar na língua materna a grande maioria da população principalmente os homens foram escravos dos seringalistas e enquanto isso as mulheres também sofriam fazendo roça e eram muitas vezes obrigadas a entregar seu corpo para os homens brancos. Nessa época de seringais os povos indígenas foram separados de suas parentes e ficaram longe um dos outros trabalhando nas colocações. (JABUTI, 2015, p. 9).

A ação coerciva do poder capitalista modifica a lógica comunitária, na qual “Se o índio

matava um porco, uma anta ou um catete, toda a comunidade se beneficiava daquela refeição.

[...]. Com a chegada da comercialização da borracha, começou­se a pensar ‘bom, vou ter que

dar para receber’. Aí começou esse mundo de comercializar” (GAVIÃO, 2015b, p. 16). Ao

serem impelidos ao trabalho imposto pelo colonizador, também o foram ao seu modelo

econômico, numa lógica inversa ao modo tradicional de se relacionar em comunidade, ou seja,

a individualidade em detrimento da coletividade.

O sistema exploratório do ciclo da borracha foi tão intenso que sua produção na

Amazônia, segundo Matias (1998), chegou a responder a 40% da receita nacional, perdendo

somente para o café produzido em São Paulo, e valeu uma disputa entre o Brasil e a Bolívia por

uma faixa de terra, regulamentada pelo Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903, por

meio do qual o Acre foi anexado ao Brasil, mediante o pagamento de dois milhões de libras

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esterlinas e o compromisso de construir a Estrada de Ferro Madeira­Mamoré, com o objetivo

de abrir uma rota18 para o oceano Atlântico, para escoamento da produção boliviana.

Conforme Matias (1998), para cumprir as determinações do Tratado de Petrópolis foi

realizada uma licitação para empresas brasileiras, o ganhador da licitação foi Joaquim

Catramby, “na qualidade de testa­de­ferro do norte­americano Percival Farquhar, a quem

transferiu o contrato tão logo recebeu a homologação da concorrência” (MATIAS, 1998, p. 40);

para tal, foi constituída a empresa Madeira­Mamoré Railway Company, que contratou a

empreiteira May, Jeckyll & Randolph para a construção da obra; suas instalações foram

estabelecidas no porto amazônico no ano de 1907, onde hoje está localizada a cidade de Porto

Velho.

A construção da ferrovia representou uma brusca mudança populacional na região do

rio Madeira, para comportar, segundo Matias (1998, p. 44), cerca de 22.000 operários, de mais

de 20 nacionalidades, aglomerados nos núcleos de Santo Antônio do Rio Madeira, Porto Velho

e Guajará­Mirim, mesmo local escolhido para a construção da ferrovia e território de

perambulação dos índios Caripuna, que estabeleceram audaz resistência para se manter na

região, passando a atacar operários e arrancar os dormentes da ferrovia à noite. Segundo o autor,

como medida ofensiva a empresa passou a eletrificar os trilhos no período noturno e, em pouco

tempo, um verdadeiro genocídio indígena foi feito, sem nenhum tipo de represália do governo

brasileiro.

Devido ao grande número de operários doentes, a empresa construiu o Hospital da

Candelária, entre os povoados de Porto Velho e de Santo Antônio, e contratou o médico

Oswaldo Cruz para combater as doenças regionais. Em “seu relatório, afirmou que o lento

progresso das obras da ferrovia, que avançava cerca de cento e noventa metros por semana, não

era provocado por essas doenças e sim pelas péssimas condições de vida e trabalho a que eram

submetidos os operários do Madeira­Mamoré” (MATIAS, 1998, p. 41).

18 O governo boliviano criou, em 1846, uma comissão de estudos destinados a viabilizar uma rota fluvial através do rio Mamoré ou Madeira para o oceano Atlântico. Essa comissão apresentou dois projetos, sendo que o primeiro sugeria a construção de canais nos trechos encachoeirados do Madeira, e o segundo previa a construção de uma ferrovia na margem direita do rio Mamoré. Visando o primeiro projeto, o governo boliviano constituiu uma empresa de navegação, a National Bolivian Navigation Company. Ao procurar financiamento nos bancos da Inglaterra, esses preferiram financiar a construção da ferrovia, pois a Inglaterra era o maior produtor de vagões e locomotivas do mundo. Para autorizar a construção boliviana em território brasileiro, em abril de 1870, foi acordado o tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comercio e Extradição, entre Brasil e Bolívia, e a razão social da empresa mudada para The Madeira and Mamoré Railway Company Ltda. As doenças regionais, a resistência dos Caripuna em manter seu território e a falta de mão de obra resultaram em sucessivos fracassos do empreendimento entre os anos de 1872 a 1883. A construção da estrada de ferro resultou ao governo boliviano processos na justiça americana, inglesa e brasileira e o arquivamento do projeto. (MATIAS, 1998, p. 44).

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Assim como relata Matias (1998), mesmo com todas as adversidades, a ferrovia

Madeira­Mamoré foi inaugurada oficialmente no dia 1º de agosto de 1912, deixando, como

marca registrada de sua história, a morte de milhares desses homens e a nação indígena

Caripuna praticamente dizimada, fato que originou seu apelido de “Ferrovia do Diabo”.

Em função do declínio do ciclo da borracha, a direção da empresa norte­americana The

Madeira­Mamoré Railway Company abandonou suas atividades em 30 de junho de 1931; essa

decisão afetava diretamente a economia de Santo Antônio, Porto Velho e Guajará­Mirim, o

Governo Federal, então, baixou o Decreto­Lei nº 20.200, de 10 de julho de 1931, por meio do

qual reestabeleceu os serviços da ferrovia ao nomear o capitão Aluízio Pinheiro Ferreira como

administrador e mudar sua razão social para Estrada de Ferro Madeira­Mamoré; esse episódio

ficou conhecido como a Nacionalização da Madeira­Mamoré, conforme apresentado por Matias

(1998).

Como estratégia para estabelecer um meio de comunicação eficiente dessa região com

o restante do país, o governo cria a comissão construtora das Linhas Telegráficas Estratégicas

do Mato Grosso ao Amazonas, ligando Cuiabá a Santo Antônio do Rio Madeira, com um acesso

para Guajará­Mirim. O comando da missão foi entregue ao militar Cândido Mariano da Silva

Rondon19, oficial do exército e engenheiro militar, ficando conhecida como Comissão Rondon.

A missão que pretendeu percorrer o território de uma ponta a outra iniciou no ano de

1907; certos que entrariam em território indígena, a comissão “utilizou­se, simultaneamente, de

técnicas militares e antropológicas” (SANTOS, V., 2014, p. 32). A estratégia consistia na

escolha de “um grupo de trabalhadores que conheciam bem a floresta, composto por guias e

intérpretes oriundos de etnias vizinhas” (SANTOS, V., 2014, p. 32) para estabelecer o contato

e assim passar o linhão telegráfico.

Registros do período de atuação da Comissão Rondon, discutidos por diversos autores,

como Silva (1984), Pinto (1986), Matias (1998), Perdigão e Bassegio (1992), revelam alguns

povos e locais onde existiam comunidades indígenas na região. Segundo Silva (1984), no local

onde hoje é o município de Ariquemes, viviam os índios Bocas Pretas e Arikêmes, que ficaram

vulneráveis ao contato com exploradores que “começaram logo a cometer os maiores abusos e

a provocar a desorganização das famílias e a desmoralização dos costumes e das Instituições

Arikêmes” (SILVA, 1984, p. 13). Ainda segundo esse autor, os Arikêmes se denominavam

Ahôpôvo, seus inimigos, os Urupás, da região de Ji­Paraná, os chamavam de Arikêmes, devido

19 Quanto ao título de Marechal, “Foi o congresso Nacional que outorgou­lhe essa patente no dia 05 de maio de 1955, quando completou 90 anos de idade, em reconhecimento por seus serviços prestados ao país” (MATIAS, 1998, p. 63).

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ao nome dado por Rondon ao posto da estação telegráfica Ariquemes, no rio Jamari, local de

sua parada.

Sobre os Urupás, hoje extintos, há poucos registros, para Silva (1984, p. 17), “a

conquista do rio Urupá, especialmente, teria sido feita à custa de muitas vidas, devido a ferrenha

oposição da tribo indígena que dominava as suas margens e que lhe emprestara o nome”, hoje

município de Ji­Paraná. Este autor menciona, ainda, que Vitor Hugo cita em seu livro “Os

Desbravadores”, que em 1883, Frei Iluminado deixou no rio Machado uma missão religiosa

“fundada 40 léguas acima da cachoeira Dois de Novembro, abrangendo terrenos ocupados pelas

tribos dos Jarus e Urupás” (SILVA, 1984, p. 19), o que leva a crer que os Urupás, muito antes

de Rondon, que ali chegou em 1909, já haviam passado por uma política de contato religiosa20.

Nos relatos de Silva (1984) encontramos a informação de que, em outubro de 1909, a

Comissão Rondon registrou no Alto Madeira a presença da aldeia Nhambiquara, nação

encontrada entre as cidades de Pimenta Bueno e Cacoal, onde também foram encontrados os

Suruís, Tubarões, Kepi­Kiri­uats, Parneuats e Tucuateps; esses “vinham em busca dos presentes

oferecidos por representantes do Serviço de Proteção ao Índio que, inicialmente, eram os chefes

dos postos da linha telegráfica” (SILVA, 1984, p. 85).

Conforme este autor, dentre as grandes nações indígenas, relatadas por Rondon,

encontravam­se os Jarus, localizados em 1909 às margens dos rios Jaru e Anari, vivendo ao

lado dos Tupis, Aruaques, Muras e Caraíbas; eram arredios e agressivos e se confundiam com

os índios Toras, Urupás e Pacaás Novos. Em uma segunda estada pela região, em 1916 e 1917,

Rondon encontrou apenas vestígios desse povo, não se sabendo ao certo o que os teria levado

a abandonar o local, embora nessa época tenha existido a ação de grupos organizados pelos

seringalistas por novos seringais, mesmo que para isso precisassem atacar as tribos locais

(SILVA, 1984).

Na perspectiva de Perdigão e Bassegio (1992), Cândido Mariano da Silva Rondon,

durante o período da expedição das linhas telegráficas, contribuiu com a disseminação do

latifúndio em Rondônia, “[...] dado que aos seringalistas eram conferidas enormes concessões

de terras, muitas das quais foram demarcadas pelo Marechal Rondon e requeridas pelos

detentores das posses, ou seringalista” (PERDIGÃO; BASSEGIO, 1992, p. 88). E, embora não

existam evidências, indícios dos registros históricos dão margem para interpretação de que esta

missão também tinha como pano de fundo a apresentação de um relatório sobre as riquezas

20 Para aprofundamento conferir: Na Trilha dos Urupá: estudos de antropologia etnopedagógica (NEVES, 2016).

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naturais e o potencial de desenvolvimento da região para futuro projeto político de colonização

de ocupação da região.

Oficialmente a Linha Telegráfica Estratégica Cuiabá/Santo Antônio foi inaugurada em

1915, e cada posto de Estação Telegráfica implantado se tornou ponto de referência na floresta,

e já concentrava aglomerados urbanos devido ao grande isolamento da região e assim a trilha

que percorria o linhão se tornou rota de tramitação.

Segundo Matias (1998), a segunda fase do ciclo da borracha, que corresponde de 1942

a 1950, ressurge na região durante a Segunda Guerra Mundial, quando Brasil e Estados Unidos

fazem um aditamento no Tratado de Washington21, pois o Japão havia invadido os seringais

asiáticos, fornecedores da matéria prima dos Estados Unidos, e esse precisava de um novo

fornecedor; com o financiamento da reelaboração do acordo, o governo implantou órgãos para

dar sustentação à produção e comercialização da borracha.

Ainda conforme o autor, para revigorar a produção da borracha local a Coordenadoria

de Mobilização Econômica e a Comissão de Controle de Acordos de Washington, criaram

órgãos para dar sustentação à atividade, como a Rubber Development Company (RDC),

encarregada do transporte da borracha e dos suprimentos para os seringais; Serviço Especial de

Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), responsável por recrutar os

soldados da borracha no Nordeste; Comissão de Encaminhamento de Trabalhadores para a

Amazônia (CETA), responsável pelo cadastramento de voluntários e colocação nos seringais;

Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), encarregado de combater as doenças regionais;

Banco de Crédito da Borracha, encarregado de financiar e comprar a produção da borracha.

Esse último órgão, já sem a parceria dos Estados Unidos, em 1950 foi transformado em Banco

de Crédito da Amazônia e, posteriormente, Banco da Amazônia S/A (BASA), por fim, a

Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA), encarregada de

abastecimento de gêneros nos seringais e controle marítimo. Em meio a tantos órgãos criados

nenhum previa a defesa ou a garantia de direitos dos povos indígenas.

Por meio da infraestrutura administrativa proporcionada pelo financiamento dos Estados

Unidos na região Amazônica, o Segundo Ciclo da Borracha se inicia. Nessa segunda fase, os

trabalhadores se dividiam em voluntários (sem a exigência de pré­requisitos), e recrutados. Os

21 Ocorreu após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial em 1941. O acordo previa 100 milhões de dólares para a modernização e implantação do projeto siderúrgico brasileiro, além da aquisição de material bélico no valor de 200 milhões de dólares. Esses acordos foram decisivos para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce. Assim, o Brasil assumiu o compromisso de fornecer minérios estratégicos e importantes à indústria bélica americana. Os principais produtos eram alumínio, bauxita, borracha, cobre, cristal quartzo, estanho, magnésio, mica, níquel, tungstênio, zinco, entre outros. Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

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recrutados obedeciam ao critério militar, deveriam ser solteiros e ter entre 18 e 25 anos de idade,

sendo registrados oficialmente como Soldados da Borracha, assim como revela Matias (1998).

Esses bravos recrutados deixavam o que conheciam sobre sua região seca e lutavam

para sobreviver isolados na quente e úmida floresta amazônica e, conforme descrito por Matias

(1998), ainda suportavam maus tratos dos patrões, má alimentação, doenças regionais, falta de

proteção civil e de direitos trabalhistas, mesmo a fuga era coagida, porque predominava nos

seringais a milícia do seringalista.

Esses trabalhadores nordestinos foram submetidos aos mais difíceis processos de aclimatação, as doenças regionais, a duras penetrações na selva inóspita, ao isolamento e a solidão. Para piorar, o governo federal não cumpriu suas promessas de apoio e distribuição de terras, e persistia a terrível escravidão do débito. Assim foi travada a batalha da Borracha, responsável pela morte de cerca de trinta mil nordestinos na Amazônia rondoniense. (MATIAS, 1998, p. 85).

Conforme escritos de Matias (1998), a estrutura administrativa empregada na região

contribuiu para que fossem elevados à categoria de município pelos estados a que pertenciam.

O primeiro foi Santo Antônio do Rio Madeira, área pertencente a Mato Grosso, criado em 3 de

junho de 1908. Em seguida, Porto Velho, área pertencente ao estado do Amazonas, criado em

2 de outubro de 1914. Por último, Guajará­Mirim, com área pertencente ao estado do Mato

Grosso, criado em 12 de julho de 1928. Este ciclo da borracha termina com o fim da Segunda

Guerra Mundial, momento em que diminui o interesse dos importadores pela borracha da

Amazônia.

Durante este período, compreendido entre o século XVII (intensificação jesuíta) e início

do século XX (Comissão Rondon), “[...] a visão universal da história associada à ideia de

progresso (a partir da qual se constrói a classificação e hierarquização de todos os povos,

continentes e experiências históricas)” (LANDER, 2005, p. 13); corresponde ao ocorrido no

Brasil colônia e posterior República, marcado por uma estratégia de dominação, discutida na

atualidade através do conceito de colonialidade do poder, “isto é, a ideia de ‘raça’ como

fundamento do padrão universal de classificação social básica e de dominação” (QUIJANO,

2002, p. 01).

Por meio dessa teoria racial foi possível manter a escravidão de negros e a servidão de

indígenas, seringueiros, mineradores e demais trabalhadores, explorados intensivamente até

fins da década de 1940; a subjugação da pessoa humana, a estas condições, somente foi possível

dada a associação entre o conceito de progresso e raça, em que, supostamente, um descreve o

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outro. Em nome do desenvolvimento “e pelo caráter “civilizatório” da “Modernidade”,

interpretam­se como inevitáveis os sofrimentos ou sacrifícios (os custos) da “modernização”

dos outros povos “atrasados” (imaturos), das outras raças escravizáveis, do outro sexo por ser

frágil, etcetera” (DUSSEL, 2005, p. 29).

Assim como expõe a teoria da colonialidade, o fato de, no decurso do período de

colonização de exploração, marcado pelos Ciclos do Ouro e da Borracha e construções da

Ferrovia Madeira­Mamoré e das Linhas Telegráficas Rondon, ter ocorrido a independência do

governo brasileiro, não alterou a concepção de raça que marcou o modelo histórico do processo

político de colonização pelo qual a região passou, principalmente no que se refere aos povos

indígenas, por respaldar práticas de silenciamento, subjugação, servidão, dizimação, como uma

herança cultural naturalizada no inconsciente social.

Tais práticas, sustentadas a partir da ideia de incapacidade racial para o progresso, “se

mantém arraigado nos esquemas culturais e de pensamento dominantes, legitimando e

naturalizando as posições assimétricas” (PORTO­GONÇALVES; QUENTAL, 2012, p. 31).

Como bem evidencia Castro­Gómez (2005), promovendo a “invenção do outro” na medida em

que o conhecimento que se tem sobre o outro é suficiente para conhecê­los e descrevê­los,

situação que finda o discurso.

1.2 A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DO GUAPORÉ E A

DESTERRITORIALIZAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS

Por meio do desmembramento de faixas de terra dos estados do Mato Grosso e

Amazonas, cria­se o Território Federal do Guaporé, no governo de Getúlio Vargas, no dia 13

de setembro de 1943, através do Decreto­Lei nº 5.812. A nova região foi dividida politicamente

em 4 municípios, mediante o Decreto­Lei nº 5.839: Lábrea (hoje pertencente ao Amazonas),

Santo Antônio do Rio Madeira, Guajará­Mirim e Porto Velho, como capital do novo território,

em função do fortalecimento econômico que havia conquistado, resultado do aditamento do

tratado de Washington e dos programas dele derivados, conferindo­lhe status administrativo.

Assim como destaca Matias (1998), a estratégia governamental de ocupação de um

vazio demográfico, cuja população era formada basicamente por indígenas, ribeirinhos,

quilombolas e soldados da borracha, coincide com o período da mecanização e do surgimento

de latifúndios no Sul e Nordeste do país, com a erradicação dos cafezais e intempéries

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climáticas, como seca e geada; o êxodo do excedente de trabalhadores dessas regiões,

marginalizados do processo produtivo do capital, era conduzido para o novo território.

O modelo de colonização extrativista, estabelecido na região, lentamente era substituído

pela colonização de povoamento derivada do processo migratório, que formava pequenos

povoados nos postos das estações telegráficas, trazendo uma característica nova: a fixação e

trabalho do indivíduo na terra, com base na concepção agrícola.

[...] a década 1970 possui características diferentes dos anteriores. Até esse período, os fluxos migratórios ocorreram em função da busca de riquezas naturais, portanto os migrantes eram extratores, seringueiros e mineradores. A partir desse momento, a migração ocorreu em torno da busca de terras para a agricultura, o acesso a terras. (BARROSO, 2010, p. 44).

Como estímulo, Matias (1998) destaca que o governo criou projetos médios para

avançar o processo produtivo, no entanto, sem êxito; como segunda tentativa de evitar a evasão

populacional o governo criou, entre os períodos de 1948 e 1959, Colônias Agrícolas nos

municípios de Guajará­Mirim e Porto Velho, igualmente sem sucesso, devido à infertilidade do

solo dessas regiões e à falta de sementes e insumos agrícolas. Neste ínterim, o Território Federal

do Guaporé, treze anos após sua criação, tem o nome alterado para Território Federal de

Rondônia, por meio da Lei nº 2.731, de 17 de fevereiro de 1956.

O estímulo governamental esperado para a promoção da colonização de povoamento

vem da região central do território, onde surge o Ciclo do Diamante, estimulando nova migração

para os postos telegráficos de Pimenta Bueno e Ji­Paraná, locais em que foram encontradas

jazidas no rio Machado, Comemoração e Barão de Melgaço, atraindo comerciantes e

garimpeiros. “Em 1954, já havia sido recolhido na região cerca de 13 mil quilates de diamante”

(MATIAS, 1998, p. 119).

Esse ciclo facilmente leva trabalhadores à exploração do minério pelos afluentes dos

rios da floresta; a resistência indígena na manutenção do seu território resultava em confrontos

armados que tinham por resultado sua expulsão ou dizimação, “Além desses conflitos

aconteceram outras diversas massacres, assaltos, arsênico, envenenamento, e os atiram de

brinquedos contaminados com os vírus de gripes, sarampo e vários, doenças” (CINTA LARGA,

2015, p. 18).

Em seguida, eclodiu (a partir de 1958) o Ciclo da Cassiterita, na região de Ariquemes e

Porto Velho. Esse fato contribui para a instalação de diversos aglomerados que, mais tarde, se

tornaram cidades, como Candeias do Jamari e Ariquemes, estimulando um fluxo demográfico

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por toda a extensão da Linha Telegráfica. O Ciclo da Cassiterita atraiu empresas mineradoras,

forçando o governo a abrir a BR 029, atual BR­364, em 1960, para escoar a produção e ligar,

por rodovia, Rondônia ao país.

A abertura da BR se tornou uma ferramenta para o governo concretizar o projeto de

colonização de povoamento, uma vez que esta obra revelou o potencial agrícola do território

pela fertilidade do solo nas margens da rodovia. Nessa ocasião, o governo criou uma política

de colonização de povoamento a partir da divulgação oficial de terras disponíveis e férteis, que

atrai uma marcha de agricultores do Sul e Centro­Oeste do país à espera do Instituto Brasileiro

de Reforma Agrária (IBRA); para fazer a demarcação de posse da terra, conforme Matias (1998,

p. 124), “[...] entre 1961 e 1970, mais de trinta mil migrantes instalaram­se em Rondônia,

absorvendo os excedentes populacionais criados pelo modelo econômico agroexportador

implantado no Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso”.

Neste contexto, meu histórico pessoal também foi marcado por esta migração

desenvolvida em Rondônia. Meus pais chegaram nesse estado no ano de 1982, vindos do estado

de São Paulo, como os demais migrantes, também sonhavam com a oportunidade de prosperar

trabalhando na terra. A região em que moramos, neste período, foi a chamada Cone Sul, espaço

do atual município de Cerejeiras. Os conhecimentos que tenho agora me permitem compreender

que justamente aquela região, considerada tão rica em madeira e adequada ao plantio e à

pecuária, foi exatamente a que mais produziu múltiplas formas de violação22 e descaso para os

povos indígenas.

O projeto de colonização de povoamento desenvolvido não previu medidas de

orientação para o assentamento do homem na terra, o que resultou no esparrame populacional

pela região e ação de companhias particulares de colonização. O que “contribuiu para o

crescimento dos conflitos agrários, resultado tanto da crescente demanda social por novas áreas,

quanto da apropriação privada feita pelas empresas colonizadoras, assim como, das grilagens

de terras e expropriação dos camponeses” (COSTA SILVA, 2012, p. 61).

Em pouco tempo os arredores das estações telegráficas foram tomados por áreas rurais,

forçando a divisão geográfica do município de Porto Velho, assim são criados os municípios

de Ariquemes, Ji­Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena através do Decreto­Lei nº 6.448,

de 11 de outubro de 1977.

22 A esse respeito ver: Índio do Buraco, registrado em 2009, por Vincent Carelli no longa­metragem Corumbiara e Massacre de Corumbiara, ocorrido em 9 de agosto de 1995 no município de Corumbiara, no estado de Rondônia (Wikipédia).

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Conforme Pinto (1986), o grande problema derivado da instabilidade sobre a

propriedade, como a falta de financiamento para o plantio e a ocupação desordenada, contribuiu

para que o governo transformasse o IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) em

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), com a finalidade de promover

a colonização, especialmente na faixa de cem quilômetros ao longo da rodovia. A colonização

em Rondônia ocorreu de duas maneiras: uma feita por empresas colonizadoras e a outra por

meio dos programas de assentamento rural oficial, e as duas formas feriram os direitos

territoriais indígenas nesse processo.

No que diz respeito ao direito a propriedade,

Foram criadas legislações que estruturaram formalmente o mercado de terras (Lei de Terras de 1850) e criaram obstáculos de todas as ordens para que não tivessem acesso legal a terra os povos indígenas, os escravos negros alforriados e os trabalhadores imigrantes que começavam a ser recrutados, em especial para as áreas de produção agroexportadora. Coibindo a posse e estabelecendo a compra como forma de acesso à terra, tal legislação instituiu a alienação de terras devolutas por meio de venda, vedando, entretanto, a venda em hasta pública; e favorecendo a fixação de preços suficientemente elevados das terras, dificultando a emergência de um campesinato livre (ALMEIDA apud BARBOSA; PORTO­GONÇALVES, 2014, p. 14).

Segundo Meireles (1983, p. 35, grifos da autora),

Na realidade, o Governo nem sabia qual era a localização exata das terras que vendia. No primeiro semestre de 1917, por exemplo, o Governo havia vendido 43.200 hectares de terras localizadas “num tributário do Guaporé” a V. Arruda & Cia; 21.600 há localizados “em ambas as margens do alto Jaci­Paraná” a Mattos Levy & Cia; 31.500 ha “em ambas as margens de um afluente do Jamary” a Jovino Fernandes de Lemos, totalizando uma lista de 239.250 ha vendidos com apenas duas vendas efetuadas em hasta pública. No semestre seguinte foram requeridos mais 612.000 ha de terras.

Assim, as colonizadoras proprietárias de títulos definitivos de terras as vendiam de

forma regularizada aos colonos, mantendo em certa medida o controle da organização do espaço

geográfico e coibindo a ocupação ilegal de terras negociáveis. Segundo Perdigão e Bassegio

(1992), a partir de 1964 as principais colonizadoras a atuar na região foram Calama, Itaporanga

S/A, Guaporé Agroindustrial S/A, GAINSA, Ramon Chaves e Santos Cia., todas

comercializando áreas muito acima da quantidade que legalmente lhes pertencia, invadindo

seringais e territórios indígenas. Não mais criteriosos foram os programas de assentamento rural

desenvolvidos pelo governo por meio INCRA.

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Os projetos desenvolvidos foram:

­ Projetos Integrados de Colonização (PIC), que concediam aos colonos lotes de 50 a 100

hectares. Nele, “[...] o INCRA, pelo menos na teoria, fazia, além da seleção, a demarcação

e abertura de estradas e assistência nas áreas de saúde, educação, orientação técnica e

comercialização” (PERDIGÃO; BASSEGIO, 1992, p. 77);

­ Projetos de Assentamento Dirigido (PAD), com lotes de 100 a 250 hectares, que não previam

assistência técnico­rural. Seus lotes eram maiores, pois visavam atrair um público com

acesso ao crédito bancário para financiar o desenvolvimento da terra. Esse projeto, em

particular, contribui para a disseminação do latifúndio, que incorporava propriedades de

pequenos produtores após a limpeza da terra para o plantio, que não progredia devido à falta

de infraestrutura, como estradas, escoamento, financiamento, entre outros;

­ Projeto de Assentamento Rápido (PAR), com lotes de 50 hectares, que visava atender à

pressão cada vez maior do grande contingente de colonos à procura de demarcação de terras;

entretanto, esse projeto só visava à assistência técnico­rural com o início da produção, o que

postergava a ação do governo;

­ Projetos de Assentamento (PA), dirigidos para os assentamentos mais localizados no interior.

Segundo Perdigão e Bassegio (1992), ao todo, foram desenvolvidos 5 PIC, 2 PAD, 3 PAR e

16 PA.

Na Figura 01 observa­se a localização de alguns desses projetos.

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Figura 01 ­ Projetos de colonização (PA, PAD e PIC) em Rondônia, 1971­1984, e as Terras

Indígenas com período de documentação junto à FUNAI

Fonte: SANTOS (2014).

Ao se observar o mapa da Figura 01, vê­se que as terras indígenas do estado de Rondônia

estão, em sua maioria, retiradas do “corredor” aberto por Rondon, consolidado como BR­364.

Conforme Santos (2014), o contingente migratório que chegou favorecido por essa obra,

resultou no desaparecimento de muitos povos indígenas, por muitas vezes pelas ações do

próprio INCRA que omitia a presença de indígenas em áreas de assentamentos, que “[...], a

serviço das empresas rurais, fraudava processos omitindo a presença na área de interesse dos

empreendimentos privados, de indígenas e posseiros” (SANTOS, 2014, p. 50).

O assentamento populacional do Território, feito por empresas colonizadoras e

programas do governo, oficializava o discurso de sociedade liberal­capitalista, ao desconsiderar

qualquer forma de propriedade que não estivesse legitimada por um estado administrador. Para

Escobar (2005, p. 64),

Ao retirar ênfase da construção cultural do lugar a serviço do processo abstrato e aparentemente universal da formação do capital e do Estado, quase toda a

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teoria social convencional tornou invisíveis formas subalternas de pensar e modalidades locais e regionais de configurar o mundo.

Os projetos de assentamentos resultaram em uma transformação brusca do meio físico,

com abertura de estradas, demarcação de terras e, principalmente, com a retirada da vegetação

para expandir o novo ciclo econômico baseado na agricultura, o que promoveu a

desterritorialização dos povos indígenas que tradicionalmente ocupavam a região, “somando­

se as áreas destinadas a colonização e concorrência pública, e mais áreas de regularização

fundiária, ou seja, antigos seringais, teremos pouco mais da 4ª parte da terra, 27,64%, destinada

a atividade agrícola” (PERDIGÃO; BASSEGIO, 1992, p. 79).

Nessa estratégia política de desenvolvimento,

Transforma­se, portanto, o conteúdo geográfico da sociedade, agora com elementos estruturais em que a propriedade da terra e sua transformação em mercadoria, a incorporação da natureza como expressão materializada do trabalho e a sociabilidade capitalista centrada no desenvolvimento da agropecuária e a transformação das pequenas vilas em proto­cidades constituem a nova configuração geográfica de Rondônia. (COSTA SILVA, 2012, p. 66).

Esta perspectiva justificava a derrubada maciça da floresta, necessária para “limpar o

solo”, visando o modelo de desenvolvimento de plantio e pecuária, assim como para a

construção de casas. Esta prática dá início ao Ciclo da Madeira que, até meados da década de

1990, foi responsável pela geração de empregos e renda, principalmente no Sul do estado, o

que, de imediato, se tornou um processo extremamente lucrativo, dada a falta ou conivência do

próprio órgão responsável pelo controle, que por vezes agenciava a retirada ilegal da madeira

em terras indígenas, como registra o autor Suruí sem seu TCC: “No início a FUNAI nos

incentivou a vender madeira para os madeireiros, [...]” (SURUÍ, 2014, p. 24).

O comércio ilegal da madeira em Rondônia foi tão agressivo que os povos indígenas

formaram uma mobilização, exigindo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada

em 1987, sobre contratos celebrados entre a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e os

madeireiros de Rondônia, denunciando a retirada ilegal de madeira de suas terras.

Perdigão e Bassegio (1992) apresentam a avaliação das irregularidades encontradas na

execução dos contratos descritos no relatório dessa comissão, no qual o presidente da FUNAI,

Dr. Romero Jucá Filho, havia celebrado um contrato de alienação de madeira desvitalizada com

o objetivo de construir 2 postos de vigilância, 25 km de estradas e construção de 2 heliportos

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com a firma União Madeireira Ltda.; para tanto autorizou a retirada de 2.000 árvores

desvitalizadas de mogno e cerejeiras na área indígena dos Uru­Eu­Wau­Wau.

Ainda segundo esses autores, também foi firmado um contrato particular de alienação

de madeira entre a FUNAI e a Indústria de Comércio de Madeira Ltda., que também teve como

objetivo a derrubada de madeira na área indígena Uru­Eu­Wau­Wau. Esse contrato chama a

atenção, em sua cláusula primeira, em que fica estabelecida a derrubada de toras, dando margem

para a retirada de qualquer tipo de madeira, seja ela vitalizada ou desvitalizada. Tratava­se de

uma maneira de ludibriar a fiscalização e os povos indígenas. “Dentro das espécies vulneráveis

à extração madeireira estão copaíba, ipê, amapá e uxi. Essas espécies são muito importantes

para saúde e alimentação dos povos da Amazônia. Esses recursos não têm substitutos”

(AIKANÃ, 2015, p. 11).

Com base nesta CPI, Perdigão e Bassegio (1992) apresentam outros contratos

irregulares, como o da firma Vilson Pilvezan Pompermayer, que utilizava o nome fantasma de

Madeireira Várzea Grande, com fortes indícios de falsificação da assinatura do representante

da FUNAI, totalizando a retirada de 55.000 m³ de madeira do Vale do Guaporé, bem como

outro contrato firmado com a Serraria Dias Ltda. (SERDIL), para a retirada de 26.000 m³ de

madeiras na área indígena Tubarão­Latundê, que também chama a atenção pela irregularidade

das assinaturas. Segundo esses autores, as madeireiras Unimar, Noroeste e Cometa

desatenderam as cláusulas contratuais e exploraram áreas indígenas, retirando das reservas uma

totalidade em toras de madeiras de lei superior a 350.000 m³, perfazendo aproximadamente

meio milhão de dólares.

A exploração, tanto dos recursos naturais como humana, antes realizada pela coroa

portuguesa, agora é subjetiva do capitalismo, conforme destaca Coronil (2005, p. 55): “Para

muitas nações a integração de suas economias ao livre mercado global conduziu a uma maior

dependência da natureza e a uma erosão dos projetos estatais de desenvolvimento nacional”.

Nesta dinâmica o sistema capitalista projeta concentração de capital pela devastação dos

recursos naturais, reforçando a desigualdade social, o que facilita a exploração do trabalho, a

exemplo dos ciclos exploratórios do estado: “Desde tempos coloniais, a ‘periferia’ tem sido

uma fonte principal tanto de riquezas naturais como de trabalho barato. A questão agora é ver

se esta situação deixou de existir como tal, ou se se manifesta através de condições distintas”

(CORONIL, 2005, p. 52).

No caso do Ciclo da madeira o aliciamento dos trabalhadores ocorria em locais com alto

índice de desemprego, onde facilmente se encontrava homens dispostos a se dirigirem para

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outras regiões com a promessa de trabalho rentável feita por agenciadores. Segundo Perdigão

e Bassegio (1992), um adiantamento em dinheiro era feito para o recrutado deixar com sua

família durante o período que estivesse fora, ficando em débito com o “patrão”, o que o impedia

de deixar a propriedade, vigiada por jagunços armados, antes do pagamento da dívida, condição

dificultada pela baixa remuneração.

Acrescente­se que o trabalhador teria sua dívida aumentada a medida que adquiria os produtos necessários para sua alimentação e manutenção diretamente fornecidos pelos proprietários ou empreiteiros a preços muito acima dos de mercado, à semelhança do que ocorria nos tempos de barracão dos antigos seringais. (PERDIGÃO; BASSEGIO, 1992, p. 69).

A intervenção nessa ordem de conflitos (de invasão de Territórios Indígenas) se deu por

pressões internacionais, que resultaram na criação do estatuto do Índio e demarcação de Terras

Indígenas (TI) na década de 1980, a exemplo de: Uru­Eu­Wau­Wau, Portaria nº 1767/E, de

24/09/1987; Arara e Gavião, Decreto nº 88.609, de 09/08/83; Suruí, Decreto nº 88.876; Zoró,

delimitada pelo documento nº 94.008, de 11/03/1987; Área Indígena Rio Branco, Decreto nº

93.074, de 07/08/1986; Karitiana, homologada em 1976, conforme citado por Perdigão e

Bassegio (1992). Esses atos se constituíram nos primeiros instrumentos de defesa legal dos

direitos indígenas do estado de Rondônia, consolidados na Constituição Federal de 1988.

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Figura 02 ­ Localização do estado e das Terras Indígenas em Rondônia

Fonte: SANTOS (2014).

Na atualidade, segundo Moura (2014), além das TI homologadas, existem 5 terras

indígenas em fase de estudos (antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais)

no estado de Rondônia. De um povoamento com mais de 140 nações indígenas vivendo nessa

região, conforme apresenta Pinto (1986), pouco mais de um quinto do território foi concedido

aos povos indígenas que sobreviveram ao processo histórico de colonização; somadas as áreas

indígenas oficialmente demarcadas tem­se “49.967,01 km², o que corresponde a 21,03% da área

do estado de Rondônia” (SANTOS, 2014, p. 38).

Como se percebe, o processo de colonização, de exploração e povoamento ocorrido em

Rondônia não contribuiu para a emancipação cultural, político­econômica da região. Ao

contrário, “[...] a naturalização tanto das relações sociais como da ‘natureza humana’ da

sociedade liberal­capitalista” (LANDER, 2005, p. 13), aparentemente herdadas do modelo

colonizador, se mantiveram com a criação do Território Federal de Guaporé em 1943.

As estruturas governamentais, surgidas nesse período, sustentam a ideologia de

raça/progresso e transformam a condição de servidão em naturalização do trabalho braçal,

necessários ao desbravamento da selva inóspita, pois, no contexto de sociedade liberal­

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capitalista, “[...] o lugar afirma­se em oposição ao domínio do espaço, e o não­capitalismo em

oposição ao domínio do capitalismo como imaginário da vida social” (ESCOBAR, 2005, p.

68).

1.3 CONSOLIDAÇÃO ECONÔMICA DO ESTADO DE RONDÔNIA E

REORGANIZAÇÃO DO MODO DE VIDA INDÍGENA

Os projetos do INCRA haviam assentado milhares de famílias no eixo da BR­364 e fora

dela, o que dificultava a administração; para tal, o governador do Território Federal de

Rondônia, Jorge Teixeira de Oliveira, deu início a um projeto de estruturação da região com

vistas à sua emancipação. Seu programa realizou o asfaltamento da BR­364, desenvolveu o

Planejamento do Sistema de Energia Elétrica, com a implantação do canteiro de obras da Usina

Hidrelétrica de Samuel, criou mais seis municípios no ano 1981 (Jaru, Ouro Preto, Presidente

Médici, Espigão d’Oeste, Colorado d’Oeste e Costa Marques) e reestruturou os poderes

executivo e judiciário “com a prerrogativa de legislar por decreto, em virtude da não existência

do Poder Legislativo” (MATIAS, 1998, p. 139).

Essas iniciativas, somadas ao potencial econômico revelado pela agricultura e pecuária,

e o crescimento demográfico atingido pelo Território Federal de Rondônia, deram­lhe a

condição de ser elevado à categoria de Estado pela Lei Complementar nº 41, de 22 de dezembro

de 1981, pelo presidente João Batista de Figueiredo; no entanto, a primeira eleição direta para

governador só aconteceu em 1986, elegendo o Sr. Jeronimo Garcia de Santana. Nesse ínterim,

foi administrado pelo Coronel Jorge Teixeira de Oliveira por decreto de nomeação.

O quadro de governadores de Rondônia pode ser dividido em três períodos políticos. O primeiro, iniciado em 1943, com a nomeação do 1º governador do Território Federal do Guaporé, encerrando­se em 22 de dezembro de 1981 com a transformação do Território Federal de Rondônia em Estado. O segundo período começou em 29 de dezembro de 1981 com a nomeação do primeiro governador do Estado, o coronel Jorge Teixeira de Oliveira. Sua posse ocorreu no dia 04 de janeiro de 1982 na instalação político administrativa do Estado de Rondônia. O terceiro e definitivo período iniciou­se com a posse de Jeronimo Garcia de Santana, em 15 de março de 1987, na qualidade de primeiro governador eleito pelo povo. (MATIAS, 1998, p. 95).

Esta organização política contribuiu para que novos distritos se tornassem municípios,

como Rolim de Moura, Cerejeiras, Santa Luzia, Alta Floresta, Nova Brasilândia, Machadinho,

Cabixi, São Miguel do Guaporé, Alvorada, Mirante da Serra e outros. “O cerne da política de

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colonização consistiu na produção de condições materiais para efetivar novas relações

produtivas e inserir elementos da sociabilidade capitalista à floresta” (COSTA SILVA, 2012,

p. 60), em Territórios Indígenas.

Dessa forma são investidos recursos federais em projetos de expansão agropecuária,

escoamento de produtos e produção de energia elétrica. Como fomento à produção em grande

escala que, na atualidade, se consolida e expande como “agroNEGÓCIO”, em detrimento da

“agriCULTURA”, conforme evidencia Porto­Gonçalves (2007).

O projeto de ocupação de povoamento do estado, marcado por violência, expropriação

e exploração, progrediu do ponto de vista político, mas não para todos, do ponto de vista social.

Cada vez mais ficam de fora do processo de desenvolvimento do estado aqueles que fazem uso

comum dos recursos naturais. A exploração capitalista dos recursos naturais em larga escala

afeta diretamente modos de vidas que retiram sua subsistência da localidade em que residem.

As consequências desse modelo econômico ameaçam Territórios Indígenas, levando esses

povos a buscar maneiras de reorganização do modo de vida.

Na atualidade, os setores que fomentam a economia e dão evidência ao estado são: a

pecuária, a plantação de soja e produção de energia elétrica em larga escala, e a expansão do

porto graneleiro.

No mapa exposto a seguir (Figura 03) pode ser observado um panorama da distribuição

da produção primária do estado de Rondônia.

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Figura 03 ­ Uso e cobertura da terra e as Terras Indígenas em Rondônia

Fonte: SANTOS (2014).

A pecuária foi a atividade do setor primário que mais se expandiu. Segundo o Canal

Rural (2015, p. 1), o estado é o 8º maior produtor de carne bovina do país, “juntamente com a

soja, os cortes bovinos representam 90% de tudo que é exportado pelo estado”.

A pecuária leiteira também se destaca em Rondônia como maior produtora da região

Norte, com uma produção total, em 2015, de 2,6 milhões de litros de leite, conforme publicado

no Portal Amazônia (2015). A pecuária de leite se desenvolveu mais nas áreas de pequenas e

médias propriedades, para consumo próprio e agregação de renda às famílias rurais.

No mapa seguinte (Figura 04), pode ser observada a intensidade da prática da pecuária

entre os municípios.

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Figura 04 ­ Quantitativo bovino por município nas áreas de entorno das Terras Indígenas

Fonte: SANTOS (2014).

Como principal produto agrícola de Rondônia está a soja: “[...] este produto começou a

ser exportado desde o ano de 1997 e no primeiro ano escoou 320 mil toneladas do produto”

(CASTRO et al., 2011, p. 3). A soja é vista como uma alternativa para a recuperação do solo

da pastagem, por meio de um sistema de integração lavoura­pecuária, o que estimula o uso de

grandes pastagens para a produção do grão. Segundo Vale (2015), 26 dos 52 municípios do estado

estão produzindo soja, com um aumento de 20% da área plantada na safra 2014/15, e o produto é

exportado para países, como Coreia do Sul, China, Espanha, Irã e Itália.

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Embora Rondônia assuma a função primária na divisão territorial do trabalho no Brasil, considerando que sua relevância ainda se concentra na produção madeireira e agropecuária, a partir de 1997 a produção de soja emerge como a primeira commodity que vai de fato impor uma dinâmica territorial que unem o global ao local, reconfigurando o espaço regional. (COSTA SILVA, 2014, p. 303).

A produção predominante no sul de Rondônia evidencia o “uso corporativo do

território” (COSTA SILVA, 2014, p. 298) por meio de empresas que controlam o agronegócio,

“[...] assumidos pelas tradings Amaggi e Cargill, que controlam a produção, impondo preços e

outros mecanismos econômicos e políticos para assegurar o controle regional da circulação da

mercadoria” (COSTA SILVA, 2014, p. 308). Refreando a diversidade de produção agrícola

local, o que torna esses produtos escassos na região e eleve seus preços.

O fato de a produção da soja transgênica em Rondônia ser realizada com a utilização de

agrotóxicos, para controle de ervas daninhas, provoca desequilíbrio ambiental na região e em

seu ecossistema, ao contaminar rios, igarapés e as vidas mantidas destes. Assim como denuncia

Ferreira (2011, p. 1),

A ofensiva da expansão da soja na Amazônia tem deixado um rastro de destruição e morte. A produção extensiva de soja é aliada do uso excessivo de agrotóxicos contaminando rios e igarapés que cortam aldeias, áreas de proteção permanentes, entre outras de modo particular nas regiões de cerrado no Cone Sul de Rondônia rumo ao Vale do Guaporé. Denúncias de povos indígenas desta região dão conta que a insegurança alimentar e desnutrição é constante nas aldeias pela escassez da caça e da pesca provocada pelas intervenções do modo de produção da soja: desmatamento, uso barulho intenso do uso de máquinas e mortandade de peixes pela contaminação.

Possibilitar visibilidade às questões indígenas exige o entendimento de que esses povos

se reelaboram culturalmente, em resposta às ações da sociedade envolvente, o entendimento da

contínua existência de transgressões contra seu território aponta para o hereditário descaso de

órgãos governamentais que não apresentam trabalhos relevantes em defesa dos recursos de

ordem, principalmente de subsistência. Dessa forma, “O homem agride a natureza, não porque

use seus recursos naturais, mas porque o faz de modo egoísta e irracional. Simplifica totalmente

os ecossistemas transformando­os em monoculturas ou terrenos de pastagens” (GAVIÃO,

2015a, p. 9).

No mapa a seguir (Figura 05), é possível perceber o avanço da agricultura e da pecuária

sobre as Terras Indígenas.

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Figura 05 ­ Ocupação no entorno das Terras Indígenas de Rondônia

Fonte: SANTOS (2014).

Outros dois empreendimentos que se expandiram, dada sua importância para a

consolidação econômica do estado, foram o Porto, hoje modernizado, responsável pelo

escoamento da produção, e a usina hidrelétrica, para o abastecimento energético do estado e

parte do país. Segundo Schuindt (2015), a construção do porto foi iniciada em 1973, pelo

então Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN), do Ministério dos

Transportes. Entretanto, somente no ano de 1997, através do Convênio nº 006/97, firmado entre o

Ministério dos Transportes e o estado de Rondônia, a administração e exploração ficou sob

responsabilidade da Sociedade de Portos e Hidrovias de Rondônia (SOPH).

Pelo Porto Graneleiro é escoada grande parte da produção agrícola do estado, e ainda atende

o Sul do Amazonas, o Leste do Acre e o Norte do estado do Mato Grosso; o percurso via barcaça

se destina aos portos de Itacoatiara (AM) e Santarém (PA), onde ocorre a distribuição das cargas

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em navios de longo curso, seja para o mercado interno ou externo, por ele também é feita a entrada

de mercadorias e insumos em geral para o abastecimento interno. Devido ao aumento significativo

das operações e arrecadações do porto, o governo do estado de Rondônia realizou uma obra de

modernização que contribuiu para que ele passasse a operar com estrutura capaz de atender um

total de cinco milhões de toneladas, limite da sua capacidade operacional.

Por meio do mapa a seguir é possível observar a fluxo da soja na Hidrovia Madeira­

Amazonas, que segue o trajeto: Porto Velho (Rondônia) ­ Itacoatiara (Amazonas) ­ Santarém

(Pará), com destino ao mercado externo da Europa e China, conforme apresenta Silva (2003).

Figura 06 ­ Rede Territorial: transportes e circulação de soja na Amazônia Meridional

(RO e MT)

Fonte: COSTA SILVA (2013).

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Já o sistema de geração e distribuição de energia em Rondônia, conforme Oliveira

(2003), teve início com a construção da Estrada de Ferro Madeira­Mamoré, em 1908, com a

instalação do primeiro grupo gerador, no entanto a regularização do abastecimento de energia

elétrica perdurou décadas, pois era feito por usinas termoelétricas espalhadas pelo estado.

De acordo com o site da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em Rondônia entre minis, médias e grandes usinas, existem 80 empreendimentos em operação, gerando 5.846.046 kW de potência. Dentre elas, são 18 PCHs instaladas, [...], além de três empreendimentos em construção e quatro empreendimentos que já tem outorga, porém, ainda não iniciaram as obras. (G1, 2015, p. 1).

Somente na década de 1980 foi construída uma barragem no rio Jamari, afluente do Rio

Madeira, a Hidrelétrica de Samuel, projetada para produzir 216 MW; 2 anos depois, deu­se

início à construção da Usina Hidrelétrica de Samuel. Contudo, a estabilização da distribuição

da energia elétrica no estado foi gradativa à inauguração de suas turbinas. Em 1989, a primeira

turbina abastece Porto Velho; em 1994, a segunda e terceira turbinas abastecem Ariquemes e

Ji­Paraná; em 1995, a quarta turbina abastece Cacoal e Pimenta Bueno; e em 1996 a quinta

turbina passa a abastecer o interior do estado, totalizando 32 municípios atendidos, conforme

nos apresenta Oliveira (2003, p. 170).

Na outra ponta, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) responsabilizou a

empresa de Samuel pela criação de grandes bolsões de miséria na periferia de Porto Velho, ao

ter ignorado direitos e negado assistência das famílias atingidas. As famílias que foram

assentadas, oriundas do entorno da barragem de Samuel, fundaram uma comunidade de

assentados chamada Triunfo, distrito do município de Candêias do Jamari.

Na atualidade, conforme Cavalcante e Santos (2012), estão previstas a construção de

mais duas usinas hidrelétricas, denominadas Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, no

município de Porto Velho, abrangendo os distritos de Jaci­Paraná, Mutum­Paraná e Abunã,

com o objetivo de adicionar 6.450 MW ao sistema elétrico nacional.

Como uma hereditariedade dos primeiros ciclos econômicos de Rondônia, um escândalo

revelou, após uma greve provocada por trabalhadores do canteiro de obras da construção da

Usina Hidrelétrica de Jirau, denúncias de sujeição a que eram submetidos os trabalhadores,

conforme apresenta uma matéria de Souza e Paula (2011, p. 2) para o Jornal A Nova

Democracia:

Segundo denúncias de trabalhadores e moradores da região, para lá se dirigem milhares de operários arregimentados por aliciadores conhecidos como

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“gatos”, recrutados em vários estados, principalmente no Nordeste, atraídos pelas promessas de bons salários e de excelentes condições de vida e de trabalho. Chegando lá, eles são postos em alojamentos precários, submetidos a todo tipo de humilhações nos canteiros de obras, havendo inclusive denúncias de castigos físicos, péssima alimentação, jornada de trabalho extenuante, regime de “barracão”, entre outras arbitrariedades. (grifos dos autores).

A responsabilidade pela execução da obra da Usina Hidrelétrica de Jirau foi do

Consórcio Energia Sustentável do Brasil, composto por Suez Energy, Camargo Corrêa

Investimentos, Eletrosul Centrais Elétricas e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, mas

as únicas prisões noticiadas sobre esse episódio foram as dos próprios operários, acusados de

causar danos ao patrimônio.

Os empreendimentos das usinas de Jirau e Santo Antônio “também ameaçam

diretamente quatro povos indígenas da bacia do Alto Madeira: os Karitiana, Karipuna, Urueu­

Wau­Wau, e Katawixi”, causando riscos para os “povos Parintintin, Tenharim, Pirahã, Jiahui,

Tora, Apurinã, Mura, Oro Ari, Oro Mom, Cassupá e Salamãi” (SURVIVAL

INTERNATIONAL apud SANTOS, 2014, p. 178). Os empreendimentos hidrelétricos

representam um exemplo contemporâneo de desterritorialização dos povos indígenas, ao

reduzir o território de subsistência com áreas alagadas pelas barragens, o que altera o

ecossistema e a vegetação, gerando uma cadeia de eventos que definham as comunidades.

Diante desse cenário, “É pertinente interrogar se há lugar na contemporaneidade para as

sociedades indígenas de economia de subsistência, considerando o crescente processo de

expansão do capital, em específico na Amazônia” (ABRANTES, 2013, p. 21).

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Figura 07 ­ Passeata contra os projetos de barragem em Rondônia

Fonte: NÓBREGA (2008).

O projeto que idealiza o Complexo Madeira do Governo Federal é financiado pelo

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC/2006), que prevê a construção de 4

hidroelétricas, sendo duas em território brasileiro, uma binacional (Brasil­Bolívia) e uma em

território boliviano, ambas com eclusas em seu projeto original para, futuramente, permitir a

navegação e consolidação da hidrovia binacional, possibilitada pela nivelação de seu leito

devido às obras hidrelétricas.

Esse cenário de expansão do agronegócio em Rondônia é associado aos índices do

Produto Interno Bruto, o que, consequentemente, serve de discurso político para atribuir

importância social ao desenvolvimento econômico do estado, por isso, estimulado pelo

governo, por grandes empresários e pela própria população, que, por sua vez, ignora prejuízos

causados ao meio físico com implicação à vida do homem do campo e dos povos indígenas em

especial.

Modernizar­se, desenvolver­se, são características do mundo moderno em geral e do

agronegócio em especial; essa percepção, que materializa a colonialidade do poder, obscurece

que o agronegócio gera concentração de capital, exploração ambiental, mecanização e

desemprego. De modo oposto ao que acontece com a agricultura, cuja característica é a geração

de emprego, variação de produção e a circulação de capital, o agronegócio faveliza o homem

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do campo, ao criar monopólio, determinar preço de mercado, gera concentração de terras em

grandes propriedades mecanizadas, e acima de tudo, subjuga socialmente outras formas de

desenvolvimento.

A produção de um conhecimento silenciador de outras realidades e de modos distintos de uso, significação e apropriação da natureza representa, assim, uma arma importante na justificação de processos expropriatórios que continuamente têm promovido a rapina dos recursos territorializados nos países periferizados. A colonialidade na apropriação da natureza é vista, portanto, como expressão de novos mecanismos de poder, que se traduzem na existência de formas hegemônicas de se conceber e explorar os recursos naturais, considerando­os unicamente como mercadorias, ao mesmo tempo em que evidencia o aniquilamento de modos subalternos de convívio com o meio ambiente, bem como a perpetuação e justificação de formas assimétricas de apropriação dos territórios. (ASSIS, 2014, p. 624).

Esse cenário de progressivas transformações do espaço e dos recursos naturais em

mercadoria, por um estado administrador, levou as populações indígenas a adotar mecanismos

de resistência, pela incorporação e ressignificação de novas representações simbólicas, como o

conceito de interculturalidade, educação específica, formação de professores indígenas, criação

de organização indígena, entre outros, visando a defesa do Território, de um modo de vida

particular e do pertencimento étnico. Assim como analisa o autor Karitiana (2015), “Além da

organização tradicional, novas formas foram introduzidas, tais como as de associação para

garantir a autonomia dos indígenas no processo de reivindicação de seus direitos perante a

sociedade não indígena” (KARITIANA, 2015, p. 14).

No contexto atual as Organizações Indígenas são consideradas importante instrumento

para a mediação da vida comunitária com a sociedade envolvente, e se constituem em novo

ordenamento da vida comunitária, principalmente no que tange à independência argumentativa,

para dialogar, protestar, reivindicar e deliberar projetos futuros, desconstruindo pré­conceitos

de dependência e/ou incapacidade de autorrepresentação que impede uma relação de respeito

civil.

Nesse sentido, destacam­se as várias organizações dos grupos indígenas em Rondônia, das quais: Organização Metairelá do povo Suruí (OMPIS), Organização Tamaré do povo Cinta Larga (OTPICL), Associação do Povo Indígena Karitiana AkotPytimAdnipa, Associação do Povo Indígena Arara KaroPaygap, Associação do Povo Indígena Gavião (ASSIZA), Associação do Povo Indígena Zoró (APIZ), Associação das Etnias Kanoé e Kujubim (AKIKUN). De forma geral as associações buscam a preservação do patrimônio cultural e territorial, contribuindo para o fortalecimento de sua autonomia. (SANTOS, A., 2014, p. 45).

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Essa reorganização para as relações interculturais se evidencia no campo legal, segundo

uma matéria apresentada por Rocha (2014), o Ministério Público Federal em Rondônia trabalha

com dezesseis inquéritos civis públicos sobre questões indígenas. Cinco inquéritos civis

públicos tratam de pedidos de demarcação de terras feitos pelas etnias Wajuru, Aikanã,

Djeoromitxi (Jabuti), Cujubim, Puruborá e Migueleno. Um trata do direito de uso requerido

pelos índios Cassupá­Salamãi, retirados de seu território tradicional para prestar serviços ao

Serviço de Proteção aos Índios (SPI), recebendo somente cessão provisória de uso da área onde

se localizava o SPI, local em que residem há décadas.

Ainda segundo este autor, 5 pedidos são de revisão de demarcação feitos pelos povos

indígenas Karitiana, Kaxarari, Kwazá, Gavião, e pelas etnias da Terra Indígena Tubarão

Latundê. Quatro inquéritos são relativos às terras indígenas Tubarão Latundê (povos Aikanã,

Canoé, Salamãi, Latundê e Sabanê), Sete de Setembro, Cinta Larga e Rio Negro Ocaia, em

solicitação de medida para coibir a invasão de seus territórios, exigindo procedimentos de

identificação dos limites das demarcações. E o último inquérito civil público trata

especificamente da violação do cemitério indígena Wayoró, no distrito de Porto Rolim do

Guaporé, no município de Alta Floresta D’Oeste.

Nesse contexto vale destacar a análise de Scaramuzza (2015, p. 50), de que:

[...]. Embora a captura da complexidade da colonização possa antecipar ao colonizado a resistência, nada é mais o mesmo após sua “passagem”, os cenários, a natureza, os elementos fixos duráveis, os protótipos e próteses, o subjetivo é atingido nesta “atrativa” força, tornando os sujeitos, efeitos das práticas coloniais. (grifos do autor).

Desse modo marcamos os esforços dos povos indígenas para se afirmarem no espaço,

compreendido como estado e nos seus respectivos poderes, como a educação e segurança, em

meio a um contexto de concentração de esforços governamental em busca de investimentos

federais para projetos de expansão do agronegócio e aumento de produção de energia. A

exemplo do referido Curso em estudo, veremos que foi precisamente a ação dos movimentos

indígenas do estado de Rondônia que contribuiu para sua criação do Curso de LEBI, ao anunciar

para a Universidade Federal a demanda indígena existente e requerer Ensino Superior específico.

Ao desenvolver a pesquisa necessária para a composição desta seção introdutória, com

vistas a estruturar o entendimento das razões que sustentaram a criação do estado de Rondônia,

a partir das ações de colonização, procuramos pontuar, dentre outros fatores, o processo de

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sujeição, dizimação e expropriação das sociedades indígenas territorializadas, por se

encontrarem subjugadas na escala racial.

Entretanto, como estratégia de resistência, alguns povos não somente assimilaram

simbologias da cultura dominante, como o dinheiro, a língua, a tecnologia etc., como por meio

desses elementos estão buscando mecanismos de reorganização comunitária por meio da

autorrepresentação pela ação das organizações indígenas e por meio da educação específica,

diferenciada, intercultural e bilíngue, o que incita à formação docente indígena no Ensino

Superior, temática que será abordada na segunda seção.

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2 O “ENTRE-LUGAR” DO CURSO DE LICENCIANTURA EM EDUCAÇÃO

BÁSICA INTERCULTURAL

O afastamento das singularidades de “classe” ou “gênero” como categorias conceituais e organizacionais básicas resultou em uma consciência das posições do sujeito ­ de raça, gênero, geração, local institucional, localidade geopolítica, orientação sexual ­ que habitam qualquer pretensão a identidade no mundo moderno. [...]. Esses “entre­lugares” fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação ­ singular ou coletiva ­ que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade. (BHABHA, 2013, p. 20, grifos do autor).

Quando analisamos o Curso de LEBI percebemos que ele se constitui na dimensão das

vozes indígenas pela formação docente em Ensino Superior por meio de uma proposta

específica. Como estratégias para compreensão de tal contexto, exploramos nesta seção 3

âmbitos nos quais se situa o Curso. O primeiro se refere à política de criação UNIR e sua

tradição no campo epistemológico do conhecimento. O segundo registra os bastidores23 de

criação do Curso de LEBI, no qual se registra a fundação de uma Organização Indígena que

serviu de base para explorar o campo legal e educacional, em articulações com outras

instituições parceiras, para requerer seu direito ao Curso junto à UNIR. E o terceiro se refere à

elaboração do Projeto Pedagógico do Curso (PPC), que representa os anseios e expectativas

tanto da academia como da universidade com o programa.

Como referência a uma dimensão que se abre pela crítica de contextos sociais

excludentes e como lugar de projeção futura, com a finalidade de interromper uma linearidade

histórico­social, tem­se a expressão “entre­lugar”. Segundo Bhabha (2013), foi o brasileiro

Silviano Santiago quem criou o termo, explorado por ele em seu livro “O local da cultura”, a

partir de uma perspectiva de reconstrução de narrativas históricas, que sejam capazes de

explicar contextos identitárias.

Nessa perspectiva, o entre­lugar é formado por indivíduos que se encontram

entrelaçados em função do movimento da cultura em busca de acomodação social. Bhabha

(2013) explica que a tradição é mutável, desse modo o indivíduo não busca reviver o passado,

mas, “Ao reencenar o passado, este introduz outras temporalidades culturais incomensuráveis

na invenção da tradição. Esse processo afasta qualquer acesso imediato a uma identidade

23 Esta palavra está empregada no sentido figurado, referindo­se a aspectos de uma organização ou instituição que são desconhecidos da opinião pública. Disponível em: <https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua­portuguesa/bastidores>.

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original ou a uma tradição ‘recebida’” (BHABHA, 2013, p. 21, grifo do autor). Desse modo, o

entre­lugar se constitui em campo de reelaboração de símbolos e signos culturais, como

mecanismos de subjetivação e lugar de discurso estratégico, com a finalidade de

desestruturação da ordem social que reproduz mecanismos de subjugação racializante.

O conceito de entre­lugar se tornou particularmente oportuno para compreensão do

Curso de LEBI, uma vez que ele surge pela reconstrução de narrativas históricas tensionadas

pelo processo histórico de Rondônia, constituindo­se em lugar de projeção futura; para tanto,

assim como propõe Bhabha (2013), afirma­se nas singularidades de classe, gênero, para

elaboração de novos signos que têm a finalidade de subjetivação singular ou coletiva na

sociedade. O que explica, na atualidade, a busca por mecanismos de reorganização comunitária.

Desse modo, compreender a demanda dos povos indígenas do estado por Ensino

Superior exige compreender aspectos, como a política epistêmica da universidade e o

fortalecimento das organizações e movimentos indígenas que passaram a se unir,

reconhecendo­se como “parentes”, na luta pela garantia legal de direitos.

“Que organização nós temos?” Esta pergunta foi feita em 1986, durante o encontro de lideranças indígenas realizado no município de Itacoatiara – AM. Naquela ocasião, conforme lembra Manoel Moura, os índios não estavam suficientemente organizados e estabeleceram o período de três meses para iniciarem uma articulação entre os diversos povos da região. Este primeiro passo, no entanto, levou três anos para se concretizar. (ROSHAH, 1989, p. 3, grifo do autor).

Nesta direção, foi realizada a I Assembleia Geral das Organizações Indígenas da

Amazônia Brasileira, que aconteceu entre os dias 17 e 21 de abril de 1989, em Manaus ­

Amazonas, reunindo 52 (cinquenta e duas) lideranças indígenas do Alto Rio Negro, Alto Médio

Solimões, Baixo Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. Segundo Roshah (1989, p. 3),

“Foi a primeira vez desde a promulgação da nova Constituição Brasileira (1988), que as

lideranças indígenas da Região Amazônica se reuniram para definir rumos para suas lutas”.

Este evento foi importante para assegurar a união dos diferentes povos a favor das demandas

apresentadas.

Segundo Silva (2003), representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a

Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre (COPIAR), desde 1988,

ocasião da realização do I Encontro dos Professores Indígenas, anualmente passou a se reunir

e integrar professores indígenas de toda a Amazônia; então, a partir de 2000, transforma­se em

Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia (COPIAM).

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As discussões em cenário nacional e as experiências regionais de formação de

professores indígenas não governamentais estimulou a necessidade de criação de uma

organização para centralizar a discussão no estado de Rondônia em torno da temática. Então,

em 1992 cria­se o Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia (NEIRO)24, para acolher

as discussões locais em torno da elaboração de um projeto de formação de professores de caráter

governamental.

[...], o período compreendido entre 1995 a 1998 vai evidenciar uma considerável ampliação da discussão em torno de como a educação escolar indígena deveria acontecer em função da quantidade de entidades governamentais e não governamentais ­ laicas e religiosas que de alguma forma participavam do debate a respeito dos processos de formação docente indígena através de um coletivo interinstitucional, o Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia – NEIRO. (NEVES, 2009, p. 269).

Os fóruns, seminários e reuniões promovidos por esse núcleo exerciam pressão sobre o

governo e, por meio do Decreto Estadual nº 8.516, de 15 de outubro de 1998, Art. 1º ­ “Fica

instituído, no Sistema Público Estadual de Ensino, o Curso de Formação de Professores

Indígenas ­ Habilitação em Magistério Nível Médio, denominado PROJETO AÇAÍ”, com o

objetivo de habilitar professores do Ensino Fundamental, que ministram aulas em escolas

localizadas em reservas das nações indígenas de Rondônia, financiado pelo governo do estado

através da SEDUC, “garantindo às populações indígenas do estado um ensino de acordo com

as necessidades e aspirações das comunidades indígenas. Bem como valorizar suas tradições

étnicas e o acesso aos bens culturais universais” (RONDÔNIA, 2004, p. 13).

Segundo Paula (2008), esse projeto teve sua “formulação pautada nas experiências de

outro projeto de formação de professores bilíngues desenvolvido no Estado pelo Instituto de

Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), tendo os trabalhos em Rondônia, coordenados pela

antropóloga Betty Mindlin” (PAULA, 2008, p. 55). Ainda de acordo com essa autora, o Projeto

IAMÁ terminou no ano de 1997 e o Projeto Açaí iniciou no ano seguinte, sendo desenvolvido

em um período de 6 anos (1998­2004), com dez etapas presenciais e uma intermediária,

realizada na aldeia dos alunos, pertencentes a 28 etnias do estado de Rondônia e 2 do Noroeste

de Mato Grosso (Nambikuara e Zoró). Conforme narrativa de Gavião em seu TCC:

O Projeto Açaí trouxe essa ideia, que nós como professores indígenas deveríamos assumir a responsabilidade de discutir a educação indígena. Nós

24 O NEIRO é uma organização indígena e indigenista formada por professores indígenas e não indígenas, por lideranças indígenas, professores da universidade, professores da SEDUC e de outras organizações.

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temos lei que diz que temos direitos, portanto, nós defendemos nosso direito. Aquilo que nós achamos que é de valor para nossa comunidade é isso que vamos defender. Todas as etnias que nós não conhecíamos, foi possível conhecê­las durante a formação e trocamos experiência. Ali começou a nascer uma ideia voltada para a educação escolar indígena. (GAVIÃO, 2015b, p. 18)

O compromisso assumido com a educação escolar indígena acendeu, nos professores e

professoras cursistas do projeto, o desejo de formação em nível superior após a conclusão do

Projeto Açaí. A discussão dessa temática favoreceu a criação da Organização dos Professores

Indígenas de Rondônia e Noroeste de Mato Grosso (OPIRON), no ano de 2000 “[...] com intuito

de assegurar seus direitos enquanto categoria de trabalho” (PAULA, 2008, p. 56), passando a

participar e contribuir com as discussões realizadas pelo NEIRO.

O processo de mobilização para a criação de um curso de formação superior de

professores indígenas vai destacar em seu contexto a interculturalidade, compreendida pela

relação entre as culturas mediante diálogo pela reciprocidade de modos de vida. Trata­se da

interculturalidade no espaço público, primeiramente de um ponto de vista de superação de

relações assimétricas, permitido pela acessibilidade do ambiente acadêmico (ainda que por

força da legislação), para uma relação mais simétrica, ocorrida por meio da colaboração entre

as culturas para a efetivação dessa política pública específica. Segundo o autor Scaramuzza

(2015, p. 43), “No contexto da América Latina, a interculturalidade tem sido posta como um

projeto cultural, político, epistemológico que busca promover a construção de um espaço

permeado pela presença da diferença”.

No entanto, o retardamento do processo de criação do Curso de LEBI, que levou cerca

de 3 anos e 5 meses, revelou que tornar o espaço da academia um lugar profícuo para

interculturalidade necessitou questionar a resistência institucional; Santos (2011, p. 46) aponta

que historicamente a universidade pública esteve ligada a um projeto nacional de formação

elitista:

Tratava­se de conceber projetos de desenvolvimento ou de modernização nacionais, protagonizados pelo Estado, que visavam criar ou aprofundar a coerência e a coesão do país enquanto espaço econômico, social e cultural, território geopoliticamente bem definido. [...]. Nos melhores momentos, a liberdade acadêmica e a autonomia universitária foram parte integrante de tais projetos, mesmo quando os criticavam severamente. Este envolvimento foi tão profundo que, em muitos casos, se transformou na segunda natureza da universidade.

Esse modo de fazer da academia, entendido na colonialidade do saber como uma forma

de subalternizar o indivíduo, mantém a posição ideológica das ciências sociais, que no passado

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“[...], legitimava a exclusão e o disciplinamento daquelas pessoas que não se ajustavam aos

perfis de subjetividade de que necessitava o Estado para implementar suas políticas de

modernização” (CASTRO­GÓMEZ, 2005, p. 84). Como veremos nesta seção, foram as

organizações indígenas, por meio de persistente mobilização, que provocaram a academia à

criação do Curso de LEBI, pensado como “entre­lugar” estratégico de subjetivação cultural.

Frente à institucionalização do Curso de LEBI faz­se necessária a elaboração do Projeto

Pedagógico do Curso a partir dos pilares: específico e intercultural, tal elaboração coloca a

instituição em uma posição nunca ocupada anteriormente, a de atender outras lógicas de

conhecimento. Considerando que, neste programa, os acadêmicos indígenas não existem fora

de seus contextos comunitários, o processo de elaboração do PPC envolveu preceitos e

expectativas, tanto da academia, na representação dos docentes e gestores, como da comunidade

indígena, na representação dos acadêmicos, lideranças e demais membros da comunidade,

como forma de atender a interculturalidade:

Então, ao dizer interculturalidade estamos falando de relações entre “culturas”, sejam estas relações de trabalho, de convivência em espaços físicos e sociais, de produção de conhecimentos, de educação, ou do que seja. Em todos os casos, trata­se de relações entre “culturas”. Mas “as culturas” não são “seres”, são as pessoas e/ou grupos sociais que se autoidentificam e/ou são identificados por outros, como “produtoras” e/ou “portadoras” de certas “culturas, que se percebem como diferentes entre si. O detalhe de dizer “se percebem”, em lugar de dizer “são”, é significativo, porque aponta para diferenças que, além de serem qualificadas como “culturas”, são visualizadas como significativas por ao menos um dos atores sociais participantes num contexto ou situação dada. (MATO, 2009, p. 76, grifos do autor).

No entanto, espera­se que a Proposta Pedagógica de um curso de licenciatura

indígena também contemple a interculturalidade nos conteúdos programáticos do curso,

o que exige a revisão das epistemologias que fundamentam tal instituição. Uma vez que a

especificidade a que se refere essa política pública diz respeito ao reconhecimento de outra

lógica do conhecimento além da hegemônica. Para que esta lógica de conhecimento tenha

oportunidade de sair do campo marginal do conhecimento, são necessárias teorizações

que, além de desvelar os contextos históricos que acarretaram na hegemonia do

conhecimento europeu, na naturalização da subjugação e descriminação cultural,

representem sua política de conhecimento cultural.

A interculturalidade, na verdade, é uma proposta ética e política complementar ao conceito de cidadania, que pressupõe a vontade política de fortalecer as culturas, ou seja, de estabelecer um diálogo entre grupos inter­relacionados

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que se influenciam mutuamente em espaços territoriais em que pode haver um projeto conjunto e um determinado grupo pode colocar­se no lugar de outro, no intuito de entender sua visão de mundo e valores subjacentes. (LUCIANO, 2013, p. 120).

A interculturalidade como projeto formativo se torna objetivo, para além do campo das

relações entre diferentes culturas presentes naquele ambiente, e incide no propósito

institucional de discussão de teorias a partir da contextualização de saberes locais, com a

finalidade de promover um conhecimento suficiente para autorrepresentação cultural, seja ela

não prática docente indígena ou em contextos políticos, civis e sociais.

2.1 A UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA E O SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO

Em decorrência do crescimento vertiginoso da população contraída pelo contínuo fluxo

migratório do Território Federal, crescia o anseio populacional pelo atendimento da demanda

escolar, até então precária devido à falta de escolas e de professores formados. Em vista disso,

o então governador, Jorge Teixeira de Oliveira, durante a presidência de João Batista

Figueiredo, apresentou apoio governamental para criação da Fundação Universidade Federal

de Rondônia (UNIR), ocorrida em julho de 1982, através da Lei Federal nº 7.011, por meio da

absorção da Fundação Centro de Ensino Superior de Rondônia (FUNDACENTRO), conforme

apresenta Neto (1993).

Nesse período, em cenário nacional preconizava­se uma política de formação de

professores fomentada por meio do Plano Decenal de Educação 1994 e da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional nº 9.394/96; como medida complementar à legislação, as

universidades federais foram estimuladas a criar cursos de licenciaturas. Orientada por essa

política, a UNIR instituiu, na época, os primeiros cursos em nível de licenciatura, que, segundo

Borges (2011), foram: Educação Física, Pedagogia, Ciências com habilitação em Matemática,

História, Geografia e Letras, para preparar quadros técnicos para o estado.

Neste contexto, a UNIR, no decorrer dos anos de 1980, caracterizou sua oferta educacional com foco na formação de quadros para o funcionalismo público, por meio de cursos de licenciatura e, em segundo lugar, de cursos de bacharelado. Este comportamento evidenciou que o projeto de Universidade criado atendeu aos interesses de implantação do estado recente em uma perspectiva urbano­desenvolvimentista, mantendo a mentalidade da invisibilidade das populações indígenas, que no final das contas contabilizaram mais este prejuízo: a exclusão do direito à educação superior pública em Rondônia e de estudos acadêmicos sobre suas populações. (NEVES, 2012b, p. 144).

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No entanto, a criação da UNIR não teve os resultados de satisfação popular esperados,

pelo fato de a única universidade federal do estado estar localizada ao Norte da região, o que a

tornava de difícil acesso. Assim, em 1988 ocorre a expansão da universidade, conforme Neto

(1993), mais como medida político­partidária do que administrativa, pois a universidade recém­

criada ainda não dispunha de estrutura física e quadro docente, necessários à sua interiorização.

A Universidade, neste esquema, transforma­se em uma entidade que, além de reprodutora da ideologia do Estado é também instrumento utilizado pelos políticos mais influentes para a perpetuação de suas forças no interior do Estado. Desprovida de forças norteadoras para um processo de transformação social, a universidade é conduzida unilateralmente para manter a sustentação desses políticos, o que significa atribuir à educação uma função instrumental da vontade onipotente de uma classe dominadora. (NETO, 1993, p. 132).

A interiorização da instituição atendeu os municípios estratégicos do ponto de vista

político, considerando a concentração populacional e potencial de exploração econômica, como

Guajará­Mirim, Ji­Paraná, Cacoal, Rolim de Moura, Vilhena e Ariquemes, como demonstrado

na Figura 08.

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Figura 08 ­ Expansão da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Fonte: BORGES (2011).

No decorrer das décadas, a universidade ampliou e diversificou os cursos, tanto em

licenciatura como em bacharelado e criou, em 2011, mais um Campus em Presidente Médici.

Segundo Borges (2011), 2 programas de extensão com a finalidade de formação em

licenciatura foram desenvolvidos em parceria entre a UNIR e as secretarias estadual e

municipais de educação, com foco na qualificação profissional dos professores. Tanto o Projeto

Fênix, desenvolvido em 1997, como o Programa de Habilitação e Capacitação de Professores

Leigos de Rondônia – PROHACAP, ocorrido em 1999, tinham o objetivo de habilitar os

professores que já atuavam no sistema público de ensino, como forma de atender a demanda do

estado.

Contexto desigual ao ocorrido para a institucionalização de um curso de formação de

professores indígenas em exercício da docência. Considerando que o empenho para a criação

de um curso para habilitação desse profissional surge da própria demanda, que, a partir do ano

de 2004, passa a se mobilizar por meio das organizações indígenas que elaboraram fóruns,

seminários, reuniões, a fim de apresentar aos representantes da universidade, tanto o direito

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legal como as especificidades que este curso requer. Utilizando como base de discurso o que

preconizava a legislação, a exemplo do Plano Nacional de Educação ­ Lei n° 10172/2001, que

previa como objetivo e meta 17: “formular, em dois anos, um plano para a implementação de

programas especiais para a formação de professores indígenas em nível superior, através da

colaboração das universidades e de instituições de nível equivalente”. Entretanto, somente no

ano de 2008 a UNIR institucionaliza por meio da Resolução nº 198/CONSEA25, o Curso de

Licenciatura em Educação Básica Intercultural, destinado à formação de professores indígenas

para atuar no Ensino Fundamental e Médio nas escolas de suas comunidades.

A história educacional de Ensino Superior ocorrida em Rondônia seguiu a ideologia de

cenário nacional e, como consequência, a universidade se manteve disponível para o

estabelecimento de um processo civilizador/normalizador, incapaz de lidar com as diversidades

de povos e culturas presentes na Amazônia, assentindo “desta maneira para ocultar, negar,

subordinar ou extirpar toda experiência ou expressão cultural que não corresponda a esse dever

ser que fundamenta as ciências sociais” (LANDER, 2005, p. 14).

Conforme a teoria da colonialidade do saber, os países colonizados da América

compartilharam uma política educacional focada na noção de desenvolvimento e modernidade

a partir da experiência europeia, em função da “necessária superioridade dos conhecimentos

que essa sociedade produz (‘ciência’) em relação a todos os outros conhecimentos” (LANDER,

2005, p. 13, grifo do autor). Desse modo, as ações das universidades estiveram pautadas na

política epistêmica colonial, visando à formação civilizadora, necessária para o

desenvolvimento das estruturas internas sociedade do ponto de vista da prosperidade

econômica.

Logo, “as outras formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as outras

formas de conhecimento, são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas,

primitivas, tradicionais, pré­modernas” (LANDER, 2005, p. 13). Inseri­las agora no meio

acadêmico incide no propósito institucional, assim como conceitua Bhabha (2013), de

“deslocamento” epistemológico, e como efeito, provocar fissuras na linearidade da função

social da própria instituição e desestabilização de discursos hegemônicos. No entanto, vale

destacar que, por desvinculamento epistêmico “[...] não quero dizer abandono ou ignorância do

que já foi institucionalizado por todo o planeta” (MIGNOLO, 2007, p. 290), mas a oportunidade

de ascender a novas formas de conhecimento.

25 Resolução nº 198/CONSEA, de 18 de novembro de 2.008. Disponível em: <http://www.biblioteconomia.unir.br/portal/wp­content/uploads/2015/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o­198­CONSEA­de­18­de­novembro­de­2008.pdf>.

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No processo de formação da universidade, não foram apenas os conhecimentos que

distinguem as diferenças locais que ficaram à margem de seu interior, mas o próprio indivíduo

que se reconhece na diferença. Castro­Gómez (2005, p. 80), destaca que:

A formação do cidadão como “sujeito de direito” somente é possível dentro do contexto e da escrita disciplinar e, neste caso, dentro do espaço de legalidade definido pela constituição. A função jurídico­política das constituições é, precisamente, inventar a cidadania, ou seja, criar um campo de identidades homogêneas que tornem viável o projeto moderno da governamentabilidade. (grifos do autor).

Conforme sugere Bhabha (2013, p. 20), nos contextos atuais “o que é teoricamente

inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar além das narrativas de subjetividades

originárias e iniciais e de focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na

articulação de diferenças culturais”, para deslocar disposições de poder, mediante signos que

precisam ser “apropriados, traduzidos, re­historicizados e lidos de outro modo” (BHABHA,

2013, p. 74).

Assim, a proposta do Curso de LEBI evoca para a desestabilização da colonialidade do

saber que historicamente colocou as instituições de ensino como homogeneizadoras de um

padrão social espelhado no modelo europeu de conhecimento e desenvolvimento, o que não

permite que os saberes locais ganhem notoriedade pela lógica política de autoafirmação

cultural; esse sistema, no entendimento de Quijano (1992, p. 72), “bloqueia a capacidade de

autoprodução e auto­expressão cultural, já que pressiona para a imitação e a reprodução”, o que

favorece a doutrinação, dependência, exploração e subjugação de um povo.

Desse modo, entendemos que o deslocamento epistemológico da universidade seja o

ponto de partida para que o desafio do Curso de LEBI, que consiste na formação de um

profissional que se oponha à reprodução hegemônica do conhecimento ocidental, mas

preparado para transitar entre a ciência global e os saberes locais, e, por meio dos processos

pedagógicos próprios, se utilizar desses campos de conhecimentos para favorecer projeções

presentes e futuras de sua comunidade.

Bhabha (1996), retomando a fala de Nelson Mandella, contextualiza que a negociação

é alma da política e acrescenta que sempre negociamos em situação de antagonismo ou oposição

política; para o autor “[...] Subversão é negociação; transgressão é negociação” (BHABHA,

1996, p. 39). Desse modo, entendemos que o deslocamento estrutural e epistemológico da

academia pode ser colocado em negociação pela autorrepresentação indígena, que exige o

reconhecimento de experiências plurais e sua presença na universidade.

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2.2 A PARTICIPÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS NO PROCESSO DE

CRIAÇÃO DO CURSO LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA

INTERCULTURAL

A discussão por acesso ao Ensino Superior de professores indígenas ganha força no

estado de Rondônia logo após a formatura da primeira turma do Projeto Açaí, no ano de 2004;

discussão essa articulada pelo Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia (NEIRO),

que passa a abordar de forma sistemática o assunto e a organizar fóruns e seminários e reuniões

específicos sobre a temática.

A partir desse momento, tanto o NEIRO como a Organização dos Professores Indígenas

de Rondônia26 (OPIRON) e a Organização PADEREÉHJ27, na época coordenada pela liderança

Heliton Gavião, passaram a discutir o Ensino Superior em busca de amparo jurídico. Nesse

processo, 2 documentos legais passam a subsidiar o discurso; o primeiro se refere à LDB, Lei

nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece no:

TÍTULO VI ­ Dos Profissionais da Educação Art. 79, § 4º “A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e permanência em Cursos de formação de docentes em nível superior para atuar na educação básica pública. TÍTULO IX ­ Das Disposições Transitórias III ­ realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância; (BRASIL, 1996).

E o segundo, referente ao Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172, de 9 de janeiro

de 2001, quando faz referência ao Ensino Médio, e garante como objetivos e metas “Assegurar,

em cinco anos, que todos os professores do ensino médio possuam diploma de nível superior,

oferecendo, inclusive, oportunidades de formação nesse nível de ensino àqueles que não a

possuem” (BRASIL, 2001, p. 21). Tanto o que estabelecia a LDB como o PNE se tornaram

ferramentas jurídicas importantes para as Organizações Indígenas requererem a criação de um

curso específico de formação de professores indígenas no estado, junto à UNIR.

26 A OPIRON ­ Organização dos professores Indígenas de Rondônia e Noroeste de Mato Grosso, criada no ano de 2000. 27 Nesta época a Organização Indígena PADEREÉHJ representava os povos indígenas da Terra Indígena Igarapé Lourdes e Rio Branco, e visava promover a interlocução com os diversos segmentos da sociedade nacional e internacional, o desenvolvimento das atividades sociais e econômicas em caráter coletivo, a formação e informação dos povos, associações e lideranças no sentido da construção da autonomia e a defesa do patrimônio ambiental, territorial e cultural de acordo com os interesses e necessidades desses povos.

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Os argumentos legais utilizados no trabalho das organizações indígenas favoreceram a

elaboração do primeiro evento organizado pelo NEIRO, um Seminário que aconteceu nos dias

19 e 20 de maio de 2005, com o tema “A Universidade Indígena - Educação, Diversidade,

Cidadania”, que contou com a participação da professora Francisca Pareci, na época

Coordenadora Geral de Educação Escolar Indígena (CGEEI), órgão da Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do Ministério de Educação e Cultura,

conforme matéria noticiada por Fiori (2002).

Nesta ocasião foram discutidas “A Universidade que Queremos”, “A Universidade

Indígena de Rondônia: Um Projeto”, “Universidade Indígena ­ Compromissos

Interinstitucionais”, com o objetivo de pensar diretrizes para uma política de educação superior

indígena, que, conforme Neves (2015), culminou em um documento que apresentava à UNIR

a demanda existente, o amparo legal e, por fim, a solicitação de criação de um curso específico.

Depois desse evento, 2 anos se passaram sem que a instituição apresentasse uma

proposta de curso. A discussão então é redirecionada para a UNIR Campus de Ji­Paraná, em

uma decisão tomada durante a reunião do Núcleo de Educação Indígena (NEI), integrado por

representantes das etnias Arara e Gavião, da Terra Indígena Igarapé Lourdes, conforme ata de

reunião, realizada em 2007:

Nós, professores indígenas Gavião e Arara, da representação de Ji­Paraná nos reunimos no dia 29 de março para discutirmos sobre o ensino superior indígena aqui na nossa região. Vimos que a discussão que estava sendo realizada pela comissão instaurada anteriormente e que vinha se reunindo em Porto Velho não estava avançando, resolvemos nos mobilizar aqui no nosso município28.

Este documento foi formalizado junto ao chefe do DCHS, professor Nelson Escudero29,

encaminhado em 30 de março de 2007. Este material vai mobilizar a discussão sobre a

possibilidade de implementação do Curso no Campus, “[...] ocasião em que foi deliberada a

tomada de providências no sentido de elaborar o projeto do Curso” (NEVES, 2012b, p. 146).

28 Documento encaminhado ao Departamento de Ciências Humanas e Sociais (DCHS), no dia 29 de março de 2007, constante no processo arquivado no Departamento de Educação Intercultural (DEINTER) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Campus de Ji­Paraná, pelos docentes indígenas: Josias Gavião, José P. Gavião, Ernandes Nakaxiõp Arara e outros. 29 Portarias de 10 de dezembro de 2008, “Nº 1.109 ­ Designar o Professor JUSTO NELSON ARAÚJO ESCUDERO, Siape nº 0396793, como Chefe do Departamento 1 ­ Departamento de Ciências Humanas e Sociais (DCHS) do Campus de Ji­Paraná, Função Gratificada (FG1), eleito para o mandato de 02 (dois) anos, a partir de 09.12.2008”. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/916402/pg­11­secao­2­diario­oficial­da­uniao­dou­de­11­12­2008>.

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Enquanto isso, o NEIRO organiza o III Fórum de Educação Escolar Indígena de

Rondônia, em 22 de junho de 2007, na UNIR (sede), que resulta no encaminhamento de um

documento ao Reitor da UNIR, José Januário de Oliveira Amaral, e ao Conselho Universitário

da Universidade Federal de Rondônia (CONSUL), onde reiteram o direito à criação de um

Curso de formação superior para professores indígenas:

Estamos pautados na trajetória já conquistada com a conclusão do Curso de Nível Médio em Magistério Indígena – O PROJETO AÇAÍ, e acreditamos ser este o momento de avançarmos em direção dos nossos Direitos Constitucionais de desenvolvermos processos de educação escolar específico e diferenciado. Acreditamos que a Universidade Pública de Rondônia deva investir na dimensão pedagógica da inclusão e estamos cientes de que assim, estará cumprindo sua função30.

Após esse evento, uma comissão responsável pelo projeto do referido curso chega a ser

formada na UNIR em Porto Velho, no entanto esta comissão não consegue materializar uma

proposta. O NEIRO persiste e organiza em 12 de novembro de 2008, o IV Fórum, com o tema:

“Educação escolar indígena e políticas públicas: entre a legalidade e a especificidade”. Para

este evento foi convidado o coordenador de Educação Escolar Indígena do MEC, Gersen

Luciano dos Santos, da etnia Baniwa, que palestrou sobre o direito da educação indígena,

baseado na problemática nacional da não execução. “O que acontece é que a grande maioria

dos Estados não adota as políticas que dão sustentabilidade para a educação dos índios, mas as

políticas existem” (Jornal Diário da Amazônia, 2008, p. 1).

As discussões em âmbito da UNIR Campus de Ji­Paraná apresentavam maior avanço,

ao passo que se elaborava o Proposta Pedagógica para o Curso de LEBI, pela equipe composta

por: Josélia Gomes Neves e Irmgard Margarida Theobald, representantes da UNIR Ji­Paraná; e

Edinéia Aparecida Isidoro, Lediane Fani Felzke, Renata Nóbrega, representantes da REN31 Ji­

Paraná. De acordo com Neves (2012b), durante esse processo houve o cuidado para se atender

as especificidades da educação intercultural conforme a concepção das comunidades indígenas

de Ji­Paraná.

30 Documento encaminhado pelo Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia (NEIRO) para a Universidade Federal de Rondônia (UNIR) aos cuidados do Magnífico Sr. Reitor, José Januário de Oliveira Amaral e Conselho Universitário da Universitário da Universidade Federal de Rondônia (CONSUN), constante no processo arquivado no Departamento de Educação Intercultural (DEINTER) Campus de Ji­Paraná, assinada por Arão Wao Hara Ororan Xijein – Professor Cood. Da OPIRON, Mª Eva Canoé ­ Profª Sagarana, Wame Prawan – Liderança e outros. 31 Representação de Ensino da Secretaria de Estado da Educação do município de Ji­Paraná (REN).

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É interessante registrar a presença das lideranças naqueles momentos como os pajés, caciques, coordenadores de entidades e outras pessoas respeitadas na comunidade. Ali conversávamos sobre o perfil do curso, através de questões orientadoras: quais as necessidades das sociedades indígenas, o que diz a legislação educacional sobre a educação diferenciada, que tempo é suficiente para aprender e ensinar tudo isso que se quer? Além da equipe da UNIR de Ji­Paraná, dos docentes e lideranças indígenas, funcionários da Representação de Ensino da Secretaria de Estado da Educação – SEDUC deram suas contribuições para o Projeto. (NEVES, 2012b, p. 146).

Uma vez elaborada a Proposta Pedagógica e aprovada pelo Departamento do DCHS, o

próximo passo foi encaminhar a proposta para o Conselho de Campus (CONSEC)32. Conforme

relata Neves (entrevista, 2015), no dia da reunião deste coletivo foi preciso acionar parceria

com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura, a FETAGO33, e outros representantes para

requerer a priorização do curso de formação de professores indígenas, por falta de

representatividade da demanda indígena em núcleo urbano. Segundo Santos (2011, p. 71),

“Estas propostas representam um esforço meritório no sentido de combater o tradicional

elitismo social da universidade pública, em parte responsável pela perda de legitimidade social

desta, sendo, por isso, de saudar”.

As discussões continuam, parte do colegiado desejava a adequação do Curso de LEBI

dentro dos requisitos do programa PROLIND, e propunham seu encaminhamento via Programa

Pró­Licenciatura Indígena (PROLIND), com a finalidade de assegurar recursos deste programa,

tendo em vista sua instalação e funcionamento; no entanto, os cursos mediados por este

programa possuíam caráter finito, tendo que ser reeditado ao final de cada turma. Fato de

discordância entre os conselheiros, uma vez que existia a defesa da oferta do curso de formação

em caráter permanente, conforme Ata da reunião do CONSEC do Campus de Ji­Paraná:

­ Prot. Set. 000124/JP – Assunto: Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultura. – Int. Departamento 1 – DCHS – Organização PADEREEHJ e organização OPIRON – relator: Carlos Mergulhão Junior. O relator explica que se trata do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Básica Interocular e apresenta o parecer favorável. [...] O prof. Escudeiro explica que o Curso tem prazo indeterminado e deixa claro que se a implantação do Curso for via REUNI, tem que ser respeitada a decisão do conselho do Campus. O professor Lenilson solicita que seja colocado um adendo ao parecer do projeto com o seguinte teor: A aprovação do parecer do projeto e que a implementação do Curso via REUNI aconteça logo após a implementação do Curso de Bacharelado em Estatística. É colocado em votação a aprovação do parecer do projeto ou a aprovação do

32 O Conselho de Campus (CONSEC) é um órgão consultivo e deliberativo da Universidade Federal de Rondônia. 33 Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia (FETAGRO) é uma entidade sindical de representação, articulação e mobilização dos trabalhadores rurais.

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parecer com o adendo. Quatro dos conselheiros presentes na reunião votaram na aprovação do parecer e seis na aprovação do parecer com o adendo colocado pelo professor Lenilson Sergio Candido. Assim é aprovado pelo Conselho o parecer com o adendo. (ATA CONSEC, 2008, p. 2).

Para atender a condição de permanente, conforme Neves (2013, p. 126), era preciso

viabilizá­lo pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (REUNI), criado pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, durante a gestão do

Ministro da Educação Fernando Haddad; este Programa visava uma das ações do Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), que consistia em proporcionar às universidades federais

condições necessárias para ampliação do acesso e permanência na educação superior.

Como resultado da reunião do CONSEC tem­se a formalização do Curso de LEBI

dentro dos parâmetros do REUNI: “neste sentido, o memorando de Nº 72 de 5 de setembro de

2007, da Direção do Campus de Ji­Paraná (DCJP) para Reitoria, solicitava a inclusão do Curso

de Licenciatura em Educação Básica Intercultural no REUNI [...]” (NEVES, 2013, p. 127).

Assim, o Projeto Pedagógico de Licenciatura em Educação Básica Intercultural,

aprovado na UNIR Campus de Ji­Paraná, é encaminhado à UNIR em Porto Velho, para

tramitação no Conselho Superior Acadêmico (CONSEA)34. Este processo fica sob a

responsabilidade do conselheiro Oziel Marques da Silva que, em 11 de agosto de 2008,

manifesta parecer favorável à aprovação do mesmo.

No entanto, 4 Conselheiros pedem vistas do processo, sendo deles os relatores Giovany

dos Santos Lima e Daniel Riella, que se posicionam contrários ao projeto. Com pareceres

idênticos, alegam o não atendimento de toda a demanda das comunidades indígenas do estado

e solicitam que o Projeto Pedagógico do Curso de LEBI seja reformulado no que diz respeito à

cláusula de exclusividade das vagas de ingresso, uma vez que a mesma prevê inscrição e

eventual entrada apenas dos indígenas da região de Ji­Paraná. O Parecer 880/CGR, do

conselheiro Giovany, foi apresentado em 19 de setembro de 2008, e o Parecer 882/CGR, do

conselheiro Daniel, mais de um mês após, em 27 de outubro de 2008.

O Parecer 881/CGR da Consª Maria do Socorro Gomes Torres Joca, não é contrário ao

projeto em sua recomendação final, no entanto faz considerações pontuais sustentadas em 5

páginas de relatório, nas quais argumentou sobre: a) a estrutura, como indefinição das

habilitações, alteração da estrutura organizacional da instituição ao propor a criação do

34 Conforme Regimento Interno (Resolução nº 046/CONSEA, de 19 de junho de 2001), Art. 1º ­ O Conselho Superior Acadêmico – CONSEA é órgão normativo, consultivo e deliberativo em matéria de ensino, pesquisa e extensão da UNIR.

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Departamento de Educação Intercultural (DEINTER) no campus de Ji­Paraná; b) a

metodologia, como falta de explicação quanto ao sistema multipresencial e inexistência de uma

planilha orçamentária; c) e financiamento, recomendando o programa PROLIND ao invés do

REUNI.

A relatora apresenta uma defesa detalhada do motivo de sua efetivação via PROLIND,

quando pontua que este programa do governo federal publicou o Edital de Convocação nº 3, de

24 de junho de 2008, para as Instituições de Educação Superior (IES) públicas, federais e

estaduais, apresentarem propostas de projetos de cursos de licenciaturas específicas, onde,

segundo a mesma, se adequaria o referido Curso.

Seu parecer segue contrapondo­se ao programa do REUNI, sob alegação de que este

prioriza a expansão em detrimento da consolidação da universidade, o que poderia ser evitado

adequando os cursos de Pedagogia já existentes à demanda indígena. Já que, segundo a mesma,

a legislação permite incluir, no Projeto Pedagógico desse Curso, uma formação curricular que

leve em consideração questões formativas indígenas, o que demandaria apenas sua

reestruturação, com consequente fortalecimento desse Curso. Por isso, considera desnecessário

o nascimento de um novo projeto pedagógico, específico às necessidades das comunidades

indígenas.

E, assim como os Conselheiros Giovany e Daniel, no que diz respeito à questão da

restrição de acesso da demanda do Estado, acrescenta que a universidade, “ao cercear este

direito, rasga seu legítimo processo histórico democrático, ou seja, sua carta magna, que se

encontra pautada na diversidade, na pluralidade, na democracia, na inserção de todos, aos seus

Cursos” (Parecer nº 881/CGR, p. 4).

O parecer final desta Conselheira apresenta o seguinte texto:

Diante das inúmeras incoerências estruturais encontradas no projeto por essa relatora; Diante do parecer do CONSEC­Campus de Ji­Paraná que coloca este Curso como terceira opção no REUNI; Diante das inúmeras dúvidas e incertezas, quanto à Habilitação dos alunos: Diante da falta de uma justificativa quanto à questão orçamentária, se PROLIND ou recursos do REUNI; Diante da falta de uma justificativa que assegure a contração de docente para este Curso (REUNI), apresentação de cronograma de contração de docente e quantidade de vagas destinadas ao Curso, sou de parecer que o projeto seja remetido à discussão do REUNI em novembro próximo, uma vez que a maioria dos conselheiros presentes desconhece o REUNI/UNIR e se quer discutiram esta proposta, e que até lá, as questões estruturais levantadas por esta relatora em seu pedido de vistas sejam sanadas. (Parecer nº 881/CGR, p. 4).

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O parecer da Consª Walterlina Brasil não foi encontrado, embora a Secretaria dos

Conselhos Superiores (SECONS) tenha encaminhado, em 24 de outubro de 2008, cópia do

processo para análise e parecer, conforme vistas solicitadas.

Segundo Neves35 (entrevista, 2015), a aprovação do referido Curso dependeu ainda de

uma estratégica política do Reitor José Januário de Oliveira Amaral, presidente do CONSEA,

que inseriu os projetos dos cursos solicitados junto ao REUNI em uma única resolução36, de nº

198/2008, provocando uma situação na qual se aprovava todos os projetos em andamento ou

nenhum. Deste modo, durante a votação de deliberação (89ª sessão) que aconteceu em 29 de

outubro de 2008, o Conselho rejeita os Pareceres 880/CGR, 881/CGR e 882/CGR, e segue

favorável ao Parecer nº 873/CGR do Conselheiro Oziel, referente ao Processo:

23118.001886/2008­52 que trata do Projeto Pedagógico de Licenciatura em Educação Básica

Intercultural, ocasião em que o Curso é finalmente aprovado.

No processo de institucionalização do Curso de Licenciatura em Educação Básica

Intercultural, é possível observar, a partir da análise dos pareceres do CONSEA, o evidente

desconhecimento dos conselheiros sobre as especificidades que esta modalidade de ensino

requer, ao sugerir a readequação dos cursos de licenciatura já existentes para a recepção da

demanda acadêmica indígena. Nesse sentido, compartilhamos da teoria de Ângelo (2005, p.

125), quando coloca que “os cursos oferecidos pelas universidades não podem banalizar ou

folclorizar temas como a cultura e o território. Não podem incluir temas indígenas apenas para

justificarem que esses cursos atendem a realidade indígena”; no entanto, ainda nos

perguntamos: Será que essa demanda era desejada nos cursos regulares de licenciatura?

Ficou evidente no processo de criação do Curso de LEBI o protelamento institucional

do atendimento da demanda indígena na academia, considerando a data do seminário realizado

pelo NEIRO, em 19 e 20 maio de 2005, na UNIR campus de Porto Velho, ocasião em que se

apresenta um documento resultado desse evento à instituição; até a data de 12 de junho de 2008,

data da reunião do CONSEC, temos um período de 3 anos e 5 meses para a institucionalização

do Curso de LEBI. Diante desse contexto, ressaltamos o questionamento de Neves (2015): “Que

tipo de leitura a gente pode fazer por trás dessa burocracia etnocêntrica?”

35 O DRP (entrevista) foi realizado aos 23 dias do mês de outubro de 2015, na UNIR Campus de Rolim de Moura, na ocasião do VIII SED “Do que falamos quando falamos em educação?”, com a Professora Drª Josélia Gomes Neves, popular “Jô”, com a seguinte pergunta orientadora: Como se deu o diálogo entre os professores indígenas e a UNIR, para a criação do curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural? 36 Resolução nº 198/CONSEA, de 18 de novembro de 2.008. Disponível em: <http://www.biblioteconomia.unir.br/portal/wp­content/uploads/2015/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o­198­CONSEA­de­18­de­novembro­de­2008.pdf>.

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O que se percebe, contudo, é uma ausência do desejo por autonomia da academia,

evidenciado pelo uso da burocracia institucional como recurso mantenedor da subordinação de

sua estrutura a colonialidade do saber, reforçando uma “visão de mundo pautada na adequação

social, impedindo e dificultando a transformação que poderia propiciar formas e relações mais

democráticas” (NETO, 1993, p. 140). Nesse sentido, o fato de que “[...] a administração é

percebida e praticada segundo um conjunto de normas gerais desprovidas de conteúdo

particular e que, por seu formalismo, são aplicáveis a todas as manifestações sociais” (CHAUÍ,

2001, p. 196), torna­se suficiente para protelar o atendimento de uma demanda latente sem

comprometimento institucional.

Apesar do Curso de LEBI, oriundo das pautas das organizações indígenas, ter se

materializado em um contexto de resistência institucional, postergado dialogicamente, recebido

com a prerrogativa de uma demanda reduzida, colocado como última opção do Campus de Ji­

Paraná, convidado a uma relação de caráter finita (PROLIND), e aprovado mediante

estratagema gestor, entendemos que foram estas negociações que provocaram o deslocamento

institucional necessário à criação do Curso de LEBI para preservar a especificidade dessa

formação. Pois, assim como sugere Bhabha (2013, p. 85), “[...] É somente pela compreensão

da ambivalência e do antagonismo do desejo do Outro que podemos evitar a adoção cada vez

mais fácil da noção de um Outro homogeneizado, para uma política celebratória, oposicional,

das margens ou minorias”.

2.3 O PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO

BÁSICA INTERCULTURAL

A institucionalização do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural

(LEBI), mesmo que controverso em seu núcleo, pode ser considerado um marco político dentro

da UNIR, uma vez que surge da mobilização da própria demanda que leva a instituição a sair

do marasmo habitual de pautas formativas abrangentes, genéricas, que mascaram a negligência

de políticas públicas ao longo de sua história.

Nesse sentido, o Projeto Pedagógico do Curso de LEBI tem a possibilidade de facear a

identidade dessa política pública específica que, sobretudo, arremete a uma cultura

temporalizada, em Bhabha (2013):

O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com o "novo" que não seja parte do continuum de passado e presente. [...]. Essa arte não apenas

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retoma o passado como causa social ou precedente estético ela renova o passado, prefigurando­o como um “entre­lugar” contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O “passado­presente” torna­se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver. (BHABHA, 2013, p. 29, grifos do autor).

Essa possibilidade é acenada quando se destaca, no texto do PPC, o fato de ter sido

privilegiada a participação de membros das comunidades indígenas em seu desenvolvimento,

momento em que também se apresenta a ideologia política do Curso de LEBI. Ao consentir a

expressão dos anseios das comunidades sobre as demandas que a formação docente indígena

requer, desloca­se o regime de representação colonial do conhecimento para a enunciação do

corpo que exige presença e, assim, possibilita que os objetivos propostos para o Curso se

consolidem em instrumentos de melhoria do modo de vida comunitário.

Nesse sentido, consideramos importante destacar que a ausência da palavra “político”

do título do Projeto Pedagógico do Curso de LEBI, embora seu texto não esclareça o motivo,

denota que esta foi uma opção que parte do princípio de que “Não se constrói um projeto sem

uma direção política, um norte, um rumo. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é também

político” (GADOTTI, 1994, p. 16).

Como maneira de conhecer os anseios privilegiados do contexto comunitário e

institucional do projeto de formação profissional docente indígena do estado de Rondônia, e os

mecanismos dispostos para efetivá­lo, analisamos o PPC do LEBI.

2.3.1 Justificativa do Curso

O Curso de LEBI é desenvolvido no Campus de Ji­Paraná e, embora seu PPC alegue

que isso se deve ao fato deste município estar localizado na região central de Rondônia, os fatos

demonstraram que este programa é desenvolvido nesse Campus em função desse núcleo ser o

responsável por sua proposição e elaboração, visando, a princípio, o atendimento da demanda

local dos povos Arara, Gavião, Cinta Larga, Suruí e Zoró, uma vez que a UNIR (sede) protelava

a apresentação de um projeto para o atendimento da demanda indígena do estado, fato que se

transformou em oportunidade de encaminhamento da totalidade da demanda acadêmica

indígena para este núcleo.

A criação do Curso de LEBI se justifica pelos fatores de historicidade regional,

necessidade de mudança de paradigma social/político, formalização do Ensino Superior

específico, participação social indígena e elaboração de projetos futuros dos povos indígenas,

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necessidades que “parecem invisíveis para a população e para governantes” (PPC, 2008, p. 22),

uma vez que os programas e projetos de desenvolvimento ocorridos no estado “em nada

beneficiaram as populações tradicionais: indígenas, ribeirinhas, extrativistas e quilombolas, que

foram esquecidas pelas políticas públicas ao longo do processo histórico” (PPC, 2008, p. 22).

Com “o intuito de contribuir para a revisão deste quadro” (PPC, 2008, p. 23) é que o

Curso de LEBI se materializa, “por compreender que uma sociedade que se pretende justa e

cidadã deve considerar necessariamente a inclusão dos povos indígenas, e isto subentende o

acesso ao ensino superior” (PPC, 2008, p. 23). O PPC memora, ainda, que o modelo de

educação escolar não­indígena, que esteve acessível, contribuiu para o reforço do processo de

dominação dos povos indígenas; por isso pretende­se que o Curso seja um espaço de debate das

questões relevantes para as comunidades indígenas.

Mas, principalmente, reconhece o fato de ter sido pauta dos professores e lideranças

indígenas, muito embora nada se tenha registrado sobre a história de implementação do Curso

de LEBI, que envolveu a luta e persistência das organizações indígenas mediante os inúmeros

obstáculos apresentados à sua implementação.

O processo de elaboração do Curso de LEBI se norteou ainda por experiências de outros

estados:

[...], como é o caso do Curso “3º grau Indígena”, da Universidade do Mato Grosso – UNEMAT; o Curso “Licenciatura Intercultural” da Universidade Federal de Roraima – UFRR, da Universidade Federal de Goiás ­ UFG, da Universidade Federal de Minas Gerais ­ UFMG e da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS. (PPC, 2008, p. 24).

Com base nos pressupostos de um projeto institucional com dinâmica específica, o PPC

(2008, p. 24) elege a “estrutura de um Curso aberto com possibilidades de ajustes após a

formação da primeira turma, para que o seu corpo docente e discente possa ampliar discussões

no sentido de aperfeiçoá­lo”. Assim como ocorrido no Projeto Açaí, no qual sua elaboração se

deu concomitante ao processo de execução, “o que possibilitou ser modelado e remodelado

levando­se em conta os erros e acertos de etapas anteriores e podendo contar com a participação

maciça dos cursistas ­ professores em todos os momentos de sua discussão” (PAULA, 2008, p.

56).

Contudo, o PPC nunca foi reelaborado desde sua criação em 2008; segundo o

coordenador do Curso em várias reuniões se discutiu a necessidade de revisão do PPC, o que

incitou várias frentes de defesa no que se refere à sua estrutura de funcionamento, mas nunca

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se formalizou uma proposta que refletisse as mudanças em discursos, sob alegação de que não

havia um quadro de corpo docente suficiente no Departamento de Educação Intercultural

(DEINTER), para fazê­lo.

2.3.2 Pressupostos Legais do Curso

Constitui o arcabouço legal do Curso de LEBI a Constituição Federal de 1988, que

estabelece um novo marco jurídico ao reconhecer especificidades da cultura indígena:

Art. 210 ­ O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (...) Art. 215 ­ O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro­brasileiras, e das de outros grupos particulares do processo civilizatório nacional. (BRASIL, 1988 apud PPC, 2008, p. 26).

A Lei de Diretrizes e Bases, nº 9.394, de 1996, que assegura especificidades que a

educação indígena requer:

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I ­ proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II ­ garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não­índias. (BRASIL, 1988 apud PPC, 2008, p. 26).

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, de 1999, que, por

meio da Resolução nº 03/CEB­CNE, tratam das especificidades que o funcionamento da escola

indígena requer:

[...] no âmbito da educação básica, a estrutura e o funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo­lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. (BRASIL, 1988 apud PPC, 2008, p. 27).

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Ainda no que se refere à Resolução nº 03/CEB­CNE, é citado o artigo 6º, Parágrafo

Único: “A garantia de uma formação específica para seus professores indígenas podendo esta

ocorrer em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização”.

O Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001, também é citado no que diz respeito

à formação dos professores indígenas:

16. Estabelecer e assegurar a qualidade de programas contínuos de formação sistemática do professorado indígena, especialmente no que diz respeito aos conhecimentos relativos aos processos escolares de ensino­aprendizagem, à alfabetização, à construção coletiva de conhecimentos na escola e à valorização do patrimônio cultural da população atendida. 17. Formular, em dois anos, um plano para a implementação de programas especiais para a formação de professores indígenas em nível superior, através da colaboração das universidades e de instituições de nível equivalente. [...]. (BRASIL, 1988 apud PPC, 2008, p. 27, grifo do autor).

Reconhecendo que, em âmbito institucional, a meta 17 não foi respeitada. No que se

refere ao campo legal, o PPC menciona ainda a Convenção 169 da OIT (Organização

Internacional do Trabalho), quando essa “convenção assegura aos povos indígenas o direito de

adquirir uma educação em todos os níveis em pé de igualdade com o resto da comunidade

nacional cujos direitos estão consolidados no Decreto do Presidente da República, nº 5.051, de

19 de abril de 2005” (PPC, 2008, p. 27).

2.3.3 Objetivos do Curso

O objetivo geral do Curso de LEBI consiste em formar e habilitar professores indígenas

em Licenciatura Intercultural para lecionar nas escolas de Ensino Fundamental e Médio das

comunidades indígenas, e, como estratégia para formar profissionais aptos a atender os

principais campos do ensino, prevê 4 áreas de habilitação:

Educação Escolar intercultural no Ensino Fundamental e Gestão Escolar;

Ciências da Linguagem Intercultural;

Ciências da Natureza e da Matemática Intercultural e

Ciências da Sociedade Intercultural.

Já os objetivos específicos compreendem propósitos que, em síntese, visam atender à

reivindicação de formação de professores e lideranças indígenas com vista às demandas de suas

comunidades e a autonomia de seu povo, tais como: construir ferramentas práticas para a defesa

dos seus direitos; propiciar condições para o desenvolvimento de projetos sociais e de

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sustentabilidade econômica; criação do DEINTER, como um espaço de criação cultural e de

produção de conhecimentos; inserir os professores indígenas na comunidade científica;

desenvolver atividades de pesquisa e extensão; promover debates teóricos e políticos que

contribuam para a construção de propostas curriculares; criar condições de produção de

materiais didáticos, políticas de valorização, revitalização e manutenção das línguas e culturas

indígenas; integrar as atividades desenvolvidas entre a Universidade, as escolas e as

comunidades indígenas.

Essas proposições, garantidas por meio do PPC, são importantes do ponto de vista de

do debate sobre a colonialidade do saber e valorização da cultura local, por se apresentarem

como alternativa à homogeneização e uniformização das práticas pedagógicas, que sustentam

“um legado epistemológico do eurocentrismo que nos impede de compreender o mundo a partir

do próprio mundo em que vivemos e das epistemes que lhes são próprias” (PORTO­

GONÇALVES, 2005, p. 3). Ainda segundo Porto­Gonçalves (2008, p. 38), trata­se de retirar

o caráter unidirecional do conhecimento e afirmar as diferentes matrizes de racionalidade

constituídas a partir de diferentes lugares.

2.3.4 Currículo do Curso

A Estrutura da Matriz Curricular do Curso de LEBI está organizada no PPC em um

Currículo Integrado em 2 ciclos, sendo que os 3 primeiros anos compreendem o Ciclo de

Formação Básica que visa habilitar o professor para atuar no Ensino Fundamental, seguido de

2 anos que formam o Ciclo de Formação Específica, e esta fase é de livre escolha do

acadêmico, dentre uma das 4 habilitações que esse ciclo prevê: 1. Educação Escolar

Intercultural no Ensino Fundamental e Gestão Escolar; 2. Ciências da Linguagem Intercultural;

3. Ciências da Natureza e da Matemática Intercultural; 4. Ciências da Sociedade Intercultural.

O ciclo de Formação Básica compreende a reflexão sobre os processos pedagógicos que

compõem a práxis escolar do Ensino Fundamental e “engloba os fundamentos nos quais se

situam os saberes da docência indígena, com um conjunto de atividades obrigatórias e

complementares que fazem parte da identidade do Curso” (PPC, 2008, p. 31).

E o ciclo de Formação Específica enfoca o tratamento dos conteúdos do Ensino Médio,

referindo­se a campos de conhecimento “que possibilitam o diálogo com outros saberes no

âmbito da interface da Cultura com as Ciências da Linguagem, da Sociedade, da Natureza, da

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Matemática e com a formação docente para a Educação Escolar Indígena e as tarefas de Gestão

da Escola Indígena” (PPC, 2008, p. 31).

Como forma de organizar a Matriz Curricular, foram articulados Temas Referências

(4 temáticas) e Temas Contextuais (disciplinas), com as Áreas de Conhecimentos, em uma

carga horária total de 4.200 horas, assim distribuída:

a) Ciclo básico (6 etapas intensivas): 2.000 h

b) Ciclo específico (4 etapas intensivas): 1.200 h

c) Estudos na aldeia (metade em cada ciclo): 400 h

d) Atividades acadêmico­científico­culturais (metade em cada ciclo): 200 h

e) Estágio supervisionado (metade em cada ciclo): 400 h

A carga horária será atendida mediante regime seriado, ora na academia, ora na

comunidade. Tanto o estágio supervisionado como a etapa de estudos na aldeia partem do

“entendimento de que para os povos indígenas a Educação Escolar não ocorre dissociada da

vida na aldeia, porque as gerações mais novas são educadas pelo seu convívio com as gerações

mais velhas” (PPC, 2008, p. 31).

A partir dos elementos do PPC, entendemos que currículo desta matriz está elaborado

da seguinte forma:

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Figura 09 ­ Matriz Curricular do Curso de LEBI

Elab.: Autora (2016).

Essa estrutura pode sofrer alterações, uma vez que o Departamento de Educação

Intercultural (DEINTER) possui autonomia para “estudar com os alunos um sistema de rodízio

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da oferta das ênfases, possíveis a partir da demanda das comunidades indígenas atendidas”

(PPC, 2008, p. 30). Desse modo, o Ciclo específico que corresponde à área da habilitação

poderá incorporar outras áreas de ensino, conforme a demanda das comunidades indígenas.

O acadêmico concluinte “estará apto a exercer funções de Magistério nas Escolas de

Ensino Fundamental e Médio, bem como, a depender da Formação Específica escolhida,

exercer cargos de gestão no âmbito da educação” (PPC, 2008, p. 29). Para tanto, receberá um

certificado de licenciatura de acordo com a área escolhida:

Licenciatura em Educação Básica Intercultural. Formação específica em: Educação Escolar

Intercultural no Ensino Fundamental e Gestão Escolar;

Licenciatura em Educação Básica Intercultural. Formação específica em: Ciências da

Linguagem Intercultural;

Licenciatura em Educação Básica Intercultural. Formação específica em: Ciências da

Natureza e da Matemática Intercultural;

Licenciatura em Educação Básica Intercultural. Formação específica em: Ciências da

Sociedade Intercultural.

Conforme diálogo informal com o coordenador do Curso de LEBI, os elaboradores do

PPC subdividiram a matriz curricular em 4 campos de formação, como uma forma de atender

a demanda das escolas indígenas de professores habilitados nas diferentes áreas do

conhecimento do ensino médio.

2.3.5 Avaliação no Curso

A avaliação é considerada no PPC como continuada e processual, entretanto admite duas

características próprias do Curso: a primeira inclui a participação da comunidade, e a segunda

se apresenta como condição fundamental para a tomada de decisões ao longo do processo de

desenvolvimento curricular. Nesse sentido, assim como propõe Hoffman (2008, p. 19), “a

avaliação deixa de ser um momento terminal do processo educativo”, para se transformar em

um momento de análise dos objetivos propostos no Curso face à percepção comunitária de sua

finalidade (prática).

Para tanto, o processo avaliativo está dividido em 3 etapas:

a) Avaliação das etapas: ao término da etapa, coordenadores, professores e alunos apontarão

elementos para o planejamento futuro;

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b) Avaliação na comunidade: a ser realizada por meio de questionários, entrevistas, produção

de matérias, de forma a verificar se o curso está atendendo as necessidades da comunidade;

c) Avaliação dos cursistas no âmbito do Curso e do seu trabalho docente: trata­se da avaliação

do discente e abrange os trabalhos acadêmicos e o desenvolvimento da sua prática docente.

E as técnicas e instrumentos propostos são:

[...] provas escritas dissertativas individuais, com ou sem consultas; provas orais desde que acompanhadas de registros específicos; trabalhos reflexivos individuais e/ou em grupos sobre temáticas e/ou bibliografia; desenvolvimento de seminários sobre temáticas, teorias e/ou autores; fichamentos, resenhas e resumos sobre autores e obras; trabalhos e relatórios sobre atividades acadêmicas de caráter teórico­prático como: estudos de caso, situações­problema, pesquisas bibliográficas, projetos de pesquisas teóricas e/ou empíricas e outras formas de avaliação que serão elaboradas pelos docentes, aprovadas pelo Colegiado do Curso. (PPC, 2008, p. 37).

Embora o documento do PPC apresente perspectivas específicas desse processo para o

Curso, observou­se que as avaliações coletivas, previstas ao fim das etapas, não foram

realizadas como o proposto, assim como a avaliação na comunidade. O que nos leva a crer que

a principal ferramenta de avaliação do Curso de LEBI consiste no terceiro recurso previsto pelo

PPC: avaliação docente dos cursistas.

Desse modo, os docentes do curso, embora tenham no PPC uma orientação para o fazer

avaliativo dentro da perspectiva intercultural, se prendem a velhas práticas de avaliação, não

que estas sejam piores, mas que não seguem as orientações planejadas coletivamente.

2.3.6 O perfil profissional do Curso

Elaborar um curso de formação exige refletir sobre o perfil do profissional a ser

formado; isso equivale ao cerne do PPC, uma vez que esta resposta orientará todos os outros

elementos constituintes do Curso. No que se refere ao perfil profissional do docente indígena

do Curso de LEBI, dada a complexidade da antecipação do “acabamento” de um conceito em

construção, seus elaboradores a percebem como precipitada, e elegem o conceito aberto do

Curso, ao passo em que anunciam que se trata de uma ação coletiva, em que os próprios alunos

indígenas ajudarão a construir o perfil.

Ainda assim, o PPC prevê que a vivência das atividades curriculares durante a formação

do Curso de LEBI deverá “[...] possibilitar ao indígena egresso a capacidade de refletir

criticamente sobre a complexidade da vida social indígena e não indígena, sua dinamicidade, a

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diversidade entre as culturas e as relações entre sociedades” (PPC, 2008, p. 29). Além de

possibilitar a “capacidade de operar com teorias, conceitos e métodos próprios da Educação

Escolar Indígena e não Indígena; com abertura para outras competências necessárias à formação

do/a Professor/a” (PPC, 2008, p. 29).

E, como competências e habilidades espera o:

[...] domínio da bibliografia teórica e metodológica básica para exercer o magistério no Ensino Fundamental e Médio na escola indígena, competência na articulação entre teoria, pesquisa e prática social, compromisso social, associados com saberes básicos referentes ao uso da informática, sempre em favor da história das populações indígenas da Amazônia, bem como uma formação teórico­metodológica consistente [...], possibilitando uma formação humanística articulada com o desenvolvimento da autonomia intelectual e da capacidade analítica, necessária ao desempenho de suas atividades profissionais. (PPC, 2008, p. 32).

Ao avaliar um contexto de formação semelhante, Secchi (2005), aponta que em âmbito

do projeto político pedagógico de um curso de licenciatura intercultural espera­se que os

professores indígenas sejam capazes de “[...] ‘interpretar, remanejar e ressignificar’ os

conteúdos e metodologias propostos pelas instituições formadoras segundo os signos vigentes

em suas culturas” (SECCHI, 2005, p. 56).

Para este autor, o perfil profissional indígena é forjado entre as relações de fidelidade

com “as proposições dos programas de formação e os padrões de exigências requeridos pelas

suas comunidades”, sem deixar de considerar, a existência de um terceiro campo de fidelidade,

forjada na relação dinâmica entre os pares do Curso, o que exige um “novo perfil identitário

com novos padrões de exigências e de fidelidades”. Nesse contexto,

Os acadêmicos passariam a ter a identidade individual de membros de uma sociedade indígena específica; de alunos de um determinado projeto de formação e, finalmente, de integrantes de uma “tribo artificial” ou “comunidade especial” ou “grupamento corporativo” denominado professor indígena. (SECCHI, 2005, p. 57, grifos do autor).

Desse modo, o perfil docente indígena consiste no resultado articulado dialogicamente

entre as forças dos campos de fidelidade: comunitária, universitário e profissional. Entretanto,

a excessiva fidelidade por um desses campos pode desarticular a reflexão de elementos comuns

para este grupo profissional; portanto “[...], pensar na formação de professores indígenas para

a diversidade supõe o exercício contínuo dessa tripla fidelidade: vínculo ao seu povo ou

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comunidade; vínculo ao programa de formação profissional; e vínculo aos seus pares, demais

professores indígenas” (SECCHI, 2012, p. 345).

2.3.7 Ingresso, vagas e integralização no Curso

Para participação no processo seletivo do Curso de LEBI, o candidato indígena deverá

ter “concluído o Ensino Médio, a ser comprovado através de uma Carta de Apresentação do

Conselho Educacional da Comunidade Indígena de origem do/a candidato/a combinado com

uma Avaliação Escrita” (PPC, 2008, p. 38). Nesses termos, o indígena somente poderá ser

candidato à vaga se viver em comunidade, o que a princípio pode parecer uma forma

contemporânea de tutela, ainda mais se considerarmos o contexto histórico de Rondônia, no

qual muitos povos foram obrigados à integração urbana; justifica­se pelas especificidades

requeridas a este profissional, como: domínio da língua materna, o conhecimento dos costumes

comunitários, assim como os projetos futuros.

Já o texto do PPC que se refere ao critério de priorização das vagas em função da

localização geográfica das comunidades indígenas, não recebeu destaque nos editais dos

vestibulares:

[...] povos indígenas que vivem em Rondônia o presente projeto será destinado prioritariamente para atender aos que se situam na região Ji­Paraná e municípios de entorno com a possibilidade de estender­se para atender os povos que se situam nos demais municípios do estado de Rondônia, uma vez ocorrendo a articulação e organização dos mesmos. (PPC, 2008, p. 38).

Como discutido anteriormente, esse critério assumiu posição central nas discussões para

criação do Curso de LEBI; contudo, entendemos que este fator permitiu que o Campus de Ji­

Paraná, ao considerar uma demanda local (reduzida), pudesse dar andamento ao projeto de sua

institucionalização. De um modo geral, o que se percebe é que esta cláusula não é restritiva e

nem mesmo norteadora, pois o parâmetro que privilegiou as vagas foi o de concluintes do

Projeto Açaí.

2.3.8 O colegiado do Curso

O PPC previu a criação de um Colegiado para o Curso de LEBI, estruturado com

Regimento Interno e um conselho, a ser composto por representantes discentes, docentes e

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membros das comunidades indígenas, na ocasião do ingresso da primeira turma. Este colegiado

seria uma instância deliberativa para tratar de assuntos da vida acadêmica dos estudantes e do

funcionamento do Curso de LEBI, no entanto, esse colegiado foi substituído por um Conselho

de Departamento (CONDEP), composto por todos os docentes, 2 discentes e 2 representantes

de organizações indígenas.

No entre­lugar do Curso de LEBI, o PPC se apresenta como elemento deslocador de

discursos, quando propõe signos pensados coletivamente, para o campo epistemológico da

formação docente.

Ao analisarmos este programa de formação superior dirigido aos povos indígenas de

Rondônia, Noroeste de Mato Grosso e Sul do Amazonas, com ênfase na sua concepção,

organização, funcionamento e formas de acesso, percebemos que o Curso de LEBI se apresenta

como um entre­lugar que, além de criticar contextos sociais excludentes e se afirmar na

singularidade de classe e gênero, se faz “presença” (da diferença, da raça, do outro) que, por

meio de constantes negociações com a instituição, provocou o deslocamento de posições fixas,

unilaterais, para o regime de representação que simboliza o Curso de LEBI, favorecendo a

elaboração de novos signos.

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O RITUAL DE PASSAGEM DA FORMAÇÃO ACADÊMICA INDÍGENA

É o próprio fato de viver que exige as passagens sucessivas de uma sociedade especial a outra e de uma situação social a outra, de tal modo que a vida individual consiste em uma sucessão de etapas, tendo por término e começo conjuntos da mesma natureza, a saber, nascimento, puberdade social, casamento, paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte. (GENNEP, 2011, p. 24).

Para o estudo desta seção, recorremos à obra Os Ritos de Passagem, escrita em 1909,

pelo antropólogo francês Arnold Van Gennep, na qual o autor defende que a vida em sociedade

é marcada pela passagem do indivíduo a sucessivos postos naturalizados por determinado

contexto sociocultural, assim marca­se posições dentro desta sociedade. Desse modo, a

passagem do indivíduo de um estamento social a outro, depende de um ritual de passagem

legitimado por seu grupo social, ao qual se está sujeito, como o casamento, o furo do lábio

inferior, formação acadêmica, a maternidade, entre outros.

Esta teoria surge para o autor quando este conjectura que “entre o mundo profano e o

mundo sagrado há incompatibilidade, a tal ponto que a passagem de um ao outro não pode ser

feita sem um estágio intermediário” (GENNEP, 2011, p. 23); desse modo o autor se volta para

a sociedade, e passa a compreendê­la como uma totalidade dividida internamente por ritos de

passagem.

Nesta obra o autor não apresenta um conceito acabado para “ritos de passagem”, mas

privilegia um método para sua classificação, por perceber, “[...] entre todos estes sistemas

cerimoniais um paralelismo não somente no que diz respeito a algumas de suas formas, mas

quanto a suas estruturas” (GENNEP, 2011, p. 158), e objetivos. Assim, sua teoria constata que,

entre as diferentes sociedades, “[...] acham­se relacionadas cerimônias cujo objetivo é idêntico,

fazer passar um indivíduo de uma situação determinada à outra situação igualmente

determinada” (GENNEP, 2011, p. 24); para tanto, passa a descrever rituais de passagem de

diferentes sociedades, a fim de classificá­los para comprovar sua teoria.

Essa obra teve especial importância, devido ao fato de que, à época, imperava a doutrina

religiosa e a teoria evolucionista, de cunho biológico e geográfico, concebida sob a ideia de

raças inferiores, de modo que o biológico determinava o social que, por sua vez, determinava o

que era digno de manutenção e reprodução social. Nesse período, segundo a análise de DaMatta

(apud GENNEP, 2011, p. 11), “o social, então, submergia no biológico do mesmo modo que o

diferente (o outro) desaparecia na história social”. Desse modo, a expressão social de negros e

indígenas não era considerada cultura, mas algo profano; e a obra de Gennep, ao descrever os

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rituais dos povos “tradicionais” para classificá­los, assim como os de outras sociedades, acaba

por revelar seu conteúdo simbólico, oportunizando sua visibilidade e desmistificando­os.

Foi por ter assim compreendido a realidade social que Van Gennep foi capaz de antecipar algumas posições básicas da Antropologia Social contemporânea, como a importância do contexto na discussão do significado, o valor das sequências no estudo dos rituais, a separação radical entre os fatos da biologia e dos da sociedade. (DaMATTA, 2011, p. 19).

De um modo geral, os ritos de passagem, ao mesmo tempo que dão o sentimento de

pertença de um indivíduo a uma dada sociedade, grupo ou comunidade, fortalecem a cultura

dessa mesma sociedade ou comunidade, por sua prática. “Por causa disso, aqui o rito não divide,

junta. Não separa, integra. Não cria o indivíduo, mas a totalidade” (DaMATTA, 2011, p. 20).

A partir dessa teoria, compreende­se que os discentes do Curso de LEBI estão diante de

um ritual de passagem, compreendido como formação acadêmica, portanto passível de

classificação, assim como propõe Gennep (2011), em: ritos preliminares (de separação), ritos

liminares (de margem) e ritos pós-liminares (de agregação).

A compreensão dessas fases se faz importante, do ponto de vista da pesquisa, pois

permitem perceber elementos do ritual de passagem da formação docente indígena que

convergem e são fortalecidos neste núcleo, e os que divergem e, no entanto, imperam em função

do sistema político burocrático acadêmico ao qual estão submetidos, como revela a experiência

nacional, que “[...] com o passar dos anos, vê­se alargar a distância entre o que está preconizado

como proposta de uma educação diferenciada e os meios administrativos postos em prática para

efetivá­los” (GRUPIONI, 2009, p. 61).

3.1 RITOS PRELIMINARES DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUÇÃO BÁSICA

INTERCULTURAL

Os ritos preliminares fazem referência a todo o passado histórico do indivíduo, que o

situa contextualmente, até que este se descobre frente a dado momento da vida em que um novo

limiar se apresenta. São as formas em que o indivíduo se situa, se relaciona e se expressa no

mundo que o ligam aos acontecimentos em que ora decide, ora se sujeita a participar. Deste

modo, para compreender um dado ritual, como o Curso de LEBI, há que se considerar as

circunstâncias preliminares desse momento, a fim de que se possa conhecer os determinantes

sócio­históricos que lhe atribuem significação. Em outras palavras, os ritos preliminares são

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momentos que descrevem a trajetória de corporificação do indivíduo e que o situam frente à

próxima fase dos rituais de passagem:

O pórtico­tabu­de­passagem torna­se neste caso a poterna [...]. Vê­se assim o caráter sagrado localizar­se não somente no limiar, sendo igualmente sagrados os lintéis e a arquitrave. A moldura inteira da porta forma+ um conjunto, [...] os ritos da soleira não são, por conseguintes ritos de aliança propriamente ditos, mas ritos de preparação para a aliança, os quais são procedidos por ritos de preparação para a margem. (GENNEP, 2011, p. 36).

Nessa fase da pesquisa, pretendemos conhecer quais eventos simbólicos originam o

ritual de passagem do Curso de LEBI, o que implica retomar o fato do ritual de passagem ser

essencialmente de caráter social, para justificar que, nesse contexto, a formação superior de

professores indígenas não é uma reivindicação somente dos professores indígenas, mas de toda

a comunidade.

O que nos leva à compreensão de que a sucessividade dos rituais de passagem para o

indivíduo está diretamente relacionada à dinamicidade da cultura, que inclui, exclui e reelabora

signos em detrimento de experiências passadas e projeções futuras. A exemplo da formação

docente indígena como instrumento conceituado de luta em favor das especificidades culturais,

uma vez que as experiências de escolarização elaboradas e ministradas por organizações não

governamentais, em diversas comunidades indígenas do estado, tinham políticas próprias:

Em alguns casos, como o Suruí, [...] a escrita já iniciada por missionários do SIL (Summer Institute of Linguistics). Em outros casos, como o Tupari, nada havia, a não ser um ou outro incipiente estudo linguístico [...]. Ainda em outros casos, como o Gavião, uma escrita criada por missionários das Novas Tribos [...] embora bastante absurda e inconveniente. (MINDLIN, 1994, p. 236, grifos nossos).

Como também foi o caso das experiências de escolarização governamentais pautadas

por uma política eurocêntrica do conhecimento, que exigiu a luta das organizações indígenas e

movimentos indigenistas, tanto para conquista como garantia de direitos referentes à temática,

preconizadas em âmbito nacional e internacional, como a Organização Internacional do

Trabalho (Convênio 169), Constituição de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei nº 9.394/1996), Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena (Parecer nº 14/99), Resolução nº 03

(MEC/CNE 17/11/1999).

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Nesse processo, a elaboração da escola indígena com normas e ordenamentos jurídicos

próprios passa a demandar nos núcleos dos movimentos indígenas regionais a luta por um

projeto governamental de formação em magistério de professores indígenas, para

autorrepresentação da política comunitária de educação conforme cada povo. Após várias

negociações com o governo do estado de Rondônia, foi implementado o Projeto Açaí, a

exemplo de outros programas semelhantes desenvolvidos, como Projeto Tucum no Mato

Grosso e Projeto Ara Verá em Mato Grosso do Sul. Segundo Venere (2011, p. 80):

O Projeto Açaí – curso nível médio – foi resultado de intensas discussões entre lideranças e movimentos indígenas que demandavam a necessidade de uma educação indígena institucionalizada e a formação de professores índios especificamente para atuar nas escolas das aldeias. Nelas se colocou a necessidade de continuidade à formação de professores indígenas, através de um curso específico de magistério elaborado pela SEDUC­Rondônia, com a participação das comunidades, no âmbito da Educação, na urgência em promover uma Política Pública em Educação Escolar Indígena.

Após a conclusão em magistério, um novo ritual de passagem se apresenta na formação

em nível superior, que passa a ser pauta de reivindicação dos movimentos indígenas, junto à

UNIR, para o atendimento da demanda de Ensino Médio das escolas das comunidades

indígenas. Este diálogo envolveu um longo período de intensas negociações até a criação do

Curso de LEBI.

Para os grupos, assim como para os indivíduos, viver é continuamente desagregar­se e reconstituir­se, mudar de estado e de forma, morrer e renascer. [...]. E sempre há novos limiares a atravessar, limiares do verão ou do inverno, da estação ou do ano, do mês ou da noite, limiar do nascimento, da adolescência ou da idade madura, limiar da velhice, limiar da morte e limiar da outra vida – para os que acreditam nela. (GENNEP, 2011, p. 160).

Desse modo, para conhecer a fase preliminar do ritual de passagem da formação docente

indígena no Ensino Superior, buscamos destacar os elementos percebidos como intrínsecos a

esse processo. Vale destacar que os ritos preliminares, que serão discutidos em seguida, se

referem àqueles apontados pelo trabalho etnográfico que tem, como elemento orientador, o

significado atribuído pelo grupo ao ritual de passagem da formação acadêmica.

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3.1.1 Comunidade indígena

O primeiro fator de caráter preliminar do Curso de LEBI, como previsto na teoria do

Ritual de Passagem, surge por interesse comunitário, ao deliberar um posto, previamente

estabelecido como “professor indígena”, com o objetivo de atender as necessidades

comunitárias. E, por sua vez, o sentimento de pertencimento a esse grupo cultural invoca nos

acadêmicos predispostos a esse ritual o objetivo de se formar para “para buscar melhoria para

o meu povo na educação, pois mesmo estando agora estudando nós não temos muitas

oportunidades” (Acadêmica Puruborá). “Porque a minha aldeia precisa de professores

indígenas e lá tem pouco professor indígena, a maioria é Branco” (Acadêmica Migueleno). “Por

parte da comunidade que necessitava muito do professor para fechar o quadro dentro da sala de

aula” (Acadêmico Massaka).

De acordo com o autor Tupari (2014, p. 44), “Quando entrou na comunidade, a educação

formal escolar, foi tomando o espaço da educação informal. Essa prática se resume numa

transformação da violência aberta para a violência simbólica”. Para compreender esse contexto

recorremos a Melià (1996), que explica que a comunidade educativa indígena está formada por

3 núcleos interligados: a economia (solidária); a casa/família (língua, tradição e a rede

parentesco); a religião (ciência que explica a unidade ­ rituais, mitos etc.); o autor chama a

atenção para essa estrutura com a intenção de revelar sua dinâmica intrínseca, para não só

mostrar que existe um sistema educativo próprio das comunidades indígenas, mas também para

mostrar que este sistema difere do sistema educativo da sociedade envolvente.

Na educação não indígena há uma ênfase central no conhecimento científico, desconexa

da economia familiar e da religião: “Evidentemente, o processo histórico colonial tem uma

grande tendência de separar essa unidade e colocar economia para um lado e religião em outro”

(MELIÀ, 1996, p. 8); para as sociedades indígenas, “a consequência é que as pessoas passam a

tem centros educativos diferentes e isolados: quebra­se o que antes formava uma totalidade”

(MELIÀ, 1996, p. 8), uma comunidade.

Para Melià (1996), outro fator de divergências entre os dois modelos educacionais diz

respeito à utilização da educação institucionalizada a serviço de “ideologias dominantes”, o que

corrompe a alteridade dos povos indígenas, pois, “Na comunidade nacional, saber deixa de

significar prestígio e torna­se poder, numa estrutura hierarquizada, numa sociedade dividida,

com interesses conflitantes” (MELIÀ, 1996, p. 9), enquanto que para as sociedades indígenas,

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o conhecimento está a serviço de todos, pertence a todos e é feito por todos, mesmo se

respeitando um sistema organizacional.

Ainda segundo observações desse autor, outro fator que diferencia os 2 modelos

educacionais se dá no campo da oralidade versus escrita37; na comunidade educativa indígena

o principal veículo da educação é a língua, e no sistema educacional institucionalizado o

principal veículo é o código simbólico, a escrita.

Por esses fatores, a educação escolarizada e a predominância dos

[...] conhecimentos colonizadores foram minando as lógicas próprias com que muitos povos indígenas explicavam/explicam suas histórias, suas vidas, seus universos, interferindo na forma como muitos destes povos fazem suas escolas. Entretanto, não posso deixar de destacar que mesmo diante de um cenário que parece apontar para a inexistência de interculturalidade na escola, estas práticas podem existir sem que haja uma “consciência” sobre as ações que produzem a escola para além dos ideais da modernidade. Tensões entre os modelos: escolar/indígena. (SCARAMUZZA, 2015, p. 33).

De um modo geral, a incorporação da instituição escola significa a reelaboração dos

signos que a acompanham e o manejo do principal mecanismo de comunicação entre as

sociedades no mundo moderno: a escrita, por meio da qual se registra a Lei, a palavra, a história,

etc... Desse modo o professor de uma escola indígena não poderia ser outro que não um

representante legítimo de sua cosmovisão: “[...] o professor é, neste sentido, um novo ator, que

surge para responder ao novo (a realidade a partir do contato), com a qual a comunidade

encontra dificuldades” (BONIN, 1997, p. 8); seu principal objetivo consiste em colocar a

educação escolarizada a serviço da comunidade.

No contexto regional, conforme dados das turmas em andamento, das 23 Terras

Indígenas do estado de Rondônia (NEVES, 2012a, p. 1), 12 possuem representatividade no

Curso de LEBI, por meio de seus acadêmicos, são elas: Igarapé Laje, Igarapé Lourdes,

Karitiana, Kaxarari, Kwazá, Pacaás Novos, Parque do Aripuanã, Rio Branco, Rio Guaporé, Rio

Mequéns, Sagarana e Sete de Setembro. A composição acadêmica do Curso conta, ainda, com

representantes da Terra Indígena Zoró, do Estado do Mato Grosso, que faz divisa ao Sul de

Rondônia. Entre os participantes encontram­se os Migueleno e Puruborá, considerados povos

ressurgidos, sem Terra Indígena no estado ­ sua representatividade numérica38 poderá ser

observada no Gráfico 1.

37 Para saber mais, consultar: Cultura Escrita em Contexto Indígena (NEVES, 2009). 38 Os gráficos foram elaborados com base nos dados do questionário preenchido por 72 acadêmicos das turmas C, D1 e D2, que concordaram em participar da pesquisa. Segundo dados da secretaria, no Curso de LEBI existem 93

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Gráfico 1 ­ Quantidade dos estudantes matriculados no Curso de Licenciatura em Educação

Básica intercultural em 2016, por Terra Indígena

Elab.: Autora (2016).

Desse modo, o que se percebe é que, além de “um professor apto a oferecer ensino

específico, diferenciado e bilíngue nas comunidades” (Docente 1 do Curso), este posto demanda

ainda um profissional comprometido com os desafios comunitários de projeções futuras em um

mundo com sociedades cada vez mais expansivas. Ampliando seu campo de formação, para

que seja capaz de, além de elaborar um processo pedagógico específico, colaborar na conquista

de modos de existir indígena em uma sociedade uniformizante.

3.1.2 Formação e habilitação docente

alunos matriculados, portanto são dados aproximados. Não foram utilizados os dados oficiais por estes se restringirem ao nome e turma do acadêmico.

ZORÓ

SETE DE SETEMBRO

IGARAPÉ LOURDES

RIO GUAPORÉ

PACAAS NOVOS

RIO BRANCO

IGARAPÉ LAJE

SAGARANA

KARITIANA

PARQUE DO ARIPUANÃ

KAXARARI

KWAZÁ

RIO MEQUÉNS

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Terra Indígena dos estudantes participantes do Curso de LEBI

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A trajetória da educação escolar indígena no país dá um salto qualitativo no campo legal,

quando apresenta a Resolução nº 3 do Conselho Nacional da Educação, de 10 de novembro de

1999, na qual passam a vigorar as novas diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas

indígenas com vistas a:

Art. 1º Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo­lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. (Resolução CEB nº 3, de 10 de novembro de 1999).

O texto dessa Lei tem como objetivo favorecer o reconhecimento da identidade cultural

e promover o desenvolvimento comunitário, contudo, o projeto de elaboração da escola

indígena específica, diferenciada, intercultural e bilíngue, que corresponda aos anseios

comunitários, dependia de um representante legítimo da cosmovisão do povo, para ser

desenvolvido e executado. O que fomentou o reconhecimento do trabalho que muitos indígenas

vinham desenvolvendo na educação, sem a devida valorização do cargo de professor indígena,

como vínculo empregatício, remuneração e carreira docente. De tal modo, a Lei nº 10.172, de

9 de janeiro de 2001, que trata do Plano Nacional de Educação determina:

15. Instituir e regulamentar, nos sistemas estaduais de ensino, a profissionalização e reconhecimento público do magistério indígena, com a criação da categoria de professores indígenas como carreira específica do magistério, com concurso de provas e títulos adequados às particularidades linguísticas e culturais das sociedades indígenas, garantindo a esses professores os mesmos direitos atribuídos aos demais do mesmo sistema de ensino, com níveis de remuneração correspondentes ao seu nível de qualificação profissional. (BRASIL, 2001, p. 46).

Esta legislação passa a regulamentação das escolas indígenas para aos Conselhos

Estaduais de Educação, respeitando­se a participação de membros das comunidades indígenas

na elaboração de uma normativa específica. Cabendo ainda ao estado instituir programa

diferenciado de formação de professores indígenas em magistério, e regulamentar a profissão

docente indígena, por meio de plano de carreira próprio e realização de concurso público

diferenciado.

Investidos pelo potencial de contribuição que o exercício da docência indígena

representa para as comunidades, não somente assumiram a profissão, como passaram a

requerer, por meio dos movimentos indígenas, a criação de políticas públicas específicas de

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formação em magistério e licenciatura; como declara a acadêmica Kaxarari: “já sou professora

há muito tempo e quero aprofundar meus conhecimentos para ajudar minha comunidade”; “pela

oportunidade de dar continuidade na carreira de professor” (Acadêmico Kanoé); “primeiro para

ganhar conhecimento na vida profissional e através disso ajudar minha comunidade”

(Acadêmico Suruí); “porque eu queria ser um profissional habilitado para trabalhar na

comunidade Zoró” (Acadêmico Zoró).

Ainda que o Curso de LEBI tenha ganhado uma nova composição quando o requisito

do edital do quarto processo seletivo (turmas: D1 e D2), deixa de especificar candidatos

oriundos do Projeto Açaí, ou em exercício da docência para concluintes do Ensino Médio,

(abrindo, com isso, possibilidade para que acadêmicos que ainda não exerceram a docência

indígena participassem do Curso); os dados levantados evidenciam que 61% dos acadêmicos

do Curso são professores em exercício da docência, contra 39% que não atuam na área (dados

C, D1 e D2).

Entre os acadêmicos que estão em exercício da docência, 20% têm entre 20 e 25 anos

de profissão; significa dizer que estes professores iniciaram experiências de escolarização

indígena por volta de 1992. Se considerarmos o ano de formação da primeira turma do projeto

Açaí, em 2004, e hipoteticamente, que os representantes desta categoria participaram do

referido projeto, seria o mesmo que dizer que permaneceram desassistidos de formação

governamental, em média, 12 anos.

O Gráfico 2 apresenta um panorama do tempo de docência dos acadêmicos do Curso de

LEBI que estão em exercício da docência.

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Gráfico 2 ­ Tempo de docência dos alunos do Curso de Licenciatura em Educação Básica

Intercultural

Elab.: Autora (2016).

Esses dados nos permitem ainda concluir que houve um aumento, em média, de 50% do

número de professores atuando nas escolas indígenas, nos últimos 5 anos, o que significa um

avanço para a modalidade de educação indígena no estado de Rondônia. Deste modo, o Curso

de LEBI tem sido campo tanto de discentes com vasta experiência da docência como por

discentes com recente ingresso na profissão.

De um modo geral os dados nos permitem aferir que o professor indígena, no estado de

Rondônia, atua e se qualifica (inicialmente por organizações não governamentais, como é o

caso do Projeto IAMA, mais recentemente por meio de ação governamental a nível estadual,

como é o caso do Projeto Açaí, e federal, como é o caso do Curso de LEBI), desde o início da

década de 1990. No entanto, em âmbito regional, o reconhecimento da carreira docente indígena

veio se dar com a criação da Lei Complementar nº 578, no ano de 2010, muito embora, a

realização do primeiro concurso público39 do Governo do Estado de Rondônia, específico para

professores indígenas, só tenha ocorrido em 2015.

39 Edital 131, de 22/05/2015, FUNCAB.

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101

Essa trajetória, primordialmente de resistência indígena pela escola diferenciada, tem

sido parte fundamental de um projeto comunitário que visa possibilitar relações interétnicas

mais respeitosas, ao mesmo tempo em que propaga a dinamicidade da cultura e sua necessidade

de articulação com vista a planos futuros. Nessa projeção o professor indígena ocupa posição

central, pois é ele quem busca o conhecimento ocidental para fazer sua interlocução com o

conhecimento cultural, assim como observa um docente do Curso, “a grande maioria [dos

acadêmicos] tem expectativas em relação a sua formação, principalmente com respeito aos

novos conhecimentos” (Docente 2 do Curso). No contexto indígena a profissão docente

extrapola o espaço da escola, pois une economia, política e cosmovisão.

3.1.3 Empoderamento teórico-político

Talvez a mais forte das expectativas do docente indígena com a formação seja a

consciência política mais ampla. Necessidade decorrente da experiência colonial de dominação

e, posteriormente da colonialidade do poder, ambos fundamentados por uma ordem política,

desconhecida pelos povos indígenas, porém extensiva a eles e que, ao longo dos séculos,

contribuiu para a dominação, classificação e subjugação das raças, impelindo­as a um decurso

histórico de invisibilidade ideológica e incapacidade de autorrepresentação, tal condição

contribuiu para a arbitrariedade sobre os direitos indígenas e o imaginário imutável de seu modo

de seu vida.

Face a esse processo, os povos indígenas passaram a ter a necessidade de se instrumentar

politicamente por meio de Organizações Indígenas e buscar os conhecimentos concernentes a

esse campo se utilizando dos mecanismos disponíveis para tal. Seguindo esse propósito, o

professor indígena passou a ser considerado uma liderança, uma vez que a formação superior

passou a representar um mecanismo de “empoderamento teórico­político”.

Esse conceito está fundamentado por Luciano (2013) que com base em sua trajetória

acadêmica, expõe que “os conteúdos teóricos estudados permitem aprofundar vários fenômenos

da vida não indígena que complementaram minha visão, fundamentaram meus argumentos e

enriqueceram minhas estratégias de luta, na linha do que se pode denominar de empoderamento

teórico­político” (LUCIANO, 2013, p. 24). Sendo assim, na perspectiva da comunidade:

O professor hoje ele é uma principal liderança, uma ferramenta pra buscar conhecimentos, fazer reivindicação, até então, muitas vezes quando precisa fazer alguma solicitação, as primeiras pessoas que eles procuram é os

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professores, então, eles sabem que [...], passou por uma formação mais adequada. (Membro da comunidade ­ Gavião).

Nesse sentido, o Curso de LEBI tem corroborado fundamentalmente em 2 aspectos:

primeiro, quando apresenta à comunidade mais ampla um lugar para os povos indígenas em seu

núcleo, e assim “fez com que a educação e os indígenas tivessem o espaço na universidade”

(Acadêmico Gavião), lugar público, político e privilegiado de conhecimento. E segundo,

quando, por favorecer o diálogo intercultural em seu núcleo, desconstrói imaginários

estereotipados. Pontos compartilhados por um docente do Curso:

Apesar de ser um curso relativamente recente percebo que o curso é extremamente necessário para promover a diminuição das desigualdades e do preconceito que os povos indígenas sofreram e sofrem. Percebo ainda que o curso promove, de certa forma, o protagonismo/autonomia aos povos indígenas, no que se refere à educação escolar indígena. (Docente 2 do Curso).

O próprio PPC privilegia o que Luciano (2013) chama de empoderamento teórico­

político, como evidenciado entre os objetivos específicos: “e) Construir, em conjunto com os

professores indígenas, ‘ferramentas práticas’ para que estes possam ser agentes ativos na defesa

dos seus direitos, no que se refere aos territórios, aos conhecimentos e às atividades sociais,

políticas e culturais” (PPC, 2008, p. 20, grifo nosso).

No entanto, quando analisamos as disciplinas concernentes a este objetivo no ciclo

básico encontramos: Territorialidade e Espaço I (60h), Territorialidade e Espaço II (60h) e

Direito Indígena: Movimento Indigenista e Movimentos Indígenas (60h); e no ciclo específico

apenas os acadêmicos que optaram pela formação em Educação Escolar Intercultural no Ensino

Fundamental e Gestão Escolar, discutirão: Territorialidade e Terras Indígenas no Ensino

Fundamental ­ anos iniciais (100h); e descobrimos que nenhuma das disciplinas sobre

territorialidade aborda a legislação vigente sobre Terras Indígenas e sua discussão no plano

político, mantendo­se no campo curricular das disciplinas de geografia, etnogeografia,

etnodesenvolvimento, etnoambientalismo, espaço, preservação, recuperação, apropriação

simbólica. Mesmo a disciplina que trata sobre o Direito Indígena se restringe à discussão da

educação como direito social e individual:

16. Direito Indígena: Movimento Indigenista e Movimentos Indígenas A educação como direito social e individual. A educação como um direito de cidadania e de participação crítica na sociedade. O direito dos povos indígenas a uma educação específica, diferenciada, intercultural e bilíngue. A luta do Movimento Indígena pelo direito à educação específica e diferenciada no

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Brasil. Movimento Indígena e seu papel na construção de políticas públicas de educação. Proposta pedagógica de interculturalidade nas experiências de escolas indígenas no Brasil. (PPC, 2008, p. 49).

Esse contexto destaca a necessidade de afinamento entre as expectativas comunitárias e

institucionais sobre esse objetivo da proposta da formação; o empoderamento teórico­político

sustenta a ideia de que “[...] o professor é considerado como um dos líderes, por isso, ele não

pode apenas estar comprometido com a escola, mas sim com tudo o que é de interesse da

comunidade” (Acadêmico Zoró). Temas, como o Projeto de Emenda Constitucional (PEC)

215/2000, que defende uma proposta elaborada pela Câmara, que propõe alterar a Constituição

para transferir ao Congresso a decisão final sobre a demarcação de Terras Indígenas, Territórios

Quilombolas e Unidades de Conservação no Brasil, possibilitando a instalação, nesses

territórios, de empreendimentos com grande impacto socioambiental, como é o caso das

hidrelétricas, e do Projeto de Lei (PL) 1610/1996, que dispõe sobre a exploração e o

aproveitamento de recursos minerais em Terras Indígenas por empresas mineradoras, são de

extrema importância de conhecimento das comunidades.

Sobre esse assunto, o acadêmico Suruí, que está no último semestre do Curso de LEBI,

faz a seguinte observação:

Eu [...], tô saindo agora. Mas se eu dizer que sim, eu estaria burlando uma verdade, eu acho que a gente não alcançou ainda isso. Há uma deficiência ainda nesse curso de atender isso [...]. Eu sei que o Curso ainda é muito novo, mas dizer que atendeu a expectativa de um professor, pegar elementos suficientes, elementos pedagógicos, elementos de formação política, elementos sobre território, direito, no Curso minimamente pegou alguns elementos básicos e algumas teorias. [...], então precisamos realmente discutir e avançar nisso, principalmente na presença das lideranças indígenas e também de professores que são lideranças e que foram alunos desse Curso. Aí eu acho que da pra extrair uma coisa legal de realmente como a gente precisa buscar alguns elementos firmes do aspecto pedagógico, território, direito e outras coisas mais. (Entrevista Acadêmico Suruí, 2016).

Diante do exposto, percebemos um ponto de tensão entre o que desejam as comunidades

indígenas com a formação docente e o que se projeta no Curso de LEBI, embora as ações

afirmativas já tragam em seu bojo mudanças na proposta de formação; é preciso que a própria

universidade pense a mudança, não pela adaptação automática de ementas, mas na dimensão

do dialogo intercultural.

Contextualmente, a comunidade indígena, a habilitação profissional, e o

empoderamento teórico­político, expressos pelas falas, olhares, gestos e produções acadêmicas,

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se constituem nos ritos preliminares da formação intercultural. Esses fatores são intrínsecos dos

acadêmicos do Curso de LEBI, e devem ser privilegiados no processo de formação para que

possa refletir sobre eles.

3.2 RITOS DE MARGEM DO CURSO LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO BÁSICA

INTERCULTURAL

O rito de margem, segundo a teoria de Gennep, se refere ao período posterior à saída do

sujeito ou do grupo de sua antiga condição (biológica, social, econômica, intelectual, etc.) e

anterior à nova posição que se almeja. Nesse período o indivíduo e/ou grupo se recolhe para

um processo de formação que lhe permitirá acessar um posto, previamente determinado pelo

ritual de passagem. Os eventos denominados de período de margem “acompanham, facilitam

ou condicionam a passagem de um dos estágios da vida a outro ou de uma situação social a

outra” (GENNEP, 2011, p. 158).

No caso do Curso de LEBI, a fase do rito de margem está relacionada ao período que

compreende os 5 anos de formação acadêmica, no qual o discente avança seu processo de

formação em Magistério (ou Nível Médio), mas ainda não assume o posto subsequente dos ritos

de escolarização socialmente reproduzidos, de formação em Licenciatura. Ou seja, nessa fase

acha­se em processo de formação, o que dá prosseguimento a sua formação anterior, mas não

o investe na subsequente; em fases como esta, “os ritos de margem têm uma duração e

complexidade que chega às vezes a lhes dar uma espécie de autonomia” (GENNEP, 2011, p.

128).

No período de margem, de bases formativas do Curso de LEBI, espera­se que o

acadêmico adquira os conhecimentos necessários para o exercício da profissão docente

indígena, com subsequente legitimação em certificado de conclusão, de sua habilitação. Sem

perder de vista que este ritual de passagem se trata de “sistemas autônomos utilizados para o

bem das sociedades gerais inteiras, das sociedades especiais ou para o bem do indivíduo”

(GENNEP, 2011, p. 158). A seguir, discutiremos alguns liminares constituintes do ritual de

passagem do Curso de LEBI.

3.2.1 O espaço público e as relações interculturais

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O Curso de LEBI é ministrado pela Universidade Federal de Rondônia, campus de Ji­

Paraná, nesta pesquisa pensado como o espaço de discussão e ação de medidas que marcam o

processo continuado do Curso de LEBI, atribuindo­lhe caráter normalizador e representativo,

com destaque para a presença indígena na universidade, que o torna lugar privilegiado para

relações interculturais.

O âmbito administrativo desse espaço público é considerado o primeiro elemento da

etapa liminar da formação acadêmica indígena por manifestar, através de suas normativas, a

ideologia institucional frente uma política pública específica; para tanto, nos dispomos a

analisar o processo de divulgação do vestibular, os editais dos vestibulares e a paralisação da

oferta do vestibular Curso de LEBI.

No que pese a divulgação dos editais dos vestibulares do Curso de LEBI, notamos a

ausência de uma formalidade administrativa de caráter específico, que garantisse seu alcance

em todas as comunidades, muito embora, reconhecendo essa necessidade, a instituição tenha

estabelecido parcerias informais com a SEDUC, FUNAI, FUNASA e SESAI, para auxiliá­la

nesse processo.

Como o primeiro edital, lançado no ano de 2008, privilegiava formandos do Projeto

Açaí, por isso, ansiado pelos mesmos, e destinava apenas 10 vagas para demais professores

indígenas em exercício da docência no estado; o próprio edital enfraquecia a ênfase de sua

divulgação em todas as comunidades. Desse modo, tanto a presença indígena em área urbana,

em virtude da formação do Projeto Açaí, como a rede de relações entre esses cursistas, que se

manteve após a formação, contribuíram para que a divulgação atingisse seu público referência.

“Eu já tinha feito o Açaí 2, e por este motivo já estava sabendo do vestibular e me inscrevi”

(Acadêmica Aruá), “foi divulgado pela FUNAI” (Acadêmica Sabanê), “a SEDUC avisou na

comunidade” (Acadêmico Kanoé). Fato semelhante ao ocorrido nos editais seguintes do ano de

2009 e 2010.

Como o público referência do Curso de LEBI, nesse momento, eram professores em

exercício da docência, “a organização [da divulgação] foi feita especificamente para os

professores que atuam na sala de aula” (Acadêmico Gavião), o que, em certa medida,

viabilizava sua divulgação via SEDUC pelo contato estabelecido com as escolas indígenas, em

função destas estarem sob sua normatização.

Entretanto, entende­se que esse recurso utilizado para a divulgação do vestibular se

torna insuficiente, quando o quarto edital, ocorrido em 2014, amplia o quadro de vagas para

concluintes do Ensino Médio, dando margem para uma parcela ainda maior de indígenas

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disputar o processo seletivo de licenciatura intercultural, dificultando assim o acesso a

informação para os indígenas que não faziam parte do circuito de comunicação escolar

indígenas, como destaca a acadêmica: “fiquei sabendo de uma colega que comentou e fui

verificar no site da UNIR” (Acadêmica Negarotê); “Eu soube através da internet, na minha

comunidade não teve divulgação” (Acadêmica Migueleno); “Através de informação boca a

boca” (Acadêmico Aruá); “Através dos parentes que já estavam fazendo o curso Intercultural”

(Acadêmico Suruí).

Outro recurso utilizado, diz respeito à divulgação via rádio; como declara o acadêmico

Karitiana “a informação chegou na minha aldeia através do rádio amador”, mesmo assim os

acadêmicos alegam que não se trata de um recurso eficiente, em virtude do sinal do rádio não

chegar a todas as comunidades. Tais recursos não apresentam nenhuma garantia da quantidade

de comunidades a serem informadas, por contar apenas com a parceria informal dessas

instituições, uma vez que não existe obrigatoriedade legal destes órgãos em garantir a

divulgação em todas as comunidades do estado, no Sul do Amazonas e no Norte do Mato

Grosso, regiões para qual o Curso se destina. Assim, “alunos que gastam de barco, por exemplo,

até chegar à sede de seu município, 3, 4 dias [...], depois mais um dia de ônibus da sede do

município até chegar aqui no Curso em Ji­Paraná” (Coordenador do Curso), são os mais

prejudicados, pela desvantagem da comunicação.

Uma vez que o Curso de LEBI se constitui em uma política pública específica, espera­

se que sua divulgação também seja específica, de modo a garantir seu alcance igualmente em

todas as comunidades indígenas do estado, garantindo ao seu público o direito à informação,

para ampla concorrência e participação na formação. Bhabha (2013) destaca que a diversidade

cultural carrega consigo uma diferença cultural, que não pode ser compreendida no tempo

homogêneo da comunidade nacional.

Este modelo de divulgação do vestibular, empregado pela instituição, provoca nesse

núcleo desigualdade de acesso a esta política pública, reproduzindo marcas da colonialidade do

poder, ao passo que os povos indígenas situados no eixo da BR­364, ou de maior contato com

o entorno regional, se tornam privilegiados pela informação, em detrimento dos povos mais

isolados geograficamente. Desse modo, o mecanismo de divulgação dessa política pública se

apresenta como uma especificidade que o Ensino Superior indígena requer, ainda por ser

assegurada pela universidade.

O segundo elemento diz respeito aos editais dos 4 processos seletivos (2008, 2009, 2010

e 2014), organizados para o Curso de LEBI, pelos quais é possível observar uma mobilidade,

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afim de privilegiar, a cada edital, as necessidades comunitárias, o que apresentou contornos

peculiares a cada novo vestibular realizado.

O formato dos três primeiros vestibulares buscou atender a demanda de professores

indígenas em exercício da docência e/ou formandos do Projeto Açaí, demanda responsável pela

requisição do Curso de LEBI; assim, o primeiro processo seletivo (ocorrido em 16 de novembro

de 2008) foi específico para professores indígenas formados no Projeto Açaí e Ensino Médio,

em exercício da docência, e não se restringiu à região de Ji­Paraná, incluía ainda professores

do Norte/Noroeste de Mato Grosso. O segundo vestibular (ocorrido em 6 de dezembro de 2009)

foi específico para formandos do Projeto Açaí, que exerceram ou em exercício de atividades na

educação escolar indígena e candidatos formandos no Ensino Médio de outros programas que

atuavam no exercício da docência no estado de Rondônia e Norte/Noroeste de Mato Grosso. O

terceiro vestibular (ocorrido em 05 de dezembro de 2010) mantém a estrutura do segundo e

acrescenta professores com formação em Magistério, similares ao Projeto Açaí, e inclui o Sul

do Amazonas.

Do total de 40 (quarenta) vagas anuais (obs: este é o número limite tanto para as salas de aula que tem um espaço físico que comporta até 40 alunos adequadamente quanto para a possibilidade de se desenvolver um trabalho satisfatório pedagogicamente), nas primeiras entradas, serão destinadas 30 vagas a professores e professoras oriundos do Projeto Açaí e 10 vagas serão destinadas a indígenas que tenham concluído o nível médio na rede pública e/ou privada no estado de Rondônia, sul do Amazonas e noroeste do Mato Grosso, que atuarão no Ensino Fundamental e Médio das Escolas Indígenas. (PPC, 2008).

Já o quarto vestibular, ocorrido em 8 de fevereiro de 2015, 3 anos após o anterior,

apresenta uma relevante mudança em relação aos demais, quando deixa de privilegiar

formandos do Projeto Açaí e/ou candidatos em exercício da docência com formação em Ensino

Médio, para concluintes em Ensino Médio, com ou sem vínculo com a educação escolar

indígena.

Esta mobilidade altera tanto a destinação quanto o quantitativo das vagas do Curso;

desse modo, das 50 vagas disponibilizadas em cada processo seletivo, 40 vagas foram

reservadas para formandos do Projeto Açaí (em exercício ou não da profissão) e 10 vagas para

formandos em nível médio, condicionadas ao exercício da docência; o terceiro edital mantém

o mesmo critério dos anteriores, porém divide as vagas igualmente entre os dois grupos, ficando

25 para cada, passando, no quarto edital, a oferecer 60 vagas, com ampla concorrência para

concluintes de qualquer modalidade de Ensino Médio.

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Analisamos que essa deliberação possivelmente está ancorada na realidade educacional

indígena de Rondônia, no que diz respeito ao progressivo processo de ampliação da rede, que

exigiu a demanda de um número maior de professores formados. Como observado por meio da

reivindicação dos povos para implantação de um setor específico para atender as etnias:

A Educação Escolar Indígena no estado de Rondônia tem apresentado um quadro que, […] evidencia crescimento, expansão física em relação à quantidade de escolas, estudantes e docentes, […] a voz indígena tem expressado […] a necessidade de um endereço permanente no organograma da Secretaria de Estado da Educação – SEDUC, […], uma Gerência de Educação Escolar Indígena. […]. (NEVES, 2012c, p. 1).

Assim, podemos entender tanto a reserva das vagas para atender alunos formados no

Projeto Açaí e em exercício da docência, como a posterior ampliação das vagas para formandos

do Ensino Médio, como uma forma de atender as necessidades emanadas das comunidades

indígenas, que primeiro privilegiou professores com carreira docente e, em seguida, com a

ampliação das escolas indígenas, exigiu que demais indivíduos fossem habilitados. As

elaborações dos editais acompanharam o diálogo intercultural que reconhece as necessidades

apontadas pelas comunidades, deliberando ações respaldadas nas diferenças. Segundo Candau

(2005, p. 166), “Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados

pela assimetria de poder [...] nas nossas sociedades [...] está orientada à construção de uma

sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de

identidade”.

O terceiro elemento a ser tratado diz respeito aàinfraestrutura e quadro de funcionários

colocados à disposição do funcionamento do Curso de LEBI, que, conforme relato do

coordenador, se demonstrou insuficiente para atender os acadêmicos indígenas: “Então era

comum você entrar numa sala, e daí a pouco aparecia um professor dizendo: Ei essa sala é

minha. Do curso ao qual efetivamente aquela sala pertencia”. Segundo sua análise, existiu uma

peregrinação pelo Campus à procura de sala, “nós tivemos aula embaixo de árvores, eu dei aula

em salão paroquial, num espaço que nem um ventilador funcionava, calor, sem água, enfim,

então nós funcionamos precariamente durante esses 2 anos” (Coordenador do Curso).

A problemática de espaço físico se intensificou a partir do 3º ano de funcionamento do

Curso, dado sua estrutura de desmembramento no ciclo específico, situação agravada em função

de a primeira turma do Curso estar dividia em duas turmas, possibilidade não prevista pelo PPC,

mas deliberada pelo corpo docente da época como pertinente.

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Quando entrou as primeiras turmas nos percebíamos o quanto era difícil, a gente trabalhar em uma turma de 50 alunos, falantes de 18, 20 línguas, alguns que mal falavam português e aí o professor dando aula, aluno traduzindo, 2, 3 tradutores, então [...] nós acabamos dividindo ela em duas e aí nos juntamos um bloco mais ou menos com o pessoal falante do Tupi, que o pessoal do eixo da BR 364, e um outro grupo ficou o pessoal de Guajará Mirim, que é um pessoal falante do Txapacura, majoritariamente. (Coordenador do Curso).

Na análise do institucional havia a falta de espaço físico e de docentes, o que resultou

na decisão de paralisar a oferta de vestibular do Curso de LEBI, impedindo o ingresso de novos

acadêmicos, situação que permaneceu por um período de 3 anos. No entanto, do ponto de vista

do acadêmico Suruí, a paralisação do Curso de LEBI poderia ter sido evitada.

Eu acho que a gente tem vários pontos, se a gente for analisar principalmente as atas de reuniões do conselho, eles destacam algumas coisas que impede, mas eu acho que de fato a paralisação durante 3 anos, é de suma responsabilidade de todos os professores, porque a decisão de não haver é do Conselho, então se não houve, quem decidiu isso foi o Conselho. [...]. O Campus de Ji­Paraná tinha condições de receber durante esses 3 anos os alunos indígenas, porque a universidade ela tem que se organizar dependendo da demanda. A gente viveu ali, muitas salas assim desocupadas, muitos lugares assim que a gente poderia estar usando como sala de aula, durante toda a etapa desocupada. Nosso Curso é durante 2 meses, se a universidade, se o campus se a diretoria, se o próprio departamento do curso, se organiza, se ele realmente quisesse a presença indígena ali e se organizasse, haveria três cursos de vestibular, no final do aperto ia aparecer o prédio do intercultural, então não foi problema de logística, foi problema de você acreditar no projeto. A unir tinha condições de receber isso, mesmo com alguns apertos mais tinha condições. (Entrevista Acadêmico Suruí, 2016).

Desse modo, tem­se dois pontos de vista distintos sobre o processo de paralisação por 3

anos do vestibular para o Curso, um enquanto representação institucional e outro enquanto

representação estudantil, sendo que, para este último núcleo, a alegação de insuficiência de

infraestrutura não se constitui em uma resposta adequada, tendo em vista que outras

possibilidades de solução do problema poderiam ter sido construídas em parceria com os povos

indígenas, de modo a reunir forças para problematizar o Campus de Ji­Paraná.

A existência de uma demanda reprimida por escolarização em nível superior se reflete

no número de inscrições homologadas para o quarto vestibular, que apresenta um acréscimo

significativo em comparação aos anos anteriores, não podendo ser definido se em função do

período de 03 anos de suspensão da oferta do vestibular ou da livre concorrência pelas vagas.

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Gráfico 3 ­ Demonstrativo de inscrições homologadas, classificados e vagas dos processos

seletivos do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural

Elab.: Autora (2016).

O quarto edital só foi lançado quando o prédio previsto pelo programa do REUNI,

destinado ao atendimento dessa demanda, foi inaugurado em 2014. Isso equivale a dizer que,

das 4 turmas, as 3 primeiras funcionaram relegadas na academia. Pelo fato de ter sido o único

curso a paralisar a oferta de vestibular, nos indagamos: será que o Curso de LEBI, no espaço

acadêmico, possui a mesma relevância social, que os demais cursos, do ponto de vista

institucional?

0

50

100

150

200

250

300

350

400

2008/2009 2009/2010 2010/2011 2014/2015

Total de vagas e de candidatos inscritos e apravados por processo seletivo

inscrição homologada classificados vagas

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Figura 10 ­ Prédio destinado ao Curso de LEBI, localizado na UNIR campus de Ji­Paraná

Fonte: Imagem disponível em: <http://www.ri.unir.br/jspui/handle/123456789/373>.40

De um modo geral, entendemos que a priorização das vagas do Curso para professores

que já tinham carreira na docência, e posterior ampliação das vagas para o ingresso de novos

indígenas na profissão, atende o objetivo do Curso, que consiste na formação de professores

indígenas para atender a rede, mas, nos interrogamos se o aumento do número de inscritos no

Curso de LEBI no quarto vestibular de livre concorrência, não sinaliza, além de uma demanda

reprimida por Ensino Superior, a carência de cursos específicos?

Favorecer a participação de diferentes grupos indígenas na convivência do espaço

acadêmico exige, da instituição proponente, elaborar mecanismos que favoreçam diálogos

interculturais, favorecendo­se disto para construir novas formas do fazer acadêmico. Conforme

Walsh (2009, p. 170), a educação intercultural não se refere apenas à relação entre os

indivíduos, mas na implicação dessa experiência quando do processo de elaboração dos “[...]

diferentes âmbitos em que ele se desenvolve [...]”, como a seleção curricular, a estrutura

funcional, as linguagens, as práticas didáticas.

Para esta autora, a interculturalidade enquanto projeto político, social, epistêmico e ético

deve retomar “[...] a diferença em termos relacionais, com seu vínculo histórico­político­social

e de poder, para construir e afirmar processos, práticas e condições diferentes. [...]” (WALSH,

40 Acessado em: 18 jun. 2016.

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2009, p. 26), o que demanda o deslocamento institucional para se permitir adaptações

necessárias ao atendimento da diferença.

3.2.2 Autonomia

O tema da autonomia é pauta de discussão valorada principalmente nos núcleos das

Organizações Indígenas e tem sido recorrente em produções que abordam a temática escolar

indígena e os processos de formação docente desenvolvidos no país. Tratado, sob várias

vertentes, como “autonomia da escola indígena”, “autonomia pedagógica”, “autonomia da

comunidade”, “autonomia indígena”, “autonomia sociocultural”, a partir de um contexto geral

pode ser entendido como o direito dos povos indígenas de deliberar sobre questões pertinentes

da vida em sociedade que impactam no seu cotidiano.

No que pese a relevância da temática da autonomia para os povos indígenas, era de se

esperar que a mesma se apresentasse no PPC de LEBI, uma vez que este foi elaborado

conjuntamente com membros das comunidades. Assim, o segundo objetivo específico prevê:

“b) propiciar a formação de professores indígenas do Estado de Rondônia tendo em vista as

demandas de suas comunidades e a autonomia de seu povo” (PPC, 2008, p. 20, grifo nosso),

o que abrange um contexto mais amplo do que a autonomia da gestão das escolas indígenas;

para tanto, propõe tratá­la em sua organização curricular como um dos Temas Referenciais

(Autonomia, Interculturalidade, Sustentabilidade e a Diversidade) previstos na matriz

curricular.

Ao discutir o contexto educacional indígena, Secchi (2007) faz uma consideração

pertinente sobre a questão da autonomia:

No entanto, ao nosso ver, estão sendo desconsiderados dois problemas importantes. O primeiro, consubstancia­se pela ausência de uma crítica mais apurada sobre o direito de outorga. Aceita­se como legítimo que os grupos sociais investidos de maior autonomia admitam, concedam, reconheçam, tolerem, etc. alguns direitos aos que são ‘diferentes’ (leia se, desprovidos do poder de estabelecer seus direitos), e o fazem “dentro de um marco nacional” previamente existente. Não se põe em questão o presumido direito de outorgar direitos. O segundo problema diz respeito ao império da lei, isso é, a primazia da ordem jurídica sobre os demais aspectos da realidade social e cultural. Aceita­se tacitamente que a existência de leis é condição suficiente para assegurar as mudanças nas relações. Mas como bem lembra o poeta Drummond, as leis não bastam; os lírios não nascem das leis. (SECCHI, 2007, p. 14).

Na discussão proposta por Secchi (2007), questiona­se a autonomia enquanto concessão

da colonialidade do poder, por isso há que se considerar que esta autonomia está previamente

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normatizada e gerida pelo sistema político. Quando considerarmos que, em meio às “54

sociedades indígenas” (PPC, 2008, p. 5) do estado de Rondônia, menos da metade, apenas 22

delas, atualmente compõem o quadro discente do Curso de LEBI, ainda que não se possa

determinar o motivo pelo qual nem todas participam (o que valia aprofundamento), ficam

evidentes os limites que o campo político impõe à autonomia educacional indígena, quando

toma para si o poder de criar cursos específicos, de disponibilizar infraestrutura, estabelecer

normativas, regulamentar a profissão docente indígena, entre outros.

Embora na colonialidade do poder mesmo a autonomia ideológica precise de

reconhecimento no circuito das relações interétnicas, nos reforçamos em Bhabha (2013) que

expõe que estas são negociações que visam processos autônomos, pois “[...] não é simplesmente

a "individualidade" da nação em oposição à alteridade de outras nações. Estamos diante da

nação dividida no interior dela própria, articulando a heterogeneidade de sua população.”

(BHABHA, 2013, p. 240, grifo do autor).

Nesse sentido, um panorama geral nos mostra que os 72 alunos do Curso de LEBI

representam, em média, 0,52%41 da população indígena do estado de Rondônia; embora

consideremos esse percentual baixo, se não fosse a criação dessa ou de outra política pública

específica, esse dado seria ainda menor.

41 Segundo o último censo do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do ano de 2010, no estado de Rondônia havia um total de 13.076 (treze mil e setenta e seis) indígenas; com o objetivo de atualizar esse dado, aplicou­se uma média de crescimento populacional de 10,62%, pelo qual se obteve uma média aproximada de 14.464 (quatorze mil quatrocentos e sessenta e quatro) indígenas no estado, no primeiro semestre de 2016. Essa média foi obtida por meio do crescimento populacional dos povos: Amondawa, Arara, Gavião, Migueleno, Puruborá, Uru­Eu­Wau­Wau e Zoró, fornecidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Ji­Paraná, correspondente ao período de 2010 a 2016.

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Gráfico 4 ­ Quantidade de alunos matriculados no Curso de Licenciatura em Educação

Básica intercultural, por etnia indígena – ano 2016.

Elab.: Autora (2016).

Destes acadêmicos, 64% são do sexo masculino e 36% do sexo feminino; considerando

a participação do povo Zoró, que se encontra localizado no estado do Mato Grosso, têm­se

acadêmicos de 23 sociedades distintas na composição intercultural do Curso de LEBI.

No ambiente de formação dessa política pública específica, a questão da autonomia está

diretamente ligada à gestão da escala indígena, contexto em que “Os desafios são muitos, que

vão desde a falta de materiais didáticos adequados à realidade cultural vivida por eles, à falta

de autonomia no que se refere à prática docente e gestão escolar” (Docente 2 do Curso), pelo

fato de a escola indígena “ser uma instituição do Estado, este se sente no direito de impor limite

à autonomia pedagógica e gerencial, claramente um flagrante descumprimento das leis e

normas do país” (LUCIANO, 2013, p. 8).

Pois, assim como destaca esse autor, entre os avanços na educação escolar indígena nos

últimos anos, no campo político encontra­se o estabelecimento de um arcabouço jurídico e

normativo que reconhece e garante as autonomias pedagógicas e de gestão dos processos

educativos dos povos indígenas, assim como o reconhecimento da importância do

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Etnias dos alunos do Curso de LEBI

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protagonismo indígena em todo o processo educativo das comunidades indígenas, com o

surgimento de professores e técnicos indígenas.

Outra questão, que nos chama a atenção, diz respeito a expectativas das comunidades

de incidir sobre os aspectos político e social da autonomia por meio da autorrepresentação

comunitária em contextos referentes às políticas sociais de saúde, educação, territorialidade,

meio ambiente, exploração de recursos naturais, etc., como forma de garantir seu ponto de vista

no debate, confiantes de que o Curso de LEBI contribuirá com a formação desse representante:

A escola hoje, atualmente, na minha concepção ela é um suporte, em busca de informação, em busca de conhecimento de todas as políticas públicas que se desenvolve no Brasil hoje, a escola é uma ferramenta que vem buscar esse conhecimento, ou além de buscar, leva também a divulgar nossos conhecimentos tradicionais né, isso faz com que a sociedade de fora valorize as comunidades indígenas. (Membro da comunidade ­ Gavião).

Nesse contexto, a autonomia depende do domínio de conhecimentos que darão suporte

a tomadas de decisões em assuntos que impactam sobre o contexto comunitário. “É neste

sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras

da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade”

(FREIRE, 1996, p. 107), mas principalmente demanda iniciativa pessoal, assim como

argumenta o acadêmico Suruí:

[...], a autonomia é você sofrer, e você ter a experiência de que realmente ninguém vai andar por você realmente você vai ter que lidar, vai ter que andar com as próprias pernas, essa é a concepção que eu tenho de autonomia, [...], então a questão da autonomia é reconhecer que você que tem que fazer, então isso vai se refletir na comunidade, [...]. Com essa autonomia que você adquiriu por meio da experiência. Autonomia não é dada. (Entrevista Acadêmico Suruí, 2016).

O acadêmico Suruí nos fala da autonomia marcada por um processo histórico de luta,

de resistência, de levantamento frente um governo que toma para si a outorga de direitos para,

assim, exercer seu poder, o que exige o empoderamento do conhecimento dominante para

estratégias de autorrepresentação; deste modo, tanto a escola indígena como a universidade

passaram a ser consideradas instrumentos emancipatórios do ponto de vista das comunidades.

3.2.3 Pesquisa

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A pesquisa é muito discutida neste núcleo de formação intercultural, dada a sua

importância para a incorporação dos saberes indígenas no ambiente escolar. Dela depende o

resgate e/ou registro da língua materna, da elaboração de material didático, do desenvolvimento

de metodologia específica, de projetos de sustentabilidade, análise de contexto, entre outros.

Sendo assim, a temática da pesquisa não ficou de fora do PPC, que estabelece, como décima

meta, “j) desenvolver atividades de pesquisa e extensão” (PPC, 2008, p. 33), e como meio de

viabilizá­la propõe na estrutura da matriz curricular: A Pesquisa Intercultural e os Estudos na

aldeia.

As atividades concernentes a Prática de Ensino serão realizadas num total de 400 horas, desenvolvidas como Estudos na Aldeia, desde o primeiro semestre sempre que o aluno ou aluna optar por: oficinas nas aldeias ao longo do curso, cursos e/ou projetos de extensão, projetos de iniciação científica, monitorias, publicações em revistas científicas, estágios voluntários, cursos de extensão e outras atividades afins, a serem planejadas coletivamente norteadas pela legislação vigente e pelas necessidades apontadas pelos discentes, regulamentadas pelo Colegiado do Curso, sendo 200 horas no Ciclo Básico e 200h no Ciclo de Formação Específica. (PPC, 2008, p. 33).

A etapa Estudos na Aldeia esta distribuída em 7 dos 10 períodos do Curso, sendo

compreendida como “Atividades práticas na aldeia (oficinas, festas, reuniões e outras) como

oportunidade de interação universidade (tempo escola) e comunidade indígena (tempo

comunidade)” (PPC, 2008, p. 91). Entretanto, essa etapa não está sendo realizada com

acompanhamento docente, segundo o coordenador do Curso, por falta de recursos financeiros

que possibilitem o deslocamento docente para as comunidades. Assim, é organizada pelo

docente que, ao fim de cada etapa (período), orienta a atividade a ser realizada durante o período

que o discente estiver na comunidade (Estudos na Aldeia); e, na etapa subsequente, o acadêmico

apresenta o que foi possível desenvolver. Desse modo não há intervenção docente nos

momentos de levantamento, descrição e análise dos dados.

Na percepção dos acadêmicos, a pesquisa sobre temáticas específicas do contexto

comunitário tem sido explorada por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

Científica (PIBIC), que tem como objetivo inserir o acadêmico no âmbito da produção científica

e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), que visa introduzir o

acadêmico no cenário da docência por meio de projetos pedagógicos, como se observa nos

relatos: “O curso oferece um projeto de extensão no resgate e valorização de cada cultura única”

(Acadêmica Kanoé); “Através do programa PIBID Diversidade” (Acadêmico Tupari); “Para

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117

quem trabalha como o PIBID, ele trata sobre esses assuntos específicos” (Acadêmica

Sakirabiar); assim, o ato de pesquisar está associado ao campo da pesquisa extensão.

Ambos os projetos são desenvolvidos no Curso de LEBI, motivo de orgulho para o

coordenador do Curso, quando alega que, “nesses anos de existência do Curso de uma forma

muito rápida, o departamento (DEINTER), vem tentando consolidar algumas linhas de

pesquisa, [...], de pensar na pesquisa de pensar na extensão”, declarando o empenho desse

núcleo de professores em envolver­se com a temática indígena, ainda que nem todos “venham

de experiências com as populações indígenas”. Tal arguição nos levou a questionar a

participação docente no processo de formação, uma vez que, quando se pensa no Curso de

LEBI, entende­se que o lugar ocupado pelos docentes acaba sendo ofuscado pela centralidade

do acadêmico indígena, dado os desafios impostos a estes em seu processo de formação. Desse

modo os docentes quase não são evidenciados quanto a sua participação no processo de

formação docente indígena.

Para tanto, fizemos uma consulta no currículo da Plataforma Lattes dos docentes e

constatamos que este quadro está composto por 14 professores, e todos possuem formação em

mestrado, destes pouco mais da metade, 57%, dissertaram sobre a temática indígena, e todos os

docentes com doutorado concluído, teorizaram sobre a temática indígena. Esses dados nos

permitem inferir que neste núcleo docente existe uma formação “temporalizada” (FREIRE,

1979), que permite uma intimidade com as temáticas sensíveis aos povos indígenas, o que

contribui para a formação de uma equipe coesa quanto aos propósitos dessa política pública

específica.

No Gráfico 5, a seguir, é possível observar um panorama da titulação acadêmica do

corpo docente do Curso de LEBI.

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Gráfico 5 ­ Demonstrativo de titulação acadêmica do corpo docente do Curso de Licenciatura

em Educação Básica Intercultural – ano 2016

Elab.: Autora (2016).

No que se refere ao fomento à pesquisa, 36% dos docentes do Curso de LEBI iniciaram

projetos, nos anos de 2015 e 2016, sobre a temática indígena na instituição. Esse contexto é

entendido pelo coordenador do Curso como mérito dos próprios docentes, pois “todos eles

fizeram o possível de apresentar projetos de pesquisa ou de extensão com as comunidades,

então acho que isso é uma coisa muito boa, muito positiva pro Curso, que primeiro demonstra

essa preocupação em conhecer essa clientela” (Coordenador do Curso).

No campo do ensino a pesquisa se revela na elaboração do TCC: “se a gente for ver os

TCCs que os alunos e alunas produziram aqui no curso todos eles foram voltados para pesquisar

aspectos da cultura, aspectos da educação, [...] dos processos de escolarização” (Coordenador

do Curso), situação que coloca o discente como principal questionador da cultura, ultrapassando

a ideia de “coletador” de dados e alcançando a dimensão contextualizada por Tupari (2014, p.

57), de que “fazer pesquisa sobre um determinado assunto é afirmar a capacidade que a gente

[povo indígena] tem”.

Contexto privilegiado no PPC:

O curso também possibilitará a capacidade de pesquisa e reflexão crítica sobre a realidade social; compromisso social; capacidade de operar com teorias, conceitos e métodos próprios da Educação Escolar Indígena e não

50%

14%

22%

7%

7%

Titulação Acadêmica do Corpo Docente do Curso de LEBI - 2016

Mestrado

Doutorado concluído

Doutorado em andamento

Pós-Doutorado

Pós-Doutorado em andamento

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Indígena; com abertura para outras competências necessárias à formação do/a Professor/a. (PPC, 2008, p. 29, grifo nosso).

O ensino pela pesquisa permite uma base teórica e metodológica na formação de um

profissional, com autonomia para questionar e ampliar seus conhecimentos, por isso esse

processo deve, antes de tudo, ser autônomo em sua natureza, pois, assim como poetisa Paulo

Freire (1996, p. 29), “Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me

educo”. Por meio da pesquisa os conhecimentos tradicionais saem do senso comum para o

campo da ciência, fazendo da realidade objetiva dos acadêmicos material de questionamento

de conhecimentos naturalizados.

A crítica à neutralidade da ciência nos leva a outra face da pesquisa, enquanto

mecanismo de questionamento do conhecimento hegemônico, assim como da própria

academia, responsável por sua propagação, legitimando e naturalizando a ordem social, ao

passo em que elegia seu núcleo. Discutir que “A ciência serviu, [...], como um instrumento de

dominação, discriminação e racismo e a universidade foi o principal espaço de divulgação

dessas ideias e práticas” (GOMES, 2009, p. 423), torna­se importante à medida que se deseja

que outros conhecimentos circulem em seu núcleo.

Dessa maneira, a pesquisa se constitui em etapa liminar de formação do Curso de LEBI,

para conferir ao acadêmico indígena a sua face de pesquisador, capaz de produzir “um

conhecimento que tem como objetivo dar visibilidade a subjetividades, desigualdades,

silenciamentos e omissões em relação a determinados grupos sócio­raciais e suas vivências”

(GOMES, 2009, p. 421).

3.2.4 Cultura

Gennep (2011) contextualiza a cultura como sendo o domínio do campo simbólico, por

indivíduos que compõem uma comunidade, sociedade ou grupo, pela prática de rituais de

passagem que revelam crenças, concepções e valores. Entretanto, o fato de a etapa liminar

sugerir um distanciamento do indivíduo de seu núcleo comunitário, para sua imersão no

propósito do ritual de passagem, aqui entendido como a formação intercultural, não faz com

que essa etapa de individualidade implique no desligamento cultural. Pelo contrário, nesse

período sugere­se a autonomia do indivíduo para formar­se segundo demanda comunitária. Para

DaMatta (2000, p. 17),

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O que caracteriza a fase liminar dos ritos de passagem é a experiência da individualidade vivida não como privacidade ou relaxamento de certas regras (pois o neófito está sempre sujeito a inúmeras regras), mas como um período intenso de isolamento e de autonomia do grupo. Mas, o que temos aqui é a experiência com a individualização como um estado, não como uma condição central da condição humana.

Embora a cultura seja condição anterior à formação profissional indígena, uma vez que

sua gênese delibera o professor indígena, esta temática é compreendida como uma fase liminar

do processo de formação, ao invés de uma fase preliminar, pois este requisito se refere à

especificidade do processo de formação desta política pública que, para Gomes (2009, p. 436):

Trata­se de uma questão que vai além da ideia de inclusão social ou de direito à educação superior. [...]. Elas representam um momento privilegiado do ponto de vista acadêmico e político. Expressam as tensões, desvelam posições e interpretações sobre a raça e trazem à tona uma profusão de saberes políticos, identitários e estéticos.

A cultura no contexto formativo significa a contraposição do domínio do conteúdo

científico, pelo qual se propagou a política desenvolvimentista do centro europeu sem

representar os que estavam na condição de colonizados. Desse modo, a cultura indígena que,

na concepção de Luciano (2013), se refere ao modo de ver e de se situar no mundo como forma

de organizar a vida social, política, econômica e espiritual de cada povo, tem a materialidade

para a produção de conhecimentos que representem demais sociedades, sendo assim, a relação

entre indivíduo e cultura não pode ser desconexa de sua expressão no mundo.

Tal entendimento pode ser evidenciado pelas respostas dos acadêmicos, quando

indagados sobre o curso superior desejado, ao qual, 27% dos acadêmicos responderam que não

trocariam de curso. Dentre os outros, os cursos mais desejados foram Direito (18%),

Enfermagem (15%) e Pedagogia (7%), o que corresponde às demandas antigas e relevantes das

comunidades indígenas: amparo jurídico, saúde e educação. Os dados totalizados podem ser

vistos no quadro demonstrativo (Gráfico 6).

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Gráfico 6 ­ Demonstrativo de intenção de curso dos acadêmicos do Curso de Licenciatura

em Educação Básica Intercultural – ano 2016

Elab.: Autora (2016).

Com base nestes dados é possível constatar que no estado de Rondônia a educação para

os povos indígenas tem sua expressão pré­estabelecida na defesa da comunidade, assim como

em contexto nacional os movimentos indígenas e indigenistas lutam pela garantia de direitos

que reconheçam as especificidades culturais e sociais dos diferentes povos indígenas por um

governo que ainda não assumiu sua condição pluriétnica.

Em âmbito do Curso de LEBI, as discussões inerentes à cultura ficam na dimensão dos

temas referenciais (autonomia, interculturalidade, sustentabilidade e cultura), estando presentes

em quase todos os debates. Muito embora o coordenador do Curso declare que faltam ações

complementares:

Uma outra coisa, nós temos que criar espaços acadêmicos mais não academicistas, onde a gente possa trazer as lideranças, onde a gente possa trazer os sabedores indígenas, os pajés, pra que eles venham fazer essa formação. Esse encontro de saberes e de conhecimentos dentro da universidade, que hoje nós temos na distribuição das nossas 4.260 horas do

27%

18%

15%

7% 7%

4% 4% 4%3%

11%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

Cursos de interesse dos acadêmicos

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curso, acaba que todas as nossas horas elas são comprometidas em sala de aula, então sobra pouquíssimo tempo pra esse outro momento. (Coordenador do Curso).

Do ponto de vista acadêmico, as atribuições do professor indígena não se esgotam no

âmbito pedagógico, mas se estendem aos campos relacionados à cultura, muito mais amplos do

que o núcleo comunitário, uma vez que expressam o desejo de “lutar em defesa das causas

indígenas” (Acadêmico Xijein), pelo comprometimento “com sua comunidade, com sua cultura

e com ele mesmo” (Acadêmica Aruá).

Desse modo, a temática da cultura no processo formativo está materializada no campo

colonial dos saberes, retratada por meio de uma visão hegemônica, que precisa de contraposição

para “Afirmar a existência do potencial infinito da diversidade epistêmica do mundo e discutir

o caráter contextual e incompleto do conhecimento” (GOMES, 2009, p. 420). Nesse sentido a

presença do indígena na universidade se constitui em uma oportunidade conjunta entre

acadêmicos e instituição de possibilitar um fazer acadêmico sobre outras bases fundamentais.

A etapa liminar do Curso de LEBI apresenta como elementos constituintes do processo

formativo: o espaço público, a pesquisa, a autonomia e a cultura indígena; juntos esses

elementos representam especificidades da docência indígena, enquanto demandada no processo

formativo. Embora exista, nesse núcleo, uma mobilidade para acolher tais elementos,

demonstrando em muitos momentos o respeito por aspectos culturais, questões, como o

empoderamento teórico político, precisam ser mais discutidas interculturalmente.

Então eu entendo que isso é um processo que a universidade pode contribuir, mais a origem dessa formação não é daqui da universidade, isso é um trabalho das lideranças na própria comunidade, quer dizer se as lideranças não politizam a sua juventude, fica difícil para a universidade, sozinha fazer esse papel, entendo eu. (Coordenador do Curso).

As especificidades da formação docente indígena marcam sua profissionalidade, sem

elas o professor indígena tanto terá dificuldade para materializar a escola indígena idealizada

pelas comunidades, como tornará incompleta sua profissionalidade, pelo foco no fazer

pedagógico descontextualizado das expectativas comunitárias sobre sua atuação.

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3.3 RITOS PÓS­LIMINARES DA COMUNIDADE EDUCATIVA INTERCULTURAL

O rito de agregação tem por finalidade legitimar a nova posição do indivíduo na

sociedade, o que encerra a etapa do ritual de passagem. No caso do Curso de LEBI, essa

legitimação se dá por meio do diploma de Ensino Superior. O que se faz importante destacar,

nessa etapa, é o fato de que, embora pareça se tratar de uma conquista individual, ela é coletiva,

quando consideramos que essa nova posição a ser assumida resulta no atendimento de um

determinado grupo.

No fundo, os ritos de passagem tratam de transformar individualidade em complementaridade, isolamento em interdependência, e autonomia em imersão na rede de relações que os ordálios, pelo contraste, estabelecem como um modelo de plenitude para a vida social. (DaMATTA, 2000, p. 23).

Assim, o exercício da docência nas escolas indígenas tem o objetivo de atender o

processo pedagógico específico de cada comunidade indígena, de modo a qualificar a educação

nesta modalidade de ensino. “Os rituais, nesse sentido, concedem autoridade e legitimidade

quando estruturam e organizam as posições de certas pessoas, os valores morais e as visões de

mundo” (RODOLPHO, 2004, p. 139). A demanda desses postos surge de um processo de

questionamento do conhecimento hegemônico para fazer frente à subjugação de outros saberes.

Nesse processo os movimentos indígenas adquiriram importância ímpar na luta pela

garantia de direitos que reconheçam as diferenças culturais; como resultado, apresenta­se um

cenário, nas últimas três décadas, de avanço na conquista de direitos no campo da educação

escolar indígena, incluindo a formação em nível superior de professores indígenas por meio de

políticas públicas especificas.

No que se refere ao futuro após a etapa de formação, os docentes manifestaram interesse

em se agregar em 3 campos de atuação a serem tratados em seguida.

3.3.1 Exercício da docência

De volta à comunidade, a conclusão do ritual de passagem da formação acadêmica

demonstra para a comunidade a capacidade do indivíduo para assumir o exercício da docência

indígena, uma vez que este indivíduo interiorizou as atribuições requeridas ao cargo durante o

período de margem estabelecido entre as expectativas da comunidade e da academia. Ao

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assumir as atribuições requeridas da nova posição, o que antes aparentava individualidade se

revela coletividade.

Ou seja, a individualização [...] nos ritos de passagem não envereda pelo estabelecimento de uma ruptura, por meio da ênfase extremada e radical em um espaço interno ou em uma subjetividade paralela ou independente da coletividade; antes, pelo contrário, essa individualização é inteiramente complementar ao grupo. (DaMATTA, 2000, p. 17).

Essa relação intrínseca de individualidade e comunidade, posta aqui, é revelada no que

diz respeito aos anseios recorrentes do docente com a formação: “Trabalhar na área de educação

indígena” (Acadêmica Puruborá); “Continuar trabalhando para minha comunidade como

professora” (Acadêmica Kaxarari); “Ser professor na minha escola, ensinar a comunidade,

procurar ser o bom educador” (Acadêmico Suruí); de outro lado, a comunidade é atendida e

reconhece as mudanças ocorridas no interior da escola com a autuação do professor indígena.

Bem, a mudança que eu vejo é uma mudança pra melhor, assim, eu vejo que antes [...] a gente tinha professor não indígena as coisas era muito restrito, os alunos não tinha assim conhecimentos científicos e conhecimentos de sua própria comunidade né. Hoje não, hoje a gente absorveu bastante conhecimento da comunidade e colocamos em pratica para que as novas gerações possam valorizar os conhecimentos tradicionais do nosso povo. (Membro da comunidade ­ Gavião).

O rito de agregação, nesse caso, finda um ciclo, no momento em que se tem, de um lado,

um indivíduo que passa por um ritual (mesmo com dependência no grupo que o delibera), para

alcançar um novo posto dentro do grupo, comunidade ou sociedade e, de outro, a sociedade,

que se estabelece e se caracteriza por rituais que conferem coesão social (mesmo com

dependência no indivíduo que o pratica), como a língua, economia e religião, a fim de que se

mantenha uma estrutura coesa, funcional.

[...] uma sociedade não apenas se reproduz porque os indivíduos se relacionam e porque pensam o mundo; o movimento e o dinamismo das sociedades deriva da eficácia de forças sociais ativas. [...], a sociedade é um sistema de forças atuantes: a eficácia das ações sociais e das crenças precisa ser incluída na análise para que se identifiquem os mecanismos de movimento e de reprodução da sociedade. (PEIRANO, 2003, p. 24).

Enquanto profissionais da área da educação, é natural encontrarmos, entre os

professores indígenas, o desejo de fazer formação continuada, ainda que por motivações de

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naturezas diferentes. De um lado, encontramos situações, como do acadêmico Oro Nao, que

diz: “Eu pretendo estudar mais o conhecimento do meu povo”. Ou do acadêmico Xijein, “Um

bom educador sempre busca um novo conhecimento para melhorar o futuro da geração que está

por vir”; o desejo de “fazer mestrado e doutorado” (Acadêmica Sabanê) e “um concurso para

professor indígena” (Acadêmica Aruá), como um processo continuado de formação.

De outro lado, fica subentendida uma angústia que cerceia o professor indígena de

romper seu processo de formação: “não podemos parar de estudar, temos que continuar

buscando mais conhecimentos” (Acadêmica Kaxarari); é preciso “compreender mais o que não

foi compreendido” (Acadêmico Oro Nao). Esse dever de atender as atribuições requeridas pela

comunidade de seu cargo revela o empenho desses acadêmicos com os projetos futuros dos

povos indígenas.

Gráfico 7 ­ Demonstrativo de pretensão profissional dos acadêmicos após a formação

do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural – ano 2016

Elab.: Autora (2016).

Desse modo, a dinâmica comunitária indígena revela o lado mais íntimo da

profissionalidade docente indígena, quando se encontra, entre os acadêmicos que desejam

exercer a docência e dar continuidade à formação, aqueles que desejam trabalhar para a

comunidade como ato intrínseco da atuação docente, dispondo­se a servir “frequentemente,

como um dos mediadores nas relações interétnicas estabelecidas com a sociedade nacional”

(GRUPIONI, 2006, p. 81).

51%

24%

12%

10%3%

Pretensão após a formação

Exercer a docência

Dar continuidade a formação

Trabalhar para a comunidade

Fazer outro curso de graduação

Não sabe

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Para a maioria dos povos indígenas a formação em licenciatura intercultural também

qualifica o professor à representação comunitária, pelo entendimento de que o conhecimento

que o professor indígena desenvolveu o habilita “mais” do que os demais integrantes da

comunidade para representar o povo em situações interétnicas. Esse quadro tem favorecido o

entendimento do Curso de LEBI como significativa ferramenta para relações interculturais, pela

aposta de uma agenda emancipatória que favorece a compreensão do contexto comunitário

imerso ao sistema político social nacional.

3.3.2 Movimento indígena

Para a maioria dos povos indígenas o exercício da docência e da representatividade

política são práticas indissociáveis, pelo entendimento de que o conhecimento que o professor

indígena desenvolveu o habilita “mais” do que os demais integrantes da comunidade para fazer

frente ao povo, um conhecimento que não se tem na comunidade e que sustenta a ordem política

nacional. Neste caso, os professores indígenas se colocam à disposição para trabalhar dentro do

campo das relações de contato interétnico, cenário de experiências hierarquizadas pela

naturalização de posições racionalizantes, para o qual, o domínio da língua escrita, da leitura e

da oralidade são importantes requisitos que os conceituam para o diálogo, desconstruindo a

ideia de outorga e/ou paternalismo construída ao longo do processo histórico.

Para tanto procuram “aperfeiçoar o conhecimento e desenvolver projetos de

fortalecimento de identidade indígena, colocar em prática aqueles direitos legalmente

assegurados nas leis” (Acadêmico Tupari). “Para defender o direito para o meu povo”

(Acadêmico Gavião). Dessa forma, encontra­se entre os acadêmicos, aqueles que trabalham ou

pretendem trabalhar no exercício da docência e aqueles que se empenham ainda na atuação

representativa dos movimentos indígenas.

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Gráfico 8 ­ Demonstrativo de alunos do Curso de Licenciatura em Educação Básica

Intercultural, participantes de movimentos indígenas – ano 2016

Elab.: Autora (2016).

Nos bastidores do Curso de LEBI, favorecidos pela afinidade das lutas comuns por

justiça, ocorre o fomento àqueles que se desafiam a trabalhar frente aos desafios de

sustentabilidade das comunidades por meio dos movimentos indígenas. Esse mecanismo, do

ponto de vista de Bhabha (2013), funciona como um entre­lugar capaz de revelar a diferença

cultual existente.

O que deve ser mapeado como um novo espaço internacional de realidades históricas descontinuas é, na verdade, o problema de significar as passagens intersticiais e os processos de diferença cultural que estão inscritos no “entre­lugar”, [...]. E, paradoxalmente, é apenas através de uma estrutura de cisão e deslocamento [...] que a arquitetura do novo sujeito histórico emerge nos próprios limites da representação, para “permitir uma representação situacional por parte do indivíduo daquela totalidade mais vasta e irrepresentável, que é o conjunto das estruturas da sociedade como um todo” [...]. (BHABHA, 2013, p. 342, grifos do autor).

Para as comunidades indígenas, o que une a “representatividade” e a “docência

indígena” no contexto de formação é o fato de que ambas demandam conhecimento ocidental,

o que faz com que esse núcleo repense o que contextualiza Melià (1996), sobre a capacidade

das instituições de ensino de isolar campos de conhecimento que, para a comunidade educativa

53%

47%

Alunos Participantes de Movimentos Indígenas

Não participa

Participa

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indígena são indissociáveis, como religião, economia, etc., por isso não alcança a perspectiva

do professor liderança42, situação que dificulta a formação de um professor político.

Agora assim, além de você habilitar um professor nós também, deveríamos ter o dever de formar, porque o professor ele é uma liderança indígena, ou ele deveria ser uma liderança indígena. Então uma outra pretensão do curso era formar esse indivíduo, ele é professor mais é também uma liderança. Essa minha fala fica na dimensão daquilo que tinha sido planejado. (Coordenador do Curso, grifo nosso).

Tal contextualização releva a contradição embutida nessa demanda da formação docente

indígena. O fato de a cultura demandar o professor formado e a representação comunitária e

estes se encontrarem entrelaçados devido ao fato da modalidade da educação indígena se

constituir em um mecanismo de acesso ao conhecimento ocidental, não torna o campo da

representação isolado, que necessite encontrar um mecanismo exclusivo de fomento, como

argumenta Ferreira (2011, p. 71): “Os índios recorrem à educação escolar, hoje em dia, como

instrumento conceituado de luta”.

3.3.3 Outros projetos

A formação em licenciatura intercultural tem procurado atender claramente a um duplo

propósito das comunidades indígenas: habilitação para o exercício da docência e/ou

representatividade comunitária. No entanto, ainda que em menor número, encontramos, entre

os acadêmicos do Curso de LEBI, aqueles que têm pretenções outras com esta formação.

Amplamente definida como direitos de todo brasileiro, a história mostra que nem

sempre a educação escolar esteve à disposição de todos, o que apontou para a necessidade de

criação de ações afirmativas; especificamente no caso dos povos indígenas, essa medida

possibilitou que diversos projetos de formação docente fossem desenvolvidos no país.

Os cursos de licenciatura, criados por meio de uma política pública específica, mediante

a necessidade de atender as especificidades culturais, possibilitam o acesso e permanência dos

acadêmicos indígenas diante da desigualdade de acesso gerada pela normatização do sistema

educacional; desse modo, “Essas medidas são de extrema importância, já que são ações que

42 Essa é uma expressão muita utilizada no núcleo de formação do Curso de LEBI, entretanto algumas comunidades a questionem no sentido de encontrar uma definição que não arremeta ao exercício da liderança tradicional do povo.

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têm o objetivo de diminuir as desigualdades sócio e historicamente constituídas” (Docente 2 do

Curso).

Pelo fato de o Curso de LEBI ser a primeira ação governamental de Ensino Superior no

estado de Rondônia e dar margem para o ingresso de indígenas com nível médio, também tem

sido considerada, por alguns acadêmicos, como uma oportunidade de viabilizar outros projetos

profissionais: “por que necessitava fazer curso superior e a princípio, era esse curso que era a

primeira porta de entrada para ingressar no curso superior” (Acadêmico Tupari); “Por que não

tinha outro curso, e também por que não consegui a média no ENEM para cursar Engenharia

ou Agronomia” (Acadêmico Tupari); “Para ter nível superior” (Acadêmica Oro Nao); “Na

verdade não era o que eu queria, mas tive a oportunidade de fazer o vestibular e passar”

(Acadêmica Puruborá); “Porque foi uma oportunidade que surgiu, não era minha opção, mas

passei a ter uma visão de ajudar a minha comunidade” (Acadêmica Oro Nao).

Assim, o Curso de LEBI, por ser uma política específica para indígenas, pode estar

sendo percebido como uma formação preparatória para outros cursos de formação, como uma

oportunidade de se familiarizar com o sistema acadêmico e preencher uma lacuna de

conhecimentos (ocidentais) da formação básica, recorrendo a esta formação como mecanismos

para “continuar fazendo cursos e vestibulares para integrar nos outros cursos existentes”

(Acadêmico Gavião).

Desse modo, falar globalmente de escolha significa ocultar questões centrais como a condição social, cultural e econômica da família e o histórico de escolarização do candidato. Para a grande maioria não existe verdadeiramente uma escolha, mas uma adaptação, um ajuste às condições que o candidato julga condizentes com sua realidade e que representam menor risco de exclusão. (ZAGO, 2006, p. 232).

A formação intercultural representa, para alguns desses acadêmicos, uma oportunidade

para ampliar suas chances em outros vestibulares; para Zago (2006), isso ressalta o fato de que

não se trata apenas de uma escolha profissional, mas uma adaptação, um ajuste às condições

que o candidato julga condizentes com sua realidade e que representam menor risco de

exclusão.

Esse contexto, necessariamente não corrobora com o fato de que estes acadêmicos

estejam descomprometidos com projetos futuros de sua comunidade, ou que nunca venham a

exercer a docência indígena, mas evidencia um planejamento (possível) em torno de seu

processo de formação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não posso aceitar como tática do bom combate a política do quanto pior melhor, mas não posso aceitar também impassível, a política assistencialista que anestesiando a consciência oprimida, prorroga “sine die”, a necessária mudança da sociedade. (FREIRE, 1997, p. 89, grifo do autor).

A proposta central desse trabalho foi a de discutir o Ritual de Passagem Curso de

Licenciatura em Educação Básica (LEBI) desenvolvido pela Fundação Universidade Federal

de Rondônia (UNIR), no município de Ji­Paraná, para conhecer as especificidades demandadas

pelos acadêmicos indígenas a esta formação, bem como a universidade tem acolhido tais

demandas na proposta de desenvolvimento do Curso, tendo em mente que a presente

sistematização corresponde ao contexto desse grupo em particular.

Para iniciarmos nossos estudos buscamos conhecer o contexto sociopolítico e cultural

dos acadêmicos indígenas; para tanto fizemos um estudo bibliográfico da história de ocupação

do estado de Rondônia, o que nos permitiu aferir como tal processo afetou o modo vida indígena

de diversas formas, como a baixa significativa da população, a desterritorialização, a servidão,

o desuso da língua materna, a subjugação racial, entre outros, contudo a crença, que permaneceu

viva, em sua cosmologia os levou a buscar mecanismos de resistência de seu modo vida, a

exemplo da criação de organizações indígenas e da luta pela implementação de uma política

pública específica de acesso ao Ensino Superior.

As teorias privilegiadas neste trabalho foram aquelas que nos permitiram entender que

a diferença subalternizada se produz em espaços de poder hegemônicos, sendo a academia um

desses espaços; nesse sentido, a crítica pós­colonial sugere que, para a equidade da educação,

se faz necessário problematizar as narrativas históricas que acompanham os indivíduos, como

conhecimento que demanda diálogo com o saber hegemônico, para a representação de

diferentes contextos culturais.

Tal forro teórico nos permitiu explorar o processo histórico de constituição da

Universidade Federal de Rondônia (UNIR), tornando aparentes os ranços políticos de sua base

filosófica, o que dificultou o deslocamento institucional para criação do Curso de LEBI dirigido

aos povos indígenas de Rondônia, Noroeste de Mato Grosso e Sul do Amazonas. Como

instrumento dessa negociação (academia/comunidade) tem­se o Projeto Pedagógico do Curso

(PPC), elaborado sobre a base filosófica da interculturalidade.

No caso específico de Rondônia, os objetivos de ensino da formação universitária

estiveram a serviço da política educacional nacional mediada por uma política “eleitoreira”

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regional que representava apenas uma parcela da população comprometida com

desenvolvimento de um aparelhamento que favorecesse a exploração econômica local,

permanecendo subordinada à política mantenedora de sua estrutura. Assim, a universidade

operou de modo a sustentar o pensamento hegemônico pela propagação da cultura por um

código único, universal, ignorando a comunicação para outros direcionamentos e, com isso,

manteve fora de seu núcleo os povos que não estavam a serviço desta causa, condicionando­se

a um posicionamento elitista, racializante e laboral.

A pesquisa revela que a força motriz para garantia da legislação referente à política

pública específica de formação superior para os povos indígenas, na instituição, veio da

mobilização das Organizações indígenas, ou seja, mesmo com o avanço legal que garante as

especificidades que a educação institucionalizada indígena requer, a academia resistiu à sua

execução. O que evidencia, no ritual pós­liminar, a necessidade que as comunidades indígenas

têm de criar e participar de organizações como mecanismo de representatividade comunitária.

Ainda que o PPC teorize possibilidades, por estar fundamentado em uma perspectiva

intercultural, que revela seu compromisso diante das vozes que expressam anseios com a

formação, buscamos interrogá­lo para além da organização política de um documento legal,

para compreender, na atualidade, quantos membros (docentes, discentes, equipe gestora,

comunidade) do Curso de LEBI compartilham da política expressada nesse documento, quando

da sua elaboração, há uma década atrás, considerando que neste ínterim as “deficiências do

projeto” foram “corrigidas” institucionalmente, sem que isso demandasse a reelaboração

intercultural do PPC.

Como exemplo dessa contextualização tem­se o momento denominado “estudos na

aldeia”, realizados sem acompanhamento pedagógico, sob alegação de falta de recursos

financeiros, essa alteração institucional modifica todo um projeto formativo para atender uma

especificidade da academia e, com isso, se deixa de explorar veículos para sua implementação,

em outras palavras, se acomoda o Curso de LEBI na funcionalidade academicista.

Considerando as disposições metodológicas do próprio ritual de passagem, esta pesquisa

não se guiou unicamente por nossos valores e racionalidade, mas, fundamentalmente

procuramos nos ater ao que é significativo para este coletivo no processo de formação, o que

nos permitiu concluir que as especificidades do ritual de passagem são frutos das forças atuantes

das sociedades indígenas, que tencionaram para a formação de um profissional capaz de

discernir, entre os conhecimentos ocidentais, os necessários para o bem viver das comunidades,

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para serem incorporados pelas pedagogias indígenas. E, enquanto mediador desses

conhecimentos, promover os saberes culturais pela representação comunitária.

Corporificados por tais anseios, os acadêmicos indígenas revelam, no ritual de passagem

do Curso de LEBI, as seguintes especificidades: preliminares ­ a comunidade indígena, a

formação e habilitação docente, e o empoderamento teórico­político; liminares ­ o espaço

público, a autonomia, a pesquisa e a cultura; pós­liminares ­ o exercício da docência, o

movimento indígena ou outros projetos. Juntos, esses elementos expressam as possibilidades

que esta formação docente representa para as comunidades indígenas.

Este panorama dá sinais de que a formação deste indivíduo exige a promoção de um

conhecimento que não pode se dar “centrado” em apenas um dos campos: cultural ou científico,

mas na íntima relação entre esses corpos de conhecimento enquanto política epistêmica do

conhecimento.

O ritual de passagem do Curso de LEBI revela que o principal ponto de tensão na

formação docente indígena se refere à necessidade que as sociedades indígenas têm de

empoderamento teórico político e/para autorrepresentação comunitária. O que tem contribuído,

em núcleo comunitário, ao fomento deste indivíduo como uma liderança (que não deve

concorrer com as lideranças tradicionais, mas constituir­se em suporte para estas).

Desse modo, entendemos que as especificidades da formação docente indígena, como a

autonomia, a pesquisa e o empoderamento teórico­político, marcam sua profissionalidade, que

não pode dar­se descontextualizada dos problemas apresentados pelo núcleo comunitário. A

promoção da educação, bem como as políticas públicas específicas destinadas à educação

escolar indígena, amplamente defendidas pelas organizações indígenas, se tornaram uma

importante ferramenta para as relações interétnicas. Do ponto de vista da comunidade, a

educação indígena e, sobretudo, a formação do professor, se apresenta como possibilidade de

representação no texto nacional.

O referencial buscado na crítica pós­colonial nos permitiu pensar o espaço universitário

não somente como espaço homogeneizador a serviço do desenvolvimento do ponto de vista

político, mas principalmente como campo reverso, para se pensar a epistemologia do

conhecimento sob a marca da diversidade da qual se erigiu o Brasil. Para Mignolo (2007), isso

significa pensar, a partir da exterioridade, a hegemonia epistêmica que cria, constrói e divulga

conhecimento que não representa toda a sociedade, para elaboração de novas perspectivas.

Sendo assim, a formação que se pretende na academia significa mais do que a

decodificação de um sistema simbólico de comunicação laboral; mas, a partir dessa

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apropriação, pelo indivíduo, reconhecidamente (pela academia) temporalizado, possibilitar a

produção de conhecimentos para outros modos de vida. No que diz respeito ao Curso de LEBI,

as especificidades demandadas sobre a formação docente indígena são entendidas como os

principais elementos geradores de condições para a reorganização epistêmica fora da

subalternização.

A presença indígena na universidade reclama o reconhecimento de outros modos de

vida, uma vez que acadêmico indígena sem contexto se transforma em dado estatístico, o que

exige da academia um envolvimento para a compreensão de cenários próprios, para reconhecer

esse corpo de conhecimento, que tem formas próprias de produzir e consumir o conhecimento,

e que, por conseguinte, demandam especificidades no fazer acadêmico.

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