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1 O sonho de ser o melhor. Andrés Vera Llorens Atei meticulosamente os atacadores das minhas sapatilhas, lancei um olhar para a pista e respirei fundo. Entre uma chuva de ashes, os nossos nomes e países que representávamos começam a ouvir-se pelos altifalantes do estádio, ao mesmo tempo que um estádio inteiro “rugia” à nossa volta, impaciente, aguardado o início do espetáculo: a nal olímpica de 1500 metros! Uma das “provas rainha” do atletismo mundial reúne de 4 em 4 anos os melhores corredores, aqueles que demonstraram maior força física e mental, maior equilíbrio entre velocidade, resistência e estratégia, maior ambição pela vitória. Realizava os últimos alongamentos, com toda a tensão acumulada no meu rosto, sentia o coração a bater depressa, quase tão depressa como a sucessão de acontecimentos que me tinha levado até ali. Anal, só tinham passado 7 anos… Descobrindo um dom “Sabes o que zeste, miúdo? É incrível! Acabas de bater, e largamente, o record do Instituto nos 1000 metros!”. Naquela manhã não consegui sequer responder, arrastado pelos meus colegas, entusiasmados, que só queriam festejar. Umas horas mais tarde, quando toda a confusão passou, percorri lentamente a pista do meu Instituto (IFR) Instituto Francisco Ribalta, que brilhava com os reexos das torres de iluminação. Foi aí que senti, pela primeira vez na vida, a doce sensação de me sentir “o melhor”… Foi apenas nesse instante, sem o ter levado muito a sério, no entanto, faltava ainda competir com os melhores.

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O sonho de ser o melhor. Andrés Vera Llorens

Atei meticulosamente os atacadores das minhas sapatilhas, lancei um olhar para a pista e respirei fundo. Entre uma chuva de flashes, os nossos nomes e países que representávamos começam a ouvir-se pelos altifalantes do estádio, ao mesmo tempo que um estádio inteiro “rugia” à nossa volta, impaciente, aguardado o início do espetáculo: a final olímpica de 1500 metros!

Uma das “provas rainha” do atletismo mundial reúne de 4 em 4 anos os melhores corredores, aqueles que demonstraram maior força física e mental, maior equilíbrio entre velocidade, resistência e estratégia, maior ambição pela vitória.

Realizava os últimos alongamentos, com toda a tensão acumulada no meu rosto, sentia o coração a bater depressa, quase tão depressa como a sucessão de acontecimentos que me tinha levado até ali. Afinal, só tinham passado 7 anos…

Descobrindo um dom “Sabes o que fizeste, miúdo? É incrível! Acabas de bater, e largamente, o record do Instituto nos 1000 metros!”. Naquela manhã não consegui sequer responder, arrastado pelos meus colegas, entusiasmados, que só queriam festejar. Umas horas mais tarde, quando toda a confusão passou, percorri lentamente a pista do meu Instituto (IFR) Instituto Francisco Ribalta, que brilhava com os reflexos das torres de iluminação. Foi aí que senti, pela primeira vez na vida, a doce sensação de me sentir “o melhor”… Foi apenas nesse instante, sem o ter levado muito a sério, no entanto, faltava ainda competir com os melhores.

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Esse duelo chegou alguns meses mais tarde, durante os campeonatos inter-escolas. “Aqui estão os melhores atletas e estes são os dois principais favoritos” disse-me o meu treinador e amigo

Enrique Beltran, “cola-te a eles, se conseguires, e espera pela tua oportunidade”. Assim fiz, esperei até à reta final, onde a mais de 300

metros conseguia vislumbrar a meta. Chegámos os 3 na frente da corrida. Aqueles rapazes pareciam fortes, eram a

minha referência, mas eu também me sentia muito bem naquele momento, demasiado bem. “Será este o

melhor momento para atacar, ou devo esperar um pouco mais?”. O meu instinto disse-me “agora” e as

minhas pernas começaram a acelerar, ultrapassando os meus adversários e alcançando a meta em primeiro

lugar, emocionado e surpreendido ao mesmo tempo.

Naquela mesma noite, avaliando mentalmente a minha corrida, senti-me um privilegiado, tinha descoberto algo mágico e maravilhoso: um dom. Mas ao mesmo tempo

imaginei que esse dom poderia mudar a minha vida, para sempre, e que isso me exigiria assumir responsabilidades e renunciar a outras coisas importantes; se, realmente, se tratava de um dom da natureza, não poderia desperdiça-

lo, deveria trabalhar duro para o converter numa realidade. Essa era a minha responsabilidade.

Assumi esse compromisso em pleno. Comecei a treinar todos os dias, mentalizado em explorar os meus limites

e descobrir até onde poderia chegar.

Rapidamente chegou a oportunidade que esperava: O Campeonato Nacional Júnior de España em Pista Coberta, em Madrid. Aí estavam os melhores dos

melhores, frente a frente. Cheguei calmo e tranquilo, mas com a curiosidade de perceber se teria ou não

atingido o meu auge de forma e se todos aqueles “campeões” seriam demasiado fortes para o meu

“dom”…

Poucos minutos depois, teria o veredicto: Medalha de Prata nos 800 metros. Segundo lugar, ma minha

primeira participação! Não estava em mim, nessa altura, era inacreditável; era verdade que tinha

treinado muito nos últimos meses mas ali estavam os melhores atletas de toda a Espanha…

De volta a casa, não parava de me questionar a mim próprio: “E agora? Qual o próximo passo?”. Naquela altura era estudante de Arquitetura em Valência e isso era o orgulho dos meus pais, que

viam no Atletismo apenas um passatempo saudável, mas sem perspetivas de futuro.

pasatiempo sano, sin mayor perspectiva de futuro.

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A Chamada do Destino: A Residência “Joaquin Blume” No meio daquele mar de dúvidas sobre o meu futuro imediato, a oportunidade apareceu-me à porta: uma bolsa de um ano, em Madrid, para integrar o Centro de Alto Rendimento Joaquín Blume, reservado aos atletas de elite. O meu Pai não aceitou bem a decisão, afinal de contas, o seu filho estava disposto a largar tudo por “nada”, pela remota possibilidade de fazer carreira num desporto que dificilmente poderia ser o meu sustento. Podia parecer um sonho absurdo, inatingível, próprio de alguém imaturo. Mas era o “meu” sonho e assumi com toda a responsabilidade que não estaria disposto a abdicar dele.

Vim para Madrid, deixando para trás a família, amigos, carreira académica, …futuro? Tinha um ano para demonstrar o meu valor, para provar que as minhas aptidões físicas me poderiam levar longe, ao limite dos meus sonhos.

“La Blume” – como era conhecida entre os atletas – era um autêntico viveiro de talento, especialmente no “meio-fundo”, tendo sido responsável pela melhor geração de atletas de toda a história do Atletismo Espanhol. Aí cruzava-me com toda a naturalidade com as maiores figuras da época, aos quais só me apetecia pedir um autógrafo (José Luiz Gonzalez, Colomán Trabado, Antonio Páez, José Manuel Abascal…). Mas eu não estava disposto a ser um mero espectador naquela “parada de estrelas”. Rapidamente percebi que todas essas estrelas eram feitas de carne e osso, como eu, que sofriam e suavam como todos os outros, que também tinham dias maus, também cometiam erros e claro, também se esforçavam até ao limite das suas capacidades. E quais eram os meus limites? Essa era a questão.

Até então, eu estava convencido que treinava muito, no duro…que enganado estava! Os treinos ali é que eram realmente duros! Séries e séries, voltas e mais voltas, escadas, sprints, até não podermos mais. E só depois começava o verdadeiro treino…o que te leva a superar todos os teus limites, o treino mental. Muitas vezes pensamos que já não conseguimos mais…na maior parte das vezes...conseguimos! Os veteranos observavam-me, céticos, e faziam as suas apostas sobre se aguentaria ou não o exigente regime de treino. A maioria dos novatos acabava por desistir, porque o preço a pagar era demasiado alta e a recompensa, demasiado incerta. Renunciávamos à nossa juventude (saídas, noitadas, festas, copos) por troca por uma quimera. E nem todos estão dispostos a isso; quase ninguém, aliás.

Todos tínhamos sonhos, queríamos fazer isto e aquilo e tornarmo-nos no melhor dos melhores, mas o sacrifício que esses sonhos acarretavam era um longo percurso, um percurso tão doloroso que muitas vezes nos levava a duvidar - das nossas escolhas e das nossas capacidades – e a pensar em desistir, inconscientemente, e a procurar outros caminhos.

Um adversário implacável Às vezes as estrelas são tão luminosas que não permitem que ninguém lhes faça sombra, muito menos, um recém-chegado. Tive que conquistar o direito a treinar junto das estrelas, demonstrando-lhes, diariamente, que estava disposto a fazer tudo o que estivesse ao meu alcance – e das minhas pernas – para chegar ao nível deles. Ao meu nível!

Quando o teu adversário é “alguém”, a estratégia a adotar é clara, deves estuda-lo a fundo, conhecer os seus pontos fortes e sobretudo, os seus pontos fracos. Para além de os conhecer, deves aprender a “lê-los” na pista, e, ao menor sinal de debilidade, atacar sem piedade.

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Mas o meu primeiro adversário ali dentro, não era nenhuma pessoa em particular, era algo muito mais frio e difícil de combater: o cronómetro. O cronómetro ditava a sentença e eu precisava batê-lo para me manter na Blume, para seguir uma carreira, para conquistar títulos, para seguir o meu sonho, o sonho de ser “o melhor”.

Para reduzir meio segundo que fosse eram necessários meses de sacrifício, milhares de post its colados na cabeceira da minha cama com a marca que procurava atingir, uma obsessão com que convivia, dia após dia.

O enorme esforço começou então a dar frutos, os meus tempos estavam cada vez melhores e minha capacidade de superação, crescia. Um dia, recebi a feliz notícia que seria internacional: tinha sido convocado para a Seleção para um encontro internacional contra a França e Itália em Grenoble.

Provavelmente deparei-me aí com o meu maior desafio. Com apenas 20 anos, ia defrontar corredores experientes, representando o meu país, nos 800 metros. Tinha treinado durante meses, tinha feito um grande trabalho de mentalização positiva: via-me a cruzar a meta, a sentir o clamor do público, saboreando a vitória, na minha mente. E a corrida correu tal qual tinha imaginado, adiantei-me a 3 adversários na reta final e ganhei com uma boa margem. O tempo também ficou dentro do previsto e assim venci também a minha batalha pessoal, contra o relógio.

Campeão! Campeão? O meu desejo de superação era permanente, assim como o meu sonho de ser “o melhor”…

Este desejo levava-me a um empenho máximo nos treinos; Não bastava dar 100%, tinha que atingir os 130% e sabia que isso era possível. Na minha mente só existia a vontade de superar todos os meus adversários, sem exceção. E trabalhei sempre com esse objetivo, avaliando o estado de forma dos consagrados, diagnosticando rapidamente se estavam em bom momento ou não e potenciando as minhas capacidades para explorar os seus “tendões de Aquiles”.

O Campeonato de Espanha Absoluto disputava-se nesse ano em San Sebastian. Com 22 anos, passeava pela Praia de la Concha revendo mentalmente a minha estratégia para a corrida. Sentia-me preparado, com o sentimento de dever cumprido e foi por isso que abordei a corrida de forma tranquila e relaxada. Logo no início, colei-me aos favoritos, à espera que eles se tentassem distanciar, a cada reta, a cada curva, em cada volta. Chegou o meu momento, acelerei na reta oposta à da meta e abordei a última curva na frente. Sentía a perseguição nas minhas costas e contraía o rosto num esgar de esforço; o vento, pelas costas, empurrava-me na última reta, entretanto, 2 adversários tentavam ultrapassar-me, um de cada lado. Ficaram lado a lado comigo, era o momento da verdade, aquele momento porque tanto me tinha sacrificado…e aguentei, aguentei, aguentei, até atingir os tais 130% a que me tinha habituado nos treinos. E então, aconteceu: subitamente os adversários começaram a ficar para trás, acelerei a passada e percebi que o 2º classificado já olhava para trás tentando não ser ultrapassado pelo 3º…30 metros, 20 metros, 10 metros… Já era Campeão de Espanha!

Vivi nas nuvens durante uns dias, até que percebi que a corrida ia continuar, que só és valorizado pelo que consegues atingir e que, rapidamente, haveriam muitos atletas empenhados em vencer-me na próxima prova.

Era campeão, sim, mas não para sempre. Necessitava definir novos objetivos, novos desafios, novas marcas para bater. Os adversários continuavam lá e os Jogos Olímpicos de Los Angeles eram já no ano seguinte…

O Melhor “O Melhor” estava agora junto a mim: Sebastián Coe, uma lenda viva neste desporto, era o grande favorito para a final e sorria perante uma multidão de fãs que gritava o seu nome.

Chamam-nos para a linha de partida. Agora não havia mais lugar para pensamentos, só entram as emoções e os sentimentos, a começar pela minha garganta, seca e áspera. Ouve-se o disparo, seguem-se os empurrões e as cotoveladas para tentar conquistar a melhor posição no pelotão. Foi tudo muito rápido, no entanto, recordo cada segundo daquela corrida. Estávamos 2 Espanhóis na final, os primeiros a atingir uma final olímpica de 1500 metros, na história. Abascal acabou em terceiro lugar – medalha de bronze – e eu consegui um sétimo lugar, o que me deu direito a receber o Diploma Olímpico. Para Coe, ficou reservada a glória de ser campeão olímpico.

Nunca saberei se poderia ter ou não ganho aquela corrida. O que sei é que poderia ter feito melhor.

O melhor”. Que bem que soa! Curto, forte, contundente: “O melhor”…a seguir vem sempre a pergunta: “A quem ganhaste?” Porque ser el mejor implica siempre estar por delante de otros, cruzar la meta en primera posición, aunque sólo sea por una mínima fracción de segundo. Ou não?

Anos mais tarde, afastado do desporto de elite, procurei outros objetivos: acabar a minha carreira, tirar um Master, constituir família e criar o meu próprio projeto empresarial. Mas há algo que nunca mudou: continuo a acordar de manhã com a firme determinação de ser a melhor versão de mim mesmo, no seio da minha família, com os meus amigos e no meu trabalho, disposto a pagar o preço que for necessário, seja ele qual for;

“Porque no Atletismo como na vida, só há um rival para bater, muito forte e que por vezes passa despercebido: nós mesmos”

“Ser o melhor” significa dar o melhor de nós a todo o momento, correr sem descanso atrás do sonho, para chegarmos à “melhor

versão de nós mesmos”.

Be your Best Andrés Vera Llorens CEO ThinkSmart Finalista Olímpico JO Los Angeles (1500 metros)

TM