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CENTRO PAULA SOUZA FACULDADE DE TECNOLOGIA DE TATUÍ CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM PRODUÇÃO FONOGRÁFICA LUCAS DE OLIVEIRA LOPES O SAMBA: DOS MORROS CARIOCAS AOS CORAÇÕES BRASILEIROS Tatuí, SP 1°Semestre/2013

o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

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Trabalho de Conclusão de Faculdade.Ao concluir o presente trabalho, verificou-se que o samba compreendido como arte, passou demarginal a paixão nacional, e foi além, pois hoje se sabe da importância que este estilomusical trouxe ao Brasil como característica originalmente brasileira, além de atrativosturísticos devido a festa do carnaval. A negação do seu reconhecimento como arte, nunca seusou de argumentos sólidos ou imparciais, ou seja, sempre se baseou em critériospreconceituosos, ignorantes e cheios de pensamentos de segregação, em determinada épocapor motivos políticos, e em certos momentos socioeconômicos. Mas sua ascensão foi umamera questão de tempo e reconhecimento, pois sua expressão como música sempre foi forte econtagiante. Ele transcendeu barreiras impostas por uma sociedade que via a música popularcomo uma “arte menor”, e que buscava uma modernidade utópica rejeitando as própriasorigens, ou seja, negando a si mesma pelo simples fato de não se conhecer, e buscando seintegrar à culturas estrangeiras. Aos poucos, esta mentalidade muda e consegue assumir suaprópria brasilidade, reconhecendo que a origem tem sua importância pelo cunho cultural eindepende de sua classificação étnica ou socioeconômica.Observing this research, we see that the samba understood as art, went from marginal tonational passion, and went further, because today we know the importance of this musicalstyle brought to Brazil as a feature originally Brazilian, and tourist attractions due to thecarnival party . The refusal to recognize them as art, never used solid arguments or unbiased,ie where criteria were prejudiced, ignorant and full of thoughts of segregation, at one time onpolitical and at certain times socioeconomic. But his rise was a matter of time and recognition,because its expression as music has always been strong and contagious. It transcendedbarriers imposed by a society that saw popular music as a "minor art" and that sought autopian modernity rejecting its origins, denying to the simple fact of not knowing itself, andseeking to integrate into cultures alien to them own. Gradually, this mindset changes and cantake their own Brazilianness, recognizing that the source has its importance by a cultural traitand is independent of their socioeconomic or ethnic classification.

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CENTRO PAULA SOUZA

FACULDADE DE TECNOLOGIA DE TATUÍ

CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM PRODUÇÃO FONOGRÁFIC A

LUCAS DE OLIVEIRA LOPES

O SAMBA:

DOS MORROS CARIOCAS AOS CORAÇÕES BRASILEIROS

Tatuí, SP

1°Semestre/2013

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LUCAS DE OLIVEIRA LOPES

O SAMBA:

DOS MORROS CARIOCAS AOS CORAÇÕES BRASILEIROS

Trabalho de Graduação apresentado à Faculdade de Tecnologia de Tatuí, como exigência parcial para obtenção do grau de Tecnólogo em Produção Fonográfica, sob a orientação do Prof. Luis Antônio Galhego Fernades.

Tatuí, SP

1°Semestre/2013

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LUCAS DE OLIVEIRA LOPES

O SAMBA:

DOS MORROS CARIOCAS AOS CORAÇÕES BRASILEIROS

Trabalho de Graduação apresentado à banca examinadora da Faculdade de Tecnologia de Tatuí, para obtenção do grau de Tecnólogo em Produção Fonográfica.

( ) APROVADO ( ) REPROVADO

Com média:

Tatuí, 25 de junho de 2013

_____________________________________

Prof. Luis Antônio Galhego Fernades

FATEC – Tatuí

_____________________________________

Prof. Anderson Luiz de Souza

FATEC – Tatuí

_____________________________________

Prof. Moacir Dondelli

FATEC - Tatuí

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Dedico este trabalho a amigos e colegas de

trabalho, pois eles partilham da mesma

caminhada em rumo ao conhecimento, que

esta pesquisa possa lhes ser útil.

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AGRADECIMENTOS

Aqui venho agradecer a algumas pessoas que acreditaram em mim, e de maneira direta

ou indireta me apoiaram para o desenvolvimento da minha profissão.

Agradeço a meu pai Luis Rodrigues, pelo suporte e apoio para as situações adversas e

a força que ele sempre deu pra me ajudar a seguir meu sonho, sem o incentivo dele eu jamais

teria a possibilidade de me entregar à arte.

À minha mãe Sueli, que de tão doce, pacienciosa e humana, não consegue ser só

minha mãe, ela acolhe a todos com um coração que não cabe no seu peito, sabendo as

palavras certas para se dizer em horas difíceis.

À minha irmã Larissa, que além de morar no meu coração, é minha fisioterapeuta

particular e trouxe ao mundo um tesouro há pouco tempo, meu querido sobrinho Bernardo.

À Celina, que tanto me apoiou e acompanhou toda esta etapa de minha vida, sendo

companheira, confidente, amiga e muitos outros adjetivos, em todos os momentos se fazendo

muito presente pra mim, mesmo estando longe.

Ao Professor Moacir, por não pensar duas vezes em ser meu orientador, porém

infelizmente não pudemos nos encontrar por outros motivos.

Ao Professor Luis Antônio Galhego Fernades, por ter se posicionado como orientador

substituindo o Prof. Moacir, e dando assim todo o apoio e abertura necessária para o

desenvolvimento desta pesquisa.

Ao professor Anderson, pelas boas ideias sempre ligadas ao teor artístico, além de

ajudar a desenvolver o tema da pesquisa e diretriz deste trabalho.

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RESUMO

Ao concluir o presente trabalho, verificou-se que o samba compreendido como arte, passou de

marginal a paixão nacional, e foi além, pois hoje se sabe da importância que este estilo

musical trouxe ao Brasil como característica originalmente brasileira, além de atrativos

turísticos devido a festa do carnaval. A negação do seu reconhecimento como arte, nunca se

usou de argumentos sólidos ou imparciais, ou seja, sempre se baseou em critérios

preconceituosos, ignorantes e cheios de pensamentos de segregação, em determinada época

por motivos políticos, e em certos momentos socioeconômicos. Mas sua ascensão foi uma

mera questão de tempo e reconhecimento, pois sua expressão como música sempre foi forte e

contagiante. Ele transcendeu barreiras impostas por uma sociedade que via a música popular

como uma “arte menor”, e que buscava uma modernidade utópica rejeitando as próprias

origens, ou seja, negando a si mesma pelo simples fato de não se conhecer, e buscando se

integrar à culturas estrangeiras. Aos poucos, esta mentalidade muda e consegue assumir sua

própria brasilidade, reconhecendo que a origem tem sua importância pelo cunho cultural e

independe de sua classificação étnica ou socioeconômica.

PALAVRAS-CHAVE: Samba, Aceitação, Transição, Paulinho da Viola, Sambista

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ABSTRACT

Observing this research, we see that the samba understood as art, went from marginal to

national passion, and went further, because today we know the importance of this musical

style brought to Brazil as a feature originally Brazilian, and tourist attractions due to the

carnival party . The refusal to recognize them as art, never used solid arguments or unbiased,

ie where criteria were prejudiced, ignorant and full of thoughts of segregation, at one time on

political and at certain times socioeconomic. But his rise was a matter of time and recognition,

because its expression as music has always been strong and contagious. It transcended

barriers imposed by a society that saw popular music as a "minor art" and that sought a

utopian modernity rejecting its origins, denying to the simple fact of not knowing itself, and

seeking to integrate into cultures alien to them own. Gradually, this mindset changes and can

take their own Brazilianness, recognizing that the source has its importance by a cultural trait

and is independent of their socioeconomic or ethnic classification.

KEYWORDS : Samba, Acceptance, Transition, Paulinho da Viola, Sambista

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...........................................................................................................8

2. UM POUCO DE POESIA ............................................................................................10

3. IDENTIDADE CULTURAL......................................................................................12

3.1.Brasil Pós Abolição...............................................................................................13

3.2 Origens dos Marginais da Cultura.....................................................................14

3.3 Da Praça Onze Para os Morros...........................................................................19

3.4 A Busca Pela Brasilidade......................................................................................20

3.5 O Samba não é só do Morro.................................................................................23

4. AS DUAS CARAS DO SAMBA ................................................................................28

5. O VISIONÁRIO DO SAMBA...................................................................................30

6. PAULINHO DA VIOLA............................................................................................34

6.1 De Garoto do Subúrbio à Poeta do Samba ........................................................35

6.2 Entrando no Estúdio.............................................................................................36

6.3 O Estilo da Viola....................................................................................................41

7. CONCLUSÃO............................................................................................................48

REFERÊNCIAS......................................................................................................................39

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1. INTRODUÇÃO

O samba como se conhece hoje rompeu as barreiras do preconceito que reagiram ao

seu surgimento. Inicialmente no caráter racial, pois o fato desta música conter a carga de uma

cultura negra foi o principal motivo para não ser aceita, principalmente porque a sociedade da

elite da capital brasileira da época tinha um pensamento totalmente divergente de qualquer

coisa que fosse nacionalista. Porém, passaram-se os anos e as comunidades não se

extinguiram, pelo contrário, expandiram, pois a necessidade de se manifestar sempre

prevaleceu. Isso se deu através do samba.

Em outro momento da história, cantores da época do rádio como Mário Reis, se

interessaram por aquela música e ao gravarem as primeiras canções, romperam uma

importante barreira, pois tornaram assim possível levar o clima musical das rodas de samba

para uma sala de estar equipada com uma vitrola. Essa acessibilidade deu certa visibilidade

aos primeiros compositores de samba, porém a sociedade ainda os via com maus olhos devido

às vestimentas simples e má fama. Neste ponto um personagem importante e com atitude

visionária passou a organizar de forma funcional os blocos formados pelos foliões da época,

era Paulo Benjamin de Oliveira, ele sistematizou e teve ideias que permaneceram na essência

do samba até os dias de hoje. Ideias estas como as de usar uma roupa de aspecto melhor como

ternos, sapato e gravata para os dirigentes e uniformes iguais para os outros integrantes

comuns. Posteriormente, isso foi seguido por todos os blocos e futuras Escolas de Samba,

tendo um efeito positivo aos olhos de uma sociedade que realmente se incomodava com a

aparência.

Assim as massas populares começam a integrar-se com algumas pessoas da elite nas

épocas de carnaval, e foi então que a prefeitura do Rio de Janeiro começa a apoiar os desfiles

das Escolas de Samba, pois enxerga o poder de atração turística que aquele evento tinha

potencial de alcançar. Depois disto a barreira racial foi quebrada e os sambistas deixaram de

ser perseguidos.

Já na década de 60, o samba ainda derruba outra barreira, que é a de ser considerado

popularesco tendo assim uma imagem de arte menor, e sendo deixado de lado. Neste período,

surge um novo compositor com raízes fortes em seus mestres e uma habilidade para

composição invejável, Paulinho da Viola, que hoje é um dos grandes ícones deste estilo.

Porém ele só conseguiu esta exposição devido a iniciativa de deixar seu emprego comum e ir

se apresentar no restaurante Zicartola com seus ilustres frequentadores, onde começou a tocar

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recebendo algum dinheiro. A partir daí, aparece à oportunidade de fazer parte de um show

musical, “Rosa de Ouro” idealizado e dirigido por Hermínio Belo de Carvalho, o qual foi um

sucesso, projetando assim Paulinho e seu samba de poeta.

Paulinho tem um estilo de composição rebuscado com melodias características de

choro, pois foi o que ouviu muito durante sua infância, sua obra agregou muito ao que se

refere a estilo, e encantou milhões de corações brasileiros, transcendendo definitivamente esta

última barreira, ganhando o respeito de músicos já consagrados ou mesmo de apreciadores

anônimos, com um detalhe importantíssimo, sua obra principal é o samba como arte, que

embora carregado de significado e tradição, não tem distinção nem classificação étnica ou

social.

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2. UM POUCO DE POESIA

O Termo Poesia tem origem grega, POIESIS que tem referência a ação de fazer ou

criar em âmbito de produção artística, e o termo POÍÉMA tem relação ao que se é feito, ou

seja, a obra em si. É como dizer que o poema, é poesia organizada em palavras. (PINA, 2012)

A pergunta o que é poesia, é uma questão sem resposta única e definitiva, nem

mesmo satisfatória, pois vários intelectuais e filósofos desenvolveram inúmeras teorias sobre

a sistematização do estudo da Poesia, bem como a sua definição propriamente dita.

“A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a

infância. Neste ponto distinguem-se os humanos de todos os

outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida para a

imitação. Pela imitação adquirimos nossos primeiros

conhecimentos, e nela todos experimentamos prazer. Sendo o

poeta um imitador, como o é o pintor ou qualquer outro criador

de figuras, perante as coisas será induzido a assumir uma das

três maneiras de as imitar: como elas eram ou são, como os

outros dizem que são ou como devem ser, ou como deveriam

ser", exprimindo-as "por meio da elocução, que comporta a

glosa, a metáfora e muitas outras modificações dos termos,

visto como as admitimos nos poetas". (ARISTÓTELES,sem

data p.4)

Segundo o Dicionário Aurélio,

Poesia é: 1. Arte de escrever em verso.

2. Composição poética de pequena extensão.

3. Entusiasmo criador; inspiração.

4. Aquilo que desperta o sentimento do belo.

5. O que há de elevado ou comovente nas pessoas e nas coisas.

6. Encanto, graça, atrativo.

Enquanto expressão artística Poesia é uma forma de linguagem mais direcionada à

imaginação e à sensibilidade do que propriamente ao raciocínio lógico. Em vez de comunicar

principalmente apenas informações objetivas e precisas, a poesia transmite as emoções,

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transfigurando-as através das palavras. As metáforas, a linguagem conotativa (a abstração, a

associação de ideias) são recursos constantes na arte poética. (BOSI, 2012)

Quanto às suas origens, no aspecto que hoje é conhecida, a Poesia surgiu intimamente

ligada à música. A poesia dos aedos gregos ( Poeta grego da época primitiva, que cantava ou

recitava com acompanhamento da lira: Homero era um aedo.) e trovadores medievais

promovia a união entre a letra do poema e o som. Ao longo dos anos, este vínculo foi se

intensificando, mas houve uma distinção técnica entre a música e a poesia, esta última que

preservou a rítmica natural, e passou a ser construída por meios gramaticais, posteriormente, a

poesia ganhou fundamentos e regras próprias. (BORGES, 2008)

Segundo o mesmo autor, existe divergência entre o que significa poema e poesia. Para

efeito geral, considera-se que são sinônimos; mas para a definição acadêmica, poesia é o

gênero de composição poética e poema é a obra deste gênero. O poema é um objeto empírico

e a poesia é uma substância imaterial, ou seja, o primeiro tem uma existência concreta e a

segunda não. O poema, depois de criado, existe em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor,

mas a poesia só existe em outro ser. Em ambos os casos, pelas simbologias e linguagens

próprias podem desdobrar-se em infindáveis interpretações, tanto para o leitor comum como

para os estudiosos do tema.

Ainda segundo Borges (2008) referenciando quanto ao gênero literário “poesia” em

sua expressão é possível encontrar o uso da rima, bem como a construção em formas

determinadas como o soneto, a trova, o cordel entre outros. Ou a própria desconstrução do

texto dando ênfase ao grafismo (como o poema–visual, a poesia concreta) visando à

elaboração de novas linguagens, tendo como referência uma das principais características da

poesia: dizer menos é dizer mais.

Definição de Poesia de acordo com alguns poetas:

Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa): “É isto a poesia: cantar sem música.”

Garcia Lorca: “Todas as coisas têm seu mistério, e a poesia é o mistério que todas as coisas têm.”

Jean Cocteau: “Sei que a poesia é indispensável, mas não sei a quê.”.

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João Cabral de Melo Neto: “A poesia é a linguagem para a sensibilidade.”.

José Luis Hidalgo: “A poesia não é nem pode ser lógica. A raiz da poesia assenta precisamente no absurdo.”

Pablo Neruda: “A poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem.”.

Robert Frost: “é tudo aquilo que ficou para trás na tradução ou tudo que não pode ser traduzido ao pé da letra”.

Victor Hugo: “A poesia é tudo o que há de íntimo em tudo.”.

Simônides: “A pintura é poesia silenciosa, a poesia é pintura que fala.”.

T. S. Eliot: “Aprendemos o que é poesia lendo poesia”.

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3. IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA

3.1.Brasil Pós Abolição

Em maio de 1888, a Lei Áurea foi assinada e dezesseis meses mais tarde, como

consequência direta das contradições que vivia o Brasil, vem a proclamação da República. A

mão de obra imigrante era abundante, então os ex-cativos acabaram por se constituir em um

exército industrial de reserva, descartável e sem força política na recente república

(MARINGONE, 1927).

Os fazendeiros ganharam uma compensação: a importação de força de trabalho

europeia, de baixo custo, bancada pelo poder público. Parte da arrecadação fiscal de todo o

País foi desviada para o financiamento da imigração, destinada especialmente ao Sul e

Sudeste. O subsídio estatal direcionado ao setor mais dinâmico da economia acentuou

desequilíbrios regionais que se tornaram crônicos pelas décadas seguintes. Esta foi a reforma

complementar ao fim do cativeiro que se viabilizou. Quanto aos negros, estes ficaram jogados

à própria sorte (MARINGONE, 1927).

A força de atração destas propostas imigrantistas foi tão grande

que, em fins do século, a antiga preocupação com o destino dos

ex-escravos e pobres livres foi praticamente sobrepujada pelo

grande debate em torno do imigrante ideal ou do tipo racial

mais adequado para purificar a ‘raça brasílica’ e engendrar por

fim a identidade nacional (AZEVEDO, 1989)

A libertação trouxe ao centro da cena, além do projeto de modernização conservadora

para a economia, o delineamento social que a elite desejava para o País. Voltemos a Joaquim

Nabuco, em O abolicionismo:

O principal efeito da escravidão sobre a nossa população foi

africanizá-la, saturá- -la de sangue preto. (...) Chamada para a

escravidão, a raça negra, só pelo fato de viver e propagar-se,

foi se tornando um elemento cada vez mais considerável na

população (NABUCO, 2003)

O mais importante defensor da imigração como fator constitutivo de uma “raça

brasileira” da época, foi Silvio Romero (1897). Republicano e antiescravocrata, ele

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notabilizou-se como crítico e historiador literário preocupando-se em relacionar fatores físicos

e populacionais do País ao desenvolvimento da cultura. Segundo ele, no Brasil, desde o

período colonial, se formou uma mestiçagem original. Este seria um fator decisivo para a

superação de nosso atraso, através da futura constituição de uma “raça” brasileira, com

supremacia branca. Daí a necessidade da imigração europeia.

Das três raças que constituíram a atual população brasileira a

que um rastro mais profundo deixou foi por certo a branca

segue-se a negra e depois a indígena. À medida, porém, que a

ação direta das duas últimas tende a diminuir, com o

internamento do selvagem e a extinção do tráfico de negros, a

influência europeia tende a crescer com a imigração e pela

natural tendência de prevalecer o mais forte e o mais hábil. O

mestiço é a condição dessa vitória do branco, fortificando-lhe o

sangue para habilitá-lo aos rigores do clima (ROMERO, 1897).

Essas opiniões evidenciam o pensamento dos abolicionistas sobre a composição étnica

pretendida para o País. Membros das camadas médias e altas urbanas, cultos, cosmopolitas,

alguns ligados diretamente à oligarquia rural – caso de Nabuco – e em sua maioria defensores

do “progresso” (os positivistas) ou do “desenvolvimento” (os liberais), a eles interessava

sobretudo a modernização do país, a equiparação de hábitos de consumo aos correspondentes

das camadas mais altas dos países ricos e a integração do Brasil, tanto econômica, como

política e ideologicamente, aos parâmetros do liberalismo.

3.2. Origens dos Marginais da Cultura

Entre o final do séc.XIX e começo do séc.XX, uma série de circunstâncias históricas,

geográficas, étnicas, religiosas e sociais, levaram o Samba a ser forma de cultura e resistência.

Devido à marginalização sistemática da comunidade negra, (que já carregava os estigmas do

final da escravidão) esta a qual se enquadrou numa origem social específica, que seria: pobre,

perseguida, periférica e discriminada, não se encaixando assim no perfil de livre aceitação da

sociedade da atual capital do Brasil, o Rio de Janeiro. Mesmo esta comunidade sendo

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reprimida, foi capaz de constituir espaços de cultivo de tradições afro, onde o samba era

concebido e divulgado (SÁ, 2010).

Ainda segundo Sá (2010) a confluência de fatores de marginalização na origem do

samba faz dele uma música popular por excelência, feita por representantes das camadas mais

subalternas da população: pobres, negros, imigrantes, confinados nos morros, discriminados,

perseguidos e marginalizados. Mesmo tendo esta origem social, o samba vem como uma

expressão cultural inédita e peculiar a esses indivíduos, e não como adesão a um imperativo

cultural dominante na época.

Um local onde as reuniões ficaram conhecidas na época era a Praça Onze, que ganhou

até o apelido de “Pequena África”, devido ao fato de lá se encontrarem os negros baianos e ex

- escravos radicados nos morros cariocas próximos ao centro das cidades, a casa de Hilária

Batista de Almeida, a “Tia Ciata”, era a capital da “Pequena África”, onde Pixinguinha,

Heitor dos Prazeres, Donga, João da Baiana, Sinhô, Mario de Almeida entre vários outros

músicos amadores e compositores desconhecidos eram assíduos frequentadores (SILVA,

2002).

No Rio, o samba vicejou nas casas das “tias” baianas da praça Onze,

no centro da cidade (com extensão à chamada ‘Pequena África’, da

Pedra do Sal à Cidade Nova), descendente do lundu, nas festas dos

terreiros entre umbigadas (semba) e pernadas de capoeira, marcado

no pandeiro, prato-e-faca e na palma da mão. (SOUZA, 2003 p13)

Nestes encontros nasceram às rodas de partido alto (estilo de samba onde é feito um

refrão cantado por todos e vários versos improvisados na hora) onde os compositores se

divertiam muito tempo compondo ao vivo, e em suas letras eram recorrentes temas

envolvendo etnias ou situações vividas por eles no cotidiano.

Seguem três músicas gravadas nas primeiras décadas do século XX:

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PRIMEIRA LINHA

(Heitor dos Prazeres) 1930

Refrão

Tiê, Tiê, lá lá lá oxá!

Tiê, Tiê, o Nega vamos vadiar

Versos

O Mário Reis, ele é branco na verdade

De grande Capacidade, e é um bom cantador,

E o caninha, o Donga e o Pixinguinha

São todos camaradinhas e igualmente o Sinhô.

Nessa função, é melhor chamar o Freitas

Porque nisso ele se ajeita, pro pagode ficar bom

Tem o Ari, o Fogo e o Tomazinho,

Que já conhecem o caminho e numeração do portão

Eu convidei também o Chico Viola,

Que é um rapaz da escola, danado pra vadiar,

Eu fiquei triste quando vi o João da gente,

Que é muito impertinente, fez o pagode acabar

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PELO TELEFONE

(Donga) 1917

O Chefe da Folia, pelo telefone manda me avisar

Que com alegria, não se questione para se brincar

Ai, ai, ai, É deixar mágoas pra trás, ó rapaz

Ai, ai, ai, Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhe pra não tornar fazer isso

Tirar amores dos outros depois fazer teu feitiço

Ai, se a rolinha, Sinhô, Sinhô, se embaraçou, Sinhô, Sinhô

É que a avezinha, Sinhô, Sinhô, nunca sambou, Sinhô, Sinhô

Porque este samba, Sinhô, Sinhô, de arrepiar, Sinhô, Sinhô

Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô, mas faz gozar, Sinhô, Sinhô

O “Peru” me disse Se o “Morcego” visse não fazer tolice,

Que eu então saísse dessa esquisitice de diz que não disse...

[esta letra foi modificada para poder ser registrada]

SAMBA DE FATO

(Pixinguinha e Cícero) 1932

Refrão

Samba do partido-alto

Só vai cabrocha que samba de fato

Samba do partido-alto

Só vai cabrocha que samba de fato

Versos

Só vai mulato filho de baiana

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E a gente rica de Copacabana

Dotô formado de ané de oro

Branca cheirosa de cabelo louro, olé

Também vai nêgo que é gente boa

Crioula prosa, gente da coroa

Porque no samba nêgo tem patente

Tem melodia que maltrata a gente, olé

Ronca o pandeiro, chora o violão

Até levanta poeira do chão

Partido-alto é samba de arrelia

Vaina cadência até raiar o dia, olé

E quando o samba tá mesmo enfezado

A gente fica com os óio virado

Se por acaso tem desarmonia

Vai todo mundo pra delegacia, olé

De madrugada quando acaba o samba

A gente fica com as perna bamba

Corpo moido só pedindo cama

A noite toda só cortando grama, olé

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3.3 Da Praça Onze Para os Morros

Nestas canções, nota-se que o tipo de linguagem é bem coloquial, os temas tratados

são simples e falam sobre a própria festa do samba em si ou seu cotidiano (SODRÉ, 1998).

Nas letras, firma-se a capacidade de “celebrar os sentimentos vividos, as convicções, as

emoções, os sofrimentos reais de amplos setores do povo, sem qualquer distanciamento

intelectualista, retratando o cotidiano, de uma classe excluída da sociedade, o samba falava a

língua do povo (SODRE, 1998). Na análise de Sodré “a letra de samba (a canção popular de

uma maneira geral) pôde deixar transparecer aspectos verdadeiros do português falado no

Brasil, geralmente reprimidos pelo texto escrito oficializado nas instituições dominantes”.

Os primeiros sambistas pareciam ter uma mesma missão: cantar nos seus sambas a cidade e o

país com seus olhares despretensiosos, mas críticos. Suas letras eram crônicas do Rio de

Janeiro e da vida nacional (a qual era extremamente influenciada pela capital da República).

As mudanças no modo de vida urbano, acentuadas a partir dos anos 20,

encontrariam na letra do samba um modo de expressão adequada.

Sátiras, comentários políticos, exaltações de feitos gloriosos ou de

valentias, incidentes do cotidiano, notícias de grande repercussão (...)

(SODRÉ, 1998 p43).

A sociedade Carioca da época valorizava a cultura europeia. O Rio de Janeiro era uma

cidade com fortíssima influência francesa e tinha a ambição de se tornar uma cidade bem

urbanizada e moderna, porém com as referências em ideias raciais do modelo europeu de

civilização, o estado tinha a meta de desvincular o Brasil de suas raízes originais e tudo que se

relacionasse ao seu passado arcaico ou valores antigos (VIANNA, 2002).

O Rio de Janeiro estava passando por intensas modificações

urbanísticas, desencadeadas pela reforma de Pereira Passos, com a

abertura da Avenida Central e a expulsão de muitas famílias negras e

pobres (entre elas muitas famílias baianas que haviam se mudado para

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o Rio de Janeiro depois da Abolição da Escravatura, trazendo em sua

bagagem o candomblé e vários ritmos do samba, que aqui foram

transformados no samba carioca) do Centro da cidade para, num

primeiro momento, a Cidade Nova e, depois, para os subúrbios e

favelas. (VIANNA, 2002 p113)

Segundo SANDRONI (2001, p173), os morros cariocas, desde o início do século XX

foram sempre ocupados pela população de renda mais baixa no Rio de Janeiro, desprovidos

de serviços básicos (água, luz e esgoto), pouco frequentados pela polícia, sem escolas, igrejas

ou postos de saúde. Eles sempre cresceram como comunidades à parte, e olhados com

desconfiança pelo resto da sociedade, que gozava de muito que eles não tinham como ruas

asfaltadas e casas de alvenaria, porém, estes mais pobres sempre foram privilegiados com o

Samba.

3.4 A Busca Pela Brasilidade

De acordo com SILVA (2007), a música “Pelo Telefone” trás consigo algumas

curiosidades, a primeira vem da letra, que foi modificada da letra original, para que pudesse

ser gravada, a segunda, é sobre a autoria da música, que causou polêmica, pois Donga não

seria o único autor. Mesmo assim, Donga e o jornalista Mauro de Almeida registraram a

música um ano antes do lançamento, em 1916, dando nome ao gênero de “Samba

Carnavalesco”. O registro desse novo gênero acaba sendo o precursor do gênero samba. Para

André Diniz, “a partir daí, o termo ganhou intensa popularidade e, em apenas algumas

décadas, passaria a ser identificado como símbolo da musicalidade brasileira”.

O sucesso desta música veio pelo fato da letra estar ligada com acontecimentos da

época, o que gerou uma empatia e afinidade com o público (CUNHA, 2004).

O povo brasileiro demorou a entender que moderno deveria ter raízes com o

folclórico, mas começou a olhar com outros olhos um grupo de negros que foi tocar na França

na década de 20. Eram os oito batutas, grupo formado por Pixinguinha na flauta, Donga e

Raul Palmieri no violão, Nelson Alves no cavaquinho, China no canto, violão e piano, José

Alves no bandolim e ganzá e Luis de Oliveira na bandola e reco-reco (SILVA, 2007).

Page 22: o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

21

A elite da sociedade carioca da época buscava na Europa referências e influências,

sendo assim, a música popular nacional era vista como algo ruim. Para eles a novidade de que

seu país seria representado na Europa por uma música popular e tocada por negros foi a pior

das notícias.

Foi um verdadeiro escândalo, quando, há uns quatro anos, os ‘oito

batutas’ apareceram. Eram músicos brasileiros que vinham cantar

nossas coisas brasileiras! Isso em plena avenida central (atual Rio

Branco), em pleno almofadismo, no meio de todos esses meninos

anêmicos, frequentadores de cabarés, que só falam francês e só

dançam tango argentino! No meio do internacionalismo dos costureiros

franceses, das livrarias italianas, das sorveterias italianas, das

sorveterias espanholas, dos automóveis americanos, das mulheres

polacas, do esnobismo cosmopolita e imbecil! (...) Não faltam censuras

aos modestos ‘oito batutas’. Aos heróicos ‘oito batutas’ que pretendiam,

num cinema avenida, cantar a verdadeira terra brasileira, através da sua

música popular, sinceramente, sem artifícios nem cabotinismo, ao som

espontâneo dos seus violões e cavaquinhos. (DINIZ, 2006 p34)

Foi somente com a vinda do poeta Frances Blaise Cendrars, que alguns olhos e

ouvidos brasileiros se abriram, pois este artista teve forte influência no discernimento dos

intelectuais e artistas da elite da época (SILVA, 2007). A influência de Cendrars é relatada até

mesmo por alguns dos principais personagens do modernismo brasileiro como Tarsila do

Amaral e Oswald de Andrade.

Blaise Cendrars agiu como ‘cristalizador e catalisador’ de tendências

até então dispersas e das quais os brasileiros modernistas com quem

Cendrars conviveu talvez nem se dessem conta. Um poeta francês,

representante de vanguardas artísticas de Paris, ensinara a seus

amigos modernistas brasileiros o respeito pelas ‘coisas negras’ e

pelas ‘coisas brasileiras’ (VIANNA, 2002 p100).

Page 23: o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

22

Atentando para estes acontecimentos ocorridos, percebe-se que o que impedia a arte

dos “Oito Batutas” de tocar os corações brasileiros, era o simples fato de eles procurarem se

estabelecer nesta brasilidade, ou seja, essências e características originais de uma música afro-

brasileira (SODRÉ, 1998).

O compositor erudito Francês Darius Milhaud, conhecido de Donga e Cendrars,

homenageou a música popular brasileira com a composição Le boeuf sur le toit ( Tem Boi no

Telhado), uma citação do tango de José Monteiro, cantor dos Oito Batutas. Darius Milhaud,

morou no Rio de Janeiro de 1914 a 1918, trabalhando como secretário particular do poeta

Paul Claudel, ministro da Legação Francesa no Brasil. No Rio, Milhaud conheceu o

compositor clássico Heitor Villa-Lobos e logo se tornaram amigos. Segundo trechos do relato

de Vasco Mariz no livro de Vianna, “Villa-Lobos mostrou-lhe os tesouros da música popular

brasileira, e carioca em especial.”. (SILVA, 2007)

Vianna ainda diz em seu livro que Mihaud tinha o seguinte pensamento:

Os ritmos dessa música popular me intrigavam e me fascinavam.

Havia, na síncopa, uma imperceptível suspensão, uma respiração

molenga, uma sutil parada, que me era muito difícil de captar.

Comprei então uma grande quantidade de maxixes e tangos; esforcei-

me por tocá-los com suas síncopas, que passavam de mão para outra.

Meus esforços foram recompensados e pude, enfim, exprimir e

analisar esse ‘pequeno nada, tão tipicamente brasileiro. Um dos

melhores compositores de música desse gênero Nazaré, tocava piano

na entrada de um cinema da Avenida Rio Branco. Seu modo de tocar,

fluido, inapreensível e triste, ajudou-me, igualmente, a melhor

conhecer a alma brasileira. (VIANNA, 2002 p103, p104)

Nesse momento o samba já tinha dois “embaixadores” no exterior. De música popular

regional, o ritmo começa a ter reconhecimento internacional e passa a ser representante da

música brasileira. “Darius Milhaud aparece aqui, ao lado de Blaise Cendrars, como mais um

mediador internacional na história da transformação do samba em música nacional brasileira”

(VIANNA, 2002).

Page 24: o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

23

3.5 O Samba Não É Só do Morro

Até aqui foi descrita a origem social do samba, caracterizada por múltiplos processos,

cujo efeito foi colocar à margem da sociedade os membros da comunidade que o produzia.

Essa condição periférica comum favoreceu as formas de interação e de sociabilidade propícias

ao cultivo de uma cultura negra da qual o samba é uma expressão.

Os populares não aceitam tal discriminação (por parte das elites),

investindo toda a sua energia em manifestações culturais, garantindo a

expressão de suas necessidades, anseios e aspirações, nisto que a

cultura configura-se como o principal veículo de coesão e de

construção de uma identidade própria, especialmente num contexto

que lhes exclui do reconhecimento de direitos. Inclusive, desde muito

cedo, desenvolveram-se as trocas culturais, interpenetrando-se suas

manifestações com aquelas dos segmentos mais elevados

(GINZBURG, 1997).

Cabe destacar que, em suas origens, o samba ainda é produto do morro, quase

exclusivo daquela parcela dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro e manifestação cultural

mal vista por grupos dominantes da época (GUIMARÃES, 1978).

Como o rádio só se firmaria como veículo maior de divulgação do samba a partir dos

anos 30, os artistas da década de 20 só dispunham do teatro de revista, das casas festeiras

como a de Tia Ciata, da festa da Penha e, de forma incipiente, dos primeiros discos. Seus

sambas ainda diferenciavam-se pouco do maxixe, e eram comercialmente favorecidos por

essa semelhança. Este primeiro estilo do samba também não explorava ainda a síncopa, que se

firmaria como a forma rítmica típica do samba. O samba começava a se fazer conhecido e a

ser composto em outras regiões da cidade graças ao fato da geração de 20 ter despontado para

o show business. Este primeiro conjunto de sambistas foi responsável pelo começo do trânsito

social do samba do morro para a cidade (CABRAL, 1996).O segundo tipo de samba,

procedente do bairro Estácio de Sá, foi aquele que, posteriormente, seria conhecido como o

“verdadeiro samba”, definido estilisticamente. A diferença rítmica entre eles é que, enquanto

o primeiro é mais amaxixado, o segundo é mais gingado e mais flexível, além de ser mais

apoiado na percussão (CABRAL, 1996).

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24

Segundo CARVALHO (1980), os ditos professores desta nova forma de samba

fundaram naquele bairro, em 1928, o bloco Deixa Falar, tendo como um dos cabeças

principais Ismael Silva, este também inventor do termo “Escola de Samba”cujo propósito era,

além de divulgar sua nova proposta de samba, melhorar a relação dos sambistas com as

autoridades. Embora o autor ressalve que nessa época a perseguição policial ao samba já não

fosse tão violenta, ainda existia, e era contra ela que o Deixa Falar pretendia atuar.

Obsevando algumas datas, nota-se que em período de tempo de 10 anos após a vinda

de Cedrarns ao Brasil, o samba foi de excluído a apoiado pelo estado, e ganhou força como

manifestação legítima popular brasileira.

Em 1923 – Fundado o bloco carnavalesco Conjunto Oswaldo Cruz, na direção Paulo da

Portela, um dos grandes divulgadores e intermediadores no processo de erradicar a

marginalização samba, além de Antônio Caetano e Antônio Rufino.

Em 1924 – Vinda de Cedrarns ao Brasil.

Em 1928 –é fundada a primeira escola de samba, a “Deixa Falar” e é feito o lançamento da

primeira gravação do novo estilo, por Francisco Alves (por sinal, o samba "A malandragem").

Em 1929 – a Mangueira é fundada por Cartola, Carlos Cachaça e outros

Em 1932 – é promovido pelo jornal Mundo Sportivo o primeiro desfile das escolas de samba

Em 1934 – fundação da União das Escolas de Samba – 28 filiadas

Em 1935 – já com subvenção oficial da prefeitura do Rio de Janeiro – com as escolas

desfilando sob o tema "A Vitória do Samba", para celebrar o primeiro concurso realizado sob

o patrocínio oficial.

Segue aqui a letra feita por Ismael Silva e vendida a Francisco Alves, primeira canção com as

novas caraterísticas desenvolvidas pelos compositores do bairro de Estácio de Sá.

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A MALANDRAGEM

(Francisco Alves)

A malandragem eu vou deixar

Eu não quero saber da orgia

Mulher do meu bem-querer

Esta vida não tem mais valia

Mulher igual para a gente é uma beleza

Não se olha a cara dela

Porque isso é uma defesa

Arranjei uma mulher

Que me dá toda vantagem

Vou virar almofadinha

Ou tentar a malandragem

Esses otários que só sabem

É dar palpite

Quando chega o Carnaval

A mulher lhe dá o suite

Você diz que é malandro

Malandro você não é

Malandro é Seu Abóbora

Que manobra com as mulhé.

Segundo Guimarães (1978) no curso de sua história, o samba foi deixando de ser

prática inerente ao morro para ser, aos poucos, incorporado à rotina cultural carioca e,

posteriormente, brasileira. O sucesso alcançado pela primeira geração de sambistas, de ritmo

semelhante ao maxixe, à nova forma de samba desenvolvida pelos sambistas do bairro do

Estácio de Sá, a formação e a consolidação das escolas de samba, a maior cobertura dada pela

mídia, a ascensão do rádio como principal veículo de comunicação, a indústria fonográfica, o

Page 27: o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

26

uso político deste ritmo e o interesse de músicos das classes médias foram fatores de ganho

progressivo de prestígio junto à grande parte da sociedade.

Sandroni (2001), em seu livro expões um trecho de entrevista feita com Noel Rosa.

O samba evoluiu. A rudimentar voz do morro transformou-se, aos

poucos numa autêntica expressão artística... A poesia espontânea do

nosso povo, levou a melhor na luta contra o feitiço do academismo a

que os intelectuais do Brasil viveram muitos anos ingloriamente

escravizados. Poetas autênticos, anquilosados no manejo do soneto,

depauperados pela torturante lapidação de decassílabos e alexandrinos

sonoros, sentiram em tempo a verdade. E o samba tomou conta de

alguns deles. ... O gosto do público foi se aprimorando. Outros poetas

vieram dizer, em linguagem limpa e bonita, coisas maravilhosas. ...É

preciso, porém, acentuar que esses poetas tiveram, também, que se

modificar, abandonando uma porção de preconceitos literários.

Influiram sobre o público, mas foram, também, por ele influenciados.

Da ação recíproca dessas duas tendências, resultou a elevação do

Samba como expressão de arte, e resultou na humanização de poetas

condenados a estacionar pelo sortilégio da academismo.(SANDRONI,

2001 p175) .

Noel Rosa foi autor de vários sambas onde ele compunha uma primeira parte, e a

segunda era improvisada pelos compositores do morro, sambas para o carnaval, conseguindo

assim com esta interação, ser conhecido entre os sambistas. Um fato que ajudou na exposição

do samba nestes anos, é que os jornais em época de carnaval, traziam muitas matérias sobre as

grandes sociedades carnavalescas e seus bailes estilizados (SILVA, 2007).

Na criação da União das Escolas de Samba, foi feito um estatuto, onde esta se

incumbiria de lutar pelos interesses das escolas, de conseguir apoio financeiro para as

mesmas, de organizar festejos carnavalescos e demais exibições públicas e de padronizar os

desfiles. Sua primeira reivindicação junto à prefeitura do então Distrito Federal foi a

oficialização do desfile das escolas, como já havia ocorrido com os ranchos, os blocos e as

grandes sociedades. A solicitação foi atendida, até porque era interesse da prefeitura, que

passou a usar os desfiles como atrativo turístico local. As escolas, assim, passaram a contar

com uma representação formal através desta instituição e estreitaram seus laços junto ao

poder público (CABRAL, 1996).

Pelos anos 50 percebia-se o crescente prestígio das escolas de samba junto à sociedade

carioca. Grupos da Mangueira apresentavam-se todos os anos no Country Club e na

Page 28: o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

27

Sociedade Hípica Brasileira, redutos das elites da época. Atores e atrizes de

internacionalmente famosos compareciam aos desfiles, novos compositores de talento

começaram a despontar nesta cena musical. Cada vez mais, o público das frações médias e

altas se interessava pelas escolas de samba. Seus desfiles passaram a se tornar interessante

programa cultural e forma de entretenimento destes indivíduos.

Até o final da década de 50, a platéia [dos desfiles] era formada

predominantemente por representantes das comunidades das escolas

que lá iam torcer pelas suas favoritas. Mas, já no inicio dos anos 60,

observa-se o interesse cada vez maior de um público de classe média

vindo da Zona Sul do Rio de Janeiro. (CABRAL, 1996, p. 187).

Ainda segundo Cabral(1996) além dos desfiles, seus ensaios passaram a ser opção de

programa de fim de semana da classe média carioca e até mesmo de autoridades oficiais. As

quadras das escolas se enchiam de jovens da zona sul da cidade do Rio.

É verdade que não se podia mais chamar de ensaios aquelas reuniões

festivas em que as alas já não se preparavam mais para o desfile, até

porque o número de visitantes superava o de sambistas. Os ensaios

transformaram-se em simples festas carnavalescas animadas pela

bateria e pelos sambas-enredo. Os chamados sambas de quadra

também começavam a ser esquecidos. A Portela passou a promover

“ensaios” num clube de Botafogo para atender ao público da Zona

Sul. O Salgueiro, por sua vez, deixou de ensaiar em sua belíssima

Quadra Casemiro Calça Larga, no alto do morro, trocando-a pelo

Clube Maxwell. (CABRAL, 1996, p. 195).

Em meados da década de 60, o que se observa é que a classe média já não se limitava

a assistir ao desfile; passaram a desfilar nas escolas de samba, ou seja, inicia-se uma mudança

na composição da própria escola. Além da classe média, celebridades da época também foram

incorporadas ao desfile. Em 1965, por exemplo, a Portela apresentou-se com uma ala só de

artistas da TV Excelsior, e aos seus 23 anos, Paulinho da Viola já fazia parte da ala de

compositores desta escola, ele tinha o respeito dos outros sambistas por prezar manter e seguir

os passos de seus antigos mestres de samba, seguindo um linha de composição tradicional,

porém rebuscada.

Page 29: o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

28

4. AS DUAS CARAS DO SAMBA

Observando os fatos descritos até aqui, conclui-se que esta transição do samba de

marginal para apoiado pelo estado, seria inevitável e realmente uma questão de tempo. A

mesma sociedade carioca que condenava as reuniões onde o samba acontecia, era a que

aplaudia os mesmos artistas e a mesma arte, porém o endereço do palco era diferente (SILVA,

2007).

Um dos heróis da primeira geração do samba protagonizou uma história ligada a este

assunto, foi João da Baiana, o sambista sofreu com a repressão policial e recebeu apoio de um

importante político da época. Devido às boas relações que seu avô mantinha com pessoas

importantes da elite brasileira, João da Baiana viu Irineu Machado, Pinheiro Machado e o

futuro presidente Hermes da Fonseca frequentar os “sambas” na casa de sua mãe e das outras

tias da região. O que acabava rendendo ao músico convites para animar festas da elite carioca.

Certa noite, João da Baiana foi convidado para ir a uma festa no

palácio do senador Pinheiro Machado, um dos mandachuvas da

política na época. Acabou não comparecendo por ter sido preso pela

polícia na Festa da Penha. Acusação: levava um pandeiro a tiracolo.

Dias depois, o todo-poderoso senador quis saber por que João não

parecera em sua festa. Sabendo da história, Pinheiro Machado mandou

fazer um pandeiro na loja Cavaquinho de Ouro, do seu Oscar, com a

dedicatória ‘A minha admiração, João da Baiana – senador Pinheiro

Machado’.Coincidência ou não, o fato é que João nunca mais foi

importunado (DINIZ, 2006 p29).

Vianna (2002) vê como explicação para isso, “a circulação de novidades

culturais por diferentes bairros e classes sociais do Rio de Janeiro, apesar das reformas

urbanísticas e da belle époque, continuava intensa”. Para ele a retirada das famílias negras do

centro da cidade não impediu que as diferentes etnias e classes sociais, que formavam o Rio

daquele período, perdessem o contato, principalmente o de interação cultural.

Page 30: o Samba Dos Morros Cariocas Aos Corações Brasileros Tcc

29

Podemos notar a descrição de uma sociedade contraditória que, ‘da

boca pra fora’, parecia condenar a cultura popular carioca, mas que

aplaudia essa mesma cultura em sua vida cotidiana. (...) uma

sociedade heterogenia, em que a condenação do brasileiro convivia

com o aplauso a esse mesmo brasileiro, dependendo da situação, da

festa ou do grupo social que estava sendo freqüentado. (VIANNA,

2002 p48)

Fica claro, que não havia uma segregação total e imparcial, ou seja, aqui a arte já

transcende as barreiras das condições socioeconômicas. Embora muitos pensamentos das

primeiras décadas do século entendessem o samba como uma “Música de negros, feita de

negros para negros”, estas mesmas pessoas, se sentiam tocadas por esta parte artística que o

samba propõe, relevando assim as críticas e observações quando se tratava de artistas de

samba se apresentando em seus espaços nas suas comemorações. Isso deu ao samba um

caráter ambíguo, de ao mesmo tempo ser admirado e renegado (SILVA, 2007).

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5. O VISIONÁRIO DO SAMBA

Essa preocupação com a dignidade do sambista teve seu nascimento nas ideias de

Paulo Benjamim de Oliveira, o Paulo da Portela, um homem a frente de seu tempo, que no

início dos anos 20 tinha preocupações e cuidados diferenciados em relação ao samba e o

sambista. (MONTE, 2001).

Paulo foi um sociabilizador, e teve a preocupação de unir a cultura do subúrbio com o

samba da cidade. Já em Oswaldo Cruz, que na época era como um vilarejo do interior, ele foi

pioneiro no movimento de carnaval, fazendo dos negros ex-escravos, uma sociedade

organizada, buscando por cidadania (MONTE, 2001).

Nos primeiros desfiles das escolas de samba, o preconceito era

tão grande, eu a polícia ficava na Praça Onze impedindo que

oss sambistas que saíssem do desfile ontinuassem em direção

ao centro da cidade, eles tinham que voltar, ou pro subúrbio ou

pras favelas, havia um grande preconceito, o Paulo da Portela

se preocupou em quebrar isso com habilidade (CABRAL,

1996).

Paulo queria tirar a imagem de fanfarrão e arruaceiro associada ao sambista, querendo

substituir pela de artista de respeito. Então, fez com que o bloco de sambistas começasse a

usar sapatos e gravata, indo uniformizado com as cores da escola, dando assim um aspecto

menos informal aos foliões, além de mandar confeccionar ternos iguais para os dirigentes da

agremiação, esperando com este gesto influenciar os outros sambistas, e deste modo

conquistar algum respeito da elite carioca. O simples fato de usarem uma roupa específica, fez

com que fossem realmente menos importunados, mas ainda não aceitos livremente na

sociedade. (MONTE, 2001).

Em 1935, no primeiro desfile oficial, a escola de Paulo com o nome de “Vai Como

Pode”, foi a grande campeã do carnaval com dois sambas, um deles era “Linda Guanabara” de

Paulo da Portela (MONTE, 2001).

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LINDA GUANABARA

(Paulo Da Portela)

Como É Linda A Nossa Guanabara

Joia Rara, Que Beleza

Quando O Nosso Céu Está Todo Azul

Anoitece, O Céu Se Resplandece

Em Seu Bordado De Estrelas

Veja O Cruzeiro Do Sul

Pão De Açúcar O Gigante

Fiel Vigilante

Da Nossa Bahia

Poderoso, Não Dorme Um Instante

Guardando As Riquezas

Que A Natureza Cria

Ainda neste ano, foi escolhido pelo jornal “A Nação” o maior compositor das escolas

de samba, e em 1937 foi eleito “Cidadão Samba” em um concurso feito pelo Jornal a Rua.

(MONTE, 2001).

COCOROCÓ

(Paulo da Portela)

Cocorocó, o galo já cantou

Levanta nego, tá na hora de ir pro batedor

Oh nega me deixa dormir mais um bocado

Não pode ser

Porque o senhorio está zangado com você

Ainda não pagaste a casa esse mês

Levanta nego que só faltam dez pra seis

Nega me deixa dormir

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Eu hoje me sinto cansado

O relógio da parede talvez esteja enganado

Nega me deixa dormir

Eu hoje me sinto doente

Deixa de fita malandro

Você não quer ir pro batente

Monarco, integrante da ala de compositores desde 1950 e da velha guarda da Portela,

homenageou à Paulo da Portela e Paulinho da Viola (outro ícone do samba que somente mais

tarde viria a encontrar seu destino na mesma escola de samba) em um samba de sua autoria

chamado “De Paulo a Paulinho” (MONTE, 2001).

DE PAULO À PAULINHO

(Monarco)

Antigamente era Paulo da Portela

Agora é Paulinho da Viola

Paulo da Portela, nosso professor

Paulinho da Viola, o seu sucessor

Vejam que coisa tão bela

O passado e o presente

Da nossa querida Portela

Paulo, com sua voz comovente

Cantava, ensinando a gente

Com pureza e prazer

O seu sucessor na mesma trilha

É razão que hoje brilha

Vaidade nele não se vê

Ó Deus

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Conservai esse menino

Que a Portela do Seu Natalino

Saúda com amor e paz

Quem manda um abraço é Rufino

Pois Candeia e Picolino

Lhe desejam muito mais.

Segundo o próprio autor da canção em entrevista cedida para um documentário, nesta

letra, Monarco sintetiza que os níveis de importância tanto para a escola quanto para o samba

de ambos os Paulos é semelhante, pois os dois tiveram preocupações consideráveis com o

samba como algo maior, prezando pelo respeito (COUTINHO, 2011).

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6. PAULINHO DA VIOLA

É possível até discutir se Paulo César é nome de sambista ou não. O certo é que Paulo

César Baptista de Faria, o Paulinho da Viola, há muito é considerado uma das mais perfeitas

encarnações do mais brasileiro de todos os ritmos e uma sólida referência da música popular

(COUTINHO, 2011).

Seu trabalho incorpora a sofisticação harmônica da Bossa Nova, a riqueza melódica do

choro (gênero essencialmente instrumental, que está para o Brasil como o jazz para os Estados

Unidos) e a síncopa incomparável do samba. Associada, a princípio, ao universo das escolas

de samba do Rio, a obra de Paulinho gradualmente foi se impondo como muito mais diversa e

sofisticada. Sua arte expressa com originalidade, a fusão de escolas e épocas. Paulinho da

Viola é tradição e é vanguarda, uma espécie de ponte entre ambas (COUTINHO, 2011).

Paulinho relata que passou sua infância em Botafogo, (bairro tradicional da zona sul

do Rio de Janeiro, onde nasceu em 12 de novembro de 1942), naquela época, não havia

muitas opções de brinquedos infantis industrializados, pois ele fazia parte da classe média

baixa, Paulinho e seus amigos tinham que usar a imaginação para se divertir (COUTINHO,

2011).

A história musical de Paulinho começa com seu pai, Benedicto Cesar Ramos de Faria,

violonista integrante desde a primeira formação do lendário grupo de choro Época de Ouro,

considerado o maior grupo de choro da história, ainda em atividade. Cesar tocava no grupo

mais por vocação e prazer do que por necessidade. Para manter a família, trabalhava como

funcionário da Justiça Federal. Músicos como Cesar, mais do que nunca, estavam liberados de

modismos e exigências do mercado, faziam música por prazer e vocação. Paulinho não

perdia as oportunidades de acompanhar o pai e desse modo presenciou importantes reuniões

musicais, sua própria casa, reunindo Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Tia Amélia, Altamiro

Carrilho, Canhoto da Paraíba e muitos outros. Em pouco tempo já tentava os primeiros

acordes no violão do pai (TABORDA, 2011).

Segundo MAXIMO (2002) ainda muito jovem, frequentou muitas reuniões

promovidas por Jacob do Bandolim, o maior virtuose do instrumento no país, indo por conta e

interesse próprio, lá, ficava atento aos encontros musicais e as histórias deste grande mestre.

Mesmo tendo estas experiências, a profissão de músico era algo que Paulinho não

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35

imaginava estar no seu caminho, já que até grandes ícones da música brasileira como o

próprio Jacob e seu próprio pai, não viviam exclusivamente de sua arte.

Seus primeiros contatos com o samba e as brincadeiras de carnaval foi no bairro de

Vila Valqueire, subúrbio carioca, na casa de sua tia Trindade. Essas experiências tiveram

influência direta para Paulinho começar a compor, pois nesta época, as escolas e os blocos

carnavalescos representavam geograficamente cada região da cidade, e Paulinho junto à seus

amigos criam o bloco Foliões da Rua Anália Franco, para representar a rua onde morava sua

tia. A escola de samba União de Jacarepaguá, localizada perto dali, estava crescendo e

convidou os jovens foliões para integrar o seu conjunto, foi la que conheceu os sambistas

Jorge Mexeu e Catoni. Assim, Paulinho se envolve pela primeira vez com uma escola de

samba. Logo na quadra desta escola, Paulinho apresentou um de seus primeiros sambas,

chamado “Pode ser Ilusão”, começando assim sua história como sambista (MÁXIMO, 2002).

6.1 De Garoto do Subúrbio à Poeta do Samba

Após completar 19 anos, Paulinho consegue seu primeiro emprego numa agência

bancária, no centro do Rio, e foi lá, sentado à sua mesa de trabalho, no início do ano de 1964,

que ele reconhece o poeta Hermínio Bello de Carvalho, conhecido dos encontros na casa de

Jacob do Bandolin, mudando assim o rumo de muita coisa de sua vida (CABRAL, 1996).

O próprio Paulinho diz que Hermínio então o convidou para visitá-lo em seu

apartamento no Catete, e em sua casa, ele tem a oportunidade de ouvir pela primeira vez,

através de gravações, sambas de compositores como Zé Ketti, Elton Medeiros, Anescar do

Salgueiro, Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho. Depois arriscou mostrar alguns dos

seus, e logo surgiram as primeiras parcerias do jovem compositor com o jovem poeta.

Dessa amizade com Hermínio nasce uma longa parceria e também o convite para

conhecer o Zicartola, um restaurante do sambista Cartola e sua mulher, dona Zica, localizado

na tradicional rua da Carioca, onde artistas, jornalistas, intelectuais e outras pessoas se

reuniam para ouvir os sambistas que Paulinho conheceu nas gravações mostradas por

Hermínio. Neste restaurante, Paulinho começou a se apresentar tocando composições suas e

de outros autores. Um dia, Cartola se aproxima dele e diz: “Paulo, você está vindo aqui,

usando seu tempo para tocar e não esta ganhando nada. Tome aqui um dinheiro pra

passagem”. Era um pagamento, sutilmente colocado por Cartola. Foi o primeiro pagamento

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que Paulinho recebeu por sua música, justo das mãos de Cartola. Pode-se dizer então, que

Cartola o profissionalizou (CABRAL, 1996).

Segundo o mesmo autor, o Zicartola teve uma suma importância para os compositores

de samba dos morros retomarem seu espaço nas rádios e finalmente conquistassem a classe

média carioca, era um espaço que o Brasil precisava não somente para divulgar a música, mas

para discutir a cultura e politica do país. Os 20 meses de existência da casa renderam muitas

histórias.

Nara Leão, artista que ficou conhecida na década de 60 com a bossa nova, era uma das

frequentadoras do Zicartola, além de Zé Ketti, Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Ismael

Silva, Aracy de Almeida, Carlos Lyra, Hermínio Bello de Carvalho, Sérgio Cabral, Cyro

Monteiro, Vinícius de Moraes entre outras personalidades. Em uma entrevista a televisão

Nara, ressalta a arte criada por Cartola, compartilhando do pensamento de que a arte deste

sambista também transcende.( CUNHA, 2004)

Eu acho que a música do Cartola é muito boa, sempre bonita e pode

ter a maior penetração em todas as camadas, de idade, mesmo pra

gente jovem, eu acho que o problema é que não há divulgação

nenhuma, as rádios só tocam música estrangeiras, este é um

problema muito grave na música popular brasileira[...] (LEÃO,

1964)

6.2 Entrando no Estúdio

Incentivado por Zé Ketti, Paulinho começou a compor mais e a pensar em mostrar

seus sambas para possíveis intérpretes. Junto com Oscar Bigode, o próprio Zé Ketti, Anescar

do Salgueiro, Nelson Sargento, Elton Medeiros e Jair do Cavaquinho, Paulinho deixou alguns

sambas registrados numa gravadora da época, a Musidisc, com a esperança de que algum

intérprete pudesse gravá-los. Mas o talento musical do grupo foi logo reconhecido por Luís

Bittencourt, que era o diretor musical da casa. Não demorou muito eles formaram o grupo A

Voz do Morro, gravando seus sambas no primeiro disco do grupo, Roda de samba de 1965.

Durante a gravação deste disco, um funcionário da gravadora perguntou a cada um dos

integrantes do grupo pelos seus nomes, na sua vez Paulinho responde: “Paulo César”. E o tal

funcionário: “Isto não é nome de sambista”. Posteriormente, Zé Ketti leva o fato para Sérgio

Cabral que transforma a história em nota publicada no Jornal do Brasil com a solução do

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problema. Nascia Paulinho da Viola, e neste disco já gravou um de seus grandes sucessos,

“Jurar com Lágrimas” (MÁXIMO 2002).

JURAR COM LÁGRIMAS

(Paulinho da Viola)

Jurar com lágrimas

Que me ama

Não adianta nada

Eu não vou acreditar

É melhor nos separar

Não pode haver felicidade

Se não há sinceridade

Dentro do nosso lar

Se aquele amor não morreu

Não precisa me enganar

Que seu coração é meu

Convidado por Oscar Bigode, que era seu primo de consideração e diretor da bateria

da Portela, que em 1964 era a “Agremiação de Oswaldo Cruz”, Paulinho apresenta algumas

músicas na ala dos compositores da escola, sobre os olhos atentos de grandes sambistas como

Monarco, Candeia, Casquinha, Ventura e muitos outros, Paulinho Cantou a primeira parte de

um samba seu, e em seguida, Casquinha, que já era sambista das antigas formações

carnavalescas, ouviu a primeira parte e já voltou com a segunda, marcando assim uma

primeira parceria com um sambista já respeitado entre os bambas, e nasceu a música

“Recado”, em 1965 Paulinho já estava incorporado à ala dos compositores da Portela. Foi

gravada em 1966 no segundo disco do conjunto A Voz do Morro (COUTINHO, 2011).

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RECADO

(Paulinho da Viola/ Casquinha)

Leva um recado

A quem me deu tanto dissabor

Diz que eu vivo bem melhor assim

E que no passado fui um sofredor

E agora já não sou

O que passou, passou

E agora já não sou

O que passou, passou

Vai dizer à minha ex-amada

Que é feliz meu coração

Mas que nas minhas madrugadas

Eu não esqueço dela, não

Leva um recado!

Ainda no ano de 1965, quando a censura contra as peças de teatro na década de 60

começou a apertar, uma saída encontrada pelas salas de espetáculo foi promover shows de

música popular. Neste ano estreou no Teatro Jovem, em Botafogo, o musical Rosa de Ouro.

Idealizado por Hermínio Bello de Carvalho e inspirado nas noites de samba que ocorriam no

bar Zicartola. O espetáculo tinha em seu elenco compositores de diferentes escolas, como

Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento, Anescarzinho do Salgueiro. Além dos

estreantes, Clementina de Jesus (descoberta por Hermínio na Taberna da Glória aos 63 anos

de idade) e o jovem Paulinho da Viola. Este show trouxe também de volta ao palco a figura

lendária de Aracy Cortes. Em tempos de Bossa Nova, o Rosa de Ouro conseguiu arrebatar a

imprensa e o público da Zona Sul Carioca, tendo em seu repertório sambas tradicionais e o

clima das manifestações culturais da camada popular, graças à exposição que Hermínio

conseguiu dar ao show, o musical fez grande sucesso em diversas cidades no país e no

exterior (SILVA, 2007).

Elizete Cardoso, uma das maiores cantoras do país, gravou “Minhas Madrugadas”, de

Paulinho e Candeia, no disco Elizete Sobe o Morro. Paulinho acompanhou a gravação com o

seu jeito típico de tocar violão e Elton Medeiros se encarregou de usar sua famosa caixa-de-

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fósforos. O jeito de Paulinho tocar naquela gravação é característico de um momento do

jovem sambista. Influenciado pelo jeito de seu pai tocar nos regionais e também pelo ritmo

empregado por sambistas como Nelson Cavaquinho, surge uma “batida” única. O prestígio de

Elizeth ajudou muito esta arte que antes sofreu preconceito e exclusão a entrar nas casas de

todos os cariocas, independendo da classe social (MAXIMO, 2002).

MINHAS MADRUGADAS

(Paulinho da Viola)

Vou pelas minhas madrugadas a cantar

Esquecer o que passou

Trago a face marcada

Cada ruga no meu rosto

Simboliza um desgosto

Quero encontrar em vão o que perdi

Só resta saudade

Não tenho paz

E a mocidade

Que não volta mais

Quantos lábios beijei

Quantas mãos afaguei

Só restou saudade no meu coração

Hoje fitando o espelho

Eu vi meus olhos vermelhos

Compreendi que a vida

Que eu vivi foi ilusão

Em 1966 apresentou na quadra, para o carnaval, o samba “Memórias de Um Sargento

de Milícias”. A música foi escolhida para ser o samba enredo da Portela naquele ano. A

escola foi campeã do carnaval e o samba de Paulinho recebeu dos jurados a nota máxima. Foi

gravado por Martinho da Vila no ano de 1971. (COUTINHO, 2011)

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MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS

(Paulinho da Viola)

Era o tempo do rei

Quando aqui, chegou

Um modesto casal feliz pelo recente amor

Leonardo, tornando-se meirinho

Deu a Maria Hortaliça um novo lar

Um pouco de conforto e de carinho

Dessa união, nasceu

Um lindo varão

Que recebeu o mesmo nome do seu pai

Personagem central da história que contamos neste carnaval

Mas um dia Maria

Fez a Leonardo uma ingratidão

Mostrando que não era uma boa companheira

Provocou a separação

Foi assim que o padrinho passou

A ser do menino tutor

A quem lhe deu toda dedicação

Sofrendo uma grande desilusão

Outra figura importante em sua vida

Foi a comadre parteira popular

Diziam que benziam de quebranto

A beata mais famosa do lugar

Havia nesse tempo aqui no Rio

Tipos que devemos mencionar

Chico Juca, era mestre em valentia

E por todos se fazia, respeitar

O reverendo amante da cigana

Preso pelo Vidigal, O justiceiro

Homem de grande autoridade

Que à frente dos seus granadeiros

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Era temido pelo povo da cidade

Luisinha primeiro amor

Que Leonardo conheceu

E que Dona Maria, a outro como esposa concedeu

Somente foi feliz

Quando José Manuel

Morreu

Nosso herói

Novamente se apaixonou

Quando com sua viola

A mulata Vidinha, esta singela modinha cantou:

Se os meus suspiros pudessem

Aos seus ouvidos chegar

Verias que uma paixão

Tem o poder de assassinar

6.3 O Estilo da Viola

Graças a soma de bagagens musicais vivida por Paulinho, ele acabou se

desenvolvendo em um estilo único de fazer samba. Embora ele mesmo atribua este mérito a

seus mestres, foi com várias de suas canções que o povo brasileiro se emocionou e cantou em

coro nos carnavais.

Durante toda a minha infância, o que eu mais ouvi foi o Pixinguinha.

Inclusive tive a felicidade de conhecê-lo. Esta foi uma influência

muito forte: Pixinguinha, Jacob do Bandolim, com quem meu pai

tocou quase 30 anos, e todo o pessoal do choro que, de uma certa

maneira, estavam com meu pai. A outra influência muito forte veio da

música do samba, das serestas, que eu ouvia muito na casa do meu

pai... através dos amigos dele, dos seus discos. Meu pai gravou com

muita gente, com muitos cantores da música brasileira, [...]. Por

exemplo, uma das pessoas que me influenciaram, mesmo porque eu o

ouvia muito e, inclusive, assisti meu pai gravando com ele, foi um

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cantor chamado Roberto Silva, que é conhecido como o Príncipe do

Samba e que até hoje canta de uma maneira maravilhosa, que gravou

muitos sambas de Geraldo Pereira, Wilson Batista e Nelson

Cavaquinho. Estas foram as grandes influências. Só mais tarde, já

rapazinho, que eu me envolvi com o samba mesmo, este de escola de

samba. E aí vieram outras influências, entre estas as mais importantes

foram do Cartola e do Zé kéti. Toda a minha formação decorre destas

três vertentes aí (BARRETO, 1998).

As parceiras de Paulinho continuaram, e em 1966 é chamado para gravar ao lado de

Elton Medeiros o disco Na Madrugada. Lançado pela gravadora RGE, Na Madrugada traz

sucessos como: 14 Anos, Minhas Madrugadas, Recado, Jurar com Lágrimas, Rosa de Ouro e

O Sol Nascerá, esta última de Elton Medeiros e Cartola. Ainda em 1966, Paulinho participa

do festival de música brasileira da TV Record com Canção para Maria, em parceira com

Capinam, e fica em terceiro lugar (TATIT, 2004).

O primeiro disco solo aconteceu em 1968. Paulinho já tinha alguma projeção devido a

sua participação no espetáculo Rosa de Ouro e no disco Na Madrugada, por suas músicas

gravadas por Elizete Cardoso e Elza Soares, e também pelo festival de música de 1966. A

intenção do diretor musical da Odeon, Milton Miranda, era contratar Paulinho para ser cantor,

e não necessariamente compositor, por isso que em seu primeiro disco solo, que leva o seu

nome, Paulinho canta poucas músicas suas. O período em que gravou na Odeon foi um dos

mais férteis de sua carreira. Teve início em 1968 e terminou em 1980. Foram gravados nesta

fase 11 discos (BOZZETTI, 2011).

No ano de 1969, Paulinho venceu o último festival da TV Record com “Sinal

Fechado”. Tirou também, no mês de maio, o primeiro lugar na Feira Mensal de MPB da TV

Tupi com o samba “Nada de Novo” ao lado de “Que Maravilha” de Toquinho e Jorge Bem.

Meses depois, nessa mesma feira, lança o seu maior sucesso até hoje, “Foi um Rio Que

Passou em Minha Vida”, logo gravado num compacto com mais três músicas suas: “Sinal

Fechado”, “Ruas que sonhei” e “Nada de Novo” (TATIT, 2004).

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SINAL FECHADO

(Paulinho da Viola)

Olá, como vai ?

Eu vou indo e você, tudo bem ?

Tudo bem eu vou indo correndo

Pegar meu lugar no futuro, e você ?

Tudo bem, eu vou indo em busca

De um sono tranquilo, quem sabe ...

Quanto tempo... pois é...

Quanto tempo...

Me perdoe a pressa

É a alma dos nossos negócios

Oh! Não tem de quê

Eu também só ando a cem

Quando é que você telefona ?

Precisamos nos ver por aí

Pra semana, prometo talvez nos vejamos

Quem sabe ?

Quanto tempo... pois é... (pois é... quanto tempo...)

Tanta coisa que eu tinha a dizer

Mas eu sumi na poeira das ruas

Eu também tenho algo a dizer

Mas me foge a lembrança

Por favor, telefone, eu preciso

Beber alguma coisa, rapidamente

Pra semana

O sinal ...

Eu espero você

Vai abrir...

Por favor, não esqueça,

Adeus..

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RUAS QUE SONHEI

(Paulinho da Viola)

O sol que bate na calçada nesta tarde

Não trouxe o dia que anseia meu olhar

E leva embora o consolo dos olhares

Das morenas

Bem no tempo de sorrir e namorar

Toda beleza que havia nesta rua

Há pouco tempo deu um vento e carregou

E muita gente se vestindo de alegria

Vai fingindo todo dia

Que a tristeza já passou

Amor, repare o tempo

Enquanto eu faço um samba triste pra cantar

Te mostro a vida pra mudar o teu sorriso

Te dou meu samba com vontade de chorar

Amor, felicidade

É o segredo que outro dia te contei

O sol que morre nos cabelos das morenas

Um dia nasce sobre as ruas que sonhei

NADA DE NOVO

(Paulinho Da Viola)

Papéis sem conta

Sobre a minha mesa

O vento espalha as cinzas que deixei

Em forma de poemas antigos

Relidos

Perdido enfim confesso

Até chorei

Nada mais importa

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Você passou

Meu samba sem razão

Se acabou

Um sonho foi desfeito

Alguma coisa diz

Preciso abandonar

Os versos que já fiz

Nada de novo

Capaz de despertar

Minha alegria

O sol, o céu, a rua

Um beijo frio, um ex-amor

Alguém partiu, alguém ficou

É carnaval

Eu gostaria de ver

Essa tristeza passar

Um novo samba compor

Um novo amor encontrar

Mas a tristeza é tão grande no meu peito

Não sei pra que a gente fica desse jeito

Em 1970, o samba já tinha seu lugar garantido nos corações brasileiros, na

esmagadora maioria dos lares do Rio o samba era apreciado, respeitado e cantado, e foi neste

ano que Paulinho teve sua maior projeção como artista. Com a composição “Foi Um Rio Que

Passou Em Minha Vida”, ele atingiu comoção nacional, e seu estilo de samba ficou conhecido

por todos os amantes da boa música (BOZZETTI, 2011).

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FOI UM RIO QUE PASSOU EM MINHA VIDA

(Paulinho da Viola)

Se um dia

Meu coração for consultado

Para saber se andou errado

Será difícil negar

Meu coração

Tem mania de amor

Amor não é fácil de achar

A marca dos meus desenganos

Ficou, ficou

Só um amor pode apagar

A marca dos meus desenganos

Ficou, ficou

Só um amor pode apagar...

Porém! Ai porém!

Há um caso diferente

Que marcou num breve tempo

Meu coração para sempre

Era dia de Carnaval

Carregava uma tristeza

Não pensava em novo amor

Quando alguém

Que não me lembro anunciou

Portela, Portela

O samba trazendo alvorada

Meu coração conquistou...

Ah! Minha Portela!

Quando vi você passar

Senti meu coração apressado

Todo o meu corpo tomado

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Minha alegria voltar

Não posso definir

Aquele azul

Não era do céu

Nem era do mar

Foi um rio

Que passou em minha vida

E meu coração se deixou levar

Foi um rio

Que passou em minha vida

E meu coração se deixou levar

Foi um rio

Que passou em minha vida

E meu coração se deixou levar!

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7. CONCLUSÃO

Com o passar dos anos, esta manifestação cultural ganhou o seu devido espaço e

aceitação. Para chegar a este ponto o samba precisou romper principalmente com as barreiras

de um preconceito imposto por pessoas que tinham alta influência social e que eram incapazes

de conceber tal manifestação como legitimamente brasileira, pois em seus interesses não

estava incluso a inserção do negro como uma referência de brasilidade, pelo contrário, nessas

cabeças do inicio do século XIX, a Europa era sinônimo de modernidade, pois lá é o

continente com a civilização mais antiga, seguindo este raciocínio, eles sempre estariam um

passo a frente nesta questão, e a predominância de negros na Europa não era vasta. Mas este

pensamento era equivocado, pois hoje se sabe que a modernidade esta diretamente ligada as

origens, e dali se evolui e se desenvolve. Assim, o pensamento foi se modificando e a cultura

negra entrou para a vida dessas pessoas que embora brancos, acabam por se contagiar dessa

originalidade ao ponto de reconhecer tanto a esta música, quanto a si mesmo como brasileiros.

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