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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARISTELA GATTI PIFFER O TRABALHO COM A LINGUAGEM ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL VITÓRIA 2006

O TRABALHO COM A LINGUAGEM ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTILportais4.ufes.br/posgrad/teses/nometese_66_MARISTELA GATTI PIFFER.pdf · P627t O trabalho com a linguagem escrita na educação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARISTELA GATTI PIFFER

O TRABALHO COM A LINGUAGEM ESCRITA

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

VITÓRIA 2006

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MARISTELA GATTI PIFFER

O TRABALHO COM A LINGUAGEM ESCRITA

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens. Orientador: Profª Drª Cláudia Maria Mendes Gontijo.

VITÓRIA 2006

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Piffer, Maristela Gatti, 1966-

P627t O trabalho com a linguagem escrita na educação infantil / Maristela Gatti Piffer. – 2006.

374 f. : il.

Orientador: Cláudia Maria Mendes Gontijo.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação.

1. Alfabetização. 2. Linguagem. 3. Textos. I. Gontijo, Cláudia Maria

Mendes. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação.

III. Título.

CDU: 37

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A Paulo e Guilherme,

por apoiarem as minhas opções compartilhando

os percalços do caminho.

Aos meus pais, Dionísio e Omilda,

pela vida de amor e dedicação aos filhos.

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AGRADECIMENTOS

Às crianças que participaram da pesquisa, por me ensinarem a ler os seus textos e aos seus

familiares, pela confiança e disponibilidade com que acolheram o trabalho.

Aos profissionais do Centro de Educação Infantil que possibilitaram a minha inserção em

sala de aula, abrindo espaços e tempos para a realização do estudo.

Ao Sistema Municipal de Ensino de Vitória que propiciou a minha disponibilidade para

freqüentar o curso de Mestrado.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo,

pela oportunidade de atuar no campo da pesquisa.

Às amigas Dilza Côco, Shenia D’arc, Dânia Monteiro, Regina Godinho e demais colegas da

linha de pesquisa, pelos valiosos saberes e experiências compartilhados.

Aos companheiros das nossas escolas públicas, especialmente da EMEF “José Áureo

Monjardim”, por ajudarem a valorizar esse espaço de atuação política.

À Alina Bonella, pelas indicações e incentivo no trabalho de revisão textual.

Às professoras Cleonara Maria Schwartz, Edivanda Mugrabi e Vânia de Carvalho Aráujo,

pelas importantes contribuições apresentadas no processo de produção.

Aos demais professores do Curso de Mestrado, pelos momentos de estudo e reflexão em

sala de aula.

Ao professor João Wanderley Geraldi, por sua honrosa presença na banca de defesa e

pelas preciosas contribuições que se constituíram em referências fundamentais para este

estudo.

Especialmente, à minha orientadora, professora Cláudia Maria Mendes Gontijo, pela

amizade, carinho e competência com que me introduziu no campo da pesquisa e por

acreditar no papel do ensino, mediando, em tantos e diferentes momentos de interlocução, a

apropriação dos conhecimentos necessários à prática investigativa.

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Rios sem discurso Quando um rio corta, corta-se de vez o discurso-rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e porque assim estanque, estancada, e mais: porque assim estancada, muda, e muda porque com nenhum comunica, porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. O curso de um rio, seu discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para fazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloqüência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase e frase, até a sentença-rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate.

(JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

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RESUMO

Este trabalho integra estudos desenvolvidos no campo da linguagem, numa

abordagem histórica, cultural e social, pela linha de pesquisa Educação e

Linguagens, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal

do Espírito Santo. Trata de um estudo de caso do tipo etnográfico que tem por

objetivo a investigação dos eventos mediados pela linguagem escrita, numa turma

de crianças entre seis e sete anos de idade de um centro de educação infantil do

Sistema Muncipal de Ensino de Vitória, ES. Parte do pressuposto de que a

apropriação da linguagem escrita é uma forma de experiência histórica e cultural que

se inicia desde os primeiros anos de vida da criança e se potencializa nas

experiências sociais que são mediadas pela palavra e pelo outro. Discute as

relações de ensino observadas na sala de aula, buscando compreender as

condições de escritura dos textos e sua repercussão no processo de produção de

sentidos e de constituição de sujeitos. A partir dos dados coletados por meio da

observação participante em sala de aula, entrevistas com os sujeitos, gravações em

audiovisual e fotografias, seleciona para análise eventos em que foram suscitadas

situações de produção recorrentes. Para análise dessas situações, toma por base os

pressupostos teóricos da perspectiva bakhtiniana de linguagem, buscando dialogar

com a realidade observada a partir de duas principais demandas: o trabalho com as

histórias em quadrinhos e com os textos de opinião. Considera que as análises

efetuadas possibilitam entrever as contribuições e implicações do conceito de

gênero textual para o processo de alfabetização, concluindo que a adoção do texto,

como eixo do trabalho educativo na educação infantil, implica a conciliação de

demandas teórico-práticas que pressupõe o reconhecimento da sala de aula como

espaço dialógico habitado por sujeitos sócio-históricos e como lugar de interação

verbal em que são confrontados diferentes saberes, em que a repetição e a criação

são dimensões interdependentes e constitutivas do trabalho de produção.

Palavras-chave: Educação Infantil. Alfabetização. Linguagem escrita. Gêneros

textuais.

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8

ABSTRACT

This paper integrates studies developed in the field of language, in a historical,

cultural and social approach, through the line of Education and Language research,

of the Post-Graduation course of Education in the Federal University of the State of

Espírito Santo. It is about a study case of an ethnographic type which goal is

investigating the events mediated by the written language, in a group of six to seven-

year-old kids of an educational center for children of the Teaching Municipal System

of Vitória/ES. It assumes that the appropriation of the written language is a way of

historical and cultural experience that begins in the children’s first years of birth and

gets stronger with the social experiences mediated by words and others. It discusses

the relations of teaching observed in classrooms, searching for the understanding the

condition of how texts are written and its repercussion in the process of meaning

production and subject constitution. From the data collected through the participant

observation in the classroom, interviews, audiovisual recording and photographs, it

selects for analysis events in what situations of recurrent production had been rouse.

To analyze these situations, it takes as reference the theoretical assumptions of

bakhitinian perspective of language, aiming at dialoguing with the reality observed

from two main demands: the work with comic books and opinion texts. It considers

that the analysis made was able to glimpse the contributions and implications of the

textual gender concept for the process of teaching how to read and write, concluding

that having the text as an axle for educative work in the children education, implicates

the conciliation of theoretical-practice demands that assume the acknowledgement of

the classroom as a dialogic space habited by social-historical citizens and as a verbal

interaction place where different knowledge is confronted and the repetition and

creation are dimensions considered interdependent and constitutive of the production

work.

Keywords: Children education. Teaching reading and writing. Written language.

Textual genders.

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Exposição de trabalhos das crianças ............................................................ 96

Foto 2 - Programação da semana da criança............................................................. 96

Foto 3 - Correspondência enviada às famílias ........................................................... 96

Foto 4 - Estante de livros da biblioteca....................................................................... 97

Foto 5 - Espaço destinado à leitura na biblioteca ....................................................... 97

Foto 6 - Sala de aula ................................................................................................ 104

Foto 7 - Movimentação das crianças na sala de aula............................................... 104

Foto 8 - Capa da agenda literária ............................................................................. 106

Foto 9 - Página da agenda literária .......................................................................... 106

Foto 10 - Interação das crianças com materiais escritos na sala de aula................. 107

Foto 11 - Interação das crianças com materiais escritos na sala de aula................. 107

Foto 12 - Interação das crianças com materiais escritos na sala de aula................. 107

Foto 13 - Envelope decorado por Cris ...................................................................... 144

Foto 14 - História em quadrinhos de Amarildo ......................................................... 145

Foto 15 - Texto de Let (11-5-2005)........................................................................... 150

Foto 16 - Texto de Joa (11-5-2005) .......................................................................... 151

Foto 17 - Texto de Kai (11-5-2005) .......................................................................... 152

Foto 18 - Texto de Cris (11-5-2005) ......................................................................... 153

Foto 19 - Crianças folheando os gibis (31-7-2005)................................................... 159

Foto 20 - Texto produzido por Mon, Raf e Ron (31-7-2005)..................................... 161

Foto 21 - Texto produzido por Lua, Pat e Kai (31-7-2005) ....................................... 166

Foto 22 - Texto produzido por Gab, Gil e Jac (31-7-2005) ....................................... 169

Foto 23 - Registro dos tipos de balões no bloco de atividades (19-7-2005) ............. 174

Foto 24 - Cartaz com os tipos de balões (20-7-2005) .............................................. 174

Foto 25 - Nat produzindo o texto (19-7-2005) .................................................................. 177

Foto 26 - Resultado do trabalho de Nat (19-7-2005) ................................................ 177

Foto 27 - Marc produzindo o texto (19-7-2005)............................................................ 178

Foto 28 - Resultado do trabalho de Marc (19-7-2005).............................................. 178

Foto 29 - Professora 1 comparando as produções de Marc (19-7-2005) ................. 179

Foto 30 - Texto de Lay (19-7-2005) .......................................................................... 179

Foto 31 - Texto de Joa (19-7-2005) .......................................................................... 183

Foto 32 - Texto de Wes (19-7-2005)......................................................................... 184

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Foto 33 - Parte da história de Maurício de Souza .................................................... 187

Foto 34 - Legenda elaborada pela turma.................................................................. 187

Foto 35 - Cartaz com tipos de onomatopéias ........................................................... 188

Foto 36 - Processo de elaboração dos quadrinhos (4-8-2005)................................. 190

Foto 37 - Processo de elaboração dos quadrinhos (4-8-2005)................................. 190

Foto 38 - Texto de Cris (4-8-2005) ........................................................................... 190

Foto 39 - Texto de Marc (4-8-2005).......................................................................... 190

Foto 40 - Texto de Joa (4-8-2005)............................................................................ 191

Foto 41 - Texto de Gil (4-8-2005) ............................................................................. 191

Foto 42 - Texto de Wes (4-8-2005) .......................................................................... 191

Foto 43 - Texto de Kai (4-8-2005) ............................................................................ 191

Foto 44 - Texto de Joa em foco (4-8-2005) .............................................................. 193

Foto 45 - Livro O que tem nesta venda? (Elias José)............................................... 196

Foto 46 - Texto de Mat (10-11-2005)........................................................................ 199

Foto 47 - Texto de Cris (10-11-2005) ....................................................................... 200

Foto 48 - Texto de Lay (10-11-2005) ........................................................................ 200

Foto 49 - Texto de Ped (10-11-2005) ....................................................................... 201

Foto 50 - Texto de Joa (10-11-2005) ........................................................................ 202

Foto 51 - Livro A bruxinha atrapalhada (Eva Furnari)............................................... 204

Foto 52 - História de Eva Furnari publicada no livro A bruxinha atrapalhada ........... 206

Foto 53 - História de Eva Furnari publicada no livro A bruxinha atrapalhada ........... 207

Foto 54 - Texto produzido por Kai, Ped, Pat e Mar (29-11-2005)............................. 209

Foto 55 - Texto produzido por Ron, Let, Gil e Iur (29-11-2005)................................ 210

Foto 56 - História em quadrinhos Cadê a Dilly? ....................................................... 220

Foto 57 - Registro realizado por Nat (20-7-2005) ..................................................... 226

Foto 58 - Registro realizado por Marc (20-7-2005)................................................... 228

Foto 59 - História em quadrinhos de Maurício de Souza.......................................... 231

Foto 60 - Reescrita coletiva da história em quadrinhos (30-11-2005) ...................... 233

Foto 61 - Reescrita de Marc (11-5-2005).................................................................. 237

Foto 62 - Reescrita de Mar (11-5-2005) ................................................................... 237

Foto 63 - Reescrita de Joa (11-5-2005).................................................................... 239

Foto 64 - História de Eva Furnari publicada no livro A bruxinha atrapalhada ........... 241

Foto 65 - Reescrita de Marc (13-12-2005)................................................................ 248

Foto 66 - Reescrita de Kai (13-12-2005) .................................................................. 249

Foto 67 - Reescrita de Raf (13-12-2005) .................................................................. 252

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Foto 68 - Texto de Ped (29-9-2005) ......................................................................... 262

Foto 69 - Texto de Jac (29-9-2005) .......................................................................... 262

Foto 70 - Texto de Mon (29-9-2005)......................................................................... 266

Foto 71 - Texto de Iur (29-9-2005) ........................................................................... 266

Foto 72 - Texto de Marc (29-9-2005)........................................................................ 267

Foto 73 - Texto de Joa (29-9-2005) .......................................................................... 267

Foto 74 - Espaço escolar destinado à coleta de opiniões......................................... 276

Foto 75 - Texto produzido por Ped (8-6-2005) ......................................................... 277

Foto 76 - Texto produzido por Iur (8-6-2005)............................................................ 277

Foto 77 - Texto produzido por Pat (9-6-2005) .......................................................... 278

Foto 78 - Texto produzido por Joa (8-6-2005) .......................................................... 278

Foto 79 - Livro Serafina e a criança que trabalha (AZEVEDO; HUZAK; PORTO, 1999) . 281

Foto 80 - Texto produzido por Gil, Joa, Igo e Kai (31-8-2005).................................. 286

Foto 81 - Texto produzido por Mon (14-9-2005)....................................................... 288

Foto 82 - Cartaz com o poema Sem casa ................................................................ 291

Foto 83 - Texto de Gab (23-11-2005) ....................................................................... 294

Foto 84 - Texto de Mon (23-11-2005)....................................................................... 294

Foto 85 - Texto de Kai (23-11-2005)......................................................................... 294

Foto 86 - Texto de Gil (23-11-2005) ......................................................................... 295

Foto 87 - Corredor de entrada da escola.................................................................. 297

Foto 88 - Exposição de trabalhos do Grupo IV......................................................... 297

Foto 89 - Convite do Grupo IV.................................................................................. 297

Foto 90 - Parte da história Chapeuzinho Laranja ..................................................... 298

Foto 91 - Cartaz com as opinões das crianças sobre a história Chapeuzinho Laranja 301

Foto 92 - Texto de Joa (2-9-2005)............................................................................ 302

Foto 93 - Texto de Pat (2-9-2005). ........................................................................... 302

Foto 94 - Texto de Vic (2-9-2005)............................................................................. 302

Foto 95 - Texto de Gil (2-9-2005) ............................................................................. 302

Foto 96 - Texto de Nat e Lay (9-11-2005) ................................................................ 308

Foto 97 - Texto de Iur e Vic (9-11-2005)................................................................... 309

Foto 98 - Texto de Kai e Ped (9-11-2005) ................................................................ 310

Foto 99 - Texto de Cris e Wes (9-11-2005) .............................................................. 311

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LISTA DE SIGLAS

CBO – Classificação Brasileira das Ocupações

IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatítica

INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional

MEC – Ministério da Educação e do Desporto

PMV – Prefeitura Municipal de Vitória

PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação

PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

SEF – Secretaria da Educação Fundamental

SEME – Secretaria Municipal de Educação de Vitória

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15

2 ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................ 20

3 DIFERENTES OLHARES SOBRE A ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO

DA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................................................. 34

3.1 ALGUNS PONTOS DE PARTIDA ........................................................................ 34

3.2 ESTUDOS QUE FOCARAM A LINGUAGEM ESCRITA ...................................... 37

4 A PRODUÇÃO DE TEXTOS NA ESCOLA: SUBSÍDIOS TEÓRICOS

E METODOLÓGICOS ........................................................................................... 61

4.1 LINGUAGEM E CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE HUMANA ..................... 62

4.2 A PERSPECTIVA BAKHTINIANA DE LINGUAGEM ........................................... 68

4.3 SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA ...................................................... 79

4.3.1 O processo de inserção em campo e de coleta de dados .......................... 85

4.3.2 A instituição escolar ....................................................................................... 92

4.3.3 A sala de aula ................................................................................................ 103

4.3.4 As crianças-sujeitos: relações no ambiente escolar e familiar ................ 107

4.3.5 As professoras e suas trajetórias de trabalho com a linguagem escrita .. 117

5 O TRABALHO COM TEXTOS NA SALA DE AULA .......................................... 129

5.1 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS .................................................................. 136

5.1.1 A produção de histórias em quadrinhos .................................................... 142

5.1.2 As atividades de reescrita a partir das histórias em quadrinhos ............. 216

a) A reescrita coletiva de histórias em quadrinhos ......................................... 220

b) A reescrita em duplas de histórias em quadrinhos ..................................... 235

c) A reescrita individual de histórias em quadrinhos ....................................... 256

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5.2 OS TEXTOS DE OPINIÃO ................................................................................ 270

5.2.1 A escola ......................................................................................................... 275

5.2.2 O trabalho infantil ......................................................................................... 280

5.2.3 O direito à moradia ....................................................................................... 289

5.2.4 A história Chapeuzinho Laranja .................................................................. 296

5.2.5 Um dia de cão ................................................................................................ 304

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 315

7 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 324

APÊNDICES ............................................................................................................ 330

APÊNDICE A – Protocolo de pesquisa .................................................................... 331

APÊNDICE B – Consentimento livre e esclarecimento I ......................................... 333

APÊNDICE C – Consentimento livre e esclarecimento II ........................................ 334

APÊNDICE D – Consentimento livre e esclarecimento III ....................................... 335

APÊNDICE E – Formulário para caracterização da escola ..................................... 336

APÊNDICE F – Formulário para caracterização da sala de aula ............................ 338

APÊNDICE G – Formulário para caracterização das crianças ................................ 339

APÊNDICE H – Roteiro da conversa com as crianças ............................................ 340

APÊNDICE I – Questionário para as famílias .......................................................... 342

APÊNDICE J – Roteiro da entrevista com as professoras ...................................... 344

APÊNDICE L – Roteiro da entrevista com a pedagoga ........................................... 347

APÊNDICE M – Caracterização das crianças ......................................................... 351

APÊNDICE N – Levantamento dos dias em campo ................................................ 366

APÊNDICE O – Técnicas de observação participante ............................................ 367

APÊNDICE P – Fotos que compõem o corpus da pesquisa ................................... 368

APÊNDICE Q – Eventos observados em sala de aula ............................................ 369

APÊNDICE R – Levantamento das transcrições efetuadas ..................................... 374

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15

1 INTRODUÇÃO Este trabalho é resultado de nossa pesquisa de Mestrado que foi desenvolvida num

Centro de Educação Infantil do Sistema Municipal de Ensino de Vitória-ES, em uma

classe de crianças entre seis e sete anos de idade. Partindo de uma abordagem

qualitativa sócio-histórica, adotamos a modalidade estudo de caso do tipo

etnográfico, tendo em vista a investigação dos processos de constituição de sentidos

que se entrecruzaram nas práticas com a linguagem escrita na sala de aula. Nossa

inserção em campo ocorreu no período de maio a dezembro de 2005, quando

buscamos captar a dinamicidade das práticas educativas por meio da observação

participante, registros em diário de campo, filmagens e transcrições dos eventos,

fotos dos textos produzidos e entrevistas com os sujeitos.

As questões que envolvem o processo de alfabetização, quando tratadas no campo

das instituições educativas infantis, são particularmente desafiadoras, pois remetem-

nos a considerar as concepções de infância, de linguagem e de educação que

orientam as práticas educativas nessa etapa da escolarização básica, bem como as

condições em que foram e são produzidas. Desse modo, a aproximação com o

cotidiano escolar e com as práticas que se desenvolvem na sala de aula se constitui,

no contexto desta pesquisa, em aspecto fundamental para compreendermos como

têm sido reelaborados os diferentes conhecimentos que subsidiam o trabalho com a

linguagem.

No Brasil, no século XX, assistimos a mudanças conceituais na forma de conceber o

processo de ensino aprendizagem da língua escrita na fase escolar. Nesse cenário,

a alfabetização foi concebida por uma multiplicidade de enfoques e concepções que

foram se tornando hegemônicas nas práticas e nos discursos teóricos. Tomando as

contribuições de Braggio (2002) e Gontijo (2002), podemos traçar, em linhas gerais,

as implicações decorrentes desses enfoques no campo da alfabetização.

O enfoque comportamentalista, também reconhecido por behaviorista, empirista ou

associacionista, parte do pressuposto de que a aprendizagem da língua ocorre por

meio do domínio mecânico das relações entre os sons e as letras, ou seja, por um

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processo de codificação e decodificação. Essa forma de conceber a alfabetização se

evidencia nos métodos sintéticos, como o alfabético, o silábico e o fônico.

Contrapondo-se à idéia de que a aprendizagem da leitura e da escrita deveria ocorrer

das partes para o todo, a partir de século XIX, começam a ser veiculados métodos de

ensino que preconizam que a aprendizagem se efetiva do todo para as partes. Esse

enfoque pode ser observado nos métodos analíticos de alfabetização, como os da

palavração, da sentenciação e o historiado que se sustentam em uma abordagem

global e ideovisual decorrente da Psicologia da Gestalt.

De acordo com Braggio (2002), os pressupostos que fundamentam os métodos

sintéticos e analíticos podem ser compreendidos sob o mesmo ponto de vista, pois

ambos reduzem a aquisição da língua a uma experiência sensorial, fisicamente

observável, na qual a linguagem é concebida como um sistema fechado, autônomo,

constituído de elementos que não se relacionam entre si e que estabilizam os

significados das palavras, isolando-as, conforme salienta Gontijo (2002), da

totalidade do fenômeno lingüístico e do conteúdo sócio-histórico-cultural. Subjacente

aos métodos de ensino da leitura e da escrita na fase inicial de alfabetização, está o

sujeito, entendido como um ser isolado da sociedade, passivo, acrítico, incapaz de

mudar a si mesmo e a realidade social na qual está inserido.

Uma virada epistemológica no campo da alfabetização ocorreu com a emergência

do paradigma cognitivista, particularmente a partir dos estudos realizados no campo

da Psicolingüística, por Avram Noam Chomsky (1928-), e no campo da Psicologia

Genética, por Jean Piaget (1896-1980). Esses estudos possibilitaram a articulação

de pressupostos teóricos e metodológicos que orientaram a pesquisa experimental

realizada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, em Buenos Aires, nos anos de 1974,

1975 e 1976. Assim, a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 90, ocorreram

mudanças significativas nas práticas de alfabetização. Essas mudanças tinham

como principal foco a concepção de um sujeito ativo, ou seja, um sujeito que

aprende, que elabora hipóteses e constrói o conhecimento a partir da interação com

o objeto.

Nesse sentido, a corrente construtivista, como tem sido denominada, distingue-se da

empirista pelo fato de que, nessa nova abordagem, o conhecimento não ocorre por

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associações mecânicas, mas é resultado da atividade do sujeito e das relações que

estabelece na interação com o objeto. Contudo, a vertente construtivista não

possibilitou mudanças substanciais no modo de conceber a linguagem, o ser

humano e a sociedade, uma vez que preconiza o desenvolvimento da escrita na

criança como um processo universalizante, abstraído das condições materiais e

humanas que estão subjacentes aos processos de apropriação dessa forma de

linguagem.

Desse modo, compreendemos que tratar das questões que envolvem o processo de

alfabetização, no contexto das relações humanas, significa pensar sua constituição

histórica, cultural e social. Assim, a alfabetização é concebida, neste estudo, como

um dos processos de inserção da criança no mundo da escrita. Um processo “[...]

pelo qual as crianças tomam para si o resultado do desenvolvimento histórico-social,

de modo que desenvolvam as possibilidades máximas da humanidade, quais sejam,

da universalidade e liberdade do homem” (GONTIJO, 2002, p. 2, grifo da autora).

Ancorada nas postulações da Psicologia Histórico-Cultural, essa forma de conceber

a alfabetização, lembra-nos Gontijo (2004), remete à idéia de que ela se inicia para

as crianças, que nascem e vivem em meios onde se fazem usos da escrita em

diversas situações sociais, muito antes de participarem de processos educativos

institucionalizados. Dessa premissa, decorre, também, a importância de

considerarmos a escrita como uma forma especial de linguagem e, desse modo, a

alfabetização como parte de um amplo processo de desenvolvimento da linguagem

na criança, desenvolvimento esse que se inicia desde os primeiros anos de vida e se

potencializa nas experiências sociais que são mediadas pela palavra e pelo outro. A

linguagem, nessa perspectiva, constitui-se nas relações sociais e, ao mesmo tempo,

é uma atividade constitutiva dos seres humanos.

Assim, partindo de pressupostos que reconhecem as dimensões dialógica, histórica

e cultural da linguagem, buscamos focalizar os eventos mediados pela linguagem

escrita, numa turma de crianças de seis anos da educação infantil, com o objetivo de

analisar os sentidos constituídos no trabalho de escritura realizado na sala de aula

pelas crianças e professora, procurando apreender aspectos sociais dessa atividade

humana em suas situações concretas de produção.

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As contribuições decorrentes do nosso estudo foram organizadas em cinco

capítulos. Inicialmente, analisamos a proposta de trabalho com a linguagem escrita

explicitada no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998),

buscando compreender como foram constituídas as orientações teórico-práticas

delineadas nesse documento. A partir dessas considerações iniciais, delimitamos o

problema de pesquisa e os objetivos que orientaram nosso olhar investigativo em

campo. Em seguida, na segunda parte do trabalho, situamos a produção acadêmica

nessa área do conhecimento, analisando estudos que focaram a linguagem escrita

no contexto da educação infantil a partir da década de 1990. Nessa análise,

buscamos explicitar os pressupostos teóricos e metodológicos que subsidiaram sete

trabalhos acadêmicos, confirmando nosso interesse pelos processos que se

desenvolvem no interior das relações pedagógicas, particularmente, pelas condições

de produção do trabalho de escritura realizado por crianças e professores, em

classes de alfabetização, no contexto da educação infantil.

Na terceira parte, tratamos do aporte teórico que subsidiou nosso estudo,

explicitando idéias, conceitos e concepções subjacentes às práticas de produção de

textos na escola. Nesse contexto teórico, as contribuições da Perspectiva

Bakhtiniana de Linguagem constituíram-se em princípios fundamentais para a

análise dos eventos observados em sala de aula. Partindo desses pressupostos,

configuramos as contribuições decorrentes da abordagem metodológica centrada no

estudo de caso do tipo etnográfico, explicitando como ocorreram os processos de

inserção em campo e de coleta de dados, para, em seguida, caracterizar a

instituição escolar, a sala de aula e os sujeitos que participaram do estudo.

Por fim, abordamos as situações de trabalho com a linguagem escrita, observadas

na sala de aula, analisando as condições de produção dos textos e como

influenciaram na atividade interdiscursiva das crianças. A partir de um levantamento

geral dos eventos que compõem o corpus da pesquisa, situamos as propostas de

produção que foram recorrentes, definindo duas principais categorias de análise: o

trabalho com as histórias em quadrinhos e com os textos de opinião. Por meio

dessas propostas, buscamos reconstituir as complexas relações de ensino

aprendizagem experimentadas pelas crianças e pelas professoras, tecendo

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considerações acerca dos processos de constituição de sentidos e de sujeitos que

se entrecruzaram na sala de aula pesquisada.

Acreditamos que este estudo pode ampliar as discussões em torno das práticas de

produção de textos nas classes de alfabetização, suscitando reflexões que,

certamente, contribuirão para o avanço da compreensão desses processos na

construção de outros caminhos para que as crianças e os professores, sujeitos de

direitos, possam constituir-se, também, sujeitos de idéias, saberes, opiniões, valores,

cultura... De caminhos que possibilitem, como nos diz Geraldi (1997), tornar a sala

de aula um lugar de interação verbal e de diálogo. Lugar onde alunos e professores

possam trazer os seus diferentes saberes, confrontando-os com outros saberes

produzidos historicamente, num constante movimento de (re)criação que jamais

deixa de considerar o vivido, o experimentado, mas que também aponta o novo, o

inesperado.

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2 ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Pensar a educação infantil em seu contexto histórico, político e educacional é um

desafio que se coloca para a compreensão dos processos de ensino aprendizagem

da linguagem escrita nessa etapa da escolarização básica. Nesse sentido, algumas

questões orientaram nosso olhar em direção às concepções de alfabetização que,

historicamente, permearam os discursos e as práticas educativas nessa fase de

desenvolvimento da criança. Afinal, como se deu o processo de institucionalização

da educação infantil? Que intenções educativas foram se delineando no decorrer

dessa história? Considerando nosso objeto de estudo, como é tratada a linguagem

escrita no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil?

Na trajetória de institucionalização da educação infantil,1 podemos perceber que as

concepções que orientaram os processos educativos situaram, basicamente, a

linguagem escrita sob duas perspectivas dicotômicas: em espaços/tempos de

políticas de cunho estritamente assistencialista e higienicista, o trabalho com a

linguagem escrita foi praticamente desconsiderado; numa concepção tecnicista de

educação, esse trabalho passa a incorporar as propostas educativas e seu

aprendizado é enfocado como meio de suprir as carências culturais da população,

ou seja, ele passa a ter a função de preparar as crianças para a aprendizagem da

leitura e da escrita.

A partir da década de 1980,2 observamos, no cenário brasileiro, importantes

iniciativas voltadas para a superação das concepções estritamente assistencialistas

e propedêudicas de educação infantil que, vinculadas aos movimentos populares,

aos campos jurídico e acadêmico, suscitaram diferentes olhares para a educação

das crianças nessa etapa da escolarização básica. Algumas das principais

repercurssões decorrentes desses movimentos podem ser observadas no 1 De acordo com Kuhlmann Jr. (2000), em nosso país, até meados do século XIX, o atendimento institucionalizado às crianças de zero a seis anos de idade praticamente não existia. Foi somente na segunda metade do século XIX, com a grande expansão das relações internacionais e com o crescente processo de industrialização, que se iniciou a difusão das instituições de educação infantil. 2 Nesse período, a educação em creches e pré-escolas, como um direito da criança e um dever do Estado, foi reconhecida na Constituição Brasileira de 1988 (art. 208) e reafirmada na Lei nº 9.394/96 (art. 29) ao estabelecer a educação infantil como etapa inicial da escolarização básica, tendo em vista o desenvolvimento integral das crianças em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social.

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Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI,1998), documento

destinado a subsidiar o trabalho nas instituições de educação infantil, elaborado pelo

Ministério da Educação e do Desporto e pela Secretaria da Educação Fundamental.3

Dentre os diversos eixos que compõem as orientações expressas no referencial,

encontra-se o eixo de trabalho com as linguagens oral e escrita, que está

estruturado a partir de um esquema comum aos demais: considerações sobre a

presença do eixo, suas relações com a criança, objetivos, conteúdos, orientações

didáticas para o professor, observação, registro e avaliação formativa. Há, ainda,

uma divisão interna que separa alguns aspectos referentes à linguagem oral dos da

linguagem escrita. Essa forma de organização é justificada com o argumento de que

o documento possui um caráter instrumental e didático somente para sua

apresentação, “[...] devendo os professores ter consciência, em sua prática

educativa, que a construção de conhecimentos se processa de maneira integrada e

global [...]” (BRASIL, 1998, p. 7).

Apesar desse esclarecimento, alguns estudos têm apontado críticas aos aspectos

estruturantes do RCNEI. De acordo com Cerisara (2003), uma das questões

evidenciadas, nos pareceres da versão preliminar do documento, diz respeito à

separação entre essas duas modalidades de linguagem, pois essa separação pode

“[...] apresentar-se problemática, porque dilui a questão cultural da linguagem,

dicotomizando-a e fragmentando-a, como se as crianças tivessem apenas duas

linguagens” (CERISARA, 2003, p. 37). Essa crítica, no entanto, parece-nos

complicada, pois a questão que se coloca não diz respeito ao fato de existirem

apenas duas linguagens, mesmo porque, no referencial, são contempladas

orientações para o trabalho com as outras linguagens (a matemática, a música, as

artes visuais e o movimento, por exemplo), mas sim aos aspectos que envolvem as

relações entre linguagem oral e escrita.

3 O RCNEI é composto por três volumes: o documento Introdução com informações mais gerais sobre creches e pré-escolas no Brasil; o volume ligado ao âmbito da Formação Pessoal e Social que trata dos processos relativos à constituição da identidade e da autonomia pelas crianças; e o terceiro volume, Conhecimento de Mundo, contendo os eixos de trabalho orientados para a construção das diferentes linguagens pelas crianças: Movimento, Música, Artes visuais, Linguagem oral e escrita, Natureza e sociedade, Matemática.

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Tomando por exemplo o estudo realizado por Marcuschi (2001), podemos apontar

algumas contribuições para essa questão. Partindo do pressuposto fundamental de

que as línguas se fundam em usos, o autor se propõe a esclarecer a natureza das

práticas sociais que envolvem o uso da língua, considerando as relações de

continuidade entre discurso oral e escrito. Aponta uma perspectiva dialógica em que

a língua é considerada como um fenômeno interativo e dinâmico. Para o autor, “[...]

as relações entre fala e escrita não são óbvias nem lineares, pois elas refletem um

constante dinamismo fundado no continuum4 que se manifesta entre essas duas

modalidades de uso da língua” (MARCUSCHI, 2001, p. 34).

Contribuições dessa natureza, que oferecem outras possibilidades para a

compreensão das relações fala e escrita, também precisam ser explicitadas num

referencial cuja intenção seja contribuir efetivamente com as práticas de ensino. Se

considerados os usos cotidianos da língua, é possível observar e compreender que

oralidade e escrita não são responsáveis por domínios dicotômicos. Conforme nos

lembra Marcuschi (2001), na sociedade coexistem práticas sociais que são

mediadas tanto pela escrita, quanto pela oralidade. Se a escrita, em muitas

situações, é vista como tendo maior prestígio social, isso não é decorrente de

parâmetros lingüísticos, mas de posturas ideológicas.

Tecidas essas considerações, conduziremos a análise do eixo de trabalho que

aborda a aprendizagem da linguagem escrita verificando quais são as concepções

teóricas que subsidiam a proposta explicitada no referencial. No texto introdutório, a

aprendizagem da língua é assim situada: “Aprender uma língua não é somente

aprender as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os

modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural entendem, interpretam e

representam a realidade” (BRASIL, 1998, p. 117). Em nota de rodapé, há

explicações sobre o conceito de língua tomado na proposta como “[...] um sistema

de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e a

realidade” (p. 117). Apesar dessa abordagem abrangente sobre o conceito de

4 No livro Da fala para a escrita: atividades de retextualização (publicado em sua 3ª edição em 2001), Marcuschi apresenta gráficos para demonstrar que tanto a fala como a escrita se dão em dois contínuos: na linha dos gêneros textuais e na linha das características específicas de cada modalidade.

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língua, o texto não explicita a base teórica que o sustenta, apresentando poucos

elementos para a sua compreensão.

Em seguida, o documento traz algumas considerações sobre as idéias de prontidão,

de maturação biológica, de pré-requisitos e suas influências nas práticas correntes

nas instituições de educação infantil em relação ao aprendizado da linguagem

escrita. Discute, também, as perspectivas que enfatizam a associação, a repetição e

a memorização bem como as práticas delas decorrentes com uso de procedimentos

de segmentação, de seqüenciação, de vivência motora e corporal. Faz uma crítica a

essas abordagens argumentando que elas consideram a aprendizagem da

linguagem escrita como a aquisição de um sistema de codificação e não como um

sistema de representação da língua, além de se basearem em definições do que é

fácil ou difícil para a criança.

A partir dessas considerações, o Referencial começa a explicitar a concepção que

sustenta a sua proposta educativa. Referindo-se às novas direções, delineadas nas

últimas décadas, para o aprendizado das linguagens oral e escrita, o documento

alerta que, “[...] ao se considerar as crianças ativas na construção de conhecimentos

e não receptoras passivas de informações há uma transformação substancial na

forma de compreender como as crianças aprendem a falar, a ler e a escrever”

(BRASIL, 1998, p. 120). Apontados como inovações teóricas que precisam ser

reconhecidas, esses pressupostos veiculam a adoção de uma abordagem de cunho

construtivista sem, contudo, as devidas considerações epistemológicas decorrentes

dessa proposta. Ao discutir questões relacionadas com os pressupostos

construtivistas e suas filiações com outros modismos, Rossler (2000, p. 6) salienta:

Com o capitalismo, a produção humana se torna indefinida, não se limitando mais ao essencial, à satisfação das necessidades imediatas dos homens. Isto, por sua vez, determina nos homens uma necessidade de modificarem, renovarem, transformarem continuamente, tanto a si mesmos quanto a própria sociedade, e esta necessidade de transformação, segundo Heller, seria uma das maiores conquistas da humanidade.

O autor ainda explica que essa orientação para o futuro, para o novo é, todavia,

permeada por uma crescente alienação que se transforma em moda, isto é, na

necessidade de acompanhar o que existe de novo na sociedade para superar

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atrasos. Nesse sentido, o ideário construtivista se constituiu como novidade no meio

educacional sendo fortemente difundido por discursos pedagógicos instituidores de

novas práticas por meio de diferentes vertentes teóricas, mas cujo núcleo central é a

epistemologia genética de Piaget. A vertente adotada no RCNEI é mais claramente

evidenciada nas orientações sobre o desenvolvimento da linguagem escrita com

pressupostos acerca das hipóteses e dos “erros” cometidos pelas crianças em seu

processo de construção de conhecimento. É assumida, então, a adoção de uma

concepção construtivista a partir dos pressupostos lingüísticos e psicológicos de

Ferreiro e Teberosky com as seguintes considerações, apresentadas em nota de

rodapé:

A concepção de aprendizagem da linguagem escrita com base nas idéias e hipóteses que as crianças constroem ao tentar compreendê-la foi desenvolvida com base nos trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, entre outros, a partir da década de 70. Os resultados dessa pesquisa encontram-se publicados, no Brasil, no livro ‘A psicogênese da Língua Escrita’, que consta da bibliografia deste documento, e em outras obras das mesmas autoras (BRASIL, 1998, p. 128).

Essa explicação remete-nos a considerar que ocorre, nesse discurso pedagógico,

uma predominância teórica dos pressupostos lingüístico-psicológicos da teoria de

Ferreiro e Teberosky, com indicação de diferentes obras das autoras. A ênfase na

teoria da Psicogênese da Língua Escrita ainda pode ser confirmada com base na

constatação de que, embora outros conceitos e princípios epistemológicos tenham

sido abordados no documento, não há explicitação do referencial teórico pertinente.

É o que ocorre, por exemplo, com os pressupostos da teoria da enunciação,

contemplados na página 121 do documento, quando são tomados conceitos sem as

devidas referências.

Dessa forma, ao propor mudanças no trabalho com a linguagem escrita a partir da

focalização e da valorização das idéias de Ferreiro e Teberosky (1999), o documento

apresenta uma proposta estática e previsível. Uma proposta que, de certa forma,

pode prover a conformação de condutas e, conseqüentemente a regulação das

práticas. Marinho (2003) contribui brilhantemente com essa questão em seu trabalho

sobre O discurso da ciência e da divulgação em orientações de Língua Portuguesa.

A respeito do uso de referências bibliográficas em discursos de orientações

curriculares oficiais, ela diz que ocorre uma aparente homogeneidade enunciativa

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cujo efeito é o de construção de “[...] um conhecimento universal, aparentemente

capaz de sintetizar e de diluir as polêmicas que emperrariam o fazer, o agir na

prática cotidiana dos professores” (MARINHO, 2003, p. 131). Por outro lado, ocorre

também o apagamento do sujeito enunciador, com o uso da voz passiva, do trabalho

metalingüístico de explicação que, segundo alguns estudiosos citados por Marinho –

Moirand (1992) e Authier-Revuz (1982) – seria uma estratégia de aproximação com

o leitor leigo. Essa estratégia configura-se a partir de um discurso de “vulgarização

científica” que também é utilizada no discurso pedagógico.

Sem pretender prolongar a análise das estratégias discursivas utilizadas no

documento, iremos destacar outros dois aspectos que nos chamaram a atenção e

que também foram discutidos por Marinho (2003): o uso excessivo de notas de

rodapé e a estratégia lingüística formada por artigos definidos.

Como constatou a autora, ao examinar os Parâmetros Curriculares Nacionais de

Língua Portuguesa, no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, as

notas de rodapé também foram usadas com a provável5 intenção de oferecer mais

explicações sobre conceitos fundamentais supostamente desconhecidos pelo leitor e

reforçar a predominância da perspectiva teórica adotada. Ocorre, dessa forma, uma

articulação periférica no texto, por meio de “referências eruditas”, de “peças de

defesa”6 que, ao serem evidenciadas, promovem a sedução e o convencimento. A

respeito do uso de artigos definidos, a autora nos diz que essa estratégia é típica do

discurso científico: “[...] o nomeado é o acordado, o comprovado, o descoberto, o

dado” (MARINHO, 2003, p. 132). Por meio dessas estratégias discursivas, institui-se,

então, o que é relevante para as “novas” práticas, “facilita-se” o trabalho docente

sem, no entanto, a devida e necessária aproximação com o contexto escolar.

Podemos perceber a ocorrência desses mecanismos nas estratégias utilizadas para

convencer o leitor da necessidade de reconhecer que “[...] o processo de letramento

está associado tanto à construção do discurso oral como do discurso escrito”

(BRASIL, 1998, p. 121). Nessa passagem, observamos, então, uma articulação

5 Utilizamos o termo provável, pois o documento, obviamente, não explicita essas intenções.

6 Expressão usada por Compagnon (1996) e por Marinho (2003) para explicar como as notas são usadas como dispositivo textual e discursivo.

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entre os pressupostos da perspectiva lingüístico-psicológica adotada e a perspectiva

do letramento, que pode ser comprovada nas seguintes premissas explicitadas em

diversos trechos do documento:

a) grande parte das crianças que vivem em meios urbanos está em contato com

a linguagem escrita por meio de diferentes portadores textuais, antes de

ingressar na instituição educativa;

b) a intensidade e a qualidade do contato com a linguagem escrita (o grau de

letramento) são indicadores na desenvoltura pela qual a criança elabora suas

hipóteses, apontando a importância do contato com a escrita nas instituições

de educação infantil;

c) a aprendizagem da leitura e da escrita é concebida como “[...] um processo de

construção de conhecimento pelas crianças por meio de práticas que têm

como ponto de partida e de chegada o uso da linguagem e a participação nas

diversas práticas sociais de escrita” (BRASIL, 1998, p. 122).

Além dessas premissas, o documento explicita a seguinte definição de letramento

(em nota de rodapé): “[...] produto da participação em práticas sociais que usam a

escrita como sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam

da escrita para torná-las significativas” (BRASIL, 1998, p. 121). Explica ainda que,

“[...] dessa concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas

modernas não existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível não participar,

de alguma forma, de algumas dessas práticas” (p. 121).

Com relação a essas explicações, teceremos duas considerações. A primeira diz

respeito ao significado de letramento explicitado no documento. Além de não conter

informações sobre a autoria desse significado, não considera, também, que existem

diferentes abordagens para essa perspectiva. Institui-se, então, o letramento

pretendido, o letramento adequado para as práticas educativas. Segundo Kleiman

(2003), as práticas de letramento apresentam características macro e

microestruturais e seus significados variam conforme seus usos. A esse respeito,

Marcuschi (2001, p. 19, grifos do autor), lembra que se deve “[...] ter imenso cuidado

diante da tendência à escolarização do letramento, que sofre de um mal crônico ao

supor que só existe um letramento”. Comenta ainda que, pelo fato de existirem

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“letramentos sociais” que surgem independentemente da escola, eles não podem ser

equiparados somente à aquisição da escrita.

A segunda questão que nos interessa comentar está relacionada com a existência

de um grau diferente de zero de letramento das pessoas que vivem nas sociedades

urbanas modernas. Terzi (1995), ao comparar as condições de exposição a

materiais escritos das crianças da classe média com as crianças de classes menos

privilegiadas, argumenta que, mesmo sendo praticamente impossível não entrar em

contato com a escrita numa sociedade letrada, “[...] a quantidade e a qualidade

desse contato dependem das condições de vida e das características da

comunidade em que as pessoas vivem” (TERZI, 1995, p. 53). Dessa forma, com

base em dados empíricos, a autora evidencia que o acesso aos materiais escritos e

às experiências de leitura é distinto, para diferentes parcelas e grupos da sociedade

e, desse modo, a qualidade e os tipos do letramento também se diferenciam,

principalmente porque vivemos numa sociedade desigual e excludente que dificulta

o acesso aos bens culturais.

Outros aspectos contemplados na proposta de trabalho com a linguagem escrita

dizem respeito à natureza conceitual da escrita, ao seu aspecto funcional e ao papel

do professor no processo de aprendizagem. Quanto ao primeiro aspecto, o

documento explicita que “[...] a aprendizagem da escrita envolve a compreensão de

um sistema de representação e não somente a aquisição de um código de

transcrição da fala” (BRASIL, 1998, p. 122). Além disso, aponta a necessidade de a

criança “[...] compreender não só o que a escrita representa, mas também de que

forma ela representa graficamente a linguagem” (p.122).

Dessa forma, essas idéias reforçam os pressupostos construtivistas, confirmando

que a alfabetização não é um processo que envolve apenas o desenvolvimento de

capacidades de percepção, memorização e treino de capacidades sensório-motoras,

mas é “[...] um processo no qual as crianças precisam resolver problemas de natureza

lógica até chegarem a compreender de que forma a escrita alfabética em português

representa a linguagem, e assim poderem escrever e ler por si mesmas” (BRASIL,

1998, p. 122).

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Considerando as explicações dadas sobre o sistema de escrita, podemos perceber

que a preocupação em oferecer ao leitor informações dessa natureza, inclusive com

algumas explicações em nota de roda pé, 7 confirma nossas observações acerca do

uso desse recurso no discurso veiculado pelo RCNEI. Sabemos que uma discussão

sobre a natureza conceitual da escrita e da sua constituição como sistema de

representação da fala requer a explicitação de referenciais que considerem as

origens desses conceitos. Requer que se abra mão, conforme analisa Marinho

(2003), dos processos de uniformização de sentidos que fazem dos documentos

oficiais mecanismos históricos de estabilização de conceitos no campo pedagógico.

Nesse sentido, vale a pena tomarmos as discussões de Tfouni (2004) e sua

abordagem sobre a língua escrita como um sistema de representação. Partindo do

pressuposto básico de que “[...] a escrita é o produto cultural por excelência”

(TFOUNI, 2004, p. 10), a autora mostra que, desde a sua origem, essa forma de

linguagem está associada a um jogo de dominação e poder, de movimentos de

participação e exclusão, de desenvolvimento social, cognitivo e cultural dos povos.

Dessa forma,

[...] a escrita pode ser tomada como uma das causas principais do aparecimento das civilizações e do desenvolvimento científico, tecnológico e psicossocial da sociedade nas quais foi adotada de maneira simples. Por outro lado, não podem ser esquecidos fatores como as relações de poder e dominação que estão por trás da utilização restrita ou generalizada de um código escrito (TFOUNI, 2004, p. 14).

Assim, não basta, como explicitado no RCNEI, ajudar a criança a compreender de

que forma a escrita alfabética em português representa a linguagem. O tratamento

da escrita, como sistema de representação, pressupõe que suas origens, seus usos

e finalidades sociais sejam considerados com base numa perspectiva histórica,

crítica, reveladora.

Na perspectiva adotada pelo documento, isto é, a teoria psicogenética de Ferreiro e

Teberosky, os problemas a serem resolvidos pelas crianças na alfabetização seriam

7 A nota esclarece: “Como a escrita alfabética pode transcrever tudo que é dito, há a tentação de considerá-la como representação completa da emissão do falante. Porém, a escrita não é mera transcrição da fala e representa apenas parte de seu sentido. Uma frase falada em tom irônico, como, ‘Você é linda!’, é escrita da mesma forma que a mesma frase dita em tom sério. Dentre outras coisas, a forma gráfica não determina completamente a interpretação, que precisa ser inferida do contexto” (BRASIL, 1998, p. 122).

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de natureza lingüística e psicológica. Essa configuração remete-nos a considerar

que os processos de aquisição da escrita são condicionados pelo desenvolvimento

de competências individuais próprias de uma abordagem cognitivista piagetiana. De

acordo com Macedo (2002), as propostas de alfabetização fundadas na abordagem

cognitivista, ao centrarem o foco nas relações entre sujeito e objeto, numa

perspectiva desenvolvimentista, desconsideram o capital cultural do sujeito bem

como sua realidade sócio-histórica a partir do suposto de que os processos de

desenvolvimento são únicos e invariantes.

Por outro lado, ao tentar uma aproximação com a perspectiva do letramento, é

apontada no documento uma abordagem utilitarista da alfabetização. Macedo (2002,

p. 94) explica que a principal meta dessa abordagem “[...] é produzir leitores que

atendam aos requisitos básicos de leitura da sociedade contemporânea”. Em outras

palavras, produzir “alfabetizados funcionais”. A ênfase ao aspecto funcional da escrita

pode ser percebida em diferentes partes do documento. Na parte que se refere ao

desenvolvimento da linguagem escrita na criança, encontramos o seguinte trecho:

Nas sociedades letradas, as crianças, desde os primeiros meses, estão em permanente contato com a linguagem escrita. É por meio desse contato diversificado em seu ambiente social que as crianças descobrem o aspecto funcional da comunicação escrita, desenvolvendo interesse e curiosidade por essa linguagem (BRASIL, 1998, p. 127).

Essa descoberta, segundo o Referencial, ocorre quando as crianças começam a

perceber o que a escrita representa e fazem perguntas sobre a sua função e o seu

significado. Assim, dentre as práticas de escrita, sugeridas na página 145, estão a

“[...] participação em situações cotidianas nas quais se faz necessário o uso da

escrita, escrita do nome em situações em que isso é necessário, produção de textos

individuais e/ou coletivos ditados oralmente ao professor para diversos fins”. Essas

recomendações são reforçadas com orientações para que o trabalho com produção

de textos seja constituído por meio de uma prática continuada na qual a reprodução

dos contextos cotidianos possibilite a construção de sentidos para a escrita: escrever

para não esquecer, para se comunicar, etc.

Dessa forma, ocorre um movimento de (re)configuração do processo de

alfabetização que pode ser compreendido como uma tentativa de ampliar a

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abordagem lingüística de Ferreiro e Teberosky com orientações sobre os aspectos

funcionais da escrita. Entretanto, essa perspectiva remete a uma visão pragmatista de

alfabetização, pois veicula o desenvolvimento econômico, ou seja, o acesso ao mundo

funcional da escrita desde cedo para, mais tarde, se ter acesso ao mundo do trabalho.

Assim, conforme aponta Macedo (2002, p. 24), “[...] sacrifica a análise crítica da

ordem social e política que dá origem à necessidade de leitura em primeiro lugar”.

De acordo com Gontijo (2002), um processo de alfabetização que não torna possível

uma relação consciente com o significado da linguagem escrita é alienador e essa

alienação é decorrente da transformação das finalidades do processo de

alfabetização em simples meio da reprodução da existência. A autora não

desconsidera que os aspectos funcionais sejam importantes, pois eles podem se

tornar motivos que “agem efetivamente” sobre as crianças e, assim, contribuir para a

apropriação da significação social da linguagem escrita. Contudo,

As crianças, ao aprenderem apenas com a finalidade de usarem a escrita como meio de comunicação a distância, de serem trabalhadoras e, ilusoriamente, imaginarem que essa aquisição proporcionará mudança de suas condições materiais e, também, com a finalidade de realizarem as atividades propostas pela professora na sala de aula, estão se alienando da humanidade e constituindo a sua individualidade em-si (GONTIJO, 2002, p. 131).

Atendendo à demanda de oferecer subsídios didáticos aos professores

alfabetizadores, também foram delineadas, no RCNEI, algumas orientações práticas

que giraram em torno da construção de um ambiente alfabetizador, da organização

do tempo escolar, da elaboração de projetos e seqüência de atividades, da utilização

de portadores variados e do uso do computador. Para finalizar, foram explicitadas

algumas orientações sobre a observação, registro e avaliação formativa. Nesse

aspecto, a proposta do RCNEI, para o trabalho com a linguagem escrita, enfatiza a

importância de se observar o interesse das crianças pelas situações de uso da

escrita ressaltando:

Mesmo sem a exigência de que as crianças estejam alfabetizadas aos seis anos, todos os aspectos envolvidos no processo de alfabetização devem ser considerados. Os critérios de avaliação devem ser compreendidos como referências que permitem a análise do seu avanço ao longo do processo, considerando que as manifestações desse avanço não são lineares, nem idênticas entre as crianças (BRASIL, 1998, p. 159).

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Com essa orientação, é encerrada a proposta de trabalho com a linguagem escrita.

O enfoque dado a não exigência da alfabetização e, por outro lado, a necessidade

de se considerar “todos os aspectos” envolvidos nesse processo, além da utilização

de critérios como referência para a compreensão dos avanços da escrita na criança,

parece confirmar a adoção de uma concepção construtivista de alfabetização.

Entretanto, em algumas situações são apropriados pressupostos da perspectiva

histórico-cultural sem as devidas referências e reflexões, o que nos permite

questionar a consistência teórico-metodológica dessa proposta, especialmente no

que se refere às práticas com a linguagem escrita.

Ao escrever sobre os pareceres relacionados com as concepções teóricas presentes

no RCNEI, Cerisara (2003) explica que a perspectiva construtivista, advinda da base

piagetiana, foi criticada por sua fundamentação confusa sem o aprofundamento

necessário, levando a uma abordagem eclética de concepções divergentes que

pode influenciar a prática educativa. Sabemos, também, que as condições de

produção do RCNEI estão associadas às reformas educacionais da escola moderna,

nas quais a ordem e o detalhe das coisas ensináveis8 permeiam a formalização do

processo educacional. Nesse sentido, o caráter instrumental e didático do RCNEI,

também revelado no eixo de trabalho com as linguagens oral e escrita, evidencia sua

estreita relação com o modelo escolar predominante no ensino fundamental.

Desse modo, entendemos que o RCNEI ainda não contempla os anseios de grande

parte dos profissionais e pesquisadores comprometidos com uma educação de

qualidade para as crianças de zero a seis anos de idade. Contudo, apesar das

implicações político-pedagógicas, o documento é uma demonstração do

reconhecimento da educação infantil como um espaço educativo e contribui para a

superação de uma concepção estritamente assistencialista.

Assim, na tentativa de compreendermos como têm sido reelaborados os diferentes

conhecimentos que subsidiam o trabalho com a linguagem escrita na educação

infantil, propomos, neste estudo, uma aproximação com o cotidiano dessas

instituições. Para André (2004), essa perspectiva pressupõe uma visão de escola

8 Expressão utilizada por Bujes (2002), a partir da formulação de Palamidessi (2001), para significar seu entendimento de currículo.

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como espaço social, como espaço de criação e recriação de conhecimentos, valores

e significados. Para tanto, é fundamental o rompimento de uma visão estática do

cotidiano escolar, pois

Conhecer a escola mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica das relações e interações que constituem o seu dia-a-dia, apreendendo as forças que a impulsionam ou que a retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de organização do trabalho escolar e compreendendo o papel e a atuação de cada sujeito nesse complexo interacional onde ações, relações, conteúdos são construídos, negados, reconstruídos ou modificados (ANDRÉ, 2004, p. 41).

Partindo do pressuposto de que o estudo sobre a prática escolar cotidiana pode

contribuir com o debate acerca dos processos que envolvem o fenômeno da

alfabetização, esta pesquisa pretende investigar os eventos mediados pela

linguagem escrita em uma classe de crianças de seis anos de idade, num Centro de

Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Vitória, a fim de analisar se ou

como o processo de ensino aprendizagem da linguagem escrita tem

possibilitado a constituição de sentidos por meio do trabalho de escritura.

A definição desse centro de interesse é decorrente de uma concepção de

alfabetização que, conforme argumenta Smolka (2003, p. 69),

[...] não implica, obviamente, apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma relação da criança com a escrita. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido. Desse modo, implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho da escritura – para quem eu escrevo o que eu escrevo e por quê? [...] essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre um interlocutor.

Essa perspectiva nos remete a considerar que, mesmo antes de compreender as

relações lingüísticas do sistema alfabético de escrita, as crianças se apropriam de

sentidos produzidos socialmente e expõem, nos textos que escrevem, suas idéias,

valores, saberes, cultura e, portanto, revelam, por meio do processo de escritura,

como se apropriam/elaboram o discurso social. A educação infantil pode ser tomada,

nesse contexto, como um espaço social e pedagógico privilegiado para o estudo das

práticas que envolvem o trabalho com a linguagem escrita.

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Nesse sentido, tendo em vista o interesse pelos processos de constituição de

sentidos que se desenvolvem nas práticas com a linguagem escrita, no contexto da

educação infantil, configuramos nosso percurso de investigação com base nos

seguintes objetivos:

a) identificar a(s) perspectiva(s) teórica(s) que orienta(m) o trabalho com a

linguagem escrita nas diretrizes curriculares para a educação infantil do

Sistema Municipal de Ensino de Vitória e no projeto político-pedagógico da

escola, explicitando suas relações com as orientações curriculares nacionais

oficiais;

b) verificar as concepções de alfabetização dos adultos que interagem com as

crianças-sujeitos no ambiente escolar e familiar;

c) observar os eventos mediados pela linguagem escrita nas interações ocorridas

em aula, a fim de identificar os gêneros textuais trabalhados e analisar o

contexto imediato de produção dos textos, os processos que se desenvolveram

no trabalho de escritura e os textos produzidos pelas crianças;

d) analisar as concepções de linguagem e de sujeito subjacentes às práticas de

escrita na sala de aula.

Esta proposta de investigação demanda, obviamente, a explicitação de

posicionamentos teóricos que abordem conceitos e pressupostos orientadores da

pesquisa. Compreendemos, também, que, para a construção desse percurso bem

como para a identificação de possíveis variantes que influenciam na constituição dos

sentidos no processo de apropriação da linguagem escrita, será necessário

caracterizar a instituição e os sujeitos da pesquisa, explicitando os aspectos

relacionados com as suas interações com a escrita no contexto social imediato. Esse

objetivo será configurado na parte destinada aos subsídios teórico-metodológicos.

No próximo capítulo, considerando a problemática que orienta este estudo bem

como seu percurso de investigação, revisitaremos a produção acadêmica pertinente,

com o objetivo de examinar hipóteses, pressupostos, conceitos, explicações,

interpretações em torno dessa problemática, buscando, nesta análise, possibilidades

de avanços e de novas contribuições para a temática em questão.

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3 DIFERENTES OLHARES SOBRE A ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO DA

EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1 ALGUNS PONTOS DE PARTIDA

Podemos dizer que foi a partir da década de 1980, quando efervescia o debate

sobre a alfabetização no âmbito da educação infantil, que a produção científica

nessa área foi se intensificando. Em Alfabetização: Série Estado do Conhecimento,

um estudo organizado por Maciel e Soares (2000), verificamos uma considerável

produção científica na área da alfabetização, incluindo pesquisas cujo foco central é

a educação infantil. Os trabalhos foram apresentados com base nos seguintes

critérios: temas privilegiados na construção do conhecimento sobre alfabetização,

pressupostos teóricos e tipos de pesquisa. Tomando o levantamento bibliográfico

organizado por temas privilegiados na construção do conhecimento sobre

alfabetização, encontramos os seguintes trabalhos:

a) Conceituação de língua escrita: A concepção do sistema alfabético por

crianças em idade pré-escolar (CONTINI JÚNIOR, 1986); Competências de

leitura e escrita de uma amostra de crianças de 4, 5, 6 anos de jardim de

infância (RODRIGUES, 1989); Alfabetização como processo discursivo

(SMOLKA, 1987);

b) Concepção de alfabetização: A expectativa da criança pré-escolar e a prática

pedagógica (CARTAXO, 1988); A representação de pré-escola: suas relações

com a prática de alfabetização (DURAN, 1988); Da pré-escola à

alfabetização: caminhos e descaminhos (MAISON, 1989);

c) Determinantes de resultados: Pré-escola: solução para o fracasso escolar?

(LIMA, 1983); Efeitos da pré-escola sobre rendimento em alfabetização ao

final da classe de alfabetização (OTRANTO, 1986); Análise dos resultados

globais e parciais obtidos nos testes ABC relacionando os efeitos da pré-

escolaridade, do nível socioeconômico e da interação entre ambos sobre a

prontidão para a leitura e escrita (PEIXOTO, 1980); A educação pré-escolar e

rendimento de crianças nas séries iniciais da escola de 1º grau (SÁ, 1979),

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Um estudo da pré-escola através de seus egressos e relação com a evasão

na 1ª série (VERHINE, 1986);

d) Língua oral e língua escrita: Aspectos metodológicos da capacidade de

segmentação em crianças de 5 a 9 anos (GOYANO, 1983); Seqüenciação

fonêmica de pré-escolares e suas relações com a prática de ensino na

alfabetização (MELO, 1983);

e) Prontidão: Fracasso escolar e alfabetização: uma crítica ao período

preparatório (LANZA, 1988); Prontidão, compensação e pré-escola: prática e

crítica (MACEDO, 1988);

f) Proposta Didática: O ensino da língua materna na pré-escola: contribuição

para a formulação de objetivos (LOBO, 1980); A individualização do ensino

em uma pré-escola: relato de uma experiência (TEIXEIRA, 1983).

A partir das temáticas que orientaram os trabalhos da década de 1980, podemos

observar certa influência das idéias que predominavam e permeavam as políticas

públicas educacionais para a infância nesse período. A perspectiva da educação

compensatória e da prontidão também foi foco de atenção do discurso acadêmico. A

educação infantil passava por profundas mudanças, tanto no que diz respeito à

legislação quanto às concepções educativas e, nesse contexto, a produção do

conhecimento também teve um papel relevante na configuração de novas propostas

educativas.

Dessa forma, a partir da década de 1990 e, especialmente com os estudos de

Ferreiro e Teberosky (1999), percebemos que uma razoável estabilidade teórica e

metodológica permeou o movimento em torno da polêmica sobre a alfabetização,

inclusive no contexto da educação infantil. Todavia, sabemos que as condições que

produziram essa “aparente” satisfação, em relação ao trabalho com a linguagem

escrita na educação infantil (a implementação do RCNEI, por exemplo), foram

articuladas por meio de políticas cujas implicações no campo educacional precisam

ser questionadas. Nesse sentido, terá o estudo de Ferreiro e Teberosky (bem como

os outros trabalhos dele decorrentes) e a sua proposta psicolingüística de aquisição

da linguagem escrita contribuído efetivamente para as questões que envolvem o

processo de alfabetização? Como a produção acadêmica, a partir desse período,

tem participado e contribuído com essa discussão?

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Ao buscarmos os trabalhos produzidos a partir da década de 1990, não

encontramos muitas abordagens diretamente relacionadas com a problemática da

alfabetização na educação infantil, como na década de 80, uma vez que a demanda

por ampliação da cobertura dos serviços na educação infantil e a ampliação do

universo cultural com o qual as crianças, de maneira geral, passam a interagir, são

fatores que vêm exigindo o desenvolvimento da pesquisa em várias direções.

O estudo sobre o estado do conhecimento na educação infantil, organizado por

Rocha, Silva Filho e Strenzel (2001), mostra que as pesquisas do tipo diagnóstico

institucional, de avaliações de programas e das práticas pedagógicas ganham

destaque nesse período. No entanto, “[...] mesmo nos trabalhos preocupados com a

identificação e definição do caráter educativo da creche e pré-escola ou nos estudos

históricos que subsidiam a crítica às concepções vigentes, o ‘interior’ das instituições

é pouco investigado” (ROCHA; SILVA FILHO; STRENZEL, 2001, p. 10). Esse

quadro sofre algumas mudanças, quando o desenvolvimento das pesquisas

extrapola o nível dos levantamentos e diagnósticos e passa a contemplar aspectos

históricos, sociais, psicológicos e pedagógicos envolvidos na educação das crianças.

Dessa forma, os diferentes tipos de relações estabelecidas no cotidiano das

instituições são tomados como objetos de estudo sem, contudo, abrir possibilidades

de práticas mais satisfatórias devido à ênfase na sua insuficiência.

No conjunto de temas abordados nas pesquisas, os estudos relacionados com a

apropriação da linguagem escrita também foram privilegiados na produção científica9

dos seguintes programas de pós-graduação: Universidade Federal Fluminense:

Araújo (1991) e Sampaio (1994); Universidade Federal de Santa Maria: Batistel

(1994); Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: Beer (1990), Diniz (1991),

Garuti (1995) e Machado (1993); Universidade Estadual de Campinas: Vilela (1995)

e Ewbank (1994); Universidade Federal de São Carlos: Souza (1996) e Semensato

(1992); Universidade de São Paulo: Santos (1992) e Oliveira (1991); Universidade

Federal de Santa Catarina: Rocha (1991); Universidade Federal do Paraná: Ramos

(1995); Universidade Federal de Minas Gerais: Passos (1995) e Oliveira (1994);

9 Os estudos apontados na pesquisa realizada por Rocha, Silva Filho e Strenzel (2001) são do período de 1983-1996. Como já apresentamos a produção decorrente da década de 1980, nos deteremos apenas nos trabalhos que emergiram no período de 1990 a 1996.

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Universidade Metodista de Piracicaba: Guimarães (1995); Universidade Federal do

Ceará: Dias (1990). Não encontramos, nessa pesquisa sobre o estado do

conhecimento da educação infantil, resultados abordando a temática que orienta

este estudo na Universidade Federal do Espírito Santo.10

Todos os trabalhos aqui apresentados focalizam questões relacionadas com o

processo de aquisição da linguagem escrita na educação infantil a partir de diferentes

abordagens teórico-metodológicas. Assim, diante da diversidade de pesquisas e,

sobretudo, da impossibilidade de examiná-las completamente, elegemos, a partir da

leitura dos resumos, os seguintes trabalhos para análise: Garuti (1995), Passos

(1995), Santos (1992), Semensato (1992). Embora sejam orientados por diferentes

perspectivas teórico-metodológicas, os estudos selecionados enfocam as práticas

educativas com a linguagem escrita em suas relações com o contexto escolar e esse

aspecto foi fundamental na seleção dos trabalhos.

Além desses, serão tomados para análise os estudos de Abaurre, Fiad e Mayrink-

Sabinson (2002) e de Nogueira (1991). Apesar de não centrarem o foco do estudo

na educação infantil, esses trabalhos trazem importantes contribuições para a

análise a que nos propomos: o papel mediador do interlocutor e a discussão sobre o

contexto de produção da linguagem escrita pelas crianças. Assim, tendo explicitado

os contornos dessa revisão de literatura, passamos à análise dos trabalhos.

3.2 ESTUDOS QUE FOCARAM A LINGUAGEM ESCRITA

Iniciaremos nossa análise por um dos trabalhos mais atuais sobre a aquisição da

linguagem escrita e de grande influência no debate contemporâneo: Abaurre, Fiad e

Mayrink-Sabinson divulgam, na obra Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o

trabalho com o texto (2002), a investigação que vêm realizando desde 1992, no 10Embora a Universidade Federal do Espírito Santo não tenha contribuído com discussões especificamente relacionadas com a temática que orienta este estudo, foram produzidos oito trabalhos sobre a educação infantil no período de 1983-1996: Araújo (1994), Brotto (1983), Castro (1996), Cola (1996), Couriel (1991), Oliveira (1993), Ronchi Filho (1995) e Souza (1996). Na busca em arquivo da própria universidade, encontramos outros trabalhos que foram produzidos após esse período, sem, no entanto, uma abordagem diretamente relacionada com o tema. Um desses trabalhos é o de Rangel (2003) que trata da formação continuada de professores da Educação Infantil no Sistema Municipal de Ensino de Vitória.

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âmbito do Projeto Integrado de Pesquisa A relevância teórica dos dados singulares

na aquisição da linguagem escrita, financiado pelo CNPq e desenvolvido no Instituto

de Estudos da Linguagem/Unicamp.

Ao discutirem os pressupostos teóricos que fundamentam a perspectiva adotada na

pesquisa (a relevância dos dados singulares no processo de aquisição da linguagem

escrita), as autoras assim se posicionam:

Acreditamos que os dados da escrita inicial, por sua freqüente singularidade, são importantes indícios do processo geral através do qual se vai continuamente constituindo e modificando a complexa relação entre sujeito e linguagem. [...] pelo fato de darem maior visibilidade a alguns aspectos desse processo, esses dados podem contribuir de forma significativa para uma discussão mais profícua da natureza da relação sujeito/linguagem no âmbito da teoria lingüística (ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 15).

A discussão sobre o estatuto teórico dos dados singulares em ciências humanas, de

acordo com as autoras, emergiu, silenciosamente, no final do século XIX, e foi

retomada pelo historiador italiano Carlo Ginzburg (1986) que, ao discutir o

paradigma que ele chama de indiciário, define princípios metodológicos para garantir

o rigor nas investigações centradas no detalhe, na singularidade dos dados. A

adoção do paradigma indiciário de cunho qualitativo pressupõe um tratamento

metodológico diferente dos modelos centrados na quantificação e na repetibilidade

dos resultados obtidos em situações experimentais.

Segundo as autoras, no trabalho com indícios, é preciso considerar os critérios de

identificação dos dados singulares que serão tomados como representativos com um

rigor mais flexível, que possibilite a formulação de hipóteses explicativas interessantes

na observação e análise do idiossincrático, ou seja, a coleta dos dados ocorre de

forma naturalística, “[...] sem o controle rígido dos contextos experimentais criados

nas situações de pesquisa” (ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 16).

Com base nesses pressupostos, o estudo é contextualizado com argumentações que

giram em torno da questão dos “erros” cometidos pelos aprendizes da linguagem

escrita em situações de aprendizagem escolar. Para as autoras, os erros são

indícios preciosos de um processo de aquisição da linguagem escrita que está em

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curso. Elas comentam que esse fato foi ignorado por estudos e práticas pedagógicas

durante um longo período, reconhecendo as mudanças efetuadas a partir do

surgimento da Psicologia Genética piagetiana e das pesquisas de Ferreiro e

Teberosky que colocaram em foco o aluno como sujeito ativo na construção do

conhecimento. Entretanto, a apressada transposição desses estudos em método de

ensino acarretou, segundo as autoras (2002, p. 17), “[...] a descaracterização dos

sujeitos reais da aprendizagem, dos alunos que vivem, cada um a sua maneira, uma

história singular de contato com a linguagem e com seus interlocutores”.

Outro problema encontrado pelas autoras diz respeito à natureza dos dados da

aquisição da linguagem. São questionadas duas perspectivas metodológicas. A

primeira diz respeito aos trabalhos voltados para a aprendizagem da escrita com

base no modelo adulto. Nesse modelo, ao se tomar a gramática como referência e

ponto de chegada, desconsideram-se as operações e as hipóteses da criança sobre

a linguagem escrita. A outra perspectiva questionada é a do método clínico, que

pressupõe a coleta de dados em situações experimentais e controladas. Nesse

caso, os dados são tomados como evidências ou contra-evidências e não como

indícios episódicos e singulares. Os estudos psicolingüísticos de inspiração

piagetiana estão inseridos nessa perspectiva e a crítica levantada pelas autoras,

com relação a esses estudos, diz respeito, especialmente, à concepção de sujeito

idealizado cujas manifestações de comportamentos são alçadas, por hipóteses, à

categoria teórica de sujeito universal. Nos experimentos realizados por Ferreiro, por

exemplo, o interesse era flagrar as etapas do desenvolvimento cognitivo de um sujeito

psicológico idealizado, a fim de compreender aspectos universais desse processo.

Ainda buscando as lacunas existentes nas pesquisas sobre a aquisição da

linguagem, Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson dizem que, embora o contexto e o

interlocutor estejam sempre pressupostos nesses estudos, eles são tomados como

elementos previamente constituídos, prontos e não como elementos constitutivos do

processo. Daí decorre um problema ainda maior: a indefinição do papel do próprio

sujeito nas transformações que ocorrem no contexto, em seus atores e na própria

linguagem, isto é, a maneira como contexto e interlocutor afetam e são afetados no

processo de aquisição da linguagem é desconsiderada.

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Em contrapartida, nos estudos caracterizados pelo paradigma indiciário, é incorporada

uma teoria da linguagem mais abrangente que contempla a história da constituição e

constante mutação do objeto lingüístico. O interesse teórico consiste em

[...] flagrar o instante em que o sujeito demonstra, oralmente ou por escrito, sua preocupação com determinado aspecto formal ou semântico da linguagem [...] saber que fato singular, que aspecto de contexto, de forma ou de significação lingüística, [...] que possível combinação desses fatores pode ter adquirido saliência particular para o sujeito, colocando-se, assim, na origem da sua preocupação, na origem do problema para o qual passa a buscar uma solução, ainda que muitas vezes episódica e circunstancial (ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 21).

Para as autoras, esses pressupostos justificam o interesse pela significação dos

dados que documentam a história dos apagamentos, refacções e reescritas de

textos, pois eles representam eventos particulares da micro-história da escrita

individual e é nesse sentido que cada texto espontâneo produzido pela criança se

torna uma importante fonte de indícios sobre a relação do sujeito com a linguagem.

Diante da necessidade de conceber o sujeito em sua singularidade, as autoras

acreditam que a pesquisa por elas coordenada pode contribuir para ampliar a

compreensão desse fenômeno. Assim, com o objetivo de definir princípios

metodológicos gerais que orientem a relação entre investigador e dados na busca

dos indícios reveladores do fenômeno, foram coletadas, de forma naturalística,

informações a respeito da produção escrita de crianças, adolescentes e adultos em

sutuações e contextos diferenciados: os sujeitos são alunos de 1º, 2º e 3º graus de

escolarização, a produção escrita é escolar, espontânea, com primeiras versões de

textos reescritos, com textos definitivos, gravações em vídeos e diários longitudinais

constituídos em ambiente escolar e doméstico.

Dessa forma, os milhares de dados que constituem o corpus da pesquisa são,

segundo as autoras, “[...] representativos de diferentes momentos do processo de

aquisição da representação escrita da linguagem e [...] da atividade do sujeito na

relação que continuamente estabelece com a linguagem” (ABAURRE; FIAD;

MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 16). Dentre as diversas manifestações singulares

disponíveis nos textos espontâneos, as autoras destacam as decorrentes de

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episódios de refacção textual, pois estas revelam que “[...] por trás do trabalho de

modificação de algo anteriormente escrito sob forma diversa, escondem-se

freqüentemente motivações, as mais variadas, reveladoras das singularidades dos

sujeitos e da relação por eles estabelecida com a linguagem” (p. 24).

Segundo as autoras, as modificações mais comumente encontradas nos textos

dizem respeito à correção ortográfica. Elas mostram vários exemplos que

evidenciam as prováveis razões que levaram as crianças a modificarem

espontaneamente a escrita: a saliência particular no clímax do texto, ou seja, na

“palavra-chave” do texto; a preocupação decorrente do tipo de portador; o próprio

conhecimento de mundo da criança; a adequação da palavra ao sentido ou ao estilo

do texto. Além disso, são encontradas modificações nos textos que apontam outros

aspectos morfossintáticos da linguagem, como alterações na concordância

decorrentes do replanejamento do texto; alterações resultantes da busca por uma

coerência semântica e por uma melhor adequação às normas da escrita.

Tomemos um dos exemplos citados pelas autoras, o de Ignácio: uma criança da pré-

escola particular, de Belo Horizonte, que apresenta, em seu texto, um caso de

substituição lexical. O texto (uma receita culinária “de ficção”) é criado a pedido da

professora, com base na seguinte tarefa: “Pensar uma receita para o Brasil vencer a

Copa”. Uma das modificações realizadas pela criança no texto diz respeito ao uso de

letras maiúsculas. Ao escrever os ingredientes da receita (ela utiliza os jogadores

como ingredientes), a criança deixa marcas no texto que sinalizam a seguinte

correção: apaga as letras minúsculas utilizadas originalmente para escrever Bebeto,

Romário e Tafarel, substituindo-as pelas maiúsculas correspondentes. Ao proceder à

análise, as autoras explicam:

O que parece ter motivado tais modificações foi o fato de a criança, ao escrever o nome Branco (quarto ingrediente da receita), ter optado pela letra maiúscula (provavelmente por ter se lembrado nesse momento, apenas, da exigência de maiúscula em nomes próprios de pessoas), o que a fez rever as três escritas anteriores de nomes de jogadores (ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 27).

A hipótese que sustenta a explicação é a seguinte:

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A opção inicial pelas letras minúsculas pode ser tomada como um indício de que, no momento inicial da escrita de uma receita por esta criança, particular, pode ter prevalecido o caráter de ‘ingredientes’ assumido pelos nomes de jogadores, e não o fato de se tratarem de nomes próprios (que exigem maiúsculas, o que esta criança parece saber) (ABAURRE; FIAD ; MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 27).

Outra modificação que chamou a atenção das pesquisadoras nessa produção foi

uma substituição lexical realizada pela criança. Isso ocorre da seguinte maneira: a

criança substitui o item lexical bebe (misturase tudo e bate no liquidificador e “bebe”)

pelo item lexical espalha (e acrescenta em campo). Essa modificação é analisada

assim: embora a palavra bebe seja a esperada no contexto de uma receita, ela é

substituída pelo fato de esta não ser uma receita qualquer, “[...] a criança parece ter-

se dado conta desse fato, lembrando-se dos ‘ingredientes’ [...] e da situação ficcional

em que vinha trabalhando” (ABAURRE; FIAD ; MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 28).

Nesse caso, segundo as autoras, é o conhecimento de mundo da criança que a leva

a fazer a modificação do léxico para adequá-lo ao contexto da receita.

Esse exemplo, tomado para ilustrar como foram procedidas as análises, parece

comprovar que as interpretações foram realizadas a partir das pistas deixadas nos

textos, tendo em vista os movimentos dos sujeitos em torno de determinadas

operações lingüísticas. Buscando ampliar o foco das análises, Mayrink-Sabinson

enfatiza o papel do interlocutor no processo de aquisição da representação escrita.

A autora também tece considerações acerca do trabalho realizado por Ferreiro e

Teberosky, argumentando que, como o sujeito é idealizado, universal, aprende por

meio de suas ações sobre os objetos passando por etapas na construção do

conhecimento, o outro que interage com a criança não é tomado como elemento

constitutivo desse processo, mas apenas como um elemento a mais no contexto

social em ocorre essa construção. Já em Vigotski, é o adulto inserido nas práticas

sociais que assume o papel de prover o que será incorporado pela criança. Mayrink-

Sabinson afirma que, apesar disso, o outro em Vigotski aparece pronto, estabilizado:

“Apesar de ser previsto um movimento da criança, o OUTRO que com ela interage

[...] não se movimenta, preso que está numa linguagem estável e já constituída”

(MAYRINK-SABINSON, 2002, p. 41).

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Discordamos da autora com relação a esse aspecto, pois Vigotski, quando trata da

importância da mediação para o desenvolvimento dos conceitos superiores na

criança, não pressupõe uma estagnação do outro, mesmo porque seu objetivo é

demonstrar como as investigações psicológicas sobre a aprendizagem enfocaram

apenas o nível de desenvolvimento intelectual da criança, isto é, aquele que a

criança consegue desenvolver sozinha. Sua preocupação com os processos de

instrução o leva a comprovar que a zona de desenvolvimento potencial tem mais

importância que o nível de desenvolvimento atual das crianças. Ele afirma que “[...]

em colaboração a criança sempre pode fazer mais do que sozinha” (VIGOTSKI,

2001, p. 329). Dessa forma, sua investigação buscou rever os pressupostos

predominantes nas relações entre desenvolvimento e aprendizagem,

potencializando-os numa perspectiva de orientação para o futuro. Obviamente, esse

processo pressupõe um movimento de todos os sujeitos, inclusive daqueles que

organizam a instrução.

Para Mayrink-Sabinson os pressupostos da perspectiva bakhtiniana são os que mais

se aproximam da proposta do estudo, uma vez que a aquisição da linguagem é

concebida como um amplo processo de constituição da relação sujeito/linguagem.

Nesse sentido, a autora explica que “[...] as hesitações, as reelaborações, as

generalizações, as variações e as idiossincrasias podem ser tomadas como indícios

desses movimentos dos sujeitos em constituição” (MAYRINK-SABINSON, 2002, p.

42). Dessa forma, com o objetivo de discutir o papel do adulto no processo de

atribuir sentido à seqüência de letras que a criança desenha e às modificações

introduzidas pelo próprio modo de agir da criança no modo de agir de seu

interlocutor letrado, a pesquisadora analisa eventos singulares de interação mãe-

criança pré-escolar.11 Conclui que as teorias que pretendem explicar o processo de

aquisição da linguagem escrita não podem desconsiderar o papel do outro, bem

como o movimento de constituição recíproca que ocorre nessas interações, ou seja,

no diálogo pela busca de sentido para a escrita ambos os sujeitos se movimentam.

Os demais trabalhos apresentados na obra trazem outros exemplos de textos em

que se podem encontrar marcas de reelaboração na produção escrita dos sujeitos

11 É importante esclarecer que esse sujeito (filho da pesquisadora) convivia intensamente com a linguagem escrita e com adultos letrados.

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que fazem parte da pesquisa. A interpretação dessas marcas possibilita, conforme

Abaurre (2002, p. 69), “[...] compreender o movimento que vai das operações

epilingüísticas até a reflexão metalingüística, mais controlada, planejada e

consciente”.

Podemos perceber, assim, que o foco dessas investigações está nas operações de

produção textual realizadas pelos sujeitos em interação com o seu objeto e com o

outro, interlocutor letrado. Certamente, as análises suscitadas pelas autoras

constituem-se em questões relevantes, do ponto de vista lingüístico, e apontam

contribuições interessantes para o processo de alfabetização. Contudo,

considerando a perspectiva teórica que orienta nosso olhar, acreditamos que a

análise desses aspectos ainda não é suficiente para a compreensão do conteúdo

ideológico, próprio de uma língua viva, tomada em seu contexto social.

Qualquer que seja o aspecto considerado numa enunciação, ele será determinado

pelas condições reais de produção ou, utilizando uma expressão de Bakhtin (1999),

por um “auditório social” que multidetermina a enunciação. Aos aspectos físicos,

psíquicos e fisiológicos dessa relação precisam ser incluídas tanto as situações que

emergem do contexto imediato como as do meio social mais amplo. Considerando

ainda que a apropriação da linguagem escrita pela criança, ocorre, de maneira geral,

por meio da interação em contextos escolares, é fundamental apreender, também, o

dinamismo próprio da vida escolar, compreendendo as dimensões políticas,

institucionais e instrucionais como elementos constitutivos desse processo.

Nesse sentido, vejamos como essas questões foram abordadas no trabalho de

Nogueira (1991) que trata do desenvolvimento da atividade intramental pela criança,

durante a apropriação da escrita no contexto escolar. Com o interesse em levantar,

apontar e discutir questões relativas à construção da prática educativa, a autora

assume o lugar de professora-pesquisadora e, por meio de procedimentos

participativos, analisa alguns episódios de atividades escolares de leitura e escritura

explicitando a emergência da atividade intramental na criança em suas relações com

a atividade pedagógica.

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Inicialmente e, a partir de suas experiências como professora alfabetizadora,

Nogueira aborda alguns questionamentos que a levaram a buscar um referencial

teórico que explicitasse os modos de elaboração desse processo. São eles:

Como o processo de desenvolvimento da criança é constituído nas interações sociais, dentro da escola? Como se dá o processo de aquisição da escrita pela criança, neste contexto? Em que medida, a organização de uma proposta pedagógica interfere neste processo de construção? Como a ação pedagógica é construída? (NOGUEIRA, 1991, p. 2).

Adota, então, a perspectiva sócio-histórica do desenvolvimento argumentando que

é o conceito de mediação, proposto por Vigotski, que possibilita a explicitação do

movimento interpessoal-intrapessoal na elaboração do conhecimento e das funções

psicológicas. Para aprofundar teoricamente esse pressuposto, Nogueira (1991)

apropria-se das discussões de Vigotski e de seus colaboradores a respeito dos

diferentes enfoques nos estudos sobre o processo de desenvolvimento e

aprendizagem, explicitando conceitos relacionados com os seguintes aspectos: o

papel da instrução e da interação, o processo de apropriação, o desenvolvimento

das funções psicológicas superiores como a percepção, a atenção e a memória, o

conceito de zona de desenvolvimento potencial, a mediação pela linguagem, o

desenvolvimento das atividades representativas na criança, como a fala, o desenho,

a narrativa, o jogo de faz-de-conta e a escrita.

Partindo desse aporte teórico, Nogueira utiliza o conceito de mediação como

categoria explicativa da emergência de funções mentais superiores para abordar o

processo de construção da atividade intelectual em suas relações com as condições

de produção do contexto escolar, ressaltando que,

[...] na perspectiva sócio-histórica [...] o desenvolvimento das funções intelectuais está inter-relacionado com duas formas básicas de mediação: a mediação pelos signos, enquanto organizadora de instrumentos para a atividade intelectual, e a mediação pelo outro, que permite a construção partilhada da atividade mediada pelos signos (NOGUEIRA, 1991, p. 28).

A opção pela realização do estudo no contexto escolar é justificada por ser esse o

espaço destinado a organizar situações de ensino de forma intencional. Desse

modo, “[...] a escola pode ser vista como instância de mediação entre as crianças e

os instrumentos auxiliares de desenvolvimento cultural” (NOGUEIRA, 1991, p. 7). A

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autora fundamenta sua proposta metodológica a partir do método instrumental

proposto por Vigotski, que, conforme ela explica, se efetiva pelas observações do

curso do desenvolvimento de um processo e pressupõe, como procedimentos

metodológicos, “[...] a análise de processos e não de objetos, a explicitação e não

descrição de comportamentos e a análise do comportamento como história do

comportamento” (NOGUEIRA, 1991, p. 10).

O trabalho foi desenvolvido durante um ano letivo, quando a professora-

pesquisadora pode assumir uma turma de 1ª série do ensino fundamental. Ela

explica que a efetivação dessas duas atividades (docência e pesquisa) implicou o

planejamento, realização, registro e avaliação da prática pedagógica por meio de

uma inserção dialética no próprio trabalho pedagógico. Em sua descrição acerca da

metodologia, Nogueira não aborda a caracterização da instituição e dos sujeitos da

pesquisa. Limita-se apenas a explicitar os procedimentos de coleta de dados: foram

recortados, apresentados e analisados episódios do diário de campo, com o objetivo

de possibilitar “[...] a explicitação de como os processos de desenvolvimento das

crianças se relacionam com as formas de interação do contexto de sala de aula,

consideradas enquanto condições de produção” (NOGUEIRA, 1991, p. 11).

Antes da análise dos episódios, é apresentado um relato da prática educativa para

demonstrar a ocorrência do movimento de constituição recíproca entre as crianças e

a professora. Esse movimento, segundo a pesquisadora, provoca mudanças nos

processos de aprendizagem e de ensino. Na análise dos episódios, ela procura

evidenciar a construção da atividade reflexiva pela criança e as negociações que

ocorreram na construção da leitura trazendo algumas reflexões importantes, como: a

emergência da reflexividade no processo de auto-regulação que ocorre durante a

atividade de escritura e de leitura realizada pela criança, a constituição de sentidos

na leitura por meio de signos mediadores que atuam como recursos auxiliares à

memória, o movimento de constituição do sujeito/leitor a partir do processo

intersubjetivo de construção do conhecimento. Segundo Nogueira (1991, p. 65-66),

“[...] o dado de pesquisa do qual dispomos não é somente um registro da leitura das

crianças [...] é um registro da dinâmica da sala de aula [...] a opção pela coleta de

dados em sala de aula torna possível o acesso aos mínimos detalhes do cotidiano”.

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Ao concluir seu trabalho, Nogueira destaca a importância do conceito de mediação

para a compreensão da relação dialética nas relações entre ensino e aprendizagem,

abordando, assim, uma das principais contribuições do estudo: se, por um lado, as

relações de ensino se constituem em condições de produção da atividade mental

das crianças, por outro, os processos de desenvolvimento das crianças se

constituem em condições de produção da proposta pedagógica.

Podemos perceber que a autora atribui importância às condições de produção,

ressaltando os diferentes aspectos na constituição do processo educativo.

Entretanto, não foram contempladas, em seu texto, as possíveis relações com o

contexto social mais amplo, abordando aspectos históricos, políticos e ideológicos

que também estão circunscritos ao contexto escolar. Se o processo de elaboração

do conhecimento, para uma análise que se fundamenta numa perspectiva sócio-

histórica, conforme reconhece a autora, é constituído por um movimento de

objetivação e de subjetivação que está impregnado por questões culturais e

históricas, quais são essas questões? Quem são os sujeitos que participam desse

processo? Qual a sua história? Em qual espaço/tempo estão situados?

Quanto aos procedimentos utilizados na coleta e análise dos dados, a autora explica

que a maior parte dos registros foi realizada em diário de campo e, em alguns

momentos, por meio de gravações em áudio, produzidas por outra pesquisadora.

Essas gravações, apesar de abrirem possibilidades de distanciamento, não foram

utilizadas para análise (apenas para discussão entre as pesquisadoras), pois,

segundo Nogueira, não se configuraram em situações do cotidiano da prática

pedagógica. Nesse sentido, quais seriam esses eventos, citados pela pesquisadora,

que “[...] não dizem respeito ao cotidiano da prática pedagógica”, mas que, ao

mesmo tempo, possibilitam discutir sobre ela? Quais discussões emergiram a partir

desses registros? Considerando que esse procedimento possibilitaria maior

distanciamento, por que não foi utilizado?

Preservar o distanciamento do objeto não é tarefa simples, pois, de alguma forma,

estamos implicados com ele. Mas, nesse caso, esse distanciamento torna-se um

fator fundamental. André (2004) nos alerta que, quando o pesquisador investiga uma

situação que lhe é muito familiar, pode correr o risco de confundir opiniões

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preexistentes e revelações evidenciadas no estudo. Segundo a autora, “[...] o grande

desafio nesses casos é saber trabalhar o envolvimento e a subjetividade, mantendo

o necessário distanciamento que requer o trabalho científico” (ANDRÉ, 2004, p. 48).

A triangulação de dados decorrente de uma variedade de fontes de informação, por

exemplo, pode favorecer a reconstituição de percepções e de opiniões já formadas.

No trabalho de Nogueira, nota-se que a opção por relatórios descritivos das

atividades de ensino organizadas e selecionadas pela própria pesquisadora para

análise pode ter sido um dos fatores que restringiu as possibilidades de captar a

dinâmica da sala de aula para além do seu próprio fazer, ou seja, em sua complexa

relação com o contexto social mais amplo. A escolha dos procedimentos

metodológicos seria, então, uma forma de garantir maior distanciamento e de captar,

com maior profundidade, a complexidade da prática educativa.

Apesar das questões aqui colocadas, o estudo de Nogueira aponta, conforme já

situamos, o reconhecimento das pesquisas que buscam, na análise das situações

concretas de produção das práticas educativas, o movimento de constituição dos

sujeitos no processo de apropriação da linguagem escrita. Assim como no trabalho de

Nogueira, esses estudos têm voltado, predominantemente, seu foco de atenção para

as séries iniciais do ensino fundamental. Contudo, a educação infantil também tem

sido contemplada com discussões dessa natureza que emergem no contexto escolar.

Serão nessas discussões que focalizaremos nossa atenção a partir de então.

O estudo de Azenha (1995)12 tem como objetivo central a gênese da escrita na

criança. Partindo de duas teorias psicogenéticas da linguagem escrita: os postulados

de Ferreiro e os de Luria, a autora discute os dados coletados numa investigação

com um grupo de crianças de quatro a seis anos, a fim de interpretar o desempenho

dos sujeitos em tarefas nas quais a escrita é empregada como um recurso auxiliar

para a memória. Seu foco de atenção está na emergência do uso simbólico de

rabiscos, desenhos e letras, empregados com fins de escrita.

12 Na primeira parte deste capítulo, esse trabalho foi informado da seguinte maneira: Santos (1992). Queremos esclarecer que, em nossas análises, tomamos o texto publicado pela Editora Ática (1995). Nessa publicação foram suprimidos os sobrenomes Bautzer Santos e alterado o título da dissertação: O grafismo infantil: processos e perspectivas.

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Após tecer as considerações teóricas que orientaram seu estudo, abordando os

pressupostos de base epistemológica nas pesquisas realizadas por Ferreiro e Luria

bem como as principais descobertas deles decorrentes (especialmente os aspectos

relacionados com as seqüências genéticas de cada estudo e os desacordos

existentes entre eles), Azenha confirma seu interesse na pesquisa empírica para

“[...] buscar as ‘evidências lurianas’ que possam ampliar a ótica com a qual o

paradigma da investigação de Ferreiro nos instrumentalizou para analisar a gênese

da escrita” (AZENHA, 1995, p. 68).

A autora dedica o segundo capítulo de seu trabalho à explicitação dos

procedimentos metodológicos, explicando, inicialmente, como aconteceu o estudo

exploratório preliminar. Apoiando-se na investigação de uma série de estudo de

casos com procedimentos empíricos de caráter longitudinal (o estudo foi realizado

em dois anos), a autora demonstra, desde o percurso metodológico inicial, uma

preocupação em articular os pressupostos teóricos a procedimentos de pesquisa

coerentes com a proposta do estudo. Esse cuidado também pode ser percebido

quando a pesquisadora caracteriza a instituição, o grupo de crianças, o local de

coleta dos dados, as situações experimentais utilizadas e as interações nelas

ocorridas. Além disso, a autora preocupa-se em explicitar hipóteses e objetivos de

cada percurso analítico, delineando os processos de interpretação dos dados com

base na coordenação das abordagens longitudinal e transversal. Assim, faz-se a

opção por um estudo de caso que serve de fio condutor para a seleção das

entrevistas mais ilustrativas do processo de transformação que ocorre desde o

grafismo com traços imitativos até uma grafia próxima ao sistema convencional.

Ao empreender as análises, Azenha articula suas discussões com os conceitos e

pressupostos orientadores da pesquisa, atribuindo aos dados empíricos um status

teórico que lhe permite, a partir do estudo do percurso realizado pelos sujeitos,

encontrar fortes indícios que comprovam a existência de um percurso genético

primitivo na apropriação da linguagem escrita. Nesse percurso, as crianças deixam

de utilizar grafias imitativas para construir estratégias de escrita que lhes permitem

codificar os significados mais relevantes dos conteúdos orais por meio da utilização

de recursos topográficos e icônicos.

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Do ponto de vista dos processos psicológicos, uma das principais contribuições

desse estudo está na confirmação do caráter instrumental do desenho para a

recuperação do conteúdo, inicialmente anotado, sendo essa uma conduta que se

constitui no primeiro uso simbólico da escrita. Outro aspecto importante do estudo é

a configuração dos impasses genéticos existentes entre o registro escrito com

elementos convencionais da escrita e a impossibilidade de leitura decorrente desse

registro. Conforme reconhece a autora,

A consideração dos postulados de Vigotski (sobre a constituição do sujeito psicológico) imprime, à interpretação da existência de impasses, uma perspectiva que anuncia a possibilidade de novas aberturas no desenvolvimento, na dependência da construção de novas situações no plano interpsicológico que facultem o acesso a artefatos culturais mais complexos (AZENHA, 1995, p. 188).

Azenha aponta, ainda, que a superação desse impasse pode ocorrer com a

aprendizagem específica dos modos de organização da escrita convencional. Esse

aspecto constitui-se em um novo ponto de viragem no registro escrito que pressupõe

diferenciações mais refinadas do signo simbólico exigindo, assim, uma investigação

empírica específica. Ela considera essa questão extremamente relevante para a

reflexão pedagógica que busque a compreensão das questões ligadas ao

desenvolvimento e à aprendizagem, bem como ao papel do ensino.

A esse respeito também se posicionou Luria, em sua investigação sobre a pré-

história da escrita na criança, ao chamar a atenção para a importância de serem

consideradas as técnicas primitivas de escrita que são desenvolvidas pelas crianças

antes mesmo de sua entrada na escola. Segundo o autor, essas técnicas são

perdidas assim que a escola proporciona à criança um ensino centrado no sistema

de signos padronizado e econômico. Nesse sentido,

Se formos capazes de desenterrar essa pré-história da escrita, teremos adquirido um importante instrumento para os professores: o conhecimento daquilo que a criança era capaz de fazer antes de entrar na escola, conhecimento a partir do qual eles poderão fazer deduções ao ensinar seus alunos a escrever (LURIA, 1998, p. 144).

O estudo de Azenha pode ser considerado, nessa perspectiva, um importante

instrumento para o trabalho com a linguagem escrita nas instituições de educação

infantil. Por outro lado, a pesquisa empírica que condiciona os sujeitos a uma

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situação experimental pode ficar restrita a uma análise psicológica que não dê conta

de captar as relações dialógicas decorrentes de intensas atividades discursivas,

como as que ocorrem nas práticas escolares.

Retomando as considerações de Smolka sobre as relações de ensino na sala de aula,

queremos ressaltar que a escrita não pode ser tomada apenas como um objeto de

conhecimento, pois “[...] como forma de linguagem, ela é constitutiva do conhecimento

na interação” (SMOLKA, 2003, p. 45). A sala de aula é, portanto, um espaço de

interação social e de interlocução no qual a linguagem pode ser experenciada em

suas várias possibilidades, num constante movimento de compreensão, de criação e

de transformação.

O desafio que se coloca, portanto, é articular as descobertas subjacentes de

situações empíricas experimentais à dinâmica da sala da aula, à complexidade dos

processos educativos institucionalizados e aos seus aspectos políticos, econômicos

e ideológicos. Com relação ao trabalho com as crianças de zero a seis anos, isso se

torna ainda mais desafiador: pressupõe uma formação de qualidade para os

profissionais que atuam nessa instituição e condições de trabalho dignas e

coerentes com as demandas teóricas e práticas dos processos de ensino.

Apesar desses desafios, é importante ressaltar que o movimento teórico, em torno

das questões que envolvem a linguagem escrita, é de fundamental importância,

especialmente aqueles que contribuem para nossa compreensão acerca dos

processos psicológicos em suas relações históricas e sociais, contrapondo-se,

assim, às concepções idealizadoras de sujeito e de sociedade que concebem a

escola como um espaço de reprodução das relações sociais dominantes.

Nesse sentido, Passos (1995), buscando compreender as práticas de alfabetização

em duas instituições de níveis sociais diferentes (uma pré-escola particular e uma

pré-escola pública da cidade de Belo Horizonte) resgata, em seu texto introdutório,

as contribuições da História, da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia para

fundamentar teoricamente a concepção de criança, de aprendizagem e de

alfabetização que fundamenta seu estudo. Sem aprofundar esse debate teórico, a

autora deixa algumas pistas que nos permitem inferir a base epistemológica da

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pesquisa. Ao discorrer sobre os aspectos que devem sustentar uma educação de

qualidade, ela situa as tendências pedagógicas predominantes nos programas

educacionais dirigidos às crianças de zero a seis anos: romântica, cognitiva e crítica,

apoiando-se nos pressupostos da segunda e da terceira tendências.

Parte de uma concepção de prática pedagógica que: 1º) defende a qualidade e

proporciona o desenvolvimento das crianças; 2º) reconhece a criança como um ser

ativo e agente de seu desenvolvimento que se constrói na e pela interação com outras

pessoas de seu ambiente, 3º) considera as experiências anteriores das crianças e o

diálogo como meio de aprofundar significados e modificar comportamentos. Toma

alguns pressupostos veiculados por Kramer (1985), Soares (1988), Goes e Smolka

(1992), Franchi (1991), Gnerre (1991), Rego (1985), Colello (1995), Ferreiro e Palácio

(1989) para construir a concepção de alfabetização que fundamenta o trabalho. Essa

concepção pode ser compreendida a partir da seguinte premissa:

[...] não é só o contato com as letras que alfabetiza, mas a compreensão a respeito das diferentes modalidades da escrita, de seus diversos suportes materiais, das suas funções e características é que faz com que a criança ingresse no ‘mundo do letramento’, antes mesmo de conhecer as letras ou o funcionamento da escrita (PASSOS, 1995, p. 14).

Considerando nossas reflexões acerca do RCNEI, podemos encontrar algumas

semelhanças entre as duas propostas: uma delas é a adoção de uma abordagem de

cunho construtivista, defendida no Capítulo I, quando a pesquisadora, ao identificar

a origem do problema, relata a importância da teoria psicogenética de Piaget e das

descobertas de Ferreiro. Outra semelhança encontra-se na aproximação desses

pressupostos com a perspectiva do letramento. Ao fazer a crítica à concepção da

privação lingüística, a autora enfatiza a importância de articular os princípios

funcionais no processo de alfabetização: “[...] criar oportunidades para a

familiarização com a escrita e o reconhecimento de suas funções no meio em que

vivemos são deveres fundamentais de todo educador” (PASSOS, 1995, p. 16).

Voltando ao percurso do trabalho, após a breve abordagem teórica explicitada no

texto introdutório da dissertação, a pesquisadora anuncia sua intenção em mostrar

que, em classes sociais diferentes, são também diferentes as funções atribuídas à

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alfabetização e que essas diferenças se refletem no processo de aquisição da leitura

e da escrita. Parte do seguinte princípio:

[...] práticas atuais de alfabetização, desenvolvidas na pré-escola, estão muito distantes do ‘ideal’ de promover a compreensão a respeito da aquisição da leitura e da escrita como algo a ser construído e recriado de modo significativo e funcional (PASSOS, 1995, p. 17-18).

Esses objetivos, originados do princípio citado, permitem-nos, antes mesmo de

examinar a análise dos dados, questionar a perspectiva de investigação do estudo. Se

a autora pretende mostrar, o fenômeno já não estaria determinado? Essa abordagem

generalizante da prática educativa preocupa-nos, pois compreendemos que não existe

a pré-escola, mas sim pré-escolas e, nesse sentido, múltiplas e diferentes práticas, o

que desautoriza a autora a afirmar que estão muito distantes do ideal. O ideal seria a

prática fundamentada na perspectiva adotada no estudo? Ideal para quem? Para quê?

Sem atentar para essas questões (não encontramos considerações a esse respeito),

Passos (1995) justifica seu interesse em investigar a prática educativa de

alfabetização nessas instituições, retratando, no Capítulo I, sua trajetória

profissional. Procura demonstrar como as contribuições de Ferreiro foram relevantes

nessa trajetória atribuindo aos pressupostos da Psicogênese da Língua Escrita o

status de novo, de salto teórico qualitativo, comprovado em sua própria experiência

profissional. Esse referencial teórico é complementado com contribuições de outros

autores (Smolka, Cook-Gumperz, Vygotsky e seus colaboradores, Frago e Soares)

que possibilitaram, segundo a autora, o aprofundamento da relação linguagem e

aprendizagem. Essas contribuições são incorporadas ao texto com breves reflexões.

Em apenas um parágrafo é explicitada a perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica

(assim denominada pela pesquisadora). Expressões como “relação dialógica,

interativa e discursiva” e “desenvolvimento cultural da criança” são tomadas pela

autora sem as devidas considerações filosóficas e epistemológicas, configurando-se,

do nosso ponto de vista, em expressões ilustrativas e enriquecedoras.

Essa configuração teórica remete-nos às críticas de Duarte (2001) a respeito da

aproximação entre as idéias de Vigotski e as idéias neoliberais e pós-modernas.

Uma aproximação que implica o distanciamento do universo ideológico marxista

produzindo leituras unilaterais que destacam alguns conceitos e omitem outros.

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Duarte explica que essa aproximação pode ser realizada de diferentes maneiras. No

trabalho de Passos, ela pode ser compreendida da forma mais comumente utilizada:

“[...] aproximação entre a teoria vigotskiana e a concepção psicológica e

interacionista-construtivista de Piaget” (DUARTE, 2001, p. 2).

Com relação à abordagem metodológica, Passos (1995) relata as dificuldades

encontradas no início da pesquisa, especificamente no que diz respeito à sua

inserção em campo. Explicita os critérios de escolha das instituições, descreve o

cronograma de trabalho, as turmas e relata suas preocupações iniciais. Define o

estudo de caso com elementos da pesquisa etnográfica, como metodologia de

estudo, sendo a observação e análise de documentos utilizados como

procedimentos metodológicos. A autora ainda explica que os vínculos com as

instituições ocorreram de maneira diferenciada. Na escola pública, ela foi

reconhecida como pesquisadora e, na escola particular, como estagiária, o que

trouxe repercussões para o estudo.

Assim, com o objetivo de abordar as condições de funcionamento das escolas

pesquisadas, a autora dedica o III capítulo à caracterização das instituições, da

clientela e dos sujeitos envolvidos diretamente na pesquisa. Após traçar o perfil das

escolas pesquisadas, ela situa a instituição creche-pré-escola no contexto histórico e

político, abordando contribuições importantes acerca do surgimento dessas

instituições, das concepções educativas que predominaram no decorrer da história e

das mobilizações que emergiram na década de 1980. Partindo desse percurso

histórico, são explicitadas questões a serem respondidas com base na descrição da

rotina diária e das atividades relacionadas com a leitura e com a escrita:

- A pré-escola vem atendendo às necessidades da criança? - Existe uma competência dos profissionais para atuar com as crianças? - Qual é a concepção de criança que está sendo trabalhada? - A metodologia para trabalhar a alfabetização vem sendo adequada? (PASSOS, 1995, p. 78).

Ao apresentar os dados, a autora descreve minuciosamente o cotidiano da sala de

aula percorrendo o seguinte caminho: caracterização do espaço físico da sala de

aula, da rotina diária, da entrada e saída das crianças, da rotina diária da sala de

aula, da merenda e do recreio, das aulas especializadas, da relação da escola com

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a família, das datas comemorativas, do processo de avaliação, da formatura, da

dinâmica do processo de alfabetização, dos materiais pedagógicos, das atividades

de linguagem escrita, das atividades de leitura, atividade de “para casa”, atividades

de linguagem oral e atividades complementares. Faz o mesmo percurso descritivo,

que vai da página 81 a 247, com comentários acerca de alguns aspectos que lhe

chamaram a atenção, para analisar a prática das duas pré-escolas.

Inicia suas considerações finais relatando impressões pessoais sobre a pesquisa e

apresentando um quadro-síntese das análises realizadas. Retoma alguns

questionamentos propondo a construção do perfil de cada pré-escola a partir de

treze categorias que são utilizadas como fio condutor da análise conclusiva. A

pesquisadora constata divergências na maior parte dos aspectos analisados. No que

se refere às concepções de alfabetização, a pré-escola particular apresenta uma

prática caracterizada pela autora como tradicional, rígida quanto aos valores e

conhecimentos transmitidos. Ao final do ano, as crianças são alfabetizadas. Na pré-

escola pública investigada, não havia uma proposta de alfabetização definida e o

trabalho era marcado pela ausência de atividades e de planejamentos, não

oferecendo à maior parte das crianças possibilidade de alfabetização.

Segundo Passos, o resultado de sua pesquisa mostra que “[...] a pré-escola,

indiferente à classe social a qual serve não tem conseguido desempenhar sua

função educativa” (PASSOS, 2005, p. 297, grifos nosso). Diante dessa constatação,

ela deixa alguns desafios para os profissionais que trabalham com alfabetização

nessas instituições, recomendando por fim que:

[...] é preciso reconhecer a importância da instituição pré-escolar no âmbito mais amplo da política educacional, para que se possa, assim, combater não só a inadequação de práticas estéreis, sem fundamentação, principalmente quando se trabalha a alfabetização, como também as metodologias que se recusam a considerar as diferenças individuais, o currículo oculto e a complexidade dos processos cognitivos envolvidos na aquisição da linguagem escrita (PASSOS, 1995, p. 298).

Compreendemos que a maior importância do estudo realizado por Passos (1995)

está na busca por uma prática de qualidade nas instituições destinadas a atender às

crianças de zero a seis anos, incluindo o processo de alfabetização como um

fenômeno social relevante na investigação dessas práticas. A pesquisa, apesar de

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confirmar alguns indicadores históricos das práticas de alfabetização nesse nível de

escolarização, apresenta alguns pontos dos quais discordamos e que podem estar

relacionados com a adoção de concepções teóricas divergentes e com a falta de

rigor metodológico. Notamos certa ênfase na descrição e nos comentários, com

predomínio de análises subjetivas, sem explicitação dos procedimentos de

observação e com desvios no foco de análise. Esses desvios podem ter sido

provocados pela indefinição de categorias conceituais para a sustentação das

análises. Além disso, a autora tece afirmações enfáticas, generalizantes, com

recomendações que nos pareceram teoricamente autoritárias.

Retomando as reflexões de André (2004) sobre os principais problemas nos estudos

da prática escolar, encontramos subsídios que poderão confirmar nossas

impressões. Partindo do princípio da relativização13 na pesquisa etnográfica, a

autora explica que

[...] a pesquisa etnográfica não pode se limitar à descrição de situações, ambientes, pessoas, ou à reprodução de suas falas e de seus depoimentos. Deve ir muito além e tentar reconstruir as ações e interações dos atores sociais segundo seus pontos de vista, suas categorias de pensamento, sua lógica. Na busca das significações do outro, o investigador deve, pois, ultrapassar seus métodos e valores, admitindo outras lógicas de entender, conceber e recriar o mundo (ANDRÉ, 2004, p. 45).

A construção de categorias de análise ao longo do estudo e a apreensão e

descrição dos significados culturais dos sujeitos, são, segundo André (2004),

condições essenciais para evitar a supervalorização dos dados empíricos ou o seu

enquadramento numa teoria predeterminada de acordo com as concepções e

valores do pesquisador. Essas constatações são comprovadas em análise crítica de

dez relatórios de pesquisa do período de 1982 a 1992. Em um desses estudos, cujo

referencial teórico inicial é a concepção de Ferreiro, a pesquisadora constata a

existência de um fosso entre esse referencial e as aulas observadas.

Essa é uma questão que também está colocada no trabalho de Passos quando, ao

enfatizar a perspectiva adotada (também da base psicolingüística de Ferreiro com

aproximações com outras teorias, conforme elucidamos), conduz sua análise para

13 André, citando Dauster (1989), explica que esse princípio consiste em colocar o eixo de referência no universo investigado por meio do descentramento do investigador.

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uma supervalorização dos dados a partir de seus próprios valores apresentando-os

na forma como se manifestam, sem o aprofundamento de seus condicionantes e de

suas implicações. Essa perspectiva investigativa remete-nos a considerar que o

cotidiano escolar foi tomado como o lugar de coleta de dados, uma concepção

limitada que, segundo André (2004, p. 46, grifos da autora), “[...] tem produzido

trabalhos no cotidiano escolar e não sobre o cotidiano escolar”.

Um movimento semelhante ocorre no trabalho de Ramos (1995) que aborda a

alfabetização em escolas da Rede Municipal e Estadual de Ensino da cidade de

Itajaí. Com o objetivo de analisar a forma pela qual é trabalhada a alfabetização nas

pré-escolas públicas municipais e estaduais da região, a pesquisadora analisa as

concepções de pré-escola, de alfabetização, metodologias, práticas de ensino e de

avaliação, por meio de entrevistas semi-estruturadas, tomando como base uma

mostra de professores (dez sujeitos) e verificando suas relações com seus planos de

ensino e com as propostas curriculares das respectivas redes de ensino. Descreve a

metodologia empregada como uma pesquisa de natureza qualitativa com apreciação

analítica e tipológica dos dados. Antes de proceder às análises, Ramos retoma os

pressupostos filosóficos que influenciaram a educação pré-escolar no Brasil,

explicitando as principais contribuições de Comenius, Rousseau, Pestalozzi, Fröbel,

Decroly, Montessori, Claparède, Freinet, chegando a Piaget e aos pesquisadores

que aplicaram sua teoria no campo educacional, como Kamii, Kramer, Ferreiro,

assumindo, assim, os pressupostos da perspectiva psicolingüística como

orientadores de sua análise.

Ao analisar os conteúdos das entrevistas, comparando-os com os planos de ensino e

os documentos pedagógicos oficiais, encontra os seguintes resultados: a

alfabetização na pré-escola é voltada à prontidão para a entrada no primeiro grau; o

trabalho de alfabetização enfatiza sua função compensatória; a formação de

professores é inadequada causando dificuldades no entendimento da proposta

curricular que orienta o trabalho docente; a maneira como a alfabetização é

desenvolvida desconsidera o processo de construção da leitura e da escrita pela

criança; as professoras desconhecem e/ou possuem visões distorcidas desse

processo; e há uma necessidade urgente de revisão nos cursos de formação de

professores.

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Desse modo, podemos dizer que, além de enfatizar os reducionismos das práticas a

partir de concepções previamente delineadas e generalizantes, com base em

análises documentais e em entrevistas (sem a necessária observação do movimento

dos sujeitos no complexo espaço/tempo escolar), são incluídas, ao final do trabalho,

recomendações que propiciam estratégias interdisciplinares a partir de eixos

temáticos (temas geradores), focalizando no professor a responsabilidade pelos

processos de transmissão/aquisição do conhecimento.

É importante lembrar que grande parte da produção acadêmica sobre a educação

infantil desse período, segundo Rocha, Silva Filho e Strenzel (2001), enfatizou os

diagnósticos institucionais sem uma investigação voltada para o interior das escolas

que, mesmo quando considerado, era determinado por resultados que detectavam,

predominantemente, a insuficiência das práticas. Mas, quais eram essas práticas? E

por que eram insuficientes?

Partindo de uma outra demanda, o trabalho de Garuti (1995), por exemplo, focaliza

uma prática educativa numa instituição particular na qual atua como coordenadora

pedagógica, ressaltando as contribuições das interações sociais observadas na

constituição da aprendizagem escolar. Pautada nos pressupostos da “teoria

sociointeracionista de Vigotski”, a pesquisadora procura identificar e analisar as

negociações ocorridas nos momentos de construção da linguagem escrita, nas

interações entre criança-criança e destas com a professora, com o objetivo de

investigar a importância que tais negociações assumem no processo de alfabetização.

A autora caracteriza sua proposta metodológica como um estudo de campo com

enfoque qualitativo descritivo, analítico e processual. Justifica a escolha da instituição

alegando que sua proximidade com essa escola facilita o processo de pesquisa e

descreve a realidade investigada situando seus aspectos físicos e pedagógicos. A

observação dos eventos é auxiliada por filmagens das interações de quatro duplas de

crianças de uma classe de “pré” em diferentes momentos de produções escritas, bem

como os encaminhamentos dessas atividades por parte da professora. São recortados

os momentos discursivos para uma análise transversal, com base em categorias

suscitadas no contexto de produção dos dados e organizadas em oito grupos, sendo

quatro do professor e quatro dos alunos.

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A análise do material coletado apontou que as interações sociais devem ser

privilegiadas no espaço pedagógico, uma vez que contribuem para a formação do

conhecimento dos alunos. A partir dessa análise, a pesquisadora conclui que as

interações sociais são constitutivas da aprendizagem escolar, na medida em que

possibilitam que o aluno tenha acesso a novas informações, transforme seu

conhecimento e, assim, amplie suas construções cognitivas. Ressalta, ainda, que é

o professor, como detentor da cultura, que tem o papel de contribuir para o avanço

das interações dos alunos, mediante informações fornecidas por meio dos conceitos

abordados, atuando, assim, como mediador nesse processo.

No estudo de Garuti (como no caso de Nogueira), podemos perceber um alto grau de

envolvimento com o contexto da pesquisa. Os episódios filmados são previamente

planejados com a professora e o enquadramento dos dados, na perspectiva de

análise desejada, leva-nos a supor certa artificialidade procedimental. Apontar práticas

bem-sucedidas de alfabetização é de fundamental relevância, entretanto, nesse

estudo, a ênfase no sucesso pode estar implicitamente ligada à posição assumida

pela coordenadora pedagógica. Voltamos, portanto, à questão da neutralidade e das

implicações decorrentes da desconsideração do princípio da relativização bem como

do papel da teoria na análise dos dados. Além disso, poderíamos inferir implicações

ideológicas decorrentes dos interesses que perpassam análises altamente produtivas

na esfera particular.

Outro estudo apontado nessa revisão, que também foi realizado em ambiente

familiar no qual a professora-pesquisadora registra e analisa a própria experiência

pedagógica, é o de Semensato (1992). Abraçando a proposta pedagógica da

instituição, teoricamente fundamentada na Pedagogia de Freinet, a autora busca

descrever a trajetória de um grupo de sujeitos pré-escolares (crianças de classe

média e média alta, na idade de cinco e seis anos) no processo de aquisição da

leitura e da escrita, considerando: a aquisição das primeiras noções sobre a

linguagem escrita, o desenvolvimento de relações leitura-escrita em função de

necessidades no contexto escolar e a interação do professor e do grupo.

A documentação da experiência assume para a autora um caráter de pesquisa

etnográfica realizada em ambiente natural, no qual se busca captar e expressar o

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movimento do processo com a preocupação de mostrar que a aprendizagem se dá

de forma inicialmente espontânea, gradual e progressiva, o que leva a professora-

pesquisadora, em seu cotidiano, a conciliar a Pedagogia de Freinet com os

pressupostos da Psicogênese da Língua Escrita, de Ferreiro e Teberosky, para

enfocar que o processo de aquisição da leitura e da escrita acontece “logicamente”

por etapas, evidenciando-se a construção de um conhecimento específico.

Os estudos de Ramos, Garuti e Semensato, no contexto desta revisão de literatura,

reforçam as discussões anteriormente abordadas, ressaltando movimentos teóricos

e/ou metodológicos semelhantes aos apontados em outros trabalhos analisados, o

que justifica a maneira sintetizada como foram tratados. De certa forma, evidenciam

a necessidade de buscarmos percursos investigativos mais condizentes com a

realidade sociocultural da qual emergem os processos educativos

institucionalizados, especialmente os destinados às crianças de seis anos.

De acordo com o objetivo desta revisão de literatura, esses estudos apontam,

principalmente, a necessidade de investimento teórico nas escolas públicas, onde

estudam grande parte das crianças oriundas de camadas populares, reforçando

nosso interesse pelos processos em seu contexto imediato de produção. São nesses

espaços, nos quais as contradições, as implicações ideológicas e os movimentos de

resistência podem ser suscitados e revelados, que encontramos os elementos

reveladores de uma dinâmica social que está traduzida, de diferentes formas, nos

dizeres e fazeres dos sujeitos em situações concretas de interlocução; em

movimentos singulares que se constituem e se transformam cotidianamente nas

relações sociais, históricas, políticas e pedagógicas experimentadas por crianças,

professores, familiares e demais pessoas que vivem a complexa relação de ensinar

e aprender.

Acreditando que tal relação pode ser compreendida a partir de uma perspectiva

teórico-metodológica que possibilite captar os processos que se constituem no dia-a-

dia das práticas educativas, buscamos orientar nosso olhar em campo a partir de

uma abordagem metodológica de caráter qualitativo sócio-histórico, tomando por

base as orientações da Psicologia Histórico-Cultural e da Perspectiva Bakhitniana no

campo da linguagem, nas quais nos deteremos no capítulo que se segue.

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4 A PRODUÇÃO DE TEXTOS NA ESCOLA: SUBSÍDIOS TEÓRICOS E

METODOLÓGICOS

Nosso objetivo, neste capítulo, é explicitar a perspectiva teórico-metodológica

adotada neste estudo, focalizando conceitos que nos ajudem a avançar na

compreensão do processo de apropriação da linguagem escrita pela criança no

contexto educativo da educação infantil. Esse interesse remete-nos a um modelo

teórico que considere o movimento dos sujeitos no contexto de produção desse

conhecimento, privilegiando as formas especificamente humanas de interagir com o

mundo.

Desse modo, abordaremos, inicialmente, os pressupostos fundadores da Psicologia

Histórico-Cultural, focalizando as elaborações de Vigotski (1999, 2001) sobre a

natureza social e cultural das funções mentais superiores, tomando como base os

conceitos de mediação e de apropriação. Articulados a esses pressupostos,

encontram-se sua concepção de ser humano, de história e a importância da

linguagem na constituição da subjetividade humana.

Em seguida, considerando o texto como unidade fundamental de ensino da

linguagem escrita, explicitaremos as contribuições de Bakhtin (1999, 2001, 2003)

discorrendo acerca do princípio dialógico que orienta a sua concepção de

linguagem, reiterando o caráter social, histórico e cultural nos processos de

produção do conhecimento e trazendo importantes contribuições para o trabalho

com os textos nas salas de aula.

Buscando uma aproximação coerente com as bases teóricas aqui explicitadas,

finalizaremos este capítulo abordando os pressupostos metodológicos que

orientaram a nossa pesquisa. Para tecer essas considerações teórico-

metodológicas, contamos, também, com a colaboração de outros pesquisadores

que, num movimento de compreensão, aplicação e atualização das idéias aqui

defendidas, contribuem para tornar essas correntes de pensamento cada vez mais

vivas e mais próximas da nossa realidade sócio-histórica.

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4.1 LINGUAGEM E CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE HUMANA

Para iniciar nossas discussões acerca da importância da linguagem no processo de

constituição dos seres humanos, tomaremos as colaborações delineadas por

Vigotski (1999, 2001) e seus colaboradores no campo da Psicologia Histórico-

Cultural. Ao tratar as questões históricas ligadas à crise da Psicologia, Vigotski

explicita a matriz que lhe serve de referência, o materialismo histórico dialético e

afirma que uma nova Psicologia precisava criar seu próprio O Capital, ou seja, “[...]

seus conceitos de classe, de base, valor etc. [...] com os quais possa expressar,

descrever e estudar seu objeto” (1999, p. 393). Nessa matriz teórica, o caráter

histórico confere aos pressupostos de Vigotski um valor inovador, diferenciando-os

das concepções racionalistas e empiristas predominantes na Psicologia.

A questão da história, fundamental no pensamento de Vigotski, é lapidada em nota

de abertura no Manuscrito de 1929.14 Com base nesse documento, Pino (2000, p.

48) explicita o entendimento de história para Vigotski: “[...] em termos genéricos,

significa ‘uma abordagem dialética geral das coisas’, em sentido estrito, significa a

história humana”. Nessa afirmação, Vigotski reforça uma idéia fundante da

perspectiva histórico-cultural, que coloca a ciência como produto da atividade

humana, na qual “[...] o objeto de conhecimento não é o real em si, tampouco um

mero objeto da razão. Ele é o real transformado pela atividade produtiva do homem,

o que lhe confere um modo humano de existência” (PINO, 2000, p. 50-51).

No contexto desta pesquisa, essa questão é fundamental, pois está relacionada com

o estudo das funções elementares ou naturais e das funções superiores ou culturais,

ou seja, trata-se de revelarmos a natureza das relações sociais e culturais na

constituição das formas superiores de pensamento; no caso deste estudo, as

relações que permeiam o trabalho com a linguagem escrita na educação infantil.

Seguindo as pistas deixadas no Manuscrito, Pino (2000) discute questões sobre o

social e o cultural na perspectiva de Vigotski, oferecendo-nos alguns caminhos para

14 O documento é constituído por um conjunto de idéias originais que faziam parte das preocupações teóricas do autor. Foi publicado pela primeira vez, em inglês, na revista Soviet Psychology (1989, v. 27, n. 2, p. 53-77).

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a compreensão desses conceitos. Para Vigotski, o social é um fenômeno anterior ao

cultural, pois é, também, atributo de outras formas de vida. É sob a ação criadora da

espécie humana que o social se transforma em modos de organização e de

produção. Dessa forma,

O social é, ao mesmo tempo, condição e resultado do aparecimento da cultura. É condição porque sem essa sociabilidade natural a sociabilidade humana seria historicamente impossível e a emergência da cultura seria impensável. É, porém, resultado porque as formas humanas de sociabilidade são produções do homem, portanto obras culturais (PINO, 2000, p. 53).

Ao inverter a direção na relação do indivíduo-sociedade, Vigotski (2001) aponta

como o meio social age na criança para criar nela as funções superiores de origem e

natureza sociais. Não no sentido da socialização postulada por Piaget, mas no

sentido de mostrar o mecanismo mediador que explica como se dá a conversão de

funções psicológicas de origem social para o plano pessoal/individual, sem perder de

vista a singularidade da pessoa ou, em outros termos, os modos como a pessoa em

particular se apropria dos resultados do desenvolvimento sócio-histórico. Esse

pressuposto básico da obra de Vigotski pode ser mais bem compreendido a partir da

sua concepção de pessoa humana. O autor explicita no Manuscrito de 1929: “Para

nós, o homem é uma pessoa social = um agregado de relações sociais encarnadas

num indivíduo”. Assim, a idéia de pessoa social envolve, ao mesmo tempo, a unidade

e a multiplicidade, o sujeito e o objeto, ou seja, um indivíduo social real e concreto cuja

singularidade se constitui como membro de um grupo sociocultural específico.

Vigotski (2001) denomina o processo de conversão para o plano individual das

funções construídas no plano social de internalização. Como esse termo tem

produzido contradições, alguns estudiosos de Vigotski têm discutido essa questão

assinalando a ambigüidade desse termo em decorrência do seu uso por diferentes

perspectivas teóricas. Nesse sentido, concordamos que o termo não é adequado,

principalmente se considerarmos o modelo teórico que orienta a perspectiva

histórico-cultural. Para Gontijo (2003), é exatamente o fato de os trabalhos de

Vigotski serem fundados no materialismo histórico e dialético que lhe possibilita

romper com o dualismo presente no idealismo e no materialismo precedente,

buscando, na atividade real e concreta do ser humano, as explicações de como as

funções superiores convertem-se em funções do próprio indivíduo. Aprofundando

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essa questão, a autora encontra em Leontiev (1978), um dos principais

colaboradores de Vigotski, o termo apropriação e o considera mais coerente para

explicar a conversão da atividade social, que ocorre entre as pessoas (como

categoria interpsíquica), em atividade individual (categoria intrapsíquica).

A apropriação, compreendida por Leontiev (1978) como um processo que possibilita a

conversão das funções elaboradas no plano social para o plano individual, se

caracteriza por ser sempre ativa. Nessa perspectiva, o conceito de apropriação se

contrapõe ao conceito de adaptação, pois não pressupõe uma adequação das

características da espécie às exigências do meio. As propriedades naturais,

resultantes do desenvolvimento biológico, são condições que possibilitam as

apropriações, sem, contudo, determiná-las. Devido à dinamicidade da prática social

e histórica, a apropriação das formas humanas de comportamento não ocorre de

modo natural, espontâneo, imediato. Esse processo é mediado pela linguagem usada

por um determinado grupo social. É a linguagem que possibilita a apropriação

progressiva das significações sociais decorrentes das objetivações humanas.

Portanto, as significações, função dos sistemas de signos, existem e se (re)constituem

na relação entre as pessoas. Assim, na interpretação de Gontijo (2001b, p. 57),

A linguagem não é apenas um meio de comunicação entre os homens. Ao longo do desenvolvimento histórico, ela passa a refletir a realidade na forma de significações, pois sintetiza/cristaliza as práticas sociais, sendo, portanto, simultaneamente, objeto de conhecimento e mediadora do processo de apropriação das produções humanas.

Nesse sentido, é o processo de apropriação que torna possível a conversão das

funções que são constituídas no plano social para o plano individual. Porém, Pino

(2000) reforça que o objeto da apropriação é a significação das coisas, não as

coisas em si mesmas. Desse modo, o processo de apropriação é de natureza

semiótica, pois é a emergência da atividade simbólica que constitui o ponto de

passagem do plano natural para o cultural tanto no desenvolvimento filogenético

como no ontogenético. A apropriação das formas culturais de comportamento

envolve a reconstrução da atividade psicológica por meio de signos. São os signos

(linguagem falada, escrita, gestos, desenhos, etc.) que possibilitam o

desenvolvimento das formas culturais e históricas nos indivíduos singulares.

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Denominado por Vigotski como “estímulo de segunda ordem” criado artificialmente

pela humanidade, o signo desempenha a função de estímulo externo numa

operação interna ou, ainda, de organizador e potencializador das funções mentais

que existem no indivíduo. Essa função do signo diferencia-o do instrumento, pois,

enquanto este traduz a relação direta do organismo com o meio, o signo cria uma

relação indireta e mediada, agindo não sobre as coisas, mas sobre as pessoas. Os

sistemas de sinalização natural constituem a origem e o substrato natural dos

sistemas de signo, pois todo signo pressupõe um elemento que é material, que

serve de sinal. São os signos que possibilitam as formas humanas de

comportamento por meio das significações que ocorrem de forma reversível: tanto

para quem o recebe como para quem o emite. Esse pressuposto possibilita-nos

considerar que “[...] se a mediação técnica permite ao homem transformar (dar uma

‘forma nova’) à natureza da qual ele é parte integrante, é a mediação semiótica que

lhe permite conferir a essa ‘forma nova’ uma significação” (PINO, 2000, p. 58).

Ao apontar a natureza social e simbólica da atividade mental, Vigotski (2001)

assinala que são nas relações sociais e, portanto, na dinâmica histórica, cultural e

social que as pessoas se constituem mutuamente. Para Vigotski, o outro,

compreendido como as pessoas que fazem parte do mundo humano que habita os

indivíduos particulares, tem um papel fundamental na constituição cultural do ser

humano. Desse modo, o processo de desenvolvimento cultural articula, em termos

filosóficos, três planos: o desenvolvimento em si, para os outros e para si. O primeiro

é constituído na realidade natural e biológica como algo dado; este, no entanto, é

significado pelos outros na relação social em que está inserido e, por fim, a

significação atribuída pelos outros se torna significativa para o próprio indivíduo.

A significação está na base da constituição cultural do homem sendo apropriada na

relação com o outro, passando, portanto, a ser objeto mediador no processo de

apropriação. A criança apropria-se da significação do mundo cultural, produto da

atividade humana, e elabora sua própria história. Dessa forma, os resultados do

desenvolvimento histórico são apropriados pelas crianças “[...] por meio da

mediação sígnica que possibilita as relações entre as pessoas e, ao mesmo tempo,

sintetiza, cristaliza as práticas sociais humanas, traduzidas em idéias, valores, saber

fazer, tradições, etc.” (GONTIJO, 2001b, p. 59).

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Explicitados esses pressupostos, é necessário discutir a importância da linguagem

escrita no processo de constituição histórico-cultural da criança. Do ponto de vista da

Psicologia Histórico-Cultural, como vimos, a linguagem é uma atividade constitutiva

dos seres humanos e, ao mesmo tempo, constitui-se nas relações sociais. Além de

possibilitar a comunicação social, a linguagem tem a função de promover o

pensamento generalizante que permite à criança organizar o real operando com

significados e com conceitos que se tornam matéria do pensamento.

Assim, no contexto das discussões sobre a relação entre conceitos cotidianos e

científicos, Vigotski (2001) argumenta que o domínio da escrita, como forma de

linguagem, acarreta mudanças no desenvolvimento cultural da criança. Sua

aprendizagem apresenta complicações e difere-se do desenvolvimento da fala em

muitos aspectos: a falta de sonoridade e de entonação, o fato de o interlocutor estar

ausente, a necessidade de recriação, de representação, de substituir palavras por

imagens de palavras. Segundo Vigotski (2001, p. 312-313),

A escrita é uma função específica de linguagem, que difere da fala não menos como a linguagem interior difere da linguagem exterior pela estrutura e pelo modo de funcionamento. [...] requer para o seu transcurso pelo menos um desenvolvimento mínimo de um alto grau de abstração. Trata-se de uma linguagem sem o seu aspecto musical, entonacional, expressivo, em suma, sonoro. É uma linguagem de pensamento, de representação, mas uma linguagem desprovida do traço mais substancial da fala – o som material.

O autor argumenta que esse momento modifica o conjunto de condições

psicológicas da linguagem falada, pois a criança tem uma nova tarefa: passar do

aspecto concreto da língua para o abstrato, ou de uma função natural para uma

função cultural do pensamento. Isso significa dizer que a criança precisa refletir

sobre as unidades constituintes da linguagem oral e descobrir quais possuem

correspondentes na escrita. Para Vigotski, é justamente esse aspecto que constitui

uma das maiores dificuldades com que se defronta a criança no processo de

apropriação da escrita. Além disso, a situação de escrita requer uma outra

abstração: a do interlocutor, que está ausente, é imaginário. Nesse caso, é

importante ressaltar que Vigotski pressupõe a existência de interlocutores, mas

esses interlocutores, nas circunstâncias de produção de textos escritos, estão

presentes apenas na imaginação daquele que escreve.

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Apesar de pressupor percursos diferenciados para o desenvolvimento da oralidade e

da escrita, ressaltando que o desenvolvimento da escrita não repete o da fala, é

importante lembrar que a análise de Vigotski é elaborada no contexto de seu estudo

sobre o desenvolvimento de conceitos na infância. Assim sendo, é possível pensar

em um processo que é distinto, que segue trajetórias diferentes, mas que converge

em diversos momentos, provocando mudanças significativas na criança. Ao analisar

as relações da escrita com o discurso oral, Vigotski considera que o emprego da

linguagem escrita, como simbolismo de segunda ordem, demanda uma relação com

esse tipo de discurso diferente daquela empregada na produção de textos orais:

Na linguagem escrita nós mesmos somos forçados a criar a situação, ou melhor, a representá-la no pensamento. Em certo sentido, o emprego da linguagem escrita pressupõe uma relação basicamente diversa daquela observada na linguagem falada, requer um tratamento mais independente, mais arbitrário e mais livre da situação (VIGOTSKI, 2001, p. 315).

Nesse sentido, escrever exige uma ação voluntária e consciente: o que escrevo? Por

quê? Para quem? Como? Quando? Em termos pedagógicos, isso implica considerar as

situações e as condições de produção de textos escritos, pois esse conhecimento, de

acordo com Smolka (2003, p. 61), “[...] se processa no jogo das representações sociais,

das trocas simbólicas, dos interesses circunstanciais e políticos; é permeado pelos

usos, pelas funções e pelas experiências sociais de linguagem e de interação verbal”.

Coerente com a abordagem histórico-cultural, essas reflexões de Smolka nos

instigam a assumir que a atividade mental que a criança realiza no processo de

alfabetização é uma atividade discursiva, na qual ela “[...] aprende a ouvir, a

entender o outro pela leitura; aprende a falar, a dizer o que quer pela escrita”

(SMOLKA, 2003, p. 63). Desse modo, atrelada à perspectiva histórico-cultural

emerge uma concepção de linguagem como uma atividade constitutiva do ser

humano, uma atividade que possibilita a instauração do diálogo e o reconhecimento

dos processos sociais e, ao mesmo tempo, singulares, de apropriação e produção

de conhecimentos.

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4.2 A PERSPECTIVA BAKHTINIANA DE LINGUAGEM

Partindo das contribuições e das fragilidades presentes no pensamento filosófico-

lingüístico de sua época, Bakhtin (1999)15 evidencia o dualismo presente nas duas

principais correntes, por ele denominadas genericamente de Subjetivismo Idealista e

Objetivismo Abstrato, suscitando importantes aspectos para a compreensão da

natureza constitutiva da linguagem.

Para aprofundar a questão do caráter simbólico da escrita, tomaremos, inicialmente,

as elaborações de Bakhtin sobre a relação dos signos com a consciência humana.

Para o autor, o homem, fora das condições socioeconômicas objetivas, não tem

nenhuma existência. Diz Bakhtin (1999, p. 35): “A consciência individual é um fato

sócio-ideológico”. O seu domínio, portanto, coincide com o domínio dos signos, pois

“[...] um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele reflete e refrata

uma outra” (BAKHTIN, 1999, p. 32). Dessa forma, a realidade psíquica/interior é a do

signo, um fenômeno que resulta das práticas sociais humanas, ou seja, da atividade

do mundo exterior e só pode existir em um terreno interindividual. Nessa perspectiva,

A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 1999, p. 35-36).

A partir dessas ponderações acerca da constituição da consciência humana, Bakhtin

(1999, p. 36) conclui que “[...] a realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade

objetiva dos signos sociais [...] as leis dessa realidade são as leis da comunicação

semiótica e são diretamente determinadas pelo conjunto das leis sociais e econômicas”.

O signo existe, portanto, na materialização da comunicação social e seu aspecto

15 Essas discussões foram travadas na Rússia, no período de 1919 a 1929, por um grupo de

intelectuais de diferentes áreas, conhecido como Círculo de Bakhtin. Foram publicadas pela primeira vez em 1929, na obra intitulada Maksizm i filossófia iaziká. Neste trabalho, tomamos a nona edição dessa obra.

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semiótico aparece de forma completa na linguagem. É isso que torna a linguagem (a

palavra) o primeiro meio da consciência individual. A consciência não poderia se

desenvolver sem a palavra, o material semiótico e flexível da vida interior, veiculável

pelo corpo. Ela está presente, de acordo com o autor, em todas os atos de

comunicação, de compreensão e de interpretação.

Bakhtin (1999, p. 38, grifos do autor) lembra-nos, ainda, que “[...] nenhum signo

cultural, quando compreendido e dotado de sentido, permanece isolado: torna-se

parte da unidade da consciência verbalmente constituída”. É essa consciência que

tem o poder de abordar o signo verbalmente, de enunciá-lo. Contudo, a enunciação

é determinada por suas condições reais, pela situação social imediata. Como afirma

Bakhtin (1999, p. 112-113, grifos do autor):

[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não [...]. Não pode haver interlocutor abstrato [...]. O mundo interior e a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações, etc.

Assim, a palavra é, ao mesmo tempo, determinada pela sua procedência e pela sua

direção: “Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte”

(BAKHTIN, 1999, p. 113, grifo do autor). Mas, para que ocorra uma atividade mental,

é necessária uma orientação social que oscila entre dois pólos: atividade mental do

eu e atividade mental do nós. A primeira tende à auto-eliminação ao aproximar-se do

seu limite, perdendo, assim, sua dimensão ideológica e consciente, sua

representação verbal. São atividades mentais isoladas que não conseguem

enraizar-se socialmente. A atividade mental do nós, uma atividade consciente e

diferenciada, é a que se firma e se estabiliza na orientação social. Contudo, o grau

de consciência depende da organização da coletividade na qual o indivíduo estrutura

o seu mundo interior. A atividade mental do nós, que se realiza na enunciação, é

submetida a uma orientação social mais complexa, pois está implicada ao contexto

imediato e aos seus interlocutores concretos.

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Com essas considerações, Bakhtin (1999, p. 118) define o conceito de ideologia do

cotidiano que compreende “[...] a totalidade da atividade mental centrada sobre a

vida cotidiana, assim como a expressão16 que a ela se liga”. Nesse sentido, confirma

que “[...] não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a

expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua

orientação” (BAKHTIN, 1999, p. 112, grifo do autor).

Consideramos que essas reflexões de Bakhtin são fundamentais, pois possibilitam

situar como centro organizador da enunciação, o exterior, ou seja, o meio social no

qual estamos inseridos. Assim, coloca, juntamente com a função comunicativa da

linguagem, a função expressiva como constitutiva de toda enunciação, atribuindo à

interação verbal a realidade fundamental da língua:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela comunicação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações (BAKHTIN, 1999, p. 123, grifo do autor).

Nessa perspectiva, então, a língua não pode ser concebida como um sistema

fechado e estável de normas nem, tampouco, um sistema determinado pelas leis da

Psicologia individual, mas como “[...] um processo de evolução ininterrupto, que se

realiza através da interação verbal social dos locutores” (BAKHTIN, 1999, p.127,

grifos do autor). Esse pressuposto fundamental evidencia que “[...] o centro

organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior:

está situado no meio social que envolve o indivíduo [...]” (BAKHTIN, 1999, p. 121).

Desse modo, a visão de pessoa humana em Bakhtin é revestida por um princípio

dialógico que se define pela alteridade, ou seja, pela impossibilidade de pensar as

pessoas fora das relações com o outro. Ele nos diz que “[...] onde não há palavras não

há linguagem e não pode haver relações dialógicas; estas não podem existir entre

objetos ou entre grandezas lógicas [...]. Não são possíveis entre os elementos da

língua” (BAKHTIN, 2003, p. 323). São relações semânticas que, numa perspectiva

16 Por expressão Bakhtin entende que é tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores. A expressão, portanto, comporta duas faces: o conteúdo interior e sua objetivação exterior.

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abrangente, tomam forma na comunicação verbal (seja na interação face a face,

seja no discurso escrito) entrelaçadas aos outros tipos de comunicação

extralingüísticas de caráter não-verbal. Não podem, portanto, ser compreendidas

isoladas das situações concretas de produção, pois a enunciação só se realiza no

curso da comunicação verbal, sendo determinada pelos seus limites que se

configuram nas relações entre o verbal e o extraverbal. É por isso que Bakhtin diz

que, sendo social a estrutura da língua, sua criatividade não pode ser compreendida

independentemente dos conteúdos e valores ideológicos que a ela se ligam.

Ao tecer considerações acerca das questões colocadas por Bakhtin sobre a obra de

Dostoiévski, Barros (2001) argumenta que, sendo a vida dialógica por natureza, viver

significa, então, interrogar, escutar, responder, estar de acordo... Enfim, participar de

um diálogo. Apontando o aspecto social da interação verbal, a autora sintetiza em

quatro pontos o princípio do dialogismo entre interlocutores: “[...] a interação entre

locutores é o princípio fundador da linguagem; o sentido depende da relação entre

sujeitos; a intersubjetividade é anterior à subjetividade; há dois tipos de sociabilidade:

entre sujeitos e dos sujeitos com o grupo social (BARROS, 2001, p. 28).

Subjacentes a esses princípios, estão colocadas algumas questões fundamentais

como: a) a concepção de sujeito/locutor que pode ser assim compreendida: “[...] os

locutores são seres sociais, construídos ao mesmo tempo pela interação entre eles e

pelas relações com o extralingüístico e a sociedade” (BARROS, 2001, p. 33); b) o

discurso não é individual, porque se constrói de duas maneiras: como uma interação

entre pelo menos dois interlocutores e como um “diálogo entre discursos”; c) o

enunciado é, portanto, um produto da enunciação que se dá num contexto social,

histórico e cultural, uma vez que

Em cada época, em cada círculo social, em cada micromundo familiar, de amigos e conhecidos, de colegas, em que o homem cresce e vive, sempre existem enunciados investidos de autoridade que dão o tom, como as obras de arte, ciência, jornalismo político, nas quais as pessoas se baseiam, as quais elas citam, imitam, seguem. Em cada época e em todos os campos da vida e da atividade, existem determinadas tradições, expressas e conservadas em vestes verbalizadas: em obras, enunciados, sentenças, etc. (BAKHTIN, 2003, p. 294).

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Isso explica, conforme Bakhtin (2003, p. 294), “[...] por que a experiência discursiva

individual de qualquer pessoa forma-se e desenvolve-se em uma interação

constante e contínua com os enunciados individuais dos outros”. Explica, também, o

fato de que, nas ciências humanas, o objeto de estudo é a pessoa humana como ser

histórico, social, expressivo, falante, enfim, produtor de textos.

Nessa perspectiva, o texto é definido como:

a- objeto significante ou de significação, isto é, o texto significa [...]; b- produto da criação ideológica ou de uma enunciação, com tudo o que está aí subentendido: contexto histórico, social, cultural, etc. Em outras palavras, o texto não existe fora da sociedade, só existe nela e para ela e não pode ser reduzido à sua materialidade lingüística (empirismo objetivo) ou dissolvido nos estados psíquicos daqueles que o produzem ou o interpretam (empirismo subjetivo); c- dialógico: [...] define-se pelo diálogo entre os interlocutores e pelo diálogo com outros textos (da situação, da enunciação) e só assim, dialogicamente, constrói-se a significação; d- único, não reproduzível: [...] não reiterável ou repetível (BARROS, 2001, p. 24).

O texto, assim caracterizado, mostra-se essencialmente complexo e dialógico. Em

Bakhtin, essa relação dialógica está ligada à questão da autoria e é abordada pelo

autor em seus estudos sobre a obra de Dostoiévski.

A estrutura totalmente nova da imagem do homem é a consciência do outro, rica em conteúdo e plenivalente, não inserida na moldura que conclui a realidade, consciência essa que não pode ser concluída por nada [...], pois o seu sentido não pode ser solucionado ou abolido pela realidade [...]. Essa consciência do outro não se insere na moldura da consciência do autor, revela-se de dentro de uma consciência situada fora e ao lado, com a qual o autor entra em relações dialógicas (BAKHTIN, 2003, p. 338, grifos do autor).

Para Bakhtin, Dostoiévski é um escritor polifônico por excelência. Nesse sentido,

Barros (2001) explica que a palavra polifonia é empregada para caracterizar certo

tipo de texto no qual podemos perceber as suas relações dialógicas, isto é, as

muitas vozes que atravessam o discurso, diferentemente dos textos monofônicos

que escondem os diálogos que o constituem. Para a autora, são as estratégias

empregadas no diálogo que vão caracterizar os textos como polifônicos ou

monofônicos: “Nos textos polifônicos, os diálogos entre discursos mostram-se,

deixam-se ver ou entrever; nos textos monofônicos eles se ocultam sob a aparência

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de um discurso, de uma única voz” (BARROS, 2001, p. 26). Assim, polifonia e

monofonia são efeitos de sentido que dependem dos procedimentos discursivos: nos

textos monofônicos, as vozes são abafadas enquanto nos polifônicos elas se deixam

escutar. O conceito de polifonia proposto por Bakhtin contribui, particularmente, com

a reflexão acerca do pensamento dominante em nossa sociedade e para a

necessidade de desvelarmos as vozes que estão nele estão contidas.

Desse modo, esta visão de texto que incorpora aspectos sociais, culturais e

interacionais à compreensão do processamento cognitivo provocou, conforme Koch

(2003, 2004a), mudanças bastante significativas na concepção de língua, de sujeito

e de texto. Assumindo a importância dessa evolução para os estudos da Lingüística

Textual, a autora aborda os principais pressupostos da concepção sociocognitiva-

interacional explicitando que, nessa perspectiva (que é dialógica), os sujeitos são

concebidos como atores/construtores sociais, sendo o texto o lugar dessa interação.

Segundo a autora,

A produção de linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia), mas a sua reconstrução – e a dos próprios sujeitos – no momento da interação verbal (KOCH, 2004a, p. 33, grifo da autora).

Dentro dessa perspectiva, a investigação do processo de construção de sentidos de

um texto precisa considerar que essa construção se dá na interação texto-sujeitos,

em sua relação com o contexto sociocognitivo, uma vez que, como reforça Koch

(2003), as palavras não têm sentidos fora de seus contextos de uso. Delineando a

noção de contexto sociocognitivo, a autora explica que “[...] para que duas ou mais

pessoas possam compreender-se mutuamente, é preciso que seus contextos

cognitivos sejam, pelo menos, parcialmente semelhantes” (KOCH, 2003, p. 23).

Desse modo, o contexto engloba tanto a situação de interação imediata, como a

mediata (entorno sociopolítico-cultural) e a sociocognitiva dos interlocutores.

De acordo com Bakhtin (2003), como os diversos campos da atividade humana

estão ligados ao uso da linguagem, o caráter e as formas desse uso são tão

multiformes quanto os campos da atividade humana e, desse modo, os enunciados

estão totalmente ligados à especificidade dessa atividade por meio de três

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elementos: o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. É no campo

de utilização, de uso da língua, que os seres humanos elaboram tipos relativamente

estáveis de enunciados, denominados por Bakhtin de gêneros discursivos, que se

manifestam em forma de texto. Então, podemos concluir que é o processo de

interação pela linguagem que introduz o texto na esfera do signo:

Como signo, o texto se realiza no cruzamento de sujeitos discursivos, não porque suas palavras compõem um dicionário, mas porque mobiliza significados gerados no evento comunicativo. É no cruzamento, no enredamento de consciências que nascem as relações de sentido expressas nas enunciações, onde vamos situar o dinamismo que leva à composição de tecido-texto resultante da combinação de discursos-língua ou de gêneros discursivos (MACHADO, 2001, p. 236).

Como unidade concreta do texto, o enunciado resulta de combinações dos gêneros

discursivos em uso na língua nas diversas esferas da comunicação social e são

distinguidos por Bakhtin (2003) em gêneros primários (voltados para a atividade

humana relacionada com os discursos orais, espontâneos) e gêneros secundários

(aqueles elaborados pela comunicação cultural mais complexa). Bakhtin – assim

como Vigotski ao falar sobre as relações entre fala e escrita – não pretende firmar

posições contrastantes entre gêneros primários e secundários, mas, ao contrário,

ressaltar que “[...] a diversidade e a inter-relação entre gêneros discursivos

enriqueceu e tornou muito mais complexa a textualidade tanto a oral quanto a

escrita” (MACHADO, 2001, p. 242).

Schneuwly (2004) também discute essa questão dizendo que os gêneros primários

podem ser concebidos como o nível real com o qual a criança é confrontada nas

práticas cotidianas de linguagem. Com a complexificação dos gêneros secundários

(que não são espontâneos) decorrente das particularidades de seu funcionamento, a

sua apropriação e sua utilização requerem um outro tipo de intervenção. O autor

compara essa relação com o desenvolvimento dos conceitos cotidianos e científicos

em Vigotski, discutindo-a no contexto dos gêneros: inicia pela idéia de que os

gêneros primários nascem na troca verbal espontânea para confirmar que estão

ligados à experiência pessoal da criança quase indissociável de uma situação real.

Por outro lado, continua Schneuwly, os gêneros secundários introduzem uma ruptura

em pelo menos dois níveis:

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• não estão mais ligados de maneira imediata a uma situação de comunicação; sua forma é freqüentemente uma construção complexa de vários gêneros cotidianos que, eles próprios, estão ligados a situações; resultam de uma disposição relativamente livre de gêneros, tratados como sendo relativamente independentes do contexto imediato;

• isso significa que sua apropriação não pode se fazer diretamente, partindo de situações de comunicação; o aprendiz é confrontado com gêneros numa situação que não está organicamente ligada ao gênero, assim como o gênero, ele próprio, não está mais organicamente ligado a um contexto preciso imediato. Além disso, essa motivação não resultou direta e necessariamente da esfera de motivações já dadas do aprendiz, da esfera de suas experiências pessoais, mas de um mundo outro que tem motivações mais complexas, por construir, que não são mais necessariamente pessoais (SCHNEUWLY, 2004, p. 33).

Esse encontro entre as duas lógicas, chamadas pelo autor de conflito, contradição,

tensão, revela uma importante fonte do conhecimento que, para Vigotski (2001), é

concebida por zona de desenvolvimento proximal. Schneuwly (2004, p. 34), em

consonância com os pressupostos vigotskianos, nos aponta a seguinte reflexão: “[...]

o novo sistema não anula o precedente, nem o substitui [...] mesmo sendo

profundamente diferente, o novo sistema apóia-se completamente sobre o antigo em

sua elaboração, mas, assim fazendo, transforma-o profundamente”.

Podemos compreender, então, que os gêneros primários são os instrumentos de

criação dos secundários, sendo fundamental pensarmos nessa passagem, pois a

aparição dos gêneros secundários para a criança não pode ser vista como o ponto

de chegada, mas sim o ponto de partida de um longo processo de constituição da

linguagem. Nesse sentido, que implicações decorrem desses pressupostos para o

trabalho com textos na sala de aula? Como a concepção de linguagem aqui

delineada possibilita pensar a criança como sujeito histórico, político e social?

Segundo Dolz e Schneuwly (2004), a escola, em sua missão de ensinar a ler,

escrever e a falar, trabalha, impreterivelmente, com os gêneros, pois toda forma de

comunicação, inclusive a centrada na aprendizagem, se cristaliza em formas de

linguagem específicas. Para os autores, na situação escolar, reside uma particularidade

que pode ser assim compreendida: “[...] há um desdobramento que se opera em que o

gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas é, ao mesmo tempo,

objeto de ensino-aprendizagem” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 76, grifo dos autores).

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Esse desdobramento coloca o aluno num espaço do “como se”, onde a prática de

linguagem é instaurada com fins de aprendizagem.

São distinguidas, pelos autores, três maneiras de abordar o ensino do texto na

escola: as que tomam o gênero como modelos socialmente valorizados, logo, têm

por objetivo o domínio de sua forma lingüística pura; as que vêem a escola como

autêntico lugar de comunicação e as próprias situações escolares são configuradas

como ocasiões de recepção e de produção de textos; as que negam a escola como

lugar de comunicação ao proporem um funcionamento para os gêneros como os das

práticas de linguagem, forçando uma continuidade entre o que é externo e interno à

escola. Os autores criticam essas propostas assumindo que toda introdução de um

gênero na escola é o resultado de uma decisão didática que visa a objetivos

precisos de aprendizagem, tais como: o domínio do gênero para melhor conhecê-lo,

apreciá-lo, compreendê-lo e produzi-lo dentro e fora da escola e o reconhecimento

da transformação do gênero (passando a gênero para aprender ainda que

permaneça gênero para comunicar) em decorrência da escola, lugar social diferente

daquele que está em sua origem. É preciso, então, assumir que “[...] o gênero

trabalhado na escola é sempre uma variação do gênero de referência, construída

numa dinâmica de ensino-aprendizagem, para funcionar numa instituição cujo

objetivo primeiro é precisamente este” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 81).

Voltando o seu olhar para o trabalho discursivo dos sujeitos, Geraldi (2003) também

discute a inserção do texto nas práticas escolares, apresentando contribuições

fundamentais para o presente estudo. Tomando o trabalho de produção de textos

como unidade de ensino-aprendizagem da língua, o autor expõe as motivações para

a escolha de tal centro:

Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino-aprendizagem da língua. E isto não apenas por inspiração ideológica de devolução do direito da palavra às classes desprivilegiadas, para delas ouvirmos a história, contida e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos escolares. Sobretudo, porque é no texto que a língua – objeto de estudo – se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de se reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões (GERALDI, 2003, p. 135).

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Segundo o autor, essa configuração não pressupõe um sujeito cujo trabalho com o

texto seria meramente reprodutor nem que, para se constituir como tal, o sujeito

deva criar o novo; mas, um sujeito que, ao articular sua individualidade com a

formação discursiva da qual faz parte, mesmo não tendo consciência dela,

compromete-se com sua palavra, expõe suas idéias, suas experiências, sua forma

de pensar o mundo. Nessa perspectiva, o texto é o lugar onde a língua se realiza,

onde a língua se revela e pode ser compreendida. Para o autor, “[...] um texto é o

produto de uma atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém” (GERALDI,

2003, p. 98, grifos do autor). Encadeando características que permitem delimitar um

conceito de texto, ele chega à seguinte definição:

[...] um texto é uma seqüência verbal escrita coerente formando um todo acabado, definitivo e publicado: onde publicado não quer dizer ‘lançado por uma editora’, mas simplesmente dado a público, isto é, cumprindo sua finalidade de ser lido, o que demanda o outro; a destinação de um texto é sua leitura pelo outro, imaginário ou real; [...] um autor isolado, para quem o outro inexista, não produz textos (GERALDI, 2003, p. 100, grifos do autor).

Assim, reforça Geraldi (2003, p. 102, grifo do autor):

O outro é a medida: é para o outro que se produz o texto. E o outro não se inscreve no texto apenas no seu processo de produção de sentidos na leitura. O outro insere-se já na produção, como condição necessária para que o texto exista. É porque se sabe do outro que um texto acabado não é fechado em si mesmo. Seu sentido, por maior precisão que lhe queira dar seu autor, e ele o sabe, é já na produção um sentido construído a dois.

Isso exige do autor o fornecimento de pistas para que a produção de sentido se

aproxime de suas intenções. Portanto, como uma atividade complexa, a

compreensão de um texto não é apenas o reconhecimento de um único sentido,

pois, como se constitui na relação, seus elementos sozinhos não produzem sentidos.

Além disso, há de se considerar que as estratégias de produção e compreensão de

textos estão relacionadas com as instâncias de uso da linguagem que estão ligadas

a comunidades lingüísticas que não são homogêneas.

A inserção do texto na escola, como objeto de ensino, pressupõe, portanto, que o

professor se reconheça como um interlocutor, um mediador entre o objeto de estudo

e o aluno. É na tensão, no confronto de pontos de vistas, que a sala de aula se torna

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um lugar de produção de sentidos: “Os percalços da interlocução, os acontecimentos

interativos, passam a comandar a reflexão que fazem, aqui e agora, na sala de aula,

os sujeitos que estudam e aprendem juntos” (GERALDI, 2003, p. 112). A

compreensão, nesse sentido, é uma forma de diálogo, na qual se suscitam as

variáveis sociais, culturais e lingüísticas que dão sentido ao texto.

Desse modo, Geraldi (2003) explica que, para o trabalho de produção de texto na

escola (e não para a escola), é preciso considerar que os sujeitos-aprendizes da

língua tenham o que dizer, tenham também uma razão para dizer o que têm a dizer,

saibam para quem dizer e se constituam como sujeitos desse dizer, imprimindo suas

marcas e escolhendo as estratégias do dizer. Essas condições para o trabalho com

textos na escola, propostas por Geraldi, nos remetem às discussões de Smolka

(2003) que, ao considerar a alfabetização como um processo discursivo, no qual a

escrita pode ser experienciada em suas várias possibilidades, rompe com o

esquema linear e estrito da comunicação pedagógica (quem – ensina – o quê – para

quem), propondo uma representação das relações de ensino baseada em

proposições que, aproximadas às propostas por Geraldi, podem ser assim

reconfiguradas: o quê (se tem a dizer), por quê (dizer o que se tem a dizer), para

quem (dizer o que se tem a dizer), como (realizar o que se tem a dizer).

Nesse sentido, a constituição de sentidos no processo de produção de textos (neste

estudo focalizado no trabalho de escritura realizado pela criança), implica, como

oportunamente nos confirma Geraldi, assumir a relação interlocutiva como princípio

básico, como espaço de produção e de constituição de sujeitos. Contudo,

Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo e com este olhar pensar o processo educacional exige instaurá-lo sobre a singularidade dos sujeitos em contínua constituição e sobre a precariedade da própria temporalidade, que o específico do momento implica (GERALDI, 2003, p. 5-6).

E isso significa admitir que a língua não está pronta, portanto, pode ser re(construída)

na atividade de linguagem, que os sujeitos se constituem nas relações com os outros

por meio de um trabalho que é social e histórico e as relações não ocorrem fora de um

contexto mais amplo: só se tornam possíveis como acontecimentos singulares no

interior e nos limites de uma determinada formação social.

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Assim, podemos finalizar essas reflexões tomando emprestadas algumas palavras

de Geraldi (2003) para reconstituir um diálogo que, seguramente, nos impulsiona a

partir, nunca esperando só chegar, mas, sobretudo, vivenciar a passagem: o produto

do trabalho de produção oferece à criança e ao professor, interlocutores que se

realizam a cada leitura num processo dialógico cuja trama é tecida por mãos

carregadas de fios (de estratégias de dizer), a constituição dos sentidos que se

concretiza no movimento de esforço do autor e de atitude responsiva do leitor.

O desafio que se coloca, portanto, é de propor, com base no posicionamento teórico

aqui discutido, uma metodologia que possibilite compreender esse movimento

dialógico, descrevendo-o e buscando as suas possíveis relações num processo de

integração do singular com o social, do texto com o seu contexto, focalizando o

particular como instância de uma totalidade que é histórica, social e cultural.

4.3 SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA

Tendo em vista o interesse em investigar os eventos mediados pela linguagem

escrita no contexto da educação infantil, adotamos, como proposta metodológica, a

pesquisa qualitativa na modalidade estudo de caso do tipo etnográfico.

Considerando as orientações da Psicologia Histórico-Cultural postulada por Vigotski

(1999, 2001) e seus colaboradores, partimos da premissa de que as funções

mentais superiores são constituídas nas relações sociais, num processo de

mediação com e pela linguagem, compreendendo, dessa forma, que a produção de

conhecimento é um processo social compartilhado, uma relação entre os sujeitos.

De acordo com Freitas (2002), esse tipo de abordagem metodológica apresenta um

enfoque sócio-histórico, uma vez que concebe a aprendizagem como um processo

gerador do desenvolvimento e possibilita maior aproximação com a realidade

pesquisada, por meio de um exercício investigativo que trata o fenômeno social de

forma concreta. Nesse modo de fazer ciência, a concretude do fenômeno é

conservada por meio da arte da descrição e da explicação, numa perspectiva que

apreende o singular como instância de uma totalidade que é social, histórica e cultural.

Esses princípios nos remetem a considerar que, conforme afirma Freitas (2002, p. 28),

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“[...] trabalhar com a pesquisa qualitativa numa abordagem sócio-histórica consiste,

pois, numa preocupação de compreender os eventos investigados, descrevendo-os

e procurando as suas possíveis relações, integrando o individual com o social”.

Nesse sentido, tomando por base a abordagem materialista e dialética, na qual a

experiência humana não é apenas o produto da evolução biológica, mas, também,

do desenvolvimento histórico e cultural, buscamos compreender o fenômeno

estudado – a constituição de sentidos no trabalho de escritura – nas mediações que

se instauraram em uma classe de educação infantil. Para isso, empreendemos

esforços no sentido de olhar a realidade considerando a sua complexidade, ou seja,

as situações em seu acontecer, em seu processo de transformação e em suas

relações com o contexto social mais amplo.

Essa concepção dialética, histórica e social da produção do conhecimento também

foi abordada por Bakhtin (1999, 2003) em sua discussão acerca da crise filosófica no

campo da linguagem. Ao criticar as posições predominantes nas orientações

lingüísticas de seu tempo, o autor defendeu uma abordagem dialógica na qual a

língua é estudada em sua natureza viva, num processo que articula o contexto e o

meio social organizado. Nessa perspectiva, as ciências humanas, ao contrário das

naturais, centram o foco de atenção nas especificidades humanas, concebendo-as

em seu processo de contínua expressão, criação e recriação. Essa idéia pode ser

mais bem compreendida nos apontamentos de Bakhtin (2003) sobre o problema do

texto na Lingüística, na Filologia e em outras ciências humanas. Nesses

apontamentos, Bakhtin ressalta que o texto é o ponto de partida, a realidade

imediata e única das ciências humanas, uma vez que

[...] o objeto real é o homem social (inserido na sociedade), que fala e exprime a si mesmo por outros meios. Pode-se encontrar para ele e para a sua vida [...] algum enfoque além daquele que passa pelos textos signos criados ou a serem criados por ele? Pode-se observá-lo e estudá-lo como fenômeno da natureza, como coisa? (BAKHTIN, 2003, p. 319).

Para o autor, a atividade humana, como um texto em potencial, só pode ser

compreendida no interior das relações dialógicas de seu tempo, por meio de uma

orientação que focaliza as significações. É na busca dessas significações que a

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investigação se torna diálogo, pois, “[...] quando estudamos o homem, procuramos e

encontramos signos em toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu

significado” (BAKHTIN, 2003, p. 319).

Assim, reconhecendo a importância desses pressupostos para a compreensão dos

processos mediados pela linguagem escrita no contexto da educação infantil,

recorreremos aos sentidos materializados nos textos produto dessa atividade,

buscando olhar a realidade por meio de um desenho metodológico que leva em

conta a relação sujeito-objeto, mas que prioriza as relações comunicativas entre

sujeitos, portanto as relações dialógicas. Nesse contexto epistemológico, estudos

sobre a abordagem qualitativa de pesquisa em educação, como os realizados por

Bogdan e Biklen (1994), Kramer (2002), Sarmento (2003) e André (2004), nos

ajudaram a definir o percurso investigativo apontando contribuições que subsidiaram

nossa inserção no ambiente da instituição educativa infantil, em busca da dialogia

que permeou as práticas de produção de textos na sala de aula pesquisada.

Segundo Bogdan e Biklen (1994) e André (2004), a abordagem qualitativa de

pesquisa teve suas origens no final do século XIX, com os estudos realizados no

campo das ciências sociais que tomaram por base uma concepção idealista-

subjetivista na produção do conhecimento. Contrapondo-se aos princípios da

concepção positivista, a corrente idealista-subjetivista defendida nos estudos dos

fenômenos humanos e sociais, nesse final de século, valorizava a interpretação da

realidade pelo indivíduo, a indução e a atitude indagativa do pesquisador. Devido à

forte tendência em estudos experimentais advindos do campo da Psicologia, o

interesse pela abordagem qualitativa de pesquisa no campo educacional só começou

a ser observado na década de 1960, com manifestações mais intensas a partir dos

anos de 1970 e 1980. Atualmente, essas manifestações podem ser observadas em

várias modalidades de pesquisa que focalizam a abordagem qualitativa, dentre elas, a

pesquisa de cunho etnográfico, o estudo de caso, a pesquisa participante e a

pesquisa-ação.

Partindo de fundamentos teóricos vinculados à perspectiva fenomenológica com

incursões nas idéias do interacionismo-simbólico, da etnometodologia e da

etnografia, a abordagem qualitativa de pesquisa se assenta em um conjunto de

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proposições que aponta cinco características fundamentais: a fonte de dados é o

ambiente natural e o investigador é instrumento principal; a descrição densa

acompanhada de fotos, transcrições de entrevistas, notas de campo, documentos,

etc. é um procedimento fundamental para captar toda a riqueza dos dados; o

interesse é pelo processo e não apenas pelos resultados; as abstrações são

elaboradas de forma indutiva; os significados, as interpretações, as diferentes visões

da realidade constituem aspectos vitais para apreender o fenômeno em toda a sua

dimensão (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

Voltando também o olhar para os pressupostos teóricos da pesquisa qualitativa,

Sarmento (2003) apresenta as concepções paradigmáticas predominantes nas ciências

sociais e organizacionais. De acordo com o autor, uma investigação científica sempre

se realiza em um contexto paradigmático, no interior de um diálogo convergente ou

divergente com a produção do respectivo campo, por meio de escolhas teóricas que

anunciam questões orientadoras, propõem hipóteses e apontam caminhos para a

investigação. Nesse sentido, conforme explica o autor, os paradigmas predominantes

nas ciências sociais e organizacionais podem ser configurados em três dimensões:

positivista, interpretativa e crítica. Essas dimensões apresentam fundamentos

epistemológicos que situam concepções de sujeito, de objeto e das relações entre eles.

No paradigma positivista, preconiza-se uma distinção radical entre sujeito e objeto

de conhecimento e a investigação ocorre predominantemente por meio de

procedimentos quantitativos e experimentais que conduzem a uma orientação

hipotético-dedutiva e ao estabelecimento de regularidades ou leis de caráter

universal. O paradigma interpretativo, defendido pelas correntes sociológicas,

particularmente a do interacionismo simbólico, a fenomenologia e a

etnometodologia, postula que há uma interdependência entre o sujeito e o objeto de

conhecimento. Nesse sentido, a realidade social só pode ser construída por meio

das interpretações dos diferentes atores sociais, da relação intersubjetiva e a partir

de estratégias qualitativas e participantes que recusam a universalidade da lei

científica e propõem uma ciência não normativa. Procurando avançar em alguns

aspectos, os estudos fundamentados no paradigma crítico se apóiam na articulação

entre os dados sociais e seus aspectos políticos, culturais e ideológicos a fim de

evitar que os resultados sejam gerados num vazio social.

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Defendendo uma “[...] ligação entre a interpretação das formas de vida e a

desocultação das estruturas de poder” (SARMENTO, 2003, p. 145), o autor propõe

uma perspectiva cruzada, teórica e metodologicamente, desenhando os

pressupostos orientadores de um paradigma pautado no interpretativismo crítico.

Esses pressupostos epistemológicos possibilitam o reconhecimento da ação

educativa como um campo de possibilidades, uma vez que consideram:

a) a singularidade dos processos vividos na dinâmica escolar, acolhendo o

inesperado, o idiossincrático, as manifestações plurais, sem excluí-las de seu

contexto histórico, político e social;

b) a intersubjetividade, que ressalta os sistemas de interpretação gerados na

ação dos atores sociais e na escuta de suas vozes;

c) as interações comunicativas verbais e não-verbais como componente

indissociável do diálogo interpretativo;

d) a reflexividade metodológica que convida ao exercício da auto-observação,

interrogando interpretações e sentidos constituídos com e no processo de

observação.

Assim, em consonância com a perspectiva teórica, esses pressupostos

epistemológicos influenciaram-nos na escolha do estudo de caso do tipo etnográfico,

uma abordagem metodológica qualitativa que, vinculada aos princípios da etnografia

no campo educacional nos permitiu maior aproximação com a dinâmica escolar e

seu contexto social. De acordo com Sarmento (2003), além da descrição e da

análise intensiva, essa abordagem se caracteriza pela dimensão que envolve a

natureza sociocultural do fenômeno.

Uma investigação que assume o formato do estudo de caso, no quadro de uma perspectiva interpretativa e crítica e que se centra nos fenômenos simbólicos e culturais das dinâmicas de acção no contexto organizacional da escola é um estudo de caso etnográfico (SARMENTO, 2003, p. 152, grifo do autor).

A abordagem do estudo de caso vem sendo usada há bastante tempo em diferentes

campos do conhecimento, como a Psicologia, Medicina, Serviço Social,

Administração, Direito, entre outras, inclusive no campo educacional, com

perspectivas metodológicas bem distintas. No campo educacional, a marca de sua

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origem revela-se constantemente influenciada por pressupostos da etnografia17 – um

esquema de pesquisa desenvolvido pelos antropólogos para estudar a cultura e a

sociedade por meio de um conjunto de técnicas de coleta de dados, valores, hábitos,

crenças, práticas e comportamentos de um determinado grupo social, resultando

num relato escrito (ANDRÉ, 2004).

Com o foco de atenção nos processos educativos institucionalizados, a perspectiva

etnográfica é marcada por procedimentos de coleta de dados bem distintos que se

caracterizam pelo uso de técnicas, como a observação participante, a entrevista

intensiva e a análise de documentos. Contudo, André (2004) salienta que é

necessária uma articulação coerente entre objetivos e tempo, pois a adequação da

etnografia no campo educacional gerou, principalmente nas décadas de 1980/90,

quando a pesquisa do tipo etnográfico ganhou popularidade no meio acadêmico,

muitos equívocos. Segundo a autora, os principais problemas foram decorrentes de

três grandes eixos: o desconhecimento dos princípios básicos da etnografia –

especialmente da relativização, da falta de clareza sobre o papel da teoria na

pesquisa e a dificuldade em lidar teórica e metodologicamente com a complexa

questão objetividade/participação.

Quanto ao primeiro aspecto, a autora explica que o desconhecimento do princípio da

relativização18 pode implicar o enquadramento dos dados numa teoria

predeterminada, com supervalorização dos dados empíricos. O desconhecimento do

papel da teoria pode provocar um divórcio entre o referencial teórico enunciado e o

processo de coleta de dados, uma ausência de diálogo entre o conhecimento produzido

e os aspectos revelados na observação da prática. A outra dificuldade explicitada pela

autora – a de lidar teórica e metodologicamente com a complexa questão

objetividade x participação – pode trazer confusões entre sujeito e objeto de estudo,

entre opiniões preexistentes e revelações evidenciadas na pesquisa. O desafio

consiste em saber trabalhar o envolvimento e a subjetividade, mantendo o necessário

distanciamento. André (2004) aponta alguns cuidados metodológicos para escapar

17 A introdução da etnografia em educação teve sua emergência na década de 1970. Os precursores desse movimento foram Stubbs, Delamont, Hamilton, Parlett, King, Jenkins, MacDonald, entre outros. No Brasil, as pesquisas realizadas pela Fundação Carlos Chagas, pelo Departamento de Educação da PUC-RJ e seminários da Região Sudeste foram destaques desse movimento. 18 O princípio da relativização foi apresentado por Dauster (1989) como o descentramento da sociedade do observador, colocando o eixo de referência no universo investigado.

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dessa confusão: o estranhamento e a triangulação de dados decorrentes de uma

diversidade de fontes de informação, de sujeitos e de diferentes perspectivas de

interpretação dos dados.

Embora implicada por esses desafios, concordamos com André, quando afirma que

as razões para o uso da pesquisa de tipo etnográfico em educação são reveladoras

de uma proposta de investigação que possibilita:

[...] documentar o não documentado, isto é, desvelar os encontros e desencontros que permeiam o dia-a-dia da prática escolar, descrever as ações e representações dos seus atores sociais, reconstruir sua linguagem, suas formas de comunicação e os significados que são criados e recriados no cotidiano do seu fazer pedagógico (ANDRÉ, 2004, p. 41).

Assim, por meio desse enfoque investigativo, procuramos observar as interações

que ocorreram no processo ensino aprendizagem da linguagem escrita na sala de

aula, focalizando a constituição de sentidos no trabalho de escritura em situações

concretas de produção. Para isso, adotamos, durante as observações, uma postura

aberta e flexível, a fim de estabelecer novas relações a partir das interações

dialógicas experimentadas pelos sujeitos em torno da linguagem escrita, foco central

desta pesquisa. Considerando essa perspectiva metodológica, passaremos a

descrever o processo de inserção e permanência em campo, bem como as técnicas

utilizadas para a coleta dos dados.

4.3.1 O processo de inserção em campo e de coleta de dados

Conforme levantamento apresentado no APÊNDICE N, o estudo foi realizado

durante o ano letivo de 2005, tendo início no dia 30 de março e sua finalização no

dia 20 de dezembro. Foram 75 dias em campo. Desses, 15 dias foram destinados a

diversas atividades na escola, incluindo os primeiros contatos, a participação em

reuniões de estudo, as entrevistas e as análises de documentos. Durante 60 dias,

estivemos presente em sala de aula, observando e participando do processo ensino

aprendizagem. As observações eram feitas duas a três vezes por semana, de

acordo com a organização das atividades letivas em sala de aula, resultando um

total médio de 200 horas de observação participante.

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Nossos movimentos iniciais em direção à seleção da escola-campo, com visitas a

algumas unidades indicadas por profissionais que atuavam no Sistema Municipal de

Ensino, partiram de critérios que tiveram como pressuposto fundamental o

atendimento, de maneira geral, a uma população de baixa renda, condição esta em

que se encontra grande parte das crianças que freqüentam a escola pública. Além

disso, buscamos uma instituição que apresentasse, em seu projeto político

pedagógico, ações voltadas para o trabalho com a linguagem escrita no contexto

das práticas sociais. Esses critérios estão relacionados com o fato de considerarmos

que, mesmo vivendo numa sociedade urbanizada, na qual a linguagem escrita se

faz presente em diversas situações de comunicação, o tipo de mediação que ocorre,

durante as experiências com a linguagem escrita, se constitui em indicador

fundamental para o processo ensino aprendizagem.

Ao todo, foram contactadas quatro escolas da Educação Infantil da Rede Municipal

de Ensino de Vitória, que, de certa forma, atendiam aos critérios estabelecidos para

a escolha da instituição. A opção pela Escola 4, conforme explicitado em diário de

campo (p. 11), justifica-se não só pelo preenchimento dos critérios delineados, mas,

sobretudo, pela receptividade demonstrada pelos profissionais da instituição e

devido ao fato de a turma indicada apresentar sujeitos com características

socioculturais bastante heterogêneas. Escolhemos uma turma de crianças de seis

anos de idade, em fase de transição para o ensino fundamental, buscando maior

aproximação com os conflitos que, institucionalmente e socialmente, se fazem

presentes nessa etapa da escolarização. Além disso, pudemos observar situações

em que a experiência escolar dos sujeitos se constituiu em fator relevante para a

problemática em foco.

A aproximação com o cotidiano escolar ocorreu por meio de conversas informais,

durante os primeiros contatos com os profissionais da escola. Nesses contatos,

oficializamos a nossa inserção em campo e o processo de coleta de dados por meio

do protocolo de pesquisa que incluiu os documentos dos APÊNDICES A e B. Desse

modo, tivemos a autorização da escola e da professora envolvida no estudo para

conduzirmos a pesquisa na escola e na sala de aula. Em seguida, participamos de

uma reunião de pais, na qual nos foi permitido expor o interesse pela realização da

pesquisa, os objetivos e as técnicas que seriam utilizadas na observação

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participante em sala de aula. Tivemos o consentimento de todos os pais das

crianças para que pudessem participar da pesquisa. Essa autorização foi firmada por

meio do protocolo de pesquisa apresentado nos APÊNDICES C e D.

Desse modo, inserimo-nos em campo, aceitando o desafio de fazer parte do

cotidiano escolar, participando das relações sociais que permeavam as práticas

educativas. Desafio que se manifestou, sobretudo, nas limitações decorrentes do

tempo para a realização do estudo e na necessidade de contato mais prolongado

com os sujeitos e seus sistemas de significações culturais. Manifestou-se, também,

no reconhecimento das múltiplas dimensões que envolvem o cotidiano escolar que,

de acordo com André (2004), podem ser configuradas em: institucional ou

organizacional, instrucional ou pedagógica e sociopolítica/cultural.

Considerando, portanto, que o contato direto do pesquisador com a situação

pesquisada é uma característica fundamental da abordagem metodológica adotada,

pois “[...] permite reconstruir os processos e as relações que configuram a

experiência escolar diária” (ANDRÉ, 2004, p. 41), tentamos permanecer o maior

tempo possível em campo. Além disso, procuramos demonstrar interesse pelos

traços e pormenores do cotidiano, pelos acontecimentos importantes, pelos

comportamentos, atitudes e interpretações dos sujeitos. Para lidar

metodologicamente com a complexa relação objetividade/participação, considerando

nosso envolvimento com o estudo e com as pessoas que dele fizeram parte,

recolhemos informações de diferentes fontes: sala de aula, entrevistas com os

profissionais da instituição educativa, com as crianças e com os familiares,

documentos, materiais pedagógicos e produções textuais das crianças e professoras.

Na sala de aula, utilizamos, como procedimento metodológico fundamental, a

observação participante. Para André (2004, p. 28), “[...] a observação é chamada de

participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de

interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado”. Por meio

dessa técnica, foi possível captar a dinamicidade das relações verbais e não-verbais que

ocorreram em sala de aula, os movimentos dos sujeitos e suas vozes no contexto de

produção do conhecimento sobre a linguagem escrita. Consciente da necessidade

de aferir nosso grau de envolvimento em campo que, ao mesmo tempo em que nos

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colocava dentro da situação, exigia certo estranhamento, assumimos uma postura

de observadora participante, reconhecendo que nossa entrada na sala de aula

introduziu novas relações sociais.

Desse modo, tomamos alguns cuidados no sentido de evitar que a nossa

observação fosse compreendida como uma espécie de avaliação das práticas,

tentando atuar de forma colaborativa, reconhecendo nossa condição de aprendente

e interagindo com as crianças e com a professora no desenrolar das atividades

diárias. Os primeiros dias em sala de aula causaram, de certo modo, impactos que

influenciaram as situações de ensino aprendizagem. A familiarização com os sujeitos

e com o espaço escolar ocorreu com o tempo, com o envolvimento em tarefas

práticas do cotidiano e nas constantes interlocuções com os sujeitos.

No processo de observação participante em sala de aula, introduzimos,

paulatinamente, diferentes formas de registro. Iniciamos com as anotações em diário

de campo. Nos primeiros dias, tivemos o cuidado de realizar essas anotações fora

do ambiente de pesquisa. Aos poucos, passamos a efetuar os registros na presença

dos sujeitos, tentando, desse modo, captar detalhadamente as situações

observadas em aula. Esse procedimento provocou, logo de início, o interesse das

crianças que, curiosamente, buscavam explicações para as constantes anotações

que realizávamos em sala de aula. Dizíamos para elas que as anotações eram

importantes, pois nos ajudavam a lembrar o que estava acontecendo na sala de

aula, os trabalhos realizados, as conversas na roda. Em alguns momentos, quando a

criança solicitava, também líamos as anotações dialogando sobre o conteúdo do

texto. Todos os apontamentos pessoais foram organizados cotidianamente em

arquivo do Microsoft Word, configurando-se em um diário de campo com 362

páginas, nas quais foram registradas todas as situações observadas em campo.

Foram descritos 60 eventos ao todo, destacando as interlocuções entre os sujeitos,

suas produções textuais, nossas interpretações, impressões, dúvidas e opiniões.

Outros recursos que utilizamos, ao longo das observações, foram os audiovisuais. O

uso de fotos e de filmagens em nosso estudo também foi acordado com os sujeitos

da pesquisa (com autorização dos familiares) e introduzido de forma planejada.

Primeiramente, trabalhamos com a câmera fotográfica digital, que nos possibilitou

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registrar os momentos em que as crianças produziam textos. Conforme os

APÊNDICES O e P, dos 60 eventos observados em sala de aula, 50 possuem

registros desse tipo. Nosso corpus de pesquisa contempla cerca de 630 produções

fotográficas, sendo 476 correspondentes aos textos produzidos pelas crianças em

sala de aula, 57 a textos utilizados pelas professoras como recurso didático nas

condições iniciais de produção dos textos e 97 correspondem às situações de

produção e interlocução entre os sujeitos. Além disso, também dispomos de fotos do

espaço escolar e da sala de aula focalizando os diferentes materiais escritos que

circularam pela escola no decorrer do estudo.

As gravações em audiovisual ocorreram inicialmente com uso de uma câmara

fotográfica digital, instrumento a que as crianças já estavam acostumadas, devido ao

fato de termos introduzido esse equipamento, na função fotográfica, em outros

momentos da observação participante em sala de aula. Além disso, as professoras

também tinham o hábito de fotografar e filmar as atividades culturais e festivas

programadas pela escola. As crianças brincavam com a câmara fotográfica posando

para fotos, oferecendo seus textos para serem fotografados, observando as imagens

digitalizadas e comentando os resultados. Desse modo, as microfilmagens também

foram bem recebidas pelas crianças. Embora, em determinados momentos, elas se

sentissem inibidas diante do equipamento, aos poucos foram aprendendo a se

reconhecer no vídeo e a compreender, mediante nossas conversas, a importância

do recurso para o estudo, pois tivemos o cuidado de tecer explicações acerca de seu

uso no contexto da pesquisa. Como o tempo de gravação em uma câmara

fotográfica digital é curto, foram filmados apenas sete eventos com esse

equipamento, captando interações mais curtas entre os sujeitos.

A entrada da filmadora em VHS ocorreu a partir do segundo semestre letivo. Um

entrave para o uso desse recurso foi a troca de professora nesse período,

provocando uma mudança de planos para a introdução do equipamento em campo,

pois passamos por um processo de aproximação com a professora que estava

assumindo os trabalhos em sala de aula. Contudo, a familiarização com as crianças

e com os processos vividos nesse espaço educativo contribuiu para minimizar a

artificialidade nas interações. Além disso, o envolvimento das crianças e da

professora nas discussões geralmente era muito intenso, reduzindo a inibição em

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frente à câmera. Assim, a partir do dia 17 de agosto, conseguimos introduzir as

filmagens em VHS, captando um total de 22 eventos, com filmagens mais longas e,

portanto, mais consistentes. Desse modo, conforme o APÊNDICE O, também

compõem o corpus da pesquisa 29 eventos gravados em audiovisual, totalizando 20

horas e 12 minutos de filmagem. Para as transcrições desses eventos, tomamos por

base as normas apresentadas por Fávero, Andrade e Aquino (2003).

Nesse sentido, as técnicas utilizadas na observação participante em sala de aula

permitiram o armazenamento de informações que envolveram a dimensão

instrucional ou pedagógica, ou seja, as situações de ensino com seus elementos

constitutivos (objetivos, conteúdos, atividades, avaliação, materiais utilizados...).

Possibilitaram, também, observar e registrar as situações experimentadas pelos

sujeitos na inter-relação com o ambiente escolar e, particularmente, com a

linguagem escrita em seu contexto imediato de produção.

As entrevistas foram utilizadas com o objetivo de elaborar a caracterização da escola

e dos sujeitos envolvidos, levantando dados sobre os usos da linguagem escrita no

contexto escolar e familiar. Realizamos entrevistas com a diretora, com a pedagoga,

com as professoras, com os familiares e com as crianças envolvidas no estudo, por

meio de roteiros semi-estruturados, conforme APÊNDICES E, H, I, J e L. As formas

de registro se diferenciaram de acordo com as circunstâncias. As respostas foram

registradas, em alguns casos, pelos próprios entrevistados, como os familiares e a

pedagoga, e, em outros, como nas entrevistas com as professoras, os registros

foram feitos em formulário e em gravações em áudio com transcrições.

Além disso, as entrevistas semi-estruturadas também foram utilizadas como um

componente integrante da observação participante para coleta de informações

demandadas pela pesquisa e nas “conversações” 19 cotidianas, a fim de oferecer aos

sujeitos oportunidades para expressarem seus pontos de vista, suas explicações,

suas interpretações. Nesses momentos de conversa com os sujeitos envolvidos no

estudo, tomamos o cuidado de amenizar os efeitos de uma indagação avaliativa,

19 Termo utilizado por Peter Woods (1987) para sugerir uma expressão mais adequada à natureza aberta, democrática e informal da relação etnográfica. Segundo o autor, nesse processo livre, os sujeitos podem se manifestar mais naturalmente, sem aprisionarem-se a papéis determinados (SARMENTO, 2003).

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introduzindo as entrevistas depois do convívio mais prolongado em campo, quando os

sujeitos já se sentiam mais seguros em relação à nossa postura investigativa.

Nessa modalidade semi-estruturada de entrevista, tivemos oportunidade, ainda, de

formular outras questões a partir das respostas dos sujeitos, recolhendo informações

relevantes para o estudo. Desse modo, pudemos dialogar com os educadores

envolvidos no processo, discutindo as situações que foram observadas em sala de

aula, esclarecendo nosso posicionamento teórico, nossas intenções. Com essa

postura dialógica, aproximamo-nos mais dos sujeitos, planejando outros momentos

para discutirmos os resultados do estudo e outras questões que envolveram as

práticas com a linguagem escrita na instituição.

Uma questão importante e que demandou cuidados especiais foi a entrevista com as

crianças. Além dos aspectos acima citados, tivemos o cuidado de considerar os

interesses e a linguagem da criança evitando que esses momentos se

configurassem em uma tarefa escolar. Considerando as discussões de Sarmento

(2003), buscamos essa interação no contato direto e cotidiano com as crianças, nas

conversas decorrentes de situações vividas em sala de aula e nos próprios textos

por elas produzidos. Kramer (2002), também voltando o olhar para as crianças,

alertou-nos sobre a necessidade de garantir a autorização dos responsáveis e de

considerar sua condição de sujeito, legitimando suas vozes, mesmo quando

protegemos sua identidade. Em nosso estudo, conforme situamos no momento da

inserção em campo, solicitamos autorização da família, por meio de protocolo, para

utilizar as letras iniciais dos nomes das crianças, esclarecendo que o nome da

escola bem como o dos profissionais que nela atuam seriam protegidos.

Ainda, com a intenção de contextualizar o fenômeno estudado e explicitar suas

vinculações com a dimensão institucional, sociopolítica e cultural, realizamos a

coleta de informações por meio da seleção de documentos e materiais pedagógicos.

Considerando nosso foco de interesse na linguagem escrita, privilegiamos a análise

de documentos que se constituíram em importantes evidências para a

contextualização e caracterização da instituição e dos sujeitos da pesquisa, como:

as fichas de matrícula, o projeto político-pedagógico e o plano de ação da escola, as

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diretrizes curriculares municipais, os materiais e textos produzidos pelas crianças e

pelas professoras.

A aproximação com o contexto geral da escola, em seus aspectos administrativo e

pedagógico, foi favorecida ainda pela participação em diversas reuniões de pais, em

encontros de estudo e de planejamento das atividades escolares. Nesses

momentos, procuramos estabelecer contato com o conjunto de protagonistas que

fizeram parte do cotidiano escolar e observar as professoras envolvidas no estudo

em outras situações dialógicas, a fim de identificar aspectos subjacentes ao trabalho

com a linguagem escrita, realizado em sala de aula.

Acreditamos que o uso dessas diferentes técnicas de observação e de coleta de

dados possibilitou a reconstrução das práticas com a linguagem escrita no contexto

pesquisado, desvelando as múltiplas vozes que se presentificaram nos textos

produtos dessas ações, objeto central de nossas análises. Nesse sentido, partindo da

“[...] idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para construir uma pista que

nos permite estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de

estudo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49), discorreremos acerca do contexto da

pesquisa, caracterizando a instituição escolar, a sala de aula e os sujeitos envolvidos.

4.3.2 A instituição escolar

Para caracterizar a escola, tomamos como referência as anotações feitas nos

formulários utilizados nas entrevistas com a diretora e com a pedagoga

(APÊNDICES E e L), os documentos recolhidos na escola, como a última versão do

Projeto Político-Pedagógico (1997), o Plano de Trabalho Anual (2005) e as Normas

Gerais de Funcionamento (2004). Além disso, nossas observações em campo

também contribuíram para delinear o perfil da escola pesquisada, o qual passaremos

a descrever, considerando os seguintes aspectos: localização, histórico, espaço

físico, rotina escolar, organização administrativa e pedagógica e o trabalho com a

linguagem escrita no contexto escolar.

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A escola onde a pesquisa foi realizada faz parte do Sistema Municipal de Ensino de

Vitória, capital do Estado do Espírito Santo. Está situada numa região central e

urbanizada do município, com intensas atividades comerciais, rodoviárias e de fácil

acesso a outras regiões. A comunidade onde a escola está inserida é assistida, na

área da educação, com outras escolas públicas e particulares; na área da saúde,

com hospitais e postos de atendimento. Conta também com vários estabelecimentos

comerciais e de serviços em geral. Como opções de lazer, a comunidade tem

parques municipais, bares, feira de artesanato e manifestações culturais, como a

congada,20 blocos de carnaval, quadrilha e capoeira, entre outras.

Foi fundada pelo Sistema Municipal, em 1981, para atender aos filhos de militares.

Em 1986, teve seu atendimento ampliado para a comunidade civil. Com a intensa

procura por vagas e após movimento da comunidade, a instituição passou por

reformas que visaram à ampliação do seu espaço físico. No ano em que a pesquisa

foi realizada, atendia cerca de 400 crianças distribuídas em duas turmas na faixa

etária de dois anos, duas de três anos, quatro de quatro anos, quatro de cinco anos

e quatro de seis anos, em dois turnos de funcionamento, com uma média que

variava de 23 a 25 alunos por turma. A prioridade do atendimento era destinada às

crianças que residiam no bairro onde a escola está localizada, estendendo-se a

outros oito bairros localizados nas proximidades.

O prédio escolar tem dois andares, com oito salas de aula e quatro salas ambientes

(biblioteca, informática, videoteca e sala de artes) funcionando em boas condições.

Além desses, havia espaços destinados ao trabalho administrativo-pedagógico, um

pátio central onde estavam localizados os banheiros, a copa e o refeitório. A área de

lazer compreendia dois parquinhos e um espaço com mesas e bancos de cimento.

Apesar de pequeno, o espaço físico da escola era bem dividido e organizado,

favorecendo a formação de um ambiente educativo que retratava, de certo modo, a

identidade da comunidade escolar.

20 A congada é uma manifestação de religiosidade popular encontrada em quase todo o Brasil. Na comunidade onde a escola está inserida, a congada foi fundada há mais de 45 anos, pela família Alarico. O dia 25 de dezembro é a data máxima de seus festejos, embora realizasse apresentações em diversos bairros da cidade durante todo o ano (conforme Projeto Político-Pedagógico da escola, 1997, p. 10).

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A equipe da escola estava constituída, considerando os dois turnos, por dezoito

professores, duas pedagogas, cinco profissionais de apoio, duas estagiárias para

alunos portadores de necessidades especiais, uma diretora, uma secretária, quatro

merendeiras, três faxineiras. Quanto aos recursos materiais, a escola dispunha de

uma boa quantidade e qualidade de material pedagógico. Além dos jogos, livros de

literatura, fantoches, livros didáticos, CD-ROMs, material de papelaria, a escola

possuía um bom acervo de livros de Arte e produzia, anualmente, blocos de

atividades encadernados, agendas literárias e agendas para comunicação com a

família. Dispunha, também, de recursos audiovisuais, como aparelhos de som,

televisores, vídeos, retroprojetor, computadores com mesas pedagógicas e

computadores para uso administrativo-pedagógico.

Tendo em vista a adequação do espaço disponível na escola ao bem-estar das

crianças, nos momentos de lazer e das refeições, a rotina escolar era marcada por

vários intervalos que ocorriam simultaneamente e de forma bastante organizada. No

turno em que a pesquisa foi realizada, as atividades iniciavam-se às 13h, com a

chegada das crianças que se encaminhavam diretamente para as salas de aula,

organizando-se em rodas de conversa. As 14h, era oferecida a primeira refeição que

consistia num lanche rápido à base de frutas, sucos, biscoitos e leite. Os parquinhos

eram utilizados nos intervalos recreativos (cerca de 45min), que ocorriam em

momentos diferentes para cada faixa etária, assim como a segunda refeição (o

jantar) que era servida no refeitório. Nesses intervalos, e durante as refeições, as

crianças eram acompanhadas pelas professoras e pelo pessoal de apoio. Às

17h30min, encerravam-se as atividades letivas com o acompanhamento das

crianças ao portão da escola.

Buscando concretizar os princípios orientadores do Projeto Político-Pedagógico,

pautados na gestão participativa, a administração da escola procurava envolver

todos os segmentos da comunidade escolar no planejamento e acompanhamento

das ações. Contava com o Conselho de Escola, com a Caixa Escolar e com a

parceria de pais e funcionários no gerenciamento das questões financeiras e

pedagógicas. Para efetivar o trabalho coletivo na escola, foram organizados:

encontros de formação ao longo do ano com o objetivo de atender às demandas

decorrentes do processo ensino aprendizagem; reuniões semanais com os

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profissionais da escola, reuniões gerais e encontros bimestrais com os pais. Além

disso, foram promovidos diversos eventos culturais envolvendo toda a comunidade

educativa, como as mostras de trabalhos desenvolvidos pelas crianças e as

atividades comemorativas.

Em relação aos usos da escrita, os espaços, tempos e modos destinados à

circulação de material escrito no ambiente escolar estavam vinculados, mais

especificamente, a duas principais finalidades: expor os trabalhos realizados com e

pelas crianças e comunicar às famílias/comunidade sobre as normas, atividades

letivas, reuniões de pais e outros eventos. Para expor os trabalhos das crianças,

foram disponibilizados todos os espaços azulejados das paredes onde,

constantemente, podiam ser observadas as produções cotidianas das turmas. Havia

também um espaço reservado para as mostras de trabalhos decorrentes dos

projetos institucionais desenvolvidos em sala de aula. A utilização desse espaço

ocorria em forma de rodízio constituindo-se numa mostra permanente de trabalhos

onde podiam ser encontradas informações acerca dos projetos desenvolvidos.

Quanto à utilização de materiais escritos com a finalidade de comunicação, a escola

elaborava cartazes que eram afixados em espaços próximos à entrada, murais com

informações referentes ao trabalho escolar e prestações de contas, bilhetes que

eram enviados para as famílias por meio das agendas, informativos anuais com a

caracterização geral da escola e normas de funcionamento. Além disso, as salas e

demais ambientes escolares eram identificados com placas que informavam o tipo

de atividade predominantemente realizada naqueles locais.

Desse modo, as escritas que circulavam no espaço interno da escola repercutiam os

usos e funções sociais dessa forma de linguagem, servindo para fins de exposição

dos trabalhos das crianças, de orientação e de organização do trabalho escolar.

Como aponta Teberosky (2002), tinham ainda a finalidade de regulação e de

comunicação. A partir das Fotos 1, 2 e 3, podemos observar como os trabalhos das

crianças eram expostos na escola e como os pais eram comunicados sobre as

atividades escolares.

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Embora a escola dispusesse de uma quantidade e qualidade significativas de

material escrito que circulavam cotidiamente nos diversos ambientes, o contato e

uso que as crianças da turma pesquisada faziam com esses materiais ocorriam, de

maneira geral, sem uma mediação intencional que possibilitasse o reconhecimento

das funções e significados da escrita nessas situações sociais. Durante o período

Foto 1 - Exposição de trabalhos das crianças

Foto 2 - Programação da semana da criança

Foto 3 - Correspondência enviada às famílias

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em que estivemos observando o processo ensino aprendizagem na sala de aula,

foram poucos os momentos em que as crianças tiveram oportunidade de realizar

visitas mediadas pelas professoras às exposições de trabalhos. Outra evidência

dessa ausência de intencionalidade educativa, em torno dos materiais escritos que

circulavam na escola, também foi observada nas relações com as correspondências

enviadas às famílias, pois geralmente eram coladas nas agendas pela secretária e

entregues às crianças sem uma mediação intencional acerca do conteúdo do texto,

bem como de sua funcionalidade no ambiente escolar.

Ainda em relação aos usos da linguagem escrita no ambiente escolar, é importante

ressaltar que a biblioteca da escola, apesar de estar localizada numa sala pequena,

era muito organizada. Nela havia um bom acervo de livros de literatura infantil

expostos de forma bastante atrativa e cantinhos reservados ao teatro de fantoches,

bandinha de música e à leitura. O espaço destinado à leitura era decorado com um

tapete colorido e almofadas que compunham um ambiente aconchegante, conforme

mostrado nas Fotos 4 e 5.

Entretanto, durante o período em que estivemos na escola, constatamos que esse

espaço destinado à leitura quase não era utilizado. Com relação à turma

pesquisada, cuja sala de aula ficava localizada a poucos metros da biblioteca, não

observamos nenhum movimento em torno da utilização do espaço ou dos recursos

Foto 4 - Estante de livro da biblioteca Foto 5 - Espaço destinado à leitura na biblioteca

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ali disponibilizados. Os argumentos dos profissionais da escola a respeito da rara

utilização da biblioteca era que o espaço interno era muito pequeno e, além disso, a

escola não dispunha de um profissional responsável pela sua organização,

manutenção e vitalização. Situação parecida também ocorria com o laboratório de

informática e de artes que, apesar de estarem localizados em espaços adequados e

possuírem bons equipamentos, ficavam sob a responsabilidade dos próprios

professores, o que exigia maior experiência e comprometimento na organização das

atividades e, desse modo, também foram pouco utilizados. Assim, a possibilidade de

acesso a esses bens culturais no ambiente escolar ficava sob a responsabilidade

dos profissionais que precisavam se adequar às suas condições de uso para

promover a interação das crianças com as diversas formas de linguagem.

Foi o que ocorreu com a linguagem plástica, uma característica marcante no

ambiente escolar, que podia ser observada nos diversos trabalhos de arte expostos

por toda a escola. Esses trabalhos foram produzidos em projetos desenvolvidos com

as crianças e valorizados em telas, com inscrições contendo informações sobre a

autoria da obra. Essa peculiaridade, decorrente do trabalho com o Ensino da Arte na

escola, também podia ser observada nas capas dos materiais utilizados pelas

crianças, como as agendas e os blocos de atividades. A veiculação sistematizada

dessa forma de linguagem ocorreu a partir do desenvolvimento de projetos

institucionais coordenados por uma professora21 que acumulou, durante um período,

a função de professora de projetos, efetivando um trabalho em parceria com as

demais professoras da escola.

O trabalho com projetos era uma orientação explicitada no Plano de Ação da Divisão

de Educação Infantil da Secretaria de Educação (2004) que, ao visar ao

fortalecimento da dimensão pedagógica, previa a manutenção do professor de

projetos “[...] na perspectiva de ser mais um elemento articulador das ações geradas

pelos projetos institucionais [...]”.22 A presença desse profissional na escola foi

mantida até o ano de 2005. A partir de 2006, essa função foi incorporada no plano

de cargos de salário do Sistema Municipal de Educação, como professor

21 Essa professora era profissional efetiva do Sistema de Ensino de Vitória, com graduação em Administração e especialização em Artes Visuais. No ano em que a pesquisa foi realizada, ela estava assumindo a direção da escola por meio de eleição direta envolvendo toda a comunidade escolar. 22 O documento não apresentava páginas numeradas. O trecho foi extraído da quarta página.

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dinamizador, cuja principal área de atuação era o trabalho com a linguagem artística

e corporal como componente importante na formação das crianças. No contexto dos

projetos desenvolvidos na instituição em que a pesquisa foi realizada, essas formas

de linguagem já se constituíam elementos de preocupação da ação pedagógica.

A dimensão pedagógica envolvendo os projetos de trabalho também foi

contemplada no Plano de Trabalho da Escola para o ano de 2005. Nesse plano, os

profissionais da escola definiram como meta principal o reconhecimento do aluno

como ser único e indivisível nos seus aspectos: biológico, social e intelectual. A partir

desse pressuposto, a escola assumiu a missão de buscar os meios necessários para

o desenvolvimento integral do aluno, a fim de conscientizá-lo de sua condição em

frente ao mundo. Propunha o investimento na participação ativa, criadora e crítica da

criança, “[....] para que o sujeito do conhecimento venha a ser agente transformador

do contexto e de si próprio, no exercício e compreensão da cidadania”.23

Assim, procurando manter a qualidade do serviço pedagógico, desenvolvendo os

conteúdos básicos da educação infantil, segundo o Referencial Curricular Nacional

para a Educação Infantil (RCNEI), e em consonância com as demandas do sistema

municipal, a escola explicitou, nesse plano de ação, a proposta de trabalho com

projetos pedagógicos, iniciada em 1996, argumentando que esses projetos “[...]

oferecem aos alunos uma aprendizagem significativa e prazerosa, o que torna as

crianças construtoras do próprio conhecimento”.24

Articulado a esses pressupostos, o trabalho com a linguagem escrita na escola

estava ancorado, conforme depoimento da pedagoga,25 em entrevista (APÊNDICE

L), na teoria sociointeracionista construtivista, com ênfase na psicogênese da língua

escrita de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Esses saberes foram instituídos nas

práticas educativas, segundo a pedagoga, a partir de estudos do RCNEI, de cursos

23 O Plano de Trabalho Anual da escola não apresentava suas páginas numeradas. O trecho foi encontrado na sexta página do documento. 24 Trecho extraído da décima página do Plano de Trabalho Anual da escola para 2005. 25 A pedagoga que orientava a ação pedagógica, no turno em que a pesquisa foi realizada, era profissional efetiva, com uma trajetória de 28 anos no Sistema Municipal de Vitória. Desses, 15 anos de trabalho foram dedicados ao Centro de Educação Infantil onde realizamos o estudo.

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que alguns profissionais da escola realizaram em outros Estados e com as

contribuições do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA).26

Nesse contexto, a avaliação era vista como um conjunto de ações que promovia a

definição de critérios para planejar situações que possibilitassem avanços no

processo ensino aprendizagem, atendendo às necessidades de cada criança. Desse

modo, com vistas ao planejamento, eram realizados diagnósticos dos níveis de leitura

e de escrita das crianças e de conhecimentos matemáticos, a fim de propor ações que

promovessem avanços na construção dessas capacidades. Os resultados dessas

ações eram compartilhados com os pais em reuniões bimestrais que visavam à

integração família-escola, tendo em vista o desenvolvimento das crianças.

Assim, com base nesse entrelaçamento teórico, a escola tentava efetivar um

trabalho com a linguagem escrita que, de forma geral, ainda tomava por base as

prescrições dos discursos oficiais. Nas orientações advindas desses discursos, a

concepção de ensino aprendizagem da língua escrita fundamentava-se nas idéias

elaboradas por Ferreiro e Teberosky, enfatizando as dimensões psicológica e

lingüística na aquisição dessa forma de linguagem. Essa concepção é ampliada com

a introdução das práticas sociais de leitura e de escrita na sala de aula, baseadas na

perspectiva do Letramento, conforme situamos na segunda parte deste trabalho. É

nesse contexto teórico que as orientações explicitadas no RCNEI, para orientar as

práticas educativas nessa etapa da escolarização, abordam o trabalho com projetos

em diferentes áreas do conhecimento, inclusive no eixo de trabalho com a linguagem

escrita. Nesse discurso orientador das práticas, o projeto de trabalho é tomado, “[...]

por excelência, como a forma de organização didática mais adequada para se

trabalhar com este eixo, devido à natureza e à diversidade dos conteúdos que ele

oferece e também ao seu caráter interdisciplinar” (RCNEI, 1998, p. 201).

26 O PROFA é um programa de formação de professores implementado e veiculado pelo Ministério da Educação. Foi formulado pela Secretaria de Educação Fundamental e teve como principal finalidade instrumentalizar o professor com conhecimentos práticos que favoreçam maior aprofundamento na epistemologia genética, assegurando a compreensão e aprendizagem do/a aluno/a (PROFA, 2001, documento de apresentação). Conforme estudo realizado por Rangel (2003), acerca dos processos de formação continuada de professores da educação infantil no Sistema Municipal de Vitória, o referido programa de formação foi implementado por esse sistema, no âmbito da educação infantil, a partir do ano de 2002.

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O trabalho com projetos, amplamente divulgado no Brasil, particularmente por

Hernandez e Ventura (1992, 1998) e Hernandez (1998), é uma orientação

decorrente de concepções pedagógicas concebidas como inovadoras, progressistas,

sintonizadas com as demandas da sociedade pós-moderna. Preconiza a

aprendizagem significativa por meio da transdisciplinarização curricular e de uma

atitude globalizadora, que oferece ao educando oportunidades de aprender a dar

sentido, a buscar os problemas que envolvem informações complexas

compreendendo sua rede de relações. Vinculado ao emblemático lema do “aprender

a aprender”,27 o trabalho com projetos pode ser entendido como uma alternativa

atualizada dos ideais escolanovistas e construtivistas, pois incorpora, por meio de

um discurso teórico inovador, posicionamentos valorativos que, segundo Duarte

(2001), concebem a aprendizagem que o indivíduo obtém por si mesmo como

superior àquela que obtém por meio da transmissão de conhecimentos. Esses

posicionamentos enfatizam também a aquisição do método como prioridade

educativa em detrimento da apropriação do conhecimento produzido socialmente.

De acordo com o autor,

É nesse contexto que o lema ‘aprender a aprender’ passa a ser revigorado nos meios educacionais, pois preconiza que à escola não caberia a tarefa de transmitir o saber objetivo, mas sim a de preparar os indivíduos para aprenderem aquilo que deles for exigido pelo processo de sua adaptação às alienadas e alienantes relações sociais que presidem o capitalismo contemporâneo (DUARTE, 2001, p. 9).

Desse modo, a veiculação desses discursos no interior da escola, ainda que

servindo apenas como prescrições das práticas, contribui para a configuração da

escola como aparelho ideológico do Estado, uma vez que adota concepções

educativas que reproduzem as relações sociais dominantes. No caso pesquisado,

esse fator foi agravado com a articulação da proposta de trabalho com projetos ao

construtivismo, chamado de sociointeracionismo. Uma abordagem que, embora não

explicitada claramente no RCNEI, pode ser observada no ecletismo teórico

decorrente dos contornos dados à teoria construtivista de Emília Ferreiro, com

aproximações à perspectiva do Letramento e aos pressupostos da Psicologia

Histórico-Cultural.

27 Esse lema foi desdobrado em quatro pilares da educação defendidos no Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser (DELORS, 1998).

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Esse é um outro aspecto das propostas inovadoras no campo educacional que

precisa ser pensado, especialmente porque veicula uma aproximação entre as idéias

de Piaget e de Vigotski, que se caracterizam, primeiramente, pelo distanciamento

entre a Psicologia Histórico-Cultural e o universo marxista dialético e, segundo, por

uma associação conceitual contraditória e incoerente do ponto de vista filosófico-

epistemológico. É o que ocorre, por exemplo, com o uso do termo social na

perspectiva histórico-cultural e no construtivismo piagetiano. Duarte (2001) lembra

que esse é o ponto central da crítica de Vigotski a Piaget, uma vez que “[...] à

concepção de social e de socialização, o pensador suíço não superou o enfoque

naturalizante, a-histórico e também não superou o paralelismo entre individual e

social” (DUARTE, 2001, p. 258).

Contudo, esse olhar problematizador acerca dos múltiplos discursos inovadores que

invadem o cotidiano escolar nem sempre está ao alcance dos atores sociais que

coordenam os processos educativos na instituição escolar. Na escola pesquisada,

acreditava-se que a opção teórica explicitada no plano anual e no discurso dos

profissionais poderia contribuir efetivamente com a formação integral das crianças e

com o exercício da cidadania crítica e participativa.

É importante destacar que um movimento de ressignificação das idéias que

orientavam as práticas educativas nos centros de educação infantil da Rede

Municipal de Ensino de Vitória estava despontando no interior da escola em que a

pesquisa foi realizada. Esse movimento ocorreu a partir de discussões advindas de

Fóruns Municipais e Regionais envolvendo os diferentes segmentos de profissionais,

bem como representantes de pais e das crianças. Os encontros, que tiveram início

no ano de 2004, foram promovidos pela Divisão de Educação Infantil tendo em vista

a reformulação da proposta curricular elaborada no período de 1989 a 1992. Essas

discussões foram sistematizadas e publicadas, no ano de 2004 em versão preliminar

e no ano de 2006 em versão final, no documento intitulado A Educação Infantil do

Município de Vitória: um outro olhar.

Dentre os temas privilegiados nesse processo de reestruturação curricular, a

questão da alfabetização também foi contemplada. Segundo o documento, “[...] a

necessidade de reconceitualizar o sentido da alfabetização na Educação Infantil,

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provocou uma escolha unânime deste tema” (PREFEITURA MUNICIPAL DE

VITÓRIA, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, GERÊNCIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL,

p. 65, 2006). Além desse aspecto, a necessidade de levar em conta as experiências

vividas pelos diferentes grupos de crianças e pelas professoras foi considerada

fundamental para superar o indiferencialismo pedagógico das práticas e promover o

resgate da história construída.

Esse tema, que no período de realização da pesquisa já constava no documento

preliminar, também foi tomado para estudo pelos profissionais da escola, suscitando

discussões que giraram em torno das expectativas do sistema, da escola, dos

familiares, evidenciando que as relações entre educação infantil e ensino fundamental

ainda eram polêmicas e demandavam um esforço coletivo na superação da

dimensão preparatória. Dúvidas sobre se a educação infantil tem que alfabetizar,

como, por quê, para quem ainda permeavam os discursos das professoras.

Em meio aos movimentos de constituição de outros saberes e práticas, os

profissionais da escola davam prosseguimento aos projetos pedagógicos explicitados

no Plano Anual para 2005. Foram definidos três projetos institucionais que deveriam

orientar a prática educativa durante esse ano letivo: o Projeto de Literatura Conto e

Reconto, o Projeto de Artes e o Projeto Sou criança, tenho direitos. No caso da

turma pesquisada, o planejamento das atividades girou em torno de duas principais

temáticas: os direitos das crianças e o trabalho com histórias em quadrinhos.

4.3.3 A sala de aula

Para caracterizar o espaço de trabalho na sala de aula, tomamos por referência os

indicadores escritos no roteiro do APÊNDICE F e as nossas anotações no diário de

campo, realizadas no decorrer da observação participante em sala de aula.

A classe envolvida no estudo foi uma turma de 23 crianças do Grupo 6, do turno

vespertino. A sala de aula ficava localizada no andar superior do prédio e tinha uma

dimensão espacial de 45m². As paredes, conforme características gerais do prédio,

tinham suas partes inferiores azulejadas e as superiores pintadas num tom de verde

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claro. Havia duas janelas gradeadas encobertas por frondosas árvores que

ofereciam frescor ao ambiente. A sala era composta pela seguinte mobília: 25 mesas

e cadeiras em tamanho apropriado para crianças nessa faixa etária, mesa e cadeira

da professora, quadro-negro quadriculado, cavalete, estante fixa para livros, mesa

com aparelho de som, um armário para material pedagógico, que ocupava toda a

parede do fundo da sala, pia com filtro e ao lado ganchos para copos. Num canto da

sala, foram dispostos baús e caixas com jogos e brinquedos variados. Nas Fotos 6

e 7, podemos observar como era o espaço interno da sala de pesquisada.

A organização das carteiras variava constantemente. As crianças trabalhavam em

duplas, em grupos e, às vezes, individualmente. Havia regras de convivência na sala

de aula. Essas regras não estavam registradas por escrito, mas eram discutidas

cotidianamente, em momentos de avaliação das atividades e de acordo com a

turma. Em algumas circunstâncias, especialmente na gestão da primeira professora,

ocorria uma conversa com a criança e a solicitação para que acompanhasse a

atividade afastada do grupo. No contexto das relações pedagógicas em que se

situavam as alternativas de instituir o papel social da criança na sala de aula, as

estratégias de controle da professora se configuravam numa espécie de castigo, uma

vez que fazia calar e inibia qualquer outra tentativa de indisciplina na sala de aula.

A rotina da sala de aula iniciava-se às 13h, com a chegada das crianças que iam ao

bebedouro e ao banheiro. Geralmente, organizavam-se em roda para conversarem e

planejarem as atividades do dia. Às 14h, faziam um breve intervalo para o lanche,

que era servido na própria sala de aula. A seguir, desenvolviam trabalhos até às

16h15min, quando se dirigiam ao pátio recreativo da escola. A segunda refeição da

06 07 Foto 6 - Sala de aula Foto 7 - Movimentação das crianças na sala de aula

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turma era servida às 17h, no refeitório, e, logo em seguida, eram encerradas as

atividades na escola.

Os materiais escritos expostos no interior da sala de aula eram livros de literatura

infantil, dicionário, gibis, almanaques, atividades xerocopiadas, cartazes produzidos

em aula, calendário, blocos de atividades. Havia um varal onde eram expostas as

produções das crianças. Havia também vários potes com materiais pedagógicos

etiquetados pelas crianças, um alfabeto de parede (confeccionado de E.V.A.

colorido), um alfabeto pintado em tecido com sacolas, onde eram guardadas fichas

com palavras estudadas e nomes das crianças (chamado de dicionário da turma), e

alfabetos afixados nas mesas das crianças. Esse material era constantemente

utilizado pelas crianças e pela professora que procurava explorá-lo em diversos

momentos: solicitando consultas ao alfabeto, ao dicionário de parede e aos cartazes

produzidos, durante a distribuição dos materiais, na busca por objetos guardados em

potes, no uso do dicionário.

As crianças também utilizavam o material escrito disponível em sala de aula em

momentos em que não ocorria um direcionamento de atividades pela professora.

Nesses momentos, as crianças liam histórias, realizavam atividades nos almanaques

e outras preparadas pela professora e guardadas em uma caixa etiquetada com o

nome “atividades gostosinhas”, como cruzadinhas, caça-palavras, jogo dos sete-

erros, etc. Geralmente esses momentos ocorriam entre uma atividade dirigida e

outra ou no final da tarde, antes da saída para o pátio. Embora se configurassem em

uma estratégia de ocupar as crianças em momentos em que não tinham tarefas a

cumprir, eram nesses momentos que elas faziam suas próprias escolhas e

interagiam mais livremente com os materiais escritos disponibilizados em sala de

aula, provocando diferentes movimentos, por exemplo, a leitura silenciosa no

cantinho da sala ou a interação entre grupos de crianças que se envolviam com as

situações desafiadoras das atividades gostosinhas.

Esses movimentos em torno do material escrito disponível na sala de aula foram

sofrendo transformações, com a entrada da nova professora. Os alfabetos nas

mesas das crianças não resistiram por muito tempo e não foram substituídos. Eles

eram muito consultados durante as produções escritas, particularmente pelas

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crianças que ainda não identificavam todas as letras, e fez bastante falta para elas,

pois tinham que recorrer ao alfabeto da parede fazendo interrupções mais

prolongadas durante o trabalho de escritura. Os momentos “livres” de leitura e de

realização de atividades nos almanaques continuaram ocorrendo, porém com menos

intensidade. Foram substituídos, geralmente, por atividades que envolviam o

desenho e brincadeiras na sala de aula.

Nesse período, os livros de literatura disponibilizados na estante da sala de aula

foram mais utilizados pelas crianças para realização de atividades na agenda

literária. Esse material (Fotos 8 e 9) consistia num bloco encadernado de atividades

nas quais as crianças escreviam informações sobre os livros escolhidos para leitura

no ambiente familiar. Geralmente, a escolha dos livros ocorria na sexta-feira e a

revisão da atividade era feita na segunda-feira, quando a professora recolhia o

material e conversava com as crianças a respeito dos registros realizados. 28

Podemos notar que as experiências com a escrita no interior da sala de aula eram

significadas nas relações sociais que ali se estabeleciam: na consulta ao alfabeto

para lembrar a forma gráfica do signo, no uso do dicionário da turma para registrar o

nome do colega, na leitura das etiquetas dos potes para localizar o material

28 Os momentos destinados ao trabalho com a agenda literária eram muito valorizados pelos profissionais da escola. Nesse sentido, uma análise cuidadosa dessa proposta de trabalho seria interessante, o que ultrapassaria os limites dessa caracterização. Contudo, queremos destacar que, durante os dias em campo, não observamos movimentos em torno da revitalização desse espaço de leitura na sala de aula, o que comprometia a escolha do livro reduzindo as possibilidades de interação com diferentes autores e textos.

Foto 8 - Capa da agenda literária Foto 9 - Página da agenda literária

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solicitado pela professora, na entrega de materiais pessoais, na apreciação dos

trabalhos produzidos, na consulta ao dicionário para saber o significado das palavras

desconhecidas, na leitura-fruição do livro de história, na interação com os textos que

foram introduzidos durante as atividades diárias. As formas de interação com os

materiais escritos que circularam no interior da sala de aula poderão ser mais bem

compreendidas na análise das relações dialógicas que foram instauradas durante o

processo ensino aprendizagem, mas as Fotos 10, 11 e 12 podem ilustrar alguns

desses movimentos em torno da linguagem escrita no contexto da sala de aula.

4.3.4 As crianças-sujeitos da pesquisa: relações no ambiente escolar e familiar

Para proceder à caracterização das crianças-sujeitos da nossa pesquisa,

consultamos as tabelas que foram organizadas no APÊNDICE M, a partir das

informações obtidas nas entrevistas com os pais e com as próprias crianças, além

das fichas de matrícula. Esses dados possibilitaram maior aproximação com o

contexto social das crianças, apontando aspectos relacionados com a idade, gênero,

experiência escolar, local de moradia, composição familiar, características

socioeconômicas da família, costumes cotidianos das crianças e suas preferências,

relações com a escola, usos da leitura e da escrita no ambiente familiar. Os índices

percentuais foram calculados tomando por base os 23 sujeitos que participaram do

estudo e nos permitiram a quantificação de aspectos que consideramos de

fundamental relevância para a construção do percurso investigativo. Esses aspectos

se constituíram, no contexto deste estudo, em variantes culturais e sociais que se

presentificaram nas experiências vividas pelos sujeitos em sala de aula, trazendo

implicações para o trabalho com a linguagem escrita.

Fotos 10, 11 e 12 - Interação das crianças com os materiais escritos na sala de aula

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A turma, conforme situamos, era composta por 23 crianças, sendo seis meninas

(26,09%) e dezessete meninos (73,91%). Os meninos, de maneira geral, eram mais

agitados, apresentavam atitudes agressivas em determinadas circunstâncias,

especialmente quando tinham mais liberdade em sala de aula ou nos momentos em

que as situações de ensino se tornavam menos interessantes. A agressividade se

manifestava em chutes, empurrões, gritos, xingamentos, brincadeiras

desagradáveis, que provocavam conflitos entre as crianças e alterações nas atitudes

das professoras, o que, de certo modo, interferia no processo de produção de

conhecimento. Geralmente, esses conflitos eram resolvidos com uma conversa e

com a reorganização das crianças na roda ou nos grupos de trabalho. Em algumas

situações, conforme explicamos na caracterização da sala de aula, a criança era

convidada a afastar-se do grupo e acompanhar os trabalhos em outro espaço da

sala de aula. Em outras, mais graves, ela era encaminhada à equipe técnica para

uma conversa ou, quando necessário, uma intervenção com a família.

Com relação à idade, 52,17% das crianças iniciaram o ano letivo completando seis

anos, 43,48% completaram sete anos no segundo semestre do ano letivo e apenas

4,35% completaram sete anos no primeiro semestre. Desse modo, tínhamos um

nível de idade equilibrado na sala de aula. Todas as crianças da turma

apresentaram experiência escolar anterior: 47,83% das crianças estudaram sempre

na escola em que a pesquisa foi realizada e 52,17% freqüentaram outra instituição

de educação infantil. O ingresso na educação infantil ocorreu, para esses sujeitos,

em idades diferenciadas: a maioria das crianças da turma (43,48%) iniciou sua vida

escolar aos três anos de idade, 13,04% entraram na educação infantil com menos

de um ano de idade, 4,35% com um ano, 26,09% com dois anos, 13,04% dos

sujeitos ingressaram quando já tinham quatro anos de idade, o que representa um

total de apenas três crianças com uma trajetória escolar mais recente.

Quanto ao local de moradia, os sujeitos, em sua totalidade, residiam na Regional de

Maruípe:29 30,43% residiam no bairro onde está localizada a escola e os demais em

seis outros bairros que estão localizados dentro dessa região. Consideradas essas

29 Para fins administrativos, o município de Vitória foi dividido em sete grandes regionais administrativas. A Região 4, de Maruípe, é composta por 16 bairros geograficamente próximos. Apresenta 3,6 milhões de metros quadrados e aproximadamente 56 mil habitantes, conforme informações disponíveis em: <www.vitoria.es.gov.br>. Acesso em: 3 abr. 2006.

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condições habitacionais, podemos supor que as crianças tinham acesso constante

aos materiais escritos expostos pela região que, conforme situamos, é bastante

urbanizada, com intensas atividades comerciais, rodoviárias e culturais.

O contexto familiar da turma pesquisada apresentava as seguintes características:

21,74% das crianças moravam apenas com os pais e 39,13% moravam com os pais

e um irmão, caracterizando um total de 60,87% de crianças que constituíam famílias

pouco numerosas, uma tendência comum em nossa sociedade contemporânea.

Constatamos que 13,04% das crianças moravam com os pais, irmão(s) e parentes,

constituindo famílias mais numerosas. Havia também crianças que moravam com

apenas um dos pais e, dessas, 13,04% moravam com um dos pais e parentes e

8,70% com um dos pais, irmãos e parentes. Além disso, 4,35% moravam com os

parentes, não tendo, portanto, a companhia dos pais. Outra característica marcante,

nesse contexto familiar, diz respeito ao número de irmãos. Confirmando a

predominância de famílias pouco numerosas, 60,87% das crianças possuíam

apenas um irmão e 26,08% não tinham nenhum irmão. Apenas 13,05%

apresentaram um total de dois ou mais irmãos.

Quanto às ocupações dos familiares, os dados mostraram que a maior parte das

famílias obtinha sua fonte de renda no trabalho realizado pelos membros do sexo

masculino, pois, dos 23 pais entrevistados, apenas 4,35% disseram estar

desempregados e 13,04% não informaram a ocupação. Com relação às mães, num

total de 23 sujeitos, considerando que apenas 4,35% não informaram a ocupação,

30,43% disseram que eram donas de casa, o que representa um total de sete mães

que não atuavam diretamente no mercado de trabalho. De acordo com a

Classificação Brasileria das Ocupações (BRASIL, 2002), do Ministério do Trabalho e

Emprego, o maior índice das ocupações dos pais (26,08%) incidiu sobre o grupo dos

trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio, em lojas e mercados. Outros

grupos com maior número de ocupações são os trabalhadores de nível médio

(17,39%), os trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (17,39%) e os

trabalhadores de serviços administrativos (8,70%). Os outros pais exerciam

atividades em diferentes grupos de trabalhadores, conforme demonstrado na Tabela

9 do APÊNDICE M. O maior índice de ocupação das mães também incidiu sobre o

grupo de trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados

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(21,74%), acompanhado pelos grupos de técnicos em nível médio e de

trabalhadores do setor administrativo com um percentual de 13,04% cada um. Das

mães, 8,70% realizavam atividades que se enquadraram no grupo dos profissionais

das ciências e das artes e 8,70% em outros grupos ocupacionais.

A renda familiar mensal dos sujeitos envolvidos em nosso estudo, declarada na

entrevista realizada com os pais, se caracterizava por índices que giraram em torno

de um salário mínimo (13,04% dos sujeitos), um a dois salários mínimos (21,74%),

dois a três salários mínimos (13,04%), três a quatro salários mínimos (13,04%),

quatro a cinco salários mínimos (4,35%). Esses dados mostraram que 15 crianças

faziam parte de famílias cuja renda mensal estava entre um a cinco salários

mínimos. Considerando o valor do salário mínimo no Brasil e as condições de vida

das populações dos grandes centros urbanos, tínhamos 65,21% da população

pesquisada com uma renda mensal baixa. Dos 23 pais entrevistados, apenas 8,70%

disseram que possuíam uma renda mensal superior a seis salários mínimos. Os

outros 26,09% não declararam a renda familiar. Nesse contexto econômico, duas

crianças da turma pesquisada (8,70% dos sujeitos) disseram que exerciam

atividades remuneradas para ajudar as famílias. Em conversas com essas crianças,

foi possível identificar que essas atividades estão relacionadas com trabalhos em

feiras livres, cuidados com carros em estacionamentos da via pública e coleta de

materiais recicláveis. Outro aspecto interessante na caracterização das crianças diz

respeito à realização de tarefas domésticas, pois 86,95% das crianças disseram que

realizavam atividades no lar para ajudar os pais, inclusive, em alguns casos,

dividindo responsabilidades com os irmãos e outros membros da família.

O nível de escolarização dos pais pode ser caracterizado com base nos seguintes

índices: 43,47% (dez pais) chegaram a concluir o ensino médio, 21,74% (cinco pais)

não tinham concluído o ensino médio, 13,04% (três pais) tinham o ensino

fundamental completo e 8,70% (dois pais) o ensino fundamental incompleto. Apenas

4,35% (um pai) possuíam o ensino superior completo e 8,70% não informaram. Com

relação ao nível de escolarização das mães, obtivemos os seguintes índices nas

entrevistas: 56,52% (treze mães) possuíam o ensino médio completo, 13,04% (três

mães) o ensino fundamental completo e 21,74% (cinco mães) o fundamental

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incompleto. Também no caso das mães, apenas uma (4,35%) possuía o ensino

superior completo e 4,35% não informaram.

Esses índices, agregados aos outros aspectos que apresentaremos em seguida,

apontaram que a maioria dos familiares possuía um nível de instrução que poderia

promover condições favoráveis de interação com materiais escritos no ambiente

familiar, uma vez que um percentual significativo dos familiares chegou a concluir o

ensino médio ou, pelo menos, o ensino fundamental. Esse aspecto foi abordado no

5º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF/2005), realizado pelo Instituto

Paulo Montenegro,30 em parceria com a Ação Educativa e com o IBOPE Opinião. O

estudo oferece informações sobre as capacidades da população brasileira de 15 a

64 anos de idade em acessar e processar informações escritas nas situações

cotidianas. Os resultados apresentados indicaram que, sem o ensino fundamental

completo, é difícil garantir um nível de leitura básico de alfabetização ao longo da

vida. Com o ensino médio, já é possível desenvolver habilidades do nível pleno de

alfabetização, por exemplo, ler textos mais longos, localizar e relacionar

informações, identificar fontes e comparar vários textos. Outro aspecto interessante

nos resultados apresentados pelo INAF (2005) e que também pode ser observado,

no contexto escolar dos familiares das crianças-sujeitos de nosso estudo, é que as

mulheres são maioria no grupo de familiares que chegaram a concluir o ensino médio.

Nessa caracterização, contemplamos, também, aspectos do universo sociocultural

das crianças a fim de buscar informações acerca desses modos de interação fora da

esfera escolar. Segundo os pais, as atividades mais comuns que as crianças

realizavam no ambiente familiar estavam vinculadas ao brincar (56,52%), desenhar

(47,83%), assistir à televisão (30,43%), pintar (26,09%), ler e escrever (17,39%)

dentre outras. Fora do ambiente familiar, as atividades mais citadas pelos pais foram

os passeios a parques, shoppings, praia, etc. (69,57%), as brincadeiras (56,52%) e

atividades na igreja (26,09%). Dentre os programas de rádio e televisão preferidos

das crianças estavam as músicas (78,26%), os desenhos animados (78,26%), os

filmes (47,83%), os programas evangélicos (13,94%) e os jogos de futebol (8,70%).

Além desses, as crianças citaram os seriados, as novelas, os programas infantis e

30 Disponível em: < www.ipm.org.br/an.php> . Acesso em: 6 abr. 2006.

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de auditório, dentre outros. Quanto à diversão preferida das crianças, estavam os

jogos de computador (30,43%), os jogos de videogame (26,09%), o brincar

(26,09%), jogar bola e andar de bicicleta (13,04% cada). Além dessas, as crianças

citaram os passeios à praia, piscina e parque aquático, apontaram nomes de

algumas brincadeiras preferidas, como brincar no pátio, pular corda, brincar de

boneca, cabra-cega, pique-parede, soltar pipa, brincar com o cachorro, skate,

patinete, carrinho bate-bate, internet, dançar balé, desenhar e pintar. Esses dados

apontaram que as crianças envolvidas em nosso estudo, de maneira geral, tinham

acesso a diferentes recursos culturais e conviviam em ambientes que favoreciam

atividades lúdicas e prazerosas.

O brincar também foi a principal atividade citada pelas crianças, ao justificarem sua

opinião sobre a escola. Com exceção de uma criança que disse não gostar da

escola porque tinha que subir a ladeira e também porque tinha moto nesse percurso,

as demais disseram que gostavam da escola por causa dos pátios (43,48%), porque

tinha brinquedos (30,43%), porque era legal (26,09%), tinha computador (17,39%).

Além dessas razões, a professora foi lembrada por 13,04% das crianças. As outras

apresentaram razões diversas, enfocando outras situações que envolvem o brincar.

Um aspecto relevante suscitado nesses dados foi a relação das crianças com o

brincar, enfatizada por grande parte dos sujeitos. De acordo com Leontiev (1998), o

brincar é importante para a criança e se torna um processo predominante em suas

atividades, porque o mundo objetivo do qual ela tem consciência se amplia

continuamente para além de seu ambiente próximo e dos objetos com os quais

consegue operar. Como a criança não pode e não consegue lidar com certos objetos

e atividades do mundo dos adultos, cria as condições para isso por meio da

brincadeira, do jogo simbólico. Nesse sentido, a brincadeira se torna uma atividade

principal, porque permite à criança operar com situações nas quais ocorrem

mudanças significativas em seu desenvolvimento psíquico. Essas mudanças,

segundo Leontiev (1998, p. 122), “[...] preparam o caminho da transição da criança

para um novo e mais elevado nível de conhecimento”. Desse modo, como atividade

simbólica, a brincadeira abre caminhos para outras atividades simbólicas que

permitem a criança alcançar níveis cada vez mais elevados de abstração, como os

que envolvem a apropriação da linguagem escrita.

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No que diz respeito à interação das crianças com materiais escritos no ambiente

familiar, os dados que dispomos nas tabelas indicaram que:

a) quanto ao tipo de materiais que os familiares possuíam em casa, estavam os

livros (73,91%, ou seja, 17 dos 23 sujeitos disseram possuir esse tipo de

material em casa), as revistas (60,87%), os jornais (52,17%), correspondência

pessoais (21,74%) e apenas 4,35% não informaram;

b) com relação aos títulos de livros, jornais e revistas que circulavam no ambiente

familiar, os pais apontaram os livros de literatura infantil de maneira geral

(56,52%), o jornal A Tribuna (43,48%), a revista Veja (21,74%), o jornal Notícia

Agora (17,39%), os gibis (17,39%), os livros didáticos (17,39%), a revista Isto é

(17,39%), a Bíblia (13,04%), a revista Caras (8,70%) e o jornal A Gazeta

(8,70%). Os demais títulos, como livro de poesias, revistas da Igreja, revistas

Comunhão, Natura, Época, Cláudia, Recreio, Class tiveram uma incidência de

4,35% cada um;

c) de acordo com os pais, os materiais mais utilizados pelas crianças para leitura

em casa eram os livros de literatura infantil, citados por 86,96% dos 23 pais

entrevistados, seguido dos gibis com 34,78% e das revistas também com

34,78% de ocorrência. Os jornais, segundo os pais, também eram utilizados

pelas crianças em casa, num total de 30,43%, e a Bíblia era lida por 13,04% das

crianças. Além desses materiais, os pais apontaram os encartes de

supermercado, os manuais de instrução e cadernos de atividades. Esses dados

também foram observados nas conversas com as próprias crianças. Das 23

crianças, 19 disseram que gostavam de ler (82,61%) e quatro não opinaram

(17,39%). O materiais de leitura mais indicados pelas crianças foram os livros de

histórias (60,86%), revistas (8,70%) e jornais (8,70%).

d) a pessoa da família que mais lia com as crianças em casa era a mãe, sendo

indicada por 73,91% dos sujeitos, seguida do pai (39,13%), do primo(a)

(21,74%), do irmão(ã) (13,04%), do tio(a) (13,04%) e da avó (8,70%). Uma

criança (4,35%) disse que ninguém lia para ela em casa. Segundo as crianças, o

material que os familiares mais utilizavam para leitura com elas em casa eram as

histórias (indicadas por 78,26% das crianças). Apenas uma criança disse que os

pais não liam nada para ela em casa. Essas leituras, de acordo com as crianças,

ocorriam às vezes (39,11%), quando tinha tarefa da escola (13,04%), sempre

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(8,70%), somente à noite (8,70%), somente nos finais de semana e feriados

(8,70%), todo dia (4,35%), só uma vez (4,35%), na hora de dormir (4,35%) e não

informaram (8,70%).

Esses dados compõem um panorama das interações com a linguagem escrita no

ambiente familiar, uma vez que, para captar os níveis dessas interações, seria

necessária uma inserção nesses espaços de convivência, o que acreditamos não se

constituir um fator determinante em nosso estudo. Contudo, os aspectos observados

nas entrevistas foram bastante expressivos, pois nos permitiram uma aproximação

com o contexto familiar das crianças e suas histórias de vida.

A caracterização dos aspectos ligados ao mundo da escrita indicou modos de

interação com essa fonte de conhecimento no contexto familiar das crianças que

também foram suscitados nas pesquisas realizadas pelo INAF (2005). De acordo

com esse estudo, as informações sobre as relações com a escrita no ambiente

familiar também são importantes para compreender as diferenças nas habilidades de

leitura e de escrita da população. Nesse sentido, a pesquisa comprovou que a

existência de materiais escritos nos domicílios e os hábitos de leitura dos pais,

especialmente das mães, influenciam no desempenho dos filhos.

Segundo os dados apresentados sobre as pessoas que mais influenciaram no gosto

pela leitura da população entrevistada pelo INAF, a mãe ou responsável do sexo

feminino foi apontada em primeiro plano. Esse aspecto também foi observado no

contexto familiar das nossas crianças, pois a mãe foi indicada como a pessoa da

família que mais realizava leituras em casa, além de ser a que mais colaborava nas

tarefas escolares (Tabela 34, Apêndice M). Os dados do INAF também revelaram

que o pai influencia no gosto pela leitura. Em nosso estudo, o pai foi citado pelas

crianças tanto na realização das tarefas escolares como nas leituras cotidianas.

Quanto aos tipos de materiais escritos que circulavam no ambiente familiar da turma

pesquisada, observamos que os livros, especialmente de literatura infantil, tiveram

predominância sobre os demais tipos citados. Nesse aspecto, a pesquisa do INAF

apontou que a Bíblia, livros sagrados ou religiosos foram os mais indicados pela

população entrevistada. Em nosso estudo, esse dado também foi revelado, porém

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115

com menos intensidade. A ênfase nos materiais de leitura voltados para o público

infantil no contexto familiar pode ser compreendida como uma forma de

incorporação das práticas de leitura da escola, uma vez que, nesse ambiente

educativo, a literatura infantil é predominante.

Para as crianças e seus familiares, a aprendizagem da leitura e da escrita era muito

importante. Ao perguntarmos, nas entrevistas realizadas, por que eles achavam

importante aprender a ler e a escrever, encontramos razões que estavam ligadas a

diferentes significações sociais, mas que constituíam, em seu conjunto, uma visão

pragmatista de aquisição dessa forma de linguagem. Essa visão, segundo Macedo

(2002), é decorrente da incorporação de discursos políticos hegemônicos que

defendem que a alfabetização serve como veículo para a melhoria econômica, o

acesso ao trabalho e o aumento do nível de produtividade. Consolidada no conceito

de alfabetismo funcional, essa concepção de alfabetização tem como principal

finalidade “[...] produzir leitores que atendam aos requisitos básicos de leitura da

sociedade contemporânea” (MACEDO, 2002, p. 94).

Nas razões explicitadas pelas crianças para justificar a importância de aprender a ler

e escrever, 52,17% referiram-se aos usos da linguagem escrita no contexto escolar

com uma preocupação voltada para o ingresso no ensino fundamental e para a

realização de tarefas escolares; 30,43%, aos usos cotidianos da escrita, incluindo

situações prazerosas de leitura; 8,70% demonstraram uma preocupação com o

futuro e 8,70% não souberam responder. Para evidenciar esses resultados,

tomamos algumas respostas das crianças31 que foram registradas durante as

entrevistas:32

Ped: porque aí... na primeira série... a gente não vai saber... aí por isso que eu gosto de aprender a ler e escrever

Mat: pra quando passar para a primeira série... pra aprender ler e escrever logo... pra quando a gente ficar adulto aprender ler e escrever muito... muito... senão... quando fica adulto é estranho... os pais vão reclamar com a escola... o pai e a mãe pode achar estranho que a escola não está ensinando o filho a ler e escrever

31 A identificação das crianças será feita pelas iniciais dos nomes conforme protocolo de pesquisa. 32 Para transcrição das falas, tomamos como referência as normas apresentadas por Fávero, Andrade e Aquino (2003).

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Raf: é por causa que... a gente... quando a gente chegar na primeira série... a professora não vai ajudar... tem que escrever sozinho

Cris: porque quando a gente vai escrever... a gente se diverte... a gente pode escrever o que quiser... cartinha pras pessoas sem a mãe descobrir ( ) porque quando a pessoa vai ler... não fica confundindo a palavra

Mon: porque é legal... eh:::: escrever... aprender a ler... a gente aprende a ler... escrever... depois ler historinha

Com relação aos pais, a maior ocorrência de respostas (56,52%) incidiu sobre a

projeção para o futuro com vistas à realização individual por meio do crescimento

profissional e da mobilidade social. Os pais demonstraram, também, uma

preocupação com a vida em sociedade e com o exercício da cidadania (39,13%),

com a vida escolar (13,04%), com a auto-estima (8,70%) e com os direitos da

criança (8,70%). Apenas 4,35% não responderam. As amostras que se seguem,

retiradas de questionário escrito,33 evidenciam os sentidos explicitados pelos pais:

Responsável por Gil: “Com certeza pois sem ler e escrever ele não conseguirar vencer os

obstaculos que ele terá pela sua vida: social, financeira e pessoal uma profissão digna”.

Responsável por Joa: “Porque estou vendo que ele realmente está aprendendo, e, com isso terá mais incentivo para frequentar a escola, e com certeza terá um futuro brilhante”.

Responsável por Pat: “Para que ele cresça profissionalmente, saber viver no meio da sociedade”.

Responsável por Raf: “Para mais tarde ser alguem na vida e não ser um analfabeto”.

A concepção pragmatista e utilitarista da alfabetização, revelada de forma

significativa nos enunciados dos sujeitos em desdobramentos que compreenderam a

realização individual no âmbito escolar e profissional, é predominante em nossa

sociedade contemporânea. Nesses enunciados, os sujeitos indicaram que a

aprendizagem da leitura e da escrita é importante para efetivar mudanças na

condição social e econômica. Esses sentidos também foram suscitados em estudo

realizado por Gontijo (2002). Segundo a autora, eles “[...] revelam visões

33 O questionário foi enviado para casa e as respostas dos familiares foram transcritas preservando as suas características textuais.

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estereotipadas e denotam a ilusão de que a escolarização é suficiente para

modificar a vida das pessoas” (GONTIJO, 2002, p. 50).

Uma análise aprofundada acerca das relações entre alfabetização, escolarização e

desenvolvimento foi apresentada por Graff (1994), em sua discussão sobre o poder

da alfabetização nas sociedades modernas ocidentais. Apontando as contradições e

fragilidades desse discurso progressista, o autor argumenta que a alfabetização

serviu/serve como um novo cimento social que teve como finalidade “[...] integrar a

sociedade e fomentar o progresso pela ligação de homens e mulheres em sua

malha, neles introjetando as diretrizes do comportamento correto” (GRAFF, 1994, p.

70). Desse modo, a educação nas sociedades modernas atende aos interesses

hegemônicos produzindo necessidades individuais que demandam o aprendizado da

leitura e da escrita. Contudo, esse aprendizado, por si só, não é suficiente para

permitir aos indivíduos mudanças em suas condições sociais, uma vez que

Mudança é sinônimo de transformação e, portanto, é um processo que depende das condições históricas objetivas. É algo que não surge imediatamente, mas é fruto da luta dos homens contra a dominação e também de um processo de educação dos homens (GONTIJO, 2002, p. 50).

4.3.5 As professoras e suas trajetórias de trabalho com a linguagem escrita

Além das crianças, participaram diretamente de nosso estudo as duas professoras

que mediaram o processo ensino aprendizagem na turma pesquisada: uma que

coordenou os trabalhos em sala de aula durante o primeiro semestre de 2005 e a

outra que assumiu a turma no segundo semestre. A troca de professora foi

decorrente de conflitos que foram se constituindo nas relações sociais entre alguns

profissionais que atuavam na escola. Causou impactos iniciais, especialmente no

interior da sala de aula, que foram amenizados com o tempo. As crianças estavam

acostumadas com uma forma de organização do processo ensino aprendizagem

mais direcionada, com regras constantemente fixadas e cobradas, além de

orientações precisas no encaminhamento das diversas atividades.

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A forma de condução do trabalho da nova professora da turma se diferenciava muito

nesse sentido. A ausência, particularmente nos primeiros dias, de acordos de

convivência e de encaminhamentos consistentes e claros para a realização das

atividades foi provocadora de reações diversas nas crianças. Elas ficaram mais

agitadas e os conflitos, especialmente entre os meninos, se intensificaram. Além

disso, a rotina na sala de aula também passou por modificações. Foi destinado mais

tempo à roda de conversa, incluindo atividades que envolviam muitas canções e

brincadeiras, menos atividades direcionadas e mais tempo para brincar antes da saída

para o pátio. Essas mudanças trouxeram outros rumos para a pesquisa, conduzindo

nosso olhar interpretativo em torno do inesperado e das novas situações vivenciadas.

Assim, conhecer a história das professoras, suas trajetórias acadêmicas e

profissionais, seus sistemas de interpretação da realidade e suas práticas com a

linguagem escrita também foi fundamental na constituição desse panorama de

pesquisa. Para reconstruir essas trajetórias, caracterizando as professoras-sujeitos

do presente estudo, tomaremos os dados que foram coletados por meio das

entrevistas, segundo roteiro do APÊNDICE J. Para identificação desses sujeitos,

usamos os termos Professora 1 (Prof.1) para a primeira professora da turma e

Professora 2 (Prof. 2) para a professora que assumiu a turma no segundo semestre.

A Professora 1 tinha entre 30 e 35 anos de idade, uma experiência de mais de dez

anos como professora, atuando com crianças do ensino fundamental e da educação

infantil em instituições públicas e particulares. Trabalhava na escola em que a

pesquisa foi realizada havia nove anos, desde quando ingressou como profissional

efetiva do Sistema Municipal de Ensino de Vitória. Além dessa atividade profissional

exercia outra voltada para a decoração e animação de festas infantis.

Sua formação acadêmica era em nível de pós-graduação, com especialização em

Psicopedagogia. Além disso, a Professora 1 também freqüentou vários cursos de

formação, entre eles, e por ordem de relevância para ela, os cursos de atualização

da Escola Balão Vermelho em Belo Horizonte, curso de Educação Especial no Rio

de Janeiro, cursos de Ensino da Arte e de Informática Educativa pela PMV

(Prefeitura Municipal de Vitória). No momento da coleta dos dados, suas atividades

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de formação continuada estavam menos intensas com algumas participações em

seminários, congressos ou similares.

No dia da entrevista, a Professora 1 tinha assinatura da Revista Época e do Jornal A

Tribuna, incluindo, em suas leituras mais comuns, a literatura Gospel.34 Costumava

ler também as revistas Nova Escola, Pátio e Presença Pedagógica. Suas atividades

culturais mais freqüentes estavam diretamente ligadas ao filho, como passeios às

praças, exposições, museus entre outros.

Nos momentos de interação com as famílias e com os profissionais da escola,

percebemos que o trabalho realizado por ela era reconhecido na comunidade

escolar. Isso era decorrente do tempo de atuação na escola e de sua experiência de

sete anos com a turma do pré. Em conversas com a equipe técnica, seu perfil

profissional foi caracterizado pelo trabalho diferenciado que vinha realizando com as

crianças dessa idade. Quando questionada sobre o tempo de atuação nessa fase da

educação infantil, a Professora 1 explicou que essa não havia sido uma opção sua,

pois, quando entrou na escola, em 1995,

Prof. 1: [...] só tinha uma turma... que era aquela que ninguém queria... que era o pré... e eu achei que ia ser ótimo... porque eu já gostava da turma... de trabalhar com essa idade... só que aí... era outra realidade [...] porque eu saí daquela história... bom... eu não posso ensinar que o “bê” com “a” faz “ba”... eu vou ensinar como?... esse menino vai aprender como?... então eu não tinha formação nenhuma... ahn... o que eu tinha pra alfabetizar eu já tinha aprendido sozinha... eu não aprendi no Magistério... eu já tinha aprendido sozinha... mas eu tinha aprendido dentro do método tradicional... já baseado na forma que eu fui alfabetizada... de ver minha mãe dá aula... minha mãe era alfabetizadora... ela me ajudou e... aí... quando eu fui pra prefeitura... eu falei assim... vou fazer o que agora?... que eu não posso ir pro quadro... e explicar como vão juntar as letras pra escrever... eles vão tirar isso da onde? (2-11-2005).

Nesse relato, a professora explicitou que a turma do pré “era aquela que ninguém

queria”, evidenciando a demanda advinda do sistema de que a alfabetização poderia

ocorrer nas turmas de seis anos. A preocupação com a alfabetização nessa etapa

da escolarização básica poderia ser observada no entrecruzamento de diversos

34 O Gospel (Evangelho, em inglês) é um gênero musical, religioso, baseado no Evangelho. Caracteriza-se pela ênfase dada ao aspecto vocal das peças musicais. As letras, de cariz religioso cristão, são combinadas com o tipo de melodia e ritmo dos gêneros musicais blues e jazz. Os cantores atuais de Gospel incorporaram no estilo elementos de música soul que, na sua origem, não eram mais que uma forma profana de Gospel. Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Gospel>. Acesso em: 15 abr. 2005.

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fatores, como: a introdução dos princípios da psicogênese da língua escrita em

movimentos de formação dos professores do Sistema Municipal, especialmente a

partir do PROFA; o uso de formulários que serviam para registrar índices

quantitativos de avaliação das escritas infantis; a elaboração de relatórios e pastas

de avaliação comprovando o percurso de desenvolvimento da linguagem escrita na

criança e dando visibilidade ao trabalho que era realizado no Centro de Educação

infantil.

No ano em que a pesquisa foi realizada, a escola fazia uso de uma pasta de

avaliação que documentava o percurso de cada criança. De acordo com

informações da pedagoga, até o ano de 2004, a escola recebia da Divisão de

Educação Infantil, da Secretaria de Educação, uma ficha bimestral para as turmas

do pré para registrar os níveis de leitura e de escrita das crianças. Essa ficha foi

cancelada a pedido dos profissionais e substituída por outras formas de registro, de

acordo com as necessidades e demandas da escola. É importante destacar que, no

período em que a Professora 1 entrou na escola, como profissional efetiva do

Sistema Municipal, sua experiência anterior de alfabetização se restringia aos

métodos sintéticos. Foram as novas demandas que a levaram a buscar cursos de

atualização das práticas fora do Estado, concretizando, desse modo, mudanças

significativas no trabalho com a linguagem escrita.

Além disso, para ajudar no planejamento das atividades, a professora também fazia

uso de vários materiais pedagógicos, como livros de Artes, as revistas Recreio, Nova

Escola e Pátio, alguns livros didáticos que lhe serviam para recortar gravuras e

buscar informações acerca das temáticas em estudo. O trabalho com projetos foi

uma característica marcante em seus depoimentos, confirmando sua adesão à

proposta pedagógica explicitada nos documentos orientadores da ação educativa.

Segundo a professora, o trabalho com projetos exigia a consulta em diferentes

fontes de pesquisa, conforme o tema em desenvolvimento e as demandas da turma.

Partindo dessa perspectiva, ela utilizava, em sua prática com a linguagem escrita na

sala de aula, diversos textos. Justificando que a escolha do texto era decorrente da

relevância que ele tinha para o momento, a professora destacou:

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Prof. 1: parlenda... eh::... jornal... músicas... e livros... né?... de literatura infantil... esse ano eu estava trabalhando com histórias em quadrinhos... o ano passado eu trabalhei com as mais belas lendas capixabas do Rodrigo Campanelli... também está muito associado ao projeto [...] quando eu trabalhei com as brincadeiras... as parlendas estavam relacionadas às brincadeiras... ao projeto... ( ) eh:: eu me envolvo muito com o projeto... aí... de acordo com aquele projeto... eu pesquiso determinado tipo de... de... portador de texto... eu não uso uma variedade muito grande não... eu já percebi isso... o ano passado eu usei muito jornal... esse ano eu já usei menos... mas teve parlendas... outras coisas que estavam relacionadas (2-11-2005).

O trabalho com projetos também é veiculado pelo PROFA que, segundo a

professora, foi uma atividade de formação importante em sua trajetória de

alfabetizadora. Defendendo o uso de uma diversidade de textos nas práticas de

alfabetização, as orientações explicitadas nesse programa de formação preconizam

que os projetos podem favorecer um trabalho com textos voltado para as práticas

sociais de leitura e de escrita. De acordo com essa perspectiva, para escolher

adequadamente os textos, são necessários alguns critérios de seleção, por exemplo:

[...] a complexidade do texto, o nível de dificuldade da atividade em relação ao texto escolhido, a familiaridade dos alunos com o tipo de texto, a adequação do conteúdo à faixa etária e a adequação dos textos selecionados e da proposta de atividade às necessidades de aprendizagem (BRASIL/PROFA, Coletânea de textos, módulo 2, p. 10).

Com base nesses critérios, o programa propõe, então, diversas possibilidades de

intervenção nas práticas de alfabetização que se aproximavam das estratégias de

leitura e de escrita utilizadas pela professora na sala de aula. Em seu depoimento

acerca desse programa de formação, a Professora 1 explicou que, embora não tenha

concluído o curso, ele lhe serviu muito, pois, além de possibilitar discussões com as

professoras da 1ª série, ajudou a ressignificar o trabalho que fazia com filipetas.

O trabalho com filipetas consiste na organização de partes do texto (palavras, frases

ou versos) que são fragmentadas em tiras para que as crianças façam relações

entre o oral e o escrito, dimensão enfatizada nessa abordagem. Essa técnica pode

ser usada, especialmente, com textos recorrentes nas brincadeiras infantis e no

cotidiano das crianças, ou seja, “[...] textos que os alunos sabem de cor [...], em que

a tarefa é descobrir o que está escrito em cada parte, tendo apenas a informação do

que trata o texto [...]” (BRASIL/PROFA, Coletânea de textos, módulo 2, p. 10). Como

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exemplos, podemos incluir as parlendas e as músicas, citadas pela Professora 1,

adivinhas, trava-línguas, poemas, quadrinhas, etc.

Essas situações são interessantes, segundo explicações oferecidas no programa, pois

favorecem o desenvolvimento de atividades de leitura sem, necessariamente, o aluno

estar alfabetizado. Por meio dessas atividades, “[...] o aluno deve pôr em uso o

conhecimento que possui sobre a escrita e receber informações parciais sobre o

conteúdo que tornem a atividade proposta um desafio compatível com suas

possibilidades” (BRASIL/PROFA, Coletânea de textos, módulo 2, p. 10). Um exemplo

desse tipo de atividade pode ser encontrado no texto 4 do módulo 2 da unidade 5 do

programa. Assim, considerando o domínio oral dos textos, busca-se estabelecer

relações gráficas propondo sua reorganização. Contudo, a ênfase na dimensão

lingüística pode incorrer no uso do texto como pretexto, uma vez que, nessas

orientações teórico-práticas, não são considerados aspectos que envolvem a relação

dialógica entre autor, leitor e texto, nem tampouco o processo de constituição de

sentidos decorrente das condições de leitura e produção textual significadas na

mediação pedagógica.

Ainda considerando as informações explicitadas pela professora durante a

entrevista, quando questionamos acerca do uso do RCNEI e das diretrizes advindas

do Sistema Municipal, ela informou que esses documentos não serviram de base

para orientar suas práticas com a linguagem escrita na escola. Entretanto, seus

depoimentos agregaram pressupostos que também estão explicitados nesses

documentos. Uma primeira ocorrência que nos possibilitou observar essa demanda

foi a razão explicitada para justificar a importância da aprendizagem da leitura e da

escrita. Para a Professora 1, a aprendizagem da leitura e da escrita era muito

importante. Em seu depoimento acerca dessa questão, ela disse:

Prof. 1: nós vivemos num mundo que... letrado... que as pessoas lêem... se você... eh::: [...] por que esse período é um período de descoberta... elas tão aguçadas para tudo... elas tão percebendo que a leitura existe... que a escrita existe... elas querem descobrir o que que está escrito ali... elas são curiosas... então elas estão abertas... né?... elas tão abertas pra aprender (2-11-2005).

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Desse modo, a professora justificou a importância da aprendizagem da leitura e da

escrita apresentando argumentos que se aproximaram das razões apresentadas pelas

crianças e pelos pais, evidenciando, assim, que também incorporou os discursos

ideológicos dominantes da sociedade capitalista em pleno desenvolvimento. A

professora confirmou ainda a vertente construtivista adotada no Sistema Municipal de

Ensino de Vitória e uma das principais implicações dessa adoção – a classificação

das crianças de acordo com os níveis de escrita propostos por Emília Ferreiro e Ana

Teberosky, ao explicitar o referencial teórico adotado em seu trabalho:

Prof. 1: durante o começo na... na prefeitura... era Emília Ferreiro... hoje... sou eu ((risos)) sou eu... entendeu?... eu... eu... faço aquilo que eu sinto que a minha turma precisa... eh:: o que que atrai... que forma que eles vão descobrindo... o que que aquela turma precisa naquele momento... gosto de classificá-los de acordo com os níveis de escrita da Emília Ferreiro... porque eu acho que... não que isso seja fundamental... até porque o mais importante não é saber em que nível que ele tá... mas é... o que que eu posso fazer com ele naquele nível... [...] (2-11-2005).

A vertente construtivista de Emília Ferreiro foi, portanto, assumida pela professora,

comprovando sua adesão aos princípios orientadores do trabalho com a linguagem

escrita na educação infantil, explicitados no RCNEI e adotados nos planos de ação do

Sistema Municipal e da instituição pesquisada. Para a Professora 1, os pressupostos da

psicogênese da língua escrita eram importantes, pois lhe permitiam obter informações

acerca das hipóteses das crianças sobre as relações entre o oral e o escrito.

Entretanto, compreendemos que a justificativa de classificar as crianças de acordo

com os níveis de leitura e de escrita, como indicativo para reelaborar as ações

pedagógicas, não possibilita escapar das implicações e dos reducionismos

subjacentes a essas práticas, uma vez que mantem, com outros matizes, uma

perspectiva classificatória na avaliação e focaliza apenas os aspectos

psicolingüísticos no processo de alfabetização.

Considerando sua trajetória de trabalho com a linguagem escrita, a Professora 1

também ressaltou que um dos grandes desafios na alfabetização das crianças nessa

fase são as expectativas das famílias e dos profissionais que atuam no ensino

fundamental, evidenciando o caráter preparatório que permeia a educação das

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crianças em fase de transição para o ensino fundamental. Em seu depoimento

acerca dessa questão, a professora explicou:

Prof. 1: [...] a família... ela tá preocupada que as crianças têm que sair escrevendo letra cursiva porque já vai ser cobrado na série seguinte... então eles já começam o pré... com essa função... eh::... tem que ler e sair fazendo letra cursiva... e a gente trabalha tantas outras coisas... que a letra cursiva é o mínimo... que pode acontecer... aí... quando eles vão para a primeira série... eu já ouvi isso... ah:: as crianças que vêm dessa escola são muito boas... mas eles não escrevem com a letrinha de mão... o próprio professor da primeira série... aí eles vão pra primeira série... acontecem várias coisas [...] (2-11-2005).

Acreditava, ainda, que era preciso avançar no trabalho com as turmas que

antecedem o pré. Seus argumentos, com relação a essa demanda, foram

explicitados em reuniões com toda a equipe na escola e confirmados em nossos

momentos de conversa. A esse respeito, assim se posicionou:

Prof. 1: eu acho que é preciso avançar no trabalho com as turmas que antecedem o pré... a maioria das professoras fez o PROFA... tem possibilidade de mudar... conversar mais com as crianças na roda... trabalhar a autonomia das crianças... falta isso... existem projetos de literatura na escola que tá muito preocupado com a estética do livro... e não com o momento de produção das crianças... pra mim é o que é mais importante... eles chegarem nesse nível de discutir... não é assim que é legal... eu tenho uma idéia melhor... é isso que eu quero... dar opinião... [...] ele vai produzir um texto... não vai escrever o texto ‘o Ivo viu a uva’... ele vai escrever um texto baseado nas suas opiniões sobre determinado assunto... você não vai ter que ficar construindo o texto com ele... ele já tem uma bagagem de discussão [...] (2-11-2005).

Com esse depoimento, a professora situou parte dos conflitos vividos não apenas no

interior da sala de aula, mas também nas relações experimentadas pelos diferentes

sujeitos que atuavam nesse espaço/tempo de produção de saberes, idéias, fazeres.

Deixou entrever, em seu discurso, uma concepção de linguagem que abarcava o

sujeito produtor de textos e não o reprodutor de palavras e frases

descontextualizadas. Essa concepção, embora permeada por uma multiplicidade de

enfoques, também pode ser observada em sua prática pedagógica, durante o período

em que esteve mediando o processo ensino aprendizagem na turma pesquisada.

A Professora 2, cuja idade também estava entre 30 e 31 anos, tinha pouca

experiência no campo educacional. Antes de entrar na escola em que a pesquisa

estava sendo realizada, trabalhava apenas em um centro de educação infantil do

Sistema Municipal de Ensino de Vila Velha, um dos municípios que compõem a

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Região Metropolitana da Grande Vitória, no qual se efetivou no ano anterior ao da

pesquisa. As outras experiências se restringiram a pequenas substituições em outra

escola pública municipal. Com crianças de seis anos de idade, a Professora 2 ainda

não havia trabalhado, assumindo a turma pesquisada em sistema de contratação

temporária, por indicação da Secretaria Municipal de Educação de Vitória (SEME).

Sua formação acadêmica era o Curso de Habilitação para o Exercício do Magistério,

com Adicional de Ciências. No ano em que a pesquisa estava sendo realizada, a

Professora 2 pôde participar de atividades de formação continuada em ambos os

sistemas municipais em que atuava, destacando o Curso de Extensão “Alfabetização

e Letramento”,35 os Seminários de Educação de Vitória e de Vila Velha e o II

Simpósio da Educação Infantil realizado na UFES. Não assinava jornais, revistas

nem periódicos, situando como portadores mais usados em suas leituras a Bíblia,

alguns livros da área de educação que possuía e os jornais disponibilizados nas

escolas. Suas atividades de lazer mais freqüentes estavam circunscritas a

shoppings, cinemas e parques da cidade.

Esses aspectos de sua trajetória profissional mobilizaram a comunidade educativa

que, diante da situação instaurada, teve que se estruturar no sentido de auxiliar a

nova professora da turma em questões mais rotineiras da prática educativa, como a

organização da rotina diária na sala de aula e de ambiente propício ao andamento

das atividades, com reorganização das regras de convivência. Além disso, outro

desafio que se impunha nessa mudança foi o planejamento das atividades

priorizando as temáticas que estavam sendo desenvolvidas com a turma e os

projetos institucionais. Buscando atender a essa necessidade, a equipe técnica

reestruturou o horário de planejamento a fim de possibilitar encontros semanais

entre a Professora 2 e a professora da outra turma de seis anos e intensificou o

acompanhamento das atividades docentes.

35 A Professora 2 destacou que esse curso foi muito importante em sua trajetória profissional, trazendo contribuições que lhe possilitaram ressiginificar sua prática com a linguagem escrita. O curso foi ministrado pela Profª Drª Cláudia Maria Mendes Gontijo, em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo, envolvendo dois centros de educação infantil. Ocorreu no período de agosto a novembro de 2005, totalizando uma carga horária de 30h/a e teve como principal finalidade o aprimoramento teórico e metodológico na alfabetização.

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Toda essa demanda exigiu da Professora 2 uma nova atitude em frente aos desafios

do cotidiano escolar e uma maior proximidade com os sujeitos envolvidos nesse

processo, inclusive para atender às expectativas dos familiares que se colocaram

com maior intensidade. Nesse período, buscamos maior aproximação com a

professora, ajudando-a a refletir acerca das situações vividas durante o processo de

ensino aprendizagem, cooperando nas demandas práticas da sala de aula e na

(re)organização das normas de convivência.

Na opinião da Professora 2, a aprendizagem da leitura e da escrita também era

muito importante, uma vez que

Prof. 2: [...] o mundo cobra isso da gente... a gente tem que ter uma leitura... saber escrever... pra estar inserido no mercado de trabalho... senão... hoje em dia... quem não tem uma boa leitura... uma boa... não sabe ler... não sabe escrever... hoje em dia tudo é concurso... né?... você tem que tá preparado pra tudo... tem que ter o curso superior... tem que tá preparado... se não tem uma boa leitura... não sabe escrever fica para trás [...] (19-12-2005).

A concepção utilitarista da alfabetização também se presentificou na fala da

Professora 2. Esse aspecto nos remete a considerar que, embora apresentando

experiências e formações profissionais diferentes, a visão pragmática de

alfabetização pôde ser observada nos discursos das duas professoras, evidenciando

que os mecanismos de veiculação das ideologias dominantes no campo da

alfabetização ocorrem por diferentes esferas de circulação. Partindo de uma ênfase

nas relações econômicas e sociais impostas pelo mercado de trabalho, a razão

explicitada pela Professora 2 revela a dinâmica social em que se instauram as

relações de exclusão e de poder que, provavelmente, também foram

experimentadas por ela em sua trajetória de vida profissional.

Mesmo considerando que a aprendizagem da leitura e da escrita era fundamental

para as crianças, apresentando argumentos que enfocaram uma funcionalidade

pragmática dessa forma de linguagem, a Professora 2 não tinha clareza do trabalho

a ser desenvolvido com as crianças em sala de aula, explicando que não tinha nada

em mente quando assumiu a turma em que a pesquisa estava sendo realizada.

Tomando como justificativa sua pouca experiência no campo educacional, ela

explicou, ainda, que contou com a ajuda de algumas pedagogas para trabalhar com a

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leitura e a escrita espontânea, afirmando que considerava importante “[...] sempre

pedir pra escrever... mas espontânea... nada de cópia [...]” (PROF. 2, 19-12-2005).

Dentre os materiais que costumava consultar para subsidiar seu trabalho com as

crianças, estavam os livros que traziam relatos de experiência com a Pedagogia de

projetos, livros que abordavam questões relacionadas com a Psicopedagogia e a

Psicomotricidade, a revista Nova Escola e algumas coleções didáticas. Conhecia o

Referencial Curricular para a Educação Infantil, pois participou de grupos de estudo que

tomou por base esse documento, acreditando que ele também oferecia importantes

contribuições. Devido à sua curta trajetória no Sistema Público Educacional, não teve

acesso ao Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA) nem

tampouco às diretrizes curriculares do Sistema Municipal.

Embora esses aspectos tenham trazido implicações para o trabalho realizado em

sala de aula, outros fatores contribuíram para a efetivação de uma prática com a

linguagem escrita que tomou por base a unidade textual. Dentre eles, o

compromisso e a participação da professora em diferentes trabalhos de formação,

especialmente no Curso de Extensão Alfabetização e Letramento, cujo tempo foi

mais prolongado e favoreceu a maior aproximação com as práticas, além das

relações que foram se constituindo no interior da escola, inclusive em decorrência de

nossa presença em campo. Ao final do ano, a professora conseguia observar que o

trabalho com textos foi privilegiado em suas práticas, reconhecendo que organizou

atividades em que foram tomados:

Prof. 2: eh:: jornais... recortes de jornais... informativos né?... de jornais... eh:: mais recorte de jornal... escrita espontanea né... eh:: poesia... eu trabalhei bastante com poesia né?... jornais... poesias... eh:::: notícias... eu tava comentando no grupo de estudo... eh... que eu fiz uma atividade com as crianças do pré... a pré-escola... comentei sobre as crianças abandonadas né?... que passou no Globo Repórter né?.... que falou... é isso... notícias... só isso [...] trabalhei com histórias infantis diversas né?... algumas da Eva Furnari né?... e outras histórias infantis... eh:::: histórias em quadrinhos também que a gente trabalhou... trabalhei bastante coisa com histórias em quadrinhos... e... como é que fala?... eh:::: contos né... que fala... aquelas historinhas que eu contei (19-12-2005).

Para a Professora 2, além dos aspectos delineados, uma outra questão que se

constituiu em desafio para a sua prática foi a cobrança dos pais, observada “[...] na

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expectativa deles que os filhos saem lendo... escrevendo... pra tá preparado para a

primeira série [...]” (PROF. 2, 19-12-2005). Além disso, ela também se sentia muito

cobrada pela escola e pelas demandas decorrentes da teoria que orientava o

trabalho com a linguagem escrita nesse contexto escolar.

Prof. 2: [...] eu senti assim... eh:: que eu tinha que dar conta dessa turma até o final do ano... o trabalho já tinha sido começado por outra professora... e... eu não entendia muito bem... não tava muito por dentro do/da psicogênese da linguagem escrita né?... que é o nível pré-silábico... silábico... alfabético... então eu tive que sair... eu tive que fazer uma pesquisa... peguei até umas apostilas que eu tinha... estudei a psicogênese da língua escrita... porque... eh:::: eu senti que a escola tinha uma grande preocupação com a criança sair de lá bem... lendo... ou mais ou menos quase chegando ao nível de ler... escrever... então eu tinha muita preocupação com essa escola... eu tinha que dar conta disso ( ) foi muito difícil... pra mim foi (19-12-2005).

Essas questões interferiram diretamente no processo ensino aprendizagem da

linguagem escrita na turma pesquisada, configurando-se em diferentes movimentos

que revelaram a complexidade de concepções e enfoques que se entrelaçaram no

cotidiano das práticas educativas.

Desse modo, a caracterização da instituição e dos sujeitos envolvidos em nosso

estudo, assim como o delineamento geral do trabalho com a linguagem escrita na

turma pesquisada nos permitiram o reconhecimento dos aspectos que envolveram

as práticas educativas. Nesse contexto, o desvelamento das condições mediatas de

produção dos textos se constituiu como fator fundamental para captar o processo de

integração do singular com o social, do texto com o seu contexto, do particular como

instância de uma totalidade que é histórica, social e cultural. Essas condições serão

descritas no capítulo que se segue, quando empreenderemos esforços no sentido

de analisar os eventos mediados pela linguagem escrita, buscando a compreensão

do processo de constituição de sentidos no trabalho de escritura realizado pelas

crianças e pelas professoras na dinâmica social que permeia as práticas educativas

no interior da sala de aula.

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129

5 O TRABALHO COM TEXTOS NA SALA DE AULA

Delineadas as considerações sobre os princípios teóricos e metodológicos que

orientaram nosso estudo, vamos analisar, neste capítulo, os eventos mediados pela

linguagem escrita no contexto da sala de aula pesquisada. Conforme situamos, essa

sala de aula fazia parte de uma instituição de educação infantil do Sistema Municipal

de Ensino de Vitória. A turma era composta por 23 crianças entre seis e sete anos

de idade. Partindo da perspectiva Histórico-Cultural na Psicologia e da abordagem

bakhtiniana de linguagem, a análise desses eventos teve por objetivo compreender

como se desenvolveram os trabalhos de escritura realizados pelas crianças e pelas

professoras nas práticas educativas investigadas.

Procuramos, nesse sentido, encontrar respostas para as questões que orientaram

nosso olhar investigativo em campo a fim de compreender: como as perspectivas

teóricas que orientavam o trabalho com a linguagem escrita na instituição

investigada foram apropriadas nas práticas de ensino das professoras? Quais

concepções de linguagem e de sujeito estavam subjacentes a essas práticas? Quais

aspectos eram privilegiados no trabalho com textos na sala de aula? As duas

primeiras questões serão discutidas a partir do conjunto de dados analisados neste

capítulo e as respostas à última questão serão buscadas ao longo das análises.

Assim, procuramos reunir neste relatório eventos que consideramos fundamentais

para configurar a dinâmica do trabalho com a linguagem escrita no contexto

focalizado. A opção de tomarmos os eventos como ponto de partida para as análises

se apóia na concepção bakhtiniana de ato/atividade e evento, interpretada por

Sobral (2005). Segundo o autor, o termo evento pode ser definido como “[...] o

processo de irrupção de entidades, ou objetos, no plano histórico concreto [...], como

a presentificação, ou apresentação, dos seres à consciência viva, isto é, situada no

concreto” (SOBRAL, 2005, p. 26). Nessa perspectiva, o evento é compreendido

como “[...] um ato abarcador que inclui os vários atos da atividade humana ao longo

desse diálogo permanente que é a vida” (SOBRAL, 2005, p. 27).

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Aproximando-se dessa concepção, Marcuschi (2003, p. 5)36 caracteriza o evento

como “[...] uma grandeza sócio-interativa vista sob seu aspecto de realização

contemplando os atores e toda a organização”. Desse modo, exemplifica o autor, a

aula pode ser tomada como um evento e, nesse sentido, os que podem ser

observados são diversos. Em nosso estudo, as situações observadas em sala de

aula foram tomadas como eventos interdiscursivos decorrentes do processo de

ensino aprendizagem escolar, tendo como foco de observação os processos

mediados pela linguagem escrita, mais especificamente, os eventos em que as

crianças eram incentivadas a produzir textos escritos.

Conforme situamos, foram registrados, em nosso corpus de pesquisa, cerca de 60

eventos. Nesses eventos, ocorreram várias situações que envolveram a linguagem

escrita como objeto de ensino aprendizagem. Entretanto, considerando as

finalidades deste estudo, fizemos um levantamento dos eventos observados a fim de

identificar aqueles que objetivaram a “produção de textos”. Esse levantamento pode

ser observado no quadro apresentado no APÊNDICE Q. Nele organizamos todas as

propostas de trabalho e concluímos que, em 18,5% dos 60 eventos (11 eventos)

observados em sala de aula, as atividades de produção privilegiaram o desenho; em

28,5% dos eventos (17 eventos), a linguagem escrita foi tomada em atividades que

enfatizaram o trabalho com o sistema lingüístico (como as relações entre sons e

letras); e em 53% dos eventos (32 eventos), ocorreram situações de produção de

textos escritos. É importante explicar que a predominância de atividades que

envolveram a linguagem escrita é decorrente da nossa presença em campo somente

nos dias destinados pelas professoras ao trabalho com essa forma de linguagem.

Nos outros dias da semana, eram desenvolvidas atividades que contemplavam

outras áreas de conhecimento, particularmente, a Matemática.

Considerando a diversidade de trabalhos produzidos, optamos por organizar as

situações de escrita observadas em sala de aula tomando como referência os

gêneros textuais trabalhados. Essa categoria foi definida a partir das idéias

desenvolvidas por Bakhtin (2003) sobre os gêneros discursivos.

36 Disponível em: <http://bbs.metalink.com.br/~/coscarelli>. Acesso em: 1º maio 2006.

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131

Inseridos no campo de emergência da prosa comunicativa, os estudos sobre os

gêneros discursivos em Bakhtin enfocam a dimensão dialógica das relações

comunicativas. Nessas relações, os gêneros do discurso passam a ser concebidos

nas diversas esferas de uso da linguagem, em sua pluralidade de formas e

manifestações. Salientando a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso,

Bakhtin afirma:

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada grupo dessa atividade é integral o repertório de gênero dos discursos, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica determinado campo (BAKHTIN, 2003, p. 262).

Nesse sentido, Bakhtin faz uma distinção entre os gêneros discursivos primários (os

gêneros simples da comunicação cotidiana) e os secundários (os elaborados a partir

de códigos culturais complexos), ressaltando que eles se complementam e se

modificam em decorrência do contexto comunicativo, das circunstâncias de uso da

linguagem. De acordo com o autor, a noção precisa da natureza do enunciado em

geral e das particularidades dos gêneros discursivos é fundamental, uma vez que “[...]

a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é

igualmente através de enunciados que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2003, p.

265). Com isso, Bakhtin reafirma a importância de se pensar os gêneros como elos

na cadeia de comunicação verbal, como discursos que dinamizam as relações

sociais e culturais entre as pessoas.

Assim, em cada campo da atividade humana existem e são utilizados gêneros que

correspondem às necessidades e condições específicas desse campo. De acordo

com Bakhtin (2003, p. 261),

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional.

O conteúdo temático, o estilo e a construção composicional estão, portanto,

interligados no todo do enunciado que se constitui na perspectiva dialógica da

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linguagem, como a unidade real da comunicação discursiva, pois, quando nos

expressamos, o fazemos por meio de determinados gêneros do discurso. Assim,

todos os enunciados se assentam em formas relativamente estáveis e típicas do

discurso, constituindo-se em gêneros discursivos. “Eis por que a experiência

discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma

interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros”

(BAKHTIN, 2003, p. 294). Concebido como um elo, na cadeia da comunicação

verbal, os limites do enunciado são determinados pela alternância dos sujeitos do

discurso, uma vez que

Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns aos outros. Esses reflexos mútuos lhes determinam o caráter. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma rreessppoossttaa aos enunciados precedentes de um determinado campo [...]: ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta (BAKHTIN, 2003, p. 297, grifo do autor).

Contudo, ressalta Bakhtin, os enunciados não estão ligados apenas aos elos

precedentes, pois estes também se constroem levando em conta o seu

endereçamento, ou seja, o outro, que pode ser o interlocutor imediato ou o

representante do grupo médio, da coletividade. O dialogismo bakhtiniano, nesse

sentido, redimensiona o gênero como uma manifestação da experiência humana

que não pode ser pensada fora da sua dimensão espaço-temporal e de sua

existência cultural. Desse modo,

O gênero, na teoria do dialogismo, está inserido na cultura, em relação ao qual se manifesta como ‘memória criativa’ onde estão depositadas não só as grandes conquistas das civilizações, como também as descobertas significativas sobre os homens e suas ações no tempo e no espaço (MACHADO, 2005, p. 159).

Nessa perspectiva, os fenômenos culturais são marcados pela mobilidade

espaço/temporal nas quais as possibilidades discursivas são infinitas e suscetíveis

de transformação, ou seja, se constituem em função das formações interdiscursivas

em determinados contextos e circunstâncias de uso. Assim, os discursos

materializados em forma de textos – os gêneros textuais – foram tomados em nosso

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133

estudo como uma manifestação da cultura humana redimensionada no contexto das

práticas de ensino aprendizagem da linguagem escrita, pois compreendemos que o

trabalho com essa forma de linguagem no contexto escolar também se realiza em

função de escolhas efetuadas dentre as formas estáveis dos enunciados. Conforme

apontam Dolz e Schneuwly (2004, p. 51),

[...] o trabalho escolar, no domínio da produção da linguagem, faz-se sobre os gêneros, quer se queira ou não. Eles constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade.

Contudo, a circulação dos gêneros discursivos na esfera institucional escolar é

marcada por matizes singulares desse contexto comunicativo. Como materialidade

didática, o gênero se situa em um outro espaço de circulação que o desloca de seu

funcionamento real. Assim, ao tomar o texto como objeto de ensino aprendizagem, a

instituição escolar cristaliza formas específicas de comunicação provocando, de

acordo com Dolz e Schneuwly (2004), um desdobramento nas relações

interdiscursivas que se caracteriza pelo fato de que

O aluno encontra-se, necessariamente, num espaço do ‘como se’, em que o gênero funda uma prática de linguagem que é, necessariamente, em parte, fictícia, uma vez que é instaurada com fins de aprendizagem (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 76).

Decorre daí, então, a necessidade de pensar os discursos concretizados em forma

de texto no contexto enunciativo das comunicações, ou seja, em suas condições

concretas de produção. Isso significa reconhecer que o texto se realiza como uma

prática interdiscursiva que envolve aspectos sociais, históricos e culturais, como

produto do trabalho entre locutores e interlocutores nas situações reais de uso da

língua que definem sua estabilidade e a sua constituição em forma de gênero.

Partindo desses pressupostos, buscamos identificar os gêneros textuais que

circularam na sala de aula, instaurando práticas com a linguagem escrita, por meio do

mapeamento geral das condições de produção dos textos produzidos pelas crianças e

pelas professoras nos dias em que estivemos em campo (conforme APÊNDICE Q).

Esse mapeamento possibilitou a identificação de situações de escrita que tomaram

por base aspectos constitutivos de determinados gêneros textuais. Desse modo, da

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totalidade dos textos coletados e arquivados em nosso corpus de pesquisa,

encontramos produções que se configuraram em: história em quadrinhos (49 textos),

reescrita a partir de histórias em quadrinhos (68 textos), texto de opinião (108 textos),

relatório (7 textos), lista de palavras (29 textos), reconto (20 textos), relato pessoal (15

textos), bilhete (4 textos), carta de solicitação (10 textos), poema (1 texto).

Podemos observar que há uma considerável diferença quantitativa dos textos

correspondentes a cada gênero. Essa diferença se justifica por duas razões:

primeiro pelas condições de produção dos textos que, em determinadas

circunstâncias, ocorria individualmente, em duplas, em pequenos grupos ou ainda se

constituía em uma produção coletiva envolvendo todas as crianças; segundo, devido

à freqüência de situações observadas em que ocorreram tais propostas de

produção, conforme mostra a tabela que se segue.

Situações de escrita observadas em sala de aula

Gênero textual F % Texto de opinião História em quadrinhos Reescrita de histórias em quadrinhos Relatório Lista de palavras Reconto Relato pessoal Bilhete Carta de solicitação Poema

08 06 06 03 03 02 01 01 01 01

25,00 18,75 18,75 9,38 9,38 6,26 3,12 3,12 3,12 3,12

Total 32 100

Os dados observados na tabela indicam que alguns gêneros textuais tiveram maior

repercussão no trabalho com a linguagem escrita no universo pesquisado, por

exemplo, as histórias em quadrinhos e os textos de opinião. Considerando os

contextos de produção, que serão delineados no decorrer das análises, acreditamos

que a predominância de determinados gêneros ocorreu, particularmente, em função

das demandas institucionais. Conforme situamos na caracterização da instituição, os

profissionais da escola discutiam e definiam projetos de trabalho para serem

desenvolvidos no decorrer do ano letivo, em todas as classes. Nesse sentido, foram

definidos dois grandes projetos que orientaram o processo de ensino aprendizagem

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na sala de aula pesquisada: o projeto de literatura que envolveu as histórias em

quadrinhos e o projeto que abordou a temática dos direitos das crianças.

Embora tenha ocorrido certa ênfase em determinadas situações de escrita,

consideramos que o trabalho com textos se configurou em uma dimensão relevante

do processo de ensino aprendizagem da linguagem escrita, suscitando importantes

indícios para compreendermos a dinâmica das práticas educativas investigadas.

Reconhecendo, contudo, os limites desta pesquisa, consideramos dois critérios

fundamentais para a organização dos dados a serem analisados: a) a abordagem

intencional e sistemática do gênero, focalizando aqueles que foram tomados como

objeto de estudo no interior da sala de aula; b) a recorrência das propostas de

produção, evidenciando os gêneros textuais que mais se manifestaram na sala de

aula investigada. A partir desses critérios, privilegiamos nas análises as histórias em

quadrinhos e os textos de opinião.

Assim, voltamos nosso olhar para as condições de produção dos textos buscando

evidenciar: como eram delineadas essas condições? Quais movimentos suscitavam

entre as crianças? Como as crianças respondiam a essas propostas de produção?

Quais aspectos dessa atividade interdiscursiva eram concretizados nos textos-

produto dessa ação? Como as crianças materializavam seus discursos a partir das

propostas enunciadas pelas professoras? O que revelavam em seus textos e como

se constituíam, nessa atividade, sujeitos de idéias, opiniões, saberes, valores,

cultura?

Para proceder às análises das situações de trabalho com a linguagem escrita,

tomamos por base um percurso descritivo-explicativo abordando os seguintes

aspectos:

a) o contexto imediato de produção;

b) os processos que se desenvolveram durante o trabalho de escritura;

c) os textos resultantes do processo de produção.

No delineamento do contexto imediato, contemplaremos a análise das condições de

produção dos textos, focalizando as instruções explicitadas pelas professoras para o

trabalho de escritura. Para a análise dessas condições, tomaremos como referência

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a proposta apresentada por Geraldi (2003). Ao discorrer sobre o processo de ensino

aprendizagem da língua, o autor explica que, no trabalho de produção de textos na

sala de aula, é essencial que sejam configuradas condições para que:

a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que

diz para quem diz [...]; e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d)

(GERALDI, 2003, p. 137).

Considerando, portanto, que esses elementos se constituem em condições

fundamentais para a produção de textos, analisaremos se, como e quando essas

condições foram enunciadas pelas professoras e que efeitos provocaram nas

crianças, buscando descrever e interpretar os movimentos e as relações que se

desenvolveram nos momentos de produção dos textos, tomando por base as

situações de interação verbal que se instauraram durante o trabalho de escritura.

Por fim, tomaremos, para análise, os textos produzidos pelas crianças e pelas

professoras, buscando dar visibilidade às escolhas lingüístico-discursivas e aos

modos de articulação dos enunciados, tendo em vista a constituição de sentidos dos

textos.

5.1 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

A existência cultural do gênero história em quadrinhos (HQ) em nosso meio social é

recente. Embora a história da humanidade tenha sido registrada por recursos

icônicos, desde o remoto tempo das cavernas, a concepção seqüencial das histórias

em quadrinhos e, portanto, a sua reprodução gráfica em grande escala só surgiu a

partir do século XIX. Higuchi (1997), em artigo intitulado Super-Homem, Mônica &

Cia – publicado no volume 3 da coleção Aprender e ensinar com textos, aponta que

o marco histórico dos quadrinhos no cenário brasileiro ocorreu com as histórias do

personagem “Nhô Quim”, do caricaturista italiano Angelo Agostini (1869). Outra

ocorrência datada nesse período foi a do norte-americano Richard Outcault (1896) e

seu famoso personagem “Yellow Kid”.

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137

Como uma nova forma de manifestação cultural, as histórias em quadrinhos foram

reconhecidas no mercado editorial de forma progressiva, sendo, inclusive,

censuradas por apresentarem palavrões, cenas de sexo, valores políticos e

ideológicos contraditórios aos veiculados pela classe dominante. No caso brasileiro,

de acordo com as informações apresentadas por Higuchi (1997), principalmente na

década de 1960, as histórias em quadrinhos foram incluídas no rol de obras literárias

de grande eficácia no movimento nacionalista com intensos embates no mercado

editorial, devido ao monopólio das obras norte-americanas. Atualmente, além dos

clássicos americanos que tiveram intensa penetração no cenário brasileiro, circulam

entre nós uma variedade de histórias em quadrinhos de autores que se tornaram

muito conhecidos, como Maurício de Souza e Ziraldo.

A divulgação em veículos de comunicação massiva – especialmente em jornais – a

introdução de diversos estilos e a integração da linguagem verbal ao texto visual

foram aspectos que marcaram as produções contemporâneas das histórias em

quadrinhos. Segundo Mendonça (2005), após a consolidação das histórias em

quadrinhos em jornais, as publicações também passaram a ocorrer em outros

suportes textuais,37 como os gibis e os almanaques, tipos de revistas dedicadas ao

gênero, em livros, em revistas variadas e até em meios virtuais. Devido às suas

características textuais, as histórias em quadrinhos são facilmente identificáveis.

Contudo, considerando o seu funcionamento discursivo, esse gênero, a exemplo de

outros, também apresenta certa complexidade. Desse modo, que características são

constitutivas das histórias em quadrinhos?

No artigo publicado por Cademartori (2003), intitulado Criança e quadrinhos,

encontramos contribuições interessantes acerca dos aspectos textuais que orientam

a leitura e a produção de histórias em quadrinhos. Segundo a autora, as histórias em

quadrinhos agregam elementos da cultura literária ficcional que acenam para estilos

humorísticos, eróticos e de aventura ancorados em uma tipologia textual que

envolve, predominantemente, aspectos da ordem do narrar por meio de uma

sucessão de imagens fixas e organizadas em seqüência.

37 Neste estudo tomamos o termo suporte textual a partir das idéias explicitadas por Marcuschi (2003,

p. 8), reconhecendo-o como “[...] um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”. Ou seja, uma superfície na qual se mostra um texto.

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Nas histórias em quadrinhos, a seqüência narrativa é delineada em vinhetas que se

sucedem formando tiras de imagens separadas por espaços em branco e/ou por um

traço. Esse enquadramento das imagens permite recortar o espaço/tempo dos

acontecimentos e das ações que é conectado não apenas pela contigüidade das

vinhetas, mas também pelos elementos verbais e visuais que constituem o todo de

sentido do texto. Assim,

Ocorre na história em quadrinhos um intercurso entre códigos. O verbal remete a unidades que a visão apreende. A imagem sugere o que o verbal não diz. Entre o visual e o verbal são estabelecidas interações mediadas por relações lógicas, e são essas relações que, ao transpor o que é exclusividade de cada código, instituem o plano da narratividade (CADEMARTORI, 2003, p. 51).

De acordo com Higuchi (1997), a mensagem lingüística dos quadrinhos compreende

o aspecto narrativo e o diálogo. O aspecto narrativo engloba a descrição do quadro,

da situação, das ações e os marcadores de tempo. Geralmente, esses elementos

são dispostos fora da cena. O diálogo ocorre por meio dos balões incorporando o

texto verbal à imagem. O balão é um elemento das histórias em quadrinhos muito

utilizado e, por isso, se constitui em um traço bastante expressivo desse gênero. Ele

não se reduz ao conteúdo lingüístico, uma vez que apresenta formas, apêndices e

contornos variados que indicam o discurso direto, ou seja, a fala das personagens

em seus diferentes modos: em tom de voz normal, em voz baixa, sussurrada, alta,

gritos, distante, por telefone, pensamentos, lembranças, devaneios. Os balões

também revelam emoções e situações que suscitam raiva, medo, alegria, tristeza,

susto, dor, etc.

Os aspectos lingüísticos também possuem algumas convenções peculiares que

contribuem na produção de sentidos do texto, por exemplo, o tamanho e a espessura

das letras e as onomatopéias. Nesse caso, os tipos de letras, as onomatopéias e os

balões se transformam em ícones que contribuem na produção de sentidos do texto de

forma indireta. Segundo Cademartori, os aspectos lingüísticos atuam nas histórias

em quadrinhos com a função de diminuir a polissemia da imagem, pois “[...] reduz

seu grau de ambigüidade e identifica elementos narrativos, como perfil das

personagens, relações de tempo e de espaço, evolução da trama” (CADEMARTORI,

2003, p. 49).

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139

Quanto ao texto visual, podemos dizer que esse se constitui em recurso discursivo

predominante nas histórias em quadrinhos. Higuchi (1997), tomando as

contribuições de Cagnin, numa publicação de 1975, explica que a linguagem visual

das histórias em quadrinhos inclui sinais de tipo natural, como a nuvem escura, e de

tipo artificial, como os ícones e os símbolos. Os ícones são figurativos, imitativos e

servem para representar o real. Os símbolos não se relacionam diretamente com o

real e sua significação é baseada em acordos. Por exemplo, uma lâmpada acesa

pode se transformar em um símbolo que representa uma boa idéia.

As imagens, de acordo com a abordagem apresentada por Higuchi (1997), podem

ser classificadas, de forma genérica e dependendo do grau de distanciamento da

realidade, como realistas, estilizadas ou caricatas, com gradações e enfoques sutis

que possibilitam entrecruzamentos entre elas. Ainda é importante destacar que as

imagens são apresentadas por meio de diferentes enquadramentos, ou seja, por

diferentes planos pictóricos. Podem aparecer em detalhes ou pormenores, em

primeiro plano ressaltando a cabeça e os ombros das personagens, em plano médio

ou aproximado que produz um pequeno afastamento da figura, em plano americano

mostrando a figura até os joelhos, em plano de conjunto apresentando o corpo

inteiro, em plano geral ou panorâmico englobando todo o cenário, em perspectiva ou

em planos plongé e contre-plongé focalizando as personagens de cima e de baixo.

São esses planos que marcam o ritmo das imagens aproximando, distanciando ou

deslocando personagens e cenários. Essas características marcantes das histórias

em quadrinhos mudam de acordo com o público leitor. No caso das histórias infantis,

o ritmo é mais lento, sem grandes variações de planos, os quadros apresentam

tamanhos mais regulares e a seqüência é mais convencional.

Outro aspecto que caracteriza esse gênero textual é a expressão sintética dos signos

verbais e visuais. Nas histórias em quadrinhos, geralmente são privilegiados traços

característicos das imagens e um mínimo de palavras para as falas do narrador e das

personagens. Em algumas produções, a narrativa acontece no limite de três ou quatro

vinhetas, reduzindo-se a efeitos de narração que se complementam em outras

publicações, constituindo-se em episódios rápidos, como as tiras publicadas em

jornais. A repetição também é um fator característico dos quadrinhos. Por meio da

repetição de personagens, de temas, de cenários, são instauradas relações entre uma

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140

história e outra, possibilitando o desenvolvimento e a continuidade das aventuras.

Desse modo, considerando esses elementos típicos, as histórias em quadrinhos

podem ser caracterizadas “[...] como um gênero icônico ou icônico-verbal narrativo cuja

progressão temporal se organiza quadro a quadro” (MENDONÇA, 2005, p. 199-200).

Esses aspectos constitutivos do gênero situam as histórias em quadrinhos no campo

da produção cultural intermidiática atingindo um auditório social caracterizado,

predominantemente, pelo público infanto-juvenil. A familiarização com o universo dos

quadrinhos e suas personagens ocorre, geralmente, antes mesmo de a criança ter

acesso à narrativa impressa por meio da apropriação temática decorrente das

comercializações de roupas, calçados, materiais escolares, ornamentos para festas,

brinquedos e tantos outros itens que circundam o cenário mercadológico infantil.

Além desses fatores, as crianças também desfrutam de imagens veiculadas pela

televisão, especialmente nos desenhos animados que incorporam personagens das

histórias em quadrinhos.

Atualmente, devido à aproximação com o universo infanto-juvenil, as histórias em

quadrinhos têm sido incorporadas com mais intensidade ao contexto escolar. No

caso pesquisado, a entrada das histórias em quadrinhos na sala de aula foi

decorrente de uma escolha feita pela Professora 1, conforme anotações em diário de

campo (6-5-2005, p. 16). Buscando atender à demanda institucional de trabalhar

com a literatura infantil por meio de projetos, a Professora 1 fez opção por esse

gênero, porque suas características textuais poderiam aproximar as crianças da

leitura e da escrita de maneira mais prazerosa. Além disso, de acordo com as

justificativas apresentadas pela professora, as histórias em quadrinhos também abrem

diferentes possibilidades de registro, com uso de recursos variados, o que, em sua

opinião, atenderia às necessidades da turma em processo inicial de alfabetização.

Com relação aos usos desse gênero no contexto escolar, Mendonça (2005) alerta

para o fato de que, como as histórias em quadrinhos apresentam semioses distintas,

articuladas por meio de recursos verbais e não-verbais que contribuem para o

processo de constituição de sentidos, tornando-as mais acessíveis às crianças em

fase inicial de apropriação da linguagem escrita, sua entrada no espaço escolar

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ocorre, em muitos casos, influenciada por essa relativa facilidade, provocando a “[...]

falsa premissa de que ‘ler quadrinhos é muito fácil’ [...]” (MENDONÇA, 2005, p. 202).

De acordo com Marcuschi (2005), o florescimento da cultura impressa e o crescente

processo de industrialização das sociedades modernas provocaram a ampliação e a

complexificação dos gêneros, tanto os orais como os escritos. Sua integração

funcional nas culturas em desenvolvimento evidencia que os gêneros “[...] caracterizam-

se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por

suas peculiaridades lingüísticas e estruturais [...]” (MARCUSCHI, 2005, p. 20). E isso

não quer dizer que podemos desprezar as suas peculiaridades formais, mas que

estas se constituem em função das condições reais da enunciação, o que nos obriga

a reconhecer que, “[...] quando denominamos um gênero textual, não denominamos

uma forma lingüística e sim uma forma de realizar lingüisticamente objetivos

específicos em situações sociais particulares” (MARCUSCHI, 2005, p. 29).

Assim, tendo em vista os aspectos constitutivos do gênero, suas esferas de

circulação e finalidades comunicativas, compreendemos que a sua inserção no

espaço escolar, como objeto de ensino e de aprendizagem, requer, como explicam

Dolz e Schneuwly (2004), uma articulação coerente entre as práticas sociais de

linguagem e as atividades de linguagem dos aprendizes. De acordo com os autores,

“[...] dentre as diversas atividades humanas, a atividade de linguagem funciona como

uma interface entre o sujeito e o meio e responde a um motivo geral de

representação-comunicação” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 73, grifo dos autores).

Partindo da perspectiva bakhitiniana de linguagem, Dolz e Schneuwly (2004, p. 74,

grifo dos autores), defendem que “[...] é através dos gêneros que as práticas de

linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes”. Entretanto, a definição

de um gênero, como suporte da atividade de linguagem, aponta, necessariamente,

um trabalho que leva em conta seus elementos constitutivos, reconhecidos pelos

autores em três dimensões essenciais:

1) os conteúdos e os conhecimentos que se tornam dizíveis por meio dele; 2) os elementos das estruturas comunicativas e semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes ao gênero; 3) as configurações específicas de unidades de linguagem, traços, principalmente, da posição enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de seqüências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 75).

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Nessa perspectiva de trabalho com gêneros na sala de aula, entram em cena, então,

as capacidades de linguagem dos sujeitos, pois a produção de um gênero, numa

determinada situação de interação, pressupõe, de acordo com Dolz e Schneuwly

(2004), a capacidade de ação, a mobilização de modelos discursivos e o domínio de

operações lingüístico-discursivas. Considerando as semioses que configuram os

enunciados materializados em forma de histórias em quadrinhos, esses aspectos

também são essenciais para o desenvolvimento das atividades de linguagem no

contexto das práticas educativas institucionalizadas, evidenciando a necessidade de

conciliação de estratégias de ensino adequadas, ou seja, “[...] a busca de intervenções

no meio escolar que favoreçam a mudança e a promoção dos alunos a uma melhor

mestria38 dos gêneros e das situações de comunicação que lhes correspondem”

(DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 53).

Desse modo, como foram organizadas as situações de ensino aprendizagem com o

gênero histórias em quadrinhos na sala de aula pesquisada? O trabalho com

quadrinhos teve início no primeiro bimestre do ano letivo, estendendo-se até o final

do ano. Sua circulação, no interior da sala de aula, ocorreu por meio de diferentes

suportes textuais, como gibis, almanaques, jornais e livros. As histórias também foram

apresentadas às crianças em cartazes, em transparências e por meio de cópias

xerografadas. A partir dessas histórias, foram desenvolvidas várias atividades que, de

maneira geral, se configuraram em torno de duas principais demandas: a produção

de histórias em quadrinhos e a reescrita a partir de histórias em quadrinhos.

Passaremos, então, a analisar como se desenvolveram essas práticas de produção

de textos na sala de aula, buscando compreender o processo de constituição de

sentidos que permeou o trabalho dos sujeitos.

5.1.1 A produção de histórias em quadrinhos

Iniciaremos nossas análises considerando os eventos registrados em nosso corpus

de pesquisa em que foram instauradas as situações de produção de histórias em

quadrinhos. Por meio do levantamento realizado e explicitado no Quadro 1,

podemos observar um panorama dessas situações:

38 O termo mestria foi usado inicialmente por Dolz (1994) e remete à idéia de domínio em Vigotski.

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Evento: data Contexto de produção Proposta de produção

02: 11-5-2005 Projeto de literatura: História em quadrinhos Dia das mães

Compor uma história com quatro quadrinhos, observando começo, meio e fim

07: 31-5-2005 Projeto de literatura: História em quadrinhos

Contar (em pequenos grupos) uma história em três quadrinhos, com começo, meio e fim, usando balões de fala

20: 19-7-2005 Projeto de literatura: História em quadrinhos

Contar uma história diferente, usando os balões de fala pesquisados em aula

23: 4-8-2005 Projeto de literatura: Fábula O galo e a raposa

Contar a história do galo e da raposa por meio de quatro quadrinhos, usando balões de fala

47: 10-11-2005 Projeto de literatura: Narrativa em versos O que tem nessa venda?

Compor uma história em quadrinhos, com quatro cenas, contando uma situação de compra, com balões e onomatopéias

53: 29-11-2005 Projeto de literatura: Histórias da Eva Furnari

Produzir uma história em quadrinhos, com três cenas, no estilo da Eva Furnari

As seis situações observadas, conforme indica esse levantamento, situam-se em um

contexto de produção que teve como ponto de partida o desenvolvimento do projeto

de literatura. Essa abordagem pedagógica também foi articulada a outras situações

que emergiram na sala de aula, como o Dia das Mães e o trabalho com livros de

literatura infantil. De maneira geral, as propostas de produção focalizaram

capacidades discursivas da ordem do narrar, tomando como estratégia de dizer

alguns recursos lingüísticos e icônicos que foram explorados em várias situações na

sala de aula. Essas situações abrangeram, de modo geral, a leitura e a reescrita de

histórias em quadrinhos e a elaboração de cartazes com elementos característicos

do gênero. Iremos situar, no decorrer de nossas análises, alguns desses momentos,

pois se constituíram em condições de produção relevantes para o trabalho de

escritura que tomou como base esse gênero textual.

Nessas situações de trabalho com as histórias em quadrinhos, as professoras

consideraram uma seqüência de ensino que consistiu, de acordo com nossas

observações, numa proposta progressiva de trabalho que privilegiou alguns

aspectos composicionais do gênero. Inicialmente, foram considerados pela

Professora 1 os seguintes aspectos: a seqüência início, meio e fim em narrativas

curtas, título, nome do autor, o uso de balões de fala, a fala do narrador. A

Professora 2, considerando o trabalho que estava sendo desenvolvido pela

Professora 1, deu continuidade ao projeto de literatura privilegiando: a seqüência –

Quadro 1 - Situações de produção de histórias em quadrinhos

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começo, meio e fim, título, autoria, o uso de balões de fala, os traços narrativos, as

onomatopéias e sinais de tipo artificiais, como ícones e símbolos.

Quando iniciamos a observação participante em sala de aula, a Professora 1 já

havia realizado alguns trabalhos envolvendo as

histórias em quadrinhos. Como era uma prática da

escola valorizar os trabalhados produzidos nos

projetos de literatura com encadernações ou

confecção de livros de histórias da turma, as

produções das crianças estavam sendo guardadas

em envelopes pessoais decorados com desenhos

feitos pelas crianças, como é mostrado na Foto 13.

Sempre que as crianças produziam histórias em

quadrinhos, a Professora 1 conversava com elas a

respeito de suas elaborações.

A primeira vez que observamos uma interação com quadrinhos em sala de aula,

conforme levantamento apresentado, foi no dia 11 de maio de 2005, o segundo dia

de observação participante. Com a intenção de explorar a noção de começo, meio e

fim das histórias em quadrinhos, visando à organização das idéias na produção de

textos, a professora retomou, nesse dia, alguns aspectos que haviam sido

trabalhados nas produções anteriores, como o título, o nome do autor, a organização

das idéias no texto. O registro desse evento encontra-se em nosso diário de campo

(p. 39-45) e foi organizado no dia seguinte à observação, a partir das anotações em

campo e fotos de quatro produções textuais.

Os trabalhos tiveram início na roda de conversa, quando a professora propôs a

leitura da história em quadrinhos produzida pelo escritor Amarildo e publicada no

Jornal A Gazeta,39 em 8 de maio de 2005. O conteúdo da história foi relacionado

com o Dia das Mães, temática também em foco na sala de aula, a partir da oficina

39 Jornal local de grande circulação no Estado do Espírito Santo, fundado em 11 de setembro de 1928, por Thiers Vellozo. Dentre os projetos de responsabilidade social desenvolvidos por esse jornal, está o Programa A Gazeta na sala de aula, que teve início no ano de 1995, com o objetivo de difundir o hábito de leitura entre os jovens. Nesse projeto, são promovidos encontros de capacitação de professores com distribuição de jornais para serem usados como material didático em escolas da Rede Municipal e Particular.

Foto 13 - Envelope decorado por Cris

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de arte realizada com as mães, no dia 6-5-2005. Essa oficina foi organizada pelos

profissionais da escola em homenagem às mães e provocou outras situações de

ensino aprendizagem em sala de aula, com discussões na roda de conversa e

produção de cartaz com nomes das brincadeiras preferidas das mães, apontadas

nos trabalhos produzidos na oficina. Segue imagem da história (Foto 14):

Antes de apresentar o texto para as crianças, a professora fez comentários sobre o

projeto de literatura, retomando com elas as produções anteriores. Fez uma breve

avaliação desses trabalhos, lembrando os elementos que vieram acrescentando nos

textos: título, nome do autor, começo-meio-fim das histórias. Depois explicou que

iriam conhecer outra história em quadrinhos, entregando para as crianças os blocos

de atividades nos quais havia disponibilizado as cópias do texto para leitura.

Solicitou que elas observassem o texto, procurando compreender o que dizia a

história. Nesse instante, Mat leu o nome do autor escrito sobre a tira assim: marido.

A professora perguntou o que o havia levado a proceder à leitura dessa maneira. Ele

explicou que era a letra “M” e que terminava com “O”. Ela pediu que lesse

novamente e, com a ajuda dos colegas, concluiu que era Amarildo. Então, ela

perguntou-lhes quem seria Amarildo e as crianças sugeriram que era o autor. A

professora explicou que Amarildo era um escritor capixaba e que sempre escrevia

Foto 14 - História em quadrinhos de Amarildo Fonte: A GAZETA (8-5-2005)

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histórias em quadrinhos para o jornal A Gazeta, mostrando onde estava escrito o

nome do jornal, o local e a data da publicação do texto, refletindo com as crianças

acerca da importância de verificar esses aspectos para saber quando e onde foi

publicado o texto.

Em seguida, pediu às crianças que observassem a cena da primeira vinheta, tentando

imaginar o que a personagem estaria fazendo no ponto de ônibus. Nesse momento,

as crianças começaram a conversar sobre o texto, o que o menino estava segurando

e o que iria fazer com o presente. A professora ouvia as crianças e fazia perguntas

sobre o que estava acontecendo na história, tecendo comentários acerca do conteúdo

do texto. Marc, então, sugeriu que o menino foi encontrar a sua mãe no trabalho,

porque era o Dia das Mães. A professora explicou às crianças que, ao fazerem a

leitura do texto, estavam recontando a história do jeito deles e, desse modo, ela

também queria contar a sua versão. Ao narrar a história, foi acrescentando outros

elementos ao texto, como nome da personagem principal (escolheu o nome do filho),

o que ele disse para a mãe, o que a mãe falou ao receber o presente, mostrando às

crianças que, embora o texto fosse composto apenas por imagens, eles poderiam

efetuar a leitura, enriquecendo a narrativa com outros elementos.

A partir dessa interação inicial com o texto, a professora explorou a sua composição

em forma de quatro cenas, levantando o seguinte questionamento: “Se a história

tem quatro quadrinhos... qual é o começo... o meio e o fim da história?” As crianças

procuraram resolver a questão conversando entre si e apresentando várias opiniões

na roda. A sugestão de Mat de que “[...] o primeiro quadrinho era o começo da

história... o segundo era o meio... o terceiro era outra parte e o último era o fim” foi

bem recebida pelas crianças e pela professora que concluiu a discussão explicando

que “[...] no meio das histórias... podem acontecer muitas coisas... como numa

novela... por exemplo... por isso é necessário ter mais partes” (anotações em diário

de campo, p. 40).

Notamos que, nessa interação com o texto, a professora apresentou dados sobre o

suporte, a autoria da obra, o que dizia o texto, sua estrutura narrativa (enfocando o

começo, o meio e o fim), iniciando, portanto, um processo de reconhecimento do

texto. Entretanto, o processo de produção de sentidos na leitura não passa apenas

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pelo reconhecimento dos sentidos do texto, mas, conforme aponta Geraldi (2003),

pela tecedura dos fios que se realiza num processo dialógico com o texto, no qual os

leitores também entrelaçam as suas experiências, as suas idéias e opiniões acerca

do que quis dizer o autor. Perguntas do tipo: por que o menino foi levar o presente

da mãe em seu local de trabalho? O que poderia ser esse presente? Por que a mãe

trabalha? Esse trabalho é legal? É comum vermos mulheres exercendo essa

profissão? Por quê? A sua mãe trabalha fora de casa? Por quê? Qual é a profissão

dela? Você já fez alguma surpresa para a sua mãe? O que aconteceu? Como ela

reagiu? dentre outras, poderiam contribuir com a instauração de um movimento

interlocutivo para além dos reconhecimentos dos sentidos do texto, pois,

É o encontro destes fios que produz a cadeia de leituras construindo os sentidos de um texto. E como cadeia, os elos de ligação são aqueles fornecidos pelos fios das estratégias escolhidas pela experiência de produção do outro (o autor) com o que o leitor se encontra na relação interlocutiva de leitura. A produção deste, leitor, é marcada pela experiência do outro, autor, tal como este, na produção do texto que se oferece à leitura, se marcou pelos leitores que, sempre, qualquer texto demanda. Se assim não fosse, não seria interlocução, encontro, mas passagem de palavras em paralelas, sem escuta, sem contrapalavras: reconhecimento ou desconhecimento, sem compreensão (GERALDI, 2003, p. 166-167).

Assim, ao ocupar os espaços em branco deixados pelo autor, o leitor se constitui

como sujeito e, nesse processo, contribui para a concretização dos sentidos do texto

e, conseqüentemente, do trabalho do autor. A leitura, nessa perspectiva, se integra ao

processo de produção, incidindo, de acordo com Geraldi (2003, p. 171), “[...] sobre ‘o

que se tem a dizer’ porque lendo a palavra do outro, posso descobrir nela outras formas

de pensar que, contrapostas às minhas, poderão me levar à construção de novas

formas, e assim sucessivamente”. Ao nos distanciarmos dessa perspectiva dialógica,

corremos, conforme acentua o autor, o grave risco de tomar o texto como pretexto para

o ensino da língua, como um “[...] meio para estimular operações mentais e não um

meio de, operando mentalmente, produzir conhecimentos [...]” (p.170).

As implicações decorrentes dessa interação inicial com o texto serão evidenciadas a

partir da análise das propostas de trabalho apresentadas pela professora, uma vez

que, dando continuidade ao planejamento do dia, foram desencadeadas duas

atividades de produção textual: a primeira, uma situação de reescrita da história em

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quadrinhos do Amarildo que será analisada mais adiante; a segunda atividade, a

produção de uma história com quatro quadrinhos, considerando a seqüência

começo, meio e fim. Essa idéia foi novamente retomada pela professora, ao

proceder à proposta de produção com explicações sobre os trabalhos anteriores que

contemplaram criações livres e criações com três cenas.

Desta vez, então, teriam que ampliar essa noção seqüencial produzindo uma história

com quatro quadrinhos e, como estavam conversando sobre o dia das mães, o tema

da história deveria ser esse. Como, em alguns dias antes desse evento, as crianças

haviam participado de uma oficina de artes com as mães produzindo trabalhos com

o tema brincadeira de criança, a professora lembrou ainda que poderiam criar uma

história sobre as mães envolvendo esse mesmo tema. As crianças ouviram as

explicações da professora, levantando dúvidas sobre a seqüência estipulada. A

professora, então, retomou o exemplo da novela, suscitando burburinhos na sala de

aula e indicações das crianças de outras novelas que estavam sendo exibidas pela

Rede Globo de Televisão. Ao propor o início do trabalho, lembrou, ainda, que

deveriam escrever o título da história e o próprio nome indicando que, desse modo,

se constituíriam autores do texto.

Assim, compreendemos que, nesta proposta, foram consideradas as seguintes

condições de produção:

a) inicialmente, foram definidas as estratégias do dizer: produzir uma história

em quadrinhos composta por quatro vinhetas conforme modelo apresentado;

b) contando o quê: uma história sobre as mães, que foi definida pela professora

em função da temática que orientou as discussões na roda e da oficina sobre

as brincadeiras preferidas das mães;

c) para que dizer: para ver como iriam organizar as idéias numa seqüência com

começo, meio(s) e fim.

Podemos dizer então que, considerando o modelo apresentado, as crianças

deveriam produzir uma história em quatro vinhetas, contando uma situação vivida

com a mãe por meio de imagens sem, necessariamente, utilizar texto verbal, para

ser incluída às demais produções que estavam sendo guardadas no envelope. Mas,

para quem deveriam dizer o que tinham a dizer sobre as mães?

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Conforme o contexto explicitado, essas condições não se restringiram ao momento

da produção. A idéia de acompanhar a evolução textual das crianças com relação ao

gênero remete a interlocutores que se circunscrevem à esfera escolar,

especialmente a professora, uma vez que o destino das produções seria a

documentação da atividade, tendo em vista o processo evolutivo da criança e o

desenvolvimento do projeto de literatura na sala de aula.

Comprendemos que esse dado, em consonância com a escolha da estratégia de

dizer que, de antemão, já estava definida, configurou uma proposta de produção

textual cuja situação de comunicação apresentou finalidades que se restringiram ao

trabalho escolar, particularmente à avaliação do percurso evolutivo de cada criança,

sem considerar as cincunstâncias sociais de uso dessa forma de linguagem.

Queremos esclarecer, contudo, que destinar a produção textual às pessoas que

estão no espaço escolar não se constitiui por si só um problema. A questão que se

revela complicada nessa situação de produção diz respeito à finalidade avaliativa,

uma vez que, nessa perspectiva, se produz, conforme apontam Dolz e Schneuwly

(2004, p. 76, grifos do autor), “[...] uma inversão em que a comunicação desaparece

quase que totalmente em prol da objetivação, e o gênero torna-se uma pura forma

lingüística, cujo domínio é o objetivo [...]”.

Por outro lado, levando em conta as práticas de linguagem inerentes a essa forma

de dizer, podem ser instauradas situações de ensino aprendizagem em que o

gênero, embora passando a funcionar em um lugar diferente daquele que lhe deu

origem, se configure como um meio de dizer o que se tem a dizer e para quem se

tem a dizer.

Vimos que, geralmente, os enunciados que se concretizam em forma do gênero

quadrinhos estão vinculados ao campo do humor, do entretenimento, da aventura e,

a partir desses campos, podem, então, ser definidas, inicialmente, as finalidades que

abarcam a leitura-fruição, a leitura como meio de estar com os outros, de interagir

com o real por meio da ficção, especialmente se considerarmos os interesses das

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crianças da classe pesquisada.40 Analisemos, então, a situação de produção

delineada buscando dar visibilidade aos processos que se desenvolveram durante o

trabalho dos sujeitos e aos resultados da atividade, a partir do que conseguimos

captar e registrar em diário de campo, nesse momento inicial de nossa coleta de

dados.

Assim que a professora concluiu as orientações, as crianças puseram-se a realizar o

trabalho em uma folha de papel em branco, suporte oferecido para a concretização

do texto, dividindo-a em quatro partes. Durante o momento de produção dos

quadrinhos, as crianças conversaram bastante, trocando materiais e mostrando seus

trabalhos ainda em fase de produção para os colegas. Após concluírem os

trabalhos, as crianças se aproximaram da professora para apresentar os resultados.

Nesses momentos, a professora procurou ouvir as histórias contadas pelas crianças,

fazendo perguntas do tipo: o que aconteceu aqui nesse quadrinho? O que a

personagem fez? E depois, o que aconteceu? Como foi o final? Por meio dessas

perguntas, a professora ajudou as crianças a compor suas narrativas que, em alguns

casos, somente com os escritos e as imagens não poderiam ser compreendidas,

como podemos observar nos exemplos que se seguem (Fotos 15 e 16):

40 Sabemos, contudo, que as finalidades que estão subjacentes a essa forma de linguagem não se

restringem apenas ao entretenimento, à diversão. Conforme aponta Mendonça (2004), as histórias em quadrinhos estão ligadas às instâncias do discurso literário e do discurso jornalístico, revelando uma complexidade lingüística que produz uma verdadeira “constelação” de gêneros assemelhados, como a tira, a caricatura, a charge, o cartum, que também expressam idéias e opiniões voltadas para o campo da crítica ideológica, política, econômica, esportiva, religiosa, social abrangendo, assim, outras finalidades discursivas. Além disso, as histórias em quadrinhos também são veiculadas com função comunicativa didática, como podemos observar em campanhas do tipo educativas.

Foto 15 - Texto de Let (11-5-2005)

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Nessa amostra dos textos, podemos observar que as idéias materializadas em forma

de imagens pelas crianças não poderiam ser significadas em uma narrativa sem

uma interlocução direta e mediada. Por isso, a professora levou as crianças a

explicarem verbalmente as suas idéias, por meio de questionamentos acerca do que

elas quiseram expressar em cada vinheta. Não foi possível captar as interações

entre a professora e as crianças, uma vez que as crianças também nos procuravam

para mostrar seus trabalhos e contar as suas histórias. Contudo, podemos notar,

nesses trabalhos, a emergência de outros temas, como mostra a produção de Joa

(Foto 16). Ele elaborou sua história com cenas da novela América que estava sendo

exibida pela Rede Globo, no período em que realizamos a pesquisa. A emergência

desse tema também pode ser decorrente do fato de a professora ter citado as

novelas como exemplos de narrativas. Quanto aos recursos usados para a

realização desses trabalhos, observamos a distribuição das cenas em vinhetas

separadas por traços e o uso de recursos icônicos, inclusive nas expressões faciais.

Outro trabalho que apresenta aspectos interessantes foi realizado por Kai (Foto 17).

Kai buscou atender à orientação da professora produzindo uma história com quatro

quadrinhos. Como Let, também não incluiu um título à sua história nem relacionou o

tema brincadeira com a temática do Dia das Mães, conforme orientação da

professora.

Foto 16 - Texto de Joa (11-5-2005)

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Uma característica desse texto que contribuiu com a constituição de sentidos, sem

necessidade de perguntas diretas sobre o seu conteúdo, foi o enquadramento das

imagens em diferentes planos. Esse enquadramento, conforme pode ser observado,

provocou um efeito de movimento da personagem que, por sua vez, possibilitou um

efeito narrativo interessante que pode ser significado assim: a personagem estava

brincando, quando se aproximou de uma escada que leva à sua casa, parou de

brincar e foi para casa.

Outro aspecto revelado nessa amostra dos textos coletados diz respeito à

organização das vinhetas no suporte oferecido para a produção do trabalho. Nos

exemplos recolhidos, todas as crianças atenderam à orientação da professora para

compor a história em quatro quadrinhos. Joa distribuiu os quadrinhos considerando

o modelo apresentado pela professora – o texto do Amarildo. Embora usando o

espaço da folha de chamex de modos diferenciados, Let e Kai apresentaram uma

organização das vinhetas em forma de tiras, um subtipo de histórias em quadrinhos

que as crianças tinham contato por meio dos gibis disponibilizados em sala de aula.

É importante observar que Kai se aproximou um pouco mais da estrutura espacial

dos quadrinhos em forma de tiras, uma vez que reduziu o espaço de atuação na

folha de chamex, um suporte que, nesse contexto, se distanciou das formas fixas

comuns nas quais se materializam as histórias em quadrinhos. Assim, as

diversidades de temas, de modos de utilização dos espaços e de organização das

Foto 17 - Texto de Kai (11-5-2005)

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idéias são aspectos que ilustram como as crianças se apropriaram dos elementos

destacados pela professora.

Uma produção que também pode ser tomada para ilustrar os diferentes modos de

apropriação, bem como de conhecimentos acerca do gênero, foi o texto produzido

por Cris, uma criança que, nesse período da pesquisa, tinha seis anos e quatro

meses de idade. Cris também não produziu uma história sobre o tema sugerido pela

professora. Escolheu outro tema e produziu uma seqüência narrativa bastante

expressiva, revelando aspectos interessantes para nossa análise. Observemos o

resultado de seu trabalho retratado na Foto 18:

Podemos dizer que essa produção atendeu, de certo modo, às finalidades

explicitadas pela professora por meio da articulação de idéias, numa seqüência

narrativa breve. A resposta à proposta da professora foi a seguinte: Cris produziu

uma história com quatro quadrinhos, conforme orientação da professora, intitulada A

menina e o menino. Para escrever o título, usou letras do sistema alfabético que

representavam consoantes e vogais, mas, como pode ser verificado, em algumas

situações, houve omissões de letras que representam as vogais. Também fez

tentativas de separar as palavras, ao colocar espaços entre AMNINA EOMNNO.

Embora a escrita do título apresente certa legibilidade decorrente das relações

estabelecidas por Cris entre a fala e a escrita, sua expressividade também é

garantida na relação com o texto visual.

Foto 18 - Texto de Cris (11-5-2005)

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Em sua produção, Cris expôs uma seqüência com um começo: a menina sozinha de

braços abertos, como se estivesse à espera de alguém e vendo outra pessoa; com

acontecimentos que se desenvolveram no decorrer da história: a menina encontra

um menino que, inicialmente, não podia ser visto pelos leitores, que lhe ofereceu

uma flor e, depois, eles começaram a cantar e a dançar encaminhando para um final

feliz com o beijo, como nos contos de fadas e nas novelas, gêneros que faziam parte

do universo cultural das crianças daquela sala de aula.

A seqüência narrativa elaborada por Cris pode ser significada a partir de alguns

elementos textuais incluídos nas cenas. Ela utilizou, no primeiro quadrinho, um

recurso icônico que imita os pássaros voando. Esse recurso contribuiu com a

produção de sentidos da cena, remetendo à idéia de que a personagem estava em

um determinado lugar. O fato de estar com os braços abertos reforça, ainda, a idéia

de que ela caminhava em direção de alguém. No segundo quadrinho, desenhou

outro ícone expressivo, a flor, que remete à idéia do galanteio. Para mostrar como as

personagens estão felizes com o encontro, Cris inclui em sua narrativa símbolos que

representam as notas musicais significando, desse modo, que as personagens estão

cantando, dançando. A repetição, uma característica comum nos quadrinhos,

também pode ser observada no trabalho de Cris: nos desenhos das personagens e

suas vestimentas, em detalhes, como o laço de fita da menina e a gravata do

menino, que garantiram a continuidade da narrativa. Os poucos recursos utilizados

para compor o cenário também contribuíram para garantir a continuidade da

narrativa, marcando a movimentação das personagens em um ambiente que se

modificou durante o percurso narrativo, como pode ser observado nos traços

icônicos que representam o cenário.

Se tomarmos como ponto de partida a análise dos aspectos composicionais, podemos

observar que a resposta de Cris foi bastante interessante, uma vez que, em uma

seqüência narrativa simples, composta apenas por quatro vinhetas, ela articulou

diferentes recursos visuais compondo uma história com começo, meio e fim. Podemos

dizer que, atendendo à proposta de produzir a história em quatro vinhetas, a produção

de Cris foi marcada por algumas características comuns do gênero, constituindo-se em

uma tira curta com predomínio do plano de conjunto, imagens marcadas por traços

característicos e repetitivos, incluindo elementos icônicos e símbolos que provocaram

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um efeito narrativo. Mendonça (2005, p. 198) explica que “[...] as tiras são um subtipo de

HQ; mais curtas (até 4 quadrinhos) e, portanto, de caráter sintético, podem ser

seqüenciais (‘capítulos’ de narrativas maiores) ou fechadas (um episódio por dia)”.

Contudo, como nos fala Bakhtin, “[...] a enunciação é de natureza social” (1999, p.

109, grifo do autor), portanto, “[...] está sempre carregada de um conteúdo ou de um

sentido ideológico ou vivencial [...]” (BAKHTIN, 1999, p. 95, grifo do autor). Assim,

voltando nossas atenções sobre a dimensão socioideológica dessa enunciação,

observamos a emergência de valores que remetem ao campo da produção cultural

voltada para o público infantil. Esses valores podem ser observados a partir do tema

(uma história de amor entre um menino e uma menina) e das imagens das

personagens que se configuraram em modelos valorizados em nossa sociedade: a

menina é loira, de olhos azuis e o menino também tem olhos claros.

Cris, a autora do texto, era uma menina morena, de cabelos cacheados e olhos

pretos, pertencente a uma família pouco numerosa, de classe social baixa, conforme

renda familiar informada em questionário (menos de dois salários mínimos). Gostava

muito de desenhar, ler livros de literatura infantil, do tipo “A Bela e a Fera”, citado por

ela em uma de nossas conversas, assistir a desenhos animados, brincar no

computador e de Barbie, entre outras coisas. As personagens de sua história,

mesmo tomadas como “menino” e “menina”, viveram uma história de amor na qual a

criança foi revestida de comportamentos do mundo dos adultos, evidenciando uma

forma de consolidação do “ser” criança na sociedade capitalista contemporânea.

Conforme explica Perroti (1990), a partir da Idade Média Européia, com a ascensão

da burguesia, ocorreu uma crescente absorção do espaço da liberdade pelo da

necessidade, em outras palavras, uma progressiva fusão entre público e privado em

decorrência dos interesses da classe dominante. Essas mudanças econômicas,

políticas e sociais também provocaram transformações nas formas de conceber e

organizar a infância que passou a conviver em outros espaços especializados

destinados à sua educação, como creches, escolas, internatos, entre outros. Assim,

inserida nesse contexto de instauração da ordem social hegemônica, a criança

também passa a interagir com o mundo a partir de uma produção cultural destinada

ao público infantil que tende a uniformizar, privatizar, as suas experiências de mundo.

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Em tais circunstâncias, isolada nos espaços privados, ao ver reduzidas suas possibilidades de experimentar e de expor-se à diversidade, a infância acha-se pauperizada culturalmente e é nessas condições que se relaciona com os textos que lhe são propostos nos espaços institucionais. Com um repertório cultural constituído basicamente de referências provindas de seu mundo privado, a criança acaba se relacionando com os textos a partir desse repertório reduzido, ou seja, a partir de posições e valores ligados a contextos em que os interesses da vida prevalecem sobre os do mundo (PERROTTI, 1990, p. 95, grifos do autor).

Atualmente, com o desenvolvimento tecnológico e industrial das sociedades

modernas, assistimos à intensificação dessas formas de privatização cultural.

Veiculadas em esferas sociais do domínio televisivo, jornalístico, publicitário, literário,

etc., as ideologias que sustentam a lógica mercadológica do sistema capitalista vêm

produzindo um movimento em que são instituídos mecanismos de idealização da

infância, aproximando-a, progressivamente, do universo dos adultos e da pré-

adolescência. A esse respeito, Araújo (1996) explica que a concepção de criança, como

protótipo de adulto nas sociedades contemporâneas, é uma conseqüência da

massificação publicitária, que, pelo fato de destinar seus espetáculos e rituais ao

adolescente, ao jovem e ao adulto, cria uma nova categoria de criança. De acordo com

a autora, ao adaptar-se às demandas desse universo cultural massificador, a criança

“[...] reafirma o que a sociedade pensa e espera dela [...]” (ARAÚJO, 1996, p. 89).

Assim, por meio desses mecanismos reguladores, são legitimadas formas de

dominação, contribuindo com a constituição de identidade da criança, o que nos

instiga a pensar nas relações pedagógicas que permeiam as práticas de leitura e de

produção de textos na sala de aula, uma vez que a instituição escolar, nesse

contexto ideológico, se configura em um espaço socialmente constituído cuja

principal finalidade é a formação dos sujeitos. Nesse sentido, por que, diante da

proposta de contar uma história sobre a mãe ou sobre uma experiência vivida com a

mãe, ou ainda sobre o brincar, Cris recorreu a um tema que aborda relações

amorosas do universo dos adultos?

Compreendemos que os resultados apresentados nessa atividade produtiva

evidenciaram a preocupação da professora em organizar uma seqüência didática

para trabalhar com as histórias em quadrinhos, focalizando, inicialmente, a

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organização de idéias no texto a partir do uso de recursos icônicos, uma estratégia

de ensino que a professora imaginava ser interessante para as crianças nessa fase

da alfabetização. Entretanto, se tomarmos como foco de análise as relações

pedagógicas que, comumente, estão inerentes ao trabalho escolar, podemos dizer

que a professora, em sua tarefa de ensinar, instaurou uma situação de produção

esperando que as crianças respondessem às orientações explicitadas. Contudo,

como pôde ser visto nessa amostra dos trabalhos, as crianças não realizaram a

tarefa conforme o que foi proposto, recorrendo a outras temáticas e sinalizando,

desse modo, que buscaram alternativas para cumprir a tarefa solicitada pela

professora: escrever uma história em quadrinhos.

Recuperando as condições de produção desses textos, podemos dizer que a

escolha do gênero antecedeu os outros elementos que deveriam ser considerados

como condições essenciais para o trabalho com textos, caracterizando uma proposta

de trabalho em que a temática foi tomada como pretexto para ensinar a seqüência

explicitada. Nesse caso, a escolha do gênero (história em quadrinhos) se sobrepôs

ao conteúdo (uma história sobre as mães), às motivações que pode ter ou criar.

Somente não se sobrepôs aos destinatários que gostariam de avaliar os textos das

crianças sem considerar também nenhum desses aspectos, mas a capacidade de a

criança organizar idéias numa seqüência narrativa quadrinizada em quatro vinhetas,

com começo, meio/meio e fim.

Nessa abordagem, portanto, foram focalizados, de forma simplificada, alguns

aspectos composicionais do gênero, abstraindo as suas esferas de circulação, as

possíveis finalidades, as necessidades da temática, o conjunto de participantes e a

vontade enunciativa do locutor, que, de acordo com Dolz e Schneuwly (2004), são

dimensões que determinam a escolha de um gênero. Conforme situamos

anteriormente, o “esquecimento” dessas dimensões fragiliza o processo de

comunicação reduzindo as possibilidades de aprendizagem da linguagem, uma vez

que esta “[...] se dá, precisamente, no espaço situado entre as práticas e as

atividades de linguagem” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 75). Nesse sentido, é preciso

reconhecer que,

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Pelo fato de que o gênero funciona num outro lugar social, diferente daquele em que foi originado, ele sofre, forçosamente, uma transformação. Ele não tem mais o mesmo sentido; ele é, principalmente, sempre [...] gênero a aprender, embora permaneça gênero a comunicar (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 81).

Ao discorrer sobre as concepções de linguagem que sustentam, de maneira geral, o

ensino da língua na escola, Geraldi (2003, p. 119) enfatiza que a língua pode ser

vista “[...] como instrumento de comunicação, como meio de troca de mensagens

entre as pessoas, ou é ela tomada como objeto de estudo, como um sistema cujos

mecanismos estruturais se procura identificar e descrever [...]”. Com base nessas

abordagens, podem ser suscitados, de acordo com o autor, objetivos distintos que

são tomados para orientar um trabalho voltado para o desenvolvimento de

capacidades de expressão e compreensão de mensagens ou para o conhecimento

do funcionamento do sistema lingüístico. Acreditamos que essas dimensões do

trabalho com a linguagem escrita devem ser entrelaçadas nas práticas de leitura e

de produção de textos, compreendendo que

É exercendo a linguagem que o aluno se preparará para deduzir ele mesmo a teoria de suas leis. [...] Aprender a respeito da língua, tomar consciência dos mecanismos estruturais do sistema lingüístico deve ser etapa posterior: levar o aluno à consciência da língua só depois de ter ele a posse da língua (GERALDI, 2003, p. 120).

Nesse sentido, o autor explica que a escolha das estratégias de dizer não pode

ocorrer no abstrato. “[...] Elas são selecionadas ou construídas em função tanto do

que se tem a dizer quanto das razões para dizer a quem se diz [...]” (GERALDI,

2003, p. 164). Entretanto, nesse contexto de produção das histórias em quadrinhos,

observamos que havia certa ênfase na sistematização dos aspectos estruturais do

gênero, conforme pôde e poderá ser constatado nos eventos que se seguem em

que foi evidenciado o uso de balões de fala como aspecto constitutivo do gênero.

A introdução desses elementos como um recurso na produção das histórias em

quadrinhos ocorreu pela primeira vez no dia 31 de maio. Esse evento, de número

07, foi registrado em nosso corpus de pesquisa por meio de anotações em diário de

campo (p. 63-66) com fotografias de algumas interações e dos textos produzidos.

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Ao iniciar os trabalhos do dia, na roda, a Professora 1 retomou com as crianças o

projeto de literatura com quadrinhos relembrando o que já haviam aprendido e

explicando que iriam aprender “outra coisa” nas histórias. O Gil logo sugeriu que

seriam os balões e a professora confirmou dizendo que existiam vários tipos de

balões. As crianças, então, começaram a apresentar vários exemplos de tipos de

balões dizendo o que significava cada tipo. Esse fato foi interessante e sinaliza que

as crianças gostavam de ler histórias em quadrinhos no seu dia-a-dia. De acordo

com os dados apresentados na caracterização dos sujeitos, os gibis foram citados

como material utilizado nas leituras em ambiente familiar por 34,78% dos 23 sujeitos

entrevistados, ficando atrás apenas dos livros de literatura que, para muitos, também

englobavam os gibis.

Além disso, eram disponibilizados na sala de aula, conforme situamos na

caracterização desse espaço de trabalho, gibis, almanaques, revistas e cartazes

com história em quadrinhos que eram constantemente tomados para leitura pelas

crianças. Lembramos, ainda, que, quando começamos a observação participante em

sala de aula, a professora já havia iniciado o trabalho com as histórias em

quadrinhos, o que também pode ter influenciado a indicação de leitura das crianças.

Recorrendo aos materiais disponíveis na sala de aula, a professora, então,

apresentou alguns tipos de balões, explicando às crianças acerca de suas

finalidades nas histórias, permitindo, em seguida, que as crianças folheassem as

revistas para observá-los, conforme podemos verificar no registro fotográfico de

número 19. Nesse momento, embora a professora não tenha tomado as histórias em

quadrinhos disponíveis nos gibis para

leitura nem apontado essa possibilidade,

as crianças interagiram com as histórias

para além da observação dos balões de

fala, uma vez que conversavam sobre o

conteúdo das histórias, sobre as

personagens, sobre as que conheciam ou

não, etc., instaurando, desse modo, outros

espaços de interação com os textos. Foto 19 - Crianças folheando os gibis (31-7-2005)

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160

Depois de conversarem a respeito dos balões de fala observados nos gibis, a

professora apresentou a proposta de produção, que consistiu em um trabalho em

pequenos grupos para a produção de histórias em quadrinhos. O suporte para essas

produções apresentado pela professora consistiu em uma base preparada sobre o

papel cartão com traços coloridos que dividiam as vinhetas e indicavam o local para

o título e o nome dos autores. Foram espalhados seis cartazes na roda para que as

crianças pudessem observar as diferenças entre eles, que não se restringiam à cor

das linhas divisórias dos quadrinhos, mas também ao seu formato. A professora

explicou, então, que, na parte de cima, deveriam escrever o título e contar uma

história diferente, em três cenas, com começo, meio e fim, usando balões de fala.

Reforçou que seria melhor escrever antes de desenhar os balões, para não correrem

o risco de ultrapassar o espaço do balão. A produção ainda foi motivada com a

chegada da pedagoga que elogiou os cartazes, perguntando para que seriam usados.

Ao ouvir as explicações das crianças e da professora, ela se colocou como possível

interlocutora dos textos, dizendo que gostaria de ver os trabalhos depois de prontos.

Assim, após a divisão dos grupos, as crianças dirigiram-se aos seus lugares e

iniciaram o trabalho de produção das histórias em quadrinhos, buscando atender à

seguinte proposta: escrever uma história diferente, em três cenas (com começo,

meio e fim), usando balões de fala, para serem expostas e apreciadas por

interlocutores que faziam parte do contexto escolar. Deveriam produzir a história

interagindo nos grupos, dividindo as tarefas para que todos pudessem participar.

Durante o trabalho de produção, as crianças se movimentaram bastante nos grupos,

discutindo o tema da história, o título, quem iria começar, como seria o começo, o

que viria depois. Após escolherem os temas, as tarefas foram divididas e as crianças

iniciaram a escritura do texto pelos desenhos, incluindo, ao final de cada quadrinho,

os balões com as falas das personagens.

Os resultados dessa atividade foram registrados em nosso corpus de pesquisa por

meio de fotos em câmera digital. Ao todo, foram produzidos seis textos, com

personagens conhecidos das crianças e temas que podem ser observados a partir

dos títulos dos trabalhos: O príncipe e a princesa, Os zoombinis soltando pipa, A

Cinderela e o Homem Aranha, E os Smilingüidos foram no casamento, A Cinderela e

A Bela e a Fera. Em todos os textos, foram incluídos diálogos em balões que

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ajudaram a compor os sentidos dos textos. Para análise, selecionamos as produções

de três grupos. Essa escolha pode ser explicada pelo fato de termos captado alguns

movimentos das crianças durante o processo de produção e, ainda, por revelarem

modos particulares de respostas à proposta da professora. Nesse período, ainda

não tínhamos introduzido as gravações e, desse modo, a descrição e análise dessas

interações tomam como ponto de partida as anotações em diário de campo.

O primeiro grupo observado41 foi composto por Mon, Raf e Ron. A Mon era uma

criança que escrevia de forma convencional e demonstrava envolvimento com

relação às atividades propostas pela professora. Raf e Ron ainda não escreviam

letras que representassem vogais ou consoantes e, no momento da produção da

história, foram orientados por Mon que, em certas circunstâncias, queria monopolizar

as idéias e o trabalho de produção. Foi o que ocorreu, por exemplo, na escolha do

tema: Mon queria fazer uma história com a Cinderela e Ron com o Homem Aranha.

Como não chegavam a um consenso, sugerimos que tentassem juntar as idéias. O

grupo aceitou a sugestão produzindo uma seqüência narrativa que foi concluída

como mostra a Foto 20:

41 A pedido da professora, inserimo-nos em alguns grupos, acompanhando de perto a sua produção.

Foto 20 - Texto produzido por Mon, Raf e Ron (31-7-2005)

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Nessa produção, as crianças contaram uma história em que as personagens

estavam passeando e brincando quando se encontraram. Os dois beijaram-se

apaixonados e depois foram para casa. A história foi produzida com a colaboração

de todas as crianças do grupo. Mon iniciou o trabalho escrevendo o título A

SINDERELA EOHOMEMARANHA. Em seguida, desenhou a linha rosa que definiu o

chão, a Cinderela com o balão e acrescentou os primeiros elementos que

compuseram o cenário: a árvore, as flores, o sol e a nuvem. O Homem Aranha

soltando pipa, a árvore ao seu lado e os arbustos foram produções de Ron que, com

a ajuda dos colegas, incluiu os demais traços no espaço que indicava o caminho.

Desse modo, deram início à narrativa apresentando o local em que se passava a

história e as personagens.

A introdução dos balões de fala, no primeiro quadrinho, foi feita por Mon. As falas

das personagens – OLHA O HOMEMARANHA e OLHA ASINDERELA – produziram

o efeito do encontro inesperado cujo sentido foi concretizado no segundo quadrinho

com a aproximação das personagens e o beijo apaixonado revelando que o

encontro foi de natureza amorosa. A fala MINHAPAIXÃO foi escriturada por Ron, a

partir da ajuda da Mon, que indicou todas as letras a serem registradas. A idéia de

escrever essa fala foi dele. Ron sempre produzia enunciados dessa natureza na sala

de aula em momentos de brincadeiras com os colegas e com a professora. A

narrativa se encerra com a instauração de um diálogo entre as personagens, com

expressões sintéticas: VAMOS PARA CASA e TÁ BOM, escriturado por Raf,

também com a ajuda de Mon. Podemos observar que, nessa vinheta, o texto icônico

foi significado na relação com o texto verbal reduzindo a polissemia da imagem.

Desse modo, conforme orientações da professora, nessa narrativa quadrinizada,

foram inseridos balões de fala com apêndices que indicaram o discurso direto.

Partindo de impressões globais evidenciadas nessas enunciações, podemos

observar a emergência da atividade mental discursiva por meio da relação que as

crianças desenvolveram com a escrita. Nesse sentido, que conhecimentos sobre o

sistema de escrita alfabético foram revelados nessa produção textual? Podemos

observar que, a partir das contribuições de Mon, foram empregadas letras que

representavam adequadamente os fonemas, inclusive atendendo às convenções

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ortográficas, exceto na escrita da palavra SINDERELA. Tivemos, também,

separações e aglutinações de palavras de acordo com o fluxo e o ritmo da fala.

Um outro aspecto, que também foi evidenciado em outros dois resultados coletados,

nos chamou a atenção nessa produção. Diz respeito à configuração das

personagens. Conforme descrito, os desenhos das personagens no primeiro

quadrinho foram produzidos por Mon e por Ron. No segundo quadrinho, as imagens

foram realizadas por Mon, que manteve as características físicas da Cinderela,

personagem que foi inaugurada por ela no texto. No entanto, Mon mudou

completamente as características do Homem Aranha delineadas por Ron no primeiro

quadrinho. Outra mudança na configuração das personagens também pode ser

observada no último quadrinho, quando Raf entrou na produção textual criando

imagens com características bem diferentes das anteriores.

A partir desses indícios, podemos supor que o aspecto da regularidade icônica das

personagens, um recurso necessário para constituição de sentidos das histórias em

quadrinhos, não foi contemplado no texto. Isso pode ter ocorrido, porque a

professora não abordou esse aspecto nas suas explicações. Além disso, na

produção coletiva, entram em jogo negociações entre os sujeitos, diferentes

conhecimentos e representações das personagens. Assim, as crianças ocuparam

espaços no texto, imprimindo suas marcas e suas diferentes aprendizagens.

Quanto à escolha do tema, observamos a reincidência de histórias de amor com

personagens do mundo encantado, como pode ser constatado nos títulos de outras

três produções (A Cinderela, O príncipe e a princesa, A Bela e a Fera) que

revelaram modos recorrentes de respostas à proposta apresentada. Acreditamos

que essas escolhas podem ser decorrentes das experiências das crianças com

outros textos que veiculam enunciados dessa natureza, uma vez que, na proposta

de produção, não foi contemplada uma indicação precisa do que dizer, suscitando

temáticas do universo literário infantil predominante no espaço escolar e familiar.

Conforme argumentamos na análise do texto produzido por Cris (11-5-2005), o

universo cultural que permeia a infância também pode ser compreendido como parte

da produção histórica, social e ideológica que orienta a lógica do sistema liberal

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capitalista. A escola, nesse contexto, se configura em um espaçotempo em que as

crianças têm acesso a múltiplos objetos culturais, dentre eles, os livros de literatura

infantil. Como uma instituição responsável por promover à inserção da criança na

sociedade grafocêntrica, a escola também encontrou na literatura infantil meios para

mediar a apropriação dos elementos culturais e científicos produzidos nessa sociedade.

De acordo com Aguiar (2001), Paiva e Maciel (2005), a literatura infantil se configura

em uma modalidade literária tardia, uma vez que só surgiu quando a infância passou

a ser concebida como uma fase fundamental na formação do homem, tornando-se o

centro das atenções da família e da sociedade em geral. Sua origem remonta aos

tempos da tradição oral européia em que foram aproveitados os contos de fadas

com a intenção de instituir os modelos de comportamento da classe burguesa. Como

uma construção histórica, a literatura infantil também repercutiu, em cada época, os

modos distintos de olhar a criança.

Os tempos modernos inauguraram, então, a necessidade de preparar as novas

gerações para a vida em sociedade e a literatura infantil constituiu-se, nesse

contexto, em instrumento pedagógico a serviço das novas demandas educacionais.

Referindo-se às relações entre literatura infantil e escola, Paiva e Maciel (2005, p.

113), salientam que “[...] boa parte das histórias denominadas literatura infantil são

meros produtos voltados para o consumo imediato, especialmente, o consumo

escolar”. A entrada desse artefato cultural na escola pode, desse modo, servir a

interesses imediatistas que contribuem para a consolidação de uma identidade de

criança que desconsidera seu contexto social. Não estamos com isso negando a

importância da experiência estética e cultural no contexto escolar, contudo, a

escolarização da arte, nesse caso a literária, provocou desvios em sua função

estética passando a servir a propósitos educacionais restritos, uma vez que

O feitio dos textos está condicionado, nessa medida, à concepção de criança que os mesmos têm em vista e que determina a natureza dos valores a serem repassados. Conservadora ou emancipadora, isto é, conjunto de lições a serem obedecidas ou proposta instigante a questionar o leitor, a literatura infantil é, contudo, sempre escrita por um adulto para uma criança. Tal fato acarreta um prejuízo, do ponto de vista literário, porque o texto se torna diretivo e unilateral, mimetizando a postura autoritária, dominadora ou protetora dos mais velhos em relação aos jovens (AGUIAR, 2001, p. 243).

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Assim, na ausência de uma indicação explícita do que dizer, as crianças, então,

recriaram discursos por meio da utilização de elementos da cultura ficcional

dominante no contexto escolar, escolhendo esse tipo de conteúdo para realizar a

tarefa definida pela professora, o que reflete a dificuldade das condições de

produção. Considerando o lugar social das crianças no contexto das relações

pedagógicas instauradas, a escolha desse conteúdo pode ser compreendida como

uma saída para fazer o que foi pedido, cumprindo, desse modo, a tarefa de produzir

uma história em quadrinhos com começo, meio e fim, com um título e usando balões

de fala.

Nesse sentido, podemos dizer que os enunciados das crianças foram materializados

no formato de histórias em quadrinhos, sem, contudo, constituírem-se como gênero

pertencente ao respectivo domínio discursivo, pois, em consonância com a

perspectiva bakhtiniana de linguagem, os gêneros são eventos lingüísticos que se

definem como atividade sociodiscursiva, compreendendo não apenas os aspectos

formais, mas, sobretudo, sua dimensão comunicativa e funcional que abarca

diferentes fatores, como as esferas de atuação humana, a presença de

interlocutores, meios de circulação. É nessa perspectiva, conforme aponta

Marcuschi (2005, p. 22), “[...] que os gêneros textuais se constituem como ações

sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum

modo”.

Insistimos, portanto, na questão das finalidades discursivas, uma vez que, como os

gêneros são artefatos culturais elaborados historicamente pelos seres humanos,

essa é uma condição fundamental para que se possam escolher as estratégias de

dizer. Nessa perspectiva, concordamos que um gênero não pode ser definido

somente a partir de determinados aspectos estruturais que lhe são inerentes, mas,

sobretudo, em função de suas intencionalidades comunicativas. Afinal, que

finalidades foram instauradas para produção dessas “histórias em quadrinhos”? O

que as crianças tinham a dizer para configurarem a sua produção textual no formato

desse gênero?

Compreendemos que, por meio da linguagem, as crianças podem participar

efetivamente da cultura, instaurando novas formas de olhar o mundo. Contudo, na

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ausência do que dizer e tendo que atender à demanda de encontrar o que dizer para

dizer em forma de narrativa quadrinizada, as crianças concentraram seus esforços

na reprodução de discursos que reduziram as suas possibilidades de interação como

sujeitos históricos e sociais. Desse modo, a produção textual passa a ser, conforme

explica Geraldi (2003), uma estratégia pedagógica artificial, cuja finalidade se

restringe em preparar o aluno para, num momento posterior, saber usar a língua

como forma de expressão e de comunicação.

Buscando, contudo, dar visibilidade a outros movimentos que se instauraram nessa

situação de produção, tomaremos para análise as produções realizadas por outros

dois grupos de crianças. Recorrendo a personagens conhecidos esses sujeitos

criaram narrativas quadrinizadas utilizando estratégias de dizer interessantes,

aproximando-se das demandas sociocomunicativas dessa forma de linguagem,

particularmente as voltadas para o campo da aventura ficcional. Analisaremos,

inicialmente, o texto produzido por Lua, Pat e Kai (Foto 21).

Foto 21 - Texto produzido por Lua, Pat e Kai (31-7-2005)

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Nesse grupo, Kai era a única criança que escrevia letras correspondentes a vogais e

consoantes, por isso foi logo assumindo o papel de escritor, contando também com

a participação de Lua e Pat. Desde o início, as três crianças já haviam definido que

iriam contar uma história envolvendo os Smilingüidos. Depois de algum tempo

discutindo qual história contar dessas personagens, Kai sugeriu que poderia ser uma

de casamento. Essa sugestão foi acolhida pelos colegas e Kai, dando início ao

trabalho de escritura, escreveu o título do seguinte modo: IOS MINILIGIDO FORO

NO CAZA MENTO (E os Smilingüidos foram ao casamento), demonstrando a

apropriação de alguns aspectos do sistema alfabético de escrita que garantiram a

legibilidade do texto: empregou relações sonoras convencionais, fez tentativas de

segmentação e de coesão usando o plural no artigo OS e no verbo FORO. A forma

como o verbo FORAM foi empregada no texto escrito revela a forma oral dessa

palavra, o que também pode ser observado na omissão do plural em MINILIGIDO

(Smilingüido) e em outras palavras do texto: PASA, COMEÇA. Vejamos, então, o

que as crianças revelaram conhecer sobre o gênero em estudo e como foi o

processo de produção desse texto.

Para contar a história da ida dos Smilingüidos ao casamento, as crianças usaram

balões de fala com apêndices que indicaram os discursos concretizados em forma

de textos sintéticos e usaram o recurso da repetição nas imagens das personagens.

Os planos de imagem predominantes foram o panorâmico e o conjunto. Foram

utilizados poucos elementos icônicos para compor o cenário. Esses elementos

configuraram-se em ícones figurativos que representaram o sol, a ponte, o bolo, os

enfeites da festa e, aparentemente, automóveis, indicando, provavelmente, o meio

de locomoção a ser usado na viagem de volta para casa. Desse modo, revelaram

como se apropriaram dos elementos estruturais de uma história em quadrinhos,

criando uma seqüência narrativa que agregou elementos constitutivos do gênero

produzindo efeitos de sentido que foram significados nas relações entre o texto

icônico e não-icônico.

A produção do primeiro quadrinho foi a mais prolongada, com distribuição das

tarefas e tomada de decisão acerca do que e como desenhar. As crianças

exploraram todo o espaço da vinheta começando pelo desenho das personagens e,

em seguida, do percurso que levava ao local do casamento. Esse percurso se iniciou

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com uma escada que levava à ponte seguida de um caminho indicado por uma seta

que apontou os noivos. Os balões de fala foram produzidos por último, revelando, na

mesma vinheta, a simultaneidade dos acontecimentos que pode ser assim

compreendida: enquanto as personagens dialogavam se dirigindo ao local do

casamento: VAN MOS PASA NA PONTE (vamos passar na ponte) e DESA O

CAZAMENTO VAI COMESAR (depressa o casamento vai começar), o dirigente

iniciava a cerimônia: VAN MOS COMESA.

Em seguida, os meninos produziram a segunda vinheta, indicando que a cerimônia

havia terminado e as personagens já estavam na festa do casamento. Esse

acontecimento foi revelado quando o texto verbal entrou em cena significando o

texto icônico: QE BOLO GOSTOZO (que bolo gostoso). Como se nada mais

houvesse a fazer e tendo que concluir a seqüência narrativa, produziram o último

quadrinho usando a estratégia da volta para casa: VAN MOS INBORA PARA CAZA,

(vamos embora para casa) também suscitada em outras produções. É interessante

notar como as crianças empregaram a preposição PARA de modo convencional,

assim como o verbo COMEÇAR no primeiro quadrinho.

Comentando a relação fala e escrita nas produções quadrinizadas, Mendonça

(2005) toma o contínuo de gêneros textuais proposto por Marcuschi (2000, 2001) e

ressalta que, embora as histórias em quadrinhos se realizem no meio escrito, a

emergência da fala, particularmente a conversa informal, pode ser observada nas

reduções vocabulares e nas interjeições. Nessa produção, podemos observar que as

reduções vocabulares aproximaram o discurso escrito do oral, suscitando uma

situação em que o diálogo produziu o efeito da narratividade.

O outro texto a ser analisado também foi elaborado a partir de personagens

conhecidas das crianças, com a inserção de elementos do seu contexto social.

Como as produções nos grupos ocorreram ao mesmo tempo, não foi possível captar

detalhes da interação entre as crianças desse grupo. Contudo, voltando às nossas

anotações em diário de campo (p. 60), podemos situar alguns aspectos suscitados

no momento da produção.

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Depois de sugerirem vários temas, as crianças se lembraram do jogo dos Zoombinis,

trabalhado pela professora no laboratório de informática, seis dias antes desse

evento, e, assim, optaram por contar uma história envolvendo essas personagens.

No jogo, as personagens saíam de uma ilha encantada onde viviam em busca de

alimentos, passando por vários obstáculos que precisavam ser superados com a

ajuda das crianças. Partindo dessa idéia, as crianças criaram uma breve seqüência

narrativa em que as personagens viveram uma aventura que se aproximou de

experiências vividas por elas. Essa aventura foi materializada no texto que se segue

(Foto 22), assim intitulado pelas crianças: OS ZUMBINIS SOLTAN DO PIPA (Os

Zoombinis soltando pipa):

Revestindo a produção textual de aspectos que nos remetem ao tema brincar, Gab,

Gil e Jac criaram uma narrativa que pode ser assim significada: os Zoombinis saíram

para brincar de pipa na Pedra dos Olhos:42 VAMOS SOL TAR PIPA NA PEDRA

DOS OLHOS; VAMOS; VAMOS; VOU PEGAR MINHA PIPA. Chegando ao local,

42 Trata-se de um Parque Municipal que está localizado na região de Maruípe, numa área de proteção ambiental do Maciço Central e faz divisa com o Parque da Fonte Grande, que juntos compõem a maior reserva de Mata Atlântica de Vitória. Esse parque abriga um importante monumento natural do município de Vitória – a Pedra dos Dois Olhos, uma característica marcante do monumento que deu origem ao seu nome. Nesse parque natural, é possível fazer caminhadas por suas trilhas, escaladas e rappel dentre outras atividades de lazer. Disponível em: <www.vitoria.es.gov.br>. Acesso em: 9 jun 2006.

Foto 22 - Texto produzido por Gab, Gil e Jac (31-7-2005)

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divertiram-se bastante: QUE BOM; QUE LEGAL. Finalmente, foram para casa, pois

estava na ORA DE DORMIR (hora de dormir).

Para conferir a essa produção o estilo próprio das histórias em quadrinhos,

constituindo sentidos na interação entre o visual e o verbal, as crianças recorreram a

estratégias interessantes, aproveitando o espaço das vinhetas num movimento que

contribuiu com a constituição de sentidos do texto. Isso pode ser observado

especialmente no primeiro quadrinho. Nessa vinheta, as crianças utilizaram a linha

divisória dos quadrinhos para significar o percurso inclinado que leva à Pedra dos

Dois Olhos, que foi figurativizada no quadrinho seguinte, considerando, inclusive, a

característica que deu origem ao seu nome: os dois olhos de tamanhos diferenciados

exatamente como o são. Para finalizar a aventura, foram desenhadas as casas dos

Zoombinis, com a indicação do texto verbal ORA DE DORMIR, que contribuiu na

produção de sentidos do texto revelando que, como na vida real, a brincadeira tinha

hora para começar e para terminar. Nessa fusão do real com o ficcional, as crianças

deixaram no texto as marcas do seu cotidiano, da sua realidade sociocultural,

evidenciando, portanto, modos de sentir e de pensar essa realidade.

Durante nossas conversas com as crianças, foi possível captar e registrar dados do

universo cultural dos sujeitos, conforme apontamos em sua caracterização. O

brincar, como foi observado, se constituía na atividade preferida das crianças

envolvidas em nosso estudo. De forma mais específica, essa atividade também foi

revelada – como na história produzida por Gab, Gil e Jac, em situações que

envolviam passeios, jogos eletrônicos e diversas brincadeiras, entre elas, o brincar

de pipa. Jac, em entrevista registrada, citou o passeio como uma de suas diversões

preferidas e o brincar como a melhor atividade na escola; Gab e Gil apontaram,

nessa mesma entrevista, os jogos de videogame e de computador como uma das

atividades preferidas. Podemos compreender que, ao se posicionarem a partir das

personagens, Gab, Gil e Jac assumiram a autoria do texto, revestindo-o de aspectos

que sinalizaram algumas de suas atividades preferidas. Segundo Smolka (2003, p.

84), “[...] assumindo o papel de escritora, a criança se coloca do ponto de vista

(assume o lugar e o dizer) do personagem, atribuindo [lhe] a palavra [...]”: VOU

PEGAR MINHA PIPA, VAMOS, QUE BOM, QUE LEGAL.

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Desse modo, a temática do brincar, atividade preferida das crianças, foi tecida com

recursos que envolveram ícones imitativos da realidade: as pipas, a linha que

representa o morro que leva à pedra, a Pedra dos Dois Olhos, as casas; a linha

pontilhada que pode ser compreendida como um símbolo usado para indicar o

caminho a ser trilhado. Além disso, foram usados balões e apêndices que indicaram

as falas das personagens e um traço lingüístico narrativo que marcou a seqüência

temporal na última vinheta. Assim, por meio desses recursos, foram articuladas,

nessa breve narrativa quadrinizada, estratégias de dizer que, de certa forma,

possibilitaram às crianças expor as suas idéias, experiências e interesses próprios.

Nesse sentido, considerando os pressupostos da perspectiva bakhtiniana de

linguagem e tendo em vista que os sujeitos se constituem como autores/produtores

de discursos, na medida em que interagem com os outros, qual o destino dado a

essas produções? Geraldi (2003), ao discutir a questão da conciliação do texto nas

atividades escolares de ensino da língua, explica que a presença do texto na sala de

aula aponta tanto para o fechamento quanto para a abertura de sentidos. Nesse

contexto, lembra-nos o autor que “[...] um texto é o produto de uma atividade

discursiva onde alguém diz algo para alguém” (GERALDI, 2003, p. 98, grifos do

autor). Desse modo, desde a sua gênese, o texto demanda o outro, que pode ser

imaginário ou real, pois

O outro é a medida: é para o outro que se produz o texto. E o outro não se inscreve no texto apenas no seu processo de produção de sentidos na leitura. O outro insere-se já na produção, como condição necessária para que o texto exista (GERALDI, 2003, p. 102).

Vimos que, nessa situação de produção de histórias em quadrinhos, a professora,

em especial, se constituiu o outro da atividade discursiva das crianças. Sendo a

interlocutora imediata e mediadora da produção do conhecimento no contexto da

sala de aula, como se posicionou a professora a partir das respostas materializadas,

em forma de texto, pelas crianças? Que processos interlocutivos provocou? Bem, ao

final da atividade, a professora parabenizou as crianças pelo trabalho e informou que

iria expô-los no corredor de entrada da escola para que outras pessoas pudessem

apreciar as histórias. Solicitou minha ajuda para afixar os cartazes com as histórias

produzidas pelas crianças no corredor central da escola, ao qual todas as pessoas

tinham acesso. A diretora, a pedagoga e as demais profissionais da escola

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elogiaram as produções tecendo comentários gerais sobre o trabalho realizado pelas

crianças e pela professora. Essas opiniões foram recebidas pelas crianças com

aplausos e comentários de agradecimento.

Depois de um tempo, os trabalhos também foram expostos na sala de aula, sendo

apreciados pelos pais que compareceram à reunião do dia 24 de junho (registrada

em nosso diário de campo, p. 109-113). Dentre os demais assuntos tratados nessa

reunião, foram incluídas orientações sobre o processo de desenvolvimento da

escrita nas crianças da turma pesquisada, tomando como referência os

pressupostos da Psicogênse da Língua escrita de Ferreiro e Teberosky. A

Professora 1 teceu várias explicações sobre os níveis de escrita, apresentando

exemplos e orientações acerca das hipóteses elaboradas pelas crianças. Enfatizou

ainda a importância de valorizar as produções das crianças, reconhecendo suas

capacidades. Em seguida, procedeu à entrega das pastas de avaliação,

evidenciando a evolução das escritas nas crianças a partir de duas atividades de

escrita. 43 Em seu discurso a Professora 1 revelou, portanto, a forte influência das

idéias construtivistas no campo da alfabetização. Conforme explicitado na

caracterização da escola, essas idéias também eram defendidas pelo Sistema

Municipal de Ensino de Vitória e explicitadas nos documentos orientadores das

práticas, como o RCNEI e o PROFA, um dos programas de formação de professores

adotados por esse sistema.

Ainda nessa reunião de pais, a professora mostrou algumas atividades de produção

de textos realizadas na sala de aula, enfatizando a importância de se considerar o

momento de produção dos textos e não apenas a legibilidade ou não da linguagem

escrita. Nesse contexto, foram inseridas as histórias em quadrinhos, das quais a

professora ressaltou o processo de evolução na produção desses textos, tomando o

envelope de uma criança e explicando que, naquele momento, não seria possível

apreciarem esses trabalhos.

E quanto às histórias em quadrinhos expostas na sala de aula? Fixadas em suportes

atrativos (cartazes de papel cartão), as histórias em quadrinhos produzidas pelas 43 Essas atividades, referentes ao 1º e ao 2º bimestres, consistiam em escritas individuais de palavras e/ou frases seguidas de reescritas.

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crianças foram tomadas em seu aspecto atrativo, lúdico, belo, prazeroso,

valorizando, assim, o trabalho realizado na sala de aula. Essas histórias não foram

lidas para os pais, não foram exploradas como textos em que as crianças também

revelavam saberes, idéias, sentimentos, valores ideológicos. Afinal, o que as

crianças disseram nesses textos? Que idéias e valores veicularam? De que

conhecimentos demostravam ter se apropriado?

Nesse contexto de instituição de práticas, saberes e valores, as histórias em

quadrinhos produzidas pelas crianças não se constituíram instrumentos relevantes

de avaliação dos processos vividos, da escuta das suas vozes, dos conhecimentos

que evidenciavam ter se apropriado acerca do gênero nem, tampouco, acerca do

sistema de escrita. Não serviam aos propósitos avaliativos, uma vez que, para esses

fins, eram instauradas situações didáticas fundamentadas no discurso científico que

orientava as práticas com a linguagem escrita no contexto pesquisado: a teoria

sobre a Psicogênese da Língua Escrita de Ferreiro e Teberosky.

Sob esse ponto de vista, argumenta Smolka (2003), o estudo de Ferreiro e

Teberosky tem sido apropriado de modo que provoca uma redução no ensino da

língua, caracterizada pela ênfase nas relações entre oralidade e escrita, “[...]

categorizando crianças e turmas de crianças em termos de níveis de hipóteses,

quando o processo de leitura e de escrita abrange outros aspectos e outras

dimensões” (SMOLKA, 2003, p. 63).

Assim, ao discutir sobre a importância de se trabalhar a leitura e a escritura como

prática discursiva, a autora evidencia que é no trabalho de escritura que as crianças

desenvolvem e explicitam modos próprios de organização das normas lingüísticas.

Enquanto produzem textos, as crianças demonstram seus conhecimentos acerca do

sistema de escrita em situações de uso e essas situações precisam ser

consideradas, uma vez que

É dessa/nessa diversidade de interpretações, de organizações e de formulações possíveis que se pode trabalhar o uso e o funcionamento das normas. É nesse espaço mesmo que se pode propor mudanças, trabalhar acordos, estabelecer pactos (SMOLKA, 2003, p. 87).

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Contudo, o que observamos nas práticas de alfabetização no contexto pesquisado

foi que, de maneira geral, as produções das crianças também não eram tomadas

como indicadores do processo de ensino aprendizagem da linguagem escrita, uma

vez que, para avaliar as escritas produzidas pelas crianças, eram organizadas

situações especialmente destinadas a esse fim, conforme trataremos mais adiante.

A partir dessas situações de produção registradas logo no início de nossa inserção

em campo, passamos a observar, em sala de aula, outros trabalhos orientados para

a apropriação de determinados elementos constitutivos do gênero. Uma dessas

situações ocorreu no dia 19 de julho de 2005 (evento n. 20.1 do diário de campo, p.

131), quando a professora deu continuidade à pesquisa sobre os diferentes tipos de

balões de fala. Esse trabalho consistiu na consulta aos gibis disponíveis em classe,

a fim de identificar tipos diferentes de balões. A atividade foi realizada em duplas

com registros individuais dos tipos de balões encontrados em uma folha de papel

que foi colada no bloco de atividades (Foto 23).

Partindo dessa consulta aos diferentes tipos de balões, a Professora 1 elaborou com

a turma um cartaz que foi afixado na sala de aula para ser consultado pelas crianças

em momentos de produção textual (Foto 24). Essa situação foi observada no dia 20 de

Foto 23 - Registro dos tipos de balões no bloco de atividades (19-7-2005)

Foto 24 - Cartaz com os tipos de balões (20-7-2005)

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julho de 2005 e registrada em nosso corpus de pesquisa (evento n. 21.1) por meio de

anotações em diário de campo, fotos e filmagens curtas das interações. A proposta

de produção do cartaz foi suscitada em conversa na roda, quando a professora

explicava a importância de usar esses recursos na produção das histórias em

quadrinhos, enfatizando que o registro realizado no bloco de atividades poderia

ajudar na escolha dos tipos de balões e apontando a necessidade de encontrarem

uma forma mais prática de fazer a consulta. Foi Let quem sugeriu a confecção do

cartaz dizendo que “poderia fazer numa folha mais larga” (Evento 21, 20-7-2006). O

cartaz com os tipos de balões serviu, portanto, a essa finalidade e foi constantemente

consultado pelas crianças em outros momentos de produção textual.

No dia 19 de julho, além da pesquisa aos diversos tipos de balão, a Professora 1

também orientou uma produção de história em quadrinhos. As condições de

produção desses textos foram registradas em diário de campo (p. 131-136). Nesse

evento, foi possível registrar também algumas interações verbais entre as crianças e

a professora ao final das produções. Esse registro foi efetuado por meio de

filmagens curtas em câmera digital, captando, portanto, fragmentos dessas

interlocuções.

Nas orientações para a realização dessa atividade de produção de histórias em

quadrinhos, a Professora 1:

a) sugeriu que as crianças usassem os tipos de balões pesquisados,

escolhendo-os de acordo com a história;

b) informou que deveriam criar histórias diferentes, tomando como tema

situações que ocorrem no dia-a-dia (ela argumentou que não queria histórias

de Cinderela, Super-Homem, etc, pois as crianças insistiam muito nesses

temas e tinham outras coisas para contar);

c) esclareceu que poderiam usar a quantidade de quadrinhos que quisessem;

d) pediu que escrevessem um título para a história, mostrando onde eles são

colocados e indicou que, no último quadrinho, tem a palavra fim;

e) por fim, orientou que escrevessem o conteúdo dos balões antes de desenhá-

los, pois, assim, saberiam qual tipo utilizar e o tamanho adequado ao texto.

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Nessa proposta, então, as crianças deveriam contar histórias inéditas, histórias

sobre as suas experiências cotidianas. Foi definido o gênero e os elementos que

deveriam conter (balões de diferentes tipos conforme informações coletadas nos

gibis, com quantas vinhetas desejassem, criando um título para a história e

localizando-o no texto conforme o modelo apresentado, marcando o final da história

com a palavra FIM, recurso utilizado nas produções quadrinizadas).

Analisando essa situação de produção podemos notar que, diferentemente da

proposta anterior, nessas orientações, a professora indicou outros elementos que

compõem o gênero. Ela pretendeu introduzi-los de forma gradativa, o que nos

parece interessante, especialmente considerando as capacidades lingüístico-

discursivas das crianças.

Entretanto, essa proposta ainda se revelou complicada, se considerarmos a situação

em que ocorreu. Aproximando-se das demandas suscitadas nas demais propostas

analisadas, mais uma vez, podemos notar a ênfase na dimensão composicional.

Não observamos uma tentativa de articular as necessidades de aprendizagem e

uma situação de comunicação em que fossem instauradas as razões para o dizer, a

presença explícita de interlocutores e, também, o que dizer, tendo em vista que o

tema não foi definido. Histórias inéditas sobre coisas do cotidiano ainda não se

constituem, do nosso ponto de vista, uma indicação suficientemente adequada para

abarcar as demandas de trabalho com o gênero em questão, guardando em seu

interior certa fragilidade que pode comprometer o processo de produção dos textos.

Vejamos como as crianças responderam à proposta da professora.

Observando como elas iniciaram o trabalho de produção dos textos, notamos que,

em alguns casos, as crianças começaram logo pelos desenhos, sem um tema

definido de antemão e até mesmo sem a preocupação em produzir uma história em

quadrinhos. Em outras situações, observamos a tentativa de atribuir ao trabalho a

aparência externa de uma história em quadrinhos, por meio da utilização dos

recursos indicados pela professora, como pode ser observado no trabalho realizado

por Nat (Fotos 25 e 26).

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Nat dividiu a folha em duas partes, definindo, portanto, a quantidade de quadrinhos

de sua história. Deixou, também, um espaço para o nome, como o modelo

apresentado pela professora na situação de produção anterior. Em seguida, iniciou o

desenho de uma personagem no espaço reservado à segunda cena. Buscando

atender às orientações delineadas, incluiu um balão de fala, por meio da consulta,

orientada pela regente, aos tipos pesquisados e registrados no bloco de atividades.

Nesse balão, escreveu PATRÍCIA. Somente depois de concluir a produção dessa

vinheta, Nat passou para o primeiro quadrinho, onde desenhou outra personagem

com inscrições textuais que não possibilitaram a constituição de sentidos do texto

nem tampouco o seu reconhecimento em narrativa quadrinizada. Desse modo, Nat

evidenciou sua preocupação em usar balões de fala, numa tentativa de cumprir as

solicitações da professora, sem, contudo, compreender as funções desse recurso na

produção de sentidos do texto, confirmando que o fato de não ter o que dizer afetou

a produção das crianças.

Em outras situações, houve uma preocupação com o conteúdo do texto. Esse

movimento foi observado em momentos em que algumas crianças iniciaram seus

trabalhos definindo o título do texto, evidenciando a escolha do tema e sua

planificação em vinhetas previamente delimitadas no espaço do papel chamex, como

pode ser constatado no processo de produção realizado por Marc representado por

meio das Fotos 27 e 28.

Foto 26 - Resultado do trabalho de Nat (19-7-2005) Foto 25 - Nat produzindo o texto (19-7-2005)

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Marc tentou contar em três cenas, conforme outros trabalhos produzidos em sala, o

que aconteceu no dia em que foi pedir ao tio para fazer ginástica. Para contar essa

situação, incluiu título, um diálogo na primeira vinheta entre ela e o tio, alguém

dizendo o seu nome e uma casa no último quadrinho. O desenvolvimento nas

produções das histórias em quadrinhos realizadas por Marc foi avaliado pela

professora quando, ao final dessa produção, convidou-a para fazer comparações

entre os trabalhos realizados. Como Marc não conseguia explicar as diferenças

entre a produção atual e uma outra realizada por ela anteriormente (a sua primeira

produção) evidenciando em quais aspectos havia melhorado, a Professora 1 disse:

Prof 1: 44 olha só... essa aqui... ((mostrando a produção anterior))... você colocou várias coisas sem sentido... essa história ((mostrando a produção atual))... já tem um sentido... já tem balão... já tá mais... já é uma história em quadrinhos... essa ((voltando à anterior)) não tem balão... tem os desenhos... mas não tem uma seqüência a sua história... um começo meio e fim igual tem essa aqui... ficou muito legal (Evento 20, 19-7-2005).

Para Marc, a tarefa de avaliar a própria evolução na produção das histórias em

quadrinhos não ficou clara. Afinal, o que a professora queria que fosse observado?

Para que foram produzidas essas histórias? Assim, a professora tomou a palavra

explicando que Marc havia avançado muito no trabalho, uma vez que a produção

anterior não apresentava as características de uma história em quadrinhos e,

portanto, apresentava apenas várias coisas sem sentido. Essa história, tomada pela

professora para servir de comparação (Foto 29), foi produzida no dia 26-4-2005,

num momento em que ainda não estávamos em campo. A professora, nesse

44 Os enunciados proferidos pela Professora 1 serão identificados com as iniciais Prof. 1 e pela Professora 2 com as iniciais Prof. 2.

Foto 27 - Marc produzindo o texto (19-7-2005) Foto 28 - Resultado do trabalho de Marc (19-7-2005)

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momento inicial do trabalho com as histórias em quadrinhos, ainda não havia

introduzido os balões de fala, mas já evidenciava a composição de histórias por meio

da seqüência começo, meio e fim, sem, necessariamente, estipular a quantidade de

vinhetas.

Marc ouviu as observações da professora acerca de sua evolução textual e

respondeu com um sorriso aos comentários dela. Assim que concluiu as

observações sobre os trabalhados realizados por Marc, a professora os guardou no

envelope. Outra situação que revela sobre as relações entre a Professora 1 e as

crianças, após a elaboração da história, pode ser observada na interação instaurada

a partir da leitura do seguinte texto produzido por Lay (Foto 30).

Considerando as pistas apresentadas no texto, a Professora 1 iniciou a conversa com

Lay, dizendo que o seu trabalho também estava muito legal, que tinha balões, vários

quadrinhos. Perguntou a Lay se a personagem da história era a mãe grávida, o que

foi confirmado com um sorriso. Perguntou também o que estava acontecendo no

Foto 30 - Texto de Lay (19-7-2005)

Foto 29 - Professora 1 comparando as produções de Marc (19-7-2005)

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último quadrinho, e Lay informou que “ele levantou no berço” (LAY, Evento 20, 19-7-

2005). A professora, então, buscando significar o texto produzido por Lay,

apresentou a sua compreensão: “[...] a mãe grávida... o nenem no carrinho... no

berço... e aqui ele já ( )... levantando no berço” (PROF. 1, Evento 20, 19-7-2005).

Lay voltou a sorrir, mostrando contentamento pelo fato de a professora ter

reconhecido os sentidos da história. Esse reconhecimento foi possível por meio de

pistas que deixaram à mostra as marcas do caminho trilhado por Lay no processo de

produção textual.

Analisando essas pistas, podemos observar que Lay elaborou uma seqüência com

cinco vinhetas utilizando apenas a parte superior da folha de chamex, aproximando-

se, desse modo, da estrutura quadrinizada das histórias do subtipo tira. Usou balões

de fala, com apêndices, expondo uma escrita diferenciada internamente e

externamente, constituída por um repertório de letras com predomínio de

consoantes, sem, contudo, estabelecer relações entre elas e unidades fonêmicas.

Por meio dessa diferenciação no escrito, Lay demonstrou ter se apropriado de um

conhecimento importante, ou seja: para escrever enunciados distintos é necessário

diferenciar a seqüência de letras. Como seu registro escrito não expressava

significações objetivas, a professora recorreu, então, ao texto visual buscando

compreender a história que Lay quis contar. Um outro aspecto importante que

contribuiu para o reconhecimento de sentidos do texto foi o tema escolhido por Lay.

Ao contar uma história sobre o irmão que iria nascer, Lay também ofereceu à

professora, sua interlocutora imediata e que sabia da gravidez da mãe, elementos

que agregaram sentidos ao texto.

Entretanto, esses elementos não suscitaram um movimento dialógico entre autor e

interlocutor, uma vez que a professora se restringiu a identificar os sentidos do texto

sem, no entanto, instaurar um processo de interlocução que possibilitasse passar de

uma compreensão passiva – em que o reconhecimento predomina – para a

compreensão ativa que, na perspectiva bakhtiniana de linguagem, não exclui a

atitude responsiva ativa do outro.

Em Geraldi (2003), encontramos outras contribuições que nos ajudam a pensar

essas relações. Ao discorrer sobre a perigosa entrada do texto para a sala de aula, o

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autor explica que a primeira pergunta a se fazer no trabalho com os textos é: “[...]

para que se lê o que se lê?” (p. 168). Tomando, para a situação analisada, esse

questionamento, nos perguntamos: para que a professora leu os textos das

crianças? Ela se colocou como interlocutora desses textos, buscando dialogar com

as crianças a partir de suas experiências cotidianas? Afinal, para que as crianças

contaram suas histórias em forma de quadrinhos?

Incidindo sobre os aspectos evidenciados nas demais situações analisadas, essas

produções também tiveram um destino certo: servir de comprovação dos processos

evolutivos na apropriação de determinadas características composicionais do gênero

sem considerar, contudo, as demais dimensões que situam o gênero em uma

categoria essencialmente sócio-histórica. Como nos diz Geraldi (2003, p. 178-179),

Se a língua não é morta, não podemos escapar do fato de que ela se refere ao mundo, que é por ela e nela que se pode detectar a construção histórica da cultura, dos sistemas de referências. Querer em nome de uma suposta neutralidade abandonar qualquer ação pedagógica que opere com esses sistemas de referências é querer, na verdade, artificializar o uso da linguagem para ater-se a aspectos que não envolvem a linguagem como um todo, mas apenas uma de suas partes.

Desse modo, ignorar ou deixar de ampliar as experiências que as crianças

manifestam por meio da linguagem é, conforme aponta Geraldi (2003), destruir a

dimensão simbólica e social da língua, uma vez que é voltando à própria

experiência, falando dela e sobre ela que as crianças podem ampliar seus sistemas

de referência e constituírem-se sujeitos de idéias, valores, saberes, cultura. Nesse

sentido, concordamos com o autor, quando afirma que é necessário inverter a flecha

de entrada do texto na sala de aula, reconhecendo que este “[...] é conseqüência de

um movimento que articula produção, leitura, retorno à produção [...] revista a partir

das novas categorias que o diálogo, entre professor, alunos e textos, fornece”

(GERALDI, 2003, p. 178). De acordo com o autor:

Se o texto escrito pelo aluno era para ser lido, e se a leitura é mais do que simples ‘informação’ que se extrai do texto, mas efetivamente envolve o leitor, não vejo como um professor, leitor dos textos de seus alunos, possa ignorar tantas perguntas que as informações dadas pelo texto fazem surgir (GERALDI, 2003, p. 179).

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182

Isso implica, portanto, assumir uma relação pedagógica em que a compreensão do

outro e do seu dizer envolve a atitude responsiva, a contrapalavra, que pode ser

instaurada a partir da escuta real e cuidadosa das suas vozes. A compreensão ativa,

reafirmamos, só pode se tornar genuína por meio da atitude responsiva. Como uma

forma de diálogo, a compreensão “[...] está para a enunciação assim como uma

réplica está para a outra no diálogo” (BAKHTIN, 1999, p. 132). Assim, para o autor,

“[...] compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra” (p. 132, grifo do

autor). Só a partir da instauração de uma relação interlocutiva na qual os

participantes podem opor a palavra do outro com a sua contrapalavra, o tema pode

ser apreendido. É nessa relação interlocutiva que

[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc. [...] (BAKHTIN, 2003, p. 271).

De acordo com Geraldi (2003), a atitude responsiva ativa pode ser ocupada pela

professora, por meio de perguntas formuladas com base no que as crianças dizem

em seus textos. Essas perguntas podem abrir outras possibilidades de diálogo na

sala de aula e provocar mudanças na forma de conduzir o processo de produção de

textos. Mudanças que só podem ocorrer quando a palavra do aluno for tomada

como indicador dos caminhos a serem trilhados e quando a leitura dos textos passar

do simples reconhecimento de informações para um processo de produção dialógica

de sentidos.

Os textos de Marc e Lay foram tomados para ilustrar os processos que se

constituíram nesse movimento de avaliação das produções. Entretanto, observando

os demais textos recolhidos e arquivados em nosso corpus de pesquisa (foram

selecionadas dez produções considerando a variedade na quantidade de vinhetas, o

uso de balões de fala e a legibilidade do texto verbal), optamos por estender a

análise desse evento tomando mais duas produções que podem acrescentar

evidências relevantes para a explicação das situações observadas.

Iniciemos pelo texto produzido por Joa (Foto 31):

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Recorrendo às nossas anotações em diário de campo (p. 134), encontramos dados

que nos ajudaram a explicar os movimentos de Joa durante o processo de produção

do texto. Antes de iniciar o trabalho, Joa enunciou que iria fazer uma história de

corrida de macacos. Assim, recorreu à idéia de produzir uma história inédita, com

personagens diferentes das apresentadas em outra situações, sem, no entanto,

relacionar essa demanda com uma situação vivida em seu cotidiano. Diante dessa

escolha, iniciou o trabalho ocupando todo o espaço da folha de chamex com traços

verticais. Em seguida, desenhou um macaco em cada parte, inserindo suas falas por

meio de balões. Nessas falas, as personagens, da direita para a esquerda, diziam:

EU VOU GANHA, NÃO, EU QUE VOU, NÃO EU VOU, EU VOU e NÃO VOU.

Quando questionado sobre a forma como havia dividido a folha, Joa explicou que

era a pista de corrida onde cada macaco iria correr e finalizou sua produção

indicando, por meio da linguagem escrita, o local da saída e da chegada. Para ele, a

divisão da página em partes teve outro sentido. Ele não se preocupou com a

seqüência de acontecimentos e montou uma cena em que a divisão da folha em

partes representou o local onde a história estava acontecendo: uma pista de corrida.

Joa produziu, portanto, um texto usando recursos icônicos e não icônicos que

também são utilizados nas histórias em quadrinhos, atendendo, desse modo, aos

aspectos evidenciados pela professora. Esse texto evidencia, portanto, a

necessidade de dialogar com as crianças para compreender as suas intenções e os

sentidos construídos.

Foto 31 - Texto de Joa (19-7-2005)

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Para finalizar a análise desse evento, observemos o texto produzido por Wes (Foto

32):

Wes iniciou o processo de produção dividindo a folha em quadro partes. No canto

esquerdo, escreveu o título Huck e abaixo do título o seu nome. Iniciou a narrativa,

desenhando as personagens no primeiro quadrinho, ficando em dúvida quanto ao

tipo de balão que deveria usar. Nesse momento, conforme captado em

microgravação em câmera digital, Wes – observando os movimentos de Nat e

ouvindo as orientações da professora: “olha só crianças... quem quiser pode fazer

igual à Nat... pode olhar a pesquisa que vocês fizeram para desenhar os balões que

vocês querem usar na história de vocês” (PROF. 2, Evento 20, 19-7-2006) –

recorreu aos registros sobre os balões de fala efetuados anteriormente e concluiu o

primeiro quadrinho desenhando os contornos do balão com a fala que incluiu dois

apêndices indicando duas falas simultâneas: PARADO AÍ SOCORRO SOCORRO.

Prosseguiu com sua narrativa produzindo as vinhetas que se seguem: no segundo

quadrinho, escreveu a fala LARGAE LA ISOSIVOCEMEPEGA (larga ela isso se

você me pegar); no terceiro, escreveu VOCE VAI SIAREPENDE (você vai se

arrepender). Encerrou a narrativa com uma explicação: IELIS VIVERÃN FELIZES

Foto 32 - Texto de Wes (19-7-2005)

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PARACENPRE (e eles viveram felizes para sempre). Concluiu sua narrativa,

conforme orientação da professora, escrevendo FIM ao lado da descrição do quadro.

Ao finalizar o trabalho, Wes também foi elogiado pela professora que comparou a

produção atual com as anteriores, evidenciando aspectos de sua evolução na

elaboração das histórias. Quando questionado sobre a escolha do tema, Wes

explicou que gostava de assistir aos filmes do Huck, que era legal, divertido e, no

final, ele sempre salvava todo mundo, como pode ser observado no final feliz que

Wes criou para as personagens de sua história.

Wes também contou a história procedendo à leitura do texto conforme transcrição45

que segue captada em microfilmagem na fotográfica digital:

Wes: ((com o dedo no primeiro balão de fala)) “pa-ra-do... a-í... ((apontando as sílabas da palavra)) soCOrro... soCOrro”... ((corre o dedo pelas palavras imitando a fala da personagem em perigo))... ((passa ao segundo balão)) “lar-ga e-LA... Ela... i-sso se você me pe-GAR” ((marcando o som final da palavra))... aí aqui ((indicando que ia ler no terceiro balão)) “você vai... se a-rrepende”... ((passa ao último balão)) “i e-les”... eu só fiz quatro ((justificando porque a história estava acabando))... “eles vi-ve... vi-veram... fe-li-zes... pa-ra sem-pri... fim” (Evento 20, 19-7-2006).

Assim, Wes mostrou ter consciência de que, tomando o escrito, poderia realizar a

tarefa de lembrar o conteúdo de sua história se relacionando com a escrita. Indicou

onde estava lendo: apontando os enunciados nos respectivos balões, lançando mão

de expressões explicativas: “aí, aqui”, voltando ao texto para dar prosseguimento à

leitura: “i e-les”... eu só fiz quatro ((justificando por que a história estava

acabando))... “eles vi-ve... vi-veram... fe-li-zes... pa-ra sem-pri... fim”. Usou entoação

para dizer a expressão: “soCOrro... soCOrro” evidenciando que não fez uma leitura

mecânica do texto, mas buscou significá-lo para si e para o outro que o ouvia.

Do ponto de vista da produção cultural das histórias em quadrinhos, Wes suscitou

uma demanda muito comum na criação dessas narrativas, que consiste em trazer as

personagens de filmes de ação para as aventuras quadrinizadas, por exemplo, as

histórias do Super-Homem, do Homem-Aranha, Mulher-Maravilha, dentre outras. De

45 Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, foram usadas apenas as iniciais dos nomes dos sujeitos nas transcrições ou a inicial C para representar a fala conjunta das crianças.

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acordo com Mendonça (2005), as histórias em quadrinhos, analisadas sob o aspecto

tecnológico, apresentam relações com o cinema e com os desenhos animados e,

nesse sentido, requerem uma seleção dos quadros a serem seqüenciados, o que

demanda maior esforço por parte do produtor e do leitor no preenchimento das

lacunas que possibilitam reconstruir o fluxo narrativo.

Podemos notar, ainda, a emergência de uma heterogeneidade tipológica que,

conforme salienta Marcuschi (2005), é um aspecto constitutivo dos gêneros. Nessa

perspectiva de análise, as histórias em quadrinhos podem apresentar, além das

seqüências narrativas – traços lingüísticos predominantes no gênero – outras

seqüências que contribuem para a coesão interna dos enunciados, como a

seqüência injuntiva: LARGA ELA e a seqüência descritiva da ação: IELIS VIVERÃN

FELIZES PARACENPRE (e eles viveram felizes para sempre).

Desse modo, podemos concluir que Joa e Wes buscaram responder à proposta de

produzir uma história em quadrinhos com balões de fala, recorrendo a temas

diferentes das produções anteriores, como havia sugerido a professora. Joa

produziu um texto sobre uma corrida de macacos, escolhendo um conteúdo que

realmente ‘”não existe” e Wes recriou uma história de um super-herói conhecido,

aproximando-se das histórias de ação e aventura que são comuns nesse universo

discurso. Embora tenham apresentado conhecimentos interessantes acerca do

gênero, essas duas produções revelam a fragilidade da proposta apresentada pela

Professora 1, uma vez que as crianças tiveram que recorrer a conteúdos diversos,

distanciando-se da demanda de contar experiências cotidianas.

A descrição dessas situações mostra, ainda, que a interação com os resultados

dessa atividade de produção textual foi recorrente, uma vez que a Professora 1, ao

focalizar a estrutura do gênero, buscava evidenciar a evolução das crianças na

apropriação de determinados aspectos, desconsiderando a sua dimensão

sociodiscursiva. Essa demanda foi reforçada, quando, ao final da atividade, a

professora reuniu as crianças na roda para conversar a respeito do que aprenderam,

explicando que, com o uso de balões de fala, os textos estavam ficando muito

legais, indicando que a “pesquisa” aos tipos de balões poderia ser sempre utilizada

durante as atividades.

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Com a saída da Professora 1, o trabalho com as histórias em quadrinhos na sala de

aula pesquisada teve continuidade com a entrada da Professora 2 que, ao

considerar as situações de ensino iniciadas pela Professora 1, também planejou

atividades voltadas para a apropriação de alguns aspectos constitutivos do gênero.

Essas situações foram observadas em dois momentos. No primeiro deles, dia 12 de

agosto, o trabalho com fábulas introduziu possibilidades de trabalhar com uma

releitura da fábula A cegonha e a raposa, de Maurício de Souza. Essa fábula havia

sido trabalhada pela Professora 1 e, a partir de uma indicação nossa, ela explorou a

versão produzida por Maurício de Souza, publicada em junho de 2000, na Revista n.

57. A história foi apresentada, inicialmente, em retroprojetor, para que as crianças

pudessem dialogar com o texto oralmente. Depois, por meio de cópia impressa, para

que elas fizessem outra leitura, desta vez destacando no texto as falas do narrador,

das personagens e as onomatopéias, de acordo com a legenda produzida

coletivamente, conforme revelado nas Fotos 33 e 34 que se seguem.

Como as crianças demonstraram interesse pelas onomatopéias presentes nessa

história em quadrinhos, a Professora 2 ainda organizou outra situação de trabalho

com esse recurso constitutivo do gênero. A partir da idéia do cartaz com vários tipos

de balões, foi elaborado com as crianças outro cartaz, desta vez com tipos variados

de onomatopéias, para ser afixado na sala de aula e servir de apoio nas situações

de produção de histórias em quadrinhos.

Foto 33 - Parte da história de Maurício de Souza Fonte: Revista n. 57, junho, 2005

Foto 34 - Legenda elaborada pela turma

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Essa atividade ocorreu no dia 23 de

agosto de 2005 (Evento 28, p. 193-198

do diário de campo) e contou com a

participação de todas as crianças.

Para a produção do cartaz, a professora

dividiu a turma em grupos que ficaram

responsáveis por consultar, nos gibis

disponíveis na sala de aula, os sons que

deveriam ser representados, de acordo

com listagem registrada no quadro pela

professora. O resultado do trabalho pode

ser observado na Foto 35.

No período em que estivemos em campo, foram observadas, ainda, conforme o

quadro apresentado com levantamento dos eventos, mais três situações de

produção de histórias em quadrinhos no segundo semestre do ano letivo. Essas

situações foram conduzidas pela Professora 2 e tiveram como ponto de partida o

trabalho com livros de literatura infantil, um recurso didático muito utilizado por ela

em sala de aula. Sempre que contava histórias, a Professora 2 solicitava que as

crianças elaborassem desenhos ou escritos focando o que haviam gostado ou

compreendido das histórias. Nesse contexto, também foram inseridas propostas de

produção de histórias em quadrinhos.

A primeira atividade proposta pela Professora 2 ocorreu no início de sua gestão na

sala de aula, no dia 4-8-2005, conforme registro em diário de campo (Evento 23, p.

155-161). Sem um planejamento consistente dos trabalhos a serem realizados, a

Professora 2 levava para a sala de aula alguns livros de literatura infantil e, a partir

da leitura dessas histórias, orientava atividades que focalizavam predominantemente

o desenho.

Foto 35 - Cartaz com tipos de onomatopéias

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Nesse dia, a professora iniciou os trabalhos na roda cantando, conversando com as

crianças e contando a fábula O galo e a raposa46. A conversa sobre a história

transcorreu a partir de questões suscitadas pela professora do tipo: se gostaram da

história, o que haviam compreendido, de quem os animais tinham medo e por quê, o

que é um animal carnívoro, o que a raposa queria com o galo, como o galo reagiu ao

convite da raposa, etc. Após essa conversa com as crianças, fez intervalo para o

lanche. Em seguida, encaminhou uma atividade sobre a história Os três porquinhos,

contada no dia anterior, que consistia no desenho e na escrita dos nomes das

personagens. Somente depois de concluída essa atividade e de um tempo destinado

ao brincar, a professora apresentou a segunda proposta de trabalho do dia,

retomando a história O galo e a raposa e propondo que as crianças a recontassem

por meio de quadrinhos, usando os balões de fala pesquisados e expostos no cartaz

que estava afixado na sala.

As crianças reagiram à proposta de trabalho, estranhando o fato de a nova

professora saber o que estavam estudando. A professora explicou que as pessoas

que trabalhavam na escola sabiam do projeto que estavam desenvolvendo e

contaram o que já haviam aprendido. Entretanto, a proposta se apresentou

desafiadora para as crianças, uma vez que teriam que recontar uma história mais

longa na forma de quadrinhos. Questionaram o que deveriam colocar na história, em

quantos quadrinhos deveriam compor a história, se teria que ter começo, meio e fim,

se poderia ser começo, meio, meio e fim, evidenciando os aspectos focalizados pela

Professora 1 nas propostas anteriores de produção dos textos. A Professora 2,

então, retomou a proposta, explicando que poderiam fazer a história com quantos

quadrinhos achassem necessários, escolhendo as partes que mais gostaram da

história. Para ajudar as crianças a se lembrarem da história, retomou o começo,

como se desenvolveu e o seu final.

Diante das condições apresentadas: recontar a fábula do galo e da raposa por meio

de quantos quadrinhos quisesse e usando balões de fala, as crianças iniciaram o

trabalho escrevendo o nome e a data em uma das páginas do bloco de atividades,

suporte oferecido para a produção textual, interagindo entre si, trocando idéias,

opiniões, solicitando ajuda da professora e a nossa também. Prosseguiram

46 A professora tomou uma versão publicada em coletânia didática.

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delineando as vinhetas uma a uma, inserindo as personagens, pintando as cenas,

conforme podemos observar nos movimentos ilustrados nas Fotos 36 e 37.

Comprendemos que, nessa situação, embora tenha ocorrido a instauração de um

movimento interlocutivo centrado na professora, uma vez que, na proposta, não

foram explicitados outros interlocutores ou razões para produção do texto, havia um

conteúdo a expressar, definido de forma clara pela professora. Os resultados dessa

atividade foram documentados em nosso corpus de pesquisa com uma amostra de

seis produções que revelaram como as crianças organizaram a fábula por meio de

recursos discursivos característicos das narrativas quadrinizadas imprimindo maior

expressividade ao texto. Observemos os aspectos gerais dessas produções

mostrados nas Fotos 38, 39, 40, 41, 42 e 43:

Foto 36 - Processo de elaboração dos quadrinhos (4-8-2005)

Foto 39 - Texto de Marc (4-8-2005) Foto 38 - Texto de Cris (4-8-2005)

Foto 37 - Processo de elaboração dos quadrinhos (4-8-2005)

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De maneira geral, essas histórias em quadrinhos foram compostas em três ou quatro

vinhetas, quantidade recorrente em quase todas as produções, distribuídas na

página do bloco de atividades de modos distintos. Algumas crianças ocuparam todo

o espaço da folha dividindo os quadrinhos com traços ora na posição vertical, ora na

Foto 40 - Texto de Joa (4-8-2005) Foto 41 - Texto de Gil (4-8-2005)

Foto 42 - Texto de Wes (4-8-2005) Foto 43 - Texto de Kai (4-8-2005)

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posição horizontal ou em ambas as posições. Também ocuparam apenas a parte

inferior da página, produzindo os quadrinhos em forma de tira. O fato de as crianças

usarem uma quantidade pequena de quadrinhos pode ser decorrente dos trabalhos

realizados anteriormente. Além disso, parece-nos, também, que as crianças

recorriam a essa quantidade de vinhetas, mesmo quando não era uma orientação da

professora, devido ao fato de ser essa uma proposta de produção bastante

desafiadora para as crianças, confirmando o que nos disse Mendonça (2005) a

respeito da falsa premissa de que, devido à integração de semioses discursivas, a

leitura e a produção de quadrinhos parecem ser relativamente fáceis.

Considerando as condições de produção e as seqüências de ensino organizadas

pelas professoras, compreendemos que o trabalho com as histórias em quadrinhos

na sala de aula pesquisada também foi influenciado por essa premissa, trazendo

implicações para o trabalho dos sujeitos durante o processo de produção das

histórias em quadrinhos. Na amostra dos trabalhos apresentada, temos uma

produção em que não foram agregados balões de fala à narrativa quadrinizada,

embora seja possível notar que houve uma preocupação com a seqüência dos

acontecimentos no texto, o que não observamos em grande parte dos trabalhos

elaborados.

Os demais trabalhos recolhidos são representativos de uma pequena parcela de

textos em que os balões de fala foram tomados como recurso discursivo. Nessas

produções, as crianças incluíram falas que remeteram às situações vividas pelas

personagens na narrativa apresentada pela professora, conferindo sentidos ao texto.

Para produzirem essas falas, usaram letras que representavam adequadamente

determinados fonemas que garantiram a legibilidade do texto. Quanto aos recursos

icônicos, observamos que as crianças empreenderam esforços na configuração das

personagens, inserindo poucos elementos na configuração do cenário.

Tomaremos o trabalho produzido por Joa (Foto 44) para olhar com mais

profundidade a articulação desses recursos na produção de sentidos do texto:

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Joa escreveu o título da história, fazendo opção de recontá-la por meio de quatro

vinhetas. Iniciou a sua narrativa quadrinizada com a fala do galo dizendo: EU

NÃOTENHOMEDO DARAPOSA (eu não tenho medo da raposa), evidenciando a

coragem dessa personagem em relação aos demais animais da floresta que não

manifestavam esse sentimento. Por meio dessa fala, Joa instaurou a situação inicial

da trama: a conversa entre os animais da floresta sobre o perigo de conviver com a

raposa. Na vinheta que se seguiu, Joa indicou a complicação que ocorreu no

momento em que a raposa convidou o galo para descer da árvore e ele respondeu:

EU VOUFICARAQUI UMPOUCO (eu vou ficar aqui um pouco). A resolução da

problemática ocorreu na terceira vinheta, quando o galo encontrou uma forma de

espantar a raposa dizendo: EUTO VENDO DOSCACHORRO (eu estou vendo dois

cachorros). Na última vinheta, finalizou a narrativa mostrando a personagem

principal enunciando que não teve medo: EU NÃO FIQUEI COMEDO. Nessa

Foto 44 - Texto de Joa em foco (4-8-2005)

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vinheta, Joa não se preocupou, ou esqueceu, em inserir a fala da personagem em

um balão.

Embora tenha apresentado a história do galo e da raposa em apenas quatro

quadrinhos, compreendemos que Joa conseguiu contemplar os momentos centrais

da história: o começo, a complicação, a resolução e o final. Marcou a sua intenção

em compor a história desse modo, escrevendo em cada quadrinho palavras que

indicaram o percurso de planificação das idéias: COMESO (começo), MENHO,

MENHO (meio, meio) e FIM.

Ao produzir o texto verbal, Joa evidenciou a apropriação do sistema alfabético de

escrita, utilizando letras para representar fonemas, fez uso do til na palavra NÃO,

incluiu escritas que atenderam às convenções sintáticas e ortográficas:

FICAR/FIQUEI, RAPOSA, POUCO, CACHORRO e, em alguns casos, não: TO,

DOSCACHORRO, COMEDO. Outro aspecto interessante foi que, embora Joa tenha

tentado segmentar as palavras no texto, supomos que, em algumas circunstâncias,

deixou de lado esse trabalho em função do pouco espaço disponível nos balões

para o texto escrito.

Quanto aos recursos de natureza icônica, observamos que Joa não se restringiu

apenas ao desenho das personagens centrais. Ele se preocupou com o local onde

estava acontecendo a história e com o tempo. Evidenciou essa preocupação inserindo

nuvens em todos os quadrinhos, a árvore que serviu de abrigo para o galo e outros

animais da floresta. É importante observar, em sua produção, como utilizou os

espaços da vinheta situando a raposa em primeiro plano, o que causou um efeito de

proximidade na cena. Joa produziu um trabalho que se destacou, pois grande parte

das crianças não conseguiu concluir o laborioso trabalho de contar a fábula do galo

e da raposa por meio dos recursos delineados na proposta da professora.

Schneuwly (2004) discute as relações entre gêneros primários e secundários

defendendo a tese de que, por não funcionarem mais num espaçotempo de

imediatez, os gêneros secundários se constituem em instrumentos semióticos

complexos. Como nos diz o autor (2004, p. 26): “[...] há a escolha de um gênero, em

função de uma situação definida por um certo número de parâmetros: finalidade,

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destinatários, conteúdo [...] há a elaboração de uma base de orientação para uma

ação discursiva”. Nesse sentido, propõe uma analogia entre a idéia de gêneros

primários e secundários em Bakhtin e a relação pensamento e linguagem em Vigotski

que nos parece interessante para ampliarmos nossa compreensão acerca das

necessidades educativas em torno do trabalho com o gênero na sala de aula.

O autor argumenta que os gêneros primários podem ser compreendidos por

analogia aos conceitos cotidianos, pois emergem da troca verbal espontânea entre

as pessoais na vida cotidiana. Os secundários, por sua vez, não estão somente

ligados à experiência cotidiana, às situações de comunicação imediatas. Concebidos

no contexto dos conceitos científicos em Vigostski, os gêneros secundários

introduzem uma ruptura importante no desenvolvimento da criança, trazendo

implicações para o processo de ensino aprendizagem.

Ao dialogar com as preposições das correntes psicológicas mais difundidas em sua

época, Vigotski (2001) questiona as explicações que se fundamentam numa

abordagem mecânica, na qual o desenvolvimento dos conceitos científicos na

criança ocorre por vínculos associativos formados pela memória, num processo

simples e universalizante de assimilação. De acordo com o autor, essa teoria

também se mostra inconsistente nas relações pedagógicas, uma vez que o ensino

centrado nessa perspectiva “[...] substitui a apreensão do conhecimento vivo pela

apreensão de esquemas verbais mortos e vazios” (VIGOTSKI, 2001, p. 247).

Buscando compreender e explicar como se desenvolvem os conceitos científicos na

mente de uma criança em processo de aprendizagem escolar, o autor defende que,

embora os conceitos cotidianos e científicos se desenvolvam por meio de processos

que estão interligados e que, portanto, exercem influências mútuas, “[...] os conceitos

científicos não se desenvolvem exatamente como os espontâneos [...] o curso de seu

desenvolvimento não repete as mesmas vias de desenvolvimento dos conceitos

espontâneos” (VIGOTSKI, 2001, p. 252). Nesse contexto, entendemos que Vigostski

aponta a importância das condições de ensino e do processo colaborativo para que

ocorra a apropriação dos conceitos científicos ou dos saberes construídos ao longo da

história humana pelas crianças. Assim, em analogia aos conceitos científicos,

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[...] o aprendiz é confrontado com gêneros numa situação que não está organicamente ligada ao gênero, assim como o gênero, ele próprio, não está mais organicamente ligado a um contexto preciso imediato. Além disso, essa situação não resultou direta e necessariamente da esfera de motivações já dadas do aprendiz, da esfera de suas experiências pessoais, mas de um mundo outro que tem motivações mais complexas, por construir, que não são mais necessariamente pessoais (SCHNEUWLY, 2004, p. 33).

São essas motivações a construir que se constituem, a nosso ver, em aspectos

fundamentais no trabalho com a leitura e a produção de textos na sala aula. Buscar

motivações para que as crianças pudessem produzir seus textos foi uma

preocupação evidenciada nas práticas da Professora 2. Em suas propostas de

produção de histórias em quadrinhos, ela tentava encontrar as motivações para o

trabalho de escritura na literatura infantil, como mostrado no evento analisado e

como poderemos observar nos dois eventos que se seguem. Contudo, as propostas

apresentavam fragilidades decorrentes da ausência de preparo para a realização do

trabalho.

Analisaremos o evento observado no dia

10 de novembro, que teve como ponto de

partida, para o trabalho de produção

textual, a leitura do livro intitulado O que

tem nesta venda?47 (Foto 45). Seu

registro, em nosso corpus de pesquisa,

ocorreu por meio de anotações em diário

de campo (evento 47, p. 304-309),

gravações em audiovisual (01h17min),

fotos do livro de literatura e de 17 textos

elaborados pelas crianças.

A professora iniciou o trabalho com o livro de literatura conversando com as crianças

sobre o que fazem com o dinheiro que ganham dos pais. Depois de ouvir as

crianças, ela iniciou a leitura da história, apresentando a capa do livro, o nome da

história, o nome do autor e da coleção a qual pertence. Instigou as crianças a

47 Livro de Elias José, com ilustrações de Rogério Coelho, publicado pela Editora Nova Didática.

Foto 45 - Livro O que tem nesta venda? (Elias José)

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levantarem hipóteses sobre o que poderia ter naquela venda e, em seguida,

procedeu à leitura do texto fazendo pausas em decorrência da pontuação e da

repetição de palavras nos versos, provocando efeitos de sonoridade que

convidavam as crianças a participarem da leitura. Assim, após tecerem vários

comentários sobre os produtos que a personagem foi comprar na venda, a

professora apresentou às crianças a proposta de trabalho do dia:

Prof. 2: bom... agora... crianças:: agora que vocês já ouviram a história... já disseram o que que vocês compram na venda quando têm dinheiro... descobriram o que que a menina compra na venda quando ela vai comprar né?... com o dinheiro dela... eu gostaria que vocês... eh:: fizessem pra mim... uma história em quaDRInhos... em quaDRInhos (Evento 47, 10-11-2005).

Ao ouvirem a proposta, as crianças manifestaram várias reações negativas

provocando a necessidade de a professora apresentar outros argumentos para

motivá-las, como pode ser observado no trecho que se segue:

C: ((assim que ouviram a proposta da prof)) eh:::: ah não... sim... ah:: não

Gab: NÃO... NÃO... NÃO... NÃO ((falando em tom de voz ritmado e alto))

Prof. 2: Gab... eu NÂO estou pergunTANdo se VOCÊ QUER ou se você NÂO QUER... ((alterando o tom de voz)) eu pergunTEI?... pergunTEI... Gab?

Gab: não

Prof. 2: não pergunTEI... eu esTOU dizendo que voCÊS vão fazer pra mim... uma história em quaDRInhos... de COmo que vocês vão na venda... o QUE que vocês PEdem... o QUE que vocês compram... COmo que vocês compram... ((ainda em tom de voz alterado)) e vocês vão ter que usar os balões que vocês pesquisaram... e também... se vocês quiserem... se tiver como... pode usar também as onomatopéias que vocês pesquisaram (Evento 47, 10-11-2005).

A professora, então, usou de sua autoridade em sala de aula para exigir que as

crianças escrevessem, definindo, desse modo, não somente a forma e o destino do

texto, mas o lugar de quem ensina e o lugar do aluno, que deve cumprir o que lhe foi

determinado. Diante da imposição, as crianças reagiram fazendo perguntas do tipo:

“mas... tia... e se eu não estiver falando nada?” (MARC, Evento 47, 10-11-2005),

“tia... tem que perguntar assim... pai... você tem dinheiro?... aí se ele falar que tem...

você me dá pra comprar isso pai?” (PED, Evento 47, 10-11-2005). Assim, colocada a

exigência de realização da tarefa e, em seguida, dadas as orientações, que foram

completadas pela professora, com a definição do suporte e da quantidade de

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vinhetas que deveria ser usada para compor a história, as crianças foram

autorizadas a iniciar o trabalho. Começou, então, uma movimentação em sala de

aula. Elas conversavam entre si, solicitavam materiais emprestados (especialmente

régua e lápis de escrever), refaziam suas divisões a partir das explicações da

professora que, somente depois, lembrou que havia se esquecido de um detalhe

importante: “pré:: psiu... quem já dividiu a folha... eh::quando for fazer a história...

depois tem que lembrar de colocar um título na história... tá?... o título que vocês

acharem melhor pra história de vocês” (PROF. 2, Evento 47, 10-11-2005). Enquanto

as crianças realizavam o trabalho, algumas conversando em tom de voz baixo e

outras em silêncio, a professora andava pela sala observando, orientando as

crianças individualmente e lembrando:

Prof. 2: oh:: não esqueçam de usar os baLÕes de fala e as onomatopéias se precisar... tá?... os balões têm que ter e as onomatopéias se precisar... deixa eu pegar o papel das onomatopéias aqui... para vocês verem aqui... pesquisar... o barulho do teleFO::ne... vou colocar aqui ((expõe o cartaz))... se... por acaso estiver chovendo... olha... um MOnte de onomatopéia... ambulância... helicóptero... chuva... porta... vento... trovão (Evento 47, 10-11-2005).

Como em outras situações observadas, o tempo de produção de cada criança foi

diferente. À medida que terminavam os trabalhos, elas procuraram a professora para

apresentá-los, atendendo, desse modo, à finalidade definida na proposta de

produção. Porém, as crianças não restringiram o destino do texto à professora, pois

se movimentavam pela sala de aula mostrando os trabalhos para os colegas,

contando a história ou partes daquilo que haviam produzido. Podemos compreender

que, ao mostrarem seus trabalhos aos colegas, as crianças buscaram outros

interlocutores para o texto, evidenciando a necessidade de interagir com o outro, de

conversar para o que se produz ter respostas.

A professora, percebendo esse movimento em sala de aula e concluindo que a

tarefa já havia sido cumprida, encerrou o trabalho solicitando: “pré... agora senta

cada um no seu lugar... quem não acabou pode terminar... tá?... agora senta... Mar...

pro seu lugar... Ped... pro seu lugar... Mat... faz favor pra mim... você e Lua... vocês

vão pegar os envelopes onde coloca as histórias em quadrinhos e entregar... com

cuidado... hein... é o menor” (PROF. 2, Evento 47, 10-11-2005), ressaltando, desse

modo, a finalidade da tarefa.

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Os resultados dessa atividade foram arquivados em nosso corpus de pesquisa

perfazendo um total de 17 textos. A partir de um levantamento geral dessas

produções, foi possível observar que, em cinco trabalhos, os balões de fala não

foram tomados como recurso lingüístico e as onomatopéias foram contempladas

apenas em duas produções. Em três trabalhos, os textos verbais não apresentaram

indícios de legibilidade, entretanto um aspecto que mais nos chamou a atenção foi

que, em apenas seis produções, a seqüência narrativa pôde ser compreendida sem

explicações do autor. Além disso, outros temas também foram suscitados pelas

crianças, como pode ser observado no registro fotográfico 46:

Se considerarmos que o trabalho com as histórias em quadrinhos vinha ocorrendo

desde o começo do ano, que explicações podemos atribuir a esses resultados? O

que as condições de produção desses textos nos revelam? Antes, porém, de

tentarmos responder a essas questões, apresentaremos quatro trabalhos que

evidenciam o que disseram as crianças que buscaram conciliar, na produção textual,

as orientações explicitadas pela professora.

Um desses trabalhos foi produzido por Cris, que contou uma situação em que ela e o

pai foram comprar bala e sorvete, conforme mostrado na Foto 47.

Foto 46 - Texto de Mat (10-11-2005)

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Cris deu um título ao texto: UM MAVEDA DE BALA (uma venda de bala). Na

primeira vinheta, desenhou o pai da menina dizendo: VILHA (filha) e a menina se

aproximando da venda dizendo: MOSO POFA (moço por favor). Na segunda

vinheta, a menina foi a uma sorveteria, comprou o sorvete e agradeceu: OBIGADO

(abrigado) enquanto o pai a esperava assoviando. Na terceira vinheta, desenhou

apenas um automóvel e, na última, um coração enfeitado com a palavra PAZ.

Conforme orientação da professora, Cris se limitou a usar balões de falas para

reproduzir enunciados comuns entre consumidor e vendedor, como o texto que se

segue (Foto 48) que foi produzido por Lay:

Foto 48 - Texto de Lay (10-11-2005)

Foto 47 - Texto de Cris (10-11-2005)

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Lay também produziu um texto com quatro cenas, mas não se preocupou em dar um

título. Ela contou uma situação de compra numa padaria. Para isso, desenhou uma

menina se aproximando do balcão e pedindo: MIDADOS PÁOL (me dá dois pães) ao

que o atendente respondeu: DOSIM (dou sim). Em seguida, a desenhou passando

pelo caixa e, depois, indo embora com os pães.

Passemos ao texto de Ped (Foto 49):

Ped elaborou esse texto com a ajuda de dois colegas, Wes e Kai. O que ele disse?

Iniciou o trabalho contando: UM DIA EUF EUFUNA SORVETERIA (um dia eu fui na

sorveteria). Antes, porém, pediu dinheiro ao pai: PAI MIDA UM REAL (pai me dá um

real) e o pai respondeu: CLARO QUE DOR (claro que dou). Depois de comprar o

sorvete, ele voltou para casa, conforme podemos concluir com a leitura que fizemos

do terceiro e do quarto quadrinhos. Dessa forma, podemos compreender que Ped

elaborou um texto exatamente como a professora pediu: contou uma história com

começo, meio e fim, em que foi à venda comprar guloseimas com o dinheiro que

ganhou do pai e usou balões com falas que indicaram o diálogo.

Foto 49 - Texto de Ped (10-11-2005)

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Por fim, apresentaremos o texto de Joa (Foto 50), uma criança que tentou conciliar

todas as demandas dessa produção:

Joa criou uma história em que foi fazer compras, em quatro vendas diferentes,

conforme pode ser observado nos números indicados em cada uma delas. Na

primeira vinheta, desenhou ele mesmo se aproximando da primeira venda e tocando

uma campainha: DINDOOM. Na segunda vinheta, ele saindo da venda 2,

agradecendo: BRGADO (obrigado) e a pessoa que o atendeu, respondendo: DINADA

(de nada). Em seguida, foi à outra venda, onde também tocou a campainha:

DINDOOM. Encerrou suas compras passando por outra venda e despedindo-se da

pessoa que o atendeu: TIAO (tiau), ao que lhe respondeu: ADEUS.

Como podemos observar nesses trabalhos, as crianças tentaram atender à proposta

da professora contando uma situação em que foram fazer compras com o dinheiro

que ganhavam dos pais, por meio de quatro vinhetas (conforme um dos modelos

apresentados pela professora no quadro), usando balões de fala. A produção de

Cris foi a única, não apenas dessa amostra, mas de toda a turma, que incluiu título.

Ped usou um recurso narrativo contando quando (um dia) e onde foi (na sorveteria).

Joa incluiu a onomatopéia DINDOOM em seu texto, respondendo à sugestão da

professora. Ao que parece, Joa apenas usou o recurso buscando atender à

Foto 50 - Produção de Joa (10-11-2005)

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orientação da professora, uma vez que, normalmente, não se toca campainha para

entrar em vendas.

Esses resultados são elucidativos dos modos como as crianças buscaram articular as

demandas que foram definidas pela professora para a produção dos trabalhos.

Podemos dizer que, na perspectiva da professora, as crianças tinham o que dizer.

Elas ouviram uma história sobre o tema, relataram o que faziam quando ganhavam

dinheiro dos pais. Contudo, isso não foi suficiente para instaurar uma situação de

produção que tomou como estratégia de dizer o gênero quadrinhos. Que motivações

as crianças tinham para contar histórias sobre esse tema? O que elas poderiam dizer

sobre situações dessa natureza, tomando os quadrinhos como estratégia de dizer?

Acreditamos que mais uma vez cumpriram uma tarefa que foi imposta pela

professora sem compreenderem as razões para concretizar a experiência do vivido.

Isso também pode ser observado no modo como as crianças concluíram os

trabalhos. Cris, por exemplo, ocupou o espaço do quarto quadrinho com o coração

no qual escreveu PAZ. É interessante notar que a falta do dizer pode ter levado Cris

a concluir o texto com uma palavra muito utilizada em campanhas realizadas por

organismos governamentais e não-governamentais. Lay, a partir do terceiro

quadrinho, também evidenciou que não tinha mais o que dizer e, por isso, desenhou

o caixa e uma criança (provavelmente ela) sem cuidar dos detalhes da imagem. Ped

também apresentou um movimento de produção parecido, pois contou a situação de

compra em apenas dois quadrinhos e ocupou os espaços com imagens que

aparentemente não agregaram novos sentidos ao texto. Joa tentou articular os

recursos solicitados pela professora, dizendo praticamente a mesma coisa em todas

as vinhetas.

O último evento observado em campo, que suscitou a produção de histórias em

quadrinhos, foi decorrente do trabalho com as histórias da escritora Eva Furnari.

Buscando trabalhar com autores de quadrinhos pouco conhecidos pelas crianças, a

Professora 2 introduziu algumas obras dessa autora. Analisaremos um evento,

observado no dia 29 de novembro de 2005, e registrado em nosso corpus de

pesquisa por meio de anotações em diário de campo (Evento n. 53, p. 332-336),

filmagens e transcrição (cerca de 1h05min) e fotos de todos os textos produzidos.

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Antes de iniciarmos a descrição desse evento,

é importante explicar que a idéia de trabalhar

com a obra da escritora Eva Furnari foi

decorrente da participação da Professora 2 no

Curso de Extensão Alfabetização e letramento,

quando, em um desses encontros, a

professora conheceu o trabalho da escritora

optando por integrá-lo ao projeto de literatura

com histórias em quadrinhos. O livro

escolhido, intitulado A bruxinha atrapalhada

(Foto 51),48 consiste numa coletânea de

histórias contadas por meio de recursos

icônicos no formato de quadrinhos.

A partir de Smolka (2003), podemos caracterizar melhor essa produção literária no

formato de histórias em quadrinhos. Ao justificar as razões que a fizeram tomar as

histórias em quadrinhos de Eva Furnari para o trabalho que estava realizando com

crianças na idade pré-escolar, em 1982, a pesquisadora explicou que, nessas

histórias, predominam as seqüências de quadrinhos sem escrita, com elementos

icônicos que sugerem a mágica, a transformação, o nonsense. São esses elementos

que atribuem às narrativas um caráter mítico, fantástico, imaginativo. Além disso, de

acordo com Smolka (2003, p. 81),

Os desenhos têm uma característica atual e estilizada, guardando, no entanto, arquétipos tradicionais: bruxa ou fada, varinha de condão, magia... Ao mesmo tempo, ou por isso mesmo, não só abrem espaços, mas convidam as crianças a se posicionarem como interlocutoras nas histórias.

As características textuais da obra A bruxinha atrapalhada foram apresentadas, em

linhas gerais, pela Professora 2 na roda de conversa, quando convidou as crianças

48 Esse livro foi publicado pela Editora Globo. A bruxinha atrapalhada é uma das personagens mais populares da escritora e foi criada para um trabalho que ela desenvolveu no Jornal Folha de São Paulo, em 1979. Nesse trabalho, que durou cerca de sete anos, Eva Furnari produzia tiras que eram publicadas semanalmente. Somente depois surgiram as publicações de suas “ilustrações narrativas” – assim nomeadas pela autora, em livros de literatura infantil, com a finalidade de atender às crianças bem pequenas. Disponível em: <http://www.avanielmarinho.com.br/infantilevafurnari.htm>. Acesso em: 25 jun 2006.

Foto 51 - Livro A bruxinha atrapalhada (Eva Furnari)

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para conhecerem uma história em quadrinhos diferente das que estavam

trabalhando até então. Antes, porém, de falar sobre a história que seria contada na

roda, a Professora 2 retomou o processo vivido em sala de aula, ajudando as

crianças a se lembrarem das histórias em quadrinhos que dispunham em sala de

aula, dos nomes dos autores dessas histórias, das personagens mais conhecidas e

dos recursos lingüísticos (como balões de fala e onomatopéias) que geralmente são

usados pelos autores para compor os sentidos do texto.

Em seguida, convidou as crianças a conhecerem as histórias da Eva Furnari,

sinalizando algumas possibilidades de interlocução a partir da iconicidade textual,

perguntando quem já conhecia a escritora ou lido suas histórias.49 Em seguida, a

professora apresentou a capa do livro, dialogando com as crianças a respeito do que

a autora poderia contar num livro cujo título era A bruxinha atrapalhada.50

Prof. 2: A bruxinha atrapalhada... nós vamos ver que as histórias que têm aqui dentro... elas não tem... né?... algumas coisa que vocês vão ver depois... mas por que será que a Eva Furnari... colocou o nome dessa história A bruxinha atrapalhada?

C: ((apresentam várias respostas ao mesmo tempo))

Prof. 2: calma... quem quer responder levanta a mão... Mat

Mat: que ela é atrapalhada

Prof. 2: que ela é atrapalhada... mas por que ela é atrapalhada?... Lua

Lua: é porque:: ahn... ela fica ahn:: esqueci

Prof. 2: Jac

Jac: bagunçando

Prof. 2: que ela fica bagunçando... bagunçando o quê?... fala... Mon

Mon: ela faz bagunça

Prof. 2: ela faz bagunça?... por isso que ela é atrapalhada?

49 A vida e a obra da escritora foram apresentadas às crianças em momento posterior (Evento 55, 2-12-2005), a partir da consulta em texto biográfico que indicamos para a professora. 50 Acreditamos que essa estratégia de leitura utilizada pela Professora 2 foi apropriada no Curso de Extensão Alfabetização e Letramento que, do nosso ponto de vista, produziu transformações significativas na prática, como também poderemos verificar em outros eventos. Esse curso foi ministrado pela Profª. Drª. Cláudia M. M. Gontijo (UFES/PPGE), no segundo semestre do ano letivo de 2005.

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Mon: ((confirma))

Marc: porque ela é muito desajeitada

Prof. 2: porque ela é desajeitada... eu vou pedir uma coisa... quem não quiser responder não levanta a mão... porque na hora que eu chamo... ah:::: não sei... o que adianta?... fala... Joa

Joa: é porque ela:: eh:: viu uma coisa e... e... eh:: e ela não descobre

Prof. 2: ela vê uma coisa e ela não descobre?... só por isso ela é atrapalhada?

Joa: ((confirma))

Prof. 2: fala... Nat

Nat: é porque tudo que o gato quer fazer ela quer fazer

Prof. 2: vamos ver aqui uma historinha da Eva Furnari oh:::: ((abrindo o livro)) (Evento 53, 29-11-2005).

Assim, a professora instaurou, logo no início da leitura do texto, uma situação em

que as crianças tentaram antecipar as histórias, confirmando as possibilidades de

interagir com o texto a partir dos recursos icônicos. Esse diálogo com o texto foi

mantido durante a leitura das duas histórias (Fotos 52 e 53) que a professora

escolheu para serem contadas nesse dia:

Foto 52 - História de Eva Furnari publicada no livro A bruxinha atrapalhada

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Considerando as possibilidades de as crianças anteciparem o conteúdo dos textos

pela leitura do título, a professora manteve esse procedimento inicial despertando a

curiosidade das crianças por meio de perguntas do tipo: “por que será que essa

historinha da Eva Furnari se chama O chapéu?”; “O passarinhão... por que será que

tem esse nome?” (PROF. 2, Evento 53, 29-11-2005). Essas perguntas provocaram

a participação das crianças na leitura dos textos. Ao serem motivadas a arriscar

suas opiniões, elas recorriam a experiências que não estavam apenas circunscritas

à situação imediata de leitura, como pode ser observado nas respostas de Joa, Ped

e Marc: “ela usa um chapéu preto”; “não... chapéu de bruxa é roxo”; “é um pássaro

grandão” (Evento 53, 29-11-2005).

A professora prosseguiu com a leitura dos textos, fazendo perguntas sobre o que

estava acontecendo em cada cena, sobre os detalhes das imagens e dos recursos

icônicos utilizados pela autora, para que as crianças construíssem oralmente os

sentidos do texto, até concluírem as razões que faziam dessa bruxinha uma bruxinha

atrapalhada. Nas interações, a professora possibilitou a alternância dos sujeitos do

discurso, promovendo condições para a instauração de um movimento que abarcou o

espaço de discursividade no processo de leitura convidando as crianças a

Foto 53 - História de Eva Furnari publicada no livro A bruxinha atrapalhada

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participarem da interlocução em diferentes momentos, inclusive ao considerar as

questões suscitadas pelas crianças, como pode ser observado nos enunciados: “mas

que coisas que ela transformava? o que ela esqueceu de fazer na hora que ela

transformou o passarinho numa tesoura? por que o passarinho correu atrás dela?

essa história ensina isso?... ali ele queria se vingar da bruxa e correu atrás dela?

vocês acham que se o passarinho / a tesoura... né?... conseguisse pegar a varinha da

bruxa o que ele ia fazer? o gato também?” (PROF. 2, Evento 53, 29-11-2005).

Ao mediar a interlocução com texto, a professora também procurou chamar a

atenção das crianças para as estratégias de dizer da autora, reforçando, desse

modo, os elementos discursivos a serem focalizados na proposta de produção que

decorreria da leitura do texto. Partindo dessa interação com os dois textos de Eva

Furnari, ela apresentou a proposta de trabalho que foi explicitada do seguinte modo:

Prof. 2: vocês viram que a Eva Furnari... como nós contamos nas histórias pra vocês... ela não utiliza onomatopéias... ela não utiliza balões de fala... mas ela faz uma história numa seqüência que a gente consegue entender... não é?

C: é... ahn... ahn

Prof. 2: sabe o que vocês vão fazer também?... uma história... em grupo tá?... numa seqüência... vão ter três partes essa história que vocês vão ter que fazer... e vocês vão ter que inventar uma parte pra ser o começo... uma parte pra ser o meio da história... uma parte pra ser o fim... mas tem que ser uma coisa ligando a outra... tá?

Joa: começo meio e fim (Evento 53, 29-11-2005).

Depois dessas explicações, ela dividiu a turma em grupos e, em seguida, tomando o

suporte do texto nas mãos (uma cartolina dividida em três partes), retomou as

orientações para que as crianças trabalhassem de forma cooperativa, compondo

uma história inédita com a bruxinha atrapalhada, ou outra personagem que

desejassem. Então, nessa proposta as crianças deveriam criar uma história, que

poderia ser da bruxinha atrapalhada, em três vinhetas já delimitadas na folha de

cartolina pela professora, usando apenas recursos icônicos, no estilo da Eva Furnari,

sem balões de fala ou onomatopéias, compondo uma seqüência de idéias com

começo, meio e fim. Deveriam, também, escrever um título em letras bem grandes

para a história e não esquecer de colocar os nomes dos autores.

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A partir dessas orientações, as crianças iniciaram os trabalhos, conversando sobre o

tema da história, decidindo sobre o título, dividindo as tarefas nos grupos. De maneira

geral, elas se envolveram na atividade, trabalhando, conforme solicitado pela

professora, de modo cooperativo: umas desenhavam, outras pintavam os desenhos,

outras escreviam os títulos. Ao final, as crianças mostraram os textos para a

professora que solicitou que contassem oralmente as suas histórias. Ao todo, foram

produzidas seis histórias assim intituladas: O palhaço atrapalhado, Urso negro, Os

namorados, A bruxa e a flor, A bruxinha na prainha, Chapeuzinho Vermelho.

Observemos como as crianças concretizaram suas idéias a partir da proposta

apresentada pela professora, considerando dois trabalhos que abarcaram temas

diferentes. O primeiro texto selecionado para análise foi produzido por Kai, Ped, Pat

e Mar. As crianças desse grupo optaram por criar uma história da bruxinha contando

o que aconteceu no dia em que ela foi à praia (Foto 54).

O tema da história foi revelado a partir do título: A BRUXINHA NA PRAINHA, escrito

de forma convencional por Kai, a criança do grupo que já dominava a escrita

alfabética. Nesse título, as crianças fizeram uso da rima conferindo ritmo à leitura.

Conforme solicitado pela professora, o título foi escrito com letras bem grandes e

coloridas. As crianças também colocaram seus nomes no trabalho, mas eles foram

apagados por nós para preservar a sua identidade.

Foto 54 - Texto produzido por Kai, Ped, Pat e Mar (29-11-2005)

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Essa história foi narrada oralmente por Ped assim: “a bruxinha estava na praia...

eh::: começou a chover... e... depois... apareceu o arco-íris... e... e... ela foi embora”

(Evento 53, 19-11-2005). Nessa produção, as crianças ofereceram pistas que

garantiram a seqüência dos acontecimentos no texto. Essas pistas podem ser

observadas a partir dos recursos visuais utilizados pelas crianças para comporem os

sentidos do texto.

Esses recursos consistiram em sinais do tipo natural que marcaram as mudanças

climáticas: tempo ensolarado com nuvens, tempo estável com sol e chuva formando

o arco-íris; ícones imitando os pássaros que se movimentaram no céu reforçando

que ocorriam mudanças climáticas; ícones que imitaram as árvores e a figura da

bruxinha. A movimentação da bruxinha na história também foi figurativizada por meio

de mudanças no ambiente: podemos observar que as crianças desenharam a água,

a areia do mar e o caminho de volta. A repetição também foi um recurso utilizado

nessa história, como pode ser observado no desenho do sol e da própria

personagem que, embora tenha sido desenhada por várias crianças, como mostram

os traços característicos dos desenhos, teve suas características preservadas.

Recursos dessa natureza também foram considerados por Ron, Let, Gil e Iur na

elaboração do texto que se segue (Foto 55) intitulado URSO NEGRO:

Foto 55 - Texto produzido por Ron, Let, Gil e Iur (29-11-2005)

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Gil contou que, nesse texto, eles criaram a seguinte história: “eh:::: o urso tava

brincando... de repente... o homem veio e... e... prendeu ele... depois... o homem

soltou o urso porque ele se lembrou da... da... eh:::: infância dele” (Evento 53, 19-11-

2005). Para compor essa história, as crianças também lançaram mão de recursos

icônicos bastante interessantes: mantiveram o sol e nuvens em todas as vinhetas, o

urso e o homem com os mesmos aspectos figurativos. A seqüência narrativa foi

instaurada com a personagem urso caminhando pela floresta, sendo aprisionada

pelo homem e, em seguida, libertada. Isso pode ser observado na figurativização da

jaula e do movimento do caçador abrindo-a. O uso dos balões foi justificado pelas

crianças com a explicação de que o homem ficou feliz porque soltou o urso. Esse

recurso, de acordo com Higuchi (1997), pode ser tomado como um ícone simbólico,

uma vez que não representa diretamente a realidade e sua significação é

concretizada a partir de acordos, o que também pode ser observado nas produções

de Eva Furnari. A história produzida por esse grupo de crianças foi uma das mais

expressivas com indicação de uma temática que remete ao campo das relações

socioambientais, sinalizando que a opção por contar histórias tomando temas

diferentes dos propostos também foi recorrente nessa situação.

Além dos textos apresentados, outros resultados também indicaram que, embora nem

sempre tenham recorrido ao tema proposto, de maneira geral, as crianças buscaram

atender às orientações da professora aproximando-se das demandas de produção.

Conforme situamos, essas demandas foram instauradas a partir da leitura do texto

que, nesse contexto, se configurou numa proposta de trabalho, cuja finalidade era a

produção de outros textos. Assim, partindo das produções da escritora Eva Furnari, a

Professora 2 buscou, nessa situação de produção de texto, instaurar condições para

que as crianças pudessem produzir histórias em quadrinhos a partir de um modelo,

estratégia didática que também foi abordada pela Professora 1.

Concordamos com Geraldi (2003), que esclarece que o texto pode ser tomado como

unidade de ensino na sala de aula não somente para interrogá-lo e escutá-lo a partir

de um querer saber mais, ou para a leitura-fruição, mas também para usá-lo na

produção de outros textos. Usar um texto como pretexto para a produção de outros

textos pode se constituir, na perspectiva aqui defendida, em um pretexto legítimo.

Entretanto, no contexto analisado, as possibilidades de legitimação do uso do texto

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para a produção de outros textos também foram fragilizadas em decorrência das

estratégias de dizer delimitadas pela professora que:

a) circunscreveram o dizer em uma quantidade reduzida de quadrinhos, pois,

segundo a professora: “em três partes fica mais fácil pra vocês estarem fazendo

a história... com começo meio e fim” (PROF. 2, Evento 53, 29-11-2005);

b) suscitaram a incerteza na escolha do que dizer: “pode... pode ser com a

bruxinha atrapalhada e criar uma história diferente com a bruxinha... tá bom?”

(PROF. 2, Evento 53, 29-11-2005);

c) reduziram as possilidades da escolha das estratégias do dizer: “só que vocês

não vão fazer onomatopéias na história... nem vão utilizar balões de fala...

tá?” (PROF. 2, Evento 53, 29-11-2005);

d) confirmaram que esse trabalho de produção é exigente, demandando um

esforço do sujeito-autor (criança de seis/sete anos) que vai além da simples

tarefa de desenhar: “vocês vão ter que inventar uma parte pra ser o começo...

uma parte pra ser o meio da história... uma parte pra ser o fim... mas têm que

ser uma coisa ligando a outra... tá?... vocês vão ter que pensar qual título que

essa história vai ter... porque não adianta também desenhar a história depois

não saber nem o que aconteceu nessa história... vai ter que ter um... título”

(PROF. 2, Evento 53, 29-11-2005).

O conjunto de orientações delineado pela Professora 2 evidencia, portanto, a

recorrência de situações de ensino aprendizagem nas quais os elementos mais

substanciais da comunicação-discursiva foram suprimidos do processo de produção

de textos, restringindo e comprometendo a atividade produtiva das crianças. Nessas

circunstâncias, que histórias as crianças poderiam contar? O que tinham a dizer em

suas narrativas quadrinizadas? Para quem deveriam produzir seus textos? Notamos

que as crianças empreenderam esforços no sentido de atender às expectativas

delineadas, produzindo textos que preencheram as condições apontadas. Contudo,

ao preencherem essas condições, as crianças refletiram em seus textos a

artificialidade da proposta de produção, como pode ser observado nas enunciações

das crianças que participaram da produção de outros grupos: “a chapeuzinho tava

na casa dela... e a mãe dela mandou ela levar doce para a vovó... eh:::: ela

encontrou o lobo e ela abraçou a vovó e o lobo ficou morto” (GAB, Evento 53,

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29/11/2005); ou ainda: “o título é... os namorados... a bruxinha... ela tava andando

de bicicleta... ela achou um namorado e... ela se casou... na festa de casamento

teve bolo” (MAT, Evento 53, 29-11-2005).

Os resultados dessa atividade confirmam, portanto, que as práticas discursivas em

torno da produção de histórias em quadrinhos vivenciadas pelos sujeitos no interior

da sala de aula pesquisada foram recorrentes. Confirmam também que essas

práticas não são neutras ou indiferentes ao contexto mais amplo de produção

desses dizeres, evidenciando que as experiências discursivas das pessoas se

desenvolvem em um processo de interação contínua, pois

[...] Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo [...]: ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo leva em conta [...] (BAKHTIN, 2003, p. 297, grifo do autor).

Esse pressuposto fundamental nos permite reconhecer que, nessas práticas

específicas de produção de histórias em quadrinhos, as experiências discursivas das

crianças e das professoras não foram configuradas apenas pelo contexto imediato

de instauração dessas práticas. As situações de produção dos textos observadas na

sala de aula pesquisada também traziam as vozes dos discursos pedagógicos que

eram veiculados por meio das propostas de ensino adotadas pela escola, pelo

sistema de ensino da Rede Municipal de Vitória e, em nível mais amplo, pelos

discursos oficiais veiculados no RCNEI e no PROFA.

Ao apontar as implicações decorrentes das propostas de ensino que emergiram no

quadro de reflexões e mudanças sobre o trabalho de produção de textos na década

de 1980, Geraldi (1997) recorre às concepções de sujeito suscitadas a partir da

década de 1960, explicando que, nesse período, duas formas de conceituar o sujeito

se confrontaram: uma na qual o sujeito era a fonte do dizer, portanto um sujeito

pronto, acabado; e a outra que, ao tentar superar essa visão subjetivista, preconizou

o assujeitamento do sujeito às condições sociais e históricas de seu tempo,

concebendo-o como

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[...] produto do meio, da herança cultural e das ideologias que, incorporadas ao longo de sua história, fazem do indivíduo desde sempre sujeito, mero preenchimento de um lugar social reservado pela estrutura (ideológica) que define o dizível e como exercer o papel neste lugar social previamente estabelecido (GERALDI, 1997, p. 19).

Essa concepção que situa o sujeito como fruto da sociedade, reduzindo suas

possibidades de intervir criticamente na realidade social, também foi denunciada por

Bakhtin em suas discussões acerca do pensamento filosófico-lingüístico por ele

denominado genericamente de Objetivismo Abstrato.51 De acordo com o autor, essa

corrente de pensamento parte de uma visão racionalista e mecanicista de mundo que

desconsidera o potencial do sujeito e suas relações com a língua como um fenômeno

puramente histórico. Diz Bakhtin (1999, p. 108):

A língua, como sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e do seu ensino. Esse sistema não pode servir de base para a compreensão e explicação dos fatos lingüísticos enquanto fatos vivos e em evolução. Ao contrário, ele nos distancia da realidade evolutiva e viva da língua e de suas funções sociais [...].

A superação dessas concepções de língua e de sujeito no processo de ensino

aprendizagem pressupõe, portanto, o reconhecimento da dimensão sócio-histórica

da linguagem, pois “[...] o centro organizador de toda enunciação, de toda

expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o

indivíduo” (BAKHTIN, 1999, p. 121, grifo do autor).

Nesse contexto, a introdução do texto nas práticas de alfabetização não vem apenas

atender à demanda de formar o cidadão capacitado para utilizar a linguagem oral e

escrita nas sociedades capitalistas contemporâneas sob a justificativa de que a sua

inserção no mercado de trabalho, bem como a sua ascensão educacional e social

dependem das capacidades de comunicação desenvolvidas. Essa perspectiva,

caracterizada por uma visão imediatista e funcionalista de trabalho com textos na

sala de aula, pode produzir desdobramentos que artificializam o processo de

51 Corrente de pensamento que situa o sistema lingüístico como centro organizador dos fatos da língua. Percebe a língua como um sistema sincrônico, estável, fechado, com leis específicas, que não sofrem influências ideológicas nem históricas. A primeira expressão desse pensamento ocorreu com Leibniz, na França, no século XVIII. Sua mais brilhante expressão, contudo, foi decorrente dos estudos realizados pela Escola de Genebra, cujo principal representante foi Saussure (BAKHTIN, 1999).

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produção, provocando, conforme observamos nos eventos analisados, o

enfraquecimento da situação de interlocução ou, ainda, a negação da escola como

lugar específico de comunicação no qual o gênero entra naturalmente na sala de

aula.

No caso pesquisado, a entrada do texto na sala de aula era, de maneira geral,

decorrente do trabalho com projetos que visava à integração de objetivos

educacionais e à contextualização das práticas de ensino aprendizagem. Entretanto,

a adoção dessa proposta de trabalho também trazia implicações para as práticas de

alfabetização que, de certa forma, já eram enunciadas no espaçotempo escolar,

como podemos notar na fala da professora:

Prof. 1: existem projetos de literatura na escola que tá muito preocupado com a estética do livro... e não com o momento de produção das crianças... pra mim é o que é mais importante... eles chegarem nesse nível de discutir... “não... Pat... não é assim que é legal... eu tenho uma idéia melhor”... é isso que eu quero... dar opinião... [...] ele vai produzir um texto... não vai escrever “o Ivo viu a uva”... ele vai escrever um texto baseado nas suas opiniões sobre determinado assunto... você não vai ter que ficar construindo o texto com ele... ele já tem uma bagagem de discussão (trecho da entrevista realizada em 21-11-2005).

De certo, a abordagem mecanicista de alfabetização foi notadamente superada no

contexto das práticas observadas e a inserção do texto como unidade de ensino,

sem dúvida, repercurtiu em benefícios relevantes para o processo de alfabetização

das crianças, especialmente se considerarmos que elas eram motivadas a

escreverem textos e não letras, sílabas ou palavras descontextualizadas. Nesse

sentido, a proposta da Professora 1 de trabalhar com o gênero história em

quadrinhos, numa turma de crianças de seis/sete anos de idade da educação infantil

- acolhida pela Professora 2 – foi instauradora de novas possibilidades de atuação

no interior das relações pedagógicas. Contudo, as condições de produção dos textos

influenciaram na constituição de sujeitos, cujas histórias, crenças e opiniões foram

caladas em função de uma abordagem, cujo foco central girou em torno de

determinados aspectos composicionais sem a necessária articulação com situações

sociais de comunicação.

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Em consonância com a perspectiva teórica que orienta este estudo, compreendemos

que a constituição de sujeitos deve ser a principal razão para a entrada do texto na

sala de aula, acreditando que,

Ao se propor a produção de textos como a devolução da palavra ao sujeito, aposta-se no diálogo (que não exclui a polêmica e a luta pelos sentidos) e na possibilidade de recuperar na ‘história contida e não contada’ elementos indicativos do novo que se imiscuiu nas diferentes formas de retomar o vivido, de inventar o cotidiano (GERALDI, 1997, p. 20).

O diálogo, portanto, se constitui o ponto de encontro das vozes que habitam a sala

de aula, que, nesse contexto, é concebida como lugar de interação, de produção de

sentidos e de constituição de sujeitos. Nas práticas específicas de produção de

histórias em quadrinhos, observamos que essa dimensão dialógica foi

comprometida. Conforme explicitado no início de nossas análises, o trabalho de

literatura que tomou como ponto de partida o gênero história em quadrinhos foi

provocador de outras propostas de trabalho que analisaremos a seguir.

5.1.2 As atividades de reescrita a partir das histórias em quadrinhos Passaremos, neste tópico, a apresentar e analisar as situações de trabalho com as

histórias em quadrinhos nas quais as propostas de produção giraram em torno da

reescrita dos textos. Retomando a concepção bakhtiniana de gêneros discursivos,

partimos do pressuposto de que, “como tipos relativamente estáveis”, os gêneros se

constituem como ações sociodiscursivas ligadas a determinados campos da

atividade humana. Como nos fala Bakhtin (2003, p. 266):

Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis.

Essa concepção bakhtiniana de gêneros reforça a idéia de que os gêneros não se

caracterizam como formas estruturais estáveis, fixas, definidas, sem possibilidades

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de recriação. Ao contrário, como fenômenos sociohistóricos, os gêneros se

constituem nas relações sociais, em função das necessidades discursivas de

determinadas esferas de comunicação. Nesse sentido, ao denominarmos um gênero

de texto, estamos denominando uma forma de concretizar enunciados em

circunstâncias particulares de interação social. Sua definição, portanto, demanda o

reconhecimento das peculiaridades do enunciado que são decorrentes da instância

de produção discursiva, ou seja, do domínio discursivo no qual emerge. A esse

respeito, Marcuschi (2005, p. 24) esclarece que os domínios discursivos não

abrangem um gênero em particular, mas sim “[...] constituem práticas discursivas dentre

das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhes são

próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas

institucionalizadas”.

Dessa forma, reconhecemos que a instituição escolar, instância de produção

discursiva na qual circulam um conjunto de gêneros textuais, também legitima

práticas de linguagem em que se desenvolvem e recriam-se determinados gêneros

de textos em decorrência das próprias necessidades educativas. É o que ocorre, por

exemplo, com as atividades de reescrita de textos no contexto escolar. Geralmente,

essas atividades de linguagem são tomadas como uma estratégia de ensino e de

aprendizagem cujas finalidades estão voltadas para o desenvolvimento das

capacidades de textualização. No caso pesquisado, observamos que as situações

de reescrita foram instauradas, predominantemente, por meio da narrativização de

enunciados constituídos em forma de histórias em quadrinhos.

Voltando o seu olhar para a atividade de produção de textos que se materializam em

forma de narrativas, Goulart (2003, p. 87) caracteriza esse tipo textual “[...] pela

constituição de uma unidade de sentido por meio da apresentação de uma série de

ações e eventos, organizados em segmentos textuais menores, relacionados por

elementos de coesão”.

Brandão (2000) também apresenta contribuições que nos ajudam a compreender o

funcionamento textual dos gêneros que se organizam em torno da estrutura

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narrativa. A partir das tipologias cognitivas propostas por Adam (1991),52 a autora

discorre acerca da constituição lingüística dos gêneros discursivos, refletindo sobre

as categorias que estão na base de toda composição textual, reconhecendo que

estas, sozinhas, não dão conta da complexidade interdiscursiva que envolve os

gêneros textuais, mas garantem a sua relativa estabilidade enunciativa. A estrutura

seqüencial narrativa pode ser definida, segundo a autora, “[...] como seqüência de

proposições interligadas que progridem para um fim [...]” (BRANDÃO, 2000, p. 29).

Para tanto, são integrados seis constituintes:

a) pelo menos um ator antropomorfo constante, individual ou coletivo, que garanta a unidade de ação;

b) transformação de predicados: passagem de um estado para outro [...] através de uma série de acontecimentos encadeados [...];

c) sucessão mínima de acontecimentos ocorrendo em um tempo t e depois t + n. [...];

d) um processo em que se constrói uma intriga com a integração dos fatos em uma ação única, formando um todo constituído pela seleção e arranjo dos acontecimentos e ações;

e) causalidade narrativa: uma lógica singular em que o que vem depois aparece como tendo sido causado por algo interior [...];

f) um fim sob forma de avaliação final (moral) explícita ou a derivar (BRANDÃO, 2000, p. 29-30).

Com base nessas características textuais, Brandão apresenta um dispositivo

elementar representado por um esquema que abarca: a situação inicial, a

complicação, as ações, a resolução, a situação final e a avaliação final. De acordo

com a autora, esse dispositivo não se constitui em uma forma estrutural fixa, pois

pode apresentar inúmeras possibilidades de variação.

No contexto pesquisado, as situações de escrita envolvendo o esquema narrativo

verbal também foram recorrentes nas práticas de produção textual. Durante o

período em que estivemos em campo, observamos um total de nove eventos em que

foram instauradas condições de produção de textos cuja base seqüencial

predominante foi a narrativa. Desses eventos, seis se circunscreveram ao trabalho

com as histórias em quadrinhos. Um panorama geral das situações de reescrita das

histórias em quadrinhos pode ser observado no Quadro 2:

52 De acordo com Brandão (2000), Adam, em trabalho intitulado Cadre théorique d’une typologie séquentielle (1991), propõe cinco tipos de estruturas seqüenciais de base: narração, descrição, argumentação, explicação e diálogo.

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Evento: data Contexto de produção Proposta de produção 02.1: 11-5-2005

Dia das Mães: quadrinhos de Amarildo

Contar o que aconteceu na história produzida por Amarildo (em duplas)

21.2: 20-7-2005

Projeto de literatura: quadrinhos Cadê a Dilly?

Narrar coletivamente o que aconteceu na história com registro individual

39.2: 29-9-2005

Avaliação das escritas seguida de reunião de pais

Escrever o que está acontecendo na história em quadrinhos intitulada Violência

54: 30-11-2005

O trabalho com quadrinhos: texto de Maurício de Souza, sem recursos de fala

Narrar coletivamente a história com a professora como a escriba do texto

55: 2-12-2005

Diagnóstico das escritas das crianças para concluir a documentação na pasta de avaliação

Escrever uma seqüência narrativa simples, elaborada coletivamente, a partir da história em quadrinhos Sol e Lua da Eva Furnari

59: 13-12-2005

O trabalho com quadrinhos: texto de Eva Furnari

Montar a seqüência de vinhetas e narrar a história O elefante (em duplas)

A partir desse quadro-síntese, podemos perceber que, tomando por base o trabalho

com as histórias em quadrinhos, as professoras planejaram situações de escrita nas

quais as crianças deveriam narrar o que estava acontecendo nas histórias. Se, por

um lado, essa abordagem de trabalho com as histórias em quadrinhos reveste-se de

características que evidenciam o caráter pragmático de inserção do texto na sala de

aula, por outro nos remete a considerar que, como um recurso didático, as histórias

em quadrinhos também podem se constituir em um instrumento provocador da

atividade interdiscursiva, ou seja, também podem ser usadas na produção de outros

textos, constituindo-se, nessa perspectiva, em um pretexto que contribui para a

legitimação de diálogos. Nesse sentido, como foram instauradas essas práticas com

a linguagem escrita na sala de aula pesquisada? Quais eram os objetivos das

professoras e quais aspectos privilegiavam?

No caso pesquisado, as situações de reescrita de textos, a partir das histórias em

quadrinhos trabalhadas, indicaram a instauração de propostas que se diferenciaram

em alguns aspectos suscitando possibilidades de análises a partir de três demandas

de trabalho: a reescrita coletiva, a reescrita em duplas e a reescrita individual.

Considerando essas demandas no trabalho de escritura, procederemos às análises

buscando evidenciar como foram delineadas as condições de produção dos textos,

quais movimentos provocaram na sala de aula e como as crianças responderam às

Quadro 2 - Situações de reescrita das histórias em quadrinhos

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propostas de produção a fim de compreender os processos de constituição de

sentidos que se desenvolveram em torno dessas práticas com a linguagem escrita.

a) A reescrita coletiva de histórias em quadrinhos

As atividades de reescrita coletiva das histórias em quadrinhos ocorreram, durante o

período em que estivemos em campo, a partir de duas propostas de escrita dos

textos: numa primeira modalidade, a elaboração oral do texto foi coletiva e o registro

foi individual; numa segunda modalidade, a elaboração oral foi coletiva e o registro

do texto foi realizado pela professora.

A primeira modalidade de reescrita coletiva de histórias em quadrinhos ocorreu com

a Professora 1, no dia 20 de julho de 2005, e foi captada por meio de registros em

diário de campo (evento 21, p. 137-147), gravações de trechos da produção textual

em máquina fotográfica digital e fotos dos textos, totalizando uma amostra de dez

trabalhos. O trabalho de reescrita do texto teve início com a leitura da história em

quadrinhos selecionada pela professora, cujo título era Cadê a Dilly? A história em

quadrinhos tomada para a produção da reescrita foi encontrada na Revista Recreio,

n. 263, de 24-3-2005, conforme Foto 56:

Foto 56 - História em quadrinhos Cadê a Dilly? Fonte: Revista Recreio, n.23, 24-3-2005

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A professora iniciou a leitura do texto apresentando o seu suporte e explicando o

contexto da história: uma propaganda promocional na qual o leitor enviava uma

carta com foto descrevendo as características que poderiam fazer dele uma

personagem de histórias em quadrinhos, para concorrer a vários prêmios. Depois da

leitura silenciosa feita pelas crianças que dispunham da cópia do texto, a professora

iniciou a leitura oral por meio de perguntas propondo relações entre recursos verbais

e icônicos para ajudá-las a reconhecerem os sentidos do texto. Um dos momentos

dessa interação com o texto pode ser observado na transcrição do seguinte trecho:53

Prof. 1: ((se referindo ao antepenúltimo quadrinho da história)) no quadradinho que tá escrito “algumas horas depois”... é de conversa? C: não ((em coro))

Prof. 1: quem está falando?

C: a Dilly

Prof. 1: ahn... como sabemos qual personagem está falando?

Gil: lendo

Prof. 1: eh:: mas antes de ler... podemos saber... não é?... o que que mostra que é o personagem que está falando?

C: ((silenciam))

Gil: tia... eu sei

Prof. 1: fala... Gil

Gil: é a pontinha do balão

Prof. 1: isso... tem vários tipos de pontinhas de balão... e quem tá falando tá perto da pontinha do balão... agora... olha só... gente... no quadradiinho onde está escrito “algumas horas depois”.... tem pontinha de balão?

Ped: eu sei... tia... tia

Prof 1: fala... Ped

Ped: é a Vanessa

Prof. 1: cadê a setinha?

Joa: não... é a Dilly

53 Lembramos que, para preservar a identidade dos sujeitos, foram usadas apenas as iniciais dos seus nomes. Para identificar os enunciados proferidos pelas professoras, usamos Prof. 1 ou Prof. 2. Quando as crianças falavam ao mesmo tempo ou quando não foi possível identificar a criança, usamos a inicial C.

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Prof. 1: mas... cadê a setinha?

Marc: ah:::: tia... acho que é a monitora

Prof. 1: ((sorri)) monitora ou autora?... é isso... é a autora que explicou o que estava acontecendo... que passou um tempo... o Wes também fez isso na produção de ontem... não foi... Wes?

Wes: ahn... ahn

Prof. 1: por isso que é um quadradinho diferente

((câmera off – a professora pega a história em quadrinhos produzida por Wes e lê para a turma mostrando a parte final em que ele narra que os personagens viveram felizes para sempre))

Prof. 1: no final da história... ele não usou balão... por quê?

Marc: porque foi o autor

Prof. 1: porque foi o autor... foi ele... o Wes que explicou... isso é... quando o autor quer falar e não o personagem

Marc: mas... tia... por que não fala assim... o autor está falando?

Prof. 1: nos quadrinhos é assim... tem maneiras de fazer quando é o autor ou o personagem que fala (Evento 21.2, 20-7-2005).

Nessa interação com o texto mediada pela professora, podemos observar que a

entrada do recurso lingüístico narrativo “algumas horas depois” provocou dúvidas

nas crianças. Elas sabiam que não se tratava da fala de uma personagem. Essa

constatação foi reforçada por Gil, quando lembrou que “é a pontinha do balão” que

mostra que é a personagem que está falando. Contudo, a presença das

personagens se sobressaiu à do narrador, produzindo sentidos que levaram as

crianças a acreditarem que o marcador temporal “algumas horas depois” era uma

fala das personagens. É a pergunta insistente da professora “mas... cadê a setinha?”

que provoca a resposta de Marc “ah::: tia... acho que é a monitora”, ou seja, a autora

que, nessa situação, foi tomada como a locutora do texto narrativo. A professora

procurou reforçar a apropriação desse aspecto constitutivo do gênero mostrando a

história em quadrinhos do Huck elaborada por Wes no dia anterior e enfatizando que

essa forma de escrever é típica das histórias em quadrinhos. Ao encerrar esse

momento inicial de interação com o texto, a Professora 2 apresentou a proposta de

trabalho, conforme registro da interação a seguir:

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Prof. 1: agora... nós vamos escrever essa história em quadrinhos em forma de texto... quer dizer... de outro tipo de texto... presta atenção como vai ser... vocês vão contar o que aconteceu na história usando apenas palavras... usando as linhas do bloco de atividades... vai pode colocar balões?

C: não ((em coro))

Prof. 1: vai ter desenho?

C: não ((em coro))

Prof. 1: o que vai ter?

Marc: letras

Prof. 1: quais letras?... de qualquer tipo?

C: ((falam ao mesmo tempo))

Joa: tia... tia

Prof. 1: deixa o Joa falar... o que que você acha... Joa?

Joa: a gente vai escrever as palavras da história

Prof. 1: é isso... nós vamos ler novamente o texto e vamos combinando juntos o que vamos escrever... tá bom?

C: tá

Prof. 1: primeiro vocês vão colocar o título da história... como é o título?

C: “Cadê a Dilly?” ((em coro)) (Evento 21.2, 20-7-2005).

E passa a escrever o título no quadro para as crianças copiarem na folha do bloco

de atividades, na qual deveriam realizar o registro escrito do texto. Assim, nessa

proposta, as crianças deveriam escrever a história em quadrinhos por meio de

palavras, primeiro oralmente e, depois, por escrito nas linhas de uma das páginas do

bloco de atividades, elaborando, conforme apontou a professora, “outro tipo de

texto”. A partir dessa indicação, podemos observar uma confusão entre tipo textual e

gênero textual, uma vez que tanto a história em quadrinhos quanto a sua reescrita

apóiam-se na estrutura tipológica narrativa como estratégia de dizer, contudo, com

recursos lingüístico-enunciativos diferentes. Marcuschi (2005) nos ajuda a

compreender essa relação a partir da seguinte distinção:

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224

(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. (b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica [...]. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística [...] (MARCUSCHI, 2005, p. 22-23, grifos do autor).

Sabemos que, numa situação de comunicação, a seleção dos recursos ocorre em

função das finalidades discursivas que determinam, portanto, a escolha do gênero.

Nesse sentido, enquanto a noção de tipo textual se articula em torno de seqüências

lingüísticas típicas, a de gênero pressupõe que se considerem aspectos que

envolvem a ação, a funcionalidade, as esferas de circulação, o que se tem a dizer,

para quem dizer e como dizer. Aspectos que nessa proposta de produção também

não foram conciliados devido à ênfase nos aspectos formais do texto: a tarefa de

produção consistia em reescrever a história usando palavras, ou seja, transformando

o discurso direto dos balões em discurso indireto. Tomando por base a perspectiva

bakhtiniana de linguagem, compreendemos que essa proposta também contribui

para a descaracterização do trabalho de produção de texto. Conforme acentua

Marcuschi (2005, p. 25),

Importante é perceber que os gêneros não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos.

Para que as crianças deveriam, então, reescrever a história em quadrinhos? Com

qual finalidade discursiva? Considerando as condições delineadas, acreditamos que

essa proposta de produção também pode ser configurada numa tarefa escolar, na

qual a principal finalidade era observar como as crianças empregavam seus

conhecimentos sobre a linguagem escrita numa situação de reprodução de texto,

como podemos observar no trecho que se segue:

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225

Prof. 1: ((assim que todas as crianças concluíram a escrita do título)) como vamos organizar o texto sem os quadrinhos?... o que aconteceu no primeiro quadrinho? Mat: ela tá indo pra escola

Prof. 1: indo ou saindo?

C: saindo ((em coro))

Gil: eu sei... tia... ela deu tiau para o amigo dela e foi para casa

Prof. 1: pode começar assim?

C: não ((em coro))

Prof. 1: então como?

Marc: era uma vez

Prof. 1: vão pensar outra coisa... nós combinamos de não começar as histórias sempre assim... não foi?

C: ((silenciam))

Joa: ela tá dando tiau

Prof. 1: ela quem?

Gab: a Vanessa

Marc: ah... já sei... tia... tia

Prof. 1: fala... Marc

Marc: éh::... Vanessa estava saindo da escola

Prof. 1: então como vai ficar?

Marc: assim oh:: tia... Vanessa saiu da escola e deu tiau pros amigos... pra ir para casa

Prof. 1: isso... então vamos escrever... pula uma linha tá... Vanessa (Evento 21.2, 20-7-2005).

As interações observadas reforçam que o trabalho de escritura do texto girou em torno

do reconhecimento e da reprodução dos seus sentidos. A professora se preocupou

em imprimir um ritmo ao trabalho focalizando alguns aspectos composicionais da

história em quadrinhos e sua transposição em forma de texto narrativo escrito, como

pode se observado nas perguntas que fazia para orientar a escolha das estratégias de

dizer: “como vamos organizar o texto sem os quadrinhos?; o que aconteceu no

primeiro quadrinho?; quem é a Dilly?; como sabemos que é uma cadela?; como

vamos dizer que é uma cadela?” (Evento 21.2, 20-7-2005).

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226

Durante o trabalho de escritura do texto, que foi ditado parte a parte pela professora,

as crianças reagiram de maneiras diferentes. Essas reações podem ser

compreendidas em função das capacidades desenvolvidas pelas crianças a respeito

do sistema alfabético de escrita. Para as crianças que ainda não haviam se

apropriado da escrita alfabética, essa tarefa foi bastante problemática e, desse modo,

para escreverem os enunciados, buscaram a colaboração dos colegas, como pode

ser observado na atitude de Ped e Lua. Além disso, também repetiam as palavras

ditadas em voz alta, procurando estabelecer no plano verbal as relações entre as

letras e seus respectivos sons, muitas vezes, sem sucesso, devido ao limitado tempo

para efetuar o registro.

Um exemplo de resultado em que as crianças tentaram acompanhar o trabalho de

escritura sem, contudo, garantir a legibilidade do escrito, pode ser observado na

reescrita realizada por Nat, apresentada na Foto 57:

Foto 57 - Registro realizado por Nat (20-7-2005)

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227

Nat tentou empreender um ritmo ao trabalho, buscando, a princípio, estabelecer

relações entre as letras e os fonemas, pois já estava desenvolvendo essa

capacidade lingüística. Para isso, buscava, nos colegas que já demonstravam ter se

apropriado desses conhecimentos, pistas que a ajudassem a concretizar o registro.

As tentativas de colaboração do outro ocorreram em diferentes momentos: quando

Nat reclamava da rapidez com que a professora estava ditando os enunciados: “ah::

tia... cê tá falando rápido”; quando consultava o registro do outro copiando as

palavras escritas, como pode ser observado na escrita do nome VANESA que ela

contou com a ajuda do colega que estava ao seu lado; quando ela levantava as suas

dúvidas oralmente, como pode ser observado na escrita da palavra SAIU: “i... i... é o

êne mais o /i/?”.

Contudo, foi apenas no registro do primeiro enunciado que Nat tentou escrever letras

correspondentes aos fonemas que compunham as palavras, uma vez que, no

decorrer do trabalho, não conseguiu acompanhar o que estava sendo ditado pela

professora. Desistindo da tarefa, Nat prosseguiu com o registro tentando ocupar todo

o espaço da folha com letras respeitando a linearidade da escrita e utilizando um

repertório bastante variado. Só parou de escrever, quando chegou ao final da folha

mesmo depois de a professora ter concluído o texto.

Algumas crianças, como Kai, Marc, Gil, Gab e Joa, se envolveram mais na

construção dos enunciados a serem registrados e os reproduziam em silêncio. Um

exemplo de texto em que as crianças conseguiram registrar todos os enunciados

que compuseram a reescrita da história em quadrinhos é o trabalho de Marc,

mostrado na Foto 58.

Como pode ser visto, ela usou o ponto final, acentuou palavras e segmentou o texto

em palavras conforme lembrado pela professora. Embora tivesse reclamado da

atividade, em vários momentos do trabalho de escritura, escreveu o texto até o final.

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228

Considerando as finalidades evidenciadas na proposta de trabalho, ou seja, a

reprodução da seqüência narrativa quadrinizada usando palavras, podemos

observar que a reescrita do texto foi concretizada a partir de uma seqüência de base

narrativa canônica (orientação, complicação e resolução) atendendo, portanto, às

demandas da situação de produção. Contudo, vimos que muitas crianças não

conseguiram acompanhar o trabalho de escritura do texto, buscando outros meios

para cumprir a tarefa, uma vez que ainda não haviam desenvolvido as habilidades

de codificação exigidas para a materialização dos enunciados nas circunstâncias

que foram delineadas pela professora. Mas essa não foi a única nem a principal

implicação dessa proposta de reescrita do texto, uma vez que, em tais

circunstâncias, foram abstraídas as possibilidades de as crianças recontarem a

história com suas próprias palavras, imprimindo suas marcas, suas idéias, seus

interesses e valores ao trabalho de escritura.

Esse movimento foi reincidente nas práticas de reescrita coletiva das histórias em

quadrinhos, como pode ser observado na segunda modalidade de trabalho que

Foto 58 - Registro realizado por Marc (20-7-2005)

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229

consistiu na elaboração coletiva do texto, tendo a professora como escriba. Esse

evento ocorreu no dia 30 de novembro de 2005, quando a Professora 2 procurava

introduzir no contexto das práticas com as histórias em quadrinhos outras

produções, cujas características predominantes eram os recursos icônicos. O texto

escolhido para a reescrita coletiva foi produzido por Maurício de Souza e publicado

no Jornal A Gazeta (26-11-2005). Sua apresentação ocorreu do seguinte modo:

Prof. 2: gente... vocês sabiam... que não só a Eva Furnari faz historinhas sem usar palavras?

Gil: eu já vi uma... eu vi uma do Maurício

Prof. 2: do Maurício... Gil?... você já viu?

Gil: ahn... ahn... eu vi uma revistinha da Mônica que não tem... e do Cascão

Prof. 2: que não tem o quê?

Gil: balões de fala

Prof. 2: não tem balões de fala?

Gil: ((diz que não com a cabeça))

C: e onomatopéia?

Gil: não

Prof. 2: nem onomatopéia?... deu pra entender a história?

Gil: ((pensa)) porque ela tá falando assim... ((põe a mão na cabeça)) eu não sei ((abaixa a cabeça))

Prof. 2: o Gil falou do Mauricio de Souza... porque ele já viu uma história lá na revista... né?... que tinha só o desenho e não tinha balões de fala... e o Maurício de Souza também publica algumas historinhas que ele faz... que ele cria... nos jornais... alguém já viu história do Maurício de Souza no jornal?

Kai: eu

Nat: eu já vi:: na história

Prof. 2: você nunca viu no jornal?

Joa: eu já vi

Mon: eu já

Ped: eu também

Prof. 2: Joa viu... Ped... Mon

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230

C: eu também já... eu já... eu já

Prof. 2: olha só... o Maurício de Souza... esse jornal aqui é uma parte do jornal A Gazeta ((tomando um encarte do jornal))... aquele jornal grande... né? A Gazeta... que vem pra escola... esse aqui... não... esse foi comprado... mas aqui na escola a gente sempre recebe o jornal A Gazeta

Marc: mas... eu não sabia que o jornal A Gazeta era pequeno

Prof. 2: não... ele é grande... isso aqui vem dentro do jornal A Gazeta... é um encarte... tá?

Marc: eu nunca vi esse daí não... o meu pai compra todo dia

Prof. 2: essa parte aqui... ((folheia o encarte)) tem o nome aqui oh:: Gazetinha... vou mostrar pra todo mundo

C: ((fazem comentários))

Prof. 2: e nessa parte aqui veio essa tirinha aqui... tá? ((mostra a tirinha))... que é uma parte do jornal onde o Maurício de Souza

Joa: tia... você tira cópia pra gente?

Prof. 2: calma aí Joa... já vou falar sobre isso aí... tá?... é uma parte do jornal que tem a história que o Maurício de Souza criou... da Mônica... e daqui a pouco vocês vão ver o que acontece na história... só estou mostrando pra vocês que o Maurício de Souza também cria histórias onde ele não usa balões de fala... mas tem um recurso aqui que ele usou... quem sabe o outro recurso que ele usou?

C: onomatopéia ((falam em coro))

Prof. 2: então... o que nós vamos fazer?... o coleguinha sugeriu... né Joa?... por que você não tira uma cópia pra gente?... essa história aqui ((mostrando o jornal))... ela está aqui ((mostrando as cópias)) pra cada um de vocês ver ela... onde vocês vão poder ver o que que está acontecendo nessa história tá?... o que que vai acontecer nessa história... por que que a gente consegue entender ela sem ter balões de fala... e depois que a gente ler a história nós vamos contar ela... mas vocês vão contar ela pra mim... o que que tá acontecendo... e eu vou escrever ela no papel tá?... quem vai escrever é quem?

Joa: a professora

Prof. 2: eu que vou escrever... vocês vão dizer pra mim o que está acontecendo... tá bom?

(Evento 54, 30-11-2005).

Assim, podemos notar que, nessa apresentação inicial do texto, a professora tentou

motivar as crianças para a leitura considerando, de certo modo, as experiências que

traziam acerca dos trabalhos do autor e o suporte no qual foi veiculado. Adiantou,

também, a proposta de trabalho com o texto explicando que o trabalho de escritura

seria realizado por ela com a ajuda das crianças. Depois desse momento inicial na

roda, a professora organizou as crianças em seus lugares e distribuiu as cópias dos

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231

textos solicitando que observassem quadro a quadro o que dizia a história em

quadrinhos produzida por Maurício de Souza (Foto 59). Só depois, a professora

iniciou a leitura oral percorrendo as vinhetas uma a uma, convidando as crianças a

falarem o que estava acontecendo e fazendo intervenções para ajudá-las a

reconhecerem os sentidos do texto, para, em seguida, iniciar o trabalho de escritura

numa folha de papel cenário que foi afixada no cavalete.

Ao proceder à reescrita do texto, a professora buscou o envolvimento das crianças,

propondo-lhes a escolha de um título para a história. Essa escolha ocorreu a partir

das sugestões apresentadas por algumas crianças e por meio de votos que levou a

professora a concluir que “então o título da nossa historinha aí vai ser O passeio da

Mônica”. Em seguida, convidou as crianças a iniciarem a seqüência narrativa assim:

”agora... eh:: vocês vão levantar a mão quem quiser começar... como que nós

vamos começar a narrar... a escrever essa história aí no papel?” (Evento 54, 30-11-

2005). Então, as crianças foram apresentando opiniões acerca do que estavam

observando nas imagens e a professora foi concretizando os enunciados por meio

de uma seqüência textual de base narrativa.

Foto 59 - História em quadrinhos de Maurício de Souza Fonte: Jornal A Gazeta, de 26-11-2005

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232

Notamos, nas interações, que o processo de negociação de sentidos do texto foi

atravessado por mecanismos de controle que podem ser compreendidos como um

movimento instaurado pela professora tendo em vista as finalidades da atividade

educativa, uma vez que, nessa proposta de reescrita, deveriam ser empreendidos

esforços no sentido de reescrever o texto coletivamente, transformando a linguagem

icônica e complexa dos quadrinhos em linguagem verbal, a ser materializada no

espaço delimitado da folha de papel cenário.

Além disso, a professora deveria conciliar as sugestões apresentadas pelas

crianças, selecionando os recursos adequados para a sua concretização em forma

de enunciados escritos em curto espaço de tempo. Esses fatores podem ter

contribuído para que o conteúdo do texto fosse mais controlado e, assim, em vários

momentos da interação, a Professora 2 impôs sentidos ao texto definindo o que

dizer e a forma de dizer, como podemos observar nas intervenções que fazia diante

das sugestões apresentadas pelas crianças:

Prof. 2: era uma vez?... gente... olha só... mas quando a gente usa “era uma vez”... a gente tá contando uma história de FAda... de PRÌncipe... de PRIncesa... isso aqui é uma história de príncipe e de princesa e de fada?

Prof. 2: não... antes de falar isso... um dia de quê?

Prof. 2: um dia de festa?

Prof. 2: um belo dia?... mas aqui a gente já colocou um dia... pensa uma outra palavra que poderia compLetar aqui oh::?

Prof. 2: um dia de sol?

Prof. 2: um dia do quadro?

Prof. 2: ((escreve “estava”))... poderia ser assim oh:: estava acontecendo uma exposição de quadros... né?... de pinturas... legal... né?... ficou? (Evento 54, 30-11-2005).

Ao efetuar o registro das palavras selecionadas para dizer o que estavam

observando na história, a professora voltou a atenção das crianças para os aspectos

que envolvem as relações entre sons e letras, levantando perguntas do tipo: “como

escreve ‘acontecendo’ gente? ‘Exposição’... como que escreve essa palavra? vocês

acham que é com ésse? ésse i... exposição... e o ção?” (Evento 54, 30-11-2005).

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233

Assim, durante todo o processo de reescrita da história em quadrinhos, a Professora

2 foi fazendo intervenções que focalizaram o reconhecimento dos sentidos do texto

e sua concretização por meio de reflexões que envolveram a escolha dos recursos

léxicos e sua configuração escrita, deixando, contudo, de considerar aspectos que

envolvem a conexão e a coesão textual que poderiam potencializar o

desenvolvimento das capacidades de textualização nas crianças, uma

aprendizagem que também é importante no processo de apropriação da linguagem

escrita. As dificuldades da professora em conciliar as demandas no trabalho de

reescrita coletiva da história em quadrinhos podem ser mais bem compreendidas a

partir do resultado desse processo de produção, apresentado na Foto 60:

O resultado desse processo evidencia que o trabalho de reescrita do texto teve

como principal finalidade a reprodução dos sentidos do texto e, nesse processo,

Foto 60 - Reescrita coletiva da história em quadrinhos (30-11-2005)

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234

foram desconsideradas dimensões que nos parecem fundamentais. Uma delas,

conforme situamos, diz respeito às capacidades de textualização, conhecimentos

que, considerando a trajetória acadêmica e profissional da Professora 2, delineada

na caracterização dos sujeitos, também foram insuficientes na sua formação. Essa

dimensão do trabalho de produção textual compreende aspectos que pressupõem a

utilização de organizadores verbais e não-verbais, de estabelecimento de ligações

entre as partes das frases, as frases e as partes do texto, de retomadas pronominais e

nominais, bem como as relações entre essas retomadas e o uso dos sinais de

pontuação, dentre outros. Aspectos que foram tomados de forma inadequada em

vários momentos da construção composicional do texto com algumas ocorrências

mais comprometedoras, como as que se presentificaram nos enunciados deste trecho

da narrativa: “Eles viram dois quadros e se lembraram da Mônica e começaram a

cochichar e rir. A Mônica ficou muito brava, então ela viu um quadro sem pintura e ela

mandou eles olharem e o Cascão e o Cebolinha não entenderam nada”.

Entretanto, considerando a perspectiva teórica que orienta o nosso olhar, o modo de

configuração dessa situação de escrita apresenta outra implicação que diz respeito

às próprias finalidades educativas que estão subjacentes a essa demanda de

trabalho com o texto na sala de aula. Nesse tipo de abordagem, as possibilidades de

construção de significados foram reduzidas ao reconhecimento dos sentidos do texto

reiterando uma proposta centrada na atitude passiva dos sujeitos e na

impossibilidade de narrar a partir de suas próprias experiências discursivas.

A transformação das práticas de ensino da língua, tendo em vista a constituição de

sujeitos, exige muito mais do que a mera reprodução de discursos, exige a

instauração de situações dialógicas nas quais as crianças possam se constituir como

co-autoras de discursos. Como nos fala Geraldi (2003), a escolha do texto, como

ponto de partida e de chegada de todo o processo de ensino e de aprendizagem,

pressupõe a produção de discursos, pois é nesse trabalho que

[...] o sujeito articula, aqui e agora, um ponto de vista sobre o mundo que, vinculado a uma certa formação discursiva, dela não é decorrência mecânica, seu trabalho sendo mais do que mera reprodução: se fosse apenas isso, os discursos seriam idênticos, independentes de quem e para quem resultam (GERALDI, 2003, p. 137).

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235

E isso não significa que a constituição do sujeito se ampare na criação de um novo

discurso do qual ele é a fonte única dos sentidos. A novidade, de acordo com o

autor, consiste no comprometimento do sujeito com a sua palavra, com a formação

discursiva da qual faz parte. Nessa perspectiva, o caráter sócio-histórico da língua

não é desconsiderado, mas ressignificado por meio da instauração de novos

discursos, de novos sentidos que se constituem e se transformam no trabalho dos

sujeitos. Compreendemos que essa dimensão foi abstraída nas propostas de

reescrita coletiva das histórias em quadrinhos reduzindo as possibilidades de as

crianças dialogarem com o texto por meio do entrelaçamento de dizeres e saberes

que vão além da reprodução mecânica e descompromissada de enunciados.

Nesse sentido, as implicações decorrentes dessas práticas de reescrita coletiva de

textos foram minimizadas nas situações em que as crianças foram orientadas a

produzirem os textos em duplas ou individualmente? Que finalidades educativas

estavam subjacentes a essas práticas? Passemos a examinar essas propostas de

reescrita dos textos.

b) A reescrita em duplas de histórias em quadrinhos

Essas situações de reescrita foram observadas duas vezes no período em que

estivemos em campo. O primeiro evento que tomaremos para análise ocorreu no dia

11 de maio de 2005 (evento n. 02 de nosso diário de campo) e foi coordenado pela

Professora 1. Trata-se do trabalho com o texto do escritor Amarildo, publicado no

jornal A Gazeta, de 8 de maio de 2005, que, conforme situamos no início de nossas

análises, foi introduzido em campo com o objetivo de trabalhar a seqüência começo,

meio/meio e fim, tendo o Dia das Mães como motivação para a sua escolha.

A reescrita dessa história em quadrinhos foi instaurada a partir da conversa inicial na

roda, que, de acordo com nossas análises (p. 19-22), girou em torno do

reconhecimento dos sentidos do texto. Para o trabalho de reescrita do texto, a

Professora 1 organizou a turma em duplas, explicando que deveriam contar a

história produzida por Amarildo “do seu jeito”, ocupando as linhas destinadas ao

trabalho de escritura numa das páginas do bloco de atividades, na qual foi colada a

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cópia do texto. Essa orientação suscitou dúvidas nas crianças, provocando reações

do tipo: pode ser de qualquer jeito? A Professora 2, então, lembrou que já haviam

discutido sobre esse problema, explicando que “do seu jeito” significava que era “do

melhor jeito possível”, que era necessário se esforçar para o trabalho ficar legal.

Depois da formação das duplas, as crianças deram início ao trabalho de produção

do texto. Em cada dupla de trabalho, a professora procurou incluir uma criança que

já havia se apropriado de conhecimentos acerca do caráter alfabético da escrita,

sugerindo que interagissem entre si durante o trabalho de escritura.

Como o registro dessa atividade ocorreu por meio de anotações em diário de campo

longe da presença dos sujeitos,54 não foi possível efetuar a análise dos detalhes, ou

seja, das interações entre os pares no momento do trabalho de escritura.

Observamos, no entanto, que, de maneira geral, as crianças que já produziam seus

textos fazendo tentativas de relacionar o oral com o escrito realizaram a atividade

em silêncio ou falando enquanto escreviam, buscando fazer articulações entre as

letras e seus respectivos sons, sem interagir de forma cooperativa com os colegas

conforme sugeriu a professora.

As crianças que ainda não dominavam o caráter alfabético da escrita demonstraram

atitudes diferenciadas em frente à tarefa solicitada pela professora. Algumas ficaram

aguardando a sua ajuda, outras realizaram a atividade sem evidenciar preocupação

com os significados que deveriam anotar e ainda observamos um grupo de crianças

que buscou apoio nos registros efetuados pelos colegas, copiando-os de forma

mecânica sem, contudo, participarem da elaboração do texto, nem apresentando

idéias ou negociando os sentidos dos enunciados.

Um exemplo de trabalho concretizado dessa maneira foi o de Mar, que copiou o

registro de Marc (Foto 61) sem participar da construção do texto. Mar realizou todo o

registro do texto copiando as letras uma a uma, tentando reproduzir as palavras

grafadas por Marc. Ao observar esses movimentos do colega, Marc fez algumas

interrupções para ajudá-lo na escrita do texto, ditando as letras que compunham as

54 Lembramos que esse evento foi registrado no início de nossa observação participante em sala de aula, quando ainda não havíamos introduzido a coleta de dados a partir de equipamentos de audiovisual.

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palavras, apontando onde e o que deveria copiar. Por meio da ajuda de Marc, que

conseguiu concretizar a cópia do texto, cumprindo, desse modo, a tarefa solicitada

pela professora, como podemos observar na Foto 62.

Foto 61 - Reescrita de Marc (11-5-2005)

Foto 62 - Reescrita de Mar (11-5-2005)

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238

Marc iniciou o trabalho de reescrita da história em quadrinhos escrevendo um título:

O ME NINO XA MA DO LUCAS. A exemplo da professora, quando ela recontou a

história na roda de conversa, Marc também deu um nome à personagem principal.

Em seguida, Marc escreveu a história tentando dizer o que estava acontecendo em

cada cena, por meio de uma seqüência temporal curta na qual logo foi

desencadeada a ação central da personagem: LUCAS FOI NO PONTO PARA

ESPERAR A SUA MÃE QUE TÁ TRABALHANDO DE ÔNIBUS, seguida da situação

final: LUCAS ENTROU PELA PORTA DE TRÁS ENTREGOU O PRESENTE.

Se considerarmos o conjunto de orientações em que foram instauradas as condições

de produção do texto e levando em conta, ainda, o espaço delimitado para o

trabalho de escritura, podemos dizer que Marc, embora tenha apresentado apenas

alguns dispositivos da seqüência narrativa, encontrou uma solução interessante para

responder à proposta da professora. Ao tentar reproduzir os sentidos da linguagem

icônica quadrinizada, ela fez uso de verbos no tempo passado e de alguns

organizadores textuais que contribuíram para a progressividade temporal das ações.

Contudo, conforme salienta Brandão (2000, p. 29, grifo da autora), “[...] para que

haja narrativa é preciso que esta temporalidade de base seja conduzida por uma

tensão que faz com que uma narrativa caminhe para seu fim, organize-se em função

de uma situação final [...]”.

Na história em quadrinhos produzida por Amarildo, a tensão foi instaurada a partir

dos recursos icônicos que indicam o ar de felicidade do menino em um ponto de

ônibus segurando uma caixa embrulhada para presente. Essa tensão se

complexifica com a sua entrada pela porta de trás, uma cena que sugere que o

menino é um passageiro comum, um sentido que Marc tentou explicitar, sem,

contudo, conseguir articular os recursos lingüísticos necessários para a instauração

da complicação e de sua resolução, o que confirma ainda mais as limitações

pedagógicas dessa situação de produção.

Nesse sentido, compreendemos que as condições de produção do texto fragilizaram

as possibilidades de interação entre os interlocutores por meio da linguagem escrita,

uma vez que a utilização do código escrito foi limitada à codificação de palavras a

partir da reprodução simplificada e impessoal dos sentidos da narrativa

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quadrinizada. Por mais que as crianças tentassem imprimir suas marcas pessoais e

seus sentidos ao texto, o espaço de diálogo foi definido pelas próprias condições de

produção, como também podemos observar neste outro exemplo (Foto 64) que

tomamos, para ilustrar como as crianças que já haviam desenvolvido determinadas

capacidades de produção textual responderam à proposta da professora:

Esse texto foi produzido por Joa, uma criança que, no decorrer do ano, apresentou

resultados no trabalho de produção textual que se destacaram em relação aos

demais. Joa também escolheu um nome para a personagem, mas, diferentemente

de Marc, acrescentou alguns elementos que enriqueceram a seqüência narrativa,

como o dispositivo de tempo “UM DIA” e o tradicional final “VIVERAM FELIZES

Foto 63 - Reescrita de Joa (11-5-2005)

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PARA SEMPRE”. Essa produção foi realizada, conforme situamos, no início de

nossa observação participante em sala de aula e, nesse período, Joa ainda não

conseguia segmentar o texto em palavras. Contudo, deixou outras pistas que

evidenciaram a apropriação de conhecimentos interessantes acerca da composição

textual: usou organizadores que contribuíram com a coesão: “PARA DAR UM

PRESENTE”, “PARA A SUA MÃE” “E VIVERAM...”; fez uma retomada por anáfora

pronominal que pode ser compreendida como uma característica da oralidade: “UM

DIA O PEDRO ELE TAVA ESPERANDO O ÔNIBUS”; caracterizou o presente: “DE

ANIVERSÁRIO” apontando para outra possibilidade de atribuição de sentidos ao

texto.

O fato de Joa ter concretizado a reescrita do texto por meio dessas operações

discursivas pode ser decorrente da familiaridade com gêneros de textos constituídos

predominantemente por seqüências tipológicas narrativas a que as crianças da

turma pesquisada tinham acesso, tanto no ambiente escolar como no familiar.

Embora Joa tenha demonstrado no texto determinados conhecimentos sobre

elementos da estrutura narrativa, compreendemos que a atividade de reescrita

também se tornou artificial para essa criança, devido às condições de produção do

texto. Nesse contexto, a história em quadrinhos foi tomada como um pretexto para o

exercício das capacidades de codificação e de estruturação de seqüências lógicas.

Uma demanda que também provocou a desvinculação da dimensão sócio-histórica

da linguagem, confirmando a recorrência de experiências com a linguagem escrita

em que foram subtraídas as condições essenciais ao trabalho de produção de

discursos e, portanto, de constituição de sujeitos, uma vez que a criança não foi

incentivada a dialogar com o texto a partir de suas próprias experiências.

O outro evento em que observamos a reescrita em duplas de história em quadrinhos

ocorreu no dia 13 de dezembro de 2005 com a Professora 2. Essa situação de

reescrita foi decorrente do trabalho com as histórias da escritora Eva Furnari

publicadas no livro A Bruxinha Atrapalhada. A história escolhida para o trabalho de

reescrita foi retratada por meio da Foto 64.

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Essa situação de trabalho com a linguagem escrita foi captada em trinta minutos de

filmagem, com transcrição das interações, registros em diário de campo (evento n. 59,

p. 354-361) e fotos dos 19 textos produzidos. A atividade teve início na roda de

conversa, quando a professora retomou o trabalho que estavam desenvolvendo

acerca das histórias do livro de Eva Furnari, relembrando com as crianças quais já

haviam sido lidas em sala de aula e as mágicas atrapalhadas da bruxinha. Em

seguida, foi apresentada a proposta de trabalho do dia, conforme registro a seguir:

Prof. 2: hoje nós vamos conhecer mais uma historinha da Eva Furnari... tá?... só que tem uma coisa... a historinha que vocês vão receber ela não está certinha assim na folha... vocês vão tá olhando as cenas e tentando organizar... tentando colocar a historinha na seqüência certa... tá?

Joa: aí depois pode pintar?

Prof. 2: pintar é depois... primeira coisa colocar o nome... a data que o Ron já colocou aqui no quadro e depois a gente vai começar... tá bom?

((câmera em off))

Prof. 2: ((mostra a folha com a proposta de trabalho)) eh:: vocês vão montar a seqüência e tentar encaixar a seqüência aqui na ordem que vocês acham que é certo ((com as cenas da história recortadas nas mãos))... primeiro quadrinho... acha o primeiro quadrinho que vocês acham que a história começa assim... aí vocês vão colocar aqui... tá?

Foto 64 - História de Eva Furnari publicada no livro A bruxinha atrapalhada

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Marc: como assim?

Prof. 2: eh:: vocês estão em dupla... não estão?

C: tão

Prof. 2: aí um pode ajudar o outro... tá? ((segue entregando a folha com instruções escritas para o trabalho))

Prof. 2: Marc lê pra gente o que está escrito aí na folha

Marc: ((lê pausadamente)) “você conheceu Eva Furna::ri e o seu jeito de contar histo::rinha / histórias... em quadrinhos... agora... monte uma de suas histo::ri::nhas e depois escreva sobre ela”

Prof. 2: muito bem... Marc... oh:: ( ) a historinha da bruxa atrapalhada... mas agora você vai montar mais uma historinha da Eva Furnari... depois que a gente montar... nós vamos escrever sobre essa historinha

Marc: tia... como assim?... você vai dá a folha dela... nós vão ter que fazer a historinha dela?

Prof. 2: na hora de escrever... vocês podem estar pensando junto o que aconteceu ((vai buscar as cenas recortadas para mostrar para as crianças)) aqui na minha mão cada um vai ganhar essas figurinhas aqui que é a história da Eva Furnari tá? ... o que que vocês vão fazer?... vocês vão pegar essa historinha aqui e vão tentar ver qual a seqüência dela aqui nesses quadrinhos... tá? ((mostrando os quadrinhos em branco na folha))

Ped: depois nós vamos colar... tia?

Prof. 2: é... depois nós vamos colar... por exemplo... ((se dirige ao quadro)) tem uma seqüência assim de quadrinhos em branco... não tem? ((desenhando os quadrinhos em branco no quadro))

Jac: quatro quadrinhos

C: seis

Prof. 2: então... tem uma seqüência de quadrinhos em branco... mas o que que nós vamos fazer agora com essa folha com esses quadrinhos em branco?

C: colar... desenhar

Prof. 2: nós vamos colar a historinha da Eva Furnari... só que tem uma coisa... a historinha ela tá aqui recortada em quadrinhos ((mostra os quadrinhos recortados))... só que ela não está na ordem certa... vocês que vão olhar qual a ordem certa o que será que começa primeiro?

Marc: é legal isso aí ((sorrindo))

Prof. 2: o que será que começa segundo e depois e depois? ... até chegar na seqüência certa... vocês vão colocar na mesa assim oh:: eu acho que o primeiro é esse... o segundo é esse depois é esse até o final e depois nós vamos passar colando ajudando vocês a colar... falô... turminha? ( ) conversa com o coleguinha do lado... será que é desse jeito?... será que é diferente?... tá bom? ((e prossegue com a entrega do material)) (Evento 59, 13-12-2005).

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Assim, a partir dessas orientações, a Professora 2 apresentou uma proposta de

produção em que as crianças deveriam, inicialmente, montar as cenas de uma história

produzida pela escritora Eva Furnari para, em seguida, escreverem sobre essa

história. Desse modo, instaurou uma situação em que as crianças poderiam interagir

com as cenas a partir de suas experiências de leitura, fazendo escolhas a respeito da

seqüência dos acontecimentos. A princípio, as crianças não compreenderam a

proposta de trabalho. A professora, então, reformulou as orientações mostrando os

recursos didáticos e como deveriam ser utilizados. As crianças fizeram algumas

perguntas, opinaram e sinalizaram, por meio dos comentários acerca das cenas e das

personagens, que estavam envolvidas com a proposta.

Buscando captar a interação entre os pares, focalizamos a filmadora em duas duplas

de trabalho e conseguimos registrar alguns movimentos interessantes entre as

crianças dessas duplas. A primeira dupla, formada por Marc e Cris, estava localizada

próxima ao equipamento de filmagem. Assim que receberam os quadrinhos, as

crianças iniciaram a organização das vinhetas em silêncio sem interagirem oralmente

entre si. Marc logo tomou o quadrinho com o título e arrumou o restante dos

quadrinhos propondo um final diferente do da versão original. No final proposto por

Marc, a bruxinha terminava assustada com a ponta do canhão em sua direção. Cris

também montou a sua seqüência iniciando pelo título, porém instaurando um final

igual ao da versão original. Assim que observou a seqüência de Cris, Marc reagiu

provocando uma interação que deu início ao processo de negociação de sentidos:

Marc: mas... mas não é assim

Cris: ah... eu... eu acho que é assim

Marc: não é não... ela sempre eh:: se dá mal no final da história

Cris: é... é mesmo ((olhando para a seqüência que havia montado))

Marc: ela... ela é atrapalhada ((tentando convencê-la))

Cris: então tá

Marc: olha aqui oh:: ((aponta para a sua seqüência)) o elefante... ele... ele tava bebendo água... e... e... ele jogou a água... a bruxinha transformou ne um... um... o que que é isso?

Cris: não sei não

Marc: tia... tia... é o que que é isso?

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Prof 2: espera aí... Marc ((atendendo outra dupla de crianças))

Cris: ((começa a reorganizar os quadrinhos))

Marc: ((vai ajudando Cris))

Prof 2: ((se aproximando)) fala... Marc

Marc: que que é isso aqui... oh:: ((mostrando o desenho))

Prof 2: isso... isso é um tanque... eh::: daqueles... tanque de guerra

Marc: ahn::::

Cris: tia... tá certo? ((olhando para os quadrinhos organizados sobre a mesa))

Prof 2: ahn:: do jeito de vocês... do jeito que vocês acham que é

Marc: é porque... é porque... ela sempre se dá mal

Prof 2: ah:: sim ((sorrindo))... ela sempre se dá mal... Marc... como assim?

Marc: ah... ela... ela sempre faz a mágica eh::: a mágica nunca dá certo

Prof 2: isso é verdade (Evento 59, 13-12-2005).

Nessa negociação de sentidos, vimos que Marc procurou defender sua versão para

o final da história apresentando argumentos que convenceram Cris a mudar a

seqüência narrativa que havia montado. Para isso, Marc se apoiou em suas

experiências anteriores de leitura da obra A Bruxinha Atrapalhada proporcionada

pela Professora 2. Cris, ainda insegura, perguntou à professora se a seqüência

estava montada na ordem certa e ela sugeriu que não há uma ordem certa, que as

crianças poderiam recriar a história. Marc, então, tomou a palavra expondo para a

professora os argumentos que a levaram a montar a seqüência daquele modo,

assumindo o seu dizer e o seu papel de sujeito no processo de constituição de

sentidos do texto: “é porque... é porque... ela sempre se dá mal” e “ah... ela... ela

sempre faz a mágica eh::: a mágica nunca dá certo”.

Assim, o fato de a professora oferecer o texto “desmontado”, ou poderíamos dizer,

aberto a mudanças, foi provocador desse processo de negociação de sentidos.

Contudo, isso só foi possível, porque as crianças já haviam vivenciado outras

experiências de leitura a partir das obras da escritora Eva Furnari. Essas

experiências ofereceram pistas que contribuíram na definição da seqüência narrativa

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instaurando novos sentidos ao texto e confirmando que, na dinâmica discursiva, a

instauração do novo não emerge de um ato de criação individual, no qual são

abstraídas as relações sociais que o sujeito vivencia a partir das diversas formas de

linguagem. Como nos diz Geraldi (2003, p. 136, grifos do autor):

A novidade, que pode estar no reaparecimento de velhas formas e de velhos conteúdos, é precisamente o fato de o sujeito comprometer-se com a sua palavra e de sua articulação individual com a formação discursiva de que faz parte, mesmo quando dela não está consciente.

Esses elementos da interação nos remetem a considerar que o processo de

produção de sentidos está inevitavelmente vinculado às relações históricas e sociais

dos sujeitos com a linguagem. A língua, portanto, não é um sistema abstrato e

imutável de normas, nem tampouco uma produção exclusiva de quem a enunciou.

Toda enunciação, como nos fala Bakhtin, “[...] é produto da interação entre falantes

e, em termos mais amplos, produto de toda uma situação social em que ela surgiu”

(BAKHTIN, 2001, p. 79).

A outra situação de interação entre os pares em que conseguimos captar o processo

de organização dos quadrinhos foi vivenciada por Kai e Ped:

Kai: ((tenta montar a seqüência dos quadrinhos em silêncio))

Ped: ((observa Kai e tenta interagir com ele)) depois é ( ) Kai... tá jogando água ne::le

Kai: ((ouve Ped e faz uma nova tentativa sem se dar conta do quadrinho com o título))

Ped: assim oh:: Kai ((mostrando como organizou sua seqüência))

Kai: ((balança negativamente a cabeça, recusando a versão do colega))

Ped: ((tenta interferir no trabalho de Kai))

Kai: calma aí... não

Ped: ah:::: ((fazendo expressão de quem não gostou))

Kai: ((continua em silêncio montando sua seqüência sem consultar o colega))

Ped: ((observa os movimentos de Kai e depois faz uma nova tentativa)) aqui oh:: pronto... montei

Kai: ((fala algo com Ped baixinho))

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Ped: ô... ti::::a cadê a tia? ... tia... tá certo?

Prof 2: ((se aproxima da dupla)) ( ) tá? ((se afasta))

Ped: Kai... já sei Kai... é essa daqui

Kai: ((não dá atenção ao Ped e continua tentando))

Prof 2: ((circula pela sala atendendo outras duplas, depois volta a se aproximar de Kai e Ped)) vocês pensaram desse jeito?

Kai: ((balança a cabeça confirmando))

Prof 2: eh::: quando a gente lê uma história... qual a primeira coisa que a gente vê na história?

Ped: é essa ((apontando para o quadrinho com o título))

Prof 2: o nome da história?

Ped: é

Prof 2: o título?

Ped: ahn ahn... então... essa daqui tira daqui ((removendo os quadrinhos)) e aqui... é aqui... oh::

Kai: ((ajuda Ped a rever a seqüência))

Ped: ah:: tia... eu já sei oh:: tia... eu já sei oh... ((a professora sorri)) aqui está perto da água aqui óh ( ) aqui ( ) ((prossegue explicando e fazendo a montagem da história sendo observado pela professora, por Kai e por Gab que se aproxima))

Prof 2: ((dá atenção para outra criança que se aproxima))

Ped: ((volta a contar a história para a professora)) aqui tá jogando... aí ela viu... transformou ele num... num... tanque de guerra aí... depois... transformou ele de novo nisso aqui ((se referindo ao último quadrinho em que o tanque de guerra é transformado em tanque com flores)) (Evento 59, 13-12-2005).

Podemos observar que, a princípio, Kai não queria discutir a seqüência da história

com Ped, tentando resolver a situação sozinho. Mas Ped, insistentemente,

encontrou um meio de chamar a atenção do colega solicitando a colaboração da

professora que convidou as crianças a refletirem sobre como, geralmente, se iniciam

as histórias. A partir dessa indicação, Ped e Kai começaram a trabalhar de maneira

cooperativa, encontrando o quadrinho com o título da história e concluindo a

organização da seqüência de acordo com a versão original, recriando os sentidos do

texto a partir da experiência dialógica com o outro.

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Assim que todas as duplas montaram as seqüências, colando-as no espaço

indicado, a professora retomou a proposta inicial explicando:

Prof. 2: oh::... agora vocês vão escrever nessas linhas aí embaixo o que está acontecendo nessa historinha... tá?... o que que aconteceu?... será que essa bruxinha inventou alguma coisa?... aí vocês vão escrever nessas linhas aí embaixo o que está acontecendo nessa historinha... em dupla tá?... um ajudando o coleguinha que está do lado do outro... pode começar... vocês tentem escrever assim... da melhor maneira que vocês conseguirem... porque depois vocês mesmo vão conseguir ler... vocês vão ler depois a historinha de vocês... tá bom? pode começar... conversar bem baixinho com os colegas... tá? (Evento 59, 13-12-2005).

Ao retomar as orientações para o trabalho, a Professora 2 apontou uma possível

finalidade para a atividade discursiva: o uso da escrita como recurso menmônico,

instaurando, portanto, outra motivação para o trabalho de escritura. A partir dessas

orientações, as crianças iniciaram o trabalho de escritura discutindo sobre como

deveriam começar a história e quais letras usariam para grafar as palavras

selecionadas na composição dos enunciados do texto.

Como no evento anterior, algumas crianças também se limitaram a copiar os

enunciados sem interagir na construção composicional do texto, uma vez que a

articulação dessas duas capacidades exigia maior esforço por parte dos sujeitos,

inclusive daqueles que já conseguiam codificar com maior facilidade.

Para ilustrar como as crianças responderam à proposta de reescrita, apresentada

pela professora, tomaremos os textos das duas duplas, em que foi possível

acompanhar partes do trabalho de produção. Esses resultados podem ser

observados nas Fotos 65 e 66:

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Foto 65 - Reescrita de Marc (13-12-2005)

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Analisando as estratégias discursivas das crianças no processo de reescrita da

história em quadrinhos, podemos observar que, no texto produzido por Cris e Marc,

a seqüência narrativa foi instaurada a partir de um dispositivo que configurou em

uma situação inicial: O ELEFANTE ESTAVA TOMANDO ÁGUA; com uma

complicação: E A BRUXINHA CHEGOU E TRANSFORMOU EM REGADOR DE

FLOR; seguida de uma ação: VIROU A PONTA PRA ELA; e de uma avaliação:

PORQUE A MÁGICA NÃO DEU CERTO PORQUE CEATRAPALHOU DINOVO (se

atrapalhou de novo).

Foto 66 - Reescrita de Kai (13-12-2005)

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Para instaurar essa base discursiva, as crianças selecionaram alguns recursos

lingüísticos que possibilitaram a interligação dos enunciados contribuindo na

instauração do efeito narrativo. Dentre esses recursos, podemos situar os verbos no

passado, os organizadores textuais e/porque, os mecanismos de coesão nominal e,

a, ce (se) referindo-se à bruxinha.

Tomando as contribuições acerca da reflexão lingüística das crianças em processos

de produção do discurso narrativo apresentadas por Goulard (2003), podemos

observar que Marc e Cris também realizaram algumas operações que foram

suscitadas pela autora na análise dos trabalhos que compunham o seu corpus de

pesquisa.55 No texto produzido por Cris e Marc, podemos observar que no

enunciado E A BRUXINHA CHEGOU E TRANSFORMOU (o elefante) EM

REGADOR DE FLOR (que) VIROU A PONTA PRA ELA, foram realizadas

supressões de palavras deixando lacunas no texto, o que pode ter ocorrido em

detrimento da complexidade da organização sintático-discursiva que envolve a

articulação das informações no texto. Em PORQUE A MÁGICA NÃO DEU CERTO

PORQUE CEATRAPALHOU DINOVO, as crianças, ao buscarem esclarecimentos

para a situação, repetiram o organizador textual porque. Nesse enunciado, podemos

observar que Marc, a partir das experiências discursivas vivenciadas, buscou

imprimir, no trabalho de reescrita, seu ponto de vista acerca da bruxinha (ela era

atrapalhada e suas mágicas não davam certo), introduzindo no texto escrito uma

avaliação que já foi construída.

No texto produzido por Kai e Ped, compreendemos que a seqüência de base

narrativa foi instaurada a partir de uma situação inicial que foi desencadeada com o

marcador temporal: ERA UMA VEZ, seguido da apresentação de um dos

personagens: UM ELEFANTE e a descrição de suas primeiras ações: QUE ESTAVA

BEBENDO ÁGUA E DE POIS ELE JOGO ÁGUA NELE (que estava bebendo água e

depois ele jogou água nele). A narrativa progride com a complicação: E DE POIS A

BRUXINHA TRANSFORMO E TANQUE DE GERRA E DE POIS O TANQUE

GERRA APONTO O NEGOSSO (e depois a bruxinha transformou em tanque de

55 Com o objetivo de analisar a atividade de reflexão sobre a linguagem escrita de dez crianças produzindo textos durante o processo de alfabetização, a autora tomou 203 textos evidenciando, dentre esses, 47 produções de base narrativa.

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guerra e depois o tanque de guerra apontou o negócio). Ao finalizar a trama

narrativa, as crianças disseram que: E DEPOIS TINHA FLO DETRO DO TANQUE

DE GERRA A BRUXINHA FICOU FELIZ (e depois tinha flor dentro do tanque de

guerra a bruxinha ficou feliz).

Para materializar o texto por meio da linguagem escrita, Ped e Kai lançaram mão de

alguns recursos lingüísticos que contribuíram para a progressividade dos

acontecimentos, encaminhando a narrativa para um final feliz. Concretizaram esse

percurso fazendo uso de marcadores temporais (ERA UMA VEZ, DEPOIS); de

organizadores textuais (QUE, E); de verbos no passado (ESTAVA, JOGOU,

TRANSFORMOU, APONTOU, FICOU); de mecanismos de coesão nominal (ELE,

NELE). Podemos observar, também, que as crianças desenvolveram operações

discursivas que foram marcadas por mecanismos de repetição (E DEPOIS) e de

justaposição de orações, como podemos observar no trecho que se segue: E

DEPOIS TINHA FLO DETRO DO TANQUE DE GERRA A BRUXINHA FICOU FELIZ.

De acordo com Goulard (2003), a emergência desses mecanismos discursivos pode

ser observada, de maneira mais evidente, na reprodução de histórias, uma vez que,

nessas atividades, “[...] as crianças precisam coordenar o fluxo de um texto já

planejado globalmente, obedecendo a uma determinada representação sintático-

discursiva, com a execução do mesmo [...]” (GOULARD, 2003, p. 98).

Nesse sentido, considerando a complexidade discursiva das narrativas quadrinizadas,

as atividades de reprodução dos textos tornaram-se ainda mais desafiadoras para as

crianças, pois, conforme aponta Cademartori (2003, p. 51),

Os efeitos de sentido da história em quadrinhos começam a surgir quando seu recurso predominante – a iconicidade – é transcendido no ato de leitura que identifica uma estrutura narrativa. Logo, o fundamental no gibi não é ter dupla natureza sígnica, mas o fato de que conta, de modo próprio, uma história. A despeito da preponderância da visualidade, não são quadros o que mostra, mas uma seqüência narrativa que só pode ser lida no momento em que a criança, entrelaçando os códigos visual e verbal, lograr ultrapassá-los.

No caso pesquisado, a demanda de reprodução de histórias, como foi possível

observar nos eventos delineados, foi muito comum, exigindo um intenso esforço

cognitivo das crianças que foi centralizado nos aspectos estruturais do sistema de

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escrita. Ao empreenderem esforços no sentido de concretizar as tarefas solicitadas

pelas professoras, as crianças tentaram imprimir em seus trabalhos marcas de sua

trajetória pessoal, porém essas marcas estavam fortemente vinculadas ao vivido no

espaço-tempo escolar, às situações de trabalho que tomaram como ponto de partida

o saber escolarizado. Um saber que foi ressignificado por meio da entrada do texto

na sala de aula, mas que ainda não foi provocador de mudanças nas práticas

discursivas, tendo em vista a constituição de sujeitos por meio do trabalho com a

linguagem escrita. Afinal, que condições foram preenchidas nas propostas de

reescrita das histórias em quadrinhos? O que as crianças tinham a dizer? Que

razões tinham para dizer? Para quem deveriam produzir o texto?

Vejamos um outro exemplo de texto produzido pelas crianças decorrente dessa

situação de trabalho com a linguagem escrita, apresentado na Foto 67:

O ELEFANTE JOGANDO ÁGUA

ELE JOGOU ÁGUA NELE

ELA TRANSFORMOU NUM CANHÃO

ELA PENSOU QUE IA ATIRAR NELA

Raf era uma criança que ainda não havia se apropriado do caráter alfabético da

escrita, mas escrevia adequadamente algumas palavras conhecidas. Também

dispunha de um repertório variado de letras, organizava-as de forma linear e

colocava espaços em branco entre conjunto de letras, demonstrando a sua

percepção dessa característica da escrita. Sua reescrita da história de Eva Furnari

consistiu em sentenças curtas e justapostas, uma abordagem que também foi

recorrente em outros textos.

Foto 67 - Reescrita de Raf (13-12-2005)

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Tomando uma situação de escrita exemplificada por Geraldi (2003),

compreendemos que essa proposta de trabalho com as histórias em quadrinhos

aproximou-se de uma outra situação muito comum nas classes de alfabetização: a

escrita de textos a partir de gravuras. Nessas situações, conforme analisa o autor, o

que se tem a dizer é uma história suscitada pelas gravuras cuja finalidade discursiva

se circunscreve a mostrar o que se sabe sobre o sistema da língua. Como

conseqüência, são anuladas, nessa demanda de trabalho, tanto as razões para dizer

quanto o que se tem a dizer, o que também foi possível observar nas situações de

reescrita das histórias em quadrinhos observadas em que as vinhetas foram

concebidas como gravuras a serem reproduzidas, uma a uma, por meio da

linguagem escrita, especialmente nas situações em que as crianças ainda não

tinham desenvolvido certas habilidades de textualização, como no resultado

apresentado por Raf.

Nesse sentido, que razões levaram as professoras da turma pesquisada a

focalizarem situações de escrita de base narrativa em torno da reescrita de histórias

em quadrinhos? Por que as crianças não eram motivadas a narrar, por exemplo,

suas experiências cotidianas de vida ou outras histórias que, por sua beleza e

encantamento, merecem se recontadas e ouvidas? Onde e por que ficaram perdidos

ou escondidos esses saberes?

Sabemos que a arte de contar histórias teve sua origem nas antigas culturas orais e

estava fortemente vinculada ao imaginário e à memória coletiva dos povos. Como

toda enunciação humana, sua natureza é social e determinada por um conjunto de

fatores que abarcam o espaço físico e histórico, o auditório social, as finalidades

comunicativas, a vontade discursiva do narrador. De acordo com Guimarães (2000),

as mais brilhantes narrativas populares ocorreram com os camponeses da França,

no século XVIII, entre crianças, homens e mulheres, agricultores e trabalhadores

artesanais, que se reuniam junto às lareiras para escutar histórias, que mais tarde se

tornaram tradições culturais. No Brasil, segundo a autora, a arte de contar histórias

foi herdada da Nigéria a partir das narrativas de pessoas que faziam parte de uma

casta especial. Essas pessoas se deslocavam de tribo em tribo recitando seus alôs,

uma tradição que foi realimentada pela Velha Totonha de José Lins do Rego que, no

cenário brasileiro, mantinha a tradição da narrativa oral se deslocando de engenho a

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engenho. Guimarães (2003) ainda cita o exemplo da Tia Nastácia de Monteiro

Lobato que, com sua linguagem simples, envolvia as crianças em narrativas que

valorizavam nossas raízes culturais. Nesse contexto social, os contos orais eram

marcados pela interação imediata, pela presença corporal do narrador e do

destinatário que reconstroem os sentidos do texto numa relação verbal que também

é significada por gestos, expressões, mímicas, pausas, entoações. É particularmente

nesses aspectos que a tradição oral se diferencia da escrita, uma vez que nesta a

interação face a face cede o lugar para o discurso mediado.

Uma das contribuições mais relevantes acerca da importância das narrativas

populares foi apresentada por Benjamin (1994).56 Para o autor, a fonte das

narrativas orais é a experiência que passa de pessoa para pessoa e as melhores

narrativas escritas são aquelas que mais se aproximam das histórias orais contadas

por narradores anônimos. Ao discorrer sobre a figura do narrador, tomando como

referência Nikolai Leskov,57 Benjamin distingue dois grandes grupos fundamentais

de narradores anônimos que podem ser representados pela figura do camponês

sedentário e do marinheiro comerciante. De acordo com o autor, o narrador

sedentário é aquele que possui um saber comum por meio do qual intercambia suas

experiências de vida, revestindo-as de sugestões práticas, conselhos e

ensinamentos. O marinheiro comerciante, como nos fala Benjamim, é reconhecido

pelo povo como o narrador que vem de longe, que viaja e, portanto, tem muito que

contar. A interpenetração desses grupos de narradores foi possível devido ao

sistema corporativo medieval no qual se intercambiavam o saber das terras distantes

– o saber espacial trazido pelos migrantes, e o saber do passado – o saber temporal

recolhido na experiência do trabalhador sedentário.

Assim, a experiência vivida se constituía na fonte do narrador, experiência que,

segundo Benjamim (1994), está em vias de extinção, devido às transformações

sociais, políticas e econômicas de nossa sociedade. O autor argumenta que, em

56 Essas discussões foram publicadas no livro intitulado Magia e técnica, arte e política, cuja primeira edição data de 1985. 57 Segundo Benjamim (1994), Nikolai Leskov (1831-1895) foi um dos mais brilhantes narradores de sua época. Tinha grande simpatia pelos camponeses e interesse na orientação religiosa de origem ortodoxa grega, demonstrando afinidades com Tolstoi e Dostoievski. Seus trabalhos só foram publicados nos países de língua alemã, após a Primeira Guerra Mundial, pelas editoras Musarion, Georg Müller e C. H. Beck.

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255

nome da modernização e do desenvolvimento das forças produtivas, o discurso vivo

e singular da experiência humana foi empobrecido e aos poucos substituído por

outras experiências de caráter global e desmoralizante, como as experiências de

guerra, as experiências econômicas geradas pela inflação e as que envolvem a ética

política. Nesse contexto histórico de transformações sociais, o discurso vivo, que

inicialmente foi remodelado pelo romance de formação, teve sua maior baixa com a

instauração de outra forma de comunicação que não procede da tradição oral: a

informação. Foi a informação que veio consolidar, por meio da imprensa, as ideologias

da classe burguesa, influenciando decisivamente a forma épica do discurso.

Lamentando as implicações decorrentes dessa nova forma de comunicação, Benjamin

(1994, p. 202-203) explica:

Essa forma lapidar mostra claramente que o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a informação sobre acontecimentos próximos. O saber, que vinha de longe – do longe espacial das terras estranhas, ou do longe temporal contido na tradição – dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela experiência. Mas a informação aspira a uma verificação imediata. Antes de mais nada, ela precisa ser compreensível ‘em si e para si’. Porém, enquanto esses relatos recorriam freqüentemente ao miraculoso, é indispensável que a informação seja plausível. Nisso ela é incompatível com o espírito da narrativa. Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio.

Essa atualização cotidiana e veloz de informações, que nos coloca a par dos

acontecimentos locais e mundiais sempre acompanhados de explicações que

impõem ao leitor um contexto psicológico, vem expulsando a narrativa viva e

singular de nossas relações sociais, tornando-nos cada vez mais pobres em

histórias surpreendentes, em relatos de experiência vivida.

No contexto escolar, especificamente, as histórias que se apóiam nesse saber que

vem de longe espacial e temporal também sofreram transformações em decorrência

da modernização dos seus diferentes modos de veiculação. Inseridas no campo da

cultura literária ficcional, as histórias populares circulam no espaço-tempo escolar

por meio de diversos gêneros orais e escritos, como os contos, as fábulas, as

lendas, as novelas, os romances, as narrativas de aventura, de enigma, mítica,

dentre outros, cuja tipologia discursiva norteadora circunscreve-se na ordem do

narrar.

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Entretanto, alguns mecanismos de circulação e modos de apropriação da literatura

infantil, como recurso didático, têm repercutido em sérias implicações para a

constituição da criança como sujeito de direitos, de idéias, de opiniões, de valores,

sujeitos que também têm muitas histórias a contar. Histórias que poderiam tornar a

sala de aula um lugar habitado por muitas e diferentes vozes, lugar dialógico, em

que as experiências das crianças não são minimizadas ou sobrepostas a interesses

de ordem estritamente pedagógica, como ocorre, por exemplo, nas práticas de

avaliação das escritas infantis em que a principal finalidade é a comprovação do

desenvolvimento evolutivo da criança, uma demanda que também foi recorrente na

sala de aula pesquisada, como poderemos observar no tópico que se segue.

c) A reescrita individual de histórias em quadrinhos

Durante o período em que estivemos em campo, observamos diversas situações de

escrita que tiveram como finalidade documentar o percurso evolutivo da criança.

Essa documentação, conforme situamos, era feita por meio de uma avaliação

denominada diagnóstica que ocorria bimestralmente. Eram preparadas tarefas com

essa finalidade e elas eram arquivadas em pastas individuais para serem

apresentadas aos pais em dias de reunião. Além disso, os profissionais da escola

acreditavam que essa prática avaliativa poderia oferecer elementos para a

estruturação do planejamento docente. Para a avaliação das produções escritas das

crianças, os profissionais da escola utilizavam os processos evolutivos propostos por

Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999) para a construção da escrita.

De maneira geral, as tarefas avaliativas consistiam na produção de palavras e de

frases, dependendo do nível de escrita em que a criança se encontrava. Os

trabalhos propostos eram realizados em duas etapas: num primeiro momento, a

professora ditava palavras ou frases e as crianças as escreviam individualmente. Em

seguida, elas eram desafiadas pela professora a rever as suas escritas, com

proposições para que reescrevessem as palavras ou as frases. Embora, no caso

pesquisado, as crianças tivessem produzido diversos trabalhos, no decorrer do ano,

somente as produções de palavras e frases foram tomadas para apresentar aos

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pais. Nesse sentido, o principal foco de análise das escritas infantis eram os avanços

no campo conceitual e lingüístico.

Esteban (2002), ao analisar a multiplicidade de vozes existente no diálogo sobre o

processo de avaliação das professoras que participaram do seu estudo,58 oferece-

nos relevantes contribuições acerca desse movimento de apropriação da teoria

construtivista de Ferreiro e Teberosky. Segundo a pesquisadora, essa vertente da

teoria construtivista foi assumida como um novo parâmetro para classificar as

crianças, mantendo, desse modo, a perspectiva classificatória da avaliação. No

contexto pesquisado pela autora, a produção infantil também não era avaliada em

sua multiplicidade e sua realidade multifacética reduzida aos limites definidos pela

teoria que guiava a ação e pela necessidade de controle do processo. Outro aspecto

apontado pela autora em seu estudo diz respeito à implantação de novas estruturas

de registro utilizadas para documentar o desenvolvimento das crianças. Em nossa

pesquisa, foram as pastas de avaliação individual que serviram a esse propósito,

atendendo, conforme Esteban (2002), ao jogo de visibilidade que coloca os sujeitos

em uma situação constante de vigilância e redefinindo os mecanismos de controle

da aprendizagem. Na análise da autora,

A rede de informações demandada para a demarcação do ccaammppoo ddee vviiggiillâânncciiaa depende da homogeneização das características individuais, que permite a codificação, criando a possibilidade de classificação, comparação e identificação dos desviantes. O exame, ou a lógica nele encarnada, é instrumento desta homogeneidade. Estabelecendo a nnoorrmmaa, define os padrões de avaliação e os limites para a constituição e desenvolvimento da individualidade (ESTEBAN, 2002, p. 110, grifos da autora).

No decorrer do ano, procuramos dialogar com alguns profissionais da escola a

respeito das implicações decorrentes dessas práticas avaliativas. Contudo,

observamos que nossas observações não provocaram mudanças substanciais no

interior da sala de aula pesquisada, uma vez que, no segundo semestre do ano

letivo, ainda foram instauradas duas situações para diagnosticar e documentar os

níveis de escrita das crianças. Essas situações tomaram, como ponto de partida, o

trabalho com a literatura infantil desenvolvido na sala de aula, particularmente com o

58 Tese de doutorado intitulada La reconstrucción del saber docente sobre a la teoría y la prática de la evaluación, que apresentou na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha (1997).

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gênero histórias em quadrinhos. Analisaremos um desses eventos buscando dar

visibilidade aos processos de produção de sentidos que emergiram nessas situações

de trabalho com a linguagem escrita.

O evento escolhido para análise foi observado no dia 29 de setembro de 2005. Seu

registro foi realizado por meio de anotações em diário de campo (evento n. 39, p.

249-258), fotos das produções textuais e gravações em audiovisual com

transcrições. Além de ilustrar o movimento de avaliação das escritas infantis,

enraizado nas práticas com a linguagem escrita na escola pesquisada, esse evento

também foi representativo dos desafios impostos pelo cotidiano escolar ao trabalho

docente da Professora 2 que, apesar de não possuir formação que atendesse a

essa demanda de avaliação das escritas infantis, foi orientada a colocar em prática a

proposta de avaliação, o que nos permitiu verificar uma série de implicações na

constituição de sentidos da alfabetização. O processo de avaliação teve início na

roda de conversa, quando a professora retomou as atividades anteriores explicando:

Prof. 2: eu falei com vocês que hoje a gente vai fazer uma atividade diferente... né?... uma atividade especial... por que que é atividade especial?

Iur: não sei

Prof. 2: por que quem é que vai ler depois?

C: a tia

Joa: eu

Prof. 2: quem é que vai ler na reunião de pais?

Joa: eu vou ler

Mat: eu

C: a tia... a tia

Joa: a diretora

Marc: os pais e mães

Prof. 2: os pais de vocês vão ver depois essa atividade que vocês estão fazendo... então crianças... só hoje... a semana passada que foi de Matemática... e somente hoje vocês vão fazer essa atividade... sozinho... tá?... sem deixar o coleguinha olhar... por que cada um vai ter que fazer o quê?

Ped: o seu

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Prof. 2: cada um vai fazer o seu... não é?... eh:: se o coleguinha olhar... como vocês fizeram e copiar... vai ser o coleguinha que fez?

C: não

Prof. 2: não é

Marc: o pai não vai gostar que vai ficar igual

Prof. 2: é... então cada um... psiu... tem gente conversando junto comigo

Marc: eu não vou ver de ninguém

Ped: nem eu

Prof. 2: então... somente hoje... vocês vão ter que fazer sozinho... sem deixar o coleguinha ajudar... tá bom?

Marc: ajudar?

Prof. 2: é... sem o coleguinha ajudar... sem o coleguinha copiar

Marc: nem as letras?

Joa: nem as letras... tia?

Prof. 2: não... vocês vão fazer sozinho... sem ninguém ajudar... tá bom?

C: ((conversam entre si))

Prof. 2: só que vai ser assim... crianças... eu vou chamar um pouco... vocês vão fazer aqui na frente... na mesa... o restante vai fazer uma outra atividade lá no fundo... tá? (Evento 39, 29-9-2005).

Assim a professora explicou para as crianças que, naquele dia, fariam uma atividade

especial, que deveria ser realizada sem a colaboração do outro, pois o seu destino

seria a reunião de pais, ou seja, serviria para comprovação dos níveis de escrita e,

desse modo, o diagnóstico deveria ser individual. Explicou, como também ocorreu

em outros momentos de avaliação das escritas, que a turma seria dividida em dois

grupos e, enquanto um grupo estivesse fazendo essa atividade individualmente (as

carteiras estavam organizadas em fileiras), o outro iria trabalhar em grupos nas mesas

que estavam arrumadas no fundo da sala. Antes de iniciar os trabalhos, a professora

procedeu a uma dinâmica de relaxamento convidando as crianças a escutarem uma

música tranqüila, fazendo gestos e movimentos corporais de acordo com o que dizia a

canção. Ao final dessa atividade, a professora concluiu que: “então... essa música aí...

é pra nós começarmos nossa tarde bem legal... bem tranqüilo... tá bom?” (PROF. 2,

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Evento 39, 29-9-2005) buscando, talvez, amenizar os efeitos punitivos decorrentes

do destino dado à tarefa avaliativa: “os pais de vocês vão ver depois essa atividade

que vocês estão fazendo” (PROF. 2, Evento 39, 29-9-2005).

Como a turma faria duas atividades ao mesmo tempo, a professora ainda contou a

história Chapeuzinho Vermelho, conversou sobre ela e, em seguida, propôs que,

enquanto um grupo fizesse a atividade de escrita, o outro grupo poderia ficar

desenhando a parte que achou mais interessante na história. A atividade do

desenho se configurou, então, em uma estratégia para ocupar as crianças durante a

realização do diagnóstico dos níveis de escrita, uma vez que a turma foi dividida em

dois grupos, exigindo da professora maior controle das interações em sala de aula.

O primeiro grupo de crianças foi convidado a ocupar lugares nas carteiras que

estavam enfileiradas. A professora entregou-lhes uma folha com a cópia de uma

história em quadrinhos do Amarildo, intitulada Violência, explicando o que e como

deveriam realizar a atividade:

Prof. 2: olha só... crianças... vocês tão vendo nessa folhinha de vocês... né?... que tem uma... que tem o que nessa folhinha?

Ped: ( ) um monte de quadrinhos

Prof. 2: quadrinhos... né?... o que que eu quero que vocês façam pra mim... tentem... tentar tá?... fazer uma lista aqui oh:: ((indica as linhas da folha))... uma lista... vocês sabem o como que é uma lista... não sabem?... como que é uma lista?

Ped: eh:: monte de:: palavras

Prof. 2: palavras... mas uma ((mostra na folha))

Ped: embaixo da outra ((fazendo gestos com a mão))

Prof. 2: ( ) uma embaixo da outra... olha só... aqui nesses quadrinhos têm várias coisas não tem?

Ped: tem... tem o (avô) e o bandido

Prof. 2: tem um homem... tem... o que que tá brilhando aqui em cima no céu?

Ped: o sol

Prof 2: sol

Ped: e a lua

Prof. 2: tem lua

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Ped: estrela

Prof. 2: tem vários objetos aqui nesses quadrinhos... eu quero que vocês façam pra mim uma lista... com os objetos que vocês observaram aqui nos quadrinhos tá?... por exemplo... eh:: primeiro vocês falaram... sol... vai fazendo uma lista pra mim... tá?... de todas as coisas que vocês estão vendo aqui nesse quadrinho... tá bom?... pode começar (Evento 39, 29-9-2005).

A professora, desse modo, sem instaurar diálogos com o texto, sem provocar novas

possibilidades de interlocução e de produção de sentidos, solicitou apenas que

observassem a história e escrevessem os nomes das coisas que apareciam nos

quadrinhos, registrando-as em forma de lista, configurando uma proposta de

trabalho em que a história em quadrinhos foi reduzida a um conjunto de objetos que

não se relacionavam entre si.

Considerando as condições de produção do trabalho de escritura, podemos

compreender que, nessa proposta, havia interlocutores reais para o texto (os pais),

motivos para escrever (mostrar o que aprenderam sobre o sistema alfabético de

escrita), encaminhamentos para a ação, ou seja, o que e como escrever (os nomes

das coisas que aparecem na história em forma de lista). Além desses fatores, a

organização do espaço e a divisão da turma em dois grupos também podem ser

incluídas nessas condições, pois, nesse movimento físico se instituiu o lugar de

aluno no cumprimento de uma tarefa e, como se não bastasse, o lugar do “forte” ou

do “alfabético” e do “fraco” ou do “pré-silábico/silábico”; o lugar do “produtor” de

textos e do “produtor” de palavras descontextualizadas. Podemos, então, dizer que,

nesse contexto, ganhou destaque o sujeito escolar esfacelado, determinado por

suas capacidades psicolingüísticas, provocando, conseqüentemente, o

distanciamento do sujeito sócio-histórico.

Como se já habituadas com atividades dessa natureza, as crianças executaram a

proposta observando as imagens que compunham a seqüência narrativa numa

tentativa de compreender o que dizia o autor, mas como não lhes foi oferecido

espaço para dialogar oralmente com o texto, iniciaram o trabalho de escritura

apresentando reações distintas. Algumas se imobilizaram diante da tarefa, outras

procuraram apoio nos colegas e na própria professora para realizá-la e as demais

iniciaram imediatamente o trabalho. O resultado dessa atividade avaliativa pode ser

compreendido a partir desta amostra de trabalhos (Fotos 68 e 69):

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Ped ouviu as orientações da professora, falou que sabia como fazer uma lista de

palavras, mas, ao se encontrar com o texto, fez a opção de contar o que estava

observando nas cenas. Ao final do trabalho, entregou o texto para a professora e, ao

ser questionado acerca da forma, explicou que não havia feito a lista, mas uma

história apontando as cenas e as sentenças registradas. Podemos compreender

que, desse modo, Ped fez tentativas de aproximação com os sentidos do texto,

mostrando que ressignificou a proposta da professora. Foram esses aspectos que

lhe ofereceram possibilidades de recordar o conteúdo do seu texto, quando disse,

apontando cada cena e fazendo relação com o escrito: “É sobre isso, depois isso,

depois isso” (PED, Evento 39, 29-9-2005). Em seguida, narrou os acontecimentos

fazendo relação entre o texto visual e o verbal.

Perguntamos à Ped se sabia para que havia escrito o texto. Inicialmente, disse não

saber, mas, depois, indicou que era para a professora verificar como estava

escrevendo. Assim, a indicação da professora como interlocutora e a razão para

escrever sugerem que o sentido da atividade para Ped foi o cumprimento de uma

tarefa. Esse sentido foi reforçado em um momento posterior, quando a criança foi

Foto 68 - Texto de Ped (29-9-2005) Foto 69 - Texto de Jac (29-9-2005)

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convidada a rever o seu escrito, buscando, a partir da interação com a professora,

imprimir-lhe legibilidade.

Jac só começou a escrever a partir da intervenção da professora que solicitou que

observasse os desenhos e dissesse o que tinha neles e, depois, fosse escrevendo.

Ao consultar seu registro para ler, só conseguiu lembrar, consultando os quadrinhos,

o primeiro nome da lista (SOL). Fez tentativas de recordar o restante sem sucesso,

pois ficou indeciso quanto à sua ordem na lista e desistiu. Diferentemente de Ped,

não pôde recorrer à seqüência narrativa quadrinizada para recordar o escrito, devido

ao fato de esta não traduzir o conteúdo do texto. Quando lhe perguntamos se sabia

para que e para quem havia produzido o trabalho, Jac sorriu e disse que não sabia.

Nesse sentido, acreditamos que essa criança não havia se apropriado das razões da

tarefa. Então, se não há interlocutores nem razões para escrever, escreveu para

quem e para quê?

Retomando as contribuições de Geraldi (2003), compreendemos que, nessa atividade,

a exemplo das demais situações de reescrita observadas, as crianças também não

tinham o que dizer e o que lhes restava a fazer era apenas ilustrar a gravura com o

verbal. Nessas condições, o trabalho do sujeito é configurado ao mero cumprimento

de uma tarefa escolar, pois,

[...] a razão única que ele pode encontrar para escrever alguma coisa (já que é preciso escrever... a professora ‘pediu’) é mostrar que sabe escrever (o que é um contra-senso, afinal está na classe para aprender a escrever). Assim, tanto a razão para dizer quanto o que dizer se anulam (GERALDI, 2003, p. 139).

As implicações decorrentes dessa situação de escrita também repercutiram nos

trabalhos realizados pelas crianças do segundo grupo que, nesse contexto

avaliativo, deveriam contar o que dizia cada cena, ou seja, reproduzir a seqüência

narrativa icônica utilizando a linguagem verbal. Assim, para explicar a tarefa, a

Professora 2 apresentou o título, o autor do texto e propôs perguntas percorrendo o

texto quadro a quadro para ajudar as crianças a reconhecerem os seus sentidos,

como podemos notar nesta interação:

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Prof. 2: esses primeiros quadrinhos aqui... oh::

Mon: tia... veio um homem... colocou a sementinha... daí depois ele jogou água... depois eh:: nasceu... aí depois ela virou uma flor

Mat: tia... aí depois

Prof. 2: aí depois... o quadrinho debaixo

Mat: aí... aí... ele ficou feliz que nasceu... aí pegou e chutou... depois ele ficou chorando

Prof. 2: quem chutou a flor?

C: um ladrão ((em coro))

Wes: apareceu uma pessoa ruim

Prof. 2: ah:: apareceu uma pessoa ruim... e ela fez o que com a flor?

C: chutou ((em coro))

Marc: esmagou

Prof. 2: quem chegou?

C: o homem ((em coro))

Prof. 2: o homem... né?

Joa: o fazendeiro

Prof. 2: e ele ficou

Gil: triste

Joa: chorou

Prof. 2: bom... o que que vocês vão fazer?... olha bem... presta atenção (Evento 39, 29-9-2005).

Considerando que essa interação inicial com o texto foi suficiente para a

concretização da proposta de escrita, a professora passou a explicitar as orientações

para o trabalho dizendo:

Prof. 2: vocês vão olhar cada quadrinho desse aqui e vão escrever uma frase do que que tá acontecendo no quadrinho... primeiro... primeiro... eu quero que vocês... só um pouquinho ((faz o contorno dos quadrinhos no quadro))... nós temos aqui em cima quatro quadrinhos?

C: é

Prof. 2: e aqui embaixo nós temos quatro quadrinhos

C: três... três

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Prof. 2: ah:: tá certo ((apaga um quadrinho)) embaixo só tem três quadrinhos... então vocês vão pegar o lápis... crianças... e vão fazer assim... enumerar os quadrinhos... colocar número um... na ordem das cenas... tá bom?... por exemplo... essa é a primeira cena?... é... em cima do quadrinho aqui oh:: número um ((enumera o primeiro quadrinho no quadro))

Marc: tia... é pra fazer o que depois?

Prof. 2: aí vocês vão ver a ordem das cenas e vão colocar... tá?

Marc: a frase... é pra escrever uma frase?

Prof. 2: depois que vocês enumera / primeiro vão enumerar os quadrinhos... todo mundo colocando os números nos quadrinhos... na ordem da cena... tá?... um... dois... três... até acabar os quadrinhos

C: ((enumeram os quadrinhos))

Prof. 2: pronto... todo mundo já enumerou

C: JÁ ((em coro))... NÃO... NÃO

Prof. 2: vamos esperar o Gil ((aguarda))... bom... vocês já enumeraram a ordem do quadrinho... primeiro... segundo... né?... agora... não tem essas linhas aqui embaixo?

C: tem ((em coro))

Prof. 2: vocês vão pegar / olhar cada quadrinho... pelo número que vocês colocaram

Marc: ah sei... ( )

Prof. 2: e vão escrever uma frase do que vocês estão vendo naquele quadrinho... entenderam?... por exemplo oh:: o quadrinho número um... ((mostra no quadro)) aí tem um monte de linhas aqui... não tem?

Gil: tem

Prof. 2: oh:: tem várias linhas ((desenha as linhas no quadro)) aí aqui oh:: na primeira linha... eu vou escrever uma frase do primeiro

Vic: quadrinho

Prof. 2: do que tá acontecendo no primeiro quadrinho... tá?... na linha número dois eu vou escrever do segundo... depois do terceiro... tá?... fazer uma frase de cada quadrinho que vocês fizeram... tá... do que que tá acontecendo em cada quadrinho (Evento 39, 29-9-2005).

Essas orientações confirmam, portanto, que, nessa proposta de escrita, o foco

também estava centralizado na dimensão lingüística do processo de alfabetização,

mais especificamente nos aspectos que envolvem as relações entre sons e letras,

pois esses seriam tomados como indicativos do processo evolutivo da criança. Para

tanto, a Professora 2 propôs que as crianças enumerassem os quadrinhos,

escrevendo, em seguida, uma frase para cada uma das cenas, contando o que

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estavam observando. Essas instruções, porém, não foram atendidas por todas as

crianças da turma que, ao buscarem responder às solicitações da professora,

utilizaram diferentes estratégias para compor os textos escritos. Em alguns casos,

eles se constituíram em uma seqüência narrativa simples, com elementos que

indicaram a progressividade das ações e que nos permitiram identificar dispositivos

lingüísticos que caracterizam a orientação, a complicação e o desfecho, como

podemos notar nos textos produzidos por Mon e Iur (Fotos 70 e 71):

Considerando a dimensão composicional do texto, bem como as suas condições de

produção, podemos dizer que os trabalhos de Mon e de Iur foram os mais

expressivos da turma. Mon procurou narrar os acontecimentos da história,

interligando-os por meio dos organizadores textuais E e AÍ que imprimiram ao texto

marcas muito comuns nas narrativas orais das crianças. Além disso, Mon também

Foto 70 - Texto de Mon (29-9-2005) O HOMEM COLOCOU 5 SEMENTINHAS E JOGOU ÁGUA E NASCEU AÍ NO OUTRO DIA NASCEU UMA LINDA FLOR AÍ ANOITECEU AÍ ENTROU UM LADRÃO E CHUTOU A FLOR AÍ NO OUTRO DIA O HOMEM VIU A FLOR MORTA E ELE CHOROU E FICOU TRISTE

Foto 71 - Texto de Iur (29-9-2005) ERA UMA VEZ UM HOMEM PLANTANDO DEPOIS JOGOU ÁGUA DEPOIS ELE FICOU OLHANDO A FLOR E DEPOIS A FLOR SE ELE TEVE UM CARINHOZINHO DEPOIS O LADRÃO DERRUBOU A FLOR DEPOIS O HOMEM FOI VER A FLOR

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incluiu alguns elementos que situaram o tempo dos acontecimentos: NO OUTRO

DIA e ANOITECEU; descreveu características, estados e sentimentos: LINDA FLOR,

A FLOR MORTA, ELE CHOROU E FICOU TRISTE. Iur também imprimiu algumas

marcas lingüísticas à sua produção que atribuíram um efeito narrativo ao texto, como

os marcadores temporais ERA UMA VEZ e DEPOIS que atuaram como

organizadores textuais interligando os acontecimentos.

Já nos casos em que as crianças atenderam às orientações da professora, a

instauração da seqüência narrativa foi comprometida e houve, portanto, uma

configuração fragmentada dos enunciados dos textos, o que pode ser constatado a

partir dos resultados evidenciados nas Fotos 72 e 73:

Esses trabalhos foram produzidos por Marc e Joa, duas crianças que também

demonstraram, durante o período em que estivemos em campo, a apropriação de

Foto 72 - Texto de Marc (29-9-2005)

1. ELE ESTÁ JOGANDO SEMENTE 2. ELE ESTÁ MOLHANDO 3. CRESCEU A FLOR 4. A FLOR CRESCEU MAIS 5. HOMEM DISTRUIU A FLOR 6. ELE DISTRUIU A OUTRA PLANTA 7. O DONO CHOROU

Foto 73 - Texto de Joa (29-9-2005)

ELE ESTÁ PLANTANDO ELE ESTÁ REGANDO ELE ESTÁ FELIZ ELE ESTÁ OLHANDO PARA FLOR ELE ESTÁ PENSANDO ELE CHUTOU A FLOR ELE ESTÁ TRISTE

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capacidades sociocomunicativas bastante interessantes. Contudo, ao concretizarem

seus textos a partir das instruções delineadas pela professora, ou seja, enumerando

as vinhetas e escrevendo frases para dizer o que estava acontecendo em cada

cena, Marc e Joa produziram sentenças isoladas entre si. A partir das contribuições

de Braggio (2002), compreendemos que essa demanda de trabalho com a

linguagem escrita se aproxima de uma visão mecanicista de alfabetização, na qual a

preocupação com o aspecto grafofônico prevalece sobre os demais aspectos da

linguagem, o que se evidencia na fragmentação e na artificialização dos enunciados.

Embora algumas crianças tenham buscado outros meios para concretizar a proposta

da professora apresentando resultados que se aproximaram um pouco mais da

seqüência narrativa, observamos que, em ambos os casos, as respostas foram

determinadas pelas condições em que foi instaurada a atividade de escrita, reduzindo

as possibilidades de interlocução com o texto que, nesse contexto, não foi

selecionado tendo em vista o seu conteúdo, as relações de sentido, mas como um

pretexto para preencher as necessidades de avaliação da escrita.

Assim, compreendemos que as condições delimitadas pela professora modificaram

de forma negativa as potencialidades das crianças, impedindo que elas se

constituíssem, por meio da linguagem escrita, sujeitos de seu próprio discurso. Além

disso, essas práticas contribuíram para a constituição de sentidos que se

desvincularam das funções e das significações sociais dessa forma de linguagem,

reforçando o caráter punitivo e pragmatista da tarefa avaliativa, o que pode ser

constatado nas vozes das crianças que foram convidadas a explicitarem sua

compreensão acerca das razões que motivaram o trabalho de escritura:

Let: porque tinha que escrevê... porque... quando minha mãe vim na reunião... eh:::: ela vai vê e ela vai me batê

Jon: porque tá aqui oh ((mostrando os quadrinhos))

Cris: porque... porque a tia mandô a gente escrevê... pra gente vê se sabe escrevê direitinho

Wes: para a mamãe o papai... a direto::ra

Mon: porque a professora vai vê

Mar: pra gente sentá aqui na frente... pra fazê a atividade... eh:: pra gente relaxá (Evento 39, 29-9-2005).

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269

A análise das respostas das crianças à tarefa nos leva a refletir sobre algumas

questões que envolvem o aprendizado da escrita e as “recentes” descobertas no

campo da alfabetização. Essas descobertas, vinculadas ao campo da Psicologia

Histórico-Cultural, evidenciam que a linguagem escrita é um objeto cultural

produzido historicamente e possível de ser significado nas relações entre as

pessoas. Como produto cultural, resultante de processos de objetivação nos quais

a experiência humana foi se acumulando e se transformando, a linguagem escrita

comporta, portanto, uma síntese da atividade humana. Assim, ao se apropriar da

escrita, a criança está se apropriando da sua história social, das suas funções e

significações socialmente estabelecidas. Nesse sentido, o papel da instituição

escolar é fundamental, uma vez que “[...] a educação escolar é mediadora entre as

crianças e a significação social da escrita, portanto, entre as crianças e o

conhecimento historicamente elaborado” (GONTIJO, 2002, p. 54).

Contudo, nesse contexto das práticas educativas em torno das histórias em

quadrinhos, a compreensão das funções e das significações sociais da linguagem

escrita ficou comprometida, devido à ênfase à sua dimensão lingüística (fonética e

fonológica). No caso específico das atividades de reescrita individual das histórias

em quadrinhos, tanto para as crianças como para a Professora 2, a relação entre os

motivos e o fim do trabalho de escritura produziu o sentido de cumprimento de uma

tarefa, de uma obrigação que, de certo modo, lhes permitiu adequar-se à dinâmica

escolar, atendendo às demandas decorrentes das práticas avaliativas em que

estavam circunscritas essas relações de trabalho com a linguagem escrita.

Mas, se, nas situações de reescrita das histórias em quadrinhos, também não foram

instauradas condições de produção textual que permitissem às crianças dialogarem

com os textos, que possibilidades foram suscitadas nas situações em que as

crianças foram convidadas a dizer suas opiniões acerca dos acontecimentos

vivenciados no contexto escolar? Como suas idéias, valores, saberes foram

requisitados no trabalho que envolveu a produção dos textos de opinião?

Voltaremos, portanto, nosso olhar para as condições de produção desses textos

buscando evidenciar outros processos de constituição de sentidos que permearam o

trabalho de escritura realizado pelas crianças e pelas professoras no contexto da

sala de aula pesquisada.

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270

5.2 OS TEXTOS DE OPINIÃO

Diferentemente do trabalho com as histórias em quadrinhos, as propostas de

produção em que as crianças foram motivadas a dizerem suas opiniões acerca de

situações vivenciadas no espaço/tempo escolar não foram sistematizadas a partir de

uma seqüência didática intencionalmente organizada. Elas emergiram do/no

cotidiano das práticas educativas e tomaram como ponto de partida eixos temáticos

que giraram em torno de projetos desenvolvidos no âmbito escolar, como podemos

observar no Quadro 3:

Evento: data Contexto de produção Proposta de produção 10: 8-6-2005

Fórum da Educação Infantil na Rede Municipal de Vitória

Dizer do que não gosta na escola, por meio da escrita e do desenho, para participar da enquete realizada na escola

11: 9-6-2005 Fórum da Educação Infantil na Rede Municipal de Vitória

Dizer do que gosta na escola, por meio da escrita e do desenho, para participar da enquete realizada na escola

32: 31-8-2005 Projeto institucional sobre os direitos da criança

Expor opinião sobre o trabalho infantil por meio da linguagem escrita, numa elaboração coletiva de idéias, a partir da leitura de fotos

33: 2-9-2005 Exposição de trabalhos literários na escola

Escrever um recado para os autores dizendo o que achou da história Chapeuzinho Laranja

35.1: 14-9-2005

Projeto institucional sobre os direitos das crianças

Dizer, usando balões de fala, o que acha que as crianças das fotos estão pensando enquanto trabalham

35.2:14-9-2005 Projeto institucional sobre os direitos da criança

Expor opiniões sobre o trabalho infantil a partir da foto de uma criança trabalhando, numa elaboração escrita individual

43: 25-10-2005 Comemorações do dia das crianças na escola

Escrever sobre o que gostou nas atividades da semana da criança realizada na escola

51: 23-11-2005 Projeto institucional: direitos da criança

Escrever o que pensa a respeito da falta de moradia

Esse panorama geral mostra que as situações de escrita que giraram em torno dos

textos de opinião foram mais recorrentes a partir do trabalho desenvolvido pela

Professora 2, no segundo semestre do ano letivo. Ao abordar temáticas que

envolviam os direitos das crianças, como o trabalho infantil e a falta de moradia, a

Professora 2 procurava dialogar com elas acerca de seus conhecimentos e opiniões

Quadro 3 - Situações de produção dos textos de opinião

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271

sobre o assunto, suscitando situações de produção oral e escrita nas quais as

crianças eram motivadas a dizer o que sabiam/pensavam sobre os temas em questão.

Além desses temas, a Professora 2 também aproveitou algumas situações cotidianas

para propor atividades de escrita cujas condições de produção nos remetem ao

gênero texto de opinião. Nesse sentido, queremos esclarecer que, ao definirmos essa

configuração textual, estamos nos referindo ao contexto interlocutivo no qual foram

circunscritas as propostas de produção e não apenas as especificidades

composicionais do gênero, uma vez que, em muitas circunstâncias, os traços da

seqüência argumentativa, base discursiva predominante nos textos de opinião,

configuraram-se a partir de tomadas de posição simples que, de certo modo,

sinalizaram a emergência de posicionamentos enunciativos de caráter argumentativo.

Conforme agrupamento proposto por Dolz e Schneuwly (2004), os gêneros fundados

na ordem do argumentar estão vinculados ao domínio de comunicação que abrange

a discussão de problemas sociais controversos. Em nossas relações cotidianas,

estamos sempre fazendo uso de recursos argumentativos para expor uma opinião,

defender uma idéia, convencer um ou vários interlocutores, provocar mudanças no

comportamento ou na opinião do outro. O locutor, nesse contexto interdiscursivo,

necessita desenvolver as razões que possibilitem justificar o seu ponto de vista,

fazendo antecipações, contra-argumentando, dialogando com o outro. Assim, para

concretizar nossos argumentos, lidamos com capacidades de linguagem que giram

em torno de tomadas de posição, sustentações, refutações e negociações. Essa

demanda enunciativa se complexifica, contudo, em situações de produção textual

escrita em que o interlocutor não está presente para a instauração imediata do

diálogo, exigindo do locutor a escolha e a planificação de estratégias discursivas

argumentativas que têm se constituído em objeto de estudo de muitos pesquisadores.

De acordo com Koch (2004b, 2004c),59 a interação pela linguagem ocorre por meio

de objetivos a serem atingidos e, nesse sentido, o uso da linguagem é

essencialmente argumentativo. Diz a autora:

59 As contribuições de Koch acerca da argumentatividade discursiva foram defendidas em sua tese de doutorado Aspectos da Argumentação em Língua Portuguesa (1981) e publicadas originalmente em 1984. Neste trabalho, tomamos a 9ª edição do livro Argumentação e linguagem publicada em 2004b, e a 9ª edição do livro A inter-ação pela linguagem, também publicada em 2004c.

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272

[...] o ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui o ato lingüístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo [...]. Ao produzir um discurso, o homem se apropria da língua, não só com o fim de veicular mensagens, mas, principalmente, com o objetivo de atuar, de interagir socialmente, instituindo-se como EU e constituindo, ao mesmo tempo, como interlocutor, o outro, que é por sua vez constitutivo do próprio EU [...] (KOCH, 2004b, p. 17-19).

Contudo, conforme salienta Koch, para se constituir discurso, ou seja, texto, e

produzir os efeitos de sentido desejados, o ato de argumentar precisa obedecer às

condições de progresso e de coerência, uma vez que a tessitura das intenções e

das idéias ocorre por meio da seleção de determinados recursos lingüísticos que

possibiltam indicar a orientação argumentativa dos enunciados. Nesse sentido,

tomando as contribuições da Lingüística Pragmática60 (especialmente da Teoria

Semântica Argumentativa de Ducrot) e a abordagem bakhtiniana, a autora aponta a

emergência de uma lingüística voltada para o discurso, ocupando-se das

manifestações produzidas por indivíduos concretos, situados em deteminadas

condições históricas e sociais.

Nessa perspectiva, a orientação argumentativa pode ser reconhecida a partir de

mecanismos lingüísticos denominados de marcas lingüísticas da enunciação e de

modalizadores “[...] que têm a função de determinar o modo como aquilo que se diz

é dito” (KOCH, 2004c, p. 29, grifo da autora). Dentre essas marcas, a autora

destaca: os operadores argumentativos, os marcadores de pressuposição, os

indicadores modais e atitudinais, os tempos verbais e os índices de polifonia que,

considerando o nosso interesse pelos processos de constituição de sentidos no

trabalho de produção textual, olharemos mais especificamente.

Segundo Koch (2004c, p. 63, grifos da autora), “[...] o termo polifonia designa o

fenômeno pelo qual, num mesmo texto, se fazem ouvir ‘vozes’ que falam de

perspectivas ou pontos de vista diferentes com os quais o locutor se identifica ou

não”. O texto, nessa perspectiva, é concebido como um objeto heterogêneo, isto é,

um tecido constituído por muitas vozes, um tecido dialógico no qual os discursos se

60 A vertente Pragmática, vista como o estudo da atividade interindividual realizada no discurso, emergiu a partir do interesse pela linguagem como atividade, pelas ações que se realizam na e pela linguagem, conforme Koch (2004c).

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273

entrecruzam produzindo sentidos. A presença de outras vozes no discursivo

argumentativo pode ser observada, conforme indica a autora, a partir de

determinados mecanismos lingüísticos, como os operadores argumentativos, os

marcadores de pressuposição, as aspas, os verbos no futuro do pretérito como

metáfora temporal, o discurso indireto e a ironia.

Buscando analisar o papel da polifonia duscursiva na construção de sentidos do

gênero resenha crítica, Araújo (2002) também assume os pressupostos da

abordagem bakhtiniana de linguagem, delineando contribuições importantes para o

presente estudo. A autora salienta o princípio da alteridade como definidor do ser

humano e de suas relações com o outro e, desse modo, os discursos são

caracterizados pela multiplicidade de vozes, pelas relações dialógicas que emergem

do/no jogo polifônico da palavra.

Acrescentando a esse quadro teórico as contribuições de Ducrot acerca da teoria da

polifonia, Araújo explica que locutor e enunciador se distinguem em termos

lingüísticos, isto é, “[...] o sujeito que produz o enunciado, aquele que diz ‘eu’ ou o

que origina pontos de vista distintos não são obrigatoriamente o mesmo” (ARAÚJO,

2002, p. 145). Assim, o sujeito responsável pela enunciação incorpora à sua fala

outras vozes, outras falas que, ao entrecruzarem-se no texto, produzem sentidos. É

no discurso indireto livre, conforme aponta Barros (2003, p. 5), que “[...] a polifonia

atinge sua plenitude: as vozes que dialogam e polemizam ‘olham’ de posições

sociais e ideológicas diferentes, e o discurso se constrói no cruzamento dos pontos

de vista”.

Outra contribuição que nos parece interessante destacar foi decorrente dos estudos

realizados por Souza (2003). Partindo de pressupostos ligados à tendência

bakhtiniana, a autora discorre acerca da importância da situação de produção

situando as condições mínimas para argumentar como: a instauração de uma

situação social controversa, a explicitação de finalidades, a existência de posições

contrárias e de um tema que esteja relacionado com os interesses dos locutores.

Salienta ainda que, para a planificação do texto argumentativo, não existe uma

fórmula estável, rígida, pois o texto se desenvolve na interação, em função dos

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274

objetivos, das características dos interlocutores, do tema, ou seja, da situação

argumentativa, exigindo a articulação de diversas operações discursivas.61

Defendendo a inserção de práticas educativas pautadas na dimensão argumentativa

da linguagem desde a fase inicial de apropriação da linguagem escrita, Souza

(2003) analisa que, em decorrência de diversos fatores de ordem econômica,

pedagógica e cultural, os gêneros de caráter literário têm sido mais enfatizados nas

práticas de leitura e de escrita, evidenciando que o trabalho com os gêneros de

textos constituídos sob a base argumentativa tem pouca repercussão nessa fase da

escolarização. Porém, argumenta a autora, o trabalho com o tipo argumentativo é

muito importante e pode contribuir para a formação da consciência crítica na criança,

uma dimensão fundamental do processo de alfabetização, uma vez que a

argumentação se efetiva em torno de valores, de atitudes, de comportamentos e de

avaliações. Nesse sentido, embora as crianças vivenciem desde cedo situações

cotidianas em que são chamadas a justificar comportamentos, expor suas opiniões,

tomar decisões, influenciar o outro, dentre outras capacidades argumentativas, no

contexto das práticas educativas escolares, é necessário que elas tenham

conhecimento da situação argumentativa e dos principais aspectos que constituem

esse tipo de discurso, levando em conta suas capacidades e potencialidades

interdiscursivas.

No caso pesquisado, observamos que a dimensão argumentativa da linguagem foi

instaurada a partir de situações que focalizaram a produção de textos de opinião.

Considerando as propostas desenvolvidas na sala de aula, selecionaremos alguns

eventos para análise, buscando dar visibilidade aos momentos mais relevantes do

trabalho de escritura dos textos a partir dos diferentes temas em que foram

instauradas as propostas de produção: as opiniões sobre a escola, o trabalho

infantil, a falta de moradia, a exposição de trabalhos literários na escola. Além disso,

tomaremos um último evento que também foi revestido por possibilidades de dizer

61 As operações que constituem o discurso argumentativo foram apresentadas por Souza (2003) a

partir das contribuições teóricas e práticas decorrentes dos estudos realizados por Chartrand (1995), Dolz (1989, 1993, 1995) e Golder (1996). Um apanhado geral dessas contribuições revela que, nesse universo enunciativo-discursivo, podemos encontrar operações de apoio discursivo, de refutação, de negociação, de explicação, de justificação, operações de ancoragem autônoma ou conjunta, de construção dos objetos do discurso, de sustentação dos enunciados, operações que dizem respeito à polifonia e à implicação do autor, dentre outras.

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275

que, com base na dimensão argumentativa, provocou movimentos interessantes dos

sujeitos na sala de aula. Desse modo, em nossas análises, os eventos citados serão

identificados a partir dos temas que lhes deram origem e delineados tendo em vista

as suas condições de produção. Nesse percurso, buscaremos compreender se e

como essas condições de produção possibilitaram a constituição de sentidos no

trabalho de escritura dos textos, focalizando a sua dimensão interdiscursiva.

5.2.1 A escola

Os textos em que as crianças apresentaram opiniões sobre a escola foram

produzidos no primeiro semestre do ano letivo (eventos 10 e 11 de nosso diário de

campo, observados em 8 e 9-6-2005), com a Professora 1, e podem ser

compreendidos como um movimento inicial do trabalho de escritura que tomou como

ponto de partida situações em que as crianças eram motivadas a dizer suas opiniões

acerca de determinados temas. Nessa primeira situação observada em sala de aula,

as crianças foram orientadas pela professora a explicitar suas opiniões sobre o

espaço escolar a partir de enunciados cuja estrutura composicional foi configurada em

frases curtas e simples marcadas pelo uso de sintagmas que indicou a

responsabilidade enunciativa: EU GOSTO DE..., EU NÃO GOSTO DE... Vejamos a

caracterização geral dessa situação de produção textual.

A escola estava se organizando para participar do Fórum Municipal de

Representantes das Crianças, uma das etapas do movimento de reformulação da

Proposta Curricular da Educação Infantil do Sistema Municipal de Ensino de Vitória,

que teve início no ano de 2004. O fórum foi organizado por uma equipe de

profissionais vinculada ao sistema e tinha como principal finalidade a inclusão das

crianças no processo de elaboração do documento intitulado Educação Infantil: um

outro olhar, que abarcaria os princípios orientadores da nova proposta curricular

(PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO,

GERÊNCIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL, 2006).

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276

Nesse sentido, estavam sendo coletadas informações acerca do que as crianças

gostavam e do que não gostavam na escola. Essas opiniões deveriam ser

depositadas em caixas que foram decoradas com gravuras e desenhos

especialmente para essa finalidade e dispostas em local de intensa circulação, com

a intenção de convocar a participação de todos na campanha que tinha como eixo

central a escuta das vozes das crianças em prol de melhores condições de trabalho

escolar, conforme podemos observar na Foto 74.

Em sala de aula, a professora falou sobre o fórum e a importância da participação

das crianças. Retomou também outras atividades produzidas a partir do trabalho

sobre o direito à educação que estavam desenvolvendo, lembrando a apreciação da

obra de arte A escola de Velasquez (evento 8, 2-6-2005) e, também, a eleição do

representante da turma para participar do fórum (evento 9, 7-6-2005), trazendo em

sua fala a história do processo vivido em sala de aula.

Conversou também sobre a educação em outros tempos, falando sobre a sua

trajetória escolar e abordando questões sociais e jurídicas sobre o direito à

educação pública de boa qualidade. Nesse momento, as crianças apresentaram

suas opiniões, idéias e conhecimentos acerca do tema, citando exemplos e

contando histórias que envolviam seus familiares. Em seguida, a professora

apresentou as caixas para as crianças observarem o texto visual, fazendo relações

entre as imagens que representavam o gostar e o não gostar, buscando, desse

modo, motivar o trabalho de escritura em que as crianças deveriam firmar suas

opiniões sobre um espaço escolar que não está isolado de um contexto que é

histórico, político e social.

Foto 74 - Espaço escolar destinado à coleta de opiniões

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A partir dessa interação inicial, a professora propôs que as crianças registrassem, por

meio da escrita e do desenho, suas opiniões sobre a escola. Deveriam começar

desenhando e escrevendo o que não gostavam na escola. Assim, de acordo com o

contexto de produção delineado, nessa proposta de trabalho, a professora motivou as

crianças a produzirem o texto – elas tinham o que dizer e tinham razões para dizer.

Definiu, ainda, as estratégias de dizer (teriam que desenhar e escrever), sem, contudo,

esclarecer para as crianças as razões para o uso simultâneo do desenho e da escrita.

Os trabalhos foram produzidos em pequenos grupos e, nesse processo, as crianças

trocaram idéias, informações, apresentaram suas opiniões para os colegas e para a

professora que colaborou no trabalho de escritura dos textos. Para ilustrar o resultado

dessa atividade, fotografamos oito textos que foram selecionados a partir da

observação do processo de produção. Os textos que se seguem (Fotos 75, 76 e 77)

revelam como as crianças, de maneira geral, concretizaram a proposta de produção:

Foto 75 - Texto produzido por Ped (8-6-2005): EU NÃO GOSTO DO ALFABETO

Foto 76 - Texto produzido por Iur (8-6-2005): EU NÃO GOSTO QUANDO ALGUÉM ME BELISCA

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Assim, por meio desses enunciados, as crianças expuseram suas opiniões acerca do

que gostavam ou não gostavam na escola, posicionando-se a partir da marca

prenominal EU, que indica uma relação de implicação. Em seu conjunto, eles

revelaram as preferências e situações vividas pelas crianças na escola o que, de certo

modo, abriu possibilidades para a escuta de suas vozes. É o que também podemos

observar no trabalho produzido por Joa (Foto 78) que, no contexto dessa atividade

interdiscursiva, suscitou aspectos interessantes para a nossa análise.

Vejamos como foi o processo de produção desse texto: Joa iniciou o desenho pela

areia do pátio, fez os brinquedos, as crianças brincando, a parede azulejada, o sol e

as nuvens. Desenhou mais duas crianças (ele e o colega), colocando-as em

Foto 77 - Texto produzido por Pat (9-6-2005): EU GOSTO DO PÁTIO

Foto 78 - Texto produzido por Joa (8-6-2005): EU NÃO GOSTO QUE ALGUÉM JOGUE AREIA EM MIM

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evidência, com seus respectivos nomes. Em seguida, movimenta a cena com a areia

sendo lançada pelo colega. Ao lado do nome da criança que está jogando areia,

acrescentou a palavra NÃO. No grupo, mais três crianças faziam seus desenhos.

Uma delas havia desenhado o alfabeto, pois é disso que não gostava na escola. A

exemplo de outras crianças do grupo, Joa também resolveu desenhar o alfabeto. Ao

ser questionado sobre o motivo que o levou a escrever o alfabeto, Joa assumiu que

estava copiando do colega e que achava legal, que gostava de fazer o alfabeto. Por

último, e atendendo à solicitação da professora que acompanhou todos os trabalhos,

escreveu sobre o seu desenho, ou seja, usou outra forma de linguagem – a escrita –

para dizer do que não gosta na escola: EU NÃO GOSTO QUE ALGUÉM JOGUE

AREIA EM MIM.

Tomando por base o episódio relatado e o texto produzido por essa criança,

levantamos as seguintes questões: por que a linguagem escrita foi usada nessa

atividade? Como as crianças se posicionaram a partir dessa proposta de produção?

Considerando nosso posicionamento teórico, podemos propor algumas

possibilidades de interpretação. A primeira diz respeito ao contexto de produção da

escrita ROG NÃO que foi elaborada pela criança sem intervenção direta da

professora. Essa escrita pode ser compreendida como um movimento de atribuição

de sentidos ao texto visual. Por meio dele, a criança pode estar constituindo-se

“porta-voz” do grupo, pois denunciou uma situação que é comum no pátio e

escreveu um texto que é falado por outras crianças da turma, revestindo-o de uma

perspectiva polifônica que também pode ser observada a partir dos marcadores de

pressuposição utilizados por Joa e Iur (QUANDO ALGUÉM e QUE ALGUÉM). A

partir desses marcadores, podemos inferir um conteúdo que é compartilhado entre

as crianças e, portanto, que não é de responsabilidade exclusiva dos locutores: tem

colegas que atrapalham a brincadeira no pátio com atitudes desrespeitosas.

Quanto à escrita das letras do alfabeto, podemos interpretar que essa tenha sido

uma resposta ao colega que diz não gostar do alfabeto, ou seja, uma forma de dizer-

lhe que pensa de outro modo, que gosta do alfabeto. Nesse caso, o leitor que está

distante, que não acompanhou a sua produção, poderia compreender que Joa não

gosta do alfabeto, uma vez que sua opinião seria depositada na caixa

correspondente à sua resposta. Contudo, o uso da linguagem escrita ofereceu os

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elementos que revelaram a opinião central da criança, que foi reforçada com o uso

do balão (uma estratégia de dizer apropriada pela criança a partir do trabalho com as

histórias em quadrinhos), indicando que era ela quem dizia não gostar que joguem

areia. Desse modo, o balão de fala constituiu-se em um recurso que confirmou a

autoria do texto.

Assim, uma provável razão para motivar o uso da escrita nessa atividade pode ser

decorrente da finalidade do texto, ou seja, para que e para quem foi produzido: para

comunicar opiniões sobre a escola para interlocutores distantes, ausentes. Nesse

caso, só a linguagem visual, ou seja, o desenho da criança, poderia não favorecer a

compreensão dos sentidos desejados. Entretanto, o uso da escrita foi uma condição

colocada pela professora sem, contudo, esclarecer sobre a sua necessidade, ou

seja, sem explicitar os motivos que a levaram a solicitar e garantir o uso da escrita.

Essa situação também pôde ser observada nos outros textos elaborados pelas

crianças, o que nos instiga a supor que o trabalho de escritura foi realizado, de

maneira geral, para cumprir uma tarefa escolar. As crianças tinham o que dizer,

conheciam as razões para dizer, para quem dizer e como deveriam dizer, mas não

tiveram oportunidade de discutir que o uso da linguagem escrita era necessário à

compreensão dos sentidos do texto.

5.2.2 O trabalho infantil

No contexto da sala de aula pesquisada, a temática do trabalho infantil foi

orientadora de diversas situações de produção de textos, tanto orais quanto escritos

e também de textos não-verbais. Nessas situações, as crianças foram motivadas, a

partir da leitura de outros textos e das interações na roda de conversa, a dizer o que

pensavam acerca dessa problemática que foi suscitada pela Professora 2, tendo em

vista o trabalho que estava sendo realizado sobre os direitos das crianças.

Na tentativa de delinear o contexto de produção do evento que tomaremos para

análise, iremos situar alguns momentos do processo de ensino aprendizagem que

tomou como foco temático o trabalho infantil. Como ponto de partida para o

desenvolvimento do tema, a Professora 2 apresentou às crianças uma canção que

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contava a história de uma criança que trabalhava (Guto e seu martelo). A partir

dessa canção, a professora perguntou-lhes se conheciam alguma criança que

exercia trabalho remunerado. O grupo, então, começou a citar alguns exemplos do

tipo: “eu já vi na praia... eh:: tem criança que vende picolé... sorvete; eh::... quando

eu fui no shopping com minha vó né?... eu... eu vi um menino vendendo jujuba; eu

também... tia... eu e meu pai... eh nós vimos um menino vendendo picolé... tinha um

menino vendendo chocolate; um dia... quando eu tava no ônibus... tinha uma menina

vendendo picolé; eu vi vendendo água de coco na praia; eu vi vendendo bala; eles

ficam ganhando dinheiro pra comprar roupa; eh::... eles... eles vendem coisas pra

ganhar dinheiro... lá perto da minha casa tem gente que vende coisa” (trechos

retirados da transcrição do evento 27, 17-8-2005).

Em meio a esses exemplos, as crianças também relataram suas experiências de

trabalho no contexto familiar dizendo: “eu trabalho com minha vó... eu ajudo lavar

vasilha... roupa; eu também ajudo minha mãe lavar vasilha; eu ajudo também... eu

arrumo ca::sa” (trechos retirados da transcrição do evento 27, 17-8-2005). A

professora, então, conversou a respeito das diferenças entre esses modos de

trabalho explicando que, em alguns casos, as crianças são obrigadas a exercer

atividades remuneradas para sobreviverem e, em outros, como no contexto das

relações familiares, o trabalho é uma forma de ajuda que não atrapalha as outras

atividades da criança, como estudar e brincar.

A partir dessa discussão inicial, a professora

apresentou situações em que as crianças são

levadas a exercer atividades perigosas, que

prejudicam não somente os estudos como

também colocam em risco a própria vida. Para

isso, tomou o livro intitulado Serafina e a criança

que trabalha (AZEVEDO; HUZAK; PORTO,

1999), conversando sobre as várias situações

que envolvem o trabalho infantil apresentadas

nesse livro (Foto 79).

Foto 79 - Livro Serafina e a criança que trabalha (AZEVEDO; HUZAK; PORTO, 1999)

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282

Dentre os diversos exemplos apresentados, alguns chamaram mais a atenção das

crianças, como a situação do carvoeiro, a do sisal, do canavial, da criança que

pulverizava a plantação. Esses exemplos provocaram reações de espanto e

indignação nas crianças, como podemos observar na interação que se segue:

Prof. 2: criança trabalhando né?... olha só... nessa gravura aqui oh:: ((mostrando a foto da página seguinte)) o que que tá acontecendo aqui?

Gil: tá tirando cana

Prof. 2: olha... criança tirando

C: cana ((em coro))

Gil: nossa... que perigo

Prof. 2: isso mesmo... é um trabalho muito perigoso... não é para criança (Evento 27, 17-8-2005).

Nesse mesmo dia, as crianças assistiram, ainda, a um vídeo do programa Alô –

vídeo escola da TV Futura, que apresenta uma série de histórias de crianças que

trabalham e sofrem maus-tratos. No dia 24-8-2005 (evento 29), a professora voltou a

discutir essa temática levando para a sala de aula a música intitulada Criança não

trabalha, de Paulo TATIT e Arnaldo ANTUNES, que foi lida e cantada pelas crianças

e pela professora, suscitando outras possibilidades de interação com o texto, como a

produção de imagens ilustrativas, de poema e a apresentação de uma dança como

culminância do projeto institucional sobre os direitos das crianças.

O diálogo com esses diferentes textos contribuiu para o desenvolvimento de várias

atividades nas quais as crianças foram motivadas a dizerem/expressarem idéias,

opiniões, sentimentos acerca da problemática do trabalho infantil por meio do

desenho e da linguagem escrita. Na tentativa de ilustrar como as crianças se

posicionaram em situações de produção escrita suscitadas a partir das questões que

envolvem essa problemática, tomaremos para análise o evento 32 (31-8-2005, p.

214-219, diário de campo), que foi registrado em nosso corpus de pesquisa por meio

de transcrição das interações captadas em equipamento de audiovisual e fotos dos

textos produzidos.

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Antes de iniciar as atividades do dia, a professora retomou a história do processo

vivido a partir da temática em questão, convidando as crianças a observarem outras

imagens de crianças trabalhando. Essas imagens foram trazidas pelas crianças e pela

professora e reproduzidas para o trabalho em sala de aula. Depois de ouvir as opiniões

das crianças, a professora apresentou a proposta de produção que consistiu em:

Prof. 2: ( ) nós vamos pegar essas gravuras que os coleguinhas trouxeram mais algumas gravuras que eu consegui pra vocês / umas cópias umas xérox... e nós vamos fazer uma atividade... como?... nós vamos sentar em grupos tá?... grupo de quatro tá?... e nós vamos olhar algumas gravuras e vamos tentar escrever... os coleguinhas que conseguem escrever... passar pro papel o que vocês estão observando... o que vocês estão pensando sobre a cena e... e essas frases que vocês escreverem nós vamos montar um cartaz coletivamente depois aqui na roda tá?... pra gente colocar lá embaixo tá?... pra outras pessoas da escola saberem o que vocês pensam sobre isso (Evento 27, 17-8-2005).

A princípio, as crianças demonstraram não ter compreendido a proposta da

professora, pois logo perguntaram “como assim... tia?” (MARC, Evento 27, 17-8-

2005), “tia... é pra escrever o quê?” (GIL, Evento 27, 17-8-2005). A professora tentou

explicar novamente, contudo, diante do burburinho que se formou na sala de aula,

optou por organizar os grupos de trabalho, solicitando que as crianças observassem

e conversassem sobre as imagens. Em seguida, retomou as orientações:

Prof. 2: o que que vai acontecer agora?... já que vocês observaram a gravura que tá no grupo de vocês... já falaram o que vocês viram nessa folhinha para os outros grupos saberem o que vocês viram... vocês agora... vão pegar uma tirinha de papel... o grupo tá?... dessa aqui oh ((mostra para as crianças))... tá vendo?... uma pra cada grupo... e... e... um coleguinha do grupo... mas todo mundo vai pensar junto tá? ... e um coleguinha que vocês vão escolher do grupo vai escrever o que que voCÊS do grupo estão pensando dessa cena que estão vendo aí

Marc: ah... escrever o que que a gente tá vendo aí?

Prof. 2: por exemplo... vamos supor que aqui nesse grupo é o Raf que vai escrever... é uma suposição tá?... não tô dizendo que vai ser ele... aí voces quatro juntos... vão pensar o que que vocês observaram nas cenas e vão passar pro papel aqui tá?... alguém do grupo vai escrever... vocês vão escolher quem consegue escrever tá?... então uma pessoa do grupo escreve mais todo mundo do grupo vai pensar junto... o que vocês observaram na cena que voces pegaram ( ) tá? (Evento 27, 17-8-2005).

Nessa proposta, então, foram instauradas condições em que as crianças tinham o

que dizer: o que estavam observando e pensando sobre o trabalho infantil retratado

nas imagens; para quê: para exporem num cartaz; para quem: para interlocutores

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284

que circulam no espaço escolar; como: discutindo no grupo e registrando as idéias

por escrito a partir do trabalho de um escriba escolhido no próprio grupo. Com a

intenção de captar os movimentos dos sujeitos durante o processo de produção do

texto, focalizamos a filmadora em um dos grupos de trabalho. Esse grupo era

composto por quatro meninos (Gil, Joa, Igo e Kai) e o processo de produção textual

teve início a partir da intervenção da professora:

Prof. 2: ((se aproxima para orientar o grupo)) vocês vão pensar primeiro... o coleguinha vai ter uma idéia... o outro vai dar uma idéia... aí vocês vão trocando idéias... até pensar no que vai escrever... ((espalha as folhas com as gravuras sobre a mesa)) ( ) vocês vão conversar primeiro depois colocar aqui no papel tá?

Kai: eh:: um homem com ( ) ((observando uma das imagens))

Igo: dois homens

Joa: a menina tá batendo o martelo

Kai: ( ) trabalhando com lajota ( )

Gil: que lajota?

Kai/Joa: ((sorrindo))

Gil: eh:: criança trabalhan::do no lixo

Joa: criança trabalhando sobre... o martelo

Kai: não ((balançando o dedo negativamente))

Gil: como?... como... Kai?

Joa: tia... tia ((vai chamar a professora))

Prof. 2: o que que vocês estão pensando?

Gil: a menina tá trabalhando

Prof. 2: eu sei que a menina tá trabalhando... mas o que que vocês pensam sobre isso?

Igo: a menina martelando

Prof. 2: eu sei que a menina tá martelando... todo mundo vai ver a gravura e vendo que a menina tá trabalhando

Joa: ah:: a menina construindo casa

Prof. 2: o que que vocês acham disso?

Gil: é perigoso

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Prof. 2: você acha perigoso?... e você... Kai?

Kai: eh::: a menina vai bater o martelo no dedo

Prof. 2: você acha que a menina pode bater o martelo no dedo?

Kai: ((afirma com a cabeça))

Prof. 2: e você Igo?

Igo: ((silencia))

Joa: o menino ( ) pode cortar o dedo com isso daqui ((mostrando a outra imagem))

Prof. 2: é isso que eu quero que vocês façam... que vocês pensem o que vocês acham disso aqui... se é certo... se é errado... o que vocês acham que poderia fazer com a criança que está aí trabalhando? ( )

Gil: ( ) eh:: criança não pode trabalhar porque é muito perigoso ((olhando para a professora))

Joa: é ((se prepara para escrever))

Prof. 2: é um pensamento legal?... vocês concordam?

Kai: ((afirma que sim balançando a cabeça))

Igo: eu gostei da idéia do Gil

Prof. 2: eu também acho que é um pensamento legal

Joa: ((começa a escrever))

Podemos observar que, quando iniciaram a interação com as imagens, as crianças

passaram por um processo de reconhecimento do texto visual. A mediação da

professora, insistindo que expusessem as suas opiniões sobre o que estavam

observando (mas o que que vocês pensam sobre isso? o que vocês acham que

poderia fazer com a criança que está aí trabalhando?), instaurou outras

possiblidades de interação com o texto. Ao responderem às perguntas da

professora, as crianças se posicionaram dizendo: é perigoso (Gil); éh::: a menina vai

bater o martelo no dedo (Kai); o menino pode cortar o dedo com isso daqui (Joa), o

que suscitou um movimento de negociação do dizer por meio da escrita com a

sugestão apresentada por Gil: criança não pode trabalhar porque é muito perigoso.

A partir dessa opinião, que foi acolhida pelo grupo e autorizada pela professora (eu

também acho que é um pensamento legal), as crianças deram início ao trabalho de

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286

escritura buscando acrescentar outras idéias ao texto. Essas idéias também foram

apresentadas por Gil: “agora eu vou falar a outra idéia... ahn:: olha o que eu queria

falar... em vez de criança trabalhar ela devia brincar” que, ao final da escritura dessa

parte do texto ainda acrescentou: “e se divertir na escola” (Evento 27, 17-8-2005). As

sugestões de Gil foram acordadas no grupo e, em seguida, escritas por Joa, com a

ajuda dos colegas. O resultado desse trabalho pode ser observado na Foto 80:

Considerando a natureza argumentativa do texto de opinião, tentaremos evidenciar

as suas marcas lingüísticas, buscando analisar os efeitos de sentidos gerados pela

diversidade de vozes que se presentificou nesse enunciado. Podemos observar que

o posicionamento das crianças não foi marcado no texto por recursos prenominais,

mas por argumentos mais genéricos que produziram um efeito discursivo

distanciado, sem a instauração de elementos que configurassem, de forma direta, a

responsabilidade enunciativa. Nesse caso, as crianças se colocaram a partir das

vozes de um auditório social comum que foi introduzido nesse enunciado por meio

das discussões apresentadas pela professora e pelos diferentes textos tomados

como condição desencadeadora do dizer.

A partir das contribuições apresentadas por Koch (2004b, 2004c), podemos afirmar

que, no primeiro enunciado (CRIANÇA NÃO PODE TRABALHAR), está subtendido

um conteúdo – há crianças que trabalham – que é compartilhado por locutores e

Foto 80 - Texto produzido por Gil, Joa, Igo e Kai (31-8-2005): CRIANÇA NÃO PODE TRABALHAR PORQUE É MUITO PERIGOSO EM VEZ DE TRABALHAR TEM QUE BRINCAR E SE DIVERTIR NA ESCOLA

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287

interlocutores desse texto que, nesse sentido, se reveste de outras vozes, vozes

com as quais os locutores se identificam: eles também concordam que criança não

pode trabalhar. Essa identificação pode ser constatada com a introdução de

argumentos que são encadeados com operadores argumentativos (PORQUE,

INVÉS, E) que se orientam para uma mesma direção: CRIANÇA TEM QUE

BRINCAR. O último argumento (E SE DIVERTIR NA ESCOLA), que foi adicionado

por Gil ao final do trabalho de escritura, pode ser compreendido como um elemento

que fortalece a direção argumentativa, no sentido de firmar que, inclusive/até

mesmo/também na escola a criança tem que brincar. Com esse argumento, Gil pode

estar se posicionando a partir das experiências que vivenciava no centro de

educação infantil assumindo um ponto de vista contrário aos discursos hegemônicos

veiculados em nossa sociedade, ou seja, que lugar de criança é na escola

estudando, cumprindo o seu papel de aluno.

A idéia que circula em nosso meio social de que, ao invés de trabalhar, a criança

tem que estudar, foi evidenciada em outras situações de produção textual que

tomaram como ponto de partida os direitos das crianças. Uma dessas situações, que

também foi motivada por meio da observação de imagens de crianças trabalhando,

foi observada no dia 14-9-2005 (evento 35, p. 230-240, diário de campo) e consistiu

em uma produção na qual as crianças deveriam discutir (em duplas) e expor, por

meio da linguagem escrita, suas opiniões acerca do que pensavam sobre a situação

apresentada na imagem para ser apresentada para os colegas e para a professora.

Foram registradas dezoito produções em nosso corpus de pesquisa.

O trabalho que se segue (Foto 81) ilustra os argumentos apresentados por grande

parte das crianças e evidencia, em sua dimensão lingüístico-discursiva, estratégias

de dizer interessantes para as crianças nessa fase da alfabetização. Foi produzido

por Mon, uma criança que já havia se apropriado do caráter alfabético da escrita e

que, nesse período de nossa observação participante em sala de aula, já

materializava suas idéias e opiniões pela linguagem escrita com bastante autonomia.

Observemos o que Mon disse em seu texto, quais recursos lingüísticos selecionou e

como os articulou para concretizar o seu dizer.

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Mon inicia o texto com a forma prenominal EU implicando-se de forma direta com o

enunciado: EU ACHO QUE ELA ESTÁ TRABALHANDO NO SISAL e assumindo o

seu posicionamento em frente a essa situação: EU NÃO GOSTO DE VER CRIANÇA

TRABALHAR. Em seguida, justifica a sua opinião usando o operador explicativo

PORQUE, para argumentar que ELES TEM QUE ESTUDAR. Com esse argumento,

Mon revestiu seu discurso de outras vozes enunciativas, baseando-se em valores

aceitos socialmente, falando a partir do outro e para o outro que, nesse contexto, era

a professora – a interlocutora imediata do texto e que, em tais circunstâncias, pode

ter influenciado o seu dizer.

Podemos ainda compreender que Mon não está, nesse enunciado, referindo-se a

todas as crianças. Ela situa que são ELES, ou seja, aqueles meninos e meninas

pobres, que estão trabalhando e não têm o direito à educação garantido. Nesse

sentido, aproxima-se do discurso dominante que situa o lugar da criança pobre em

Foto 81 - Texto produzido por Mon (14-9-2005)

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nossa sociedade. Criança não pode trabalhar, mas, como também não pode ficar na

rua, tem que se ocupar com uma atividade que lhe é determinada socialmente: a

atividade escolar. O efeito de polifonia é marcado, então, por um indicador modal

que está implícito (ELES DEVEM ESTUDAR) que, nesse caso, produziu um

conteúdo que não é de responsabilidade exclusiva do locutor, mas de outras vozes

que se entrecruzaram nesse enunciado.

5.2.3 O direito à moradia

Esse tema também foi abordado em sala de aula pela Professora 2, a partir do

projeto institucional sobre os direitos das crianças. Como condição desencadeadora

do dizer, a professora tomou o poema Sem casa, da escritora Roseana Murray. A

exploração do texto foi planejada a partir de uma proposta didática discutida no

Curso de Extensão Alfabetização e Letramento (UFES/PPGE), em que a Professora

2 estava participando nessa fase de nossa pesquisa. O processo de leitura e de

produção dos textos foi registrado em nosso corpus de pesquisa por meio de

anotações em diário de campo (evento 51, 23-11-2005, p. 319-329), de transcrição

das interações captadas em equipamento de audiovisual e de fotos dos textos

produzidos pelas crianças. Passemos à descrição do evento.

Após a rotina inicial, a professora convidou as crianças para conversarem sobre um

tema que estavam estudando: os direitos das crianças. Pediu que lembrassem quais

direitos haviam discutido em aula e elas foram tecendo comentários sobre o direito

de brincar, de estudar, que criança não deve trabalhar, que precisamos respeitar as

diferenças. A professora explicou que as pessoas também têm outros direitos que

precisam ser respeitados, como o direito a ter uma família, ter alimentação, uma

casa para morar. Nessa interação, ela foi ouvindo os exemplos das crianças e

problematizando as situações abordadas, trazendo para a roda de conversa as

experiências e opiniões das crianças acerca das questões suscitadas:

Gab: eu vi um pobre comendo lixo com a mão

Ron: eu acho que ele tava com fome

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Gab: eu acho que ele pediu alguém e não deu

Marc: ele cata comida do lixo ( ) ele cata comida do lixo pra comida... porque quando ele fica catando a comida do lixo... quando a pessoa sobra

Mat: tem um homem lá em casa / perto de casa... ele mora lá na rua assim onde eu moro... sempre quando ele vai descer... fica ali pegando lixo... botando as coisas nos lixo

Joa: porque ele não tem nada e fica pegando lixo

Gab: porque eles são pobres

Kai: eu vi... quando eu tava indo lá no Carrefour... eu vi um homem dormindo lá na rua

Ped: quando eu e meu pai fomos lá / lá comprar pão... a gente viu um homem dormindo eh:::: perto do:: eh:::: onde compra pão

Mat: segunda-feira quando não tinha aula... aí... eu fui pra praia com meu pai e meu irmão... aí... quando eu fui almoçar no restaurante... aí... tinha um cara no orelhão assim... dormindo... tinha um cara do prédio que deu uma cachaça a ele... aí de tanto ele fica bêbado... ele acabou dormindo na rua... ele não sabia onde era a casa dele nem sabia onde que era lugar nenhum ( ) ele dormiu na rua

Joa: porque não tem dinheiro

Kai: não tem nem casa (Evento 51, 23-11-2005).

A partir das situações apresentadas pelas crianças na roda de conversa, a

professora explicitou que, naquele dia, iriam conhecer uma poesia que falava sobre

o direito à moradia. Convidou as crianças para sentarem nas carteiras que estavam

organizadas em duplas e se dirigiu ao quadro para dar início à segunda etapa do

trabalho: a exploração inicial do texto. Começou pelo título, perguntando para as

crianças sobre o que poderia falar aquela poesia. As opiniões das crianças giraram

em torno de pessoas que não têm casa, que não têm onde morar, que fogem de

casa e ficam perdidas, de pessoas que são pobres.

Em seguida, a professora discorreu sobre a vida da autora: onde morava, o que

gostava de fazer, por que gostava de escrever poesias para crianças. Apresentou o

livro (capa e página na qual foi escrita a poesia) explicando que a autora tinha outros

livros, mas que naquele só havia poesias sobre casas. As crianças, nesse momento,

ouviram a professora silenciosamente, evidenciando seu interesse pela vida dos

autores e confirmando que essa dimensão do trabalho com textos se constitui em

um aspecto fundamental no processo de alfabetização, uma vez que amplia as

possibilidades de interação.

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291

Dando continuidade ao trabalho, a professora apresentou o cartaz com o poema

(Foto 82), procedendo à leitura oral e fazendo perguntas que provocaram a

participação das crianças no reconhecimento dos sentidos do texto, como podemos

observar no recorte da interação que se segue:

Prof. 2: olha só gente... ela disse que “tem gente que NÃO tem casa... mora ao LÉU... debaixo da ponte”... vocês concordam com ela?

C: sim... sim... concordam

Prof. 2: por que concordam?... quem quer falar?

Joa: porque ela viu ( )

Prof. 2: você acha que ela falou isso porque ela viu?... ela viu alguém dormindo debaixo da ponte?

Joa: ahn... ahn

Prof. 2: ela disse aqui também na poesia dela que “tem gente que mora ao léu debaixo da ponte no céu a lua espia esse MONte de gente na rua como se fosse paPEL”... por que que ela falou esse pedaço assim?

Mon: porque ela viu as pessoas todas jogadas no meio da rua igual papel

Ped: tia... eh:::: ela viu uma criança eh:::: jogada na rua... sem pai sem mãe Iur: ( ) tem criança que não tem pai nem mãe aí... aí... então como que nasceu? Ped: ele... ele... nasceu de uma família... aí... quando ele foi h:::: fazer alguma coisa... quando a mãe falou não sai ele saiu e se perdeu agora ele não sabe onde é que ele tá?

Prof. 2: ahn... você acha que muitas pessoas moram na rua porque eles saem de casa?

Cris: também... a mãe e o pai poderia até ter morrido... aí... ele perdeu a família

Ron: eh:::: eu já vi criança no meio da rua... éh:::: a mãe pediu pra não sair de casa... aí ele foi lá saiu de casa e se perdeu

[...]

Prof. 2: vou fazer uma pergunta... quem é que vocês acham que tem que cuidar / que tem que garantir pra que as pessoas tenham casa pra morar e não fiquem na rua? ((as crianças levantam a mão))... fala... Ped

Foto 82 - Cartaz com o poema Sem casa

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292

Ped: eh:::: os pais

Marc: os pais... que eles trabalham

Prof. 2: mas vocês não acham que tem pessoas no nosso país que são responsáveis para cuidar também?

Marc: tem

Prof. 2: quem?

Marc: o João Coser ele disse que ia cuidar das pessoas pobres... ele não tá cuidando... ele tem que dá dinheiro

Prof. 2: cê acha que os governantes do nosso país eles tem que cumprir que / garantir que as pessoas tenham casa pra morar?

Marc: ahn ahn... João Coser ele deu na televisão... ele falou que ia dar casa pros pobre ele não fez isso

Prof. 2: pois é:::: gente olha só... se os nossos governantes ( ) fizessem um projeto garantindo que todas as pessoas tivessem casa pra morar... vocês acham que eles conseguiriam?... nosso país é pobre ou rico?

Marc: rico e pobre

Ped: MEnos rico e MAis pobre

Prof. 2: nosso país é rico... não é?... a gente exporta a gente vende monte de coisas pra outros países... eles poderiam garantir... não é?

Marc: poderia... tia... tia... você concorda que tem que dá dinheiro pras pessoas?

C: SIM... NÃO... NÃO

Prof. 2: gente... olha só... Marc perguntou pra mim se eu concordo que tem que dar dinheiro para as pessoas... eu acho... Marc... que o direito que o governo né / que tem campanha que tem política aí direto... deveria garantir que todas as pessoas deveriam ter casa pra morar... deveriam ter emprego né?... pra elas mesmo poder ter o próprio dinheiro delas o próprio sustento delas e poder viver como cidadãs dignas né?... ter uma casa... também tem pessoas que gostam de ajudar o outro... dá dinheiro... mas isso não é o suficiente (Evento 51, 23-11-2005).

Com essa fala, a professora encerrou a interação oral na busca da compreensão

dos sentidos do texto. Nesse processo, ela procurou encaminhar a discussão para a

questão política e social que envolve a problemática da moradia. Contudo, conforme

foi possível observar, as crianças centralizavam seus argumentos em situações mais

imediatas, deixando por entrever, em suas opiniões, as vozes dos adultos com quem

conviviam em seu ambiente familiar. Em alguns momentos, também foi possível

notar que a professora deixou de ampliar o diálogo com o texto a partir de questões

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suscitadas pelas crianças como: por quê, na opinião de Ped, nosso país é menos

rico e mais pobre, ou, ainda, por que alguns concordam ou não concordam em dar

dinheiro para as pessoas. Essa interação inicial com o texto repercurtiu no dizer das

crianças, conforme resultados que evidenciaremos mais adiante.

Em seguida, a professora passou a explorar a dimensão composicional do texto e

alguns aspectos que envolvem o sistema lingüístico, como a sua estrutura em forma

de versos, a quantidade e o tamanho desses versos, se rimavam ou não, a

organização das palavras no texto, destacando os espaços entre elas, a

identificação de algumas palavras que se repetiram várias vezes nos versos. Esses

aspectos foram enfatizados no texto reproduzido em cartaz e acompanhados pelas

crianças em cópias que foram entregues pela professora. Nessas cópias, estava

explicitada a proposta de produção textual que, tomando como eixo central o tema

tratado no poema, abria outras possibilidades de interação a partir do discurso

argumentativo escrito. Essa proposta foi explicada pela professora da seguinte forma:

Prof. 2: vocês já falaram um MON::te de coisas legais ((repetindo o que disseram))... a Roseana Murray também falou... então... ela acha que as pessoas TÊM que ter onde morar... agora... eu quero saber POR QUE que vocês acham... o QUE que CAda um de vocês acham que MUitas pessoas NÃO têm onde morar?... mas vocês não vão falar não... vocês vão escrever pra mim tá?... vocês vão ter que escrever pra mim POR QUE que vocês acham que as pessoas não têm onde morar... vocês falaram um monte de coisas legais não falaram?... agora vocês vão escrever pra mim... tá bom?... aqui embaixo oh ((se referindo à questão na folha de atividade))... tá perguntando assim... “por que você acha que muitas pessoas não têm casa pra morar?” “não tem onde morar”? ((lê a pergunta acompanhada pelas crianças))... agora vocês vão escrever porque tá?... pode começar (Evento 51, 23-11-2005).

As reações das crianças, diante da proposta de escrita apresentada pela professora,

foram diversas: algumas iniciaram o trabalho de escritura em silêncio, outras se

movimentaram pela sala em busca de material e da ajuda dos colegas. Havia

também um grupo de crianças que ficou aguardando a colaboração da professora

que, durante todo o processo de produção dos textos, foi passando de carteira em

carteira a fim de ajudar no trabalho de escritura. Ao final da atividade, a professora

convidou as crianças a se organizarem na roda de conversa sugerindo que lessem

para os colegas e para ela as suas opiniões sobre a questão levantada: Por que

você acha que muitas pessoas não têm onde morar? As crianças, a partir da

mediação da professora, foram apresentando as suas respostas, comparando-as

com as dos colegas, explicando por que pensavam deste ou daquele modo. Em

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alguns casos, quando as crianças não conseguiram recorrer ao escrito para lembrar,

a professora colaborou na leitura do texto ou propôs perguntas para que elas se

posicionassem oralmente.

Analisando as 20 produções textuais registradas em nosso corpus de pesquisa,

podemos notar que as razões apresentadas pelas crianças para justificar o problema

da falta de moradia estavam revestidas de sentidos que foram constituídos nas

relações interpessoais que se estabeleceram no momento da interação com o

poema que foi tomado para incentivar o trabalho de escritura. Os textos que se

seguem (Fotos 83, 84, 85 e 86) foram tomados para exemplificar o que as crianças

disseram e como articularam o dizer por meio do discurso argumentativo:

Foto 83 - Texto de Gab (23-11-2005): PORQUE FICAM BÊBADOS E PORQUE A MÃE MORRE A FAMÍLIA MORRE E FICA POBRE

Foto 85 - Texto de Kai (23-11-2005): PORQUE ELES NÃO TEM DINHEIRO PARA COMPRAR UMA CASA E PARA COMPRAR COMIDA

Foto 84 - Texto de Mon (23-11-2005): PORQUE ELES OU ELAS SÃO POBRES E TAMBÉM NÃO TÊM CASA E TAMBÉM NÃO TÊM ROUPA TAMBÉM NÃO TÊM COMIDA NÃO TÊM PÃO E TAMBÉM NÃO TÊM FRUTAS

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295

A partir desses exemplos, podemos perceber que as razões apontadas pelas

crianças para justificar o problema da falta de moradia estavam circunscritas a

problemas sociais que fazem parte do seu universo interdiscursivo: porque falta

dinheiro, porque são pobres, porque saem de casa e se perdem, porque ficam

bêbados, porque os pais morrem. Nesse sentido, sem a pretensão de fazer uma

análise aprofundada, tentaremos buscar, nos enunciados das crianças, as marcas

do discurso social, ou seja, das vozes que deixaram por entrever o espaço do outro

na constituição de sentidos dos textos a partir de alguns aspectos que indicaram a

direção argumentativa.

Tomando os mecanismos propostos por Ducrot e apresentados por Koch (2004c),

observamos que determinados tipos de operadores argumentativos foram

recorrentes nos textos das crianças. Dentre eles, temos a presença do operador

PORQUE que introduziu as justificativas das crianças e dos operadores E e

TAMBÉM que somaram argumentos a favor de uma mesma direção, de um mesmo

sentido. Uma evidência bem marcante desse tipo de marcador pode ser observada

no texto de Mon: PORQUE ELES OU ELAS SÃO POBRES E TAMBÉM NÃO TÊM

CASA E TAMBÉM NÃO TÊM ROUPA TAMBÉM NÃO TÊM COMIDA NÃO TÊM PÃO

E TAMBÉM NÃO TÊM FRUTAS. O operador MAS, que, de acordo com Koch, é o

operador argumentativo por excelência, foi tomado por Gil. Em seu enunciado, o

MAS produziu um efeito de suspense, contrapondo-se ao argumento central que foi

orientado para uma conclusão contrária: PORQUE A MÃE DIZ PARA NÃO SAIR

MAS ELE SAI E ELE SE PERDE E NÃO SABE ONDE MORA E SE PERDE.

Outra marca lingüística que produziu efeitos de sentidos no texto, deixando por

entrever a presença de outras vozes, pode ser notada no texto de Gab: o verbo

FICAR que, nesse caso, indicou mudança de estado. Essa marca é reconhecida

Foto 86 - Texto de Gil (23-11-2005): PORQUE A MÃE DIZ PARA NÃO SAIR MAS ELE SAI E ELE SE PERDE E NÃO SABE ONDE MORA E SE PERDE

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296

como marcador de pressuposição, ou seja, um indicativo de conteúdo que está

pressuposto no texto. Assim, ao argumentar que as pessoas não têm onde morar,

PORQUE FICAM BÊBADOS E PORQUE A MÃE MORRE A FAMÍLIA MORRE E FICA

POBRE, Gab estaria dizendo que, se não bebessem, se a família estivesse viva, eles

teriam onde morar. Assim, como nos diz Barros (2003, p. 3-4, grifos da autora),

[...] o sujeito deixa de ser o centro da interlocução que passa a estar não mais no eu nem no tu, mas no espaço criado entre ambos, ou seja o texto [...] tecido polifonicamente por fios dialógicos de vozes que polemizam entre si, se completam ou respondem umas às outras.

Podemos compreender, então, que as crianças incorporaram às suas vozes outras

vozes que estão apoiadas em valores, opiniões e regras estabelecidas socialmente.

Ao incorporarem essas vozes, elas se afastaram do discurso, atribuindo ao outro as

ações, razões e responsabilidades enunciativas: ELES E ELAS SÃO POBRES,

ELES NÃO TÊM DINHEIRO, A MÃE DIZ, A FAMÍLIA MORRE. Nesse sentido, o

trabalho do sujeito é um processo de recriação, não apenas das palavras da língua,

mas, fundamentalmente, das palavras do outro. Segundo Bakhtin (2003, p. 294-295):

[...] nosso discurso [...] é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos.

É nesse sentido que podemos reafirmar que “[...] o sujeito perde o papel de centro e

é substituído por diferentes (ainda que duas) vozes sociais, que fazem dele um

sujeito histórico e ideológico” (BARROS, 2003, p. 3) evidenciando, desse modo, o

papel do outro na constituição de sentidos do texto e que toda palavra, a despeito

das constantes afirmações de Bakhtin, traz consigo a voz do outro e, portanto, é

social por natureza.

5.2.4 A história Chapeuzinho Laranja

Conforme situamos na caracterização da instituição, durante todo o ano letivo, foram

expostos, na escola, em forma de rodízio, os resultados dos trabalhos com a literatura

infantil, que eram desenvolvidos pelas crianças e pelas professoras nas salas de aula.

Esse evento, observado em 2-9-2005 e registrado em nossos arquivos por meio de

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297

anotações em diário de campo (p. 220-227), gravações em equipamento de

audiovisual e fotos dos trabalhos produzidos, foi decorrente desse movimento

institucional. O convite para visitar a exposição dos trabalhos realizados pelo Grupo IV

se fazia presente de diferentes modos e em vários espaços chamando a atenção das

crianças desde a entrada da escola, como pode ser observado nas Fotos 87 e 88.

Na turma pesquisada, a motivação para visitar a exposição de trabalhos do Grupo IV

também foi instaurada por meio da visita da professora e das crianças de uma

dessas turmas com a entrega de convite (Foto 89) que dizia: O GRUPO IV – A e B

CONVIDA PARA VISITAR O NOSSO BOSQUE E OUVIR E LER A HISTÓRIA DA

CHAPEUZINHO LARANJA.

Foto 88 - Exposição de trabalhos do Grupo IV Foto 87 - Corredor de entrada da escola

Foto 89 - Convite do Grupo IV

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298

Aceitando o convite para visitar a exposição de trabalhos, a Professora 2 organizou

a turma fazendo acordos de como deveriam se comportar durante a visitação, o que

deveriam observar, que histórias poderiam conhecer. Depois de observarem os

trabalhos, a professora chamou a atenção

das crianças para uma das histórias que

estavam expostas, perguntando se

gostariam de saber o que as crianças do

Grupo IV contaram nela, o que logo foi aceito

pela turma. Tratava-se da história intitulada

Chapeuzinho Laranja, que foi escrita e

ilustrada em cartazes bastante atrativos que

estavam afixados no local da exposição

(conforme Foto 90). Essa história consistia

em um novo conto pós-final feliz, em que as

crianças brincavam com as personagens das

histórias conhecidas, recriando-as de forma

divertida.

Após a leitura do texto e de uma conversa acerca do que dizia a história, o que

aconteceu com as personagens, por que a Chapeuzinho Vermelho virou

Chapeuzinho Laranja, como foi o final, se as crianças haviam gostado e por quê, a

professora motivou as crianças a pensarem em como poderiam dizer para os

autores suas opiniões sobre a história:

Prof. 2: gente... oh:: vocês gostaram da história né?... eu também achei tão legal essa história tão boni::ta... como que o grupo quatro fez uma história diferente né?... fez uns desenhos lindos uns cartazes diferentes... eu fiquei pensando... será que o grupo quatro gostaria de saber se vocês gostaram da história deles?

C: gostariam ((em coro))

Prof. 2: o que que vocês acham se nós falássemos pro Grupo quatro... para os dois Grupo quatro... o que nós achamos da história deles?

C: legal... legal

Prof. 2: vocês acham legal?

Gil: mas não dá para todo mundo falar... tem que escolher uma

Foto 90 - Parte da história Chapeuzinho Laranja

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Prof. 2: você acha que só uma pessoa que tem que falar?

Gil: ((balança a cabeça afirmativamente))

Prof. 2: mas... Gil e será que todo mundo não quer falar também o que achou?... o que que vocês acharam?... por exemplo... levanta a mão quem quer falar alguma coisa?

C: ((se manifestam levantando a mão))

Prof. 2: Ped... o que que você achou?

Ped: legal

Prof. 2: você achou legal essa história?... Vic

Vic: os desenhos

Prof. 2: você achou bonito os desenhos? ... Lai

Lai: eu adorei porque tá lindo

Prof. 2: tá lindo... não tá?... Nat

Nat: eu adorei porque tá bem bonito

Prof. 2: tá bonito... Mat

Mat: eu também porque tá bem bonito

Cris: eu achei lindo... eles sabem desenhar bem mais do que a gente

Prof. 2: ah:: não... os desenhos de vocês também são lindos tá... Jon

Jon: eu achei charmoso

Prof. 2: você achou charmoso?... o príncipe ou a chapeuzinho laranja?

Jon: os dois

Prof. 2: os dois... fala... Ron

Ron: eu achei os dois muito lindos

Vic: faz um cartaz pra eles... tia

Prof. 2: ahn... um cartaz pra eles?

Ped: tia... tia... e cartãozinho pra eles também

Prof. 2: cartõezinhos?... cartõezinhos com o quê?

Ped: eh:: falando da história

Prof. 2: falando o que a gente achou... o que a gente gostou?

Ped: é... é

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300

C: ((falam ao mesmo tempo))

Prof. 2: eh:: eu gostei da idéia de vocês de nós fazermos uns cartõezinhos dizendo pra eles o que nós achamos... o que vocês acham?

C: legal... legal ((conversam entre si))

Nat: a gente pode desenhar?

Prof. 2: podemos também... então... vamos subir de dois em dois

((câmera off - na sala de aula a professora retoma a proposta de trabalho))

Prof. 2: na hora que a gente for falar a nossa opinião nós podemos falar POR QUE achou legal... POR QUE que a gente achou bonito... POR QUE que nós achamos lindo né?... se a gente colocar só legal... eles vão entender muito?

C: NÃ::o

Prof. 2: não... né?... tem que falar que ficou legal porque:::: ... né?... então olha só... primeira coisa... ((toma uma folha de papel cenário)) nós vamos fazer um cartaz ( ) pra levar pra eles verem que nós gostamos... só que nós podemos escrever o que aqui pra eles? ((referindo-se ao título do cartaz)) (Evento 33, 2-9-2005).

Considerando as contribuições de Schneuwly (2004), podemos observar que, nessa

situação de produção textual, foi instaurada uma base de orientação para a ação

discursiva. Havia uma finalidade discursiva, interlocutores explícitos e um conteúdo a

dizer: expor para as crianças do Grupo IV suas opiniões sobre a história que haviam

produzido. A partir dessas condições fundamentais, foi negociada a escolha da

forma de dizer, ou seja, as crianças iriam expor as suas opiniões em cartões que

seriam afixados em um cartaz, que, nesse contexto, configuraram-se em suportes

para os textos de opinião.

Logo que decidiram qual título ficaria melhor para o cartaz (O QUE ACHAMOS DA

HISTÓRIA CHAPEUZINHO LARANJA), a professora propôs que iniciassem o

trabalho de escritura lembrando mais uma vez que deveriam escrever a opinião

sobre a história explicando o porquê e que, em seguida, poderiam enfeitar os

cartões com desenhos. As crianças iniciaram a produção textual pronunciando em

voz alta os sons das letras, interagindo entre si em busca de informações para

efetuarem os registros, solicitando a cooperação da professora que buscou atender

às demandas da produção escrita orientando as crianças individualmente. Ao final

do trabalho, as crianças colaram os cartões no cartaz (Foto 91) que foi entregue

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301

pessoalmente para a turma do Grupo IV do turno vespertino. No momento da

entrega, a Professora 2 explicou por que e como haviam produzido o cartaz e

algumas crianças leram seus textos para os colegas e para a professora do Grupo

IV que agradeceu dizendo que iria colocá-lo no local da exposição para que as

outras pessoas da escola também pudessem ler a opinião deles.

Para ilustrar como as crianças se posicionaram nessa situação de trabalho com a

linguagem escrita, selecionamos alguns dos trabalhos mais expressivos

considerando a proposta apresentada pela professora, conforme registros

fotográficos de números 92, 93, 94 e 95.

Foto 91 - Cartaz com as opinões das crianças sobre a história Chapeuzinho Laranja

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302

Tomando para análise as estratégias de dizer utilizadas pelas crianças, observamos

que os posicionamentos pessoais foram marcados por meio do recurso prenominal EU,

seguido de verbos que indicaram a orientação argumentativa: ACHEI, ADOREI. As

justificativas foram delineadas por meio do organizador PORQUE, introduzido a partir

das orientações da professora, com exceção do texto de Gil, no qual o uso do porquê

está subtendido. Dentre as razões apresentadas nesses textos ilustrativos, podemos

notar que foram evidenciados aspectos relacionados com o conteúdo e a forma como

foi produzida a história Chapeuzinho Laranja, uma vez que a linguagem visual

contribuiu na constituição de sentidos do texto, chamando a atenção das crianças.

Outro dado interessante nesses textos de opinião diz respeito ao modo de implicar

os interlocutores: VOCÊS CAPRICHARAM NO DESENHO; VOCÊS DESENHARAM

Foto 92 - Texto de Joa (2-9-2005): EU ACHEI MUITO BONITA PORQUE O CAÇADOR VIROU PRÍNCIPE

Foto 93 - Texto de Pat (2-9-2005): EU ACHEI LEGAL PORQUE A CHAPEUZINHO LARANJA CASOU

Foto 95 - Texto de Gil (2-9-2005): EU ADOREI A SUA HISTÓRIA DA CHAPEUZINHO LARANJA VOCÊS DESENHARAM MUITO BEM

Foto 94 - Texto de Vic (2-9-2005): EU ADOREI PORQUE VOCÊS CAPRICHARAM NO DESENHO

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303

MUITO BEM. De acordo com Souza (2003), esse fato pode ser considerado

relevante e evidencia que as crianças sabem que estão escrevendo para alguém,

que estão assumindo posicionamentos em relação aos seus interlocutores. Nessa

situação de comunicação, então, essa condição para o trabalho de produção textual

foi preenchida e se constituiu em um parâmetro fundamental na constituição de

sentidos dos textos.

Ao discorrer sobre a importância da definição de interlocutores no trabalho de

produção de textos na sala de aula, Geraldi (2003, p. 162, grifo do autor) acrescenta

que “[...] um texto destina-se a outro, seu leitor provável, para o qual (os quais) está-

se produzindo o que se produz”. Esse aspecto fundamental no trabalho de produção

de textos nos leva a refletir sobre uma das peculiaridades constitutivas do enunciado

da comunicação discursiva apresentada por Bakhtin (2003, p. 289), qual seja, “[...] a

relação do enunciado com o próprio falante (autor do enunciado) e com outros

participantes da comunicação discursiva”. Sabemos que, como um elo na corrente

da comunicação discursiva, o enunciado está ligado tanto aos elos precedentes

quanto aos subseqüentes. Portanto, o direcionamento a alguém é uma peculiaridade

constitutiva do discurso sem o qual não poderia haver enunciado, mas palavras,

frases, orações que seriam impessoais, de ninguém para ninguém, como nos diz

Bakhtin. Nessa perspectiva, a escolha do gênero, dos procedimentos

composicionais e dos meios lingüísticos ocorre, também, sob a influência do outro,

daquele para o qual eu destino o meu discurso, uma vez que,

Ao construir o meu enunciado, procuro defini-lo de maneira ativa; por outro lado, procuro antecipá-lo, e essa resposta antecipável exerce, por sua vez, uma ativa influência sobre o meu enunciado [...]. Ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele (BAKHTIN, 2003, p. 302).

A possibilidade de interlocução com o outro também foi motivadora do dizer das

crianças em uma outra situação de produção textual observada na sala de aula. A

partir dessa demanda, foram instauradas finalidades discursivas que influenciaram a

escolha da forma de dizer, conforme análise que se segue.

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304

5.2.5 Um dia de cão 62

Para finalizar nossas análises, tomaremos esta situação de produção textual que foi

observada em 9-11-2005 (evento 46, p. 293-303 do diário de campo). As interações

suscitadas, durante o processo de ensino aprendizagem, foram captadas por meio

de filmagens e fotos dos textos, perfazendo um total de dez produções realizadas

em duplas. O trabalho de escritura foi desencadeado pelas crianças a partir de uma

situação que já vinha ocorrendo há alguns dias e que foi instauradora de várias

discussões na sala de aula. Elas estavam indignadas com a situação do cachorro da

vizinha, uma funcionária da escola, que ficava preso numa corrente, embaixo da

mangueira e, quando chovia ficava sujo, molhado e aparentemente muito triste. Ao

observarem o fato, recorreram à professora relatando e mostrando-lhe o que estava

acontecendo. Aproveitando essa situação e buscando atender à solicitação das

crianças para resolverem o problema do cachorro, a professora propôs que as

crianças escrevessem uma carta para a dona a fim de convencê-la a cuidar melhor

do animal.

A proposta de produção do texto teve início na roda de conversa, quando a

professora perguntou quem tinha animal de estimação e como cuidava dele,

contando, em seguida, o caso de um rapaz que não sabia cuidar do seu animal de

estimação. Ao tecerem comentários acerca de suas experiências com os animais de

estimação e da história contada pela professora, uma das crianças, Nat, lembrou a

situação do cachorro da vizinha dizendo que podiam fazer alguma coisa para ajudá-

lo. A princípio, nem todas as crianças demonstraram interesse em produzir a carta

sugerida pela professora, mas, assim que ela explicou que poderiam escrever

juntos, um ajudando o outro e que, depois, poderiam entregá-la para a dona do

cachorro, as crianças apresentaram-se mais receptivas à proposta e, desse modo,

deram início ao processo de produção do texto. Antes, porém, a professora lembrou

o que seria necessário conter numa carta, ajudando as crianças a escreverem a data

e o nome do destinatário. Vejamos um trecho da interação em que foi instaurada

essa proposta de produção:

62 Esse evento foi assim nomeado pela Professora 2 em relato de experiência apresentado no encontro de formação continuada do Sistema Municipal de Ensino de Vitória, ES. A professora disponibilizou o texto para compor dados de nossa pesquisa.

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305

Prof. 2: como nós combinamos ali na roda... vocês vão escrever uma carta... pra convercer a dona do cachorrinho aqui do lado... de que ela precisa cuidar do cachorro dela... dá comida... tirar da chuva... dizendo eh:: por que / o que que vocês acham que ela poderia fazer pro cachorrinho não ficar ali... na chuva... vocês podem dizer como é que ele estava

Iur: ele estava com frio

Prof. 2: éh:: como que ela poderia cuidar do cachorrinho... vocês podem sugerir pra ela

Marc: pode perguntar o nome dela

Prof. 2: quem é que sabe o nome dela?

Lai: Ros

Prof. 2: é Ros o nome dela... Lai?... como é que você sabe?

Lai: sabendo ((sorri))

Prof. 2: então... gente... o nome da dona do cachorro é Ros... ela trabalha aqui na escola

Mon: eu sei quem é ela

Kai: eu também

Gil: como a gente vai levar?

Prof. 2: como vocês vão lá levar?... olha só... a Ros ((em tom de voz baixo)) trabalha aqui na escola à tarde... então vai ficar fácil pra gente entregar a carta pra ela... não vai?

C: vai ((em coro))

Prof. 2: então... se ela trabalha aqui na escola... a gente vai fazer a carta... depois a gente entrega pra ela

C: êh::::

Prof. 2: olha só crianças... quem quer falar como que a gente escreve uma carta?

C: ((silenciam))

Prof. 2: ninguém sabe?

Mat: Ros

Prof. 2: oh:: uma carta tem que ter

Marc: nome... data

Prof. 2: nome... tem que ter a data... local... eu vou dar a vocês a folha... só um pouquinho que eu vou... explicar primeiro ((distribui uma folha para cada dupla))

Prof. 2: como é o nome do lugar que a gente mora?... tem que ter o local de onde a gente está escrevendo... que lugar de onde a gente escreve e a data do dia que que a gente tá escrevendo... como é o nome do lugar que a gente mora?

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C: Vitória

Prof. 2: então... vocês podem colocar assim oh:: ((escrevendo no quadro)) Vitória... vírgula.. essa vírgula aqui oh:: é pra separar o local da data... tá?... qual a data de hoje? ((escreve no quadro o nome do local e a data enquanto as crianças copiam))

Wes: tia... é pra escrever o nome dela agora?

Prof. 2: como que a gente poderia começar essa carta?

C: Ros

Prof. 2: então escrevam o nome dela

C: Ros... erre... erre... dois erre

Gab: é um erre

Prof. 2: gente... espera um pouquinho... quando a gente vai escrever uma carta pra uma pessoa... quando a pessoa é mais velha que a gente né?... vocês são crianças... não são?... ela é mais velha que vocês... vocês vão ter que falar como?

Iur: senho::ra

Prof. 2: senhora... né Iur... então vamos escrever assim senho::ra Ros... tá? (Evento 46, 9-11-2005).

Depois de mediar o processo inicial de produção do texto, ajudando as crianças a

escreverem o nome do local, a data e o nome do destinatário, a Professora 2 sugeriu

que iniciassem o trabalho de escritura do texto acompanhando de perto algumas

duplas. As crianças se movimentaram bastante durante o processo de produção,

trocando idéias, discutindo acerca do que e como escrever, refazendo algumas

partes do texto e, finalmente, ilustrando-o, conforme acordado.

Ao final da atividade, a professora solicitou que as crianças lessem as cartas para os

colegas e, em seguida, combinaram como fariam para entregá-las. Depois de várias

sugestões, ficou decidido que entregariam pessoalmente. Assim, a dona do cachorro

foi convidada a comparecer na sala de aula. Logo que recebeu as cartas, ouvindo os

argumentos das crianças, ela explicou por que o animal ficava preso no quintal,

comprometendo-se a resolver aquela situação. Antes de se despedir da turma,

agradeceu às crianças dizendo que iria ler as cartas para o marido e que as

guardaria com muito carinho.

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307

Nessa situação de produção, então, as crianças tinham o que dizer, para quem dizer

e razões explícitas para dizer o que tinham a dizer. Quanto às estratégias do dizer,

observamos que a professora se preocupou com alguns aspectos composicionais do

gênero carta, explicando também em que se diferencia de um bilhete63 e como

deveriam tecer os argumentos para convencer a interlocutora explicando as razões

para cuidar melhor do cachorro. Essas condições de produção suscitaram novas

possibilidades de interação com o outro na sala de aula, possibilidades que também

foram reconhecidas e valorizadas pela Professora 2 ao tecer considerações sobre o

trabalho realizado:

Prof. 2: Esta atividade, assim como outras similares desenvolvidas na sala, nos dão a

oportunidade de deixar as crianças expressarem suas falas de modo espontâneo64 participando dos fatos ocorridos em seu meio social e sendo valorizadas como cidadãos que são, questionando, reivindicando, opinando, tendo direito de dizer o que pensam, mesmo sendo ainda uma criança (trecho extraído do relato de experiência, s/d).

Ao refletir acerca de sua prática, a Professora 2 reconheceu a importância de

promovermos experiências discursivas em que as crianças pudessem constituir-se

sujeitos de seus próprios discursos. Compreendemos que, nesse sentido, a

professora também estava constituindo-se sujeito do discurso pedagógico, pois

voltava o seu olhar para os processos vividos em sala, buscando entender as

relações dialógicas que neles estavam sendo experimentadas. Esse movimento de

reflexão sobre a prática também ocorreu em outros momentos do processo de

ensino aprendizagem e repercutia as vozes que estavam sendo compartilhadas no

Curso de Extensão Alfabetização e Letramento do qual a professora estava

participando e que tomava como ponto de partida a concepção bakhtiniana de

linguagem. No dialógo entre a teoria e a prática, a Professora 2 buscava imprimir um

outro olhar para o processo de produção de textos na sala de aula, evidenciando

modos singulares de apropriação dos conhecimentos veiculados no curso e

instaurando novas possibilidades de constituição de sentidos no trabalho de

escritura das crianças.

63 No dia anterior a esse evento (8-11-2005), as crianças haviam produzido junto com a professora, um bilhete para informar aos pais dos acordos sobre o dia do brinquedo na escola. 64 Embora esse termo remeta a uma abordagem subjetivista de linguagem, compreendemos que, nesse contexto interlocutivo, podemos atribuir-lhe um cunho de singularidade, de possibilidade de colocar-se como sujeito do discurso.

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308

Assim, procurando evidenciar como as crianças concretizaram seus argumentos

tendo em vista as finalidades discursivas que estavam circunscritas a essa situação

de produção, selecionamos quatro textos para análise, apresentados por meio das

Fotos 96, 97, 98 e 99. Para a escolha dos textos, tomamos por base a recorrência

de operações discursivas que marcaram a base argumentativa.

O texto produzido por Nat e Lay:

SENHORA ROS65

TRATA O CACHORRO BEM CUIDA MUITO BEM SENÃO FICA MALTRATADO

ELE FICA FICA FEINHO E TAMBÉM DÁ COMIDA PRA ELE

65 Para preservar a identidade da funcionária, omitimos o seu nome.

Foto 96 - Texto de Nat e Lay (9-11-2005)

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O texto de Iur e Vic:

SENHORA ROS

PORQUE VOCÊ NÃO BOTA O CACHORRO DO LADO DE DENTRO DA CASA

PORQUE ESTAVA CHOVENDO PORQUE ELE ESTAVA NA CHUVA A GENTE TÁ

PEDINDO PRA NÃO NUNCA MAIS

Foto 97 - Texto de Iur e Vic (9-11-2005)

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310

O texto de Kai e Ped:

SENHORA ROS

CUIDA DO SEU CACHORRO PORQUE ELE VAI MORRER NA CHUVA

DÁ COMIDA DÁ ÁGUA PARA ELE

Foto 98 - Texto de Kai e Ped (9-11-2005)

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O texto produzido por Cris e Wes:

SENHORA ROS

TRATA BEM DO CACHORRO EU JÁ VI ELE NA CHUVA

TIRA O CACHORRINHO DA CHUVA SENÃO ELE MORRE

VOCÊ TAMBÉM CUIDA MAIS DAS GALINHAS

Foto 99 - Texto de Cris e Wes (9-11-2005)

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312

Nessa amostra de trabalhos, podemos perceber alguns aspectos bastante

interessantes do ponto de vista da perspectiva que adotamos, pois, para convencer

a dona do cachorro, as crianças lançaram mão de vários argumentos, tentando

articulá-los, de maneira geral, a partir de determinados operadores textuais que

contribuíram para a progressão temática do discurso e indicaram a direção

argumentativa. Examinemos alguns desses aspectos.

O porquê foi um dos operadores utilizados pelas crianças, como podemos observar

nos textos produzidos por Iur/Vic e por Kai/Ped. A partir desse operador, elas

introduziram explicações do tipo: PORQUE ESTAVA CHOVENDO, PORQUE ELE

ESTAVA NA CHUVA, PORQUE ELE VAI MORRER NA CHUVA explicitando,

portanto, o problema que deu origem à situação de comunicação. No caso do texto

produzido por Iur e Vic, podemos perceber a repetição do organizador porquê que

pode ser compreendida como uma tentativa de sustentação argumentativa. Por

outro lado, a repetição também pode estar associada à dificuldade de organização

dos enunciados, uma vez que as crianças estão lidando com operações discursivas

bastante complexas, o que também se evidencia na omissão de palavras em A

GENTE TÁ PEDINDO PRA NÃO NUNCA MAIS. Nesse enunciado produzido por Iur

e Vic, podemos notar que a expressão a gente, usada para se referir a nós (eu +

colega), evidencia uma forma de implicação que pode ser compreendida como uma

estratégia para reforçar os argumentos. Em TRATA BEM DO CACHORRO EU JÁ VI

ELE NA CHUVA (Cris e Wes), podemos observar que o organizador porquê foi

omitido sem, contudo, trazer implicações para a constituição de sentido do

enunciado. Por meio do argumento EU JÁ VI ELE NA CHUVA, as crianças

justificaram o posicionamento inicial, comprometendo-se com a verdade enunciada.

O senão foi outra marca enunciativa evidenciada nessas produções que pode ser

compreendida como uma tentativa das crianças de sustentarem o seu ponto de vista

a partir de contra-argumentos: CUIDA MUITO BEM SENÃO FICA MALTRATADO

(Nat e Lay); TIRA O CACHORRINHO DA CHUVA SENÃO ELE MORRE (Cris e

Wes). Esse operador argumentativo atuou, nesse contexto interlocutivo, como um

argumento alternativo que somou a favor da mesma direção, fazendo-se ouvir uma

outra voz que diz que o cachorro não estava sendo bem cuidado.

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313

O uso dos operadores e/também por Nat e Lay (E TAMBÉM DÁ COMIDA PRA ELE)

e por Cris e Wes (VOCÊ TAMBÉM CUIDA MAIS DAS GALINHAS) reforça que as

crianças buscaram agregar argumentos em função da finalidade discursiva

(convencer a interlocutora a cuidar melhor dos animais). É possível observar ainda

que, em alguns casos, as crianças articularam seus argumentos sem fazer uso de

organizadores textuais, evidenciando, mais uma vez, as dificuldades subjacentes à

complexidade do dizer por meio da linguagem escrita nessa fase do processo de

alfabetização e a necessidade de uma mediação progressiva e qualificada, inclusive

no que diz respeito à dimensão argumentativa da linguagem por meio da qual as

crianças interagem oralmente em suas relações cotidianas.

Considerando ainda as contribuições delineadas por Souza (2003), examinaremos

outro aspecto da dimensão interdiscursiva que se presentificou nos enunciados das

crianças, buscando evidenciar o papel do interlocutor na constituição de sentidos

dos textos a partir das formas pronominais senhora/você. Esses mecanismos

enunciativos sinalizam que as crianças produziram seus argumentos tendo em vista

a implicação da interlocutora, desde a expressão inicial SENHORA ROS, que foi

instaurada a partir da mediação da professora. O caráter formal, contudo, não foi

mantido no decorrer do discurso, uma vez que, em alguns casos, as crianças

passaram a interagir com a interlocutora usando o pronome você: PORQUE VOCÊ

NÃO BOTA O CACHORRO DO LADO DE DENTRO DA CASA (Iur e Vic); VOCÊ

TAMBÉM CUIDA MAIS DAS GALINHAS (Cris e Wes).

Na interpretação de Souza (2003), essa manifestação lingüística pode ser

compreendida, a partir da perspectiva bakhtiniana, como uma forma de

carnavalização discursiva, uma vez que há uma mistura de formas de tratamento

que pode ser decorrente da tentativa de interagir livremente com o interlocutor,

independente da relação social e dos papéis que locutores e interlocutores ocupam

nessa relação. De acordo com Barros (2003), determinados procedimentos de

carnavalização discursiva operam, no plano textual, uma releitura do mundo:

“Reformula-se o mundo pelo discurso, vê-se a realidade sob novos prismas, refaz-se

o real” (BARROS, 2003, p. 7), mantendo-se, desse modo, a polifonia interna das

vozes que dialogam no texto. Assim, podemos compreender que o uso do recurso

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314

pronominal você indica um posicionamento que está implícito, e que, portanto, é

provocador dessa forma de interação.

De acordo com Bakhtin, como unidades da comunicação discursiva, os enunciados

se constituem na relação social entre os participantes. Nesse contexto discursivo, o

tema, o querer dizer e as razões para dizer, ou seja, as finalidades discursivas

determinam a escolha da forma de dizer. Para o autor,

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero de discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes, etc. A intenção discursiva do falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é em seguida aplicada e adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma de gênero (BAKHTIN, 2003, p. 282, grifos do autor).

Esses parâmetros definem, portanto, a escolha do gênero e confirmam que não é o

gênero que determina o tema ou o querer dizer dos falantes, mas sim as

circunstâncias sociocomunicativas, o que implica considerar as motivações para o

dizer e o papel do outro na produção de sentidos do texto.

Foi, portanto, a instauração de uma situação de comunicação com intencionalidade

explícita, destino compartilhado pelos locutores e um conteúdo a dizer que contribui

na constituição de sentidos dos textos abrindo possibilidades de interação com o

outro a partir do discurso argumentativo. Nesse sentido, compreendemos que, nessa

situação de produção, assim como nas demais situações que tomaram por base o

discurso argumentativo, as condições de produção influenciaram positivamente no

querer dizer das crianças e na seleção dos meios para concretização desse dizer, ou

seja, na escolha do gênero. Analisando os textos produzidos pelas crianças,

encontramos marcas que revelaram suas idéias, opiniões, saberes, valores e os

diferentes modos de compreensão da realidade e de apropriação do discurso social.

Assim, podemos dizer que, no contexto interlocutivo que tomou por base o discurso

argumentativo, as crianças tinham o que dizer e buscaram os meios para concretizar

esse dizer, tendo em vista as finalidades comunicativas suscitadas na dinâmica da

sala de aula.

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315

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que consciente do inacabamento do trabalho realizado, chegamos ao

momento de instaurar, como nos fala Bakhtin (2003), o dixix conclusivo, ao momento

de finalizar, mesmo provisoriamente, os enunciados que aqui proferimos, os fios que

aqui tecemos, concebidos, nesse contexto interlocutivo, como partes do processo de

produção, como movimentos da autoria em busca do ponto de chegada. Mas,

sabemos, não chegamos só, chegamos com o outro, com as múltiplas vozes que

foram entrelaçadas nesse tecido polifônico e para o outro, interlocutores que

buscam, como nós, intercambiar experiências, saberes e dizeres, mantendo viva a

esfera interdiscursiva que nos move: a Educação.

Por meio do entrelaçamento de vozes, de discursos e de práticas, procuramos

compreender como se desenvolveram os processos de constituição de sentidos e de

sujeitos que permearam o trabalho com a linguagem escrita numa turma de crianças

entre seis e sete anos de idade, em um Centro de Educação Infantil do Sistema

Municipal de Ensino de Vitória, ES. Para isso, trilhamos alguns caminhos a partir de

um repertório de possibilidades que se descortinou em cada um dos 75 dias que

permanecemos em campo. Nesse período, inserimo-nos no cotidiano das práticas

escolares, na tentativa de interagir com os diferentes sujeitos, buscando captar a

singularidade dos processos vividos e as suas relações com o meio social

organizado.

Ao adentrar no interior das práticas com a linguagem escrita, deparamo-nos com os

desafios inerentes ao complexo universo de significações que atravessaram nosso

olhar investigativo. Desafios que nos convidaram ao constante exercício da auto-

observação, da busca pela compreensão das relações verbais e não-verbais que

foram se constituindo no interior da sala de aula pesquisada. Concebida em sua

estrutura híbrida e polifônica, a sala de aula se configurou, na perspectiva teórico-

metodológica aqui defendida, em um espaço privilegiado para a escuta das múltiplas

vozes: vozes do discurso pedagógico instituído, vozes das professoras e dos demais

profissionais que atuavam na escola, das crianças e de seus familiares; vozes que

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316

entraram nesse espaçotempo de interlocução a partir de diferentes lugares,

enfoques, concepções, experiências, histórias de vida.

Diante dessa multiplicidade de saberes e de possibilidades de reflexão que se

presentificaram no decorrer da pesquisa, voltamos nosso olhar para as relações que

se circunscreveram ao trabalho com a linguagem escrita, buscando dar visibilidade

às práticas que foram recorrentes na sala de aula. Conforme evidenciado em nossas

análises, essas práticas tomaram, de maneira geral, o texto como unidade de ensino

aprendizagem da língua, o que representa, em nosso ponto de vista, um avanço

significativo no trabalho com a linguagem escrita no contexto escolar, especialmente

no âmbito da educação infantil. Assim, a partir de uma trajetória metodológica –

configurada em estudo de caso do tipo etnográfico – que permitiu a integração dos

dados, captados por meio de diferentes instrumentos e técnicas de pesquisa,

definimos as duas principais categorias de análise: o trabalho com as histórias em

quadrinhos e com os textos de opinião.

Acreditamos que as discussões aqui apresentadas, embora implicadas pelo caráter

de complexidade e de provisoriedade inerente ao contexto das relações

pedagógicas, possibilitaram entrever aspectos fundamentais para a compreensão

dos processos de constituição de sentidos e de sujeitos no trabalho com a

linguagem escrita, tendo em vista as condições de produção dos textos e os

movimentos que provocaram entre os sujeitos. Movimentos revestidos de olhares,

expressões, dúvidas, murmurinhos, alvoroços, perguntas, respostas; revestidos de

vozes que se calavam, que se posicionavam, que repetiam, que criavam e

(re)criavam saberes. Movimentos que também foram constitutivos do dizer, que

também instauraram sentidos ao processo de produção.

Assim, por meio de um percurso analítico que focalizou as condições de produção

dos textos, os processos que se desenvolveram durante o trabalho de escritura e os

resultados dessa atividade interdiscursiva, apontamos alguns dos principais desafios

que revestiram a entrada do texto na sala de aula pesquisada. Focalizando nosso

olhar nas condições de produção dos textos, observamos que, no trabalho com as

histórias em quadrinhos, de maneira geral, o dizer das crianças foi influenciado pela

inversão provocada nas propostas de produção; uma inversão que situou as

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estratégias do dizer como ponto de partida, abstraindo da atividade de produção

textual as dimensões sociocomunicativas fundamentais no trabalho com os gêneros

discursivos, pois, conforme explica Schneuwly (2004, p. 25), “[...] a escolha de um

gênero se determina pela esfera, as necessidades da temática, o conjunto de

participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor”.

A não consideração desses aspectos, que são essenciais para o trabalho de

produção de textos na sala de aula, reduziu, em grande parte das situações

observadas, as possibilidades de constituição de sentidos e de interação com o

outro por meio do texto escrito. Em determinadas circunstâncias, como no caso da

reescrita das narrativas quadrinizadas, essas implicações foram agravadas devido à

ênfase à dimensão psicolingüística. A preocupação com a avaliação das escritas

infantis, com a classificação dos níveis evolutivos da escrita na criança e com a

comprovação desses processos, influenciou a produção de sentidos dos textos,

comprometendo as possibilidades de diálogo e de constituição de sujeitos

produtores de discursos. Nesse contexto interlocutivo, o trabalho que poderia ser de

produção se circunscreveu ao exercício da reprodução de enunciados ou, fazendo

nossas as palavras de Geraldi (2003), ao mero cumprimento de tarefas escolares.

Essas práticas, conforme evidenciado nas falas dos sujeitos que integravam o

universo escolar e familiar das crianças, ainda foram atravessadas por significações

de caráter ideológico que contribuíram para acentuar a visão propedêutica de

educação infantil, revestindo o processo de alfabetização de uma abordagem de

cunho pragmatista e funcionalista.

As implicações decorrentes do trabalho com as histórias em quadrinhos foram

minimizadas no trabalho com os textos de opinião, uma vez que, nas circunstâncias

em que foram instauradas essas propostas de produção, as crianças tinham o que

dizer, tinham razões para dizer e interlocutores para os textos que produziam. A

partir dessas condições, foram definidas, então, as estratégias do dizer que,

conforme pudemos observar, suscitaram novas possibilidades de interação com o

outro por meio da escrita. Essas possibilidades foram evidenciadas, em nossas

análises, quando procuramos pontuar as marcas discursivas que as crianças

deixaram por entrever em seus argumentos, marcas que foram revestidas de

aspectos polifônicos que sinalizaram a presença das vozes do discurso social,

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presentificados de forma singular nos resultados da atividade produtiva. Essas

situações de produção, conforme situamos, emergiram, na sala de aula, a partir de

necessidades reais das relações entre sujeitos no espaço escolar e de temáticas

que os envolviam nas discussões. Elas foram incorporadas ao trabalho com a

linguagem escrita, provocando mudanças no modo como as crianças se apropriaram

dos conhecimentos que envolvem essa forma de linguagem, possibilitando, assim,

que assumissem posicionamentos, explicitassem suas idéias e opiniões acerca dos

temas abordados.

Contudo, compreendemos que as situações de produção dos textos de opinião

emergiram na sala de aula aleatoriamente, sem uma ação objetiva orientada para

fins educativos conscientes, não contribuindo, efetivamente, para a instauração de

práticas sistemáticas voltadas para o trabalho constitutivo das crianças como

sujeitos do discurso. Embora a Professora 2, em especial, tenha demonstrado

compreender a importância da instauração de condições de produção textual

propícias para o dizer, essas práticas não foram configuradas em uma linha

condutora do trabalho com a linguagem escrita na sala de aula.

Considerando o total dos eventos observados, as situações em que as crianças

foram chamadas a participar e se posicionar, por meio da linguagem escrita, de

assuntos de interesse coletivo foram evidenciadas poucas vezes na sala de aula.

Conforme levantamento apresentado no início de nossas análises (APÊNDICE Q),

dos 60 eventos observados, 32 corresponderam a situações de trabalho com textos.

Nessas situações, a escuta efetiva das vozes das crianças se circunscreveu,

basicamente, às propostas de base argumentativa que, no caso pesquisado, foram

recorrentes em cerca de nove eventos. Nos demais textos produzidos, como foi

possível observar no trabalho com as histórias em quadrinhos, a atividade

interdiscursiva foi influenciada pelas propostas de escrita que circunscreveram, de

modo geral, o dizer das crianças aos aspectos formais da língua.

Nesse sentido, acreditamos que os dados suscitados nessas situações de produção

ainda não são suficientes para que se concretizem mudanças significativas nas

práticas de produção de textos no contexto da educação infantil e na constituição da

criança como sujeito. A complexidade desse processo exige que o trabalho

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educativo seja pensado de forma intencional, organizada e sistemática. Do ponto de

vista da Psicologia Histórico-Cultural, a apropriação das formas humanas de

comportamento não ocorre de forma natural e espontânea, mas, sim, a partir da

mediação qualificada do outro mais experiente. Para que as crianças se apropriem

da linguagem escrita e suas diferentes formas de manifestação sociocultural, é

fundamental, portanto, que sejam instauradas, de forma intencional, condições

essenciais para o trabalho de escritura dos textos, ou seja, que elas tenham o que

dizer, tenham motivações para dizer, tenham destinatários para os textos que

produzem e, a partir desses elementos, escolham as estratégias do dizer imprimindo

no produto da atividade interdiscursiva suas marcas, valores, opiniões, saberes,

idéias, suas histórias de vida.

O espaço da sala de aula, como observamos em nossas análises, é um espaço

povoado por muitas vozes, vozes que se presentificaram de diferentes modos, que

circularam de várias maneiras nesse espaço de interlocução. Contudo, como nos

lembra Goulart (2005, 147), “[...] as palavras não costumam pedir licença para

entrar, mas podem ser ouvidas ou não”. E a professora, como mediadora autorizada

no espaço escolar, pode instituir outras formas de interação que possibilitem o

diálogo no interior das relações pedagógicas, que provoquem a participação das

crianças, reconhecendo as suas potencialidades e seus modos próprios de

apropriação dos saberes. Assim, compreendemos que

O papel da escola é dar continuidade ao diálogo que as crianças já fazem com a realidade, de várias formas, [...] ampliando as suas redes de conhecimento, alargando as suas sensibilidades, respondendo a algumas perguntas e criando outras [...]. O texto não parte somente da sala de aula: o texto entra na classe primeiramente nas vozes dos alunos, da professora, deixando à mostra seus conhecimentos, suas origens (GOULART, 2005, p. 147-148).

Nesse encontro de várias vozes, é preciso, então, levar em conta a história de vida

dos sujeitos, suas experiências de leitura e de escrita, suas experiências de mundo.

Com Bakhtin e Vigostski, aprendemos que, como uma atividade constitutiva dos

seres humanos, a linguagem se constitui nas relações sociais, nas interações que

ocorrem entre as pessoas. A alfabetização, nesse contexto, precisa ser pensada

como uma prática sociocultural em que se desenvolve, dentre outras capacidades, a

de produção de textos orais e escritos (GONTIJO, 2004).

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320

Adotar a produção de textos como eixo do trabalho educativo na educação infantil

implica, desse modo, reconhecer a criança como sujeito político, histórico e cultural,

possibilitando que exerça aqui e agora o direito de defender suas opiniões, falar sobre

sua vida, escrevê-la, etc. Nesse sentido, aproximando-nos das idéias de Araújo

(2005), ao criticar as visões de criança como alguém que ensaia no presente para

exercer a sua cidadania a posteriori, pensamos que

É necessário construir outras bases de reconhecimento e participação da criança como ente político para além das regras culturais de uma matriz hierárquica e autoritária que confere a universilidade da lei e dos direitos um privilégio de determinados grupos sociais. [...] A sociabilidade e a vida pública são construídas na e pela pluralidade humana e nesta pluralidade a participação da criança é objetivada através do modo particular como expressam suas opiniões e desejos, como representam a realidade, como criam, transgridem e (re)significam regras, como lidam com os conflitos, como se organizam em diferentes espaços e tempos etc. (ARAÚJO, 2005, p. 111-112-113).

Nessa perspectiva, conforme defende Gontijo (2004), o trabalho com a produção de

textos na sala de aula configura-se numa dimensão essencial do processo de

alfabetização, uma vez que, por meio dele, as crianças podem se constituir sujeitos

no espaçotempo vivo de interação com o outro, passando do reconhecimento ao

conhecimento, da reprodução à produção de saberes. É nesse espaço

interdiscursivo, como nos faz lembrar Geraldi (2003), que podemos ouvir e dialogar

com os sujeitos cujas vozes foram caladas, esquecidas, deixadas às margens dos

processos civilizadores de nossa sociedade.

Nesse sentido, quais mudanças precisam ser efetuadas para que o texto seja

tomado efetivamente na sala de aula? Para que as crianças possam constituir-se

sujeitos de idéias, saberes, cultura, posicionando-se, de acordo com as suas

capacidades, no aqui e no agora? Não temos respostas definitivas para essa

questão, mas podemos, a partir das discussões que foram suscitadas no presente

estudo, delinear algumas contribuições no sentido de pensar a instauração de outros

rumos para o trabalho com o texto nas classes de alfabetização.

A primeira diz respeito ao redimensionamento das concepções de linguagem e de

sujeitos que se constituem nas salas de aula e que podem ser revisitadas a partir

das proposições de Bakhtin (1999). Ao submeter as correntes lingüístico-filosóficas

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de seu tempo a uma crítica epistemológica, o autor mostrou que essas correntes

criaram uma barreira à compreensão da natureza da linguagem, rejeitando a

constituição social dos fenômenos lingüísticos. Na perspectiva bakhtiniana de

linguagem, que é fundamentalmente social, a língua “[...] vive e evolui historicamente

na comunicação verbal concreta, não no sistema abstrato das formas da língua nem

no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 1999, p. 124, grifo do autor). Essa

concepção de linguagem interfere, decisivamente, nas visões predominantes de

sujeito, uma vez que este passa a ser concebido não como um ser assujeitado às

condições de seu tempo ou determinado pela estrutura social nem, tampouco, um

sujeito pronto, acabado, fonte exclusiva de seu dizer, mas como sujeito sócio-

histórico que se constitui nas relações sociais.

Essas formas de conceber o sujeito e a linguagem remetem a considerar a sala de

aula como espaço dialógico habitado por sujeitos sócio-históricos; como lugar de

interação verbal em que são confrontados diferentes saberes, em que a repetição e

a criação são dimensões interdependentes e constitutivas do trabalho de produção.

Desse modo, compreendemos que mudanças significativas nas práticas de produção

de textos, tendo em vista o reconhecimento das crianças e dos professores como

sujeitos, precisam ser iniciadas a partir do redimensionamento dessas concepções,

admitindo, conforme acentua Geraldi (2003, p. 6-7, grifos do autor):

a) que a língua (no sentido sociolingüístico do termo) não está de antemão pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-la segundo suas necessidades específicas do momento de interação, mas que o próprio processo interlocutivo, na atividade de linguagem, a cada vez a (re)constrói;

b) que os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como ‘produto’ deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui. Também não há um sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas;

c) que as interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo; na verdade, elas se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares, no interior e nos limites de uma determinada formação social, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por esta. Também não são, em relação a estas condições, inocentes. São produtivas e históricas e como tais, acontecendo no interior e nos limites do social, constroem por sua vez limites novos.

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A adoção do texto como objeto de ensino aprendizagem requer, também, que

pensemos em mudanças de ordem prática, mudanças provocadoras de novos

olhares e possibilidades no trabalho com os gêneros do discurso em contexto

escolar. Essas mudanças demandam, fundamentalmente, a instauração de

situações comunicativas (reais ou fictícias) que permitam integrar as condições

essenciais para que a produção de textos realmente se efetive nas salas de aula ou,

em outras palavras, para que o enunciado seja tomado como unidade de

comunicação discursiva. A conciliação dessas condições passa, todavia, pelo

reconhecimento das dimensões constitutivas do gênero (aspecto composicional,

conteúdo, estilo) que, de acordo com Bakhtin (2003), abarcam peculiaridades

discursivas que se entrelaçam na constituição dos sentidos dos enunciados: a

alternância dos sujeitos do discurso, a conclusibilidade específica do enunciado que

é determinada pela exauribilidade do objeto e do sentido, pela vontade de discurso

do falante, pelas formas típicas composicionais do gênero do acabamento e a

relação do enunciado com o próprio falante e com os outros participantes da

comunicação discursiva. São essas dimensões que configuram o todo do enunciado

concreto, estabelecendo elos entre a língua e as atividades humanas, entre as

diferentes formas de manifestação pela linguagem e a vida.

Entretanto, saber articular as demandas teórico-práticas que envolvem o trabalho

com a leitura e com a produção de textos não é tarefa fácil, pois envolve o

conhecimento de pressupostos teórico-práticos que possibilitem o

redimensionamento na forma de trabalhar a linguagem. Além disso, os desafios

colocados para os professores e as suas condições de trabalho têm aprofundado as

complexidades inerentes aos processos de formação.

Nesse sentido, compreendemos que mudanças efetivas nas práticas de

alfabetização poderão ocorrer a partir de propostas de formação que considerem o

diálogo, a história dos sujeitos e seus sistemas de significações como princípios

essenciais na produção dos saberes e fazeres docentes. Pensar a formação nessa

perspectiva implica romper com os modelos predominantes que circunscrevem as

propostas de formação às iniciativas privadas, aos pacotes de treinamento, aos

cursos a distância e aos mecanismos de certificação, buscando a implementação de

políticas de formação com ações ajustadas aos interesses dos profissionais em

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educação, às condições de trabalho docente e às demandas emergentes no

cotidiano das práticas educativas.

Movimentos em direção a essa perspectiva de formação já têm sido registrados a

partir de diferentes olhares e enfoques teóricos, inclusive no âmbito da educação

infantil do Sistema Municipal de Ensino de Vitória, ES, conforme apontou Rangel

(2003) em estudo exploratório documental, realizado a partir de entrevistas com 230

professores, análise dos Planos de Ação dos Centros Municipais de Educação e

grupo focal. O desejo de mudanças nas propostas de formação dos profissionais

que trabalham na educação infantil do Sistema Municipal de Vitória também foi

explicitado na nova proposta curricular. Considerando a necessidade de conceber o

professor “[...] como alguém que pensa seu trabalho e sobre o seu trabalho”

(PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO,

GERÊNCIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL, 2006, p. 46), a proposta apresentada prevê

que a formação continuada precisa ocorrer de maneira articulada, em espaços

singulares e no interior das práticas coletivas, tendo em vista a melhoria das

condições de trabalho.

Essas proposições evidenciam, portanto, a necessidade de repensar as práticas de

formação de professores. No que se refere ao campo da linguagem, mais

especificamente aos processos educativos vinculados à alfabetização e à

apropriação da linguagem escrita, compreendemos, de acordo com as questões

suscitadas em nosso estudo, que ainda temos um longo caminho a percorrer, ainda

temos muitas histórias a revelar, muitos saberes a compartilhar. Como nos diz

Bakhtin (2003, p. 410, grifo do autor),

Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites). Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos no diálogo dos séculos passados, podem ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de desenvolvimento subseqüente, futuro do diálogo. Em qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucessivo desenvolvimento do dialógo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação. Questão do grande tempo.

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324

7 REFERÊNCIAS

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330

APÊNDICES

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331

APÊNDICE A – PROTOCOLO DE PESQUISA

Vitória (ES), abril de 2005.

Ao CMEI: ___________________________________________________________

A/C:________________________________________________________________

Apresento a síntese do projeto de pesquisa intitulado “O TRABALHO COM A

LINGUAGEM ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL”, orientado pela Prof.ª Drª

Cláudia Maria Mendes Gontijo, no curso de Mestrado em Educação/UFES, tendo

como linha de pesquisa Educação e Linguagens, com o objetivo de estabelecer

parceria com essa unidade de ensino, para desenvolvimento deste trabalho. Essa

escola foi selecionada com base na sua localização, uma vez que favorece o

atendimento a populações de baixa renda e por apresentar, em seu projeto político-

pedagógico, uma proposta de ensino-aprendizagem da linguagem escrita pautada

no trabalho com textos.

Perfil do pesquisador

Dados pessoais

Nome: Maristela Gatti Piffer

Endereço: Rua Norbertino Bahiense, nº 9, quadra 34, Manoel Plaza, Serra - ES

Telefone: 3318-0520 e 9973-4438 CEP: 29 160 424

Idade: 38 anos Naturalidade: Colatina Estado civil: casada

Local de trabalho: Prefeitura Municipal de Vitória Cargo: Professor pedagógico

Experiência profissional

Atuo como pedagoga desde 2002, no Sistema Municipal de Vitória. Nesse período,

trabalhei com turmas do ensino fundamental, tanto de crianças como de jovens e

adultos, em três instituições de ensino do referido sistema. Em experiências

anteriores – de 1987 a 2001 – atuei na função de pedagoga e de professora com

crianças da educação infantil e de 1ª a 4º séries do ensino fundamental, de redes

públicas e particulares do município de Colatina.

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332

Interesse de pesquisa

Meu interesse em estudar as práticas com a linguagem escrita na educação infantil

tem origem nas minhas experiências de trabalho, principalmente aquelas ligadas à

atuação direta com as crianças e professores nessa fase de escolarização. Assim,

buscando entender melhor como ocorrem os processos de constituição de sentidos

e de sujeitos no trabalho com a linguagem escrita em turmas de alfabetização, é que

proponho a observação das práticas no interior de uma sala de aula dessa

instituição de educação.

Síntese do projeto de pesquisa Título: O trabalho com a linguagem escrita na educação infantil Objetivo da pesquisa: Investigar os eventos mediados pela linguagem escrita

analisando se e como o processo ensino aprendizagem tem possibilitado a

constituição de sentidos por meio do trabalho de escritura.

Público-alvo: Uma turma de seis anos (alunos, professores, familiares dos alunos e

funcionários do corpo técnico-pedagógico).

Requisitos para seleção da turma: Interesse da professora regente pela pesquisa.

Metodologia: Estudo de caso do tipo etnográfico

Coleta de dados:

• Será realizada durante o ano de 2005, por meio de entrevistas com os

sujeitos, observação participante, fotos, filmagens e análise de documentos.

• A inserção do pesquisador no espaço escolar ocorrerá de forma gradativa,

com o objetivo de familiarizar-se com os sujeitos e não causar transtornos na

rotina da escola. Nesse processo, o investigador também estará à disposição

para desenvolver atividades colaborativas que auxiliem o professor no

trabalho pedagógico ou em outras atividades da escola.

• Todos os procedimentos envolvendo a coleta de dados serão previamente

planejados e acordados com a professora e com as crianças.

• Será solicitada autorização dos responsáveis para a participação das

crianças-sujeitos na pesquisa.

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APÊNDICE B – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO I

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresento aos profissionais (sujeitos da

pesquisa) do CMEI ( ) , unidade da Rede Municipal de Ensino de Vitória-ES, o projeto

de pesquisa “O TRABALHO COM A LINGUAGEM ESCRITA NA EDUCAÇÃO

INFANTIL”, de autoria da mestranda Maristela Gatti Piffer, como recomendação para

a realização do Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em

Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo .

O objetivo da pesquisa é analisar o processo ensino aprendizagem da linguagem

escrita e sua relação na constituição de sentidos, por meio do trabalho de escritura.

Como instrumentos de pesquisa, serão utilizados formulários para análise de

documentos, para realização de entrevistas e observação participante em sala de

aula com gravações em vídeo e registros em diário de campo. Os dados terão

tratamento ético, com garantia de proteção dos nomes dos sujeitos e autorização da

participação das crianças pelas famílias. O trabalho será realizado a partir de

negociações com os sujeitos, no decorrer do estudo. Os dados/resultados da

pesquisa serão apresentados no texto da dissertação e poderão ser utilizados para

publicação. Por isso, solicito sua autorização por meio da assinatura deste Termo de

Consentimento:

Vitória, maio de 2005.

MARISTELA GATTI PIFFER

Nome do profissional Função Assinatura Telefone

Professora

Pedagoga

Diretora

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334

APÊNDICE C – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO II

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresento aos pais/responsáveis das

crianças/sujeitos do “grupo 6” do CMEI ( ), unidade da Rede Municipal de Ensino

de Vitória-ES, o projeto de pesquisa “O TRABALHO COM A LINGUAGEM ESCRITA

NA EDUCAÇÃO INFANTIL”, de autoria da mestranda Maristela Gatti Piffer, como

recomendação para a realização do Mestrado em Educação, do Programa de Pós-

Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo.

O objetivo do estudo é analisar o processo ensino aprendizagem da linguagem

escrita e a constituição de sentidos por meio do trabalho de escritura realizado pelas

crianças. Desse modo, a pesquisa será desenvolvida na sala de aula por meio da

observação participante com gravações em vídeo, entrevistas e registros em diário

de campo. Para garantir o tratamento ético dos dados, o nome da escola será

mantido em sigilo, serão utilizadas apenas as iniciais dos nomes das crianças e as

filmagens serão efetuadas sem comprometimento da ação educativa, preservando,

sobretudo, a integridade do grupo. Os dados/resultados da pesquisa serão

apresentados na dissertação e poderão ser utilizados para publicação. Por isso,

solicitamos sua autorização, por meio da assinatura deste Termo de Consentimento:

Eu, _______________________________________________, responsável pelo

aluno(a) ___________________________________________, do CMEI ( ),

autorizo sua participação no projeto de pesquisa “O TRABALHO COM A

LINGUAGEM ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL” de autoria da mestranda

Maristela Gatti Piffer – PPGE/UFES, concordando com os procedimentos acima

apresentados.

Assinatura:____________________________________RG:___________________

Telefone:________________________________________ Data: ____________________

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335

APÊNDICE D – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO III

Em cumprimento ao protocolo da pesquisa “O TRABALHO COM A LINGUAGEM

ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL”, de Maristela Gatti Piffer – mestranda na linha

de pesquisa Educação e Linguagens, do Centro de Educação da Universidade

Federal do Espírito Santo – realizada no ano de 2005, na instituição de Educação

Infantil ( ), da Rede Municipal de Ensino de Vitória-ES, e dando continuidade ao

tratamento ético dos dados, solicito a autorização dos pais ou responsáveis dos

alunos envolvidos no estudo para utilização de imagens obtidas por meio de

fotografias e filmagens na produção do relatório de pesquisa. Essas imagens serão

utilizadas para fins estritamente científicos ligados a esta pesquisa.

Atenciosamente,

Maristela Gatti Piffer

Eu, _______________________________, responsável pelo(a) aluno(a)

___________________________________, autorizo a utilização das imagens do

meu filho (a) na produção da pesquisa “O trabalho com a linguagem escrita na

educação infantil”, realizada por Maristela Gatti Piffer, no ano de 2005, no CMEI ( ),

da Prefeitura Municipal de Vitória.

Assinatura do(a) responsável:____________________________________________

RG: _________________________________ Data: _________________________

Telefone: ___________________________________________________________

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336

APÊNDICE E – FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA66

1. Nome da escola: ___________________________________________________

2. Fundação: ________________________________________________________

3. Endereço: ________________________________________________________

4. Dados da comunidade: ______________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

5. Bairros de origem dos alunos: _________________________________________

___________________________________________________________________

6. Aspecto físico

a) Número de sala de aula: _____________________________________________

b) Condições das salas de aula: _________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Possui biblioteca? ________ Condições de funcionamento: __________________

___________________________________________________________________

d) Possui sala ambiente? _____ Quais? ___________________________________

___________________________________________________________________

e) Possui sala de professores, sala de direção, coordenação pedagógica,

secretaria?___________________________________________________________

___________________________________________________________________

f) Possui refeitório? ___________________________________________________

g) Possui área livre? Parquinho? Como são utilizados? _______________________

___________________________________________________________________

7. Organização das turmas

a) Média de alunos por turma: __________________________________________

b) Número de alunos por turno: Matutino: ___________ Vespertino: __________

c) Número de turmas por turno: Matutino: ___________ Vespertino: ___________

66 Os formulários apresentados nos Apêndices E, F, G, I e J foram elaborados com base na tese de doutorado de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes: O processo de apropriação da linguagem escrita em crianças na fase inicial de alfabetização. São Paulo, Universidade Federal de Campinas, Faculdade de Educação, 2001.

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337

d) Organização das turmas: Matutino Vespertino

0 a 2 anos: _______ ________

3 anos: _______ ________

4 anos: _______ ________

5 anos: _______ ________

6 anos: _______ ________

8. Recursos humanos

a) Número de professores por turno: Matutino: __________ Vespertino: __________

b) Composição do corpo técnico-administrativo: _____________________________

c) Faxineiras e merendeiras: ____________________________________________

d) Pessoal de apoio: ___________________________________________________

9. Recursos materiais

a) Tipo de material pedagógico existente na escola: __________________________

b) Recursos audiovisuais: ______________________________________________

10. Rotina escolar:

a) A chegada das crianças na escola: _____________________________________

b) O recreio: _________________________________________________________

c) O momento da saída: ________________________________________________

d) Outras atividades: __________________________________________________

e) Eventos: __________________________________________________________

11. Usos da escrita no ambiente escolar

a) Espaços destinados à circulação de material escrito: _______________________

___________________________________________________________________

b) Como são utilizados esses espaços: ____________________________________

12. Histórico da escola:

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338

APÊNDICE F – FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA SALA DE AULA

1. Aspecto físico

a) Dimensão espacial: _________________________________________________

b) Mobília: __________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Há ambientes específicos na sala de aula? Quais? ________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

d) Materiais escritos expostos: __________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

2. A turma

a) Número de alunos: Meninas: _______________ Meninos: _________________

b) Forma de organização da turma: _______________________________________

___________________________________________________________________

c) Números de crianças ingressantes este ano: _____________________________

3. Sobre a organização do trabalho coletivo:

a) Há regras para orientar o trabalho e a organização diária? __________________

c) São explicitadas? Como? ____________________________________________

___________________________________________________________________

d) São cobradas? Como? ______________________________________________

___________________________________________________________________

4. Rotina diária:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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339

APÊNDICE G – FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

(DADOS DA SECRETARIA)

1. Nome da criança: ___________________________________________________

2. Endereço completo: _________________________________________________

3. Dados pessoais:

a) Data de nascimento: ___________ b) Sexo: ________ c) Idade (meses): ______

d) Algum problema de saúde? Qual? ______________________________________

4. Dados da vida escolar:

a) Já estudou? ( ) Sim ( ) Não

b) Onde e quanto tempo: _______________________________________________

5. Dados familiares:

a) Pessoas que moram com a criança: ____________________________________

b) Pai: ______________________________________________________________

Profissão: _________________________Trabalho atual: ___________________

Renda mensal: _____________________Grau de instrução: ________________

c) Mãe: _____________________________________________________________

Profissão: _________________________ Trabalho atual: __________________

Renda mensal: _____________________Grau de instrução: ________________

d) Responsável: ______________________________________________________

Profissão: _________________________ Trabalho atual: __________________

Renda mensal: _____________________Grau de instrução: ________________

e) Número de irmãos:

Nenhum irmão ( )

Um irmão ( )

Dois irmãos ( )

Três irmãos ( )

Mais de três irmãos ( )

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340

APÊNDICE H – ROTEIRO DA CONVERSA COM AS CRIANÇAS

1. Nome: ____________________________________________________________

2. Pais: _____________________________________________________________

3. Irmãos: ___________________________________________________________

4. Pessoas que moram com a criança:_____________________________________

5. Programas favoritos:

Rádio: ______________________________________________________________

TV: ________________________________________________________________

Outro(s): ____________________________________________________________

6. Diversão preferida da criança: _________________________________________

7. Ajuda em cada? Como? ______________________________________________

8. Trabalha fora de casa? Onde? Quantas horas? É uma atividade remunerada?

___________________________________________________________________

9. Gosta de ler? __________ O quê? _____________________________________

___________________________________________________________________

10. Gosta de escrever? __________ Quando você escreve?___________________

___________________________________________________________________

11. As pessoas da família fazem uso da leitura em casa? Que tipo de material?

___________________________________________________________________

12. Quem lê para a criança em casa? _____________________________________

O quê? __________________________________________________________

Quando? ________________________________________________________

13. Quem ajuda nas tarefas da escola? ____________________________________

14. Já estudou em outra escola? _______ Qual? ____________________________

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341

15. Gosta desta escola? _________ Por quê? ______________________________

___________________________________________________________________

16. Qual atividade mais gosta de fazer na escola? ___________________________

___________________________________________________________________

17. Qual não gosta? ___________________________________________________

Por quê? _________________________________________________________

18. Você acha importante aprender a ler e escrever? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

19. Outros dados suscitados durante a conversa:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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342

APÊNDICE I – QUESTIONÁRIO PARA AS FAMÍLIAS

Vitória, 24 de junho de 2005.

Senhores pais ou responsáveis,

Para complementar dados da pesquisa sobre o processo ensino aprendizagem da linguagem escrita

que estamos realizando na turma de seu filho(a), solicitamos sua colaboração com o preenchimento

deste questionário. Agradecemos seu apoio e colocamo-nos à disposição para quaisquer dúvidas.

Maristela Gatti Piffer

1. Aluno(a): _______________________________________ Nascimento: ________

2. Endereço completo: _________________________________________________

___________________________________________________________________

3. Nome do pai:_______________________________________________________

Série ou grau que concluiu na escola: ____________ Profissão: ________________

4. Nome da mãe: _____________________________________________________

Série ou grau que concluiu na escola: ___________ Profissão: _________________

5. Outro responsável: __________________________________________________

Série ou grau que concluiu na escola: _____________ Profissão: _______________

6. Renda mensal da família: _____________________________________________

7. Tem irmãos: _________________ Quantos? _____________________________

8. Quais são as pessoas que moram com a criança?

___________________________________________________________________

9. Desde que idade a criança freqüenta a educação infantil? ___________________

10. Já estudou em outra escola? Qual? ____________________________________

11. Atividades mais comuns que a criança realiza:

a) em casa: __________________________________________________________

b) fora do ambiente familiar: _____________________________________________

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343

12. Que tipos de materiais escritos são usados em casa:

( ) Jornais. Quais: __________________________________________________

( ) Revistas. Quais: _________________________________________________

( ) Livros. Quais: ____________________________________________________

( ) Correspondências pessoais. De que tipos: _____________________________

Outros tipos: _________________________________________________________

13. Quando necessita usar a escrita nas tarefas de casa ou no dia-a-dia, a criança:

( ) geralmente escreve sozinha

( ) às vezes solicita ajuda de outra pessoa

( ) sempre solicita ajuda de outra pessoa

( ) não faz uso da escrita

14. Que tipo de material é utilizado pela criança (ou por outra pessoa que lê para

ela) para leitura no ambiente familiar?

( ) Livros de literatura infantil.

( ) Gibis.

( ) Revistas.

( ) Jornais.

( ) Manuais de instrução.

( ) Nenhum material.

( ) Outros: _________________________________________________________

15. Para você, é importante que seu filho(a) aprenda a ler e escrever? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

16. Em sua opinião, qual a fase escolar mais propícia para o aprendizado da

escrita? Por quê? _____________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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344

APÊNDICE J – ROTEIRO DA ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS

1. Sexo: masculino ( ) feminino ( )

2. Idade:

até 25 anos ( )

entre 26 e 30 anos ( )

entre 31 e 35 anos ( )

entre 36 e 40 anos ( )

mais de 40 anos ( )

3. Você trabalha em:

uma só escola ( )

duas escolas ( )

três escolas ou mais ( )

outra situação: _______________________________________________________

4. Nesta escola você é:

profissional efetivo ( )

profissional contratado ( )

profissional com designação temporária ( )

outra situação funcional: _______________________________________________

5. Há quanto tempo trabalha nesta escola? ________________________________

6. Além de trabalhar nesta escola, você exerce outra atividade profissional? Qual?

___________________________________________________________________

7. Sua formação acadêmica está em nível:

( ) médio

( ) licenciatura curta

( ) licenciatura plena

( ) pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)

( ) pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)

( ) mestrado/doutorado

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345

8. Sua experiência como professor(a):

( ) abaixo de 2 anos

( ) entre 2 e 5 anos

( ) entre 5 e 7 anos

( ) entre 7 e 10 anos

( ) acima de 10 anos

9. Sua experiência profissional foi adquirida:

( ) na docência na educação infantil

( ) na docência em nível fundamental (1ª a 4ª séries)

( ) na docência em nível fundamental (5ª a 8ª séries)

( ) na docência em nível médio

( ) na docência em nível superior

( ) em funções técnicas de ensino

10. Participou e/ou participa de cursos que tenham contribuído com sua formação?

Cite três cursos, por ordem de relevância, indicando a carga horária correspondente:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

11. É vinculado(a) a sindicato? ______________ Qual (is)? ____________________

12. Assina jornais, revistas, periódicos? __________ Quais? ___________________

13. Participa de congressos, seminários ou encontros similares?

( ) Sempre.

( ) Às vezes.

( ) Nunca.

14. Suas atividades culturais mais freqüentes: ______________________________

15. Suas leituras mais comuns: __________________________________________

___________________________________________________________________

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346

16. Há quanto tempo exerce atividade docente na etapa conclusiva da educação

infantil? É uma opção sua? Por quê? _____________________________________

___________________________________________________________________

17. Para você, é importante que as crianças aprendam a ler e escrever? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

18. Em qual referencial teórico (e métodos) você se apóia para efetivar o trabalho

com a linguagem escrita na sala de aula?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

19. Quais materiais teórico-práticos você consulta para orientar esse trabalho?

( ) Livros. Citar os mais consultados: ____________________________________

( ) Revistas. Quais? _________________________________________________

( ) Livros didáticos. Quais os preferidos? _________________________________

( ) Referencial Curricular Nacional.

( ) Material do PROFA.

( ) Diretrizes Municipais.

( ) Projeto da escola.

Outros: _____________________________________________________________

20. Quais gêneros textuais são mais utilizados por você no trabalho com a

linguagem escrita na sala de aula? Por quê? _______________________________

___________________________________________________________________

21. Para você, quais os maiores desafios na alfabetização de crianças nessa fase da

escolarização? _______________________________________________________

___________________________________________________________________

22. Você acredita que é possível avançar em alguns aspectos? Quais? Como?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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347

APÊNDICE L – ROTEIRO DA ENTREVISTA COM A PEDAGOGA

1. Sexo: masculino ( ) feminino ( )

2. Idade:

Até 25 anos ( )

entre 26 e 30 anos ( )

entre 31 e 35 anos ( )

entre 36 e 40 anos ( )

mais de 40 anos ( )

3. Você trabalha em:

uma só escola ( )

duas escolas ( )

três escolas ou mais ( )

outra situação: _______________________________________________________

4. Nesta escola você é:

profissional efetivo ( )

profissional contratado ( )

profissional com designação temporária ( )

outra situação funcional: _______________________________________________

5. Há quanto tempo trabalha nesta escola? _________________________________

E no Sistema Municipal de Ensino de Vitória? _______________________________

6. Além de trabalhar nesta escola, você exerce outra atividade profissional? Qual?

___________________________________________________________________

7. Sua formação acadêmica está em nível:

( ) licenciatura curta

( ) licenciatura plena

( ) pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)

( ) pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)

( ) mestrado/doutorado

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348

8. Sua experiência como pedagoga(a):

( ) abaixo de 2 anos

( ) entre 2 e 5 anos

( ) entre 5 e 7 anos

( ) entre 7 e 10 anos

( ) acima de 10 anos

9. Sua experiência profissional foi adquirida:

( ) na docência na educação infantil

( ) na docência em nível fundamental (1ª a 4ª séries)

( ) na docência em nível fundamental (5ª a 8ª séries)

( ) na docência em nível médio

( ) na docência em nível superior

( ) em funções técnicas de ensino

10. Participou e/ou participa de cursos que tenham contribuído com sua formação?

Cite três cursos, por ordem de relevância, indicando a carga horária correspondente:

___________________________________________________________________

11. É vinculado(a) a sindicato? ______________ Qual (is)? ____________________

12. Assina jornais, revistas, periódicos? __________ Quais? ___________________

13. Participa de congressos, seminários ou encontros similares?

( ) Sempre. ( ) Às vezes. ( ) Nunca.

14. Explique como faz o acompanhamento do trabalho docente na escola.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

15. Sobre o plano de ação/projeto político-pedagógico da escola:

a) Como foi elaborado? Quando? ____________________________________________

b) Quais os principais aspectos nele contemplados? _____________________________

c) Contempla objetivos/estratégias para o trabalho com a linguagem escrita? __________

d) Como avalia sua efetivação no ano letivo de 2005? ____________________________

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349

16. Sobre o trabalho com a linguagem escrita:

a) Para você, é importante que as crianças aprendam a ler e escrever? Por quê?

___________________________________________________________________

b) Em qual referencial teórico (e/ou métodos) a escola tem se apoiado para subsidiar

o trabalho com a linguagem escrita na sala de aula?

___________________________________________________________________

c) Quais materiais teórico-práticos os profissionais da escola têm utilizado?

( ) Livros. Citar os mais consultados: ____________________________________

( ) Revistas. Quais? _________________________________________________

( ) Livros didáticos. Quais os preferidos? _________________________________

( ) Referencial Curricular Nacional. Por quê? ______________________________

( ) PROFA. Em quais aspectos contribui? ________________________________

( ) Diretrizes Municipais.

( ) Projeto da escola.

Outros:______________________________________________________________

e) Como o Departamento de Educação Infantil tem orientado o trabalho com a

linguagem escrita na escola? Quais iniciativas foram tomadas nesse sentido?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

f) Com relação à dimensão avaliativa, têm ocorrido, por parte do departamento de

EI, movimentos de controle do processo ensino aprendizagem da língua escrita no

interior da escola? Como? ______________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

g) De onde se originam as práticas de avaliação da aprendizagem da linguagem

escrita efetivadas pela escola, por exemplo, a aplicação de atividades destinadas a

analisar o nível de escrita nas crianças em produções individuais seguidas de

reescrita? ___________________________________________________________

___________________________________________________________________

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350

h) Que objetivos orientam essas práticas avaliativas na escola? ________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

i) Observa implicações decorrentes desses movimentos de avaliação na

alfabetização das crianças? _____________________________________________

___________________________________________________________________

j) Como você avalia a participação das famílias no processo de apropriação da

linguagem escrita? ____________________________________________________

___________________________________________________________________

l) Que espaços/tempos e materiais educativos são destinados ao trabalho com a

linguagem escrita na escola? Como são utilizados?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

m) Em sua avaliação, como tem ocorrido o uso da biblioteca na escola?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

n) Para você, quais os maiores desafios na alfabetização de crianças nessa fase da

escolarização?_______________________________________________________

___________________________________________________________________

o) Você acredita que é possível avançar em alguns aspectos? Quais? Como?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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351

APÊNDICE M – CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

Nas tabelas que se seguem, estão organizadas as informações coletadas por meio

dos APÊNDICES G, H e I destinados à caracterização das crianças envolvidas no

estudo. Essas tabelas apresentam a frequência (F) e o respectivo percentual.

Tabela 1 – Distribuição das crianças segundo a idade Idade F % Abaixo de 6 anos 6 anos completos 7 anos (1º semestre/2005) 7 anos (2ª semestre/2005) 8 anos completos

00 12 01 10 00

0,00 52,17 4,35 43,48 0,00

Total 23 100 Tabela 2 – Distribuição das crianças segundo o sexo Sexo F % Feminino Masculino

06 17

26,09 73,91

Total 23 100 Tabela 3 – Distribuição das crianças quanto à experiência escolar anterior Escolaridade anterior F % Sim Não

23 00

100 0,00

Total 23 100

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352

Tabela 4 – Distribuição das crianças conforme a idade em que começaram a freqüentar instituições de educação infantil (EI) Idade de ingresso na EI F % Menos de 1 ano 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos 6 anos Acima de 6 anos

03 01 06 10 03 00 00 00

13,04 4,35 26,09 43,48 13,04 0,00 0,00 0,00

Total 23 100 Tabela 5 – Distribuição das crianças de acordo com a instituição de origem Instituição escolar anterior F % Sempre estudou na escola em que a pesquisa foi realizada Já estudou em outra escola

11

12

47,83

52,17

Total 23 100 Tabela 6 – Distribuição das crianças conforme o bairro em que residiam Bairro F % Maruípe Santa Marta São Cristóvão Tabuazeiro Bairro da Penha Itararé Joana D’árc

07 06 04 02 02 01 01

30,43 26,08 17,39 8,70 8,70 4,35 4,35

Total 23 100

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353

Tabela 7 – Distribuição das crianças conforme as pessoas que moram em sua casa Pessoas que moram com a criança

F %

Os pais Pais e um(a) irmão(ã) Pais, irmãos e parentes Um dos pais, irmãos e parentes Um dos pais e parentes Parentes

05 09 03 02 03 01

21,74 39,13 13,04 8,70 13,04 4,35

Total 23 100 Tabela 8 – Distribuição das crianças de acordo com o número de irmãos Número de irmãos F %

Um irmão Dois irmãos Mais de dois irmãos Nenhum irmão

14 02 01 06

60,87 8,70 4,35 26,08

Total 23 100 Tabela 9 – Distribuição das crianças de acordo com ocupação do pai Ocupação do pai F % GG0: Forças Armadas, policiais e bombeiros militares GG1: Membros superiores do Poder Público, dirigentes de organização de interesse público e de empresa e gerentes GG2: Profissionais das ciências e das artes GG3: Técnicos de nível médio GG4: Trabalhadores de serviços administrativos GG5: Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados GG6: Trabalhadores agropecuários, florestais, da caça e da pesca GG7: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção discretos) GG8: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção contínuos) GG9: Trabalhadores de manutenção e reparação Desempregado Não informou

01

01 01 04 02

06

00

03

01 00

01 03

4,35

4,35 4,35 17,39 8,70

26,08 0,00

13,04

4,35 0,00 4,35 13,04

Total 23 100 Obs.: As ocupações dos pais foram organizadas tomando por base os Grandes Grupos (GG) da Classificação Brasileria das Ocupações (BRASIL, 2002) do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: <www.mtecbo.gov.br>. Acesso em: 2 abr. 2006.

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354

Tabela 10 – Distribuição das crianças conforme ocupação da mãe Ocupação da mãe F % GG0: Forças Armadas, policiais e bombeiros militares GG1: Membros superiores do Poder Público, dirigentes de organização de interesse público e de empresa e gerentes GG2: Profissionais das ciências e das artes GG3: Técnicos de nível médio GG4: Trabalhadores de serviços administrativos GG5: Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados GG6: Trabalhadores agropecuários, florestais, da caça e da pesca GG7: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção discretos) GG8: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção contínuos) GG9: Trabalhadores de manutenção e reparação Não classificada (do lar) Não informou

00

01 02 03 03

05

00

00

00 01 07 01

0,00

4,35 8,70 13,04 13,04

21,74

0,00

0,00

0,00 4,35 30,43 4,35

Total 23 100 Obs.: As ocupações das mães foram organizadas tomando por base os Grandes Grupos (GG) da Classificação Brasileria das Ocupações (BRASIL, 2002) do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: <www.mtecbo.gov.br>. Acesso em: 2 abr. 2006. Tabela 11 – Distribuição das crianças de acordo com o nível de escolarização do pai Escolarização do pai F % Ensino fundamental completo Ensino fundamental incompleto Ensino médio completo Ensino médio incompleto Ensino superior Ensino superior incompleto Nunca estudou Não informou

03 02 10 05 01 00 00 02

13,04 8,70 43,47 21,74 4,35 0,00 0,00 8,70

Total 23 100 Tabela 12 – Distribuição das crianças de acordo com o nível de escolarização da mãe (continua) Escolarização do pai F %

Ensino fundamental completo Ensino fundamental incompleto

03 05

13,04 21,74

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355

Ensino médio completo Ensino médio incompleto Ensino superior Ensino superior incompleto Nunca estudou Não informou

13 00 01 00 00 01

56,52 0,00

4,35 0,00 0,00 4,35

Total 23 100

Tabela 13 – Distribuição das crianças conforme a renda familiar declarada em questionário enviado para as famílias Renda familiar F % Um salário mínimo Um a dois salários mínimos Dois a três salários mínimos Três a quatro salários mínimos Quatro a cindo salários mínimos Cinco a seis salários mínimos Mais de seis salários mínimos Não informou

03 05 03 03 01 00 02 06

13,04 21,74 13,04 13,04 4,35 0,00 8,70 26,09

Total 23 100

Tabela 14 – Distribuição das crianças de acordo com o exercício de algum tipo de atividade remunerada Atividade remunerada F %

Não exercem trabalho remunerado Exercem trabalho remunerado

21 02

91,30 8,70

Total 23 100

Tabela 15 – Distribuição das crianças quanto à realização de tarefas domésticas Realização de tarefas domésticas F %

Disseram que sim Disseram que não Não responderam

20 01 02

86,95 4,35 8,70

Total 23 100

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356

Tabela 16 – Distribuição das crianças conforme atividades mais comuns que realizam em casa, segundo os pais Atividades que realizam em casa F %

Brincar Desenhar Assistir à televisão Pintar Escrever Ler Estudar / fazer tarefas de escola Jogar futebol Jogar videogame Cortar panos / revistas / papel Ajudar o pai Usar o computador Assistir a DVD Recortar e colar palavras/gravuras Andar de bicicleta Não informou

13 11 07 06 04 04 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01

56,52 47,83 30,43 26,09 17,39 17,39 8,70 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os pais citaram diferentes atividades que as crianças realizam em casa. O percentual foi calculado tendo por base 23 sujeitos que participaram do estudo.

Tabela 17 – Distribuição das crianças conforme atividades mais comuns que realizam fora do ambiente familiar, segundo os pais Atividades fora do ambiente familiar

F %

Passeios (parques, shoppings, praia, restaurantes, livrarias, viagens) Brincadeiras Atividades na igreja Aula de inglês Aula de pintura Visitas a familiares Não faz atividades Não informou

16

13 06 01 01 01 01 01

69,57

56,52 26,09 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os pais citaram diferentes atividades que as crianças realizam fora do ambiente familiar. O percentual foi calculado tendo por base 23 sujeitos que participaram do estudo.

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357

Tabela 18 – Distribuição das crianças segundo os programas de rádio e de televisão favoritos Programas de rádio e televisão favoritos

F %

Músicas Desenhos animados Filmes Programas evangélicos Jogo de futebol Seriado Power Rangers Novelas TV Xuxa Ronald Mac Donald Roda-roda Histórias em CD Notícias Entrevista esportiva do pai

18 18 11 05 03 02 01 01 01 01 01 01 01

78,26 78,26 47,83 21,74 13,04 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque as crianças citaram mais de um programa favorito. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista. Tabela 19 – Distribuição das crianças quanto à diversão preferida (continua) Diversões preferidas das crianças F % Jogos de computador Jogos de videogame Brincar Jogar bola Andar de bicicleta Praia Piscina Passear Brincar no parquinho da escola Carrinho bate-bate Parque aquático Pular corda Desenhar e pintar Dançar balé Brincar de boneca Brincar de cabra-cega Brincar com o cachorro Brincar de pique-parede Skate Patinete

07 06 06 03 03 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01

30,43 26,09 26,09 13,04 13,04 8,70 8,70 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

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358

Soltar pipa Andar de moto com a prima Tomar banho na banheira Internet

01 01 01 01

4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque as crianças citaram mais de uma diversão preferida. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista. Tabela 20 – Distribuição das crianças conforme opinião sobre a escola Opinião sobre a escola F % Disseram que gostam da escola Disseram que não gostam da escola

22

01

95,65

4,35

Total 23 100 Tabela 21 – Distribuição das crianças de acordo com as razões para gostar da escola Por que gostam da escola F % Por causa dos pátios Tem brinquedos É legal Tem computador/informática Por causa da professora Tem um monte de coisas Tem jogos Tem biblioteca Tem atividades legais Tem mais alunos para brincar Tem vídeo Gosta de se maquiar Gosta de desenhar Aprendeu muitas coisas A patroa da mãe que matriculou Tem mais recreio do que aula Não respondeu

10 07 06 04 03 02 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01

43,48 30,43 26,09 17,39 13,04 8,70 8,70 8,70 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças citaram mais de um razão. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista.

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359

Tabela 22 – Distribuição das crianças segundo atividades preferidas na escola

Atividades preferidas na escola F %

Brincar Desenhar Todas Computador Cruzadinha Pintar Ler Dever de casa Atividade “gostosinha” Almanacão Números Estudar

08 04 03 02 02 02 02 02 01 01 01 01

34,78 17,39 13,04 8,70 8,70 8,70 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças citaram mais de uma atividade preferida na escola. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista. Tabela 23 – Distribuição das crianças segundo atividades que não gostam de fazer na escola

Não gostam de fazer na escola F %

Não tem nenhuma Atividades difíceis Cruzadinha Escrever Quando jogam areia Brigar Ler Leite no lanche Desenhar coisas feias Quando rabiscam o dever Brincar com colegas grandes Quando a professora briga Não opinaram

04 03 03 03 03 03 02 01 01 01 01 01 01

17,39 13,04 13,04 13,04 13,04 13,04 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs. Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças citaram mais de uma atividade que não gostam de fazer na escola. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista. Tabela 24 – Distribuição das crianças quanto ao gosto pela leitura

Gostam de ler F %

Sim Não Não opinaram

19 00 04

82,61 0,00 17,39

Total 23 100

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360

Tabela 25 – Distribuição das crianças de acordo com os materiais preferidos nas leituras As crianças gostam de ler F % Livros de histórias Revistas Jornais Coletânia da igreja Palavra do Senhor Músicas Piadas Histórias do Smilinguido Histórias da Mônica Histórias do Mágico de Oz Placas Aquilo que escreve Matemática Inglês e japonês Caderno da prima Um monte de coisas Não informou

14 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 03

60,86 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 13,04

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças citaram mais de um material utlizado para leitura. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista.

Tabela 26 – Distribuição das crianças de acordo com os materiais que os pais observam que as crianças utilizam para leitura no ambiente familiar Materiais que as crianças usam para ler segundo os pais

F %

Literatura infantil Gibis Revistas Jornais Bíblia Encartes de supermercado Manuais de instrução Caderno de atividades Não informou

20 08 08 07 03 01 01 01 01

86,96 34,78 34,78 30,43 13,04 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque alguns pais citaram mais de um material utlizado para leitura. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos queparticiparam do estudo.

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361

Tabela 27 – Distribuição das crianças conforme os familiares que costumam ler para/com elas em casa, segundo as próprias crianças Familiares que lêem para/com a criança

F %

Mãe Pai Primo(a) Irmão(a) Tio(a) Avó Ninguém

17 09 05 03 03 02 01

73,91 39,13 21,74 13,04 13,04 8,70 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças citaram mais de uma pessoa da família que realiza leituras para ela. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista. Tabela 28 – Distribuição das crianças de acordo com os materiais que os familiares usam quando fazem leitura para/com elas, segundo as próprias crianças O que os familiares lêem para as crianças

F %

Histórias Atividades escolares Revistas Coisas no computador Jornal Revistinhas Correspondências da escola Jogos Coisas que não sabe ler Não lêem nada

18 02 02 01 01 01 01 01 01 01

78,26 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças citaram mais de uma fonte de leitura. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista. Tabela 29 – Distribuição das crianças de acordo com a periodicidade da leitura que os familiares fazem para/com ela, segundo as próprias crianças (continua) Periodicidade da leitura para/com a criança em casa

F %

Às vezes Quando tem tarefa Sempre À noite

09 03 02 02

39,11 13,04 8,70 8,70

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362

Nos finais de semana e feriados Todo dia Na hora de dormir Só uma vez Não informou

02 01 01 01 02

8,70 4,35 4,35 4,35 8,70

Total 23 100 Tabela 30 – Distribuição das crianças quanto ao gosto pela escrita Gostam de escrever F %

Sim Não Mais ou menos Não opinaram

20 02 01 00

86,95 8,70 4,35 0,00

Total 23 100 Tabela 31 – Distribuição das crianças sobre quando e em que lugar fazem uso da escrita Quando e onde escrevem F %

Na escola Em casa Todo dia No computador Quando escreve carta, música, recado, convite Não informou

11 11 03 02

01 02

47,83 47,83 13,04 8,70

4,35 8,70

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças disseram que escrevem em diferentes situações. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista. Tabela 32 – Distribuição das crianças por tipo de materiais escritos que possuíam em casa, segundo os pais Tipo de material escrito F %

Livros Revistas Jornais Correspondências pessoais Não informou

17 14 12 05 01

73,91 60,87 52,17 21,74 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os familiares informaram mais de um tipo de material escrito. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram do estudo.

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363

Tabela 33 – Distribuição das crianças conforme os títulos de livros, revistas e jornais que circulam no ambiente familiar, citados pelos pais Títulos de livros, revistas e jornais F % Livros de literatura infantil Jornal A tribuna Revista Veja Jornal Notícia Agora Gibis Livros didáticos Revista Isto é Bíblia Revista Caras Jornal A Gazeta Revista da Igreja Revista Comunhão Livro de poesias Revista Natura Revista Época Revista Cláudia Revista Recreio Revista Class Não informou

13 10 05 04 04 04 04 03 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 02

56,52 43,48 21,74 17,39 17,39 17,39 17,39 13,04 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 8,70

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os familiares informaram diversos títulos. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram do estudo.

Tabela 34 – Distribuição das crianças de acordo com os familiares que colaboram na realização das tarefas escolares, segundo as próprias crianças Familiares que colaboram nas tarefas de casa

F %

A mãe O pai A avó O irmão / a irmã A tia A prima Várias pessoas Realiza as tarefas sem ajuda Não respondeu

13 07 02 02 01 01 01 02 01

56,52 30,43 8,70 8,70 4,35 4,35 4,35 8,70 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque algumas crianças informaram mais de um familiar. O percentual foi calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram da entrevista.

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364

Tabela 35 – Distribuição das crianças de acordo com o grau de autonomia no uso da escrita em casa, conforme opinião dos pais Quando necessita usar a escrita em casa, a criança:

F %

Às vezes solicita ajuda de outra pessoa Sempre solicita ajuda de outra pessoa Geralmente escreve sozinha Não faz uso da escrita Não respondeu

09

08

04 00 02

39,13

34,78

17,39 0,00 8,70

Total 23 100

Tabela 36 – Distribuição das crianças de acordo com a importância atribuída ao aprender a ler e a escrever Aprender a ler e a escrever para as crianças

F %

É importante Não é importante

23 00

100 0,00

Total 23 100

Tabela 37 – Distribuição das crianças de acordo com as razões explicitadas para justificar a importância de aprender a ler e escrever Razões apresentadas pelas crianças

F %

Referentes aos usos da linguagem escrita no contexto escolar com uma preocupação voltada para o ingresso no ensino fundamental e para a realização de tarefas escolares Referentes aos usos cotidianos da escrita, incluindo situações prazerosas de leitura Referentes a uma preocupação com o futuro Não souberam responder

12

07

02 02

52,17

30,43

8,70 8,70

Obs.: O percentual foi calculado com base nas 23 crianças que participaram da entrevista.

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365

Tabela 38 – Distribuição das crianças conforme respostas apresentadas pelos pais quanto à importância de aprender a ler e escrever Aprender a ler e a escrever para os pais

F %

É importante Não é importante Não respondeu

22 00 01

95,65 0,00 4,35

Total 23 100

Tabela 39 – Distribuição das crianças conforme as razões atribuídas pelos pais para a importância do aprender a ler e escrever Razões oferecidas pelos pais F % Projeção para o futuro / crescimento profissional Vida em sociedade / exercício da cidadania Vida escolar Auto-estima Direito da criança Não respondeu

13

09

03 02 02 01

56,52

39,13

13,04 8,70 8,70 4,35

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque alguns pais explicitaram mais de uma razão para a importância de aprender a ler e escrever. O percentual foi calculado com base nos 23 sujeitos envolvidos no estudo.

Tabela 40 – Opinião dos pais sobre a fase mais propícia para o aprendizado da escrita

Melhor fase para a criança aprender a escrever

F %

No pré/alfabetização Desde o berçário No jardim de infância Na 1ª série Do pré a 1ª série Do pré até se formar Não existe fase Não informou

15 02 01 01 01 01 01 01

65,20 8,70 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35 4,35

Total 23 100 Obs.: Percentual calculado tendo por base os 23 sujeitos que participaram do estudo.

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366

APÊNDICE N – LEVANTAMENTO DOS DIAS EM CAMPO

Mês Dias de observação participante em

sala de aula

Dias em que foram realizadas outras

atividades em campo

Total

Março

30 01 dia

Abril

07, 08, 13, 14, 25, 26 06 dias

Maio

09, 11, 17, 18, 24, 25, 31 03, 06, 19

10 dias

Junho

02, 07, 08, 09, 14, 22, 23, 24, 29, 30 06

11 dias

Julho

12, 13, 19, 20 -

04 dias

Agosto

03, 04, 09, 10, 12, 17, 23, 24, 25,

30, 31

15

12 dias

Setembro

02, 06, 14, 16, 20, 27, 29 -

07 dias

Outubro

07, 11, 14, 25 -

04 dias

Novembro

01, 08, 09, 10, 16, 18, 22, 23, 25,

29, 30

18

12 dias

Dezembro

02, 06, 09, 12, 13 19, 20

08 dias

TOTAL 60 dias 15 dias

75 dias

Quadro 1 – Levantamento dos dias em campo

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367

APÊNDICE O – TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

Forma de registro Evento Data Diário de

campo Fotos Audiovisual

(fotográfica) Audiovisual

(VHS) 01 9-5-2005 X 02 11-5-2005 X X 03 17-5-2005 X X 04 18-5-2005 X 05 24-5-2005 X X 06 25-5-2005 X 07 31-5-2005 X X 08 2-6-2005 X X 09 7-6-2005 X X 10 8-6-2005 X X 11 9-6-2005 X X 12 14-6-2005 X X X 13 22-6-2005 X X 14 23-6-2005 X 15 24-6-2005 X 16 29-6-2005 X X 17 30-6-2005 X X X 18 12-72005 X X 19 13-7-2005 X X 20 19-7-2005 X X X 21 20-7-2005 X X X 22 3-8-2005 X X 23 4-8-2005 X X 24 9-8-2005 X X 25 10-8-2005 X X 26 12-8-2005 X X 27 17-8-2005 X X X 28 23-8-2005 X X X 29 24-8-2005 X X X 30 25-8-2005 X X X 31 30-8-2005 X X X 32 31-8-2005 X X X 33 2-9-2005 X X X 34 6-9-2005 X X X 35 14-9-2005 X X X 36 16-9-2005 X X X 37 20-9-2005 X X X 38 27-9-2005 X X 39 29-9-2005 X X X 40 07-10-2005 X X 41 11-10-2005 X X X 42 14-10-2005 X X X 43 25-10-2005 X X X 44 1-11-2005 X X X 45 8-11-2005 X X X 46 9-11-2005 X X X 47 10-11-2005 X X X 48 16-11-2005 X X 49 18-11-2005 X X 50 22-11-2005 X X 51 23-11-2005 X X X 52 25-11-2005 X 53 29-11-2005 X X X 54 31-11-2005 X X X 55 2-12-2005 X X X 56 6-12-2005 X X X 57 9-12-2005 X 58 12-12-2005 X 59 13-12-2005 X X X 60 14-12-2005 X

TOTAL 60 50 07 22

Quadro 2 – Técnicas de observação participante

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368

APÊNDICE P – FOTOS QUE COMPÕEM O CORPUS DA PESQUISA

Natureza das fotos Evento: Data Textos das

crianças Textos usados

em aula Movimentos dos

sujeitos

Total

02: 11-5-2005 10 10 03: 17-5-2005 01 01 05: 24-5-2005 03 03 07: 31-5-2005 06 06 08: 2-6-2005 03 03 06 09: 7-6-2005 04 04 10: 8-6-2005 04 04 11: 9-6-2005 04 01 05 12: 14-6-2005 09 08 17 13: 22-6-2005 10 02 03 15 16: 29-6-2005 01 01 17: 30-6-2005 05 05 18: 12-7-2005 07 07 19: 13-7-2005 05 01 06 20: 19-7-2005 18 16 34 21: 20-7-2005 09 02 09 20 22: 3-8-2005 09 09 23: 4-8-2005 06 16 22 24: 9-8-2005 12 12 25: 10-8-2005 16 06 22 26: 12-8-2005 01 01 02 27: 17-8-2005 09 09 28: 23-8-2005 17 06 05 28 29: 24-8-2005 02 07 09 30: 25-8-2005 06 01 02 09 31: 30-8-2005 11 02 13 32: 31-8-2005 05 02 07 33: 2-9-2005 20 15 02 37 34: 6-9-2005 02 02 35: 14-9-2005 53 53 36: 16-9-2005 01 01 37: 20-9-2005 14 14 38: 27-9-2005 11 11 39: 29-9-2005 19 19 40: 7-10-2005 07 07 41: 11-10-2005 09 09 42: 14-10-2005 06 06 43: 25-10-2005 21 21 44: 1-11-2005 15 06 21 45: 8-11-2005 04 04 46: 9-11-2005 11 04 15 47: 10-11-2005 18 18 48: 16-11-2005 02 02 49: 18-11-2005 01 01 50: 22-11-2005 12 04 16 51: 23-11-2005 20 01 21 53: 29-11-2005 06 03 09 54: 31-11-2005 01 01 02 55: 2-12-2005 19 03 01 23 56: 6-12-2005 08 01 09 59: 13-12-2005 20 03 23

Total 476 57 97 630

Quadro 3 – Fotos que compõem o corpus da pesquisa

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APÊNDICE Q – EVENTOS OBSERVADOS EM SALA DE AULA

SITUAÇÕES DE PRODUÇÃO ESCRITA

Gêneros textuais

Evento: data Contexto de produção Proposta de produção

02.2: 11-5-2005

Projeto de literatura: História em quadrinhos Dia das mães

Compor uma história com quatro quadrinhos, observando começo, meio e fim

07: 31-5-2005

Projeto de literatura: História em quadrinhos

Contar uma história em três quadrinhos, com começo, meio e fim, usando balões de fala

20: 19-7-2005

Projeto de literatura: História em quadrinhos

Contar uma história diferente, usando os balões de fala pesquisados em aula

23.2: 4-8-2005

Projeto de literatura: Fábula O galo e a raposa

Contar a história do galo e da raposa por meio de quatro quadrinhos, usando balões de fala

47: 10-11-2005

Projeto de literatura Narrativa em versos: O que tem nessa venda?

Compor uma história em quadrinhos, com quatro cenas, contando uma situação de compra

Histórias em quadrinhos

53: 29-11-2005

Projeto de literatura: Histórias da Eva Furnari

Produzir uma história em quadrinhos, com três cenas, no estilo da Eva Furnari

02.1: 11-5-2005

Dia das Mães: quadrinhos de Amarildo (A Gazeta, 08/05/2005)

Contar o que aconteceu na história produzida por Amarildo

21.2: 20-7-2005

Projeto de literatura: Quadrinhos Cadê a Dilly?

Narrar coletivamente o que aconteceu na história com registro individual

39.2: 29-9-2005

Avaliação das escritas seguida de reunião de pais

Escrever o que está acontecendo na história em quadrinhos intitulada Violência

54: 30-11-2005

O trabalho com quadrinhos: texto de Maurício de Souza, sem recursos de fala.

Narrar coletivamente a história com a professora como a escriba do texto.

55: 2-12-2005

Diagnóstico das escritas das crianças

Escrever uma seqüência narrativa simples, elaborada coletivamente, a partir do texto Sol e Lua (Eva Furnari)

Reescrita a partir de

quadrinhos

59: 13-12-2005

O trabalho com quadrinhos: Eva Furnari

Montar a seqüência de vinhetas e narrar a história O elefante (em duplas)

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10: 8-6-2005

Fórum da Educação Infantil na Rede Municipal de Vitória

Dizer do que não gosta na escola, por meio da escrita, e do desenho para participar da enquete realizada na escola

11: 9-6-2005

Fórum da Educação Infantil na Rede Municipal de Vitória

Dizer do que gosta na escola, por meio da escrita, e do desenho para participar da enquete realizada na escola

32: 31-8-2005

Projeto institucional sobre os direitos da criança

Expor opinião sobre o trabalho infantil por meio da linguagem escrita, numa elaboração coletiva de idéias, a partir da leitura de fotos

33: 2-9-2005

Exposição de trabalhos literários na escola

Escrever um recado para os autores dizendo o que acharam da história Chapeuzinho Laranja

35.1: 14-9-2005

Projeto institucional sobre os direitos da criança

Dizer, usando balões de fala, o que acham que as crianças das fotos estão pensando enquanto trabalham

35.2: 14-9-2005

Projeto institucional sobre os direitos da criança

Expor opiniões sobre o trabalho infantil a partir da foto de uma criança trabalhando, numa elaboração escrita individual

43: 25-10-2005

Comemorações do dia das crianças na escola

Escrever sobre o que gostaram nas atividades da semana da criança realizada na escola

Texto de opinião

51: 23-11-2005

Projeto institucional: direitos da criança

Escrever o que pensa sobre a falta de moradia

09: 7-6-2005

Fórum da Educação Infantil na Rede Municipal de Vitória

Comunicar, por meio de relatório elaborado coletivamente com registros individuais das crianças, como foi a escolha do representante da turma para participar do fórum

16: 296-2005

Visita de estudos ao Centro de Educação Ambiental da Companhia Siderúrgica de Tubarão

Contar para a mãe e para as pessoas que não conhecem o local como foi a visita de estudos, usando a linguagem escrita (em duplas)

Relatórios

17.2: 30-6-2005

Visita de estudos ao Parque Botânico da Companhia Vale do Rio Doce

Relatar como foi a visita de estudos ao parque botânico, primeiro com a professora sendo a escriba e depois digitando o texto

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04: 18-5-2005

Projeto institucional Direitos das crianças: o direito de brincar

Escrever uma lista com os nomes de brincadeiras ditados pela professora

35.3 e 36: 14-9-2005 16-9-2005

Falta de material para as crianças realizarem os trabalhos em sala de aula

Listar os materiais que estão faltando no estojo para encaminhar à pedagoga, primeiro individualmente e depois com levantamento feito pela professora

Lista de palavras

41: 11-10-2005

Dia das crianças: relatos na roda de conversa

Escrever uma lista com os nomes dos brinquedos que irão ganhar no dia das crianças

03: 17-5-2005

Projeto institucional Os direitos da criança: direito de brincar

Recontar o que aconteceu nas cenas, criando um final para a história: O menino e seu barquinho

Reconto

25: 10-8-2005

Entrada do gênero fábula com a chegada da nova professora

Criar um final diferente para a fábula A raposa e a cegonha

Relato Pessoal

44: 1-11-2005

Relatos na roda a partir da história Luli, a foca

Narrar um momento legal vivido em família

Poema

29: 24-8-2005

Projeto institucional Direitos das crianças: música Criança não trabalha

Criar um poema com as coisas que as crianças gostariam que tivessem na música, usando rimas, tendo a professora como escriba do texto

Carta de solicitação

46: 9-11-2005

Problema observado pelas crianças com o cachorro da vizinha, uma funcionária que trabalha na escola

Escrever uma carta (em duplas) para a dona do cachorro convencendo-a a cuidar melhor do mesmo

Bilhete

45: 8-11-2005

Acordos para trazer brinquedo para a escola

Elaborar, coletivamente, um bilhete para os pais informando-os sobre o dia do brinquedo na escola

OUTRAS SITUAÇÕES OBSERVADAS

Atividades que focalizaram o

desenho

08: 2-6-2005

Projeto institucional Os direitos da criança: direito de estudar

Dizer o que achou da obra A escola (Velasquez) e fazer um desenho comparando a escola retratada na obra a própria escola

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06: 25-5-2005

Aula no laboratório de informática

Desenhar a história dos Zoombines, um jogo em CD rom

13.1: 22-6-2005

Preparação para a visita ao Parque da Vale

Desenhar as coisas que acham que têm no parque

17.1: 30-6-2005

Visita ao Parque Botânico da Companhia Vale do Rio Doce

Desenhar as coisas que observou no parque para comparar com o que produziu antes da visita

22: 3-8-2005

Primeiro dia de aula com a nova professora

Desenhar os personagens da história Os três porquinhos

24: 9-8-2005

Entrada do gênero fábula na sala de aula

Desenhar um final diferente para a história

27: 17/08/05 Projeto institucional Os direitos da criança: trabalho infantil

Expor opinião sobre o trabalho infantil por meio do desenho – uso parcial da escrita

31: 30-8-2005

Produção do poema Criança tem direito de brincar

Desenhar as coisas citadas no poema

34: 6-9-2005

Exposição de trabalhos lierários na escola: história O bebê de Cinderela

Contar o que gostou na história por meio do desenho

37: 20-9-2005

Projeto institucional Direitos da criança: a nossa escola

Desenhar a professora cujo nome deu origem ao nome da escola

38.2: 27-9-2005

Trabalho infantil: música Criança não trabalha

Desenhar crianças trabalhando e crianças dando trabalho

01: 9-5-2005

Oficina realizada com os familiares: brincadeira de criança

Escrever coletivamente os nomes das brincadeiras desenhadas pelos pais

05: 24-5-2005

Festa Junina: preparação para a dança Caiu no laço

Copiar a estrofe da música observando os espaços entre palavras

12: 14-6-2005

Diagnóstico dos níveis de escrita das crianças Trabalho com a música Be-a-bá: projeto direitos das crianças

Escrever palavras da música escolhidas pelas crianças e ditadas pela professora ou frases elaboradas com palavras da música

Atividades destinadas ao trabalho com o

sistema lingüístico

13.2: 22-6-2005

Avaliação das escritas das crianças com a música Be-a-bá

Reescrita das palavras e frases produzidas no dia 14-6 para apresentar na reunião de pais

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18: 12-7-2005

Visita ao Parque da Vale Digitar uma parte do texto produzido no dia 30-6-2005 sobre a visita de estudo

19: 13-7-2005

Visita ao Parque da Vale Corrigir a parte do texto digitada observando o espaço entre as palavras

21.1: 20-7-2005

Projeto de literatura: histórias em quadrinhos

Montar um cartaz com os tipos de balões encontrados nas revistinhas

23.1: 4-8-2005

História Os três porquinhos contada no primeiro dia da nova professora

Pintar e caçar letras dos nomes dos personagens ou desenhá-los e escrever seus nomes

26: 12-8-2005

Projeto de literatura: histórias em quadrinhos

Produzir coletivamente uma legenda para destacar na história as onomatopéias, narração e fala das personagens

28: 23-8-2005

- Projeto de literatura: histórias em quadrinhos

Montar um cartaz com as onomatopéias produzidas pelas crianças

30: 25-8-2005

- Projeto institucional Direitos das crianças

Produzir coletivamente uma legenda para marcar no poema Criança não trabalha as coisas de que gostam e não gostam

38.1: 27-9-2005

- Exploração das relações grafia-som com palavras da música Criança não trabalha

Encontrar no texto as palavras indicadas observando número de letras, letra inicial e final

39.1: 29-9-2005

- Avaliação dos níveis de escrita das crianças para reunião de pais

Escrever uma lista de palavras das coisas que aparecem na história em quadrinhos Violência

42: 14-10-2005

- Avaliação das escritas seguida de reunião de pais

Reescrever, com ajuda da professora, o texto produzido sobre os quadrinhos Violência

48: 16-11-2005

- Uso da apostila Preencher cruzadinha

50: 22-11-2005

- Trabalho com a narrativa em versos O que tem nessa venda?

Criar novas rimas para o poema, completando o texto lacunado

56: 6-12-2005

Diagnóstico das escritas das crianças

Reescrever a história Sol e Lua

Quadro 4 – Eventos observados em sala de aula

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APÊNDICE R: LEVANTAMENTO DAS TRANSCRIÇÕES EFETUADAS

Evento Data Tempo

12: Diagnóstico II - Música “Be-a-bá” 14-6-05 3’10

17: Relatório da visita ao Parque Botânico da Vale do Rio Doce 30-6-05 6’45

20: Produção de quadrinhos usando tipos de balões pesquisados 19-7-05 4’25

21.1: Cartaz com tipos de balões 20-7-05 2’45

21.2: História em quadrinhos: “Cadê a Dilly” 20-7-05 7’55

27: Trabalho infantil: o que diz a Serafina 17-8-05 6’48

28: Onomatopéias 23-8-05 56’30

29: Poema “Criança tem direito de brincar” 24-8-05 2: 04’00

30: Leitura do poema “Criança não trabalha” 25-8-05 12’25

32: Opiniões sobre o trabalho infantil a partir de imagens 31-8-05 49’54

33: Visita à exposição de trabalhos do grupo quatro 2-9-05 43’42

35.1: Colocando-se no lugar das crianças que trabalham 14-9-05 1: 04’00

35.2: Minha opinião sobre o trabalho infantil 14-9-05 14’20

35.3: Lista de material escolar 14-9-05 10’10

36: Levantamento do material escolar solicitado pelas crianças 16-9-05 3’21

39: Diagnóstico III - “Violência” 29-9-05 1: 30’00

41: Dia das crianças – lista de brinquedos 11-10-05 1: 10’45

42: Reescrita do texto “Violência” 14-10-05 1: 39’00

43: Semana da criança na escola 25-10-05 32’04

44: Momentos em família 1-11-05 2’18

45: Brinquedo na sala de aula 8-11-05 29’14

46: “Um dia de cão” 9-11-05 1: 20’45

47: “O que tem nessa venda” 10-11-05 1: 17’00

51: O direito à moradia – Poema “Sem casa” 23-11-05 1: 43’21

53: Quadrinhos de Eva Furnari 29-11-05 1: 05’44

54: “O passeio da Mônica” 30-11-05 59’00

55: Quadrinhos de Eva Furnari – “Sol e Lua” 2-12-05 28’00

56: Quadrinhos de Eva Furnari – Reescrita do texto “Sol e Lua” 6-12-05 35’00

59: Quadrinhos de Eva Furnari – “O elefante” 13-12-05 29’49

TOTAL: 29 EVENTOS

Quadro 5 – Eventos em que foram efetuadas transcrições