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1 O Tentador No filme de Bernardo Bertolucci, O Pequeno Buda, Buda enfrenta os demônios e depois o próprio Grande Arquiteto do universo, supostamente vencendo-o. No extraordinário livro de Heinrich Zimmer, Filosofias da Índia, São Paulo, Palas Athena, 1986 (original de 1951), página 331, o autor diz: “As violentas hostes de Kama-Mara, o Tentador, investem contra a meditação daquele que está prestes a iluminar-se, sentado sob a árvore sagrada. Empunham armas, jogam-lhe árvores arrancadas pela raiz e enormes pedras, e procuram de todas as maneiras possíveis quebrar a calma de sua meditação. Com ameaças, tentam fazer-lhe sentir o medo da morte, provocar ao menos um sinal do impulso de autopreservação, um desejo de apegar-se à forma perecível de seu corpo, corpo este que ameaçam destruir. Simultaneamente, aparecem à sua frente os encantos da vida – toda sua doçura – representados por mulheres divinas, a fim de que o fascínio dos sentidos o comova – não para tirá-lo do lugar, literalmente falando, mas para provocar um mínimo impulso de vontade de gozo, que equivaleria a retroceder e cair na escravidão da vida”. O próprio desejo de resistir à tentação, que os santos têm, mas os iluminados não, seria uma tentação, portanto um sucumbir ao Tentador. Buda, sendo quem foi, não tinha esse desejo, não podia ter, devia necessariamente tê-lo ultrapassado. Ele dá as causas da doença psicológica (a inclinação ou encarnação, o cair continuamente rumo à dependência, como um planeta que fica orbitando seu dominante, a estrela, como a Terra ao Sol, em atrelamento perpétuo à imensa esfera dos desejos), as Quatro Nobres Verdades: 1) toda vida é dolorosa; 2) a causa do sofrimento é o desejo ignorante (não qualquer desejo, mas o desejo não-sábio, o impulso ardente); 3) a dor (o desejo abrasador) deve ser eliminada; 4) o caminho da cura é o óctuplo Caminho.

O Tentador

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se você tem uma das quatro doenças e vai à farmácia ele prescreverá os oito remédios básicos; Buda venceu o outro lado de si

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O Tentador

No filme de Bernardo Bertolucci, O Pequeno Buda, Buda enfrenta os demônios e depois o próprio Grande Arquiteto do universo, supostamente vencendo-o. No extraordinário livro de Heinrich Zimmer, Filosofias da Índia, São Paulo, Palas Athena, 1986 (original de 1951), página 331, o autor diz: “As violentas hostes de Kama-Mara, o Tentador, investem contra a meditação daquele que está prestes a iluminar-se, sentado sob a árvore sagrada. Empunham armas, jogam-lhe árvores arrancadas pela raiz e enormes pedras, e procuram de todas as maneiras possíveis quebrar a calma de sua meditação. Com ameaças, tentam fazer-lhe sentir o medo da morte, provocar ao menos um sinal do impulso de autopreservação, um desejo de apegar-se à forma perecível de seu corpo, corpo este que ameaçam destruir. Simultaneamente, aparecem à sua frente os encantos da vida – toda sua doçura – representados por mulheres divinas, a fim de que o fascínio dos sentidos o comova – não para tirá-lo do lugar, literalmente falando, mas para provocar um mínimo impulso de vontade de gozo, que equivaleria a retroceder e cair na escravidão da vida”. O próprio desejo de resistir à tentação, que os santos têm, mas os iluminados não, seria uma tentação, portanto um sucumbir ao Tentador. Buda, sendo quem foi, não tinha esse desejo, não podia ter, devia necessariamente tê-lo ultrapassado.

Ele dá as causas da doença psicológica (a inclinação ou encarnação, o cair continuamente rumo à dependência, como um planeta que fica orbitando seu dominante, a estrela, como a Terra ao Sol, em atrelamento perpétuo à imensa esfera dos desejos), as Quatro Nobres Verdades:

1) toda vida é dolorosa; 2) a causa do sofrimento é o desejo ignorante (não qualquer

desejo, mas o desejo não-sábio, o impulso ardente); 3) a dor (o desejo abrasador) deve ser eliminada; 4) o caminho da cura é o óctuplo Caminho.

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O CAMINHO ÓCTUPLO é o receituário da cura: • reta concepção (ou correlação – interna, do observador); • reto pensamento (ou percepção da realidade); • retas palavras (construção ou pronúncia – pedagogia ou

transferência do conhecimento); • reta conduta (ou presença diante do coletivo ou dos

indivíduos, sem desvios à esquerda ou à direita, sem falseamentos);

• reto meio de vida (ou trabalho, ou eficiência nas tarefas); • reto esforço (ou empenho ou dedicação); • reta atenção (ou fixação ou ligação com o objeto); • reta meditação (ou aproximação do objeto).

Ou seja, um MUNDO ALTO, modelo-G, reto, forte, no Caminho do Centro (e não do meio), que pode ser passaporte para todos os modos do Conhecimento (em maiúsculas, família ou conjunto ou grupo de conhecimentos), desde o alto (Magia, Teologia, Filosofia e Ciência), até o baixo (Arte, Religião, Ideologia e Técnica) e a Matemática.

Eis uma recoloc/ação (ato permanente de re/colocar) do C∞ (o 8 deitado para significar infinito, permitindo viver para sempre), Caminho Óctuplo para as ciências:

• OBSERVADOR

1) esforço primitivo de pensamento, para acumulação de informação visando a melhor percepção da realidade (reto pensamento);

em si:

2) aproximação cuidadosa, ponderada, do objeto (reta meditação);

3) estando perto do objeto, inclinação total da atenção a ele, fixação, firmeza da concentração, sem desviar a atenção (reta atenção);

4) elaboração perspicaz, arguta, cuidadosa das teorias ou correlações, ou relações de pares, sem abusos ou excessos, sem conceitos desnecessários, segundo o Princípio de Occan (reta concepção);

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• MEIO (espaçotempo de transferência)

1) comportamento sem distorções, sem escândalos, sem projeções, simples, sincero, favorável à convivência (reta conduta);

no processo:

2) trabalho honesto, sem subterfúgios, sem violências de sobreconsumo dos demais, sem aproveitamento censurável da coletividade (reto meio de vida);

3) diligência em cada dia no serviço, naquela coisa mirada, a partícula, o alvo da obrigação prazerosa, e no local de trabalho geral, o todo, o ambiente (reto esforço);

4) vocábulos precisos, econômicos, enxutos na transferência do conhecimento, sem afetações (retas palavras).

• estando fora o objeto, se é físico/químico não pode estar doente; e se é biológico/p.2 ou psicológico/p.3 deve por seu lado buscar a cura.

OBJETO

Quem não gostaria de contar com pesquisadores (teóricos) &

desenvolvedores (práticos) assim? Os institutos rezam por eles. Vê-se que as regrinhas de Buda são de aplicação geral. Conseqüentemente, a doença também é geral. Visto que o C∞ - que é a quarta Nobre Verdade - já foi

mostrado como adaptação (os demais conhecimentos podem se espelhar na Ciência), resta falar das demais, adequando-as também à Ciência:

3) o desejo abrasador de realce através da Ciência deve ser revogado, suprimido; 2) a causa do sofrimento dos cientistas é o desejo permanente de mostrar- se, de projetar-se; 1) todo conhecimento (inclusive o científico) é doloroso.

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De fato, o autor diz, página 330: “O budismo não dá importância alguma a um conhecimento tal que torne o homem ainda mais emaranhado na rede da vida

Observe que, sendo todo conhecimento doloroso, isso não quer dizer que não devamos chegar a ele, pois é necessário, enquanto estivermos fora da compreensão completa da Tela Final. Então, muitos de nós passam pela dor. Porém, veja só, isso constatado, podemos eliminá-la através dos outros passos. Havendo vida haverá conhecimento, portanto dor. Entretanto, é possível curá-la, se a pessoa já ficou doente, ou prevenir o aparecimento da dor, através da profilaxia indicada por Buda. Se segue que ele, tanto quanto Jesus e outros iluminados são médicos da alma humana, tendo se esforçado por apresentar receitas (vitoriosas em vários níveis). Se os doentes não a seguiram, a culpa não é dos médicos.

”, grifo e negrito meus.

Buda não disse que todo conhecimento é ruim, só aquele que torne os seres humanos EMARANHADOS, embaraçados, enredados na rede ou teia da vida, na tessitura da existência - o conhecimento complicado, que torna tudo difícil demais. Tal conhecimento vem justamente de não se seguir as regrinhas, quando os pesquisadores saem fora da trilha, produzindo noções descomunais, para além do real, em razão dos vícios, que se originam da dor – e se tornam multiplicadores dela, com isso construindo a agonia alheia.

Quem é capaz de propor uma solução elegante assim não pode ter se deixado tentar em não sofrer compulsões, o que seria também obediência pela contínua negação, como quem afasta o objeto do desejo. Este não o venceu. Estar em sua presença e não se deixar afetar é a verdadeira conquista, a da indiferença.

Buda não pode ter vencido o Grande Arquiteto PORQUE Buda é uma das infinitas encarnações dele, quer dizer, Buda e o GA são uma e a mesma pessoa, infinitamente multiplicada nos vários espelhos da Criação. Assim, o Tentador é o mundo-passivo, a Natureza, o outro lado de ELI, Natureza/Deus, Ela/Ele, é o outro lado de Buda, o caminho da sofreguidão, o desejo alucinante da juventude e das belezas da Vida geral.

Portanto Buda, olhando-se no espelho (que é o Mal, o mal absoluto, as promessas de prazer obsessivo, incondicional, abrasador, que queima continuamente por dentro), viu o lado inverso de si e desprezou-o,

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desapegou-se. Ele percebeu o jogo do Duplo, da traição de Si. E, fazendo isso, foi iluminado. Mais adiante, iluminou-se, tornou-se o Sol fulgurante, como Jesus, o Sol Invencível.

São várias facetas representativas do mesmo Ente Supremo, o chamado Rei do Universo, GA. O infinito de ELI não caberia no mundo, mas suas representações nos planos reais sim, em cada mundo racional, por toda parte. Vê-se que o filme de Bertolucci equivocou-se, e que são incompletas as interpretações orientais da vida de Buda.

Vitória, sexta-feira, 31 de maio de 2002. José Augusto Gava.