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O TRABALHO MULTIFUNCIONAL E OS IMPACTOS NA SAÚDE DO TRABALHADOR: uma análise sob o enfoque da precarização Jéssica Pereira Cosmo da Silva 1 Bernadete de Lourdes Figueiredo de Almeida 2 Resumo: O objeto deste estudo centra sobre a multifuncionalidade conformada nas atuais condições de trabalho. Nesse sentido, objetiva investigar a multifuncionalidade do trabalho a partir das categorias trabalho saúde doença junto aos/às trabalhadores/as atendidos/as no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST) na cidade de João Pessoa/PB. Em termos metodológicos, tipifica-se como um estudo analítico de cunho observacional e transversal, também contempla o levantamento bibliográfico acerca das categorias que perpassam a análise do objeto deste estudo; bem como a pesquisa documental. Os resultados evidenciaram que 70% dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP realizam o trabalho multifuncional. Palavras-chave: Trabalho. Precarização. Multifuncionalidade. Adoecimento. Abstract: The object of this study focuses on multifunctionality shaped the current working conditions. In this sense, it aims to investigate the multifunctionality of work from work categories - health - disease with the / the workers / the met / in the Regional Reference Center in Occupational Health (CEREST) in the city of João Pessoa / PB. In methodological terms, it typifies as an analytical study of observational and transversal nature, also includes the literature concerning the categories that underlie the analysis of the object of this study; and documentary research. The results showed that 70% of / the workers / the met / in the CEREST / JP perform the multifunctionalwork. Keywords: Work. Precariousness. Multifunctionality. Illness. 1 Estudante do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. 2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.

O TRABALHO MULTIFUNCIONAL E OS IMPACTOS …...O TRABALHO MULTIFUNCIONAL E OS IMPACTOS NA SAÚDE DO TRABALHADOR: uma análise sob o enfoque da precarização Jéssica Pereira Cosmo

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O TRABALHO MULTIFUNCIONAL E OS IMPACTOS NA SAÚDE DO TRABALHADOR: uma análise sob o enfoque da precarização

Jéssica Pereira Cosmo da Silva1 Bernadete de Lourdes Figueiredo de Almeida2

Resumo: O objeto deste estudo centra sobre a multifuncionalidade conformada nas atuais condições de trabalho. Nesse sentido, objetiva investigar a multifuncionalidade do trabalho a partir das categorias trabalho – saúde – doença junto aos/às trabalhadores/as atendidos/as no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST) na cidade de João Pessoa/PB. Em termos metodológicos, tipifica-se como um estudo analítico de cunho observacional e transversal, também contempla o levantamento bibliográfico acerca das categorias que perpassam a análise do objeto deste estudo; bem como a pesquisa documental. Os resultados evidenciaram que 70% dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP realizam o trabalho multifuncional. Palavras-chave: Trabalho. Precarização. Multifuncionalidade. Adoecimento. Abstract: The object of this study focuses on multifunctionality shaped the current working conditions. In this sense, it aims to investigate the multifunctionality of work from work categories - health - disease with the / the workers / the met / in the Regional Reference Center in Occupational Health (CEREST) in the city of João Pessoa / PB. In methodological terms, it typifies as an analytical study of observational and transversal nature, also includes the literature concerning the categories that underlie the analysis of the object of this study; and documentary research. The results showed that 70% of / the workers / the met / in the CEREST / JP perform the multifunctionalwork. Keywords: Work. Precariousness. Multifunctionality. Illness.

1 Estudante do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. 2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.

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1.INTRODUÇÃO

O presente estudo investigativo decorre do desenvolvimento do Trabalho de

Conclusão de Curso, realizado a partir dos levantamentos do Estágio Supervisionado I e II,

desenvolvidos no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador – CEREST/

João Pessoa, junto ao Núcleo de Acolhimento e Assistência. As observações empíricas

levantadas durante os acompanhamentos supervisionados dos atendimentos realizados

pelo Núcleo de Acolhimento e Assistência possibilitaram conhecer a realidade dos/as

trabalhadores/as atendidos/as, que a partir das suas falas ao descrever sua história laboral,

apontaram a multifuncionalidade do trabalho ao processo de adoecimento.

Diante dessa realidade, surgiu o interesse em proceder um estudo investigativo

sobre as condições precárias de trabalho provocadas pelas atuais transformações no

mundo do trabalho na perspectiva da multifuncionalidade e a relação com o processo de

adoecimento do trabalhador.

Conforme já aludido, intenta-se analisar criticamente as atuais condições de trabalho

a partir da multifuncionalidade e o consequente processo de adoecimento dos/as

trabalhadores/as atendidos/as no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador

de João Pessoa/ PB. Busca-se, em termos específicos, investigar o perfil socioeconômico e

ocupacional dos/as trabalhadores/as atendidos/as no Centro de Referência Regional em

Saúde do Trabalhador de João Pessoa/ PB; analisar a história laboral dos usuários do

CEREST/JP a partir da descrição do processo de trabalho e do processo de adoecimento do

trabalhador; e, examinar a relação entre as condições multifuncionais de trabalho e o

processo de adoecimento do trabalhador, bem como caracterizar as doenças mais

frequentes nos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/ João Pessoa/PB.

2. AS ATUAIS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO: sob o enfoque da precarização

O contexto das recentes crises capitalistas e suas respectivas respostas incidem em

transformações que ao adotarem um modelo de “Acumulação Flexível” (HARVEY, 1992) de

cunho neoliberal, precarizam, flexibilizam e terceirizam o processo de trabalho, subordinado

ao capital sob nova organização do trabalho, derivado do modelo japonês, o toyotismo, O

sistema de organização do trabalho toyotista,

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[...] surgiu num contexto de crescimento econômico lento, em meio a um mercado interno que, se por um lado visava o consumo de praticamente todos os tipos de bens e serviços, mostrando-se diversificado, por outro se caracterizava pela pequena expansão da demanda. (PINTO, 2010, p.61)

A Acumulação Flexível, “[...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos

mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. (ANTUNES, 2012, p. 28).

Diferente do Fordismo, o Toyotismo, fundamenta-se no estoque mínimo, se produz de

acordo com a demanda de consumo, “[...] o melhor aproveitamento possível do tempo de

produção (incluindo-se também o transporte, o controle de qualidade e o estoque), é

garantido pelo just in time”. (ANTUNES, 2012, p. 33)

As mudanças no mundo de trabalho que se instalaram desde a crise fordista da

década de 1970, e se intensificaram com a crise de 2007/2008 no setor imobiliário, referem-

se aos vínculos empregatícios, às relações contratuais, à jornada de trabalho, à

precarização da saúde dos trabalhadores, à agudização do processo de coisificação das

relações sociais, aos direitos trabalhistas, e à organização política (sindical) dos

trabalhadores. Nesse sentido,

[...] a precarização das formas de organização do trabalho traduz as condições sócio-históricas atuais de reprodução do capital, fundamentado em uma organização mais complexa e flexível, substancial ao novo padrão de acumulação, no qual a força de trabalho, apesar de necessária ao capital, é por ela mesma desvalorizada e colocada em condições para que possa ser explorada ao máximo. (MARONEZE, 2011, p. 07)

O processo de trabalho fundamentado nas relações capitalistas sob a forma de

organização flexível ampliou o grau de exploração da força de trabalho, em que elevou a um

patamar mais alto as formas de precariedade do trabalho, revelando-se como um processo

que desestabiliza, fragiliza e vulnerabiliza a classe trabalhadora. Embora o trabalho

precarizado seja um processo inerente ao modo de produção capitalista, cabe evidenciar

que “[...] com o novo modelo de reorganização do capital, assumem uma forma mais

ofensiva, principalmente com a retomada do pensamento neoliberal que prega o

desmantelamento da legislação social e de políticas voltadas à defesa e proteção social do

trabalhador. ” (MARONEZE, 2011, p. 05).

Quanto às formas do vínculo empregatício e às relações contratuais, caracterizam-se

pela informalidade, contrato temporário, intensificação do ritmo de trabalho, aumento da taxa

de desemprego, competividade, terceirização, rotatividade e multifuncionalidade no

processo de trabalho. “A escolha organizacional da polivalência trouxe impactos

problemáticos para a identidade dos assalariados que antes experimentavam orgulho

profissional por suas especialidades” (SELIGMANN-SILVA, 2001).

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Quanto ao trabalho terceirizado, esse tende a precarizar o processo de trabalho,

uma vez que nessa forma de contratação tem-se a redução do salário, a rotatividade dos

trabalhadores, o aumento da jornada de trabalho, o aumento dos riscos de acidente de

trabalho, além da redução ou negação dos benefícios. Segundo Antunes e Druck (2013, p.

220), essas novas formas de organização de trabalho,

[...]se evidencia (m), através da terceirização, condições de trabalho e salariais que definem trabalhadores de primeira e segunda categorias, como porta para o trabalho análogo ao de escravo, e em que a discriminação se dá não apenas por parte da empresa contratante, mas também entre os próprios trabalhadores contratados diretamente e os chamados “terceiros”, cuja denominação já revela a distinção ou a condição aparte, de fora, externa.

Outro fenômeno que imputa a precarização ao processo de trabalho é a introdução

do trabalhador multifuncional, que conforme mencionado anteriormente, trata-se da

execução de diferentes funções ou tarefas no processo produtivo, de modo que se constitui

na intensificação do ritmo de trabalho e, no consequente aumento do fenômeno do

desemprego, tendo em vista que essa forma de organização do trabalho reduz o número de

trabalhadores necessários para a produção.

Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era informacional, capaz de operar com máquinas com controle numérico [...]. E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, ou então vivenciando o desemprego estrutural. (ANTUNES, 2011, p. 198)

Revela-se também como uma estratégia de controle do tempo por parte do

empregador, exigindo mais do trabalhador em diferentes setores, ou seja, interessa ao

empregador não ver o trabalhador parado.

O conjunto atual das mudanças no mundo do trabalho, que vem sendo apresentado

no decorrer deste texto, tem penalizado significativamente a classe trabalhadora que se

submete ainda mais às condições de exploração do sistema capitalista, com seus direitos

negados e destituídos, além da ineficiência do sistema de proteção social que minimize os

efeitos das condições precárias de trabalho e de vida, as quais os trabalhadores estão

submetidos atualmente. Desse modo, o processo de flexibilização impacta desde os direitos

dos trabalhadores à sua forma de organização enquanto classe.

As consequências dessas mudanças pautadas na flexibilização refletem também

diretamente na saúde do trabalhador, que passa a ter sua capacidade laboral comprometida

ao inserir-se em condições precárias e multifuncionais de trabalho. Ao adoecerem, os

trabalhadores tornam-se disfuncionais ao mercado de trabalho, pois, conforme Abramides e

Cabral afirmam (2003, p. 07), “a força de trabalho, considerada mercadoria básica no

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processo de produção capitalista, é requerida pelo mercado, mas lhe é exigido ter a saúde

necessária para executar um processo de trabalho[...]”, e é consumida até o seu desgaste.

2.1. As condições de trabalho dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP

Conforme já elucidado neste estudo, o processo de trabalho sofreu profundas

transformações, oriundas da crise do capital contemporâneo, e, do processo de

restruturação produtiva.

Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a expressãomais profunda da crise estrutural que assola a (des)sociabilização contemporânea: destrói-se força humana que trabalha; destroçam-se os direitos sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e trabalhos que vivem do trabalho[...] são expressões de uma lógica societal onde o capital vale e a força humana de trabalho só conta enquanto parcela imprescindível para a reprodução desse mesmo capital ( ANTUNES, 2011, p. 191-192)

Nesse sentido, o objetivo deste estudo é abordar os impactos das atuais

transformações no mundo do trabalho, e, sobretudo, as condições de trabalho a partir de 50

(cinquenta) prontuários dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP e o conseqüente

processo de adoecimento dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP.

2.1.1 Perfil dos trabalhadores atendidos no CEREST/JOÃO PESSOA

Foram pesquisados uma amostra de 50 prontuários dos/as trabalhadores/as

urbanos/as e rurais atendidos/as no CEREST/JP. De modo que a discussão analítica do

perfil dos 50 (cinquenta) trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP envolveu um

conjunto de variáveis que versam sobre os dados sociodemográficos e sócioocupacionais.

2.1.2 Dados sociodemográficos

A análise dos dados sociodemográficos compreende as seguintes variáveis: Sexo,

Faixa Etária e Cor/Raça. Esses dados passam a ser analisados através da leitura tabular e

gráfica

Com relação ao sexo dos/as 50 (cinquenta) trabalhadores/as atendidos/as no

CEREST/JP, a leitura dos dados revela a predominância (56%) do sexo feminino. Essa

significativa diferença percentual entre sexos (masculino e feminino) pode ser explicada pela

crescente inserção atual da figura feminina no mercado de trabalho.

Na análise dos dados referentes à faixa etária dos/as trabalhadores/as, evidencia-se

que 72% têm entre 31 e 50 anos de idade, portanto, são as estratificações etárias mais

incidentes. O que impacta na leitura desses dados é a predominância da faixa etária

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superior a 30 anos, cujo processo de adoecimento acontece quando os/as trabalhadores/as

estão em plena capacidade laborativa. O fato de 76% encontrarem-se na faixa etária

superior a 30 anos também indica que na inserção do mercado de trabalho valoriza-se ainda

o requisito da experiência profissional. Embora, de acordo com Antunes, “O mundo do

trabalho atual tem recusado os trabalhadores herdeiros da “cultura fordista”, fortemente

especializados, que são substituídos pelos trabalhadores “polivalentes e multifuncionais” da

era toyotista.” (2008, p.6)

Chama-se atenção para a incidência significativa de 24% dos/as trabalhadores/as na

faixa etária inferior a 30 anos já encontrar-se em processo de adoecimento.

Outra variável que compreende os dados sociodemograficos é a etnia dos/as

trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, apresentados no Gráfico abaixo. Os dados

revelam a prevalência de 63% da cor parda e 10% de negros; indica ainda que 16% são

brancos, 2% amarelos e 10% dos/as trabalhadores/as não declararam sua cor.

Fonte: CEREST/SMSJP

Gráfico 01 – Cor/Raça dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. João Pessoa, 2014.

O fato de a maioria (73%) dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP ser

parda e negra ultrapassa a média nacional, embora tenha ocorrido um aumento da

população brasileira que se autodeclarou parda - com um percentual de 43,1% - de acordo

com o Censo 2010 (IBGE, 2011); enquanto, nessa mesma fonte, o número de brasileiros

brancos corresponde a um percentual de 47,7%.

A prevalência de pardos e negros entre os/as trabalhadores/as atendidos/as no

CEREST/JP aponta a desigualdade racial que se expressa majoritariamente no mundo do

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trabalho precarizado. Desse modo, comprova-se que a maioria dos trabalhadores submetida

a condições precárias de trabalho que propiciam o adoecimento, é parda e negra.

2.1.3 Dados sócio-ocupacionais

Esses dados compreendem uma série de variáveis em torno das condições de

trabalho dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, entre elas a relação

empregatícia no mercado de trabalho, renda mensal do r e carga horária.

Os dados acerca da relação empregatícia no mercado de trabalho dos/as

trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, revelam que 80% estão empregados com

vínculos formais, ou seja, com Carteira do Trabalho assinada. Nota-se ainda que 18%

dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST encontram-se desempregados e 2% está

como contribuinte individual.

Os resultados seguintes tratam da carga horária semanaldos/as trabalhadores/as

atendidos/as no CEREST/JP. O Gráfico abaixo aponta que a maioria (88%) trabalha mais de

40 horas semanais.

Fonte: CEREST/SMSJP

Gráfico 02– Carga horária semanal de trabalho dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST. João Pessoa, 2014.

Embora os resultados abalizem que a carga horária semanal desempenhada

pelos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP esteja regulamentada na

Constituição Federal de 1988 que fixou a jornada de trabalho legal em, no máximo, oito

horas diárias ou 44 horas semanais, o ritmo de trabalho é bastante intenso ao considerar os

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dados da tabela 08 que trata da ocupação dos trabalhadores, cujas funções participam

diretamente do ciclo da produtividade e criação de valor.

Quanto à Renda Mensal dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP, os

dados seguintes evidenciam que 70% recebem 1 salário mínimo por mês. Ao proceder o

cruzamento desse resultado com os do Gráfico 02 (que trata da carga horária), verifica-se

que os salários recebidos pelos/as trabalhadores/as são significativamente baixos, tendo em

vista a dedicação integral (40 horas semanais) desses/as trabalhadores/as às ocupações

nas instituições empregadoras.

Fonte: CEREST/SMSJP

Gráfico 03 – Renda Mensal dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. João Pessoa, 2014.

Esses dados assinalam-se ainda que 14% dos/as trabalhadores/as recebem 1,5

salário mínimo, 10% com 2 salários mínimos e apenas 4% (2 casos) recebem mais de 3

salários mínimos. O fato de a renda mensal de alguns poucos trabalhadores ultrapassarem

a faixa salarial mínima pode decorrer do nível de escolaridade desses trabalhadores, que

possuem o nível superior, bem como pode relacionar à função exercida que exige um nível

maior de formação (ou especialização) por parte destes, e consequentemente a valorização

do salário.

No tocante aos tipos de esforços físicos desenvolvidos pelos/as trabalhadores/as

atendidos/as no CEREST/JP, os dados atestam que 40% afirmaram exercer sua função de

forma pesada, 38% responderam exercer as atividades laborais de forma moderada e 18%

de forma leve.

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Os dados revelam a significativa incidência (82%) do ritmo de trabalho intenso, em que

estão submetidos/as os/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP.

O ritmo de trabalho intenso é um dos principais motivos causadores da LER/DORT,

devido à alta produtividade do trabalhador, demandada pela empresa/empregador.

3. O Trabalho Multifuncional e o processo de adoecimento dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP

Nos dias atuais, dada às transformações aludidas ao longo deste trabalho, as

empresas passaram a valorizar o trabalhador multifuncional. O trabalhador multifuncional é

aquele que desempenha múltiplas funções, relativas à sua área de trabalho; o trabalhador

multifuncional não fica alocado em um posto de trabalho específico, já que o seu método de

trabalho está baseado na polivalência e na rotação de tarefas (CORECE, 2011).

Assim, o trabalhador multifuncional garante a empresa não só o aumento da

produtividade, mas a eficiência da mesma, além de diminuir o número de trabalhadores

contratados formalmente. Em contrapartida, o exercício da multifuncionalidade exige do

trabalhador um ritmo de trabalho mais intenso, muita pressão mental e física, dentre outras

consequências, o que acarreta grandes riscos e danos à saúde.

A multifuncionalidade do trabalho configura-se como uma categoria da exploração do

trabalho inerente ao modo de produção capitalista, em que há um aumento do ritmo do

trabalho, o consequente aumento da produtividade e o rebaixamento salarial. Desse modo,

a multifuncionalidade do trabalho pode ser compreendida como um fator determinante não

só na aquisição da doença, mas também no agravo das doenças relacionadas ao trabalho,

além dos acidentes típicos no ambiente de trabalho.

A discussão desse tema ganha materialidade a partir da análise dos dados

referentes à realização de trabalho multifuncional pelos/as trabalhadores/ os atendidos/os no

CEREST/JP.

Os resultados revelam que 70% dos/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST

realizam outras funções para além daquela pelo qual foi designado /a ou contratado/a.

Sobre o processo de adoecimento dos/as trabalhadores/as atendidos/as no

CEREST/JP, apresenta-se, a seguir, um quadro com os tipos de agravos à saúde mais

frequentes. Esses dados derivam do CID – 10, declarados pelos trabalhadores ao relatarem

no instrumento de coleta de dados (Ficha Cadastral) durante o atendimento no Centro.

Sobre esse assunto, Silva (2013, p. 58) sublinha que

[...] os acidentes, doenças e/ou agravos relacionados ao trabalho, na atual conformação dos modelos produtivos expressam-se como um relevante problema

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de Estado, com reverberações econômicas e sociais acentuadas. Essa realidade vivenciada cotidianamente pela classe trabalhadora é notadamente revelada pelos atendimentos realizados no CEREST Regional – João Pessoa.

Como se vislumbra no Quadro abaixo os agravos à saúde mais frequentes entre os

trabalhadores atendidos no CEREST/JP são as doenças osteomuscular e do tecido

conjuntivo, os transtornos mentais e comportamentais, doenças do sistema nervoso,

doenças do aparelho circulatório e respiratórios, além de algumas lesões (traumatismos no

pé, tornozelo, ombro, braços e punho da mão).

Fonte: CEREST/ SMSJP

Quadro 01 – Tipos de agravos/doenças segundo os/as trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. João Pessoa, 2014.

As LER/DORT consistem em um dos tipos de agravos mais citados pelos/as

trabalhadores/as atendidos/as no CEREST/JP. O índice de trabalhadores com LER/DORT

vem aumentando consideravelmente. Fatores como mudanças na organização do trabalho,

tais como: a alta intensidade no ritmo de trabalho, a execução de movimentos repetitivos em

grande velocidade, a execução de trabalhos multifuncionais, a ausência de pausas, as

exigências pelo aumento da produtividade em menor tempo de trabalho são responsáveis

por esse aumento.

4.CONCLUSÕES

A precariedade do trabalho na égide da acumulação flexível tem propiciado à classe

trabalhadora, o desencadeamento de doenças que comprometem a capacidade laboral,

haja vista que os agravos desenvolvidos a partir das condições precárias de trabalho, são

por vezes irreversíveis à saúde do trabalhador.

AGRAVOS Á SAÚDE CID-10

Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo M00-M99

Transtornos mentais e comportamentais F00-F99

Doenças do sistema nervoso G00-G99

Doenças do aparelho circulatório I00-I99

Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas S00-T98

Doenças do aparelho respiratório J00-J99

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De acordo com as análises realizadas neste estudo, constatou-se a prevalência do

sexo feminino, a faixa etária prevalente é entre 41 - 50 anos, a faixa salarial mais incidente

está entre 1 a 2 salários mínimos, e, os trabalhadores empregam esforços excessivos com

uma carga horária entre 40 e 44 horas semanais.

Os dados também revelaram que os/as trabalhadores/as atendidos/as no

CEREST/JP se encontram submetidos/as a precárias condições de trabalho (derivadas das

transformações no mundo do trabalho advindas da reestruturação produtiva), como ritmos

de trabalhos intensos, esforços físicos pesados e repetitivos, além de realizarem trabalhos

multifuncionais (70%).

O trabalhador multifuncional garante à empresa não só o aumento da produtividade,

mas a eficiência da mesma, além de diminuir o número de trabalhadores

formalmentecontratados, diminuindo os custos. Em contrapartida, a multifuncionalidade

rebate negativamente no trabalhador ao impingir um ritmo de trabalho mais intenso, com

pressão mental e física do trabalhador, acarretando grandes riscos e danos a sua saúde.

Ademais, a multifuncionalidade provoca a baixa de vagas de emprego, uma vez que

um só trabalhador executa inúmeras atividades laborativas, inclusive com desvios de

funções. O processo multifuncional de trabalho gera também a instabilidade da garantia de

direitos, já que essa multifuncionalidade ocorre sem aparatos legais que subsidiem o

trabalhador na busca da garantia dos direitos trabalhistas por ultrapassar as funções nas

quais foram contratados.

Desse modo, conforme evidenciado neste estudo, a multifuncionalidade do trabalho

configura-se como uma categoria da exploração do trabalho inerente ao atual modo flexível

da produção capitalista, que pode ser compreendida como um fator determinante não só

para contrair doença, mas também o surgimento das doenças relacionadas ao trabalho, e a

consequente intensificação dos agravos.

Assim, constatou-se ainda que o processo do adoecimento relaciona-se com o

precário processo de trabalho, especificamente com a adoção da multifuncionalidade

incorporada ao trabalhador no processo produtivo, pois de acordo com os resultados, os tipo

de agravos mais evidentes entre os sujeitos pesquisados foram as LER/DORT, que

conforme aludido neste estudo, têm como condicionantes o trabalho repetitivo realizado por

84% dos trabalhadores, desenvolvido segundo 82% dos trabalhadores a um ritmo intenso.

Nesse sentido, verifica-se que o comprometimento à Saúde do Trabalhador na

contemporaneidade vem se intensificando, de modo que, as análises em torno dessa

consequência a classe trabalhadora deve ser ampliada, a fim de proporcionar lutas em torno

dessa expressão da relação contraditória entre capital e trabalho, com o intuito de minimizar

os efeitos causados a saúde do trabalhador. Faz-se necessário transpor os obstáculos

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advindos tantos das transformações no mundo do trabalho, quanto a destituição dos direitos

sociais e trabalhista, além do desmantelamento dos sindicatos que fragilizou e fragmentou

as lutas trabalhistas.

REFERÊNCIAS:

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