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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
“O Teatro de Martins Pena: Imagens da Sociedade e da Cultura Carioca
na Primeira Metade do Século XIX”
Aluna: Sabina Pinheiro de Aguiar
Profª. Orientadora: Maria Esther de Araújo Oliveira
Rio de Janeiro - RJ – Dezembro / 2001
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
“O Teatro de Martins Pena: Imagens da Sociedade e da Cultura Carioca
na Primeira Metade do Século XIX”
SABINA PINHEIRO DE AGUIAR
Rio de Janeiro - RJ – Dezembro / 2001
Monografia apresentada àUniversidade Cândido Mendescomo requisito parcial paraobtenção de grau deEspecialista em Docência doEnsino Fundamental e Médio,sob a orientação da Profª. MariaEsther de Araújo Oliveira.
Agradecimentos:
A Deus, pelo dom da vida e com ela o saber;
Aos meus pais, pelo amor incondicional;
Aos meus irmãos, pelo carinho e incentivo;
Aos meus amigos, pelo apoio e compreensão;
Aos mestres, pelos ensinamentos da profissão;
Aos colegas de turma, pelos inesquecíveis momentos que passamos juntos;
E a todos que contribuíram para a realização deste trabalho.
Dedicatória:
Dedico esta monografia aos meus pais, Humberto e Maria Luzia.
Epígrafe:
“O homem de verdadeiro talento não deve ser imitador. A imitação mata a
originalidade e é nessa que está a transcendência e a especialidade do
indivíduo”.
Martins Pena
SUMÁRIO: Resumo ......................................................................................................... vi Introdução .................................................................................................... 01 1. A chegada da Corte e a expansão urbana do Rio de Janeiro .............. 03 2. Breve retrospecto do teatro no Brasil ................................................... 06
2.1 O Teatro Real São João ............................................................. 07 2.2. O surgimento do teatro nacional ............................................... 08
3. O aparecimento de Martins Pena no cenário teatral brasileiro............. 10 4. O teatro de Martins Pena: Imagens da sociedade e cultura carioca .... 12
4.1. A estréia com O Juiz de Paz da Roça ......................................... 12 4.2. Ingleses no Brasil ....................................................................... 15 4.3. Uma lição de comédia ................................................................ 18 4.4. A mania da ópera ......................................................................... 20 4.5. Um observador atento ................................................................ 22 4.6. Tartufos, beatos e carolas .......................................................... 22 4.7. Ciganos, caixeiros e meirinhos .................................................. 24 4.8. A comédia copia a vida .............................................................. 25 4.9. Brigas de casados e amores de viúvos .................................... 26 4.10. Um noviço na Côrte ................................................................... 27
5. Análise crítica da obra de Martins Pena .................................................. 31 Conclusão ....................................................................................................... 33 Bibliografia ..................................................................................................... 35 Anexo: Iconografia da cidade do Rio de Janeiro na Primeira Metade do Século XIX.
vi
Resumo:
Esta monografia pretende analisar a obra de
Martins Pena traçando, a partir dela, um painel da sociedade e da cultura
brasileiras da primeira metade do século XIX.
Figurando na nossa história como o fundador da
comédia de costumes, Luís Carlos Martins Pena nasceu em 5 novembro de
1815 no Rio de Janeiro, e faleceu em 7 de dezembro de 1848 em Lisboa,
deixando aproximadamente 30 peças, das quais se destaca O Noviço.
Um dos mais importantes dramaturgos brasileiros,
Martins Pena trouxe o caráter nacional ao teatro da época. De grande tendência
cômica, escreve comédias e farsas que, durante parte do século XIX, é um
gênero extremamente popular.
Neste trabalho são analisadas as comédias e farsas
escritas por Martins Pena – publicadas e/ou encenadas, buscando evidenciar
enredo, diálogos, situações, personagens, contexto histórico e social; também é
traçado um panorama da época e os fatos marcantes da história do Brasil que
contextualizam a obra de Martins Pena.
Por fim, é apresentado, em anexo, uma iconografia
que ilustra a vida e arte produzida na cidade do Rio de Janeiro, na primeira
metade do século XIX.
1
Introdução:
"Se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da história brasileira dos primeiros cinqüenta anos deste século XIX, e nos ficassem somente as comédias de Martins Pena, era possível reconstruir por elas a fisionomia moral de toda essa época".1
Esta análise, feita no final do século passado pelo
crítico literário Sílvio Romero sobre as comédias de Luís Carlos Martins Pena,
resume a importância adquirida pela dramaturgia desse autor no panorama da
literatura e teatro brasileiros.
Considerado por muitos estudiosos o "pai do teatro
de costumes no Brasil", Martins Pena criou personagens que – apesar de não
terem grande densidade psicológica – simbolizam diferentes tipos sociais de
nosso país. Por meio do humor e da sátira, constrói um retrato da sociedade
brasileira. Seus personagens representam tipos sociais, em geral, vistos sob seus
piores aspectos. Estão presentes em seus textos desde os nobres representantes
da Corte, no alto da camada social, até os escravos, na base da pirâmide,
passando também por funcionários públicos, empregados em diferentes tipos de
empresas, sacristãos, soldados, artesãos etc.
Mostrando por meio do humor e da sátira as
condutas e os costumes "censuráveis" da população, o autor traça um amplo
retrato do Brasil da primeira metade do século XIX. Observador astuto de sua
época e crítico mordaz, Martins Pena mostra a vida na província ou na capital,
fixa as relações familiares e as formas como são providenciados os casamentos,
ou entabulados os namoros, não lhe escapando os conflitos de gerações ou a
denúncia de uma série de aspectos sociais.
Além disso, expõe a desorganização e a corrupção
nos serviços públicos, o contrabando de escravos, a exploração do sentimento
1 ROMERO, Silvio. Vida e obra de Martins Pena. Porto, 1901.
2
religioso, os comerciantes que enganam seus clientes, os casamentos sob
encomenda ou homens que se casam apenas por interesse financeiro.
Desde O Juiz de Paz da Roça de 1838, até A
Barriga de Meu Tio, de 1846, escreve aproximadamente 30 peças,
despretensiosas e humildes, que carregam um dinamismo todo especial para
dentro das cenas rápidas e cheias de qüiproquós, nas quais Martins Pena retrata
com realismo o Brasil da época.
Morreu aos 33 anos, deixando-nos suas comédias
impregnadas de sátira social e um certo realismo ingênuo, ainda hoje atuais e por
isso representadas com sucesso. Certamente, seu estilo muito influenciou os que
o seguiram, como os romancistas e comediógrafos Joaquim Manoel de Macedo e
França Junior.
Esta monografia pretender analisar a obra de
Martins Pena traçando, a partir dela, um painel da sociedade e da cultura
brasileiras da primeira metade do século XIX. Com este objetivo, serão analisadas
as comédias e farsas – publicadas e/ou encenadas: enredo, diálogos, situações,
personagens, contexto histórico e social.
3
1. A chegada da Corte e a expansão urbana do Rio de Janeiro.
A vinda da Corte portuguesa para o Brasil, em
1808, representou o início da formação de uma nova nação. A abertura dos
portos, o livre comércio, a introdução de hábitos culturais e industriais e a
elevação à condição de Reino Unido contribuíram para que novas forças
sociais fossem incorporadas, modificando o perfil do país-colônia e dos
habitantes, especialmente sentida na cidade do Rio de Janeiro.
É difícil saber ao certo quantas pessoas aportaram
ao Rio de Janeiro com o Príncipe Regente D. João. Um contemporâneo escreveu
que toda a esquadra se compunha de 8 naus, 3 fragatas, 2 brigues, uma escuna
e uma charrua de mantimentos, além de 21 navios comerciais, o que daria um
total de 10.000 pessoas. Ao embarcarem em Lisboa com destino ao Brasil, a
família real, criados do paço, a nobreza cortesã, os empregados públicos
carregaram consigo o que podiam levar de mais precioso: pratas, jóias, louças,
roupas, livros, manuscritos, mapas, etc.
Para alojar a família real e a criadagem, o paço da
cidade, antigo palácio dos vice-reis, mesmo incorporando as acomodações da
antiga cadeia e do Convento do Carmo, não era suficiente. Calcula-se em 300
pessoas aquelas que inicialmente ali se instalaram. O rico negociante Elias
Antônio Lopes pôs então à disposição do Príncipe Regente a sua chácara, a
Quinta da Boa Vista, depois denominada Palácio de São Cristóvão.
A vinda da família real para o Brasil mudou, também,
a fisionomia do Rio de Janeiro. A cidade que os estrangeiros acharam suja, feia e
malcheirosa começou a se expandir e cuidar de sua aparência, abrindo-se às
modas européias. Para zelar pela segurança e policiamento da cidade, foi criada,
ainda em 1808, a Intendência de Polícia, encarregada de todos os serviços de
melhoria e embelezamento da cidade. Nessa época foram construídos chafarizes
para o abastecimento de água, pontes e calçadas; abriram-se ruas e estradas; foi
instalada a iluminação pública; passaram a ser fiscalizados os mercados e
matadouros; organizadas as festas públicas, etc. Essas melhorias eram
4
realizadas, muitas das vezes, com a contribuição dos ricos moradores, que
recebiam em troca benefícios materiais e títulos de nobreza do príncipe regente.
Os viajantes que visitavam o Rio de Janeiro se
surpreendiam com a rapidez das mudanças sofridas pela cidade. Um deles, o
inglês Gardner, comentou:
"O grande desejo dos habitantes parece ser o de dar uma fisionomia européia à cidade. Uma das mais belas ruas da cidade é a rua do Ouvidor, não porque seja mais larga, mais limpa ou melhor pavimentada que as outras, mas porque é ocupada principalmente por modistas francesas, joalheiros, alfaiates, livreiros, sapateiros, confeiteiros, barbeiros." 2
Durante o período de permanência de D. João no
Rio de Janeiro, o número de habitantes da capital dobrou, passando de cerca de
50 mil para cerca de 100 mil pessoas. Chegaram europeus das mais diversas
nacionalidades, com diferentes objetivos. Além daqueles que vinham "fazer
negócio", muitos outros vinham tentando "fazer a vida". Eram espanhóis,
franceses, ingleses, alemães e suíços, entre outros, das profissões as mais
variadas, como: médicos, professores, alfaiates, farmacêuticos, modistas,
cozinheiros, padeiros, etc. Formavam um expressivo contingente de mão-de-obra
qualificada. Instalavam-se no Rio, também, representantes diplomáticos, pois a
cidade se tornara a sede do Governo português.
As instituições acadêmicas estabelecidas a partir de
1810 representaram o esforço da administração portuguesa para dar condições
ao funcionamento do Estado português na colônia americana. As já existentes em
Portugal foram recriadas, como o Arquivo Real, a Real Biblioteca, o Erário Público
e a Academia da Marinha, dentre outras, acrescidas da Real Academia de
Pintura, Desenho, Escultura e Arquitetura Civil, resultante da Missão Francesa,
que chegou em 1816, e do Museu Real, em 1818.
Outra medida do príncipe-regente permitiu a
qualquer pessoa a abertura de escolas de primeiras letras, na maioria das vezes
2 PEREIRA, Ângelo, Os Filhos d'El Rei D. João VI, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1946, p. 114 e 119.
5
funcionando na casa do próprio professor. Os filhos das famílias mais abastadas
eram educados, em suas casas, por preceptores.
Também mudavam os costumes das famílias,
quebrando a reclusão do lar para as mulheres, que passaram a freqüentar os
espaços públicos, como as ruas e os teatros e, também dedicar-se `a leitura de
livros e ao estudo de outros idiomas. Multiplicavam-se as lojas de modas e os
cabeleireiros, freqüentados por senhoras ricas, que não queriam fazer feio diante
das damas da Corte.
Segundo Sérgio Buarque, a vinda da família real
para o Brasil, e, em conseqüência o estabelecimento da Côrte Portuguesa no Rio
de Janeiro causou profundas mudanças na sociedade carioca:
"... a sociedade refinava-se, não apenas pelas novidades
que lhe traziam os estrangeiros, mas igualmente pelos
salões que se vinham abrindo, para as reuniões
elegantes, promovidas pela nobreza chegada com a
Corte. As residências, em conseqüência, já
apresentavam um bom tom, que diferia profundamente
das pobres moradias do período anterior".3
3 HOLLANDA, Sérgio B. (org.) História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro
6
2. Breve retrospecto do teatro no Brasil até o início de século XIX
O surgimento e o desenvolvimento do teatro no
Brasil estão intimamente ligados à própria história do país. Do século XVII ao
início do século XIX o teatro é marcadamente colonial, fortemente influenciado
pelo teatro português.
Os iniciadores da atividade teatral no Brasil foram os
jesuítas portugueses de Coimbra que, meio século após a descoberta, foram
enviados como missionários às novas terras. Instituíram, assim, o “teatro de
catequese”, endereçado aos índios a serem evangelizados e aos colonos a serem
advertidos, e tendo como figura de maior destaque o Pe. José de Anchieta.
O século XVII foi um período conturbado para o
Brasil-colônia, que passou por lutas internas e externas: guerras contra os
franceses e holandeses, e lutas entre colonos e jesuítas. Esses acontecimentos
causaram fatalmente uma decadência da vida cultural que se fora formando em
embrião no século precedente. O teatro esmorece e não consegue renovar sua
inspiração.
Na primeira metade do século XVIII perdura ainda a
tradição de espetáculos teatrais organizados nos conventos, nos adros, nas
próprias igrejas, ou no interior dos palácios, até que em 1729 a autoridade
eclesiástica, preocupada com certos excessos, proibiu os espetáculos nas igrejas.
Em 1734, outra pastoral ainda mais rígida chegava a proibir a representação de
peças em qualquer lugar. A tais medidas da autoridade eclesiástica corresponde
uma tomada de consciência maior a respeito da importância do teatro, por parte
da autoridade civil: um édito de 17 de julho de 1777 chegava a recomendar a
construção de teatros públicos confortáveis e permanentes, tendo em conta o
grande valor educativo dos espetáculos e reconhecendo sua necessidade como
escola de valor, de política, de moral e fidelidade aos soberanos.
Assim, a atividade teatral expulsa das igrejas,
encontrava seus novos e mais adequados templos nas várias “Casas de Ópera”
7
que começavam a florescer por todo o Brasil colonial na segunda metade do
século XVIII. Surgiram modestas companhias de atores, quase todos mulatos, em
decorrência do preconceito português, que relegava todos os atores ao mais
ínfimo grau de consideração social. O repertório destas companhias era composto
geralmente de comédias e melodramas. Encenava-se peça de Molière, Goldoni,
Voltaire e Antônio José da Silva, o “Judeu”. Alguns inconfidentes também
escreviam para teatro, como Cláudio Manoel da Costa e Alvarenga Peixoto.
2.1 O Teatro Real São João
Com a chegada da família real ao Brasil em 1808 e
a instalação da côrte no Rio de Janeiro, foram restaurados antigos teatros e
construídos novos, como o Real Teatro São João. Este teatro, que atualmente se
chama João Caetano, foi inaugurado em 12 de outubro de 1813, por ocasião do
aniversário do rei D. João VI, e tornou-se o centro não só da vida artística mas
também da vida política e social da capital.
Sede da Corte, o Rio de Janeiro precisava de um
teatro que satisfizesse as necessidades de uma nova clientela, construído "à
moda do de São Carlos" (Lisboa). Para angariar fundos para a sua construção,
foram permitidas pelo Príncipe Regente, em 1811, sete lotarias. Quando foi a
inauguração do Real Teatro de São João, em 1813, o espetáculo começou com
um "drama lírico" intitulado O Juramento dos Numes , da autoria de D. Gastão
Fausto da Câmara Coutinho que já em 1810 compusera um outro drama, O
Triunfo da América . A música foi composta por Bernardo José de Sousa e
Queirós, compositor do Real Teatro, e nos intervalos executavam-se danças. No
fim foi apresentada uma peça, Combate de Vimeiro.
Com a inauguração do Real teatro São João, a
cidade e a corte passaram a ter uma vida teatral intensa. Pelos anúncios da
Gazeta do Rio de Janeiro se depreende que as sessões teatrais eram sempre
muito variadas, com peças dramáticas, música, danças, entremezes, recitativos.
A ópera também estava presente, com a Cenerentola de Rossini e a Caçada de
Henrique IV de Puccitta. O bailarino francês Auguste Toussaint dançou, em 1819,
um "baile série pantomimo", Ulisses e Penélope.
8
Embora fossem freqüentes os espetáculos do Teatro
São João, eram sobretudo as datas memoráveis relacionadas com a família real
que davam ocasião a sessões mais cuidadas. O casamento de D. Pedro com D.
Leopoldina foi festejado com um "elogio alegórico", com o "drama por música"
Coriolano e, nos intervalos deste, um ballet, ou baile, Triunfo do Brasil, para o
qual o pintor de história Jean-Baptiste Debret fez um quadro alusivo aos
desposórios.
Mas somente após a Independência é que o teatro
brasileiro começou a assumir seu definitivo caráter individual. Deu-se início ao
período romântico no teatro principalmente representado por Gonçalves de
Magalhães, no drama, e Martins Pena, na comédia. O ano de 1838 é considerado
um marco na história do teatro brasileiro, com a representação da tragédia
Antonio José ou o Poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães, a 13 de
março no Teatro Constitucional Fluminense4. Primeiro drama histórico brasileiro,
foi levada à cena pela Companhia de João Caetano.
2.2. O surgimento do teatro nacional
Só na primeira metade do século XIX, durante o
reinado de D. Pedro I, é que emerge um teatro com características nacionais. Era
o período Romântico, nas artes e literatura. Surge o primeiro grande ator
brasileiro, João Caetano dos Santos.
João Caetano (1808-1863) é considerado o primeiro
grande ator brasileiro. Especializado em papéis dramáticos, trabalha em peças de
autores como Victor Hugo, Shakespeare, Alexandre Dumas Filho e Molière. Sua
montagem de ''Antônio José'' ou ''O poeta e a Inquisição'' (1838), de Gonçalves de
Magalhães, dá início a um teatro com temas e atores brasileiros. No livro ''Lições
Dramáticas'' reflete sobre a arte de representar.
Desde sua estréia em 1827, aos 19 anos, não foram
poucos os esforços do jovem ator João Caetano. O teatro sobrevivia para simples
4 O teatro incendiou-se em 1824 e após a reconstrução e reinauguração em 1826 passou a se chamar Teatro São Pedro de Alcântara, em homenagem ao novo imperador. Após a abdicação de D. Pedro I, o mesmo teatro passou a se chamar teatro Constitucional Fluminense, voltando a se chamar Teatro São Pedro com a coroação do imperador D. Pedro II, em 1840. Teve mais dois incêndios: um em 1851 e outro em 1854).
9
divertimento da gente da corte sem haver nenhuma preocupação teórica ou
artística.
Por lei, cada teatro abrigava uma companhia
dramática em língua portuguesa e duas estrangeiras, sendo uma lírica e outra
dramática, garantindo a presença dos atores e atrizes portugueses, das divas da
ópera italiana e dos atores e atrizes franceses, as maiores influências na vida
teatral da corte. Na temporada lírica, o público se dividia em partidos teatrais a
favor de uma ou outra prima-donna italiana. Os portugueses dominavam desde a
atuação até a administração dos teatros, que não eram muitos. A dramaturgia era
sustentada por traduções não confiáveis de dramas franceses com algumas
tentativas fracassadas de levar à cena textos de autores nacionais, até surgir o
gênio de Martins Pena, outro pioneiro do teatro nacional. Neste cenário, João
Caetano leva a sério seu projeto de estabelecer condições de trabalho para a
atividade teatral.
Em 1833 forma a Companhia Dramática Nacional,
a primeira composta somente por atores brasileiros e a ter salários fixos. Esta
companhia foi responsável pela encenação das primeiras tragédias e comédias
brasileiras, ambas em 1838, Antônio José da Silva ou o Poeta da Inquisição de
Gonçalves de Magalhães e Juiz de Paz na Roça de Luis Carlos Martins Pena,
respectivamente. Mas será o gênero trágico o maior filão da companhia e nos
papéis trágicos, João Caetano será aclamado como o primeiro ator do Império do
Brasil.
10
3. O aparecimento de Martins Pena no cenário teatral brasileiro
Expansão do comércio e da indústria, urbanização,
difusão de ideais de liberdade, associados à recente independência, dão ares de
modernidade ao Rio de Janeiro e criam um certo orgulho em ser brasileiro.
Orientados pela visão apaixonada do Romantismo, artistas e intelectuais buscam
definir a identidade nacional.
Simultaneamente, surge um público, ainda que
reduzido, interessado em ver nos palcos não somente peças francesas ou óperas
italianas, mas também as histórias brasileiras. É nesse contexto que surge
Martins Pena. Diferentemente da poesia e do romance romântico de seu tempo,
ele não tratou de modo idealizado as questões da nacionalidade, mas focalizou a
sociedade do Segundo Reinado naquilo que ela tinha de inocência e ridículo.
O dramaturgo soube apresentar com graça e simplicidade as intrigas triviais da
vida de roceiros, viúvas assanhadas, juízes corruptos, moças casadouras, enfim,
espelhava no palco, por meio de tipos caricatos, o cotidiano conhecido do público.
E, nesse espelhamento bem-humorado, punia os maus, premiava os bons,
satirizava os poderosos e colocava em prática a idéia já antiga de que é rindo que
se corrigem os vícios e se aperfeiçoam as virtudes.
Martins Pena criou a tradição da comédia de
costumes, seguida por Joaquim Manoel de Macedo, França Júnior, Artur
Azevedo. Ele é o grande precursor do teatro brasileiro.
Na história das nossas letras e teatro, o ano de 1838
fica marcado por dois importantes acontecimentos: as encenações das obras
originais de dois autores considerados os fundadores da nossa dramaturgia: Luis
Carlos Martins Pena e José Gonçalves de Magalhães. Este escreveu aos 27 anos
uma tragédia com o título de Antônio José ou o poeta e a inquisição. Foi
encenada em 13 de março por João Caetano. Nela, historiava a perseguição
religiosa e a condenação à morte na fogueira, do judeu talentoso que escreveu
várias outras peças cômicas, até hoje representadas. Foi também político e
diplomata. As peças do então “Visconde de Araguaia” (Gonçalves de Magalhães)
hoje são simples curiosidades, relíquias de museu, ao passo que as de Martins
Pena são freqüentemente encenadas.
11
Martins Pena nasceu em 1815 e lutou contra as
adversidades durante toda a sua vida, breve e atormentada. Com apenas 1 ano
de idade ficou órfão de pai. A mãe morreu quando ele tinha 10 anos. Foi criado
pelo avô e pelo tio materno, ambos comerciantes. Por isso, em 1832 estava
matriculado no curso de comércio, que completou destacadamente por sua
inteligência e aplicação. Ainda indeciso, cursou a Academia de Belas Artes.
Cursou também música e canto, ao mesmo tempo que passou a estudar línguas,
começando pelo francês e depois inglês e italiano. Mas sua verdadeira vocação
estava nas letras teatrais e tudo que aprendeu foi mais tarde utilizado nelas.
O primeiro trabalho de Martins Pena que chegou ao
conhecimento do público foi o conto Um episódio de 1831, que apareceu na
revista Gabinete de Leitura, a 8 de abril de 1838. Publicou três outros contos na
pequena revista Correio das Modas: A sorte grande, Minhas aventuras numa
viagem de ônibus e O poder da música.
Quando Martins Pena encontrou sua vocação,
encontrou também sua razão de ser. Existia um terreno virgem, bruto, inculto,
exigindo, de quem o viesse cultivar, paciência, tenacidade e talento. Nenhuma
dessas qualidade fundamentais faltava a Martins Pena. E foi graças a elas que
pode lançar as bases da comédia de costumes no Brasil.
A 4 de outubro de 1838 foi representada sua
primeira farsa, no então teatro São Pedro, como complemento da tragédia A
Conjuração de Veneza. A comédia, primeiramente intitulada O Juiz da Roça (e
depois O Juiz de Paz da Roça) divertiu bastante os espectadores, que ficaram
surpresos e extasiados com o talento novo dramaturgo.
12
4. O teatro de Martins Pena: Imagens da sociedade e cultura carioca
Martins Pena escreveu as seguintes peças: Juiz de
Paz na Roça, 1838; Um Sertanejo na Corte (inacabada, não representada e só
impressa); Fernando ou O Cinto Acusador (id.); D. João de Lira ou O Repto (id.);
A Família e a Festa da Roça, 1840; D. Leonor Teles (não representada nem
impressa); Itaminda ou O Guerreiro de Tupã (id.); Vitiliza ou Nero de Espanha
(1841, não publicada); Os Dous ou O Inglês Maquinista (escrita em 1842,
representada em 1845); O Judas em Sábado de Aleluia, 1844 (ed. 1846); O Irmão
das Almas, 1844; O Diletante, 1845 Os Três Médicos, 1845; O Namorador ou A
Noite de São João, 1845; O Noviço, 1845: O Cigano, 1845; O Caixeiro da
Taverna, 1845; As Casadas Solteiras, 1845; Os Meirinhos, 1846; Quem Casa,
Quer Casa, 1845; Os Ciúmes de um Pedestre ou O Terrível Capitão do Mato,
1846; As Desgraças de uma Criança, 1846; O Usuário (não representada, nem
publicada.);Um Segredo de Estado, 1846; O Jogo de Prendas (não representada,
nem publicada.); A Barriga de Meu Tio, 1847 (não publicada).
4.1. A estréia com O Juiz de Paz da Roça
Martins Pena viu representada a primeira de suas
comédias, o Juiz de Paz da Roça, em 4 de outubro de 1938. É uma comédia em
quatro quadros, com 2 cenários distintos, que se passa durante a Guerra dos
Farrapos, onde um juiz de paz agia com extravagância e plena liberdade nas
decisões.
De enredo bastante simples, tem sua ação
inteiramente passada na roça e enfoca, de modo pitoresco, os quiproquós vividos
por uma típica família rural brasileira dos meados do século passado.
Os tipos criados pelo comediógrafo são hoje
clássicos: Manuel João, pequeno lavrador; Aninha, sua filha, e o namorado José,
sujeito vadio e oportunista. Ou, então, a figura do juiz de paz - que dá título à peça
-, responsável pelos momentos mais engraçados da comédia.
O momento histórico da ação é o mesmo da
Revolução Farroupilha, acontecida no Rio Grande do Sul, em 1834: é da
convocação militar que José, noivo de Aninha, vem fugindo. O casamento seria
13
justificativa legal para seu não recrutamento. Coincidentemente, é Manuel João o
encarregado de conduzir o recruta ao serviço militar - o que não acaba
acontecendo, naturalmente. No meio da noite o Aninha e José fogem e casam-se
em segredo. Após descobrirem o fato consumado os pais perdoam a jovem e vão
até o juiz esclarecer o caso. O rapaz fica assim desobrigado de servir e a peça
acaba com todos comemorando
Passemos a um trecho da peça, que ilustra a vida na
corte, a partir do ponto de vista de José:
CENA II (Entra José com calça e jaqueta branca). JOSÉ — Adeus, minha Aninha! (Quer abraçá-la.) ANINHA — Fique quieto! Não gosto destes brinquedos. Eu quero casar-me com o senhor, mas não quero que me abrace antes de nos casarmos. Esta gente quando vai à Corte, vem perdida. Ora diga-me, concluiu a venda do bananal que seu pai lhe deixou? JOSÉ — Concluí. ANINHA — Se o senhor agora tem dinheiro, por que não me pede a meu pai? JOSÉ — Dinheiro? Nem vintém! ANINHA — Nem vintém! Então o que fez do dinheiro? É assim que me ama? (Chora.) JOSÉ — Minha Aninha, não chores. Oh, se tu soubesses como é bonita a Corte! Tenho um projeto que te quero dizer. ANINHA — Qual é? JOSÉ — Você sabe que eu agora estou pobre como Jó, e então tenho pensado em uma coisa. Nós nos casaremos na freguesia, sem que teu pai o saiba; depois partiremos para a Corte e lá viveremos. ANINHA — Mas como? Sem dinheiro? JOSÉ — Não te dê isso cuidado: assentarei praça nos Permanentes. ANINHA — E minha mãe? JOSÉ — Que fique raspando mandioca, que é ofício leve. Vamos para a Corte, que você verá o que é bom. ANINHA — Mas então o que é que há lá tão bonito? JOSÉ — Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do capitão-mor. ANINHA — Oh, como é grande! JOSÉ — Representa-se todas as noites. Pois uma mágica... Oh, isto é coisa grande! ANINHA — O que é mágica? JOSÉ — Mágica é uma peça de muito maquinismo. ANINHA — Maquinismo? JOSÉ — Sim, maquinismo. Eu te explico. Uma árvore se vira em uma barraca; paus viram-se em cobras, e um homem vira-se em macaco. ANINHA — Em macaco! Coitado do homem! JOSÉ — Mas não é de verdade. ANINHA — Ah, como deve ser bonito! E tem rabo? JOSÉ — Tem rabo, tem. ANINHA — Oh, homem!
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JOSÉ – Pois o curro dos cavalinhos! Isto é que é coisa grande! Há uns cavalos tão bem ensinados, que dançam, fazem mesuras, saltam, falam, etc. Porém o que mais me espantou foi ver um homem andar em pé em cima do cavalo. ANINHA — Em pé? E não cai? JOSÉ — Não. Outros fingem-se bêbados, jogam os socos, fazem exercício — e tudo isto sem caírem. E há um macaco chamado o macaco Major, que é coisa de espantar. ANINHA — Há muitos macacos lá? JOSÉ — Há, e macacas também. ANINHA — Que vontade tenho eu de ver todas estas coisas! JOSÉ — Além disto há outros muitos divertimentos. Na Rua do Ouvidor há um cosmorama, na Rua de São Francisco de Paula outro, e no Largo uma casa aonde se vêem muitos bichos cheios, muitas conchas, cabritos com duas cabeças, porcos com cinco pernas, etc. ANINHA — Quando é que você pretende casar-se comigo? JOSÉ — O vigário está pronto para qualquer hora. ANINHA — Então, amanhã de manhã. JOSÉ — Pois sim. (Cantam dentro.) ANINHA — Aí vem meu pai! Vai-te embora antes que ele te veja. JOSÉ — Adeus, até amanhã de manhã. ANINHA — Olhe lá, não falte! (Sai José) CENA III ANINHA, só — Como é bonita a Corte! Lá é que a gente se pode divertir, e não aqui, aonde não se ouve senão os sapos e as entranhas cantarem. Teatros, mágicas, cavalos que dançam, cabeças com dois cabritos, macaco major ....... Quanta coisa! Quero ir para a Corte!
Os recursos ingênuos utilizados por Martins Pena
mais a simplicidade do enredo emprestam à ação uma graça pueril, mas bem
armada - que evolui, sem dúvida, ao longo de sua trajetória teatral.
Embora tenha sido criado na corte, Martins Pena
tinha predileção pelo meio rural. Costumava passar longos períodos no interior
fluminense. Essa tendência iniciou-se com O Juiz de Paz da Roça e prosseguiu
em Um sertanejo na corte, A família e a festa na roça, O namorador ou a noite de
São João, onde explora a ambiência folclórica da antiga côrte do Império. Os
temas são muito parecidos.
Estas peças também estão ligadas a bailes
populares. Embora nas 3 primeiras haja canto e dança, só a última está realmente
ligada pela intriga, à data que a alude. Em O namorador, a festa em que se
comemora o Santo padroeiro do dono da casa é o pretexto para a reunião dos
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personagens que não fazem parte da família.
4.2. Ingleses no Brasil
Após se desiludir com o gênero drama, já que não
teve sucesso com o primeiro que escreveu, Fernando ou o cinto acusador,
Martins Pena volta às comédias com intuito de crítica social: Ele escreve Os dous
ou o inglês maquinista.
No Brasil, havia o problema dos africanos
introduzidos ilegalmente no país, chamados “meias-caras”. Eram trazidos em
barcos de traficantes que conseguiam furar o cerco dos navios de guerra
ingleses. O tema da escravidão foi introduzido de passagem em comédias
anteriores. Mas o grande problema da época era o tráfico ilegal de escravos e a
corrupção das autoridades. A peça passou por duas censuras, a segunda, em
1946 sem restrições, por Joaquim Manoel de Macedo. Mas seis anos após a
estréia, a rivalidade entre o traficante e o inglês ainda divertia as platéias, porque
a situação não havia mudado.
A primeira versão da peça continha personagens e
cenas que não tinham nada a ver com a intriga, diluindo a ação. Na segunda
versão, os cortes feitos revelaram bom senso e melhor conhecimento da técnica
teatral.
A seguir, uma cena da peça que aborda a relação de
um brasileiro, Felício, com um comerciante inglês, Gainer:
CENA VII Felício - Estou admirado! Excelente idéia! Bela e admirável máquina! Gainer, contente - Admirável, sim. Felício - Deve dar muito interesse. Gainer - Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver acabada, não precisa mais de cuzinheiro, de sapateira e de outras muitas ofícias. Felício - Então a máquina supre todos estes ofícios? Gainer - Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, mandar vir um boi, bota a boi na buraco da maquine e depois de meia hora sai por outra banda da maquine tudo já feita. Felício - Mas explique-me bem isto. Gainer - Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast-beef, em fricandó e outras muitas; do couro sai sapatas, botas ... Felício, com muita seriedade - Envernizadas? Gainer - Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas, pentes e cabo de faca; das ossas sai marcas ...
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Felício, no mesmo - Boa ocasião para aproveitar os ossos para o seu açúcar. Gainer - Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e amêndoas. Felício - Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer trabalhar a máquina? Gainer - Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinqüenta por cento dá a mim para acabar a maquine, que trabalha depois por nossa conta. Felício, à parte - Assim era eu tolo ... (Para Gainer:) Não sabe quanto sinto não ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar, quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o meu capital em pouco! Ah! Gainer, à parte - Destes tolas eu quero muito. Felício - Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao senhor, que é o homem o mais filantrópico e desinteressado e amicíssimo do Brasil, especulador de dinheiros alheios e outros nomes mais. Gainer - A mim chama especuladora? A mim? By God! Quem é a atrevido que me dá esta nome? Felício - É preciso, na verdade, muita paciência. Dizerem que o senhor está rico com espertezas! Gainer - Eu rica! Que calúnia! Eu rica? Eu está pobre com minhas projetos pra bem do Brasil. Felício, à parte - O bem do brasileiro é o estribilho destes malandros ... (Para Gainer:) Pois não é isto que dizem. Muitos crêem que o senhor tem um grosso capital no Banco de Londres; e além disto, chamam-lhe de velhaco. Gainer, desesperado - Velhaca, velhaca! Eu quero mete uma bala nas miolos deste patifa. Quem é estes que me chama de velhaca? Felício - Quem? Eu lho digo: ainda não há muito que o Negreiro assim disse. Gainer - Negreira disse? Oh, que patifa de meia-cara ... Vai ensina ele ... Ele me paga. Goddam! Felício - Se lhe dissesse tudo quanto ele tem dito ... Gainer - Não precisa dize; basta chama velhaca a mim pra eu mata ele. Oh, que patifa de meia-cara! Eu vai dize a commander do brigue Wizart que este patifa é meia-cara; pra segura nos navios dele. Velhaca! Velhaca! Goddam! Eu vai mata ele! Oh! (Sai desesperado.).
Já a peça As casadas solteiras possui três atos: o
primeiro, se passa em Paquetá; o segundo, na Bahia, e o terceiro, no Rio de
Janeiro. Incialmente, possuía outro título: Bolynbrook & Cia e é imitação de uma
farsa francesa, contendo uma preciosa descrição da Festa popular de São Roque
na Ilha de Paquetá.
No primeiro ato, Jeremias, morador de Paquetá,
observa o movimento no cais e vê que chega para a festa na Ilha:
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JEREMIAS, à parte - Quem serão estes dois? (Aproximando-se deles.) Perecem-me ingleses... Há de ser, há de ser... É fazenda que não falta por cá. Não gostam do Brasil, Brésil non preste! Mais sempre vão chegando para lhe ganharem o dinheiro...
Isto também mostra o pensamento dos nativos em
relação aos ingleses. Desde os tempos da colônia muitos estrangeiros,
especialmente inglêses, vinham a Brasil para enriquecer - nem sempre
honestamente – a ainda por cima desprezavam o país.
Já o seguinte diálogo entre dois inglêses, revela seu
pensamento de superioridade em relação a País:
JOHN - Enfim, chegamos. BOLINGBROK - Oh, yes, enfim! É uma vergonhe estes barques de vapor do Bresil. Tão porque, tão, tão, tão... JOHN - Ronceira. BOLINGBROK - Ronceire? Que quer dize ronceire? JOHN - Vagarosa. BOLINGBROK - Yes, vagarosa. John, tu sabe mais portuguesa que mim. JOHN - Bem sabes, Bolingbrok, que ainda que sou filho de ingleses, nasci no Brasil e nele fui criado; assim, não admira que fale bem a língua... Mas vamos ao que serve. BOLINGBROK - Yes, vamos a que serve. JOHN - Primeiro, correremos tudo para ver se encontramos nossas belas. BOLINGBROK - Oh, God! Encontre nosses beles... Mim fica contente se encontre nosses beles. Oh, God! JOHN - Já vejo, meu caro Bolingbrok, que estás completamente subjugado. Admira-me! Um homem como sois, tão frio e compassado... BOLINGBROK - Oh, non, my dear! Este é um error muito... fundo... muito oco... non, non! Muito profundo... yes... muito profundo. Minha peito é uma volcão, uma barril de pólvora... Faltava só a faísca. Miss Clarisse é faísca, e minha peito fez, fez, fez bum! JOHN - Explosão. BOLINGBROK - Yes, yes! Explosão! Mim está incêndio. JOHN - Podias ter-te atirado ao mar. BOLINGBROK - Oh, non, non! Mar non! Primeiro quero casa com my Clarisse, senão eu mata a mim. JOHN - Devagar com isso, homem, e entendamo-nos. BOLINGBROK - Oh, God! JOHN - Há dois anos que chegaste de Inglaterra e estabeleceste, na Bahia, uma casa de consignação, de sociedade comigo. Temos sido felizes. BOLINGBROK - Yes! JOHN - Negócios de nossa casa obrigaram-nos a fazer uma viagem ao Rio de Janeiro. Há quinze dias que chegamos... BOLINGBROK - Yes! JOHN - E há oito que nossos negócios estão concluídos, e estaríamos já de volta, se não fosse o amor que nos prende.
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BOLINGBROK - Oh, my Clarisse, my Clarisse! JOHN - Por um feliz acaso, que servirá para mais estreitar nossa sociedade, amamos a duas irmãs. BOLINGBROK - Oh, duas anjos, John! Duas anjos irmãos... JOHN - Antes de ontem fomos, pessoalmente, pedi-las ao pia, que teve o desaforo de negar o seu consentimento, dizendo que não criou suas filhas para casá-las com ingleses. BOLINGBROK - Oh, goddam! Atrevida! JOHN - Mas deixa-o. Estamos de inteligência com elas, e hoje nos há de ele pagar. BOLINGBROK - Oh, yes! Paga, atrevida, paga! JOHN - Elas aqui estão desde manhã para assistirem à festa. Logo haverá fogo de artifício... Sempre há confusão... a falua estará na praia às nossas ordens, e mostraremos ao velho o que valem dois ingleses... BOLINGBROK - Yes! Vale muito, muito! Goddam!
4.3. Uma lição de comédia
A peça O Judas em Sábado de Aleluia foi escrita
pouco depois de Os dous, ou o inglês maquinista, e incorporou uma das cenas
anteriormente escrita para esta. É a conversa de moças sobre namoros e
namorados, revelando o modo de pensar da primeira metade do século XIX.
MARICOTA - Desacreditar-me por namorar! E não namoram todas as moças? A diferença está em que umas são mais espertas do que outras. As estouvadas, como tu dizes que eu sou, namoram francamente, enquanto as sonsas vão pela calada.... Vive na certeza, minha irmã, que as moças dividem-se em duas classes: sonsas e sinceras... Mas que todas namoram. CHIQUINHA - Não questionarei contigo. Demos que assim seja, quero mesmo que o seja. Que outro futuro esperam as filhas-famílias, senão o casamento? É a nossa senatoria, como costumam dizer. Os homens não levam a mal que façamos da nossa parte todas as diligências para alcançarmos este fim; mas o meio que devemos empregar é tudo. Pode ele ser prudente e honesto, ou tresloucado como o teu. MARICOTA - Não dizia eu que havia sonsas e sinceras? Tu és das sonsas. CHIQUINHA - Pode ele nos desacreditar, como não duvido que o teu te desacreditará. MARICOTA - E por quê? CHIQUINHA - Namoras a muitos. MARICOTA - Oh, essa é grande! Nisto justamente é que eu acho vantagem. Ora dize-me, quem compra muitos bilhetes de loteria não tem mais probabilidade de tirar a sorte grande do que aquele que só compra um? Não pode do mesmo modo, nessa loteria do casamento, quem tem muitas amantes ter mais probabilidade de tirar um para marido?
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CHIQUINHA - Não, não! A namoradeira é em breve tempo conhecida e ninguém a deseja por mulher. Julgas que os homens iludem-se com ela e que não sabem que valor devem dar aos seus protestos? Que mulher pode haver tão fina, que namore a muitos e que faça crer a cada um em particular que é o único amado? Aqui em nassa terra, grande parte dos moços são presunçosos, linguarudos e indiscretos; quando têm o mais insignificante namorico, não há amigos e conhecidos que não sejam confidentes. Que cautelas podem resistir a essas indiscrições? E conhecida uma moça por namoradeira, quem se animará a pedi-la por esposa? Quem se quererá arriscar a casar-se com uma mulher que continue depois de casada as cenas de sua vida de solteira? Os homens têm mais juízo do que pensas; com as namoradeiras divertem-se eles, mas não se casam. MARICOTA - Eu ta mostrarei. CHIQUINHA - Veremos. Dá graças a Deus se por fim encontrares um velho para marido.
Entre outras coisas, Martins Pena denuncia a exploração a corrupção.
Numa fala do personagem Pimenta, vemos a insatisfação deste com sua
profissão:
PIMENTA - Tenho que dar algumas voltas, a ver se cobro o dinheiro das guardas de ontem. Abençoada a hora em que eu deixei o oficio de sapateiro para ser cabo-de-esquadra da Guarda Nacional! O que ganhava eu pela ofício? Uma tuta-e-meia. Desde pela manhã até alta noite sentada á tripeça, metendo sovela daqui, sovela dacolá, cerol pra uma banda, cerol pra outra; puxando couro com as dentes, batendo de martela, estirando o tirapé - e na fim das cantas chegava apenas o jornal para se comer, e mal. Torno a dizer, feliz a hora em que deixei o ofício para ser cabo-de-esquadra da Guarda Nacional! Das guardas, das rondas e das ordens de prisão faço a meu patrimônio. Cá as arranjo de modo que rendem, e não rendem pouco... Assim é que é o viver; e no mais, saúde, e viva a Guarda Nacional e o dinheirinho das guardas que vou cobrar, e que muito sinto ter de repartir com ganhadores. Se vier alguém procurar-me, dize que espere, que eu já volto. (Sai.)
A peça também aborda a falsificação de moedas.
Portugal foi o grande centro de falsificação de nossa moeda, no século passado.
Mas as leis inocentavam Portugal. Em 1855 foi celebrada uma convenção com o
Império do Brasil com o fim de reprimir e punir o crime. O Jornal do Comércio
freqüentemente notificava.5
5 Conforme está em “A guerra dos chouriços”. In: MAGALHÃES Jr, Raimundo. O Império em chinelos. Civilização Brasileira, 1957.
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Metido dentro do boneco de Judas, Faustino assiste
e ouve tudo que se passa dentro da casa. Assim, descobre as falcatruas de
Antônio e o caráter dúbio de Maricota e tenta lhes impor um castigo:
FAUSTINO: (Para Antônio:) Os falsários já não morrem enforcados; lá se foi esse bom tempo! Se eu o denunciasse, ia o senhor para a cadeia e de lá fugiria, como acontece a muitos da sua laia. Este castigo seria muito suave... Eis aqui o que lhe destino (Apresentando-lhe Maricota:) É moça, bonita, ardilosa, e namoradeira: nada lhe falta para seu tormento. Esta pena não vem no Código; mas não admira, porque lá faltam outras muitas cousas. Abracem-se, em sinal de guerra! (Impele um para o outro.)
Esta fala final originalmente tinha uma redação mais
longa. A peça foi distribuída pelo Conservatório Dramático Brasileiro ao Dr.
Manoel Ferreira Lagos, que dispensou críticas elogiosas à obra. Em 17 de
setembro de 1844, a 3ª peça de Martins Pena é encenada.
4.4. A mania da ópera
Na peça O Diletante, Martins Pena aborda a vida
social da corte. O Rio tinha mania de ópera devido ao casamento de D. Pedro II
com a Princesa Teresa Cristina, que tinha em sua família, precedentes musicais.
O gosto pela música vinha desde os tempos de D. João VI, que trouxe seus
castrati italianos. Mas a partir da chegada da princesa napolitana, cresceu mais o
entusiasmo dos “diletantes”, como eram chamados, os apreciadores mais
exaltados dos espetáculos operísticos. Martins Pena também era grande fã da
cantora lírica Augusta Candiani, que se radicou no Brasil.
A figura central de O Diletante é José Antônio, que
só pensa em óperas e acredita na regeneração do mundo através da música.
Hospeda em sua casa o amigo Marcelo, paulista do interior. A diferença de
cultura entre o “homem refinado da corte” e o “homem grosseiro do interior” pode
ser observada no seguinte diálogo:
Marcelo: Deus lhe dê muitos bons dias... José Antonio: Oh, como tem passado? Ainda hoje não o vi... Marcelo: Tenho andado passeando pela cidade. José Antonio: Aonde foi?
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Marcelo: À Rua do Ouvidor. Vi muitas coisinhas bonitas penduradas nas vidraças e umas figuras que pareciam gente viva, andando assim à roda (anda a roda). José Antonio: Isso é na casa dos cabeleireiros. Marcelo: É isso mesmo, que lá vi muitos cabelos nas portas. Entrei numa casa onde estavam tocando um instrumento muito bonito; o homem tocava assim. (faz ação de quem toca um realejo). José Antonio: Foi no canto do Beco das Cancelas. É um realejo que chama os tolos. Marcelo: Há de ser isso mesmo. É bem bonito; hei de levar um comigo. Depois parei defronte de uma espingarda muito grande que está metida na parede. Porém o que mais me zangou foi uma ladroeira que vi em muita casa. José Antonio: O que foi? Marcelo: Um homem trepado em cima dos balcões, com um martelo de pau gritando: trezentos reis! Quatrocentos reis, senhores! Quinhentos réis!... E os tolos ainda fazendo roda, a olharem para ele. José Antonio: (rindo-se) É boa! É uma casa de leilão. Marcelo: Leilão... São modos de esperteza que os estrangeiros inventam para um pobre homem comprar a fazenda sem examinar. Não sou eu que caio nessa – não compro porcos na lama. Quero ver o que compro. José Antonio: O patrício não deixa de ter razão – os tais meninos, quanto peior é a fazenda, mais depressa falam! Que de logros não tem pregado por esta cidade! Marcelo: Enfim, na Rua do Ouvidor é confusão de coisas e de gente a passarem de baixo para riba e a fazerem uma bulha tal que me fizeram tonto. Tomara-me já em São Paulo! (senta-se no sofá). José Antonio: Homem, goze primeiro os prazeres da Corte. Não queira enterrar-se em vida no sertão. Vá ao teatro ouvir Norma, Belisário, Ana Bolena, Furioso. Marcelo: Não acho graça nenhuma. Umas cantigas que eu não percebo e que não se pode dançar. Não há nada como um fado. José Antonio: Que horror, preferir um fado à música italiana! (a parte) o que faz a ignorância! Marcelo: É que o senhor ainda não ouviu um fadinho bem rasgadinho e bem choradinho.(pega na viola e afina, enquanto José Antonio fala) José Antonio: Nem quero ouvir! Não diga isto à ninguém, que se desacredita. A música italiana, meu amigo, é o melhor presente que Deus nos fez, é o alimento das almas sensíveis. Marcelo: Pois o meu alimento é feijão com toucinho, fubá de milho e lombo de porco. José Antonio: Que blasfêmia! (à parte) É o que faz a ignorância! Marcelo: Que graça acha o senhor na música? Não me dirá. [...] José Antonio: Quando a música toca no fundo da minha alma, dá-me vontade de fazer um despropósito; de fazer nem sei o que... Saltar, pular, esfregar-me, espojar-me pelo chão... Ah, meu amigo, que sensação deliciosa! Marcelo: Cuidado que a música lhe há de fazer doido. [...]
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José Antonio: Patrício, você não sabe do que é capaz um diletante. Marcelo: Diletante, não sei o que seja... [...] (entra um pajem pardo e entrega a José Antonio um rolo de música). José Antonio: Ah, é a música que mandei buscar à Rua detrás do Hospício [...] Daria tudo para Ter voz de tenor...Quem sabe se este sujeito é tenor? Ah, sô Marcelo, o senhor será tenor? Marcelo: (sem entender) Hem? José Antonio: Pergunto se é tenor? Marcelo: Tenor? José Antonio: Sim! Marcelo: Não sei o que seja, patrício. José Antonio: O que faz a ignorância!
:
4.5. Um observador atento
A extraordinária capacidade de observação de
Martins Pena se reflete em Os três médicos, sátira às rivalidades entre clínicos
adeptos de diferentes escolas. E ainda à tirania dos patriarcas brasileiros da
época, impondo casamentos a filhos e filhas. Dos três médicos que compõe a
peça, um é alopata, Dr. Cautério, outro homeopata, Dr. Miléssimo e o terceiro
“hidropata”, o Dr. Aquoso.
A homeopatia era uma prática nova. Havia uma
rivalidade e polêmica entre as práticas homeopáticas e alopáticas na época.
Começavam a surgir também outras formas de tratamento: o magnetismo animal,
ou hipnotismo; galvanismo no tratamento de moléstias nevrálgicas, e hidropatia,
mais conhecida como hidroterapia. As advertências da Revista Médica Brasileira
eram constantes contra o “misticismo em medicina”, ou o “charlatanismo
misterioso”. Em 1844 já se tinham representado em nossos palcos as peças em
francês L’homeopathie, peça dramática, e O casamento homeopático, farsa,
ambas censuradas pelo Conservatório Dramático Brasileiro.
Os Três Médicos apresenta muitos traços da
comédia de Molière, que também influenciou Martins Pena em A família e a festa
na roça, onde ele aproveitou a idéia de L’Amour Médecin, do comediógrafo
francês.
4.6. Tartufos, beatos e carolas
As peças onde aparecem personagens ligados à
Igreja são: Quem casa quer casa, Os irmãos das almas, e O noviço. Os
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personagens centrais parecem ter saído da mesma matriz. Na época era comum
coletar esmolas para as almas.
Os irmãos das almas passa-se na cidade do Rio de
Janeiro, no ano de 1844, no dia de Finados. Nesta peça podemos perceber o
caráter de certas pessoas que esmolavam para irmandades, através deste
diálogo entre Jorge e Luísa:
(Entra Jorge vestido com opa verde de irmão das almas; traz na mão uma bacia de prata com dinheiro, ovos e bananas. Logo que entra, põe a bacia sobre a mesa.) JORGE, entrando - Adeus, mana Luísa. LUÍSA - Já de volta? JORGE - A colheita hoje é boa. É preciso esvaziar a salva. (Faz o que diz.) Guarda metade deste dinheiro antes que minha mulher o veja. que tudo é pouco para ela; e faze-me destes ovos uma fritada e dá estas bananas ao macaco. LUÍSA - Tenho tanta repugnância de servir-me deste dinheiro... JORGE - Por quê? LUÍSA - Dinheiro de esmolas que pedes para as almas... JORGE - E então o que tem isso? É verdade que peço para as almas, mas nós também não temos alma? Negar que a temos é ir contra a religião, e além disso, já lá deixei dous cruzados para se dizer missas para as outras almas. É bem que todas se salvem. LUÍSA - Duvido que assim a tua se salve. JORGE - Deixa-te de asneiras! Pois pensas que por alguns miseráveis dous vinténs, que já foram quatro, (pega em uma moeda de dous vinténs:) - olha, aqui está o carimbo... - um pai de família vá para o inferno? Ora! Supõe que amanhã afincam outro carimbo deste lado. Não desaparecem os dous vinténs e eu também não fico logrado? Nada, antes que me logrem, logro eu. E demais, tirar esmolas para almas e para os santos é um dos melhores e mais cômodos ofícios que eu conheço. Os santos sempre são credores que não falam... Tenho seis opas para os seis dias da semana; aqui as tenho. (Vai ao armário e tira seis opas.) No domingo descanso. Preferi tê-las minhas - é mais seguro; não dou satisfação a tesoureiro nenhum. As segundas-feiras visto esta verde que tenho no corpo; às terças, esta roxa; às quartas, esta branca; às quintas, esta encarnada; às sextas, esta roxa e branca e aos sábados esta azul. LUÍSA - E não entregas dinheiro nenhum para os santos? JORGE - Nada, o santo destas opas sou eu. Não tenho descanso, mas também o lucro não é mau.
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4.7. Ciganos, caixeiros e meirinhos
Uma curiosidade sobre o Rio de Janeiro imperial é
que a cidade foi habitada por uma grande quantidade de ciganos. A antiga Rua
dos Ciganos é hoje a Rua da Constituição, e o Campo dos Ciganos, hoje é a
Praça Tiradentes. Martins Pena voltou sua atenção para os ciganos que exerciam
os ofícios de caldeireiros e lampistas, como também na astúcia e “rapinagens”.
Em Um sertanejo na corte, aparecem dois ciganos
que querem enganar um roceiro vendendo-lhe uma jóia falsa. O Cigano foi
aprovado pelo Conservatório Dramático, mas foi considerada obra licenciosa pela
crítica, que dizia que o Conservatório era contraditório, muitas vezes licenciando
peças que talvez pudessem ser proibidas e proibindo peças que deviam ser
licenciadas, pois os censores não eram os mesmos. Talvez, se fossem outros os
censores, a peça não fosse licenciada. “O Cigano apresenta 3 filhas tão devassas
que todas em uma só sala sem luz dão introdução aos seus amantes...”6
O caixeiro da taverna foi aprovada pela censura; há
em seu teor uma denúncia dos processos fraudolentos do comércio varejista, com
a falsificação descarada de vinhos portugueses. A peça, em ato único, se passa
no interior de uma taverna, onde entram pessoas de diversas condições sociais.
Um personagem, já à beira da loucura, fala da condição de caixeiro:
Manuel (como louco): Caixeiro, sempre caixeiro! Oh, afastem-se de mim, que estou louco, desesperado, furibundo! Para longe! Serei sempre caixeiro, caixeiro, caixeiro! Pagarei sempre impostos, como uma saca de café, um burro, um cavalo. Não sou nada no mundo. Cortem-me esta cabeça, pendurem-me na porta do açougue. Sou um boi; paguei direitos na barreira. Sou um boi. (Assim dizendo, principia a berrar como um boi).
Dois meirinhos e um caixeiro são personagens de
uma comédia sem título, encontrada entre os papéis de Martins Pena. Nas
comédias, os personagens do povo, caixeiros, soldados, ciganos, meirinhos,
traficantes e parasitas, pedintes e viúvas-alegres, amanuenses e velhacos, são
flagrantes de verdade e de pitoresco, falando realmente como criaturas vivas e
não como títeres.
6 Crítica teatral que o Mercantil publicou sobre o espetáculo.
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4.8. A comédia copia a vida
Por várias vezes, Martins Pena se inspirou em
situações verídicas para criar suas peças, e com extrema perícia refletia em sua
obra o ambiente brasileiro da época, com seus ridículos, tipos, costumes e fatos
correntes.
Para elaborar Os ciúmes de um pedestre, Martins
Pena partiu de 2 casos reais, ruidosamente explorados pela imprensa. Um deles
foi uma tentativa de invasão de domicílio praticada por um cidadão português, que
foi preso com dois cúmplices. Ele dizía-se apaixonado pela filha do dono da casa.
Outro caso era um proprietário de escravos que pôs o corpo de um destes dentro
de um saco, ordenando a outro de seus negros que o jogasse ao mar, talvez para
esconder um crime. Eram comuns os anúncios de escravos fugidos, publicados
na imprensa com vista “aos senhores pedestres”.
Os ciúmes de um pedestre é um quadro vivo, bem
nítido dos costumes cariocas da época em que as mulheres viviam em quase total
reclusão. Martins Pena exagerou os traços do quadro para colocar diante da
sociedade a sujeição da mulher aos pais e maridos tirânicos, demonstrando, ao
mesmo tempo, em certos casos, a inutilidade de tal cautela.
Terminada a comédia, Martins Pena apressou-se a
submete-la à censura do Conservatório Dramático. Encaminhou-a com um bilhete
a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos, 1º secretário, certo de que tudo estaria
resolvido: “Amigo, esta comédia que vai junto é para o Paulo Dias. Rogo-te que
abrevies a censura”. Não passaria pela sua cabeça que pudessem considerar a
peça irrepresentável. Quem primeiro se assustou com tal peça foi o próprio
presidente do Conservatório Dramático, Conselheiro Diogo Soares da Silva Bivar.
Luis Honório Vieira Souto, amigo de João Caetano dos Santos, sugeriu que certas
palavras fossem suprimidas, pois a leitura que O pedestre obriga a mulher a fazer
é uma ridícula paródia de Otelo. Vieira Souto disse ainda que só enxergava em
Os ciúmes de um pedestre “arranhões” à glória de João Caetano, sugerindo à
Martins Pena eliminar tudo quanto é relativo à paródia de Otelo, e depois voltasse
para ser licenciada.
Bivar mandou a peça ao censor Dr. André Pereira de
Lima, que não seria menos severo que o primeiro. E fez alusões aos casos
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policiais que ainda eram recentes, mas na comédia o morto estava vivo. O
personagem André não tem uma conduta boa, pois sabe que a mulher o trai; mas
por ser seu sogro rico, releva a situação. Martins Pena então tomou a decisão de
fazer o personagem André recolher-se a um convento, para poder atender a
Censura.
Os ciúmes de um pedestre sofreu muito com a
censura, até ser liberada mediante modificações. Mudou o nome para O capitão
do mato. Sua figura central passou a ser um caçador de escravos fugidos, sendo
somente liberada em 30 de março de 1846. Só em julho de 1846 a peça seria
representada com o título de O terrível capitão do mato. O acolhimento do público
provaria que toda a celeuma armada em torno dela não passara de uma
“tempestade em copo d’água”...
4.9. Brigas de casados e amores de viúvos
É do que tratam basicamente as duas peças da
última fase de Martins Pena: Quem casa quer casa e As desgraças de uma
criança. Nelas o comediógrafo também repete situações e personagens de obras
anteriores. Por exemplo: o personagem Eduardo de Quem casa parece ser uma
reencarnação de José Antonio, de O diletante. E a situação do velho Abel de As
desgraças de uma criança tentando se impor a uma empregada é semelhante a
de João Felix de O namorador ou a noite de São João.
Quem casa, quer casa é um "provérbio" em ato
único, passado no Rio de Janeiro de 1845. Mas os dois casais da peça não
seguem o ditado, já que nela uma família passa o tempo todo brigando. Motivo: o
casal de filhos de Dona Fabiana casou-se com o casal de filhos de Anselmo e
todos continuaram a morar na casa de D. Fabiana. Nenhum dos quatro faz nada
além de brigar. Os cinco (os dois casais e Fabiana) passam a peça toda aos
gritos enquanto o marido de D. Fabiana, um carola molengão, nada faz.
Ao final, D. Fabiana, já desesperada, escreve uma
carta a Anselmo, que aparece e acaba com a briga (que já havia escalado ao
nível da agressão física generalizada), entregando a chave de duas casas
alugadas aos filhos. A fala de Anselmo revela o pensamento patriarcal da época,
onde as esposas deveriam se submeter aos seus maridos:
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ANSELMO - Senhora, recebi a vossa carta e sei qual a causa das contendas e brigas em que todos viveis. Andamos muito mal, a experiência o tem mostrado, em casarmos nossos filhos e não lhes darmos casa para morarem. Mas ainda estamos em tempo de remediar o mal... Meu filho, aqui está a chave de uma casa que para ti aluguei. (Dá-lhe.) EDUARDO - Obrigado. Só assim poderei estudar tranqüilo e compor o meu tremendíssimo... ANSELMO - Filha, dá esta outra chave a teu marido. É a da tua nova casa... PAULINA, tomando-a - Mil graças, meu pai. (Dá a chave a Sabino.) FABIANA - Agora, sim... ANSELMO - Estou certo que em bem pouco tempo verei reinar entre vós todos a maior harmonia e que visitando-vos mutuamente e... TODOS, uns para os outros - A minha casa está às vossas ordens. Quando quiser... ANSELMO - Muito bem. (Ao público:) E vós, senhores, que presenciastes todas estas desavenças domésticas, recordai-vos sempre que... TODOS - Quem casa, quer casa. (Cai o pano.)
Em As desgraças de uma criança, Martins Pena
cedia a um impulso de nacionalismo, protestando pela boca de um personagem
contra a falta de oportunidades aos trabalhadores livres do país:
Pacífico: [...] Quem recruta não quer saber se o homem está para casar, ou se deve casar-se. Vai agarrando a torto e a direito. É uma tirania! Olha, eu cá sou de parecer que não se devia recrutar não só os homens casados, como os que podem ser casados.
4.10. Um noviço na Côrte
Uma das peças mais populares de Martins Pena, O
Noviço também é sua peça mais elaborada, já que possui três atos, passados no
Rio de Janeiro. Podemos dizer que seu grande tema é o engano.
No primeiro ato apresentam-se o hipócrita e
interesseiro Ambrósio, que casou com a crédula Florência ; o noviço Carlos que
com mais vocação para militar fugiu do convento para casar-se com Emília (filha
de Florência e sua prima). Aparece também Rosa, primeira esposa de Ambrósio
(não havia divórcio na época), que foi abandonada por ele após ter seus bens
roubados. Carlos encontra Rosa e esta fornece-lhe meios para chantagear
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Ambrósio e permitir-lhe sair corretamente do convento, retirar Emília e Juca
(irmão mais novo de Emília) da vida religiosa que Ambrósio planejava para eles e
casar com Emília.
A chantagem ocorre no segundo ato, junto com a
revelação a Florência de que o marido é bígamo; Ambrósio foge.
No terceiro ato, após muita confusão, Ambrósio é
preso, Carlos liberto de ir ao convento ou ser preso (ele atacara um frade na fuga)
e o casal fica livre para casar.
Temos o mestre dos noviços, que captura Rosa por
engano; temos Ambrósio, mentindo para toda a família; e até mesmo Carlos, que
para desmascarar Ambrósio engana Rosa. Nem os religiosos escapam, pois, à
noite, eles vestem casaca e se disfarçam com uma peruca, fingindo-se de leigos,
para freqüentar o teatro, o que lhes é proibido.
Assim como em toda a sua obra, Martins Pena tece
uma série de críticas à sociedade brasileira em O Noviço. A corrupção, a
impunidade, o tratamento desigual por parte da Justiça em relação a pobres e
ricos, por exemplo, não escapam à atenção do autor que, logo no início da peça,
faz Ambrósio comentar:
"No mundo, a fortuna é para quem sabe adquiri-la. [...] Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos auxiliares [...] Há oito anos, eu era pobre e miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não importa; no bom resultado está o mérito... Se em algum tempo tiver de responder pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para os pobres [...]".
As críticas à religião e à burocracia religiosa também
estão presentes nas falas do noviço Carlos:
"Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar: tenho, pelo menos, três vezes ao dia, uma fome de todos os diabos. [...] Gosto de teatro, e de lá ninguém vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício, que freqüenta a platéia de casaca e cabeleira, para esconder a coroa."
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Martins Pena viveu em uma época na qual a Igreja
Católica estava ligada ao Estado e dava-se grande importância às exterioridades
do culto. Suas críticas aos religiosos e, indiretamente, à Igreja revelam uma
grande coragem, ousadia e muita irreverência.
O agudo senso de observação de Martins Pena
muitas vezes resulta em um amargo quadro da sociedade brasileira da primeira
metade do século XIX.
O personagem Carlos, obrigado a seguir uma
carreira que não deseja, é um instrumento para o autor fazer um discurso
libertário cheio de críticas sutis às instituições:
"Eis aí porque vemos entre nós tantos absurdos e disparates. Este tem jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente médico! Aquele tem inclinação para cômico: pois não senhor, será político... Ora, ainda isso vá. Estoutro só tem jeito para caiador ou borrador: nada, é ofício que não presta... Seja diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe toda a propensão para a ladroeira; manda o bom senso que se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz: seja tesoureiro de repartição, fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Essoutro tem uma grande carga de preguiça e indolência e só serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do mandrião empregado público, comendo com as mãos encruzadas sobre a pança o pingue ordenado da nação [...]".
Martins Pena também se aproveita das falas de
Carlos para retratar a situação dos intelectuais na sociedade brasileira, quase
sempre pendurado em empregos burocráticos, em geral, nas repartições públicas:
"Este nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de grandes cousas, mas não pode seguir a sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria no Brasil... E assim [o] obriga a necessidade a ser o mais somenos amanuense em uma repartição pública e a copiar cinco horas por dia os mais soníferos papéis. O que acontece? Em breve matam-lhe a inteligência e fazem do homem pensante máquina estúpida, e assim se gasta uma vida!"
Apesar de traçar um painel pessimista da realidade,
Martins Pena não deixa de mostrar esperanças:
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"O respeito e a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que a voz da razão se faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais comprimida [...] Que não se constranja ninguém, que se estudem os homens e que haja uma bem entendida e esclarecida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato, que assenta o jumento nas bancas das academias e amarra o homem de talento à manjedoura."
Para o autor, entretanto, as injustiças, a corrupção e
as desigualdades só serão corrigidas quando os mais fracos se unirem e, juntos,
lutarem contra os poderosos. Essa união está simbolizada no acordo que
Florência e Rosa fazem para se vingarem de Ambrósio:
"ROSA – E nós, suas desgraçadas vítimas, nos odiaremos mutuamente, em vez de ligarmo-nos, para de comum acordo perseguirmos o traidor? FLORÊNCIA – Senhora, nem eu, nem vós temos culpa do que se tem passado. Quisera viver longe de vós; vossa presença aviva meus desgostos, porém farei um esforço – aceito o vosso oferecimento – unamo-nos e mostraremos ao monstro o que podem duas fracas mulheres quando se querem vingar."
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5. Análise crítica da obra de Martins Pena
Estreando no teatro após o grande sucesso de
Gonçalves de Magalhães, servido por João Caetano, e os vários triunfos por este
e seus companheiros alcançados com os dramalhões românticos, e sem lhe dar
da voga deste teatro, antes seguindo o seu gênio e vocação, como deve fazer
todo o artista sincero, Martins Pena começa e prossegue com a comédia.
Ingenuamente, desartificiosamente, com observação
sem profundeza, mesmo banal mas exata e sincera, traz para o teatro — pela
primeira vez — a nossa vida popular e burguesa e quotidiana do tempo.
Evidentemente não tem presunções nem propósitos literários como os teve
Magalhães; apenas vê claro, observa com atenção e reproduz fielmente, com a
naturalidade em que se revela o escritor de teatro. E Martins Pena não é senão
isto, um escritor de teatro.
Do autor dramático possui as qualidades essenciais
ao ofício e ainda certos dons, que as realçam: sabe imaginar ou arranjar uma
peça, combinar as cenas, dispor os efeitos, travar o diálogo, e tem essa espécie
de observação fácil, elementar, corriqueira e superficial, mas no caso preciosa,
que é um dos talentos do gênero. Não raro tem o traço psicológico do
caricaturista, e o jeito de apanhar o rasgo significativo de um tipo, de uma
situação, de um acontecimento. Possui veia cômica nativa, espontânea e ainda
abundante, infelizmente, porém, (defeito desta mesma virtude) com facilidade de
se desmandar na farsa. Martins Pena é porventura um dos melhores exemplos de
espontaneidade literária que apresenta a literatura brasileira.
A maior parte das peças de Martins Pena são antes
farsas que comédias. Independentemente dessa denominação, que ele próprio
lhes deu, a sua feição e estilo é de farsa. Ele exagera o feitio cômico das
situações e personagens, acumula o burlesco sobre o ridículo, manifestamente no
intuito de melhor divertir, provocando-lhe o riso abundante e descomedido, o seu
público. É tradição que o conseguiu plenamente. Ainda hoje se representam as
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comédias de Pena com o mesmo sucesso da época em que ele era vivo. A mais
de um século e meio de distância, lidas ou ouvidas, deixam-nos a impressão de
representarem suficientemente no essencial e característico o meio brasileiro que
lhe serviu de modelo e tema. E só talvez delas, em todo o nosso teatro, se poderá
dizer a mesma coisa.
Quase todas as comédias de Martins Pena possuem
alguns traços em comum. O autor costuma mostrar as tradições e os costumes
populares, como as festas do Espírito Santo, a "malhação" do Judas, os festejos
de São João. E há uma série de situações que se repetem ao longo de suas
peças: as intrigas domésticas, os caçadores de dotes, os casamentos por
interesse, as diferenças entre o universo dos moradores da roça e da cidade.
Cronologicamente, Martins Pena pertence ao
Romantismo, movimento literário do início do século XIX, cujas características são
o individualismo, o lirismo e o predomínio da sensibilidade e da imaginação sobre
a razão. Suas peças, escritas entre 1833 e 1846, trazem várias marcas dessa
escola. É comum, por exemplo, encontrar personagens driblando todas as
adversidades para ficar junto da pessoa amada. Afinal, um bom casamento era,
naqueles tempos, uma das principais preocupações dos jovens.
Seus textos, porém, antecipam algumas
características do Realismo, movimento literário surgido em meados do século
XIX. O Realismo opõe-se ao lirismo e à imaginação dos autores românticos. Nas
peças de Martins Pena, isso aparece em alguns personagens, como moças que
não se envergonham quando se encontram diante dos amados ou jovens que se
rebelam contra as decisões autoritárias dos pais – situações que não se encaixam
no perfil do Romantismo.
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Conclusão
Martins Pena foi o nosso grande dramaturgo do
Romantismo. Introduziu nas suas peças a realidade da vida cotidiana, sobretudo
as intrigas e os costumes do meio carioca. No seu teatro há um grande
arejamento moderno: a tese desaparece para dar lugar à anedota de costumes, e
os seus personagens sem doutrinarem à velha maneira clássica, com profundeza
de reflexão, de crítica, ou com intenções reformatórias da sociedade, encarnam
figuras vulgares, tiradas do meio que bem representam, sendo esta só a sua mais
assinalada característica.
Mesmo nas comédias aparentemente mais frívolas e
mais banais, o teatro de Martins Pena está repleto de anotações importantes, de
caráter histórico e sociológico. A repetição dessas observações revela quanto o
escritor estava sinceramente impressionado com tal estado de coisas. Martins
Pena tinha o segredo da comicidade eficaz, e quando lhe faltavam idéias ou
fórmulas novas, não hesitava em repetir as antigas, de êxito já comprovado em
cena.
Martins Pena fez do palco um espelho do Brasil.
Suas comédias, escritas poucos anos depois da proclamação da Independência,
significam uma tomada de consciência da realidade brasileira, uma maneira de se
tentar pensar criticamente sobre nossa cultura.
Com isso, a tradição da comédia de costumes
acabou sendo incorporada em nosso teatro, que seria continuada, nos anos
seguintes, por autores como Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Artur
Azevedo, Viriato Correia, Oduvaldo Vianna e tantos outros. Como escreveu o
crítico José Veríssimo a respeito de Martins Pena, "poder-se-ia dizer, com alguma
razão, que o teatro brasileiro estava, se não fundado, começado".
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Por que Martins Pena encanta e faz rir há mais de
150 anos? Talvez a resistência e a atualidade do teatro de Martins Pena advenha
do talento especial do autor em selecionar com perspicácia hábitos, valores,
modos que definem a essência de ser do brasileiro.
Mas é inegável que colabora para a perenidade o
fato de ainda hoje vermos refletidos nas comédias do comediógrafo problemas
crônicos do Brasil. Afinal, não continuamos a reclamar e até mesmo zombar da
leviandade no serviço público? Da morosidade da Justiça, dos subornos e dos
golpes de espertalhões? É esse universo meio trágico, meio cômico que tem
eternizado o teatro da época regencial brasileira.
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Bibliografia:
BRANDÃO, Tania. Martins Pena e a questão do teatro nacional. Rio de Janeiro,
SNT, 1978. HOLANDA, Sergio Buarque (org.) História geral da civilização brasileira. São
Paulo: Difusão Européia do Livro. MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. São Paulo. Perspectiva, 1962. MAGALHÃES JR, Raimundo. Martins Pena e sua época. Rio de Janeiro, Ed. Lisa,
1950. PEREIRA, Ângelo, Os Filhos d'El Rei D. João VI, Lisboa, Empresa Nacional de
Publicidade, 1946. ROMERO, Silvio. Vida e obra de Martins Pena. Porto, 1901. SILVA, Lafayette. O criador da comédia brasileira. Rio de Janeiro, Revista
Ilustração Brasileira, 1925. SILVA, Maria Beatriz Nizza da, Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro (1808-
1821), S.Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977; Movimento Constitucional e Separatismo no Brasil, 1821-1823, Lisboa, Livros Horizonte, 1988; Vida Privada e Quotidiano no Brasil na Época de D. Maria I e D. João VI, 2.ª ed., Lisboa, Estampa, 1996
Teatro de Martins Pena. Org. Daarcy Damasceno, Rio de Janeiro, 1956, 2v.