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O sacrifício pessoal na realização da virtude guerreira O princípio da formação humana surge de uma busca por sentido dentro de grupo social que muito recentemente constituiu-se como nação. Podemos pensar o homem primitivo e nômade, cujas ações são norteadas por princípios egoístas de sobrevivência aos poucos cedendo para certa inclinação natural para a vida entre seus iguais. E por muito tempo, mesmo esta aproximação ainda será realizada como uma forma de contrato de mútua preservação diante de situações cuja solução depende, em certa medida, de uma coletividade unidade por uma finalidade comum. Milhares de anos decorrerão até que o processo histórico culmine na criação de um conceito rudimentar de nação no espírito já evoluído de comunidades humanas ligadas por princípios culturais. É nesse ponto em que, aos poucos, adentramos no universo do pensamento grego. A história das guerras Médicas, e mais especificamente, a batalhas das Termópilas, retratada pelo filme 300, está estreitamente vinculada com um conceito de nação bastante evoluído. Diferente da Guerra do Peloponeso, que fora uma guerra entre gregos motivada por conflitos de âmbito econômico e pelo constante aumento do campo de ação político de Atenas; A motivação grega no decorrer das Guerras Médicas não foi outro senão a união entre as diversas póleis lideradas por Atenas e Esparta em busca da defesa de uma cultura e de um ideal humano que eles consideravam superior. O conflito entre gregos e persas não deve ser compreendido apenas como decorrente entre duas potências beligerantes do mundo antigo. É preciso perceber o horror do povo grego em ver suas instituições políticas racionais, que privilegiavam o homem mediante suas capacidades pessoais de batalha e de discurso, reduzidas ao barbarismo despótico do reino persa. Nossa análise do filme buscará mostrar como os princípios da educação espartana, o ideal estético e o conceito de nação são ressaltados no filme, segundo a noção essencialmente grega de sacrifício pessoal. A importância do sacrifício pessoal na cultura espartana é colocada em foco logo no início do filme, quando Leônidas com apenas sete anos de idade é obrigado a abandonar sua família e o

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O sacrifcio pessoal na realizao da virtude guerreira

O princpio da formao humana surge de uma busca por sentido dentro de grupo social que muito recentemente constituiu-se como nao. Podemos pensar o homem primitivo e nmade, cujas aes so norteadas por princpios egostas de sobrevivncia aos poucos cedendo para certa inclinao natural para a vida entre seus iguais. E por muito tempo, mesmo esta aproximao ainda ser realizada como uma forma de contrato de mtua preservao diante de situaes cuja soluo depende, em certa medida, de uma coletividade unidade por uma finalidade comum. Milhares de anos decorrero at que o processo histrico culmine na criao de um conceito rudimentar de nao no esprito j evoludo de comunidades humanas ligadas por princpios culturais. nesse ponto em que, aos poucos, adentramos no universo do pensamento grego.A histria das guerras Mdicas, e mais especificamente, a batalhas das Termpilas, retratada pelo filme 300, est estreitamente vinculada com um conceito de nao bastante evoludo. Diferente da Guerra do Peloponeso, que fora uma guerra entre gregos motivada por conflitos de mbito econmico e pelo constante aumento do campo de ao poltico de Atenas; A motivao grega no decorrer das Guerras Mdicas no foi outro seno a unio entre as diversas pleis lideradas por Atenas e Esparta em busca da defesa de uma cultura e de um ideal humano que eles consideravam superior. O conflito entre gregos e persas no deve ser compreendido apenas como decorrente entre duas potncias beligerantes do mundo antigo. preciso perceber o horror do povo grego em ver suas instituies polticas racionais, que privilegiavam o homem mediante suas capacidades pessoais de batalha e de discurso, reduzidas ao barbarismo desptico do reino persa.Nossa anlise do filme buscar mostrar como os princpios da educao espartana, o ideal esttico e o conceito de nao so ressaltados no filme, segundo a noo essencialmente grega de sacrifcio pessoal. A importncia do sacrifcio pessoal na cultura espartana colocada em foco logo no incio do filme, quando Lenidas com apenas sete anos de idade obrigado a abandonar sua famlia e o conforto do seu lar para a realizao da sua formao (agog). H, portanto, no formato da educao espartana, talvez mais do que em qualquer outra cultura grega, uma participao importante da privao pessoal como princpio espiritual da busca por um ideal universal de virtude humana.Neste recorte do filme, possvel perceber outra importante caracterstica essencial da educao espartana: o carter institucional do kaln (o belo e o bom). Caracterizar tal conceito como Bondade e beleza apenas um recurso de traduo, evidentemente inapropriado, com o qual a nossa lngua nos permite aproximar a palavra grega ao nosso entendimento. Mas deve-se esclarecer que bom aqui no se aproxima de nenhuma forma do sentido com que a moral crist impregnou esta palavra, o belo e o bom designam o esforo do guerreiro em busca da realizao total de sua arete. Representam, sobretudo, a condio processual desta idia de virtude. Ou seja, o produto da ao no o bastante, deve-se considerar a nobreza dos meios com que o heri garantiu a realizao dos seus feitos. Uma vez que os textos homricos influenciaram a formao de uma moral guerreira espartana, no se podem esquecer todos os problemas pelos quais passou Odisseu quando retornava para o seu lar, na Ilha de taca, simplesmente porque os deuses no consideraram nobre a artimanha que ele usou para vencer os troianos.O carter institucional da esttica e da moralidade est presente na observncia por parte de instituies do Estado espartano que buscam garantir a manuteno de uma pretensa regularidade de corpos e condutas. Dois momentos do filme permitem entrever este aspecto: A obrigao da educao militar infantil como forma de fazer curvar as vontades individuais ao princpio maior de realizao total do ideal cultural de uma nao e a imagem do corpo deformado do corcunda como um desvio da normalidade institucional. O alcance do Estado na constituio dos indivduos cumpre com uma finalidade muito maior de realizao mxima a idia de nao, onde a os feitos pessoais de um guerreiro apenas se inscrevem como elemento de algo muito maior que a construo da cultura grega como um todo.Toda esta idia de cultura, nao, raa e, principalmente, a noo de um aparelho institucional voltado para a constituio do corpo segundo um modelo determinado de ideal humano, nos permite perceber uma finalidade do homem dentro da sociedade. O ponto em que isso se tornar mais evidente est no final do filme em que o exrcito espartano marcha para uma morte praticamente certa. No apenas um dobrar-se e ocultar os prprios medos diante de um objetivo estabelecido externamente, a idia de sacrifcio pessoal estava completamente penetrada na constituio espiritual e intelectual do soldado. Se eles aceitam a morte final porque vem nisso uma realizao maior de imortalidade na histria de sua cultura.