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O TRABALHO MULTIFUNCIONAL E OS IMPACTOS NA SAÚDE DO TRABALHADOR: uma análise sob o enfoque da precarização
Jéssica Pereira Cosmo da Silva1 Bernadete de Lourdes Figueiredo de Almeida2
Resumo: O objeto deste estudo centra sobre a multifuncionalidade conformada nas atuais condições de trabalho. Nesse sentido, objetiva investigar a multifuncionalidade do trabalho a partir das categorias trabalho – saúde – doença junto aos/às trabalhadores/as atendidos/as no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST) na cidade de João Pessoa/PB. Em termos metodológicos, tipifica-se como um estudo analítico de cunho observacional e transversal, também contempla o levantamento bibliográfico acerca das categorias que perpassam a análise do objeto deste estudo; bem como a pesquisa documental. Os resultados evidenciaram que 70% dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP realizam o trabalho multifuncional. Palavras-chave: Trabalho. Precarização. Multifuncionalidade. Adoecimento. Abstract: The object of this study focuses on multifunctionality shaped the current working conditions. In this sense, it aims to investigate the multifunctionality of work from work categories - health - disease with the / the workers / the met / in the Regional Reference Center in Occupational Health (CEREST) in the city of João Pessoa / PB. In methodological terms, it typifies as an analytical study of observational and transversal nature, also includes the literature concerning the categories that underlie the analysis of the object of this study; and documentary research. The results showed that 70% of / the workers / the met / in the CEREST / JP perform the multifunctionalwork. Keywords: Work. Precariousness. Multifunctionality. Illness.
1 Estudante do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. 2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.
1.INTRODUÇÃO
O presente estudo investigativo decorre do desenvolvimento do Trabalho de
Conclusão de Curso, realizado a partir dos levantamentos do Estágio Supervisionado I e II,
desenvolvidos no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador – CEREST/
João Pessoa, junto ao Núcleo de Acolhimento e Assistência. As observações empíricas
levantadas durante os acompanhamentos supervisionados dos atendimentos realizados
pelo Núcleo de Acolhimento e Assistência possibilitaram conhecer a realidade dos/as
trabalhadores/as atendidos/as, que a partir das suas falas ao descrever sua história laboral,
apontaram a multifuncionalidade do trabalho ao processo de adoecimento.
Diante dessa realidade, surgiu o interesse em proceder um estudo investigativo
sobre as condições precárias de trabalho provocadas pelas atuais transformações no
mundo do trabalho na perspectiva da multifuncionalidade e a relação com o processo de
adoecimento do trabalhador.
Conforme já aludido, intenta-se analisar criticamente as atuais condições de trabalho
a partir da multifuncionalidade e o consequente processo de adoecimento dos/as
trabalhadores/as atendidos/as no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador
de João Pessoa/ PB. Busca-se, em termos específicos, investigar o perfil socioeconômico e
ocupacional dos/as trabalhadores/as atendidos/as no Centro de Referência Regional em
Saúde do Trabalhador de João Pessoa/ PB; analisar a história laboral dos usuários do
CEREST/JP a partir da descrição do processo de trabalho e do processo de adoecimento do
trabalhador; e, examinar a relação entre as condições multifuncionais de trabalho e o
processo de adoecimento do trabalhador, bem como caracterizar as doenças mais
frequentes nos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/ João Pessoa/PB.
2. AS ATUAIS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO: sob o enfoque da precarização
O contexto das recentes crises capitalistas e suas respectivas respostas incidem em
transformações que ao adotarem um modelo de “Acumulação Flexível” (HARVEY, 1992) de
cunho neoliberal, precarizam, flexibilizam e terceirizam o processo de trabalho, subordinado
ao capital sob nova organização do trabalho, derivado do modelo japonês, o toyotismo, O
sistema de organização do trabalho toyotista,
[...] surgiu num contexto de crescimento econômico lento, em meio a um mercado interno que, se por um lado visava o consumo de praticamente todos os tipos de bens e serviços, mostrando-se diversificado, por outro se caracterizava pela pequena expansão da demanda. (PINTO, 2010, p.61)
A Acumulação Flexível, “[...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. (ANTUNES, 2012, p. 28).
Diferente do Fordismo, o Toyotismo, fundamenta-se no estoque mínimo, se produz de
acordo com a demanda de consumo, “[...] o melhor aproveitamento possível do tempo de
produção (incluindo-se também o transporte, o controle de qualidade e o estoque), é
garantido pelo just in time”. (ANTUNES, 2012, p. 33)
As mudanças no mundo de trabalho que se instalaram desde a crise fordista da
década de 1970, e se intensificaram com a crise de 2007/2008 no setor imobiliário, referem-
se aos vínculos empregatícios, às relações contratuais, à jornada de trabalho, à
precarização da saúde dos trabalhadores, à agudização do processo de coisificação das
relações sociais, aos direitos trabalhistas, e à organização política (sindical) dos
trabalhadores. Nesse sentido,
[...] a precarização das formas de organização do trabalho traduz as condições sócio-históricas atuais de reprodução do capital, fundamentado em uma organização mais complexa e flexível, substancial ao novo padrão de acumulação, no qual a força de trabalho, apesar de necessária ao capital, é por ela mesma desvalorizada e colocada em condições para que possa ser explorada ao máximo. (MARONEZE, 2011, p. 07)
O processo de trabalho fundamentado nas relações capitalistas sob a forma de
organização flexível ampliou o grau de exploração da força de trabalho, em que elevou a um
patamar mais alto as formas de precariedade do trabalho, revelando-se como um processo
que desestabiliza, fragiliza e vulnerabiliza a classe trabalhadora. Embora o trabalho
precarizado seja um processo inerente ao modo de produção capitalista, cabe evidenciar
que “[...] com o novo modelo de reorganização do capital, assumem uma forma mais
ofensiva, principalmente com a retomada do pensamento neoliberal que prega o
desmantelamento da legislação social e de políticas voltadas à defesa e proteção social do
trabalhador. ” (MARONEZE, 2011, p. 05).
Quanto às formas do vínculo empregatício e às relações contratuais, caracterizam-se
pela informalidade, contrato temporário, intensificação do ritmo de trabalho, aumento da taxa
de desemprego, competividade, terceirização, rotatividade e multifuncionalidade no
processo de trabalho. “A escolha organizacional da polivalência trouxe impactos
problemáticos para a identidade dos assalariados que antes experimentavam orgulho
profissional por suas especialidades” (SELIGMANN-SILVA, 2001).
Quanto ao trabalho terceirizado, esse tende a precarizar o processo de trabalho,
uma vez que nessa forma de contratação tem-se a redução do salário, a rotatividade dos
trabalhadores, o aumento da jornada de trabalho, o aumento dos riscos de acidente de
trabalho, além da redução ou negação dos benefícios. Segundo Antunes e Druck (2013, p.
220), essas novas formas de organização de trabalho,
[...]se evidencia (m), através da terceirização, condições de trabalho e salariais que definem trabalhadores de primeira e segunda categorias, como porta para o trabalho análogo ao de escravo, e em que a discriminação se dá não apenas por parte da empresa contratante, mas também entre os próprios trabalhadores contratados diretamente e os chamados “terceiros”, cuja denominação já revela a distinção ou a condição aparte, de fora, externa.
Outro fenômeno que imputa a precarização ao processo de trabalho é a introdução
do trabalhador multifuncional, que conforme mencionado anteriormente, trata-se da
execução de diferentes funções ou tarefas no processo produtivo, de modo que se constitui
na intensificação do ritmo de trabalho e, no consequente aumento do fenômeno do
desemprego, tendo em vista que essa forma de organização do trabalho reduz o número de
trabalhadores necessários para a produção.
Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era informacional, capaz de operar com máquinas com controle numérico [...]. E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, ou então vivenciando o desemprego estrutural. (ANTUNES, 2011, p. 198)
Revela-se também como uma estratégia de controle do tempo por parte do
empregador, exigindo mais do trabalhador em diferentes setores, ou seja, interessa ao
empregador não ver o trabalhador parado.
O conjunto atual das mudanças no mundo do trabalho, que vem sendo apresentado
no decorrer deste texto, tem penalizado significativamente a classe trabalhadora que se
submete ainda mais às condições de exploração do sistema capitalista, com seus direitos
negados e destituídos, além da ineficiência do sistema de proteção social que minimize os
efeitos das condições precárias de trabalho e de vida, as quais os trabalhadores estão
submetidos atualmente. Desse modo, o processo de flexibilização impacta desde os direitos
dos trabalhadores à sua forma de organização enquanto classe.
As consequências dessas mudanças pautadas na flexibilização refletem também
diretamente na saúde do trabalhador, que passa a ter sua capacidade laboral comprometida
ao inserir-se em condições precárias e multifuncionais de trabalho. Ao adoecerem, os
trabalhadores tornam-se disfuncionais ao mercado de trabalho, pois, conforme Abramides e
Cabral afirmam (2003, p. 07), “a força de trabalho, considerada mercadoria básica no
processo de produção capitalista, é requerida pelo mercado, mas lhe é exigido ter a saúde
necessária para executar um processo de trabalho[...]”, e é consumida até o seu desgaste.
2.1. As condições de trabalho dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP
Conforme já elucidado neste estudo, o processo de trabalho sofreu profundas
transformações, oriundas da crise do capital contemporâneo, e, do processo de
restruturação produtiva.
Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a expressãomais profunda da crise estrutural que assola a (des)sociabilização contemporânea: destrói-se força humana que trabalha; destroçam-se os direitos sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e trabalhos que vivem do trabalho[...] são expressões de uma lógica societal onde o capital vale e a força humana de trabalho só conta enquanto parcela imprescindível para a reprodução desse mesmo capital ( ANTUNES, 2011, p. 191-192)
Nesse sentido, o objetivo deste estudo é abordar os impactos das atuais
transformações no mundo do trabalho, e, sobretudo, as condições de trabalho a partir de 50
(cinquenta) prontuários dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP e o conseqüente
processo de adoecimento dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP.
2.1.1 Perfil dos trabalhadores atendidos no CEREST/JOÃO PESSOA
Foram pesquisados uma amostra de 50 prontuários dos/as trabalhadores/as
urbanos/as e rurais atendidos/as no CEREST/JP. De modo que a discussão analítica do
perfil dos 50 (cinquenta) trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP envolveu um
conjunto de variáveis que versam sobre os dados sociodemográficos e sócioocupacionais.
2.1.2 Dados sociodemográficos
A análise dos dados sociodemográficos compreende as seguintes variáveis: Sexo,
Faixa Etária e Cor/Raça. Esses dados passam a ser analisados através da leitura tabular e
gráfica
Com relação ao sexo dos/as 50 (cinquenta) trabalhadores/as atendidos/as no
CEREST/JP, a leitura dos dados revela a predominância (56%) do sexo feminino. Essa
significativa diferença percentual entre sexos (masculino e feminino) pode ser explicada pela
crescente inserção atual da figura feminina no mercado de trabalho.
Na análise dos dados referentes à faixa etária dos/as trabalhadores/as, evidencia-se
que 72% têm entre 31 e 50 anos de idade, portanto, são as estratificações etárias mais
incidentes. O que impacta na leitura desses dados é a predominância da faixa etária
superior a 30 anos, cujo processo de adoecimento acontece quando os/as trabalhadores/as
estão em plena capacidade laborativa. O fato de 76% encontrarem-se na faixa etária
superior a 30 anos também indica que na inserção do mercado de trabalho valoriza-se ainda
o requisito da experiência profissional. Embora, de acordo com Antunes, “O mundo do
trabalho atual tem recusado os trabalhadores herdeiros da “cultura fordista”, fortemente
especializados, que são substituídos pelos trabalhadores “polivalentes e multifuncionais” da
era toyotista.” (2008, p.6)
Chama-se atenção para a incidência significativa de 24% dos/as trabalhadores/as na
faixa etária inferior a 30 anos já encontrar-se em processo de adoecimento.
Outra variável que compreende os dados sociodemograficos é a etnia dos/as
trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, apresentados no Gráfico abaixo. Os dados
revelam a prevalência de 63% da cor parda e 10% de negros; indica ainda que 16% são
brancos, 2% amarelos e 10% dos/as trabalhadores/as não declararam sua cor.
Fonte: CEREST/SMSJP
Gráfico 01 – Cor/Raça dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. João Pessoa, 2014.
O fato de a maioria (73%) dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP ser
parda e negra ultrapassa a média nacional, embora tenha ocorrido um aumento da
população brasileira que se autodeclarou parda - com um percentual de 43,1% - de acordo
com o Censo 2010 (IBGE, 2011); enquanto, nessa mesma fonte, o número de brasileiros
brancos corresponde a um percentual de 47,7%.
A prevalência de pardos e negros entre os/as trabalhadores/as atendidos/as no
CEREST/JP aponta a desigualdade racial que se expressa majoritariamente no mundo do
trabalho precarizado. Desse modo, comprova-se que a maioria dos trabalhadores submetida
a condições precárias de trabalho que propiciam o adoecimento, é parda e negra.
2.1.3 Dados sócio-ocupacionais
Esses dados compreendem uma série de variáveis em torno das condições de
trabalho dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, entre elas a relação
empregatícia no mercado de trabalho, renda mensal do r e carga horária.
Os dados acerca da relação empregatícia no mercado de trabalho dos/as
trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, revelam que 80% estão empregados com
vínculos formais, ou seja, com Carteira do Trabalho assinada. Nota-se ainda que 18%
dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST encontram-se desempregados e 2% está
como contribuinte individual.
Os resultados seguintes tratam da carga horária semanaldos/as trabalhadores/as
atendidos/as no CEREST/JP. O Gráfico abaixo aponta que a maioria (88%) trabalha mais de
40 horas semanais.
Fonte: CEREST/SMSJP
Gráfico 02– Carga horária semanal de trabalho dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST. João Pessoa, 2014.
Embora os resultados abalizem que a carga horária semanal desempenhada
pelos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP esteja regulamentada na
Constituição Federal de 1988 que fixou a jornada de trabalho legal em, no máximo, oito
horas diárias ou 44 horas semanais, o ritmo de trabalho é bastante intenso ao considerar os
dados da tabela 08 que trata da ocupação dos trabalhadores, cujas funções participam
diretamente do ciclo da produtividade e criação de valor.
Quanto à Renda Mensal dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, os
dados seguintes evidenciam que 70% recebem 1 salário mínimo por mês. Ao proceder o
cruzamento desse resultado com os do Gráfico 02 (que trata da carga horária), verifica-se
que os salários recebidos pelos/as trabalhadores/as são significativamente baixos, tendo em
vista a dedicação integral (40 horas semanais) desses/as trabalhadores/as às ocupações
nas instituições empregadoras.
Fonte: CEREST/SMSJP
Gráfico 03 – Renda Mensal dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. João Pessoa, 2014.
Esses dados assinalam-se ainda que 14% dos/as trabalhadores/as recebem 1,5
salário mínimo, 10% com 2 salários mínimos e apenas 4% (2 casos) recebem mais de 3
salários mínimos. O fato de a renda mensal de alguns poucos trabalhadores ultrapassarem
a faixa salarial mínima pode decorrer do nível de escolaridade desses trabalhadores, que
possuem o nível superior, bem como pode relacionar à função exercida que exige um nível
maior de formação (ou especialização) por parte destes, e consequentemente a valorização
do salário.
No tocante aos tipos de esforços físicos desenvolvidos pelos/as trabalhadores/as
atendidos/as no CEREST/JP, os dados atestam que 40% afirmaram exercer sua função de
forma pesada, 38% responderam exercer as atividades laborais de forma moderada e 18%
de forma leve.
Os dados revelam a significativa incidência (82%) do ritmo de trabalho intenso, em que
estão submetidos/as os/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP.
O ritmo de trabalho intenso é um dos principais motivos causadores da LER/DORT,
devido à alta produtividade do trabalhador, demandada pela empresa/empregador.
3. O Trabalho Multifuncional e o processo de adoecimento dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP
Nos dias atuais, dada às transformações aludidas ao longo deste trabalho, as
empresas passaram a valorizar o trabalhador multifuncional. O trabalhador multifuncional é
aquele que desempenha múltiplas funções, relativas à sua área de trabalho; o trabalhador
multifuncional não fica alocado em um posto de trabalho específico, já que o seu método de
trabalho está baseado na polivalência e na rotação de tarefas (CORECE, 2011).
Assim, o trabalhador multifuncional garante a empresa não só o aumento da
produtividade, mas a eficiência da mesma, além de diminuir o número de trabalhadores
contratados formalmente. Em contrapartida, o exercício da multifuncionalidade exige do
trabalhador um ritmo de trabalho mais intenso, muita pressão mental e física, dentre outras
consequências, o que acarreta grandes riscos e danos à saúde.
A multifuncionalidade do trabalho configura-se como uma categoria da exploração do
trabalho inerente ao modo de produção capitalista, em que há um aumento do ritmo do
trabalho, o consequente aumento da produtividade e o rebaixamento salarial. Desse modo,
a multifuncionalidade do trabalho pode ser compreendida como um fator determinante não
só na aquisição da doença, mas também no agravo das doenças relacionadas ao trabalho,
além dos acidentes típicos no ambiente de trabalho.
A discussão desse tema ganha materialidade a partir da análise dos dados
referentes à realização de trabalho multifuncional pelos/as trabalhadores/ os atendidos/os no
CEREST/JP.
Os resultados revelam que 70% dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST
realizam outras funções para além daquela pelo qual foi designado /a ou contratado/a.
Sobre o processo de adoecimento dos/as trabalhadores/as atendidos/as no
CEREST/JP, apresenta-se, a seguir, um quadro com os tipos de agravos à saúde mais
frequentes. Esses dados derivam do CID – 10, declarados pelos trabalhadores ao relatarem
no instrumento de coleta de dados (Ficha Cadastral) durante o atendimento no Centro.
Sobre esse assunto, Silva (2013, p. 58) sublinha que
[...] os acidentes, doenças e/ou agravos relacionados ao trabalho, na atual conformação dos modelos produtivos expressam-se como um relevante problema
de Estado, com reverberações econômicas e sociais acentuadas. Essa realidade vivenciada cotidianamente pela classe trabalhadora é notadamente revelada pelos atendimentos realizados no CEREST Regional – João Pessoa.
Como se vislumbra no Quadro abaixo os agravos à saúde mais frequentes entre os
trabalhadores atendidos no CEREST/JP são as doenças osteomuscular e do tecido
conjuntivo, os transtornos mentais e comportamentais, doenças do sistema nervoso,
doenças do aparelho circulatório e respiratórios, além de algumas lesões (traumatismos no
pé, tornozelo, ombro, braços e punho da mão).
Fonte: CEREST/ SMSJP
Quadro 01 – Tipos de agravos/doenças segundo os/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. João Pessoa, 2014.
As LER/DORT consistem em um dos tipos de agravos mais citados pelos/as
trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. O índice de trabalhadores com LER/DORT
vem aumentando consideravelmente. Fatores como mudanças na organização do trabalho,
tais como: a alta intensidade no ritmo de trabalho, a execução de movimentos repetitivos em
grande velocidade, a execução de trabalhos multifuncionais, a ausência de pausas, as
exigências pelo aumento da produtividade em menor tempo de trabalho são responsáveis
por esse aumento.
4.CONCLUSÕES
A precariedade do trabalho na égide da acumulação flexível tem propiciado à classe
trabalhadora, o desencadeamento de doenças que comprometem a capacidade laboral,
haja vista que os agravos desenvolvidos a partir das condições precárias de trabalho, são
por vezes irreversíveis à saúde do trabalhador.
AGRAVOS Á SAÚDE CID-10
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo M00-M99
Transtornos mentais e comportamentais F00-F99
Doenças do sistema nervoso G00-G99
Doenças do aparelho circulatório I00-I99
Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas S00-T98
Doenças do aparelho respiratório J00-J99
De acordo com as análises realizadas neste estudo, constatou-se a prevalência do
sexo feminino, a faixa etária prevalente é entre 41 - 50 anos, a faixa salarial mais incidente
está entre 1 a 2 salários mínimos, e, os trabalhadores empregam esforços excessivos com
uma carga horária entre 40 e 44 horas semanais.
Os dados também revelaram que os/as trabalhadores/as atendidos/as no
CEREST/JP se encontram submetidos/as a precárias condições de trabalho (derivadas das
transformações no mundo do trabalho advindas da reestruturação produtiva), como ritmos
de trabalhos intensos, esforços físicos pesados e repetitivos, além de realizarem trabalhos
multifuncionais (70%).
O trabalhador multifuncional garante à empresa não só o aumento da produtividade,
mas a eficiência da mesma, além de diminuir o número de trabalhadores
formalmentecontratados, diminuindo os custos. Em contrapartida, a multifuncionalidade
rebate negativamente no trabalhador ao impingir um ritmo de trabalho mais intenso, com
pressão mental e física do trabalhador, acarretando grandes riscos e danos a sua saúde.
Ademais, a multifuncionalidade provoca a baixa de vagas de emprego, uma vez que
um só trabalhador executa inúmeras atividades laborativas, inclusive com desvios de
funções. O processo multifuncional de trabalho gera também a instabilidade da garantia de
direitos, já que essa multifuncionalidade ocorre sem aparatos legais que subsidiem o
trabalhador na busca da garantia dos direitos trabalhistas por ultrapassar as funções nas
quais foram contratados.
Desse modo, conforme evidenciado neste estudo, a multifuncionalidade do trabalho
configura-se como uma categoria da exploração do trabalho inerente ao atual modo flexível
da produção capitalista, que pode ser compreendida como um fator determinante não só
para contrair doença, mas também o surgimento das doenças relacionadas ao trabalho, e a
consequente intensificação dos agravos.
Assim, constatou-se ainda que o processo do adoecimento relaciona-se com o
precário processo de trabalho, especificamente com a adoção da multifuncionalidade
incorporada ao trabalhador no processo produtivo, pois de acordo com os resultados, os tipo
de agravos mais evidentes entre os sujeitos pesquisados foram as LER/DORT, que
conforme aludido neste estudo, têm como condicionantes o trabalho repetitivo realizado por
84% dos trabalhadores, desenvolvido segundo 82% dos trabalhadores a um ritmo intenso.
Nesse sentido, verifica-se que o comprometimento à Saúde do Trabalhador na
contemporaneidade vem se intensificando, de modo que, as análises em torno dessa
consequência a classe trabalhadora deve ser ampliada, a fim de proporcionar lutas em torno
dessa expressão da relação contraditória entre capital e trabalho, com o intuito de minimizar
os efeitos causados a saúde do trabalhador. Faz-se necessário transpor os obstáculos
advindos tantos das transformações no mundo do trabalho, quanto a destituição dos direitos
sociais e trabalhista, além do desmantelamento dos sindicatos que fragilizou e fragmentou
as lutas trabalhistas.
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