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O TRATAMENTO DA HETEROGENEIDADE E AS ESTRATÉGIAS DE AGRUPAMENTO NO TERCEIRO ANO DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO Yarla Suellen Nascimento Alvares UFPE Pernambuco/Brasil - [email protected] PIBIC/CNPq Ana Cláudia Gonçalves Rodrigues Pessoa PPGE/UFPE Pernambuco/Brasil - [email protected] CNPq Bruna Guimarães Barbosa UFPE Pernambuco/Brasil - [email protected] PIBIC/CNPq Resumo Este estudo discute as estratégias de tratamento da heterogeneidade e as formas de agrupamento utilizadas por uma professora do 3º ano do ciclo de alfabetização. A partir de observações e entrevistas, evidenciou-se uma proximidade com a proposta de respeito à heterogeneidade e o trabalho com agrupamentos defendidos nesse estudo, além da comprovação da hipótese de que um trabalho com agrupamentos que admita a heterogeneidade, ainda se configura como uma tarefa complexa. Palavras-Chave: Alfabetização; Heterogeneidade; Agrupamentos. Abstract This research study discusses treatment strategies of heterogeneity and grouping forms used by 3rd literacy year cycle’s teacher. From observations and interviews was evidenced a proximity with proposal to respect the heterogeneity and grouping work defended by this study, in addition to proving the hypothesis that work with groups that admits heterogeneity represents a complex task yet. Keywords: Literacy; Heterogeneity; Groupings. Introdução Ao longo dos últimos trinta anos, as discussões sobre o processo de alfabetização sofreram significativas mudanças conceituais. Alfabetizar passou a ser uma tarefa muito mais complexa do que simplesmente escolher qual o melhor método para que as crianças aprendam a ler e a escrever. Avançou-se na compreensão da escrita alfabética como um sistema que é

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O TRATAMENTO DA HETEROGENEIDADE E AS ESTRATÉGIAS DE

AGRUPAMENTO NO TERCEIRO ANO DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO

Yarla Suellen Nascimento Alvares – UFPE – Pernambuco/Brasil -

[email protected] – PIBIC/CNPq

Ana Cláudia Gonçalves Rodrigues Pessoa – PPGE/UFPE – Pernambuco/Brasil -

[email protected] – CNPq

Bruna Guimarães Barbosa – UFPE – Pernambuco/Brasil -

[email protected] – PIBIC/CNPq

Resumo

Este estudo discute as estratégias de tratamento da heterogeneidade e as formas de

agrupamento utilizadas por uma professora do 3º ano do ciclo de alfabetização. A partir de

observações e entrevistas, evidenciou-se uma proximidade com a proposta de respeito à

heterogeneidade e o trabalho com agrupamentos defendidos nesse estudo, além da

comprovação da hipótese de que um trabalho com agrupamentos que admita a

heterogeneidade, ainda se configura como uma tarefa complexa.

Palavras-Chave: Alfabetização; Heterogeneidade; Agrupamentos.

Abstract

This research study discusses treatment strategies of heterogeneity and grouping forms used

by 3rd literacy year cycle’s teacher. From observations and interviews was evidenced a

proximity with proposal to respect the heterogeneity and grouping work defended by this

study, in addition to proving the hypothesis that work with groups that admits heterogeneity

represents a complex task yet.

Keywords: Literacy; Heterogeneity; Groupings.

Introdução

Ao longo dos últimos trinta anos, as discussões sobre o processo de alfabetização

sofreram significativas mudanças conceituais. Alfabetizar passou a ser uma tarefa muito mais

complexa do que simplesmente escolher qual o melhor método para que as crianças aprendam

a ler e a escrever. Avançou-se na compreensão da escrita alfabética como um sistema que é

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dotado de particularidades que precisam ser refletidas ao longo do processo de apropriação do

mesmo. Adotando essa perspectiva, que surge inicialmente na década de 80 com os estudos

de Ferreiro e Teberosky (1984), a aprendizagem da escrita deixa de ser vista como um ato

mecânico – onde o aprendiz é passivo no processo de aprendizagem e a escrita é vista como

um código, onde esta seria simplesmente uma transcrição gráfica da linguagem oral

(codificação).

De acordo com essa perspectiva, determinadas questões necessitam ser compreendidas

pelo aprendiz: o que as letras notam? Como ocorre essa notação? (FERREIRO, 1985). A

notação escrita é um domínio característico de conhecimento e como tal deve ser entendida

dentro de suas especificidades, como já afirmamos acima.

Nessa direção, compreender o processo de aprendizagem da notação escrita como uma

construção gradativa de conhecimentos torna-se fundamental, assim, durante esse processo, a

criança constrói hipóteses sobre a escrita e testa essas hipóteses. As hipóteses observadas

durante a aquisição da notação alfabética descrevem o tipo de relação que as crianças supõem

existir entre a língua escrita e a língua falada.

Segundo Ferreiro (1985), as hipóteses apresentadas pelas crianças vão da pré-silábica,

quando ainda não compreendem que a escrita nota os sons, até a hipótese alfabética quando já

compreendem o funcionamento do sistema de escrita alfabética (SEA). No período pré-

silábico as crianças não conseguem relacionar as letras aos sons elas acreditam que as

palavras representam as propriedades dos objetos; no período silábico a criança começa a

estabelecer relação com a fala, inicia-se aqui o período da fonetização da escrita. Nesse

período ela constrói a hipótese de que as letras representam as sílabas que compõem as

palavras. Alguns aprendizes podem representar as sílabas por letras aleatórias (silábicas

quantitativas), enquanto outros não se preocupam apenas em colocar uma letra para cada

sílaba, mas escolhem uma letra que apresente alguma relação com a pauta sonora da sílaba

representada (silábicas qualitativas); o período silábico-alfabético pode ser considerado um

período de transição para o período alfabético, as crianças já começam a compreender que as

letras representam unidades menores que as sílabas, notando em alguns momentos a sílaba

completa e em outros representando uma sílaba com apenas uma letra; no período alfabético

a criança ou o adulto compreende a lógica do sistema de escrita. Compreende que as letras

representam os sons e que cada sílaba pode ser formada por mais de um som.

A compreensão dos princípios do Sistema de Escrita Alfabética garante autonomia nos

processos de leitura e escrita, mas as hipóteses apresentadas por Ferreiro e Teberosky não se

apresentam de forma “transparente” para os que ainda não foram inseridos em um processo de

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reflexão e sistematização dos princípios que regem o sistema. Portanto, como já afirmamos, o

aprendiz terá que compreender o que rege a nossa escrita. Isso implica abarcar na

aprendizagem alguns princípios, que segundo Morais (2012) são:

1. Escreve-se com letras, que não podem ser inventadas, que têm um

repertório finito e que são diferentes de números e de outros

símbolos;

2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem

mudanças na identidade das mesmas (p, q, b, d), embora uma letra

assuma formatos variados (P, p, P, p);

3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada;

4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes

palavras, ao mesmo tempo em que distintas palavras compartilham

as mesmas letras;

5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das

palavras e nem todas as letras podem vir juntas de quaisquer outras;

6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que

pronunciamos e nunca levam em conta as características físicas ou

funcionais dos referentes que substituem;

7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que

pronunciamos;

8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de

um valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de

uma letra;

9. Além de letras, na escrita de palavras, usam-se, também, algumas

marcas (acentos) que podem modificar a tonicidade ou o som das

letras ou sílabas onde aparecem;

10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e

vogais (CV, CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a

estrutura predominante no português é a sílaba CV (consoante –

vogal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma

vogal. (MORAIS, 2012, p.51).

As especificidades do processo de aprendizagem do Sistema de Escrita Alfabética

evidenciam que as crianças formulam diferentes hipóteses acerca dos princípios desse sistema

ao longo do processo de alfabetização, como já dissemos, e é ao longo desse processo que

surgem as variações na aprendizagem da escrita de um mesmo grupo/classe.

A existência da heterogeneidade não é um aspecto exclusivo do processo de

alfabetização, mas algo intrínseco a todas as etapas da escolarização. Entender um

grupo/classe como homogêneo é uma visão acastelada pelos sistemas de ensino seriados, que

pressupõe uma lógica excludente, porque trata como iguais e homogêneos sujeitos que

possuem percursos e trajetórias educacionais completamente diferentes, corroborando aquilo

que diz o Caderno do Ano 03 da Unidade 07 do Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade

Certa: “tratando como iguais os diferentes, dando-lhes a “mesma dieta” e ignorando suas

necessidades específicas” (BRASIL, 2012, p.7). E é visando o rompimento dessa lógica

excludente que a escola em ciclos deve ser organizada, respeitando as singularidades dos

aprendizes, inclusive no que diz respeito à língua escrita e sua notação.

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Morais (2012) atenta para o fato dos alunos iniciarem um ano letivo com diferentes

níveis de apropriação do SEA já é, sem si, um fator que contribui para as diferenças no ritmo

de como avançarão nesse processo. O processo de alfabetização é um longo caminho até que

o aprendiz seja capaz de produzir e ler textos com autonomia. Com base na proposta de ciclos

esse processo deve levar em torno de três anos para se concretizar. O ideal seria que ao final

do último ano do ciclo de alfabetização o aprendiz compreendesse o SEA, porém não é difícil

encontrarmos situações em que alunos que cheguem ao ano 3 (último ano do ciclo de

alfabetização) sem o domínio do sistema alfabético de escrita. Nesse sentido, é importante

desenvolver estratégias de trabalho que possibilitem o avanço dessas crianças, a fim de que,

ao término do ano, estejam, pelo menos, no nível alfabético de escrita.

Para os docentes, é difícil estabelecer quais são as prioridades do ensino diante da

heterogeneidade um grupo/classe. Conforme o Caderno do Ano 03 da Unidade 07 do Pacto

Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2012, p. 10) “dentre as habilidades que

precisam ser desenvolvidas pelos (as) professores (as), uma das mais relevantes e difíceis, é a

de identificar as necessidades de cada aluno e atuar com todos ao mesmo tempo”. Diante

dessa dificuldade, os desafios de romper com uma lógica homogeneizante, que pressupõe que

as crianças constroem suas aprendizagens do mesmo modo e no mesmo tempo, necessita da

compreensão, por parte do professor (a), de aspectos que podem auxiliá-lo na árdua tarefa de

lhe dar com a heterogeneidade e transformá-la em uma aliada no processo de alfabetização

das crianças. Sobre isso Leal (2005) tece a seguinte exortação:

Se entendermos o que cada aluno já sabe e soubermos escolher as melhores

opções didáticas para cada um deles, teremos percorrido um longo caminho

na nossa profissionalização [dos professores]. Se, além disso, soubermos

atuar com todos ao mesmo tempo, atendendo às diferentes demandas e

auxiliando-os, teremos construído um belo perfil de professor (a)

alfabetizador (a). (LEAL, 2005, p.91) No início de um ano letivo e durante o mesmo, o professor (a) alfabetizador (a) tem uma

tarefa indispensável: descobrir o que cada aluno sabe e/ou aprendeu sobre o sistema de escrita

alfabética. É o chamado diagnóstico da escrita, que permite identificar quais hipóteses sobre a

língua escrita as crianças têm e com isso adequar o planejamento das aulas de acordo com as

necessidades de aprendizagem. Segundo Cunha (2007):

Ao início do ano cabe a cada professor diagnosticar os conhecimentos

adquiridos e as dificuldades de sua classe, fazendo as devidas adaptações

para que os alunos acompanhem o conteúdo estabelecido ou, se necessário, a

reformulação desses conteúdos e objetivos. Isso é feito por meio de

sondagens, de exercícios, da observação e do conhecimento que cada

professor desenvolve sobre sua classe. (CUNHA, 2007, p.5)

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E é diante dessa avaliação diagnóstica e com base nos conhecimentos já consolidados,

ou não, pelos alunos que o professor (a) deve organizar o seu trabalho pedagógico. Atender a

heterogeneidade dos alunos tendo em vista os níveis de escrita dos mesmos implica em um

trabalho com diversidade de estratégias metodológicas para o ensino do SEA. Como já

afirmamos, o diagnóstico é sim um recurso importante no processo de ensino e aprendizagem

do Sistema de Escrita, todavia, a heterogeneidade de aprendizagens entre as crianças não pode

ser considerada um requisito para segregação e classificação dos/as alunos/as, afinal de

contas, não é esse o papel do trabalho que leva em consideração a mesma. Os diversos ritmos

de aprendizagem precisam, sim, serem percebidos como um elemento intrínseco aos

processos educativos, como já afirmamos, e por isso respeitados.

Pensando sobre uma organização que considere a heterogeneidade dos alunos como

sendo principio promotor de avanço na compreensão do SEA, levamos em consideração que

mais do que diagnosticar esses níveis, é necessário que o professor (a) trabalhe com diferentes

estratégias didáticas para cada um dos alunos e planeje momentos de trabalho especifico que

possam ser conduzidos de forma paralela. O Caderno do Ano 03 da Unidade 07 do Pacto

Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2012, p.14) propõe três arranjos

básicos para pensarmos a organização do trabalho pedagógico levando em consideração a

heterogeneidade dos níveis de escrita: (1) situações didáticas em grande grupo; (2) situações

didáticas em pequenos grupos e em duplas; (3) situações didáticas em que as atividades são

realizadas individualmente.

O grande desafio do professor alfabetizador, como já referimos, é pensar em

atividades significativas que levem os alunos a refletirem sobre os princípios do sistema de

escrita, além de ter que atender a heterogeneidade da turma e relacioná-las ao

desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. A interação entre crianças com

diferentes níveis de conhecimento e de escrita em uma mesma atividade pode ser promotora

de aprendizagens diversas e momento de construção de novas hipóteses por parte das

crianças.

Algumas pesquisas recentes vêm discutindo a importância do trabalho que leve em

consideração a heterogeneidade, especificamente no ciclo de alfabetização. Oliveira (2010),

através do acompanhamento de nove turmas do ciclo de alfabetização durante seis meses,

constatou ser o trabalho que leve em consideração a heterogeneidade da aprendizagem das

crianças, um aspecto ainda tímido nas práticas de alfabetização por ela investigadas. Através

de sua pesquisa a autora revela a escassez da presença de atividades diversificadas,

considerando irrisório o investimento nesse tipo de prática nas salas de aula. Além disso,

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afirma também não ser uma preocupação das professoras investigadas por ela, a estimulação a

contribuição dos alunos mais avançados aos colegas em dificuldades.

Em outra pesquisa desenvolvida por Cruz (2012) foram analisadas as práticas de

alfabetização e letramento em escolas organizadas em ciclo e em séries nos três primeiros

anos do Ensino Fundamental. Os dados dessa pesquisa assinalam que as professoras

pesquisadas buscavam criar táticas para lidar com a heterogeneidade e atender à diversidade

das turmas. Uma dessas táticas era a utilização do agrupamento com as crianças de acordo

com os níveis de aprendizagem, visando o avanço dos que possuíam mais dificuldades. Os

dados apresentados na referida pesquisa corroboram com os encontrados por Oliveira (2010),

pois evidenciam novamente a ausência de um ensino ajustado às diferentes demandas dos

aprendizes. A autora em questão também aponta através da análise de seus dados, para a

necessidade de discutirmos com mais ênfase as formas de atendimento e os modos de

agrupamento no processo de alfabetização.

No que se refere a pesquisas recentes mais especificas no que diz respeito à

heterogeneidade destacamos os estudos de Silva (2014) e Sá (2015). Silva (2014) objetivou,

através de sua investigação, compreender como era concebido e praticado o ensino de

alfabetização em relação ao atendimento à heterogeneidade de conhecimentos dos alunos

sobre a leitura e a escrita em turmas do primeiro ano do ciclo de alfabetização. Os elementos

expostos por essa pesquisa revelam que as professoras utilizavam-se de esquemas para lidar

com a heterogeneidade, fazendo sobressair dentre eles o trabalho com as atividades

diversificadas, diferentemente do que haviam demonstrado os estudos de Oliveira (2010) e

Cruz (2012). Silva (2014) sinaliza um avanço nas maneiras de lidar com o fenômeno da

heterogeneidade, no que diz respeito aos dados por ela analisados, afirmando que a prática

docente têm buscado alternativas para atender e não marginalizar os alunos que não conseguem

acompanhar o ritmo da maioria do grupo-classe.

Sá (2015) em sua pesquisa de mestrado buscou analisar as estratégias docentes para

lidar com a heterogeneidade de aprendizagens do SEA em turma multisseriada. A

pesquisadora revela que a prática docente, por ela observada, utilizava a diferenciação das

atividades visando o atendimento à heterogeneidade de aprendizagem das crianças,

independente do ano escolar das mesmas, mesmo possuindo crianças de cinco anos distintos,

o que revela um esforço em abarcar as diferenças como um fator promotor das aprendizagens

A referida pesquisadora destaca três estratégias de organização do trabalho com a

heterogeneidade durante a análise dos dados coletados: Atividades diferenciadas realizadas

coletivamente, atividades diferenciadas realizadas em grupo ou em duplas e atividades

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diferenciadas realizadas individualmente. Sá (2015) atenta também para o critério de escolha

das atividades realizadas em grupo. Segundo ela, a professora investigada agrupava de acordo

com um nível de leitura, guiando-se pelo princípio da homogeneidade, deixando assim de

aproveitar momentos em que as crianças com mais dificuldades fossem auxiliadas pelas que

estavam mais avançadas.

Em 2013, o Ministério da Educação lançou um programa que instituiu, a partir de

ações específicas, a alfabetização de crianças até os oito anos de idade como algo de grande

relevância e destaque no progresso atual educacional do Brasil. O Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa, programa que inclui ações de formação de professores,

distribuição de material didático e monitoramento por meio de avaliação em larga escala, traz

em grande parte dos seus materiais didáticos, discussões relativas à importância do tratamento

da heterogeneidade, além da constante indicação do trabalho com agrupamentos como uma

mola propulsora no decorrer do processo de alfabetização.

A formação de professores, um dos baluartes do programa, abarcou diferentes

temáticas com distintos objetivos considerados em oito unidades temáticas que integram o

curso de formação ofertado pelo Ministério da Educação. Dentre os objetivos contemplados

nos escritos do programa, dois deles estão diretamente relacionados à discussão do presente

estudo: levar o professor a compreender a importância do trabalho que leve em consideração a

heterogeneidade do grupo-classe e fazê-lo perceber a importância de organizar diferentes

agrupamentos em sala de aula, adequando os modos de organização da turma aos objetivos

pretendidos, tendo em vista a heterogeneidade.

É perante esse cenário, discutido no material e nas formações do Programa Nacional

pela Alfabetização da Idade Certa, que buscaremos, no presente estudo, refletir e demonstrar

as práticas de alfabetização de uma professora do 3º ano do ciclo de alfabetização,

participante do Pacto Nacional pela Alfabetização na idade Certa, visando perceber as

estratégias e metodologias usadas por ela para atender a heterogeneidade a partir das formas

de agrupamento utilizadas em sala de aula.

Metodologia

Começaremos por apresentar o desenho dessa investigação, discutindo de forma sucinta o

percurso pelo qual enveredamos sem perder de vista os objetivos que nos mobilizaram. Nossa

pesquisa se caracteriza como qualitativa. Para melhor detalhamento da metodologia do

presente estudo será exposto, a seguir, os sujeitos da pesquisa e os procedimentos de coleta de

dados.

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Participou dessa pesquisa uma professora do ciclo de alfabetização, de uma secretaria

municipal do estado de Pernambuco que estava inserida no Pacto Nacional pela Alfabetização

na Idade Certa (PNAIC). Os critérios para a escolha foram os seguintes: (1) a professora

alfabetizadora precisaria ser cursistas do PNAIC; (2) lecionar no 3º ano do ensino

fundamental; (3) estar participando da pesquisa maior a qual esse subprojeto está vinculado1.

No primeiro encontro de formação entre os orientadores de estudo e os professoras

cursistas, apresentamos os objetivos da pesquisa, critérios de inclusão dos sujeitos e a

metodologia da pesquisa. Ao final da formação, as professoras cursistas que desejaram

participar da pesquisa tiveram um encontro em sala reservada com o pesquisador para receber

explicações mais detalhadas e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Para análise dos dados, resolvemos manter sigilo quantos ao nome da participante da

pesquisa.

SUJEITO

FORMAÇÃO BÁSICA Pedagogia

ESPECIALIZAÇÃO Psicopedagogia

EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA 20 anos

OUTRO VÍNCULO DE TRABALHO Trabalha em outra escola no turno oposto

ao observado.

Para a coleta de dados foram realizadas duas entrevistas com a professora. A primeira

entrevista aconteceu antes do início das observações das aulas com o objetivo de compreender

como a docente lida com a heterogeneidade dos alunos em sala de aula. A segunda entrevista

aconteceu ao final de cada aula observada, com o objetivo de aprofundar as análises sobre a

prática da professora. Além das entrevistas foram observadas 9 aulas. O objetivo das

observações foi identificar as estratégias e metodologias didáticas desenvolvidas pela

professora, com foco no tratamento da heterogeneidade e nas formas de agrupamento

utilizadas. Logo após realizarmos os procedimentos (entrevistas e observações), acabamos

por transcrever na íntegra todo o conteúdo.

1 Essa pesquisa fez parte de projeto mais amplo denominado “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa: formação de professores e impactos sobre a prática docente”, coordenado pelas professoras Ana Cláudia R. Gonçalves Pessoa, Telma Leal e Ester Rosa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPE e contou com financiamento do CNPq, na forma de concessão de bolsa de estudo.

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A análise dos dados configurou-se como um grande desafio, isto porque foi necessário

questionarmos minuciosamente as informações e separarmos o que é necessário, daquilo que

é trivial. As categorias de análise foram definidas a partir da leitura de todo o corpus,

resultantes das observações e das entrevistas. A partir destes procedimentos e da realização de

quadros representativos, definimos as categorias que nos serviram de base.

Resultados e discussões

As crianças, antes de serem alfabetizadas, convencionalmente, criam hipóteses originais

acerca do sistema de notação alfabética e essa conjectura se caracteriza como elemento

fundamental na caracterização de uma turma como heterogênea, no tocante à apropriação do

SEA. Dizer que é preciso conhecer o que os alunos já sabem para poder decidir o que e como

ensiná-los parece uma obviedade. Mas, dependendo da concepção de aprendizagem que

orienta a ação do professor, não é tão óbvio assim. Por isso, dentro desse processo, buscamos

compreender o importante processo de avaliação e diagnóstico dos alunos para uma melhor

organização das atividades e experiências didáticas em sala de aula e as concepções da

professora acerca desses processos. Categorizamos em “Como avalia?” e “O que avalia?” a

fala da professora, elencando trechos que evidenciam o que ela compreende desse processo

importantíssimo para o ciclo de alfabetização:

Quadro 1 - Concepções avaliativas da professora e a compreensão acerca dos níveis de

aprendizagem da escrita.

O QUE

AVALIA? COMO

AVALIA? TRECHOS DE FALA

Escrita Diagnose

(escrita de

palavras)

“No começo do ano letivo, nós somos orientadas à realizar a diagnose

dos alunos e eu já faço isso há muito tempo nos meus 20 anos de sala

de aula... E a partir dessa diagnose nós planejamos atividades

diversificadas para que as crianças avancem em suas hipóteses de

escrita. Nós aplicamos aquele teste de Emília Ferreiro, que o CEEL

usa muito também, com figuras e pedimos para eles escreverem...” “...Veja...é dificílimo trabalhar em uma sala heterogênea, ou seja, com

diversos níveis de escrita...Agora, eu me viro em mil não é? Porque

quem está no silábico precisa avançar para o alfabético... Eu utilizo de

algumas estratégias...como separar por dupla quem tá mais

fraquinho...juntar com quem já está melhor... E assim eu vou fazendo

com que eles avancem...”

É interessante enfatizar que a concepção acerca do que é alfabetizar traz implicações

no tratamento dados às formas de avaliação e de utilização dessa avaliação para organização

do trabalho pedagógico. De fato, o diagnóstico é um recurso importantíssimo no processo de

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alfabetização, como já nos referimos anteriormente no presente estudo, porém, é necessário

que o professor tenha a clareza do que e como avaliar.

Estar alfabetizado inclui muitos outros aspectos que vão além da fluência da leitura.

Para que o diagnóstico contribua como recurso de identificação dos saberes que os alunos já

construíram e os que precisam construir e consolidar, é necessário que tenhamos parâmetros

claros e seguros para avaliar onde estamos e queremos chegar. De acordo com os diferentes

materiais disponibilizados no Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, a alfabetização não

deve se restringir a capacidade de ler palavras soltas. É necessário que os/as alunos/as possam

ter condições de ler e compreender textos de variados gêneros em situações sociais diversas.

A professora demonstra ter um momento direcionado para identificar as hipóteses de

escrita apresentadas por seus alunos. Além disso, ela revela, através de sua fala, uma clareza

sobre como o diagnóstico dos níveis de aprendizagem da escrita podem auxiliar no tratamento

com a heterogeneidade em sala de aula. A professora entende que esses níveis não devem ser

avaliados somente por meio da classificação dos/as alunos/as que leem ou não de forma

convencional e fluente. Através de sua fala, também percebemos que ela compreende a

importância da organização de diferentes agrupamentos em sala de aula, temática que

trataremos posteriormente nesse estudo.

As análises dos dados coletados através de diferentes instrumentos nos possibilitaram

identificar alguns elementos estruturadores da prática dessa professora no que diz respeito à

heterogeneidade em uma turma no final do ciclo de alfabetização. Diante da heterogeneidade

do grupo de alunos com os quais trabalhava, a professora fazia opções conscientes pelo

atendimento preferencial às crianças com maiores discrepâncias de aprendizagem em relação

ao grupo/classe. Opção esta, que se materializava em diferentes encaminhamentos no decorrer

da prática pedagógica.

Nas observações da prática docente e nas respostas concedidas nas entrevistas, nós

pudemos observar certa aproximação das concepções defendidas por nós e pelo Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. A professora demonstra reconhecer que para

ensinar as crianças a ler é preciso realizar atividades diversificadas e que atendam a diferentes

finalidades. A seguir podemos observar essa concepção em um trecho de entrevista da

professora:

Pesq: Como a senhora planeja para uma turma heterogênea? PB: Eu busco levar em consideração as particularidades de cada aluno...Até

porque o 3º ano é o ano do ciclo que é mais cobrado.... porque os alunos

chegam aqui...sem saber de nada...e a gente tem que se virar nos 30, como

diz a história, pra dar conta de tudo... O meu planejamento é baseado sempre

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pra que eles avancem e consigam chegar alfabetizados no final do ano pra

serem aprovados... Verificamos que a professora trabalha com atividades diversificadas, em grupos e

também através de intervenções individuais junto a seus alunos, buscando respeitar a

heterogeneidade em sala de aula, mesmo em meio a dificuldades, como evidencia no relato.

Uma ressalva muito importante diz respeito à presença de um aluno com necessidades

especiais na turma da professora B, a respeito disso o Caderno do ano 03 da Unidade 07 do

Pacto Nacional pela Alfabetização (2012) tece o seguinte comentário:

Devemos lembrar que, em decorrência das peculiaridades impostas pela

deficiência, alguns alunos não poderão aprender o SEA da mesma forma e

pelas mesmas vias dos alunos sem deficiência. É outro tipo de especificidade

que o professor alfabetizador precisa considerar que transcende a questão da

heterogeneidade própria de todos os alunos. (p. 08)

Ante a heterogeneidade do grupo/classe com o qual trabalhava, a professora observada

fazia uma opção consciente pelo direcionamento preferencial às crianças com maiores

discrepâncias de aprendizagem. Opção esta que se concretizava em diferentes

encaminhamentos na prática pedagógica, como podemos observar no trecho de entrevista

após a aula 1:

Prof.: [...] Outra questão é a própria forma de eu organizar eles, eles já tem o

hábito de produção de textos, quando pega o caderno pequeno eles já sabem

que é produção de texto e também eu usei, quando eu estava o livro didático,

como tem história em quadrinho, aí eu aproveitei e levei muitos gibis que

era na medida que fossem terminando eles irem pegando o gibi porque eles

iam vendo outro gênero que a gente tá começando a ver com mais detalhes

que é o quadrinho. Mas aí eu acho que a estratégia é leitura o tempo todo, eu

vou me virando nos 30, mesmo que é para eles terem atenção e participação,

principalmente Wildson (aluno com deficiência motoras e cognitivas) que

ele é muito, é.. Eu tenho que ficar muito direcionada para ele porque se não

ele fica muito impaciente.

Segundo o caderno do ano 03, da unidade 07 do Programa Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa, “em todos os tipos de situações é importante decidir sobre

agrupamentos, de modo a garantir que todos os alunos estejam pensando a respeito do SEA”.

(BRASIL, 2012, p.22)

As observações realizadas também demonstram que a professora utilizava alguns

procedimentos para atender aos diferentes níveis de aprendizagem da escrita alfabética que

tinha em sua turma. Entre estas estratégias podemos elencar algumas que se sobressaíram: (1)

aproximar as crianças com maiores dificuldades das que já possuíam um conhecimento

consolidado, mesclando-as nas atividades realizadas em grupo; (2) chamar para junto dela as

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crianças com maiores dificuldades na realização das atividades. No trecho de entrevista após a

aula 2, a professora sinaliza a estratégia supracitada:

P. B. – Pegar a leitura de todos dentro da produção de textos. Quando

eles produziram não deu pra fazer a leitura de todos da sala, por isso eu não

consegui pegar a leitura de alguns. Procurei mesclar, aí assim, uns que eu já

sei que tinham leitura fluente, outro que não lê, faz leitura de imagem, que é

o caso de Henrique, acho que foi só isso. Procuramos através de uma tabela sinalizar os diversos momentos de tratamento da

heterogeneidade presentes nas aulas observadas da professora:

Tabela 1 - Tratamento da heterogeneidade no ensino da Língua Portuguesa quanto as atividades

realizadas

Categorias / Aulas 1

2 3 4 5 6 7 8 9 Total

Presença de atividades diversificadas na aula x x x x x x x x x 9

A diversificação atendia ao critério dos níveis de

aprendizagem da escrita dos alunos

x x 2

As atividades diversificadas não tinham relação entre si x x x 3

As atividades eram coletivas e dirigidas a todas as crianças x x x x x x x x x 9

As atividades eram coletivas e dirigidas a determinados

grupos de crianças

x x x 3

As atividades eram individuais e as mesmas para todas as

crianças

x x x x x x 6

As atividades eram em grupo ou em duplas x x 2

Observamos através dos dados expostos acima, que além de explicitar o

conhecimento acerca da importância do trabalho voltado para a heterogeneidade, a professora

também desenvolve algumas atividades no cotidiano da sala de aula para lhe dar com tal

aspecto, como por exemplo, assistir individualmente os alunos com mais dificuldades. Por

possuir a grande maioria dos alunos no nível alfabético a professora desenvolveu nas aulas em

que observamos, diversas atividades relacionadas à produção de texto e leitura. Mesmo

desenvolvendo atividades mais complexas, em nenhum momento as crianças que se

encontravam ainda na hipótese pré-silábica ficaram ociosas ou com atividades aquém ou

acima de suas capacidades. A todo o momento a professora prestou assistência a esses alunos,

atendendo individualmente na banca dos mesmos em muitas das situações. No entanto,

podemos ressaltar que no que diz respeito aos níveis de aprendizagem da escrita,

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especificamente, a professora não desenvolveu em nenhuma das aulas observadas alguma

atividade que atendesse a esse aspecto especifico da heterogeneidade da turma. Outro aspecto

a ser ressaltada é o de que mesmo não separando a turma em agrupamentos de acordo com o

nível de escrita, em duas aulas, a professora trabalhou com grupos. Nessas duas observações

pudemos constatar que a professora esforçava-se para mesclar os grupos quanto aos níveis de

aprendizagem de seus componentes.

Trabalhar considerando a heterogeneidade de aprendizagem dos níveis de escrita não

significa desenvolver um trabalho individualizado, por aluno. Isso, além de não ser possível

num contexto de sala de aula numerosa, poderia significar um retrocesso ao ensino que fecha

a criança em uma redoma e a impede de avançar através de momentos de compartilhamento e

troca de aprendizagens, principalmente quando tratamos especificamente da apropriação do

SEA. Deste modo, considerar que os alunos apresentam saberes distintos implica trabalhar em

um sistema de ensino que permita que esses saberes sejam partilhados, debatidos,

confrontados e transformados. As propostas de atividades, ora iguais para todos, ora com

variações, devem permitir que cada aluno possa fazer novas descobertas a partir delas.

Conclusão

Principiaremos, destacando, desde já, que não pretendemos fazer generalizações, pois

nossa pesquisa se configura como um olhar direcionado a uma única prática docente.

Todavia, expressaremos ao longo de nossas considerações finais alguns apontamentos que

foram evidenciados a partir de nossa análise. Procuramos analisar as estratégias e

metodologias desenvolvidas por uma professora do 3º ano do ensino fundamental no que diz

respeito ao tratamento dado por ela à heterogeneidade, o que nos permitiu compreender que,

essas estratégias e metodologias estavam intrinsicamente ligadas à concepção de alfabetização

e de avaliação da professora.

Em relação à forma de avaliar das professoras, podemos considerar que a professora

relatou realizar periodicamente a diagnose dos níveis de escrita. Sobre isso, é importante

ressaltarmos que para o planejamento de estratégias que abarquem os diversos níveis de

apropriação do SEA, esse diagnóstico de configura como fundamental e decisivo. Segundo

Morais (2012, p. 75) “fomos chamados a olhar sob outra perspectiva os erros dos

alfabetizandos e a interpretá-los, tomando-os como indicadores do que os alunos já

aprenderam e do que precisam aprender sobre as questões “O que?” e “Como?” a que temos

nos referido”, e é com base nesse princípio que a avaliação diagnóstica surge como decisiva.

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No que se refere às estratégias metodológicas adotadas pela professora, constatamos que

nas observações havia uma preocupação no atendimento às diferenças entre os níveis de

aprendizagem dos alunos. Esta facilidade ligada ao trabalho com a heterogeneidade

certamente estava ligada ao fato de a professora realizar diagnósticos periódicos, o que

possibilita que ela tenha ciência dos níveis de aprendizagens dos alunos. De qualquer forma,

vale enaltecermos a valorização do trabalho em grupo que a professora desenvolve, mesmo

que ela não tenha deixado claro que esses agrupamentos procedem do nível de aprendizagem

das crianças.

Analisar à partir dos dados a prática docente dessa professora, nos levou a perceber o quão

distante os professores ainda estão de materializar na prática atividades que levem em

consideração no seu planejamento e execução, os níveis de aprendizagem e as diversas formas

de agrupamento. Conseguir atender a heterogeneidade já é uma tarefa muito complexa, e se

torna ainda mais quando diz respeito especificamente aos níveis de aprendizagem da escrita

no ciclo de alfabetização. Porém, é um desafio que precisa ser enfrentado, respeitando as

singularidades de cada criança e o seu direito à alfabetização.

Acreditamos que nossa pesquisa tenha contribuído para discutirmos a necessidade de uma

atenção específica aos níveis de aprendizagem e as formas de agrupamento, para que os

alunos, tratados em suas singularidades, possam avançar na compreensão do Sistema de

Escrita Alfabética.

Referências

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Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: A heterogeneidade em sala de aula e a

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