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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL O TREM DAS GROTAS: A FERROVIA LESTE BRASILEIRO E SEU IMPACTO SOCIAL EM JACOBINA (1920-1945) FABIANA MACHADO DA SILVA Santo Antônio de Jesus, Ba. Julho, 2009.

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

O TREM DAS GROTAS: A FERROVIA LESTE BRASILEIRO E SEU IMPACTO SOCIAL EM JACOBINA (1920-1945)

FABIANA MACHADO DA SILVA

Santo Antônio de Jesus, Ba. Julho, 2009.

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FABIANA MACHADO DA SILVA

O TREM DAS GROTAS: A FERROVIA LESTE BRASILEIRO E SEU IMPACTO SOCIAL EM JACOBINA (1920-1945)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia, Campus V, para obtenção do título de Mestre em História Regional e Local. Orientadora: Profª. Drª. Suzana Maria de Souza Santos Severs

Santo Antônio de Jesus, Ba. Julho, 2009.

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FICHA CATALOGRÁFICA (Elaborada pela bibliotecária Marisa Santiago)

SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: a ferrovia Leste Brasileiro e seu impacto social em Jacobina (1920-1945)/Fabiana Machado da Silva - 2009. 156 f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Mestrado em História Regional e Local, 2009. Orientador (a): Profa. Dra. Suzana Maria Santos Severs.

1. Ferrovias – Aspectos Econômicos – Bahia 2. Ferrovias – Impacto Social – Bahia. 3. Desenvolvimento Regional – Jacobina – Bahia. I. Severs, Suzana Maria Santos, orient. II. Título.

CDD: 385.3098142

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O TREM DAS GROTAS: A FERROVIA LESTE BRASILEIRO E SEU IMPACTO SOCIAL EM JACOBINA (1920-1945)

FABIANA MACHADO DA SILVA

Orientadora: Profª. Drª. Suzana Maria de Souza Santos Severs BANCA EXAMINADORA: __________________________________________________ Profª. Drª. Suzana Maria de Souza Santos Severs (Orientadora) Universidade do Estado da Bahia (UNEB) __________________________________________________ Profª. Drª. Carmélia Aparecida Silva Miranda (Titular) Universidade do Estado da Bahia (UNEB) __________________________________________________ Prof. Dr. Walter Fraga Filho (Titular) Universidade Federal do Recôncavo (UFRB) __________________________________________________ Profª. Drª. Ana Maria Carvalho dos Santos Oliveira (Suplente) Universidade do Estado da Bahia (UNEB) __________________________________________________ Prof. Dr. Rinaldo Nascimento Leite (Suplente) Universidade Estadual de feira de Santana (UEFS)

Aprovada em: Julho de 2009.

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Dedico este trabalho às memórias de: Antonio, meu pai, in memoriam, pelo amor incondicional, apoio e dedicação. Fernando Rodrigues Machado, meu pai-avô, in memoriam, que inspirou a realização deste trabalho. A meu sobrinho, Arthur, alegria da minha vida. Àqueles que são seduzidos pela história das ferrovias e queiram “viajar pelos trilhos da Leste”, no Trem das Grotas.

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AGRADECIMENTOS

A realização do Mestrado foi à concretização de um sonho de uma menina do interior

(Alagoinhas), que não tem medo de arriscar e sonhar. Pensava em estudar e ser professora,

que se encantou pela História, por Jacobina e pela ferrovia. Só que não se vive só de sonhos,

temos que lutar para concretizá-los, enfrentar os obstáculos e as dificuldades, aprender com

elas. Lógico que isso jamais conseguiria sozinha, sem a participação e apoio de amigos e

familiares.

Por isso agradeço:

A Deus primeiramente pelo dom da vida e pela força e coragem, pois sem Ele não

seria possível realizar este trabalho.

À direção e funcionários da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus V -

Santo Antônio de Jesus-Ba, por favorecer a realização desse sonho. Pelo apoio e carinho com

que fui tratada, pelo pessoal da Direção, da Biblioteca, do Colegiado de História, do Setor de

Informática, da Xerox, da Cantina, Limpeza e Vigilância.

À coordenação e funcionários do Programa de Pós-Graduação em História Regional e

Local (UNEB), por possibilitar as condições técnicas e institucionais para realização desta

dissertação de Mestrado. Em especial às secretárias e secretário sempre de prontidão a nos

atender, que passaram pela secretaria do colegiado: Andréa, César, Aneise, Ane e Consuelo.

Ao Programa de Demanda Social (DS) da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro, com a concessão de bolsa de

estudos, sem a qual seria impossível a realização desta pesquisa.

À professora Suzana Maria de Souza Santos Severs, minha orientadora, pelo carinho e

atenção quase de mãe para comigo. Pela paciência, competência e compreensão com que

orientou a condução deste trabalho.

Ao senhor Marivaldo Teixeira dos Santos, diretor do Jornal Primeira Página, por ter

me concedido pesquisar nos arquivos do Jornal O Lidador, o que foi muito importante para o

andamento da pesquisa.

Ao senhor Amado, diretor do Centro Municipal e Cultural Edmundo Isidório dos

Santos, por ter possibilitado pesquisar os livros e coleções da Seção Memória do Município,

onde realmente aprendi a arte de historiar.

Aos ex-ferroviários entrevistados, que ajudaram a compreender alguns aspectos do

funcionamento da empresa ferroviária federal Leste Brasileiro na cidade de Jacobina. Sem

eles meu trabalho “não teria vida”, nem significado.

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Aos funcionários da Biblioteca Pública Municipal Afonso Costa, que auxiliaram,

sempre que possível, e acompanharam de perto o trabalho de catalogação do material que se

encontra na Seção Memória do Município. À Júlia, Marcelo, Ana Cristina, meus sinceros

agradecimentos.

Aos funcionários da biblioteca da Fundação Clemente Mariani, que gentilmente

mostraram os relatórios da Leste, que se encontram no acervo desta biblioteca. Também

agradeço aos funcionários do Arquivo Público Municipal de Alagoinhas (APMA), da

Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB) e do Arquivo Público do Estado da Bahia

(APEB), do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (IHGB), pelo profissionalismo e

atenção com que fui atendida.

À professora Iraci Gama, por ter aberto as portas e confiado a mim o material que

durante anos juntou e organizou, disponibilizando-o para pesquisa na sede da fundação que

recebeu seu nome.

Aos meus ex-orientadores na graduação e pós-graduação. Ao professor Luiz Henrique

dos Santos Blume, pelo significativo papel na iniciação nas atividades de pesquisa. Ao

professor Francisco Antonio Zorzo, por ter me ensinado “a andar pelas linhas do trem”

durante o período da Especialização. Pela ajuda e pelas palavras de força e ânimo.

A todos os professores do Programa de Mestrado em História Regional e Local, que

contribuíram com a minha formação acadêmica, pelo incentivo nos estudos, pelo carinho e

atenção. Aos professores Charles D’almeida Santana e Felipe Santos Magalhães pelo

aprendizado e sugestões de leituras durante as disciplinas cursadas. A professora Ely Souza

Estrela, pela ajuda e apoio durante a caminhada do Mestrado e ao professor Daniel Francisco

dos Santos que sempre me incentivou e demonstrou acreditar no meu trabalho. Aos

professores Carmélia Aparecida Silva Miranda e Walter Fraga Filho por aceitarem participar

da banca e pelas sugestões dadas para aprimoramento deste trabalho durante o exame de

qualificação. Ao professor Raimundo Nonato Pereira Moreira pela forma competente e

atenciosa com que conduziu a regência das aulas durante o tirocínio docente no Mestrado.

Aos amigos e colegas da primeira turma do curso de Mestrado da UNEB, Alex

Andrade Costa, Carlos Nássaro Araújo da Paixão, Cleide Cardim dos Santos, Edilma Oliveira

Souza Quadros, José Alberto Nascimento de Jesus, Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes,

Marcos Profeta Ribeiro, Marcus Vinicius da Silva Saldanha, Moisés de Oliveira Sampaio,

Osvaldo Silva Felix Júnior, Philipe Murillo Santana de Carvalho, Raul Coelho Barreto Neto,

Rosana Costa Gomes, Rosineide Costa Brito dos Santos, pelos momentos divertidos que

passamos juntos, por acreditarem em mim.

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À minha segunda família da Residência Universitária Sururu (R.U), Aline, Alison,

Brian, Décio, Elisângela, Elton, Giselli, Hamilton, Isabela, Lucas, Luis, Marcelino, Marciele,

Renilton, Tânia, pelos momentos agradáveis que passamos juntos. Muitas histórias para

contar.

À amiga Marília e toda sua família por gentilmente me receberem em sua casa,

durante os primeiros dias de aulas do Mestrado. Com certeza a ajuda de vocês foi essencial. E

também a amiga Keite Maria pela leitura e sugestões valiosas para esse trabalho. Também não

poderia deixar de citar o professor Jorge Damasceno que sempre me deu ânimo quando

pensava em desistir, tirando minhas dúvidas quando solicitado.

A Neuide, minha mãe, por em todos os momentos estar comigo e mais uma vez

acreditando e apoiando a realização de um sonho. Sem a senhora não sei o que seria de mim.

Às minhas irmãs Karla e Alessandra, que sempre vibram a cada conquista minha, pelo

carinho, incentivo, apoio afetivo e financeiro durante o primeiro ano de Mestrado.

Aos tios, primos, amigos e cunhados que sempre torceram por mim. Em especial à tia

Mercedes que me deu abrigo em Salvador para realizar as pesquisas.

A todas as pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para a realização deste

trabalho e de um sonho, seja tirando minhas dúvidas, seja ouvindo minhas angústias durante a

sua concretização.

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Uma empresa de ferrovia é um ser vivo. E devia ser classificado como crime matar uma ferrovia. Uma ferrovia não é apenas os trilhos, os dormentes, os pontilhões e as estações. Nem são apenas os trens e os vagões. Uma ferrovia é um conjunto de cidades que vivem à sua margem e são estradas que vêm a elas, e é a gente que vive ali e é economia, a saúde, a esperança e até o amor, o destino, a felicidade e a morte.

Antonio Leal de Santa Inês

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RESUMO

Entre os aspectos da modernidade em Jacobina entre 1920 e 1945, a ferrovia foi um elemento significativo pela representatividade e influência modificadora. A Leste teve um lugar principal na disputa sobre o que poderia ser considerado moderno em Jacobina, uma vez que trouxe mudanças não só na paisagem urbana como na vida social e cultural de seus habitantes. Abordam-se as transformações sociais, culturais e urbanas, os aspectos do cotidiano, da construção das relações sociais, ressaltando em que medida as elites locais vivenciaram a modernidade e o progresso, proporcionados pela influência e simbologia da ferrovia, como isso influenciou a reestruturação e a transformação da infra-estrutura urbana e suas representações sócio-culturais. Discutem-se os impactos da Leste em Jacobina, as relações entre as transformações sociais e seu ambiente ferroviário, com a articulação sócio-regional e redes de sociabilidade. Partimos de uma metodologia de análise histórico-discursiva-interpretativa de documentos e dados históricos, depois utilizamos a análise da história oral como fonte. Também tentamos seguir algumas pistas a partir das fotografias. Utilizamos vários tipos de fontes manuscritas, impressas, jornalísticas e orais como: Livros de Atas Municipais; de Atos do Prefeito, de 1933 a 1938; de Leis e Resoluções do Conselho Municipal, de 1908 a 1915; de Registro de Ofícios, de 1950 a 1951; de Mensagens dos Governadores à Assembléia Legislativa; O Código de Posturas de 1933; Diário Oficial do Estado da Bahia 1823-1923; relatórios da Leste; jornais e depoimentos de antigos moradores e ex-ferroviários. Palavras-chave: Ferrovia. Desenvolvimento Regional. Impacto Social. Jacobina-Ba.

ABSTRACT

Among the aspects of the modernity in Jacobina among 1920 and 1945, the railway was a significant element for the representativeness and modifier influence. The East had a main room in the dispute on what it was it could be considered modern in Jacobina, once she brought changes not only in the urban landscape as in the its inhabitants' social and cultural life. The social, cultural and urban transformations are approached, the aspects of the daily, of the construction of the social relationships, standing out in that measured the elites local experienced the modernity and the progress, provided by the influence and symbolism of the railway, as that influenced the restructuring and the transformation of the urban infrastructure and its partner-cultural representations. The impacts of the East are discussed in Jacobina, the relationships between the social transformations and its rail atmosphere, with the partner-regional articulation and sociability nets. We left of a methodology of historical-discursive-interpretative analysis of documents and historical date, later we used the analysis of the oral history as source. We also tried to follow some clues starting from the pictures. We used several types of sources manuscript, printed, journalistic and you pray as: Municipal minute books, of Acts of the Mayor of 1933 and 1938, of Laws and Resolutions of the Municipal Council from 1908 and 1915, of Registration of Occupations from 1950 and 1951, of Messages of the Governors to the Legislative Assembly, The Code of Postures of the year of 1933, official newspaper of the State of Bahia 1823-1923, reports of the East, newspapers and old inhabitants' depositions and former-rail. KEYWORDS: Railway. Regional Development. Social impact. Jacobina-Ba.

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LISTA DE SIGLAS

APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia.

APMA - Arquivo Público Municipal de Alagoinhas.

APMJ - Arquivo Público Municipal de Jacobina.

BCE - Biblioteca Central do Estado da Bahia.

BPEB - Biblioteca Pública do Estado da Bahia

CBTU - Companhia Brasileira de Trens Urbanos.

DNEF - Departamento de Estradas de Ferro.

FAFEN - Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados S. A.

FCA - Ferrovia Centro Atlântica S. A.

FCM - Fundação Clemente Mariani.

FIGAM - Fundação Iraci Gama.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IGHB - Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

IPAC (Ba) - Instituto do patrimônio artístico e cultural da Bahia.

IHGB - Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.

NECC - Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade.

NEO - Núcleo de Estudos Orais.

RFFSA - Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima S. A.

RVFFLB - Rede de Viação Férrea Federal Leste Brasileiro.

SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia.

SINDEFERRO - Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários, similares e afins.

VFFLB - Viação Férrea Federal Leste Brasileiro.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Vista Panorâmica de Jacobina, 1930. 41

Figura 2 - Mapa da Localização de Jacobina em Relação ao Estado e sua Capital. 42

Figura 3 - Mapa da Região de Jacobina. 43

Figura 4 - Visão Panorâmica de Jacobina, 1950. 44

Figura 5 - Desastre de Trem, Década de 1940. 76

Figura 6 - Estação da Leste, 1960. 80

Figura 7 - Mapa do Traçado da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, em 1969 88

Figura 8 - Trem das Grotas, 1960. 95

Figura 9 - Fachada da Estação da Leste de Jacobina, 1970. 100

Figura 10 - Antiga e a Nova Estação Ferroviária de Jacobina, 1960. 102

Figura 11 - Mulheres Lavando Roupa no Rio Itapicurú-Mirim. 103

Figura 12 - Praça da Matriz, 1920. 109

Figura 13 - Praça da Matriz. 110

Figura 14 - Estação da Leste em Jacobina. 116

Figura 15 - Viajantes de Trem, Década de 1960. 117

Figura 16 - Carro de Boi, Década de 1970. 119

Figura 17 - Coreto Municipal de Jacobina na Praça da Matriz. 121

Figura 18 - Pontilhão da Estrada de Ferro, Década de 1970. 126

Figura 19 - Construção do Prédio do Campus IV - UNEB, Década de 1980. 126

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - População do Estado da Bahia em 1932. 57

Tabela 2 - Receitas de Algumas Estações Selecionadas em 1944 (em réis). 73

Tabela 3 - Principais Mercadorias Transportadas pela Ferrovia em 1935. 74

Tabela 4 - Receita da Estação de Jacobina de 1941 a 1948 (em réis). 90

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 15

INTRODUÇÃO 18

CAPÍTULO I - DA VILA AGRÍCOLA À CIDADE COMERCIAL 39

1.1 A ORIGEM DO NOME JACOBINA 39

1.2 DADOS FISIOGRÁFICOS DE JACOBINA 41

1.3 DA ALDEIA À VILA, OUVIDORIA DE JACOBINA 51

1.4 A CIDADE ANTES DO TREM 55

CAPÍTULO II - A LESTE E O PIEMONTE 59

2.1 HISTÓRICO DA LESTE BRASILEIRO 59

2.2 O FUNCIONAMENTO E DECADÊNCIA DA LESTE BRASILEIRO 72

2.3 O TRABALHO NO TREM 80

2.4 A FERROVIA EM JACOBINA 86

CAPÍTULO III – A FERROVIA E AS MUDANÇAS EM JACOBINA 94

3.1 PIUÍÍ ... CHEGOU O TREM DAS GROTAS! O CONTEXTO DE SUA IMPLANTAÇÃO

94

3.2 UMA CIDADE PASSANDO POR MUDANÇAS DEPOIS DA CHEGADA DA LESTE BRASILEIRO

99

3.3 AS MUDANÇAS URBANAS EM JACOBINA 101

3.4 AS MUDANÇAS SOCIAIS E CULTURAIS NA SOCIEDADE JACOBINENSE 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS 127

FONTES 131

REFERÊNCIAS 135

GLOSSÁRIO 147

ANEXOS 148

ANEXO I - Cronologia dos principais decretos e contratos da formação das empresas ferroviárias que constituíram a Leste Brasileiro.

149

ANEXO II – Tabela - Extensão das Linhas e Ramais da Leste Brasileiro em 1944.

151

ANEXO III - Tabela - Movimento Financeiro da VFFLB de 1911 a 1940 (em Réis).

152

ANEXO IV - Mapa Estradas de Ferro da Bahia. 153

ANEXO V - Mapa Estrada de Ferro da Bahia ao Rio São Francisco. 154

ANEXO VI - Mapa da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro em 1965. 155

ANEXO VII - Mapa da RFFSA/Superintendência Regional - Salvador-1984. 156

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho é o resultado de questionamentos que surgiram a partir de pesquisas

sobre a cidade de Jacobina, realizadas desde a Graduação no curso de Licenciatura Plena em

História, Campus IV/Jacobina-Ba, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). As idéias e

o objeto de estudo suscitados foram aprimorados no decorrer do curso de Especialização em

História da Bahia, na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), culminando em

projeto de pesquisa para Mestrado, cujos resultados apresentamos nesta Dissertação,

desenvolvida na linha de pesquisa Campo e Cidade do Programa de Pós-graduação em

História Regional e Local, UNEB/Campus V - Santo Antônio de Jesus-Ba.

O processo de elaboração e delimitação da temática a ser pesquisada deu-se a partir de

um movimento único e articulador entre o sujeito e o objeto, envolvendo também a postura

histórica e a maneira como o historiador percebe e se insere no contexto social, na

constituição e construção da investigação histórica, sendo simultaneamente, sujeito e objeto

de estudo, “[...] ao mesmo tempo em que a postura e a experiência do pesquisador vão estar

presentes no seu trabalho, enquanto sujeito do conhecimento, esta mesma bagagem é histórica

tornando-o um objeto, isto é, o historiador é também fruto do seu tempo”1. Na maioria das

vezes, a escolha do tema tem a ver com as próprias inquietações e experiências pessoais do

pesquisador (a), como afirma Marc Bloch:

[...] Em boa verdade conscientemente ou não, é sempre às nossas experiências que, em última análise, vamos buscar, dando-lhes onde forem necessários, os matizes de novas tintas, os elementos que nos servem para a reconstituição do passado: as próprias palavras de que nos servimos para caracterizar os estados de alma desaparecidos, as formas sociais estioladas, que sentido teria para nós se não tivéssemos visto primeiro viver os homens?[...]2

Vários foram os motivos que levaram a escolha e definição do tema e da problemática

pesquisada. Inicialmente, a motivação que nos levou ao estudo da ferrovia e do seu impacto

social em Jacobina esteve diretamente ligada à curiosidade que despertaram as histórias de

Fernando Rodrigues Machado, um ex-ferroviário da Leste em Alagoinhas, sobre a chegada da

linha férrea que modificou, em certa medida, a dinâmica social e os costumes da população

alagoinhense. Houve um tempo em que a vida na cidade passou a ser regida e organizada de

acordo com o horário do trem. Essa experiência pessoal foi de certa maneira um dos fatores

1 Yara Maria Khoury [et. al.]. A Pesquisa em História. 2. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 30. 2 Marc Bloch. Introdução à História. 6. ed. Mira-Sintra: Europa-América, 1941. p. 43. (Coleção Saber).

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que levaram ao estudo da história de Jacobina, onde a Leste teve uma grande contribuição e

influência.

Ouvimos e crescemos em meio às histórias de trem e estação, as memórias tornaram-

se repletas de sentimentos e significados, trazendo a marca da própria experiência de vida,

problematizando e pondo-se em questionamento as nossas próprias memórias. Embora não

tenhamos tido a oportunidade e o privilegio de andar de trem, sempre gostamos e nos

interessamos pelas histórias de trem, encantando-nos pelo brilho que as ferrovias

proporcionaram à vida das pessoas que viram e andaram em um trem em movimento.

Durante o curso de História, a participação nos vários encontros do Núcleo de Estudos

de Cultura e Cidade (NECC) despertou o interesse em desenvolver um estudo dentro da linha

de pesquisa integrante, “Cultura e Cidade”, a qual discutia as relações entre a cultura e o fazer

urbano, buscando compreender a cidade a partir dos problemas sociais que fazem parte do

viver citadino.

O contato direto com as fontes históricas primárias despertou-nos o interesse em

pesquisar a implantação de um equipamento urbano em específico, a empresa Ferroviária

Federal Leste Brasileiro, que contribuiu para as transformações sociais ocorridas na cidade de

Jacobina a partir do decênio de 1920. Este foi o início de nosso interesse pela história de

Jacobina e sua relação com a Leste Brasileiro, fruto do trabalho como bolsista de Iniciação

Científica (UNEB-PICIN) entre 2001 e 2002 do projeto coordenado pelo professor Luiz

Henrique dos Santos Blume “Imagens da cidade: a emergência da modernidade em Jacobina

(1920-1950)”. A monografia final do curso de Graduação intitulada As Influências da Viação

Férrea Leste Brasileiro na Cidade de Jacobina (1920-1950), acabou resultando em uma

análise dos discursos e visões sobre a cidade de Jacobina, pouco aparecendo a ferrovia.

Para o Trabalho de Conclusão de Curso, utilizamos como fonte escrita os documentos

disponíveis na seção Memória do Município do Arquivo Público Municipal de Jacobina

(APMJ) e o jornal O Lidador, importante fonte histórica sobre a história de Jacobina e

documentação que trata em específico da Leste, o qual somente tivemos acesso com o

consentimento do diretor do Jornal Primeira Página, Marivaldo Teixeira dos Santos,

contribuindo assim para o andamento da pesquisa. A ferrovia apareceu com mais interesse

que a cidade, foi um elemento significativo pela representatividade e influência modificadora.

No curso de Especialização, seguimos essa mesma linha de pesquisa. Aprofundamos

os estudos sobre esta temática a partir do acesso a documentação escrita e aos dados sobre a

organização e movimentação financeira obtidos nos relatórios produzidos pela empresa no

período estudado. No trabalho final, para obtenção do título de especialista, O Episódio

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Ferroviário e o Desenvolvimento da cidade de Jacobina/Ba (1920-1945), apresentamos

questões referentes à história da Leste Brasileiro e sua relação com o desenvolvimento

urbano-comercial de Jacobina, baseando-nos na análise de dados econômicos e financeiros

divulgados nos relatórios da empresa.

Tínhamos em mente estudar os reflexos da onda modernizante de começos do século

XX em Jacobina. Para tanto, levamos em consideração a implantação de certos equipamentos

urbanos que vão fazer parte do cotidiano da população jacobinense e tornam-se elementos-

símbolos modernizadores da cidade. A ferrovia apareceu como um instrumento transformador

da vida econômica local e dos hábitos cotidianos considerados atrasados, próprios da região

sertaneja. Falar de Jacobina é também falar da Leste, marco importante na constituição do

espaço urbano, havendo uma relação entre ambas, uma é indissociável da outra.

Para realização desta pesquisa de Mestrado, buscamos ampliar a análise de tais

questões, sob uma perspectiva dialógica e integradora das funções sociais da cidade e

ferrovia, tendo a Leste, um lugar principal na disputa sobre o que poderia ser considerado

moderno na cidade, uma vez que trouxe mudanças não só na paisagem urbana como na vida

social e cultural de seus habitantes. Analisamos o papel regional que essa empresa teve

agenciando conflitos, dispondo de poderes e movimentando bens e pessoas, seu significado

para o desenvolvimento político-social e econômico de Jacobina.

Nesta Dissertação seguimos uma perspectiva de História Social, com recorte no

âmbito regional e local, sobre uma área do sertão baiano, Jacobina. Nela abordamos as

transformações sociais, culturais e urbanas, os aspectos do cotidiano, da construção das

relações sociais, ressaltando em que medida as elites locais inventaram a modernidade e o

progresso, proporcionados pela influência e simbologia da ferrovia, como isso influenciou na

reestruturação e transformação da infra-estrutura urbana e suas representações sócio-culturais.

O título da Dissertação, “O Trem das Grotas: a ferrovia Leste Brasileiro e seu impacto

social em Jacobina (1920-1945)”, faz menção ao nome dado pela população jacobinense ao

trem que passava na região, fazendo a trajetória do ramal da estrada de ferro que ia do

município de Senhor do Bonfim à Piritiba, localizados em território baiano, com uma das

paradas em Jacobina. Era movido por locomotivas a óleo diesel e eletricidade, rápidas e

potentes que cortavam as serras e passavam pela paisagem natural e peculiar do Piemonte da

Chapada Diamantina. A cidade de Jacobina é rodeada de montanhas, existindo várias áreas de

grotas, por isso o nome Trem das Grotas.

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INTRODUÇÃO

Dentro da recente historiografia baiana tem-se avolumado o número de trabalhos que

se debruçam sobre as cidades e a cultura urbana, em especial sobre os municípios baianos3.

Jacobina foi por muito tempo relegada a uma posição periférica por estudos que enfatizavam

Salvador e o Recôncavo. A ausência, até recentemente, de trabalhos específicos sobre o

interior baiano, e mesmo de outros Estados brasileiros, contribuiu durante muito tempo para

nutrir uma visão do sertão baiano enquanto lugar de “atraso” e de pessoas “incultas”,

contrapondo a cidade tida como moderna e civilizada.

Desmistificando esta idéia, Arruda mostra que a cidade era considerada progressista e

representante de novos valores modernos e democráticos, onde se usava a razão para

convencer, sendo o lugar de vivência e atuação de cidadãos livres e conscientes. Enquanto

que o sertão era considerado arcaico, o lugar da ação do clientelismo político, dos coronéis,

do populismo, da violência e onde não havia liberdade política e de expressão4.

A empresa ferroviária federal Leste Brasileiro foi um marco da nova visão de

modernidade que começava a se configurar na cidade. A partir daí, se constituem os objetivos

gerais do nosso trabalho, quais sejam: analisar o processo de implantação e funcionamento da

Leste em Jacobina entre 1920 e 1945 e estudar a relação do dispositivo ferroviário com o

dispositivo territorial da cidade5, enquanto um mecanismo desestruturador e reestrututador do

espaço urbano, compreendendo de que maneira, juntamente com outros melhoramentos, a

Leste influenciou na transformação das funções urbanas6, dos hábitos, costumes e modos de

vida da população.

A baliza cronológica que escolhemos para nossa pesquisa toma como parâmetro o

movimento mais geral do capitalismo durante o breve século XX7no período entre guerras, de

aceleração e concentração capitalista, com o surgimento e transformações industriais,

3 Sobre a cidade de Jacobina, vejam as obras que consultamos para a confecção desta Dissertação, relacionadas nas Referências, no final deste trabalho. 4 Gilmar Arruda. Cidades e Sertões: entre a história e a memória. Bauru, SP: Edusc, 2000. p. 13. 5 Consideramos a ferrovia enquanto um dispositivo de poder, engendrado e em constante relação com o meio social, conforme analisa Francisco Antonio Zorzo. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia: doze cidades conectadas pela ferrovia no sul do recôncavo e sudoeste baiano (1870-1930). Feira de Santana: UEFS, 2001. p. 2. 6 As funções urbanas referem-se à forma de organização social e infra-estrutura da cidade, ligadas diretamente ao modo de vida e à cultura urbana. Marcel Roncayollo. “Cidade”. In: Enciclopédia Einaudi: Região. v. 8. Lisboa, Portugal: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986. p. 422, estuda as transformções nas funções urbanas associadas a cultura urbana. 7 Conceito utilizado por Eric Hobsbawm. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras, 2004, para se referir ao período que vai de 1914 até o fim da era soviética.

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ampliando-se e dando prosseguimento a malha ferroviária, inclusive na Bahia. Um período de

ensaios de modernização técnico-social, na indústria e transporte no Brasil e na Bahia, ora de

forma quase homogênea, como uma totalidade orgânica, a exemplo de São Paulo, ora de

maneira fragmentária e contraditória como se pode ver na Bahia.

Neste “breve século XX”, segundo os relatórios da Leste, a ferrovia esteve no auge de

seu funcionamento, em amplo processo de desenvolvimento e dinamismo na cidade de

Jacobina. Foram várias as transformações ocorridas na constituição do espaço urbano, com o

empreendimento de novos elementos modernos como a construção de praças, calçamentos,

implantação de energia elétrica e transporte ferroviário, dentre outros.

Foi em 1920 que encontramos as principais transformações no espaço urbano em

virtude da chegada da ferrovia. A operacionalização do serviço de transporte ferroviário

possibilitou uma maior intensificação e desenvolvimento das atividades comerciais devido à

articulação e contato com outras regiões baianas. Neste sentido, a chegada do trem é o ponto

de partida para se entender as transformações das funções urbanas ocorridas nesta cidade e a

absorção de uma nova idéia calcada no modernismo europeu do século XX, pois a ferrovia

tornou-se “o fio condutor de todo o processo de produção social do espaço da cidade”8.

A década de 1930 trouxe maior incentivo e investimento no transporte ferroviário pelo

Governo Federal. Porém a partir de meados da década seguinte, viveu-se o nascimento e o

agravamento da crise financeira na companhia, culminando com o processo de declínio e

sucateamento do transporte ferroviário, que perdeu sua importância, cedendo espaço ao

rodoviário. O contexto de recessão econômica a partir da Segunda Guerra Mundial dificultou

e piorou a situação da referida empresa e da população jacobinense em geral. Também

contribuiu para o declínio do setor ferroviário baiano a implantação das rodovias federais e

estaduais de norte a sul do país, que diminuíram o poder de conexão das ferrovias brasileiras e

substituíram aos poucos o transporte ferroviário no país, não sendo estes os únicos fatores que

contribuíram para esse processo e sim a junção de um conjunto de situações favoráveis.

Delineamos a problemática deste estudo em torno da importância e contribuição da

Leste para o desenvolvimento comercial do município entre os anos referidos. Questionamos

até que ponto, como e em quais aspectos a ferrovia foi um fator de mudança social e sinal de

progresso e modernidade para Jacobina, procurando com isso mostrar a significação da Leste

Brasileiro para os cidadãos jacobinenses, sejam eles, aqueles considerados cidadãos comuns

ou parte do grupo mais influente na sociedade (os coronéis, políticos, comerciantes, médicos e

8 Franciane Gama Lacerda. Em Busca dos Campos Perdidos: uma história de trem e cidade. São Paulo: PUC-SP, 1997. p. 17. Dissertação [Mestrado em História Social].

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intelectuais) e como eles se portaram diante da implantação do transporte ferroviário.

Abordamos também a memória em torno do trem, ao buscar recompor a visão que antigos

moradores e ex-ferroviários demonstram ter sobre a ferrovia e a cidade.

Discutimos os impactos da chegada da ferrovia em Jacobina, considerando a história

urbana, a memória sobre a ferrovia guardada por um jornal local da época, O Lidador, e pelos

trabalhadores da empresa ferroviária; como também as relações entre as transformações

sociais ocorridas na sociedade de Jacobina e seu ambiente ferroviário, com a articulação

sócio-regional e redes de sociabilidade, a conectividade e assentamentos de núcleos urbanos

na região.

Pretendemos estabelecer uma relação entre cidade, memória e ferrovia. Analisar como

a cidade vai se modificando e a partir da compreensão de como as memórias são tecidas,

entender o processo de modernização em Jacobina e os significados implícitos à Leste

Brasileiro. Para isso partiu-se de uma valorização e analise das experiências e vivências de

pessoas mais antigas de Jacobina e de ex-ferroviários da Leste Brasileiro, procurando articular

e colocar em evidência os modos de trabalhar e viver urbano, no processo de construção de

suas práticas cotidianas. Também, entendemos o espaço de diversidade na cidade, onde se

evidenciam experiências cotidianas e significados sociais diferenciados, gestados a partir de

encontros e desencontros de variadas relações sócio-culturais.

Buscamos analisar e compreender a cidade de Jacobina sob uma perspectiva plural,

enquanto um lugar de diversidade cultural, da diferença, de conflitos e disputas no processo

de construção e afirmação das memórias sociais e exercício de poder pelos espaços e

territórios urbanos. Isso fica claro nas afirmações de Déa Ribeiro Fenelon:

Com isto, reafirmamos a idéia de que a cidade nunca deve surgir apenas como um conceito urbanístico ou político, mas sempre encarada como o lugar da pluralidade e da diferença, e por isto representa e constitui muito mais que o simples espaço de manipulação do poder9.

Levando-se em conta esse conceito de cidade, cabe uma discussão sobre a relação

entre o campo e a cidade, refutados enquanto uma relação dicotômica e realidades históricas

distintas. Deve-se analisar o campo e a cidade nas suas historicidades e particularidades, como

mecanismos que se engendram e interagem, marcando um ao outro com suas nuances e

peculiaridades, numa relação dialética e dinâmica, tornando-se assim dimensões que fazem

parte de um mesmo contexto histórico. Analisando a problemática da relação entre campo e

cidade, Raymond Willians, ressalta que:

9 Déa Ribeiro Fenelon (Org.). “Introdução”. In: Cidades. São Paulo: Olho d’água, 1999. p. 7.

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O campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações. Temos uma experiência social concreta não apenas do campo e da cidade, em suas formas singulares, como também de muitos tipos de organizações sociais e físicas intermediárias e novas10.

Faz-se também necessário destacar que não compreendemos a cidade enquanto um

conceito abstrato e a-histórico, correspondendo às discussões em torno da estética urbana e da

constituição do seu traçado, mas sim, compreende a cidade constituída por uma terceira

noção, a de cultura urbana, como apresenta Marcel Roncayolo:

Um conjunto de comportamentos e atitudes. A originalidade do modelo urbano dependeria da densidade e das dimensões demográfica [Wirth, 1938] e da heterogeneidade social, ligada à divisão e multiplicação das tarefas, portanto ao exercício das funções urbanas. Na descrição de cultura urbana estariam interligados, ambiente, modo de vida e comportamentos11. [grifos do autor]

Podemos notar que na sua análise sobre cidade que Roncayolo utiliza duas categorias

consideradas fundamentais para sua compreensão: as funções urbanas e a cultura. Segundo

essa perspectiva, a cidade deve ser entendida como construção e desconstrução das suas

funções, o que demonstra o caráter dinâmico da composição interna deste organismo, que está

sempre “[...] em mutação, pois, a cada instante, há algo mais que a vista alcança, mais do que

o ouvido possa perceber, uma composição nova em um cenário novo que espera para ser

analisado”12.

A partir do estudo da memória de antigos moradores jacobinenses e de uma categoria

de trabalhadores, os ex-ferroviários, destacando “seus fazeres e viveres, as dimensões de sua

vida material, suas práticas e modos de trabalhar, suas tradições, crenças e valores, suas

instituições e formas de organização política”13, temos o propósito de estudar a cidade dos

moradores e dos trabalhadores ferroviários, para compreendermos como se processavam as

relações sociais, a constituição dos modos de vida dentro do espaço urbano e a assimilação do

seu viver citadino.

Os elementos da memória, obtidas e incorporadas nesse trabalho mediante a história

oral, através da construção e interpretação de narrativas e discursos variados, permitiram-nos

10 Raymond Willians. O Campo e a Cidade na História e na Literatura. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. p. 25. 11 Marcel Roncayollo. “Cidade”. In: Enciclopédia Einaudi: Região. v. 8. Lisboa, Portugal: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986. p. 422. 12 Rogério Lima; Ronaldo Costa Fernandes (Orgs.). O Imaginário da Cidade. Brasília: Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. p. 9. 13 Heloísa de Farias Cruz. “Cultura, trabalhadores e viver urbano”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 18 (Espaço e Cultura). São Paulo: Edusc, 1999. p. 302.

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compreender a representação da história da cidade e da Leste, no momento da reconstrução e

rememoração do passado. Produzimos uma história de Jacobina e da empresa ferroviária

baseada nos discursos presentes nos documentos escritos, aliada aos discursos das fontes

orais, mediante uma operação recriadora e transformadora. Trabalhar com as tramas da

memória foi e continua sendo um difícil e encantador aprendizado, um desafio que envolve a

nós mesmos e aos outros, o que é fascinante e exige mais cuidados.

Realizamos esta pesquisa em três etapas: a primeira constituiu-se no levantamento e

seleção de fontes históricas, a segunda, do entrecruzamento e problematização das fontes,

através de um cruzamento de dados e informações e a terceira da análise dos discursos,

observando as relações de poder e os interesses no processo de construção dos mesmos, no

intuito de percebermos as contradições entre as várias visões construídas sobre a idéia de

progresso e modernidade nas fontes consultadas.

Há algumas contradições entre os discursos e visões construídas sobre a cidade de

Jacobina e a ferrovia no período estudado. O jornal O Lidador, enquanto um instrumento

usado pelas elites locais para disseminarem seus ideais de progresso, assumia uma posição de

críticas à Leste Brasileiro, buscando criar mediante o enfoque de aspectos negativos uma

idéia depreciadora da ferrovia. Com outro olhar e ponto de vista, os ex-ferroviários e parte da

população buscam defender e reafirmar uma visão positiva, posicionando-se a favor da

ferrovia, ressaltando sua importância para o desenvolvimento comercial de Jacobina. Essa

diferença de opiniões mostra a existência de discursos, formas de se ver e analisar os aspectos

da modernidade antagônicos e conflitantes, segundo os interesses dos grupos aos quais estão

ligados.

O discurso do jornal O Lidador versava a favor de um grupo social em específico, os

comerciantes, que eram os mais prejudicados com os problemas do funcionamento do

transporte ferroviário na região de Jacobina e os que mais faziam críticas, exigiam

providências e melhorias. Esta posição do jornal O Lidador pode ter a ver com a influência do

comércio local dentro da sociedade jacobinense e pela ligação dos diretores deste periódico

com os interesses desse grupo social. O discurso dos ex-ferroviários corresponde ao papel de

trabalhadores que buscavam defender a empresa que representava sua fonte de subsistência e

resistir ao abandono da idéia propulsora que se tinha da ferrovia, procurando melhorar a

imagem da atuação da empresa ferroviária em Jacobina.

É necessário analisar a autoria das críticas feitas à empresa ferroviária, quais os seus

objetivos e interesses. Será que só existiram aspectos negativos e coisas ruins a falar do

funcionamento da linha férrea? Provavelmente não, já que, de uma forma ou de outra, a

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empresa ferroviária favoreceu, com seus serviços, o deslocamento e transporte de pessoas e de

mercadorias da cidade de Jacobina.

Fazendo o mesmo com os relatos dos ex-ferroviários, deve-se perguntar o porquê de

uma atitude de defesa e exaltação da ferrovia. Será que não sofreram e não tinham algum tipo

de queixa no que diz respeito às relações trabalhistas engendradas no ambiente ferroviário?

Até que ponto o funcionamento da companhia ia bem realmente e atendeu satisfatoriamente a

população de Jacobina?

Na tentativa de constituirmos uma relação direta entre teoria e prática, fazendo-se o

diálogo entre as fontes e as evidências14, para compor o contexto e a tessitura do corpo social

estudado, escolhemos uma variedade de fontes históricas pertinente à temática estudada, para

termos uma visão o mais precisa possível do tema devido ao caráter fragmentário das

mesmas, sendo elas manuscritas, orais ou iconográficas.

Neste estudo, buscamos associar e dialogar com vários recursos teóricos e

metodológicos, possibilitando-nos uma interpretação mais objetiva e coerente possível das

fontes utilizadas. Partimos primeiramente de uma metodologia de análise histórico-discursiva-

interpretativa de documentos e dados históricos, depois utilizamos a análise da história oral

como fonte, ouvindo os depoimentos de ex-ferroviários e antigos moradores, que vivenciaram

a época estudada, além, de também tentarmos seguir algumas pistas a partir das fotografias.

O intuito de utilizarmos a fonte oral não foi contrapor versões ou privilegiar discursos

e sim, de mostrar outras formas de se olhar e falar da cidade, que não ficassem restritas a

dados estatísticos e sem vida, que em certa medida são importantes, mas insuficientes,

trazendo uma versão parcial dos fatos. Embora as fontes escritas deixassem entrever alguns

aspectos da cidade, por outro lado restringiam e limitavam o olhar, silenciando e deixando de

mostrar outras questões pertinentes e instigadoras. Não queremos dizer com isso que o

trabalho com as memórias não tenha seus limites e fosse a fonte que resolveria todos os

problemas, pelo contrário, ela abrir-nos-ia novas possibilidades de compreensão da cidade e

da Leste, mostrando outras visões de mundo15.

14 Yara Maria Khoury [et. al.]. A Pesquisa em História. 2. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 38. 15 Segundo Alessandro Portelli, “a essencialidade do individuo é salientada pelo fato da história oral dizer respeito a versões do passado, ou seja, à memória. Ainda que seja sempre moldada de diversas formas pelo meio social, em última análise, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente pessoais.” “Tentando Aprender um Pouquinho: algumas reflexões sobre ética e história oral”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 15 (Ética e História Oral). São Paulo: Educ. 1997. p. 16.

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Compreendemos o depoimento dos sujeitos-testemunhas16 como uma fonte que

possibilita apresentarmos os significados das experiências e memórias dos sujeitos sociais e

não como um complemento na falta de documentação escrita. A partir da análise das

entrevistas, buscamos compreender as formas de viver, os significados e representações que

as pessoas entrevistadas construíram sobre a ferrovia e a cidade. Tratava-se de ouvirmos

aqueles que ainda não haviam falado, deixar expressarem suas maneiras pensar e agir.

O que importa é compreendermos o processo de rememoração do passado, que se

deixa entender pelo o olhar que os entrevistados lançam sobre o tempo que já passou

relacionando-o com o tempo que experienciam hoje, ou seja, são as composições17 e

recomposições do passado nas suas várias significações que interessam para que o estudo da

cidade e da ferrovia não se torne uma mera leitura e compilação de documentos

antigos/escritos e sim a expressão do modo de vida dos sujeitos que vivenciaram e

constituíram a trama histórica.

Para um aprofundamento a respeito do trabalho de interpretação das fontes orais,

foram relevantes os estudos de alguns historiadores sobre história oral. Eles tratam da

responsabilidade e dilemas enfrentados por historiadores que trabalham com história oral, por

lidarem com um “documento vivo”, com subjetividades diferentes, sendo que “a memória

oral se assenta na memória e não em outros textos e suas fontes são as pessoas e não

documentos”18 trazendo assim, novas questões problematizadoras para a escrita da história.

Como afirma Franciane Lacerda:

O respeito e a coerência na análise de fontes sejam de que natureza for, é algo intrínseco ao trabalho do historiador. Para aqueles que trabalham com sentimentos que vão aflorando no momento da narração, acredito que estes devem ser redobrados, pois fazemos da história de vida dos entrevistados, as fontes com a qual se produz o conhecimento histórico19.

16 Conceito utilizado por Alessandro Portelli ao se referir as pessoas que vivenciaram e testemunharam de primeira mão determinado fato e assumem o valor de sujeitos- testemunhas na análise histórica. 17 O termo composição da memória é utilizado por Alistair Tompson. “Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 15 (Ética e História Oral). São Paulo: Educ, 1997. p. 56. Ele enfatiza que “compomos nossas reminiscências para dar sentido à nossa vida passada e presente. Composição é um termo adequadamente ambíguo para descrever o processo de ‘construção’ de reminiscências. De certa forma, nós as compomos utilizando as linguagens e os significados de nossa cultura”. 18 Raphael Samuel. “Teatros de memória”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 14 (Cultura e Representação). São Paulo: Educ, 1997. p. 41-83, Apud Maria Antonieta Antonacci. “Apresentação”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 17 (Trabalhos da Memória). São Paulo: Educ, 1998. p. 9. 19 Franciane Gama Lacerda. Em Busca dos Campos Perdidos: uma história de trem e cidade. São Paulo: PUC-SP, 1997. p. 22. Dissertação [Mestrado em História Social].

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A fonte oral tem o mesmo valor para construção do conhecimento histórico que os

documentos escritos, buscamos analisá-la e criticá-la como qualquer outro tipo de fonte

histórica, observando as intencionalidades no processo de construção das mesmas. José Carlos

S. Bom Meihy considera que “para serem garantidas como método, as fontes orais precisam

ser ressaltadas como nervo da pesquisa e sobre elas os resultados são efetivados”20.

O estudo da história oral é criterioso na análise e compreensão das narrativas, levando

em conta os embates e disputas em torno da construção das memórias individuais e sociais, e

a relação dialética entre memória e história, considerando-se os limites entre o individual e o

coletivo21. A história oral é um processo individual, que ocorre em um meio social, o coletivo

não impede a autonomia do processo de construção, é o indivíduo que pensa e faz da

oralidade sua ciência e arte. O que nos interessa é o que cada um consegue lembrar, a visão e

interpretação que cada pessoa empreende da sua experiência do passado e do presente.

No processo de construção do documento oral é necessário estabelecermos uma

relação de confiança e respeito entre o entrevistador e o entrevistado, havendo um

posicionamento ético entre eles, para que a entrevista possa fluir, “se torne uma troca de

experiências e não um mero questionário de perguntas e respostas onde o pesquisador

pergunta e o entrevistado responde”22, com resultados satisfatórios para ambos, estando-se

atento à análise dos silêncios, das emoções, da gestualidade, da vocalidade e da performance

dos depoentes (lembrando as discussões de Paul Zumthor23 - sobre o estudo do corpo e

práticas corporais relacionados à memória), que dão significado à construção da oralidade.

Devemos estar atentos àquilo que os olhos capturam: os gestos, as feições, sorrisos e

lágrimas de quem narra a sua história, a análise dos pequenos detalhes para se compreender o

porquê de determinadas pausas, silêncios e repetições. É preciso respeitar o tempo de quem

fala, os silêncios, as muitas pausas e repetições, para depois buscarmos lê-los e entendê-los24,

direcionando a entrevista para questões pertinentes, respeitando quando os entrevistados

querem falar ou não, não os impedindo de pensar e exporem suas opiniões sobre determinado

assunto, com muitas perguntas sem parar para ouvi-los. Tais indícios devem ser anotados pelo

pesquisador e depois analisados juntamente com a voz reproduzida pelo gravador para se

compreender o sentido do que foi exposto no momento da entrevista. 20 José Carlos Sebe Bom Meihy. Manual de História Oral. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2000. p. 31. 21 Alistair Thomson. “Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 15 (Ética e História Oral). São Paulo: Educ, 1997. p. 51-84. 22 Franciane Gama Lacerda. Em Busca dos Campos Perdidos: uma história de trem e cidade. São Paulo: PUC-SP, 1997. p. 19. Dissertação [Mestrado em História Social]. 23 Paul Zumtor. Performance, Recepção e Leitura. São Paulo: Educ, 2000. 24 Franciane Gama Lacerda. Op.cit.. p. 19.

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Outra questão esclarecida por Portelli25 é que os indivíduos no processo de produção

de narrativas constroem e atribuem significado à sua própria existência e identidade social,

não havendo uma experiência pura, visto que a memória é constantemente reelaborada e

recomposta de acordo com o que é significativo para o indivíduo. A memória é seletiva, sendo

a identidade que molda as reminiscências dos indivíduos, compostas para dar sentido às suas

vidas passadas e presentes26.

O processo de construção da história oral ocorre no “momento da narrativa”, o que

presentifica e torna verdadeira a história evocada, e “[...] implica o resultado da articulação

lógica dos fatos encadeados no ‘tempo antigo’ e no ‘tempo dos acontecimentos”27, sendo a

narrativa o local de colagem e expressão de fragmentos, de estilhagem do passado que possui

múltiplas configurações sendo constantemente reescrito, retecido28.

O estudo de Janaína Amado29 fala sobre a ética em história oral, esclarecendo algumas

questões sobre o relacionamento com o grupo social sobre o qual debruça a pesquisa. Ressalta

que o reconhecimento da validade do trabalho do historiador não está ligado às questões

políticas e ideológicas ou ao grau de interferência sobre o destino do grupo que pesquisa e

sim, as suas qualidades acadêmicas, pela capacidade de desvendar relações humanas e

compromisso profissional.

Portelli30 fala em ética das responsabilidades, ou seja, devemos entende que estamos

lidando com pessoas, portanto devemos buscar respeitar seu tempo, circunstâncias e limites,

estando atento às diferenças e subjetividades, desenvolvendo a arte ouvir, escutar, estando

sempre prontos a ouvir mais do que falar e perguntar, agindo sempre com sensibilidade e bom

senso, buscando respeitar e resguardar as fontes, não havendo uma técnica ou modelo, para se

25 Alessandro Portelli. “Forma e Significado na História Oral: a pesquisa como um experimento de igualdade”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 14 (Cultura e Representação). São Paulo: Educ, 1997. p. 7-14. 26 Segundo Alistair Thomson. “Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 15 (Ética e História Oral). São Paulo: Educ, 1997. p. 57, “nossas reminiscências também variam dependendo das alterações sofridas por nossa identidade pessoal, o que me leva a um segundo sentido, mas psicológico, da composição: a necessidade de compor um passado com o qual possamos conviver”. 27 José Carlos Sebe Bom Meihy. Manual de História Oral. 3. ed. (Revista e Ampliada), São Paulo: Loyola, 2000. p. 37. 28 Júlio Pimentel Pinto. “Os muitos tempos da memória”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 17 (Trabalhos da Memória). São Paulo: Educ, 1998. p. 203-211. 29 Janaína Amado. “A Culpa Nossa de Cada Dia: ética e história oral”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 15 (Ética e História Oral). São Paulo: Educ, 1997. p. 145-155. 30 Alessandro Portelli. “Tentando Aprender um Pouquinho: algumas reflexões sobre ética e história oral”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 15 (Ética e História Oral). São Paulo: Educ, 1997. p. 13-49.

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fazer uma boa entrevista, a não ser o compromisso ético e responsável consigo mesmo e com

os seus entrevistados, valorizando a cada indivíduo.

Durante o trabalho de campo, o historiador deve buscar ter uma postura ética,

seguindo as boas maneiras no contato com os entrevistados, sendo que, boas maneiras

significam além das normas de condutas sociais, assumir o lugar do outro, criando uma

igualdade sem ignorar as diferenças, colocando-se disposto a ouvi-los, instituindo um

ambiente e abertura suficiente para que possam se expressar.

Também Portelli ressalta a questão da ética na hora da interpretação dos documentos

orais, recomendando que devemos ser fiéis à origem dos discursos, estabelecendo um diálogo

entre as várias formas de construções das memórias e versões discursivas, sendo objetivos

sem negarmos a subjetividade.

Existe ainda outra forma do historiador ser ético, na restituição à comunidade, ou seja,

através da divulgação do seu trabalho, possibilitando que a voz dos indivíduos seja ouvida por

outras pessoas, levada para fora da comunidade, pondo fim a sensação de isolamento e

impotência31, contribuindo para que seu discurso tenha receptividade na sociedade. Mas isso

não é um imperativo, devendo-se levar em conta a sensibilidade.

O conjunto de relatos que apresentamos se baseia em experiências e memórias de

antigos moradores de Jacobina, que tinham participação ativa no seio da sociedade. Hoje

moram ou não em Jacobina, com faixa etária entre sessenta e noventa anos, se destacaram e se

destacam como memorialistas, compositores, poetas, poetisas, escritores e escritoras,

vivenciando o período de funcionamento da linha férrea de 1930 a 1950, relembrando e

recontando os tempos de uma Jacobina antiga, que segundo eles eram bons. São memórias

que afloram diante de muitos sentimentos, trazendo a lembrança e saudades de uma Jacobina

antiga, revivendo sonhos antigos quando se almejava e lutava-se com o trabalho individual,

por uma vida melhor.

Em seus testemunhos, essas pessoas recordavam o tempo em que se era produtivo e de

alguma maneira, com a força física ou produção cultural-intelectual, contribuíram para o

desenvolvimento da sociedade Jacobinense. Mas também, juntamente a essas recordações,

afloravam as lembranças de um tempo de alegrias, de diversão, de ir às festas, de fazer

serenatas e passeios à Estação. O que primeiro vinha à memória eram as brincadeiras de

31Alessandro Portelli. “Tentando Aprender um Pouquinho: algumas reflexões sobre ética e história oral”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 15 (Ética e História Oral). São Paulo: Educ, 1997. p. 31.

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crianças, vindo logo a lembrança de terem visto algum menino ou elas próprias se aventuram

a subir e se pendurando no trem em movimento.

Também entrevistamos ex-ferroviários, que residem em Jacobina e trabalharam na

ferrovia, mais precisamente, durante as décadas de 1940 e 1950. Relembram e até se

emocionam ao rememorarem a história e o tempo em que existia a Leste Brasileiro em

Jacobina, explicando o trabalho e funcionamento do ambiente ferroviário. Utilizamos nomes

fictícios ao nos referirmos à fala dos entrevistados a fim de resguardamos suas identidades.

Na transcrição das entrevistas foi usada a sigla F. M. S. para as iniciais do nome e

sobrenome da pesquisadora que fez a entrevista, Fabiana Machado da Silva. A. F. R. refere-se

às primeiras letras do nome de um dos ex-ferroviários entrevistados, alcunhado de Antonio

Francisco Rego e Valdir Serra Sena para outro entrevistado. Optamos por “limpar” o texto das

falas dos entrevistados, omitindo repetições e expressões utilizadas no discurso oral,

transcrevendo-as segundo a norma culta do português para facilitar a leitura e compreensão,

sem alterarmos seu conteúdo e significado original.

Os ex-ferroviários entrevistados foram trabalhadores da ferrovia, que participaram do

processo de implantação e funcionamento, exercendo várias funções na empresa ferroviária,

como a de trabalhadores e dos cargos de chefia a exemplo do Feitor* e Mestre de Linha*.

Hoje aposentados, com mais de sessenta anos de idade, residentes em Jacobina, eles passam

informações de suas próprias experiências individuais e as adquiridas através das lembranças

e conversas com colegas mais antigos. Também é necessário percebermos que eles

representam a ferrovia a partir de um olhar de hoje, reconstruindo a memória do passado a

partir de uma interação com o presente. A representação do passado no ato de narrar é

constituída aos poucos pela plenitude de suas significações, numa mistura dos muitos tempos

da memória, que compõem a tecitura das muitas histórias32.

As informações obtidas através das entrevistas com os ex-ferroviários passam uma

visão geral dos problemas e qualidades da empresa ferroviária, dizendo mais a respeito da

questão salarial, das condições de trabalho, do papel social dos operários e menos do estado e

condições funcionais da ferrovia, como se não quisessem trazer à tona tais questões, talvez

porque não as achassem relevantes ou porque quisessem ocultá-las por depreciarem a imagem

da empresa.

32 Júlio Pimentel Pinto. “Os muitos tempos da memória”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 17 (Trabalhos da Memória). São Paulo: Educ, 1998. p. 203-211.

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Nas visitas aos arquivos históricos das cidades de Jacobina, Salvador e Alagoinhas,

encontramos documentação pertinente à temática estudada. Fizemos o levantamento e a

descrição sumária de parte dos livros que se encontram no acervo da Biblioteca Municipal

Afonso Costa33 (Jacobina/Ba), na seção Memória do Município, os quais estavam relegados

em estantes de aço, sem tratamento e organização alguma. Despendemos algum tempo

reconhecendo este material e percebemos tratar-se de documentos referentes à história

político-administrativa de Jacobina durante o período colonial.

Listamos a seguir as seguintes coleções, que dentre outras obras, compõem o acervo

desta biblioteca e que se tornaram importantes referências por abordarem aspectos do

cotidiano econômico e social de Jacobina, impactados pela linha férrea, nosso objeto principal

de estudo:

• Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia;

• Anais do Arquivo Público da Bahia e do Museu do Estado da Bahia;

• Coisas da Bahia (coleção de livros que trata da História da Bahia, da história da cidade

de Jacobina e de outros municípios baianos);

• Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (coleção de livros que trata da História

da Bahia, da história da cidade de Jacobina e de outros municípios baianos);

• Memórias Históricas e Políticas da Bahia (coleção de livros que trata da História da

Bahia, da história da cidade de Jacobina e de outros municípios baianos).

Neste material, encontramos registros sobre o desbravamento e povoamento da região

do sertão baiano e da cidade em estudo, havendo referências à divisão das sesmarias, que

correspondiam às terras de Jacobina, que antes eram propriedade dos Guedes de Brito e dos

Garcia d’Avila. Nele relata-se a atuação destes desbravadores do sertão baiano até a elevação

de Jacobina à categoria de cidade, como também a atividade mineradora na região, com

informações inclusive sobre a quantidade de ouro exportado.

33 Afonso Costa nasceu no arraial de Palmeiras, então município de Jacobina, em 2 de agosto de 1885. Filho de Manoel Gonçalves da Costa e de Dionísia de Almeida Costa, foi um autodidata que deixou a família e foi morar em Salvador, passando a trabalhar no Instituto Histórico e Geográfico e a ter contato com estudos e documentações oficiais sobre Jacobina, reunindo um valioso material e produzindo vários artigos sobre a cidade, com um olhar positivista, característico da produção dos institutos históricos do país, sendo considerado como um dos maiores pesquisadores da História da Bahia e de Jacobina. A Biblioteca pública da cidade, para onde foi doada parte de sua biblioteca particular, cujos livros ficam na Sessão de Obras Raras e serviram de fontes para pesquisa, possui o nome dele em sua homenagem.

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30

Estes documentos contêm dados referentes ao comércio e à economia, como os

produtos mais comercializados e transportados pela linha férrea. Também trazem dados

populacionais para o período delimitado, especificando-se a quantidade de mulheres, homens

e crianças. Além da Legislação e Histórico da Estrada de Ferro da Bahia, faz-se referência ao

ramal que ia do município de Senhor do Bonfim à estação que ficava no povoado do França34,

no município de Piritiba, próximo a Jacobina e sub-ramal de Campo Formoso, trecho da

Estrada de Ferro São Francisco que passava por Jacobina, objeto deste estudo.

Continuando nossa busca por pistas sobre a cidade de Jacobina, analisamos parte da

documentação existente no Arquivo Público Municipal de Jacobina (APMJ) que, por estar em

fase de organização, foram disponibilizados poucos documentos de interesse para esta

pesquisa, selecionando-se, neste acervo, o Livro de Leis e Resoluções do Conselho

Municipal, de 1908 a 1915; o Livro de Registro de Ofícios, de 1950 a 1951; o Livro de Atos

do Prefeito de 1933 a 1938, Livros de Atas Municipais; o Código de Posturas Municipais, de

1933; Decretos e papéis diversos, documentos que refletiram os ideais, os desejos de mudança

e uma preocupação por parte dos poderes públicos em constituir a imagem de uma cidade que

estava se modernizando e tinha urgência na implantação de certos equipamentos urbanos.

Mediante a análise do Código de Posturas Municipais do ano de 1933, outra fonte de

pesquisa instigante e interessante, pelo aspecto revelador dos detalhes da constituição do

espaço social da cidade, foi possível percebermos as estratégias de controle elaboradas pelos

poderes públicos e a utilização desse documento como um mecanismo e instrumento

regulador e disciplinador dos modos de viver e das práticas cotidianas da população citadina.

Também analisamos alguns documentos que se encontram no Arquivo Público do

Estado da Bahia (APEB), tais como os Livros de Mensagens dos Governadores à Assembléia

Legislativa, correspondências e atos dos governadores, além de documentos da Secretária da

Agricultura e Comércio, anuários estatísticos e processos referentes à Leste Brasileiro, dentre

outros.

Para compreendermos a constituição e a estrutura de funcionamento da empresa

ferroviária estudada, analisamos os relatórios da Leste Brasileiro, referentes aos exercícios

dos anos de 1935 a 1948, que se encontram no setor de obras raras da Biblioteca Central do

Estado da Bahia (BCE), havendo exemplares dos relatórios dos anos de 1943, 1944 e 1948,

34 O povoado do França, no município de Piritiba, foi uma localidade próspera nos áureos tempos da Estrada de ferro. Era uma das paradas do ramal Bonfim/Piritiba e também ficava ali instalada a única oficina de trens desse trecho, onde eram feitos os reparos em locomotivas e vagões. Hoje esta estação e o galpão da oficina da Leste se encontram em estado de total abandono e esquecimento pelo poder público. Estação do França está em ruínas. Jornal Primeira Página, Ano X - n° 483, Geral - sessão memória/Outrora um marco de desenvolvimento, as estações de trem estão abandonadas. Jacobina-Bahia, sábado, 30 mar. 2002. p. 2.

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31

que também se encontram no acervo da biblioteca da Fundação Clemente Mariani (FCM). A

leitura e análise desses relatórios possibilitaram percebermos de forma mais ampla o

andamento e funcionamento da Leste durante esses anos.

Também analisamos os discursos e as visões construídas pela imprensa da época sobre

a modernização da cidade de Jacobina e a ferrovia35, que visavam atender aos mecanismos de

domínio e manipulação do poder, das técnicas e territórios urbanos, a partir de pesquisa no

periódico O Lidador36 que circulou em Jacobina por uma década. Anterior ao processo de

digitalização, algumas reportagens referentes aos anos de 1934, 1935 e 1936 foram transcritas

e analisadas durante a pesquisa.

Enquanto circulou este jornal, os articulistas publicaram notas sobre política nacional

ou internacional, sendo um órgão veiculador de notícias e formador de opiniões37. Seus

autores escreviam como se estivessem apresentando Jacobina para o mundo e pudessem ser

lidos em outras partes do país, “sendo tamanha a força das indagações, conselhos e

reivindicações lançadas”38 por eles. Nele publicavam-se artigos, poesias, propagandas

comerciais, notícias de sobre fatos do cotidiano da cidade e acontecimentos políticos

regionais, nacionais e internacionais. Como ressalta Sady,

a maioria das publicidades estava relacionada a medicamentos, ou pelo menos o que se chamava de medicamentos. Havia um cronista espírita, coisa muito rara na época, em uma cidade onde a maioria das pessoas era católica e o diretor do jornal não era espírita. Muitas notícias sobre o cangaço, a seca, obras públicas, instituições públicas e privadas, política, polícia e sociedade39.

35 “Os jornais, como veículos de formação e de opinião pública, colaboram para construção de imagens sobre a cidade e o seu cotidiano. Através da utilização de uma linguagem específica, com adjetivos e artifícios de retórica, constroem uma forma de ver o outro e o mundo, ainda que este seja apenas uma cidade”. Ana Maria Carvalho dos Santos Oliveira. Feira de Santana em Tempos de Modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano (1950-1960). Recife, 2008. p. 32. Tese [Doutorado em História]. 36 Hebdomadário semanal de no máximo três páginas, o qual versava sobre os mais variados assuntos da política, sociedade, saúde e religião. Politicamente de direita, era um misto de informativo cultural, tribuna popular e jornalismo, deixando registros sobre a forma como os jacobinenses na época pensavam, agiam e interagiam com o mundo. Foi fundado em 7 de setembro de 1933, sob a direção do senhor Nemesio Lima. Surgido após um conflito entre seu futuro proprietário e o Coronel da cidade de Mundo Novo, o intendente Raul Victória. Tendo sua sede na Praça da Matriz em Jacobina, e filiais em Juazeiro e França, circulando até 1943. Sendo seu principal incentivador enquanto era impresso na cidade, o coronel Francisco Rocha Pires. Hoje se encontra digitalizado e disponível para pesquisa no Núcleo de Estudos Orais (NEO), do Campus - IV/ Jacobina-Ba. 37 Pesquisando o jornal O Lidador, Cledson Sady concluiu que “na década de trinta os periódicos eram, no interior, os maiores veículos de comunicação. No caso específico dos avanços científicos, chegava ao senso comum através de uma adequação dos escritores de tais periódicos, que normalmente buscavam a informação através de jornais da capital. A imaginação era uma arma poderosa, assim como a falta de contestação de tais fatos, por parte dos leitores. As esquinas eram o lugar onde tais avanços, anunciados no Jornal, eram julgados, aceitos ou não”. Gledson Marlos Pinheiro Sady. “O Lidador: ciência, janelas e esquinas da Jacobina dos anos trinta”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 33. 38 Gledson Marlos Pinheiro Sady. Op. cit.. p. 29. 39 Ibidem.

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32

Ao que parecem, as pessoas que escreviam o jornal estavam muito bem informadas

das questões e “avanços” científicos, que estavam ocorrendo fora de Jacobina, (sendo

analisados temas como Segunda Guerra Mundial e integralismo, dentre outros) e também

podemos perceber sua ligação com os movimentos sociais e políticos, que apoiavam sua

continuidade, quando publicados temas polêmicos, a exemplo das matérias sobre espiritismo,

do articulista Paulo Bento40. Eles usavam da criatividade para atrair a atenção e curiosidade

dos seus leitores, principalmente, nos títulos chamativos de suas matérias.

A análise deste tipo de fonte permitiu-nos perceber como a cidade se mostrou nas

reportagens, tornando visíveis os problemas, conflitos e tensões sociais presentes no período

estudado, sendo possível perceber também como os poderes públicos buscavam criar um novo

ideal de cidade, que estaria no caminho do progresso, existindo uma preocupação por parte

dos mesmos com o embelezamento, a higienização e com a constituição do espaço urbano

pela população citadina.

Segundo pesquisa do professor Adriano Menezes sobre a imprensa em Jacobina, a

forma como era construído e o discurso ufanista utilizado no Jornal O Lidador levava a

construção de uma idéia personificada da cidade de Jacobina e a enxergar esse meio de

comunicação como seu “advogado e grande impulsionador”41, e ainda, segundo esse mesmo

autor, citando uma nota desse jornal, “aquele que a levaria [Jacobina] marchar galhardamente

pela estrada ampla do progresso”42, considerado como mais um signo do progresso e da

modernidade na cidade, “e que por isso deveria ser por ela recebido de braços abertos”43,

restando à população jacobinense ouvir suas opiniões e conselhos.

Percebemos que o jornal O Lidador se tornou instrumento disseminador dos novos

ideais de progresso e civilidade, adotando sempre um discurso que versava a favor de um

grupo social específico, os comerciantes. Esse jornal tomava sempre uma posição de crítica à

administração da empresa ferroviária Leste Brasileiro, passando sempre a idéia de uma viação

férrea desmantelada, desorganizada e caindo aos pedaços. Estas críticas encontram-se no

decorrer das matérias analisadas desse jornal sobre a Leste. Em específico, nos chamou a

atenção duas delas por terem em seus títulos esses adjetivos depreciadores com relação aos

40 “Que levou o ‘O Lidador’ a ser alvo de proibição por parte do ‘Bispo de Bomfim’, de ser lido pelos católicos, sendo por fim, instrumento de homenagens e monções de apoio por parte jornalistas do Rio de Janeiro e Salvador”. Gledson Marlos Pinheiro Sady. “O Lidador: ciência, janelas e esquinas da Jacobina dos anos trinta”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 29. 41 Adriano Antonio Lima Menezes. “A imprensa sertaneja: uma busca de identidade cultural no Piemonte da Chapada Diamantina”. In: Anuário de Pesquisa da UNEB, Salvador-Ba – Edição I. p. 5. 42 O Lidador, n. 1, 7 set. 1933. p.1 apud Adriano Antonio Lima Menezes. Op.cit.. p. 5. 43 Adriano Antonio Lima Menezes. Op.cit.. p. 5.

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33

serviços e estado de funcionamento da empresa ferroviária. “A E’ste continua largando os

pedaços”44 e “Companhia desorganizada”45.

Também consultamos alguns jornais que são anteriores ou posteriores ao nosso recorte

temporal e tiveram uma vida de circulação efêmera na cidade: A primavera, de 1917, O Ideal,

de 1927 (que deixou de existir antes de completar um ano), O Jornal, de 1960, que se

encontram no acervo documental do NEO e A Vanguarda, que circulou de 1955 a 1960, cujos

exemplares se encontram em mãos de particulares. Esses periódicos serviram para mostrar o

contexto da cidade anterior e também um pouco depois da chegada da ferrovia. As

reportagens desses jornais, apesar de não fazerem parte do recorte temporal da pesquisa,

trazem uma visão de Jacobina e da ferrovia dentro de uma mesma perspectiva modernizadora

e progressista.

Cabe apenas deter-nos na análise das reportagens do jornal O Lidador, pois circulou

mais tempo do que os outros jornais citados e foi um veículo disseminador dos ideais de uma

parcela da população reclamante da urgência de melhoramentos dos serviços públicos,

correspondentes aos anseios de uma cidade que estava se modernizando e nos rumos do

progresso.

Na Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB), no setor de periódicos,

pesquisamos no Jornal A Tarde do ano de 1919 a 1930. Este período foi coberto com algumas

lacunas, porque alguns exemplares não estão mais disponíveis para pesquisa, devido ao estado

de conservação precário dos mesmos. Este periódico consultado mostra a representatividade

que o município de Jacobina teve no Estado da Bahia no período, as principais questões que o

atingiram e também alguns dados sobre funcionamento da Leste na capital e no interior do

Estado.

Pesquisamos em jornais na intenção de encontrar notas e matérias referentes à cidade e

à ferrovia, de indícios e pistas sobre as mesmas, perguntando-nos e questionando: de que

maneira a população jacobinense vivia e se comportava nas décadas em estudo? Como

recebeu e encarou a chegada da ferrovia? Como esse fato era visto e transmitido pela

imprensa local da época? A escolha dos jornais a serem pesquisados não seguiu um critério,

mas a disponibilidade e facilidade de acesso, a busca de referências na impressa sobre

Jacobina e a Leste Brasileiro. Sobre as notas da imprensa transcritas neste trabalho, quando

necessário fizemos a alteração para o português atual, para facilitar a compreensão.

44 O Lidador, 14 set. 1934. 45 Idem, 19 out. 1934.

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As fotografias, que utilizamos neste trabalho, foram cedidas pelo Núcleo de Estudos

de Cultura e Cidade (NECC) da UNEB/Campus IV - Jacobina-Ba e compõem parte do acervo

Memória Fotográfica de Jacobina, em processo de organização dentro deste núcleo, sendo

inseridas no texto de forma ilustrativa e descritiva, mas não deixando de reconhecer o seu

valor como fonte histórica, de leitura do texto citadino, analisado e decodificado a partir do

olhar e forma de percepção da realidade, enquanto uma produção do trabalho e ação humana.

Há uma relação direta entre a representação da visualidade fotográfica e o registro,

testemunho da implantação dos elementos da modernidade, contribuindo para a construção de

um discurso e ideal de cidade que estava nos rumos do progresso.

As fotografias dos principais espectadores fotográficos urbanos foram também responsáveis pela constituição de um padrão visual da cidade, notadamente moderno e higienizado, simbolizado através de imagens dos locais que serviram de referências para Jacobina, sendo difundidas e veiculadas em diferentes formatos e suportes, tanto internamente quanto fora dela46.

Segundo Valter Gomes “desde o início do século XX, a fotografia cumpriu diversas

funções sociais a partir dos usos do seu artefato”47. Ela apresentou-se como evocadora de

memórias, dos lugares da memória48, na constituição do espaço citadino e sua paisagem

urbana. Um dos locais de referência presente nas memórias dos entrevistados, que não pode

mais ser visto e que foi muito fotografado é a estação da Leste de Jacobina. O uso da

fotografia permitiu visualizar os espaços e ambientes anteriores e ligar o registro da cidade do

passado à visualização da cidade do presente. Mas a foto por si só não permite conhecer o

contexto de sua produção e evocações, suas intencionalidades e significações.

Operando nos meandros da memória coletiva e individual em Jacobina, a fotografia assume papel de legítimo patrimônio histórico e cultural da cidade. Além de um valioso recurso da memória, a fotografia cumpriu também diversas outras funções naquela sociedade como importante como “objeto de coleção” e também “objeto de história”49.

Os fotógrafos da época em estudo geralmente registraram igrejas, praças, coretos,

prédios públicos, determinadas personalidades e fatos importantes como a inauguração de

novos equipamentos urbanos. Fotografou-se também o prédio da estação ferroviária em

46 Valter Gomes Santos de Oliveira. “Fotografia nas Fronteiras da Memória: Acervos, histórias e patrimônio em Jacobina”. In: Anais Eletrônicos do IV Encontro de História - ANPUH-BA/UESB, 2008. p. 1. 47 Idem. Ibidem. p. 9. 48 Pierre Nora. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História/PUC-SP. n. 10 (História e Cultura). São Paulo: Educ, 1993. p. 7-28. 49 Valter Gomes Santos de Oliveira. Op. cit.. p. 9.

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Jacobina, as pessoas a espera do trem, o trem chegando à cidade, o pontilhão do trilho da

Leste e desastres ferroviários. Estes documentos fotográficos foram uma produção de

discursos que contribuíram para formar e conformar uma representação da implantação e

funcionamento da ferrovia, condizentes com os ideais pensados e propagados pelas elites

locais.

Tais fotografias demonstraram a importância e expectativas com a implantação e

funcionamento do transporte ferroviário, o que trouxe de modificações sociais para a

população. Por outro lado, esses documentos foram uma forma de testemunho e denúncia do

estado precário, de abandono e mau funcionamento em que, segundo a visão das elites locais,

encontrava-se a Leste Brasileiro em Jacobina, registrando a necessidade de melhorar e

investir-se no serviço de transporte ferroviário, no intuito de atender aos anseios das elites

jacobinenses.

Nos arquivos públicos localizados em Salvador, pesquisamos também no Instituto

Histórico e Geográfico da Bahia (IHGB), no setor da biblioteca Ruy Barbosa, examinando

alguns números das revistas publicadas pelo próprio instituto e livros referentes à ferrovia,

além do jornal Estado da Bahia de 1933.

No Arquivo Público Municipal de Alagoinhas (APMA), analisamos o Livro de

Registro de Cartas, Cartões e Memorandos de 1946- 1952 e o Livro de Registro de Ofícios da

Prefeitura de 1948- 1950. Esses documentos eram endereçados às chefias e inspetorias da

Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB) e das Oficinas de São Francisco, tratando

de diferentes assuntos relacionados ao seu funcionamento e participação na vida da cidade.

Embora esses documentos não façam parte do recorte espaço-temporal da pesquisa, eles

foram consultados para buscar mais informações sobre a ferrovia e Estação de São Francisco.

Em Alagoinhas, visitamos o acervo da Fundação Iraci Gama (FIGAM), importante

centro de referência para o estudo sobre a ferrovia São Francisco - onde se encontram vários

documentos e jornais que relatam o período de funcionamento da empresa ferroviária Leste

Brasileiro nos municípios baianos, como por exemplo, o livro publicado pela Rede

Ferroviária Federal, em comemoração ao 1º centenário da Viação Férrea Federal Leste

Brasileiro 1860-1960, além do Diário Oficial do Estado da Bahia 1823-1923, Edição

Especial do Centenário da Independência de 1923 e do Guia Geral das Estradas de Ferro e

Empresas de Transportes com elas Articuladas. G-1, Nomenclatura, posição, altitude, data de

inauguração, regime de funcionamento de estações, portos e agências, de 1960.

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36

Restam ainda alguns esclarecimentos sobre o texto da Dissertação. O termo “elite” foi

utilizado no plural50, por representar uma diversidade que não pode ser tomada de forma

simples e unitária. O termo engloba as pessoas dos setores dominantes político-social e

economicamente, que possuíam prestígio e poder dentro da sociedade jacobinense, além

daqueles que compunham a parcela intelectual da população, detentora de um patrimônio

artístico-cultural e comercial, formada por um grupo de intelectuais membros da Academia

Jacobinense de Letras, poetas, compositores e memorialistas.

Os termos “crise”, “declínio” e “decadência” não são usados no sentido de

transitoriedade ou mesmo ruptura do processo histórico. Referem-se às fases e momentos na

história da empresa, e também à forma como era sentido e analisado pelos sujeitos e setores

sociais, o contexto e andamento do transporte ferroviário em Jacobina. “Trata-se, portanto, de

acompanhar as leituras históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais que os homens de

uma época fazem de si mesmos na elaboração de suas identidades”51.

Algumas palavras utilizadas no texto são pouco conhecidas e de uso específico do

jargão ferroviário, por isso para esclarecer e facilitar o entendimento do leitor, elas contêm um

asterisco, indicando que fazem parte do Glossário.

Para melhor compreensão da temática apresentada, dividimos este trabalho em três

capítulos. No primeiro “Da vila agrícola à cidade comercial”, descrevemos como se

apresentava a cidade de Jacobina no início da sua história, quando era uma vila agrícola, antes

da chegada da ferrovia, depois passando a ser uma cidade comercial. Trata-se de perceber a

cidade desde o começo da sua história até o início do século XX , quando não tinha ferrovia,

de feição pouco moderna, a antiga vila colonial.

O segundo capítulo, “A Leste e o Piemonte”, aborda a história da Viação Férrea

Federal Leste Brasileiro (VFFLB), o seu processo de formação e funcionamento, as etapas, o

contexto de crise econômica, de déficits financeiros e quedas na receita, a inserção dessa

empresa na cidade, como era realizado o trabalho no trem, o início da presença da ferrovia e o

seu dinamismo em Jacobina, trazendo aspectos mais modernos.

Este capítulo lança um olhar sobre a cidade e a sua relação com o transporte

ferroviário. Busca compreender, encontrar e construir os significados a partir do

entrelaçamento dessas duas histórias, que modificou uma a outra e reestruturou a paisagem

urbana e seus significados. Trata-se de tentar entender e viajar por caminhos e tempos

50 Sobre o uso do termo elite, ver Rinaldo Cesar Nascimento Leite. A Rainha Destronada: discursos das elites sobre as grandezas e os infortúnios da Bahia nas primeiras décadas republicanas. São Paulo: PUC-SP, 2005. p. 14. Tese [Doutorado em História Social]. 51 Idem. Ibidem. p. 17.

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diversos, que compõem o espaço da cidade juntamente com seu trem. “De certa forma, a

história da cidade se confunde com a história do trem”52, a estação da Leste foi um dos mais

importantes referenciais da cidade, quando Jacobina era cortada pelos trens. Para muitos

moradores, falar da cidade era falar da Estação, mantendo-se viva a memória da Estação e seu

movimento.

No terceiro e último capítulo, “A ferrovia e as transformações em Jacobina”,

discorremos sobre o contexto da chegada do trem em Jacobina e sua influência, mostrando a

situação social da cidade no início da década de 1920. Também apresentamos um panorama

geral de algumas das transformações ocorridas em Jacobina associadas ao processo de

modernização e ampliação tecnológica principalmente no setor de transporte, em específico, o

ferroviário, que esteve diretamente relacionado à expansão da rede urbana e ao

desenvolvimento regional, mostrando como o espaço citadino se constitui e se modifica na

vivência cotidiana de seus moradores, tendo como um de seus agentes transformadores a

chegada da ferrovia.

Neste capítulo, mostramos a perspectiva de progresso em Jacobina depois da inovação

nos transportes. Destacamos as mudanças urbano-econômicas e sócio-culturais relacionadas à

chegada da Leste, além da implantação de novos hábitos, costumes e maneiras de agir na

sociedade jacobinense, após a chegada da ferrovia, buscando perceber como a cidade vai

adquirindo e estruturando feições mais modernas e urbanizadas, sendo um dos fatores

primordiais desse processo a vinda do trem.

Esboçamos ainda a conclusão a que chegamos com essa pesquisa a respeito da

importância e influência da Leste Brasileiro em Jacobina, dos significados e das

representações sociais da Leste para o povo jacobinense, enquanto elemento da modernidade

que contribuiu para tornar mais expressivo o ideal modernizador da cidade, associando-se a

implantação do equipamento ferroviário ao crescimento e desenvolvimento urbano-social de

Jacobina.

Com este estudo, pretendemos ressaltar a importância e organização de uma memória

deste município baiano, sobre o qual se têm poucas obras publicadas. Juntamente, buscamos

fornecer subsídios que ajudem na reconstituição da história das ferrovias da Bahia, e dentre

elas a de Jacobina, sobre a qual se tem pouca referência escrita. Objetivamos auxiliar ao

entendimento de aspectos que envolvem o ambiente ferroviário, a constituição, as disputas de

territórios e poder em Jacobina, bem como, trazer à tona as experiências de ex-ferroviários da

52 Franciane Gama Lacerda. Em Busca dos Campos Perdidos: uma história de trem e cidade. São Paulo: PUC-SP, 1997. p. 32. Dissertação [Mestrado em História Social].

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Leste Brasileiro e o significado da sua implantação para a população jacobinense, reavivando

a memória da ferrovia e dos trabalhadores dessa empresa.

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CAPÍTULO 1 - DA VILA AGRÍCOLA À CIDADE COMERCIAL

1.1 A ORIGEM DO NOME JACOBINA.

São várias as versões sobre o significado e a origem do nome Jacobina. Segundo o

historiador Theodoro Sampaio, o termo Jacobina quer dizer “campo aberto”53 e derivaria da

língua tupi, na qual significa, “[...] espaço limpo, trecho calvo ou naturalmente despido de

vegetação”54, o que justifica muito bem “[...] os desacertos e as façanhas de opulência que se

lhe emprestam”55. Na visão de Afonso Costa, essa significação indígena é lógica, “[...], pois o

aborígine via por aquelas terras todas, dimensões muito longas, espaços despidos da

vegetação umbrosa [...] e tudo aquilo para o íncola figurava, muito acertadamente,

Jacobina”56.

Além dessa versão de Theodoro Sampaio, o nome de Jacobina tem uma origem

lendária que é passada de geração a geração57, sendo contada até hoje, a qual remete para o

fato de que o nome da cidade teria sido originado da junção dos nomes de um casal de índios,

Jacó e Bina58, que habitavam aquela região e serviam como intermediários na relação

amistosa entre os forasteiros (portugueses e paulistas) e os índios daquela terra59. Segundo a

lenda, conta-se que este casal de índios, “[...] aí se encontrava como dominadores dos paiaiás,

os quais acolhiam os brancos aventureiros sem tanta animosidade, agasalhando-os nas suas

53 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 6. 54 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador: IGHB, 1918. p. 253. 55 Idem. Ibidem. p. 252. 56 Idem. Ibidem. p. 253. 57 Em seu artigo, “Segredos do acaso”, Maria da Conceição Rocha Marcelino relata que descobriu essa história em um dos livros de seu pai, Quincas Marcelino, que tinha como título “Fatos históricos e pitorescos de Caruaru”, de autoria de Rosalino da Costa e do amigo de seu pai, Zacarias Campelo, os quais relatavam: “Em relação, porém, à nomenclatura toponímica, a coisa muda de figura. Cada lugar deve mesmo ostentar um nome que faça lembrar algo que justifique”. Continuando, eles ressaltam a transmissão pela tradição oral da versão lendária sobre a origem do nome Jacobina, afirmando terem conhecido um antigo comprador de couros, o velho Pedu, que relatava essa história idílica de Jacó e Bina, que segundo eles “[...] nunca mais serão esquecidos enquanto figurar no mapa baiano a velha cidade de Jacobina”. 58 Segundo a lenda, Jacobina “[...] tem seu nome de batismo na terminologia toponímica, em virtude da interessante coincidência de haver morado ali, um casal, chamado respectivamente Jacó e Bina, que unidos pelo coração através da benção nupcial, justapuseram-se, gramaticalmente, para dar o nome à terra de onde vinham tirando, pelo suor do rosto, o pão de cada dia”. Maria da Conceição Rocha Marcelino. “Segredos do acaso”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 52. 59 “Os desbravadores tinham acesso à choupana desse casal de índios, usando o Rio Itapicuri Mirim que, como todos os rios históricos, serviam de caminho às expedições desbravadoras”. Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 6.

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tabas, acarinhando-os, por fim”60. Depois de anos Jacó e Bina morreram adoentados, e para se

fazer menção a essas figuras lendárias, que ali viveram, uniu-se “[...] para a nova fórmula

onomástica os elementos que se baseavam nos apelidos do venturoso par”61, passando a grafia

do vocábulo por várias mudanças, “[...] Jacobinna, Jacoabinna, Jacoabina e Jacuabina,

como se verifica de Antonil, Rocha Pita, Gabriel Soares e correspondências oficiais

coletâneas deles, e, dos termos do século [...]”62, até chegar, a forma do falar brasileiro e

baiano, que une, encurta e dá outro formato às palavras, à escrita atual mais simples, Jacobina.

Mas tudo isso não passa de uma lenda em torno da origem do nome da cidade de

Jacobina, veiculada através da tradição oral, figurando como estatuto de verdade entre a

população local, sendo que, se pode considerar como mais aceita a opinião de Theodoro

Sampaio, segundo suas investigações e leituras, das obras de José Andrei Antonil,

O nome da cidade de Jacobina é de origem muito duvidosa. Houve tempo em que procurei investigar isso e consegui verificar que em documentos antigos, e na obra de André João Antonil (Cultura e Opulência do Brasil, do princípio do século XVIII), se dá esse nome com a grafia Jacuabina ou Jacoabina, sem nenhuma explicação quanto a sua procedência63.

Tais questões não dizem respeito diretamente à temática desta pesquisa, mas mostram

quão encantadora é a constituição dos elementos que compõem a história de Jacobina.

Também reforçam a idéia do povoamento dos sertões de Jacobina, forjada da miscigenação

entre brancos e índios. Assim, “a revalorização do antepassado indígena funcionou como um

amálgama para cimentar a coesão de um grupo bastante disperso e com cismas internos

avolumados e graves [coronéis e administração do Estado]”64. A problematização do processo

de colonização de Jacobina e a participação dos íncolas ligados as atividades da pecuária,

levou a questionamentos sobre a presença e invisibilidade da população afrodescendente em

Jacobina, no século XIX, discutidos na Tese de Doutorado do professor Raphael

RodriguesVieira Filho65.

60 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador: IGHB, 1918. p. 253. 61 Ibidem. 62 Idem. Ibidem. p. 252. 63 Idem. Ibidem. p. 253-254. 64 Raphael Rodrigues Vieira Filho. Os Negros em Jacobina (Bahia) no Século XIX. São Paulo: PUC-SP, 2006. p. 41. Tese [Doutorado em História Social]. 65 Idem. Ibidem. p. 1-240.

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1.2 DADOS FISIOGRÁFICOS DE JACOBINA.

Figura 1 - Vista Panorâmica de Jacobina. Autor: Juventino Rodrigues, 1930. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

A fotografia acima é uma das mais antigas vistas panorâmicas da cidade, encontradas

e registradas. Mesmo a imagem não estando tão nítida, nos possibilita ver a fisiografia da

década de 1930. Jacobina está localizada na zona fisiográfica do Nordeste baiano, na

mesorregião central do norte baiano, mais precisamente na região econômica do Piemonte da

Chapada Diamantina66 entre serras, desfiladeiros e microrregião das Serras de Jacobina, da

qual é sede administrativa, fazendo parte da região semi-árida do Estado da Bahia e incluída

no chamado polígono das secas.

66 Região localizada na área central do Estado, que integra a área do semi-árido do nordeste brasileiro. Conforme censo do IBGE de 1980, composta de 16 municípios, entre os quais o de Jacobina se destaca. Região de contorno irregular e relevo acidentado, montanhosa e de difícil acesso, cujo povoamento derivou de três fatores de relevância distintas, complementares e diferenciadas: as missões, a pecuária extensiva e a mineração.

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Figura 2 - Mapa do Estado da Bahia. Fonte: “Jacobina”. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacobina>. Acesso em: 8 de março de 2008.

O mapa acima traz a localização do Município em relação ao Estado e sua capital.

Jacobina possui uma área total de 2.328,9 km2, com uma população de 96.131 habitantes e

densidade demográfica de 41,28 hab/ km2. Distante da capital do Estado 281 quilômetros,

com 11º10’52” de Latitude Sul e 40º30’31” de Longitude W.Gr. Limitava-se com os

municípios de Morro do Chapéu e Miguel Calmon pelo lado Sul; Campo Formoso a Oeste;

Riachão de Jacuípe, Santa Luz e Queimadas a Leste; municípios de Saúde, Mirangaba e

Anselmo Fonseca ao Norte67. Hoje devido ao processo de desmembramento do seu

território68, limita-se ao Norte: Mirangaba, Saúde e Caém; ao Sul: Várzea Nova e Miguel

Calmon; ao Leste: Serrolândia, Quixabeira e Capim Grosso; ao Oeste: Ourolândia – como

está representado na figura abaixo do mapa da divisão político-administrativa da região, sede

de Jacobina.

67 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 12. 68 “O primeiro desmembramento de Jacobina ocorreu em 1746, quando se emancipou a Freguesia de Urubu de cima, com sede na atual Paratinga”. Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 16.

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Figura 3 - Mapa da Região de Jacobina. Fonte: SEI (2004)

Apresenta um relevo acidentado na parte central, chegando a ser montanhoso,

existindo noutros trechos, planaltos, planícies e extensas áreas de caatingas, sendo os picos

dominantes as serras da Bananeira e Tombador. De clima em geral quente, com períodos de

chuvas regulares nas áreas das grotas, subsolo rico em minérios (ouro, diamantes, ametista,

salitre e silício) e uma rica fauna e flora69.

O município de Jacobina situa-se entre as bacias hidrográficas do Rio do Ouro e do

Rio Itapicuru-Mirim, que nasce na Serra do Tombador e corre de Oeste para Leste, passando

no meio da cidade. O ouro que ficava nas serras descia e se depositava nos leitos dos rios da

cidade, permitindo a faiscagem do ouro de aluvião. Segundo Doracy Lemos70, Jacobina, “[...]

por essa razão é apelidada carinhosamente de ‘Panela de Ouro [...]’”. Conhecida como

“cidade do ouro” porque é a região mais antiga onde se encontrou ouro na Bahia.

Jacobina também, pela constituição geográfica, situada num vale rodeada de várias

cadeias de serras, é conhecida como Cidade Presépio71. “[...] Vista de cima é uma cidade que

encanta os olhos, pois remete a uma imagem presepial72: uma cadeia de verdes montanhas, e

as águas dos rios entrecortam um amontoado de casinhas e sobrados policromáticos”73. “[...]

À noite, iluminada, é um espetáculo de luz, cor e brilho que extasiam os olhos do

69 Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, nº. XX. Rio de Janeiro: IBGE, 1958. p. 351-352. 70 Doracy Araújo Lemos. “Jacobina”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 37. 71 Ana Lúcia Gomes da Silva. “Leitura da Cidade: tessitura polifônica - representações simbólicas, políticas e ideológicas à luz da semiótica”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 25. 72 A idéia de cidade-presépio remete à caracterização do lugar onde se recolhe o gado, curral, a representação da cena do nascimento de cristo, segundo o Evangelho. 73 Vanicléia Silva Santos. A “Civilidade” Chegando à Jacobina. p. 2 [Texto em processo de publicação].

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observador”74. O espaço urbano e o panorama da cidade são compostos de “labirínticas ruas,

espaços reais e simbólicos, por onde transitam pessoas”75, como se pode ver na figura abaixo

da visão panorâmica da cidade, em 1950.

Figura 4 - Visão Panorâmica de Jacobina. Autor: Osmar Micucci, 1950. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

A área do município de Jacobina era de 5.245 km2, correspondendo a 0,91% do total

do Estado, compreendendo seis distritos: Jacobina (sede), Caatinga do Moura, Itaitu, Itapeipu,

São José do Jacuípe e Várzea Nova76. Com o fracionamento do seu território, que seguiu as

indicações e aos interesses dos chefes políticos locais, iniciado a partir do século XIX, outros

municípios foram surgindo: Monte Alegre/Mairi (1857), Morro do Chapéu (1864), Riachão

do Jacuípe (1878). “Por fracionamento destes, no final do século, já eram doze os munípios

surgidos do primeiro termo da vila de Jacobina”77. No século XX este número se multiplicou

por três78. “Hoje está reduzido a 2.042 km2, constituído de quatro distritos incluindo a sede, e

de vários povoados”79.

Apesar de Jacobina ser caracterizada como uma cidade que faz parte da região da

Chapada da Diamantina e do Semi-árido Baiano, sendo incluída entre as cidades que

compõem e circunscrevem o polígono e geografia das secas, possui características

fisiográficas bastante peculiares que a diferenciam das outras cidades da zona na qual está

localizada.

74 Doracy Araújo Lemos. “Jacobina”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 37. 75 Vanicléia Silva Santos. A “Civilidade” Chegando à Jacobina. p. 2 [Texto em processo de publicação]. 76 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 12. 77 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 16. 78 Ibidem. 79 Doracy Araújo Lemos. Op .cit.. p. 37.

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Os principais fatores que levam a esta diferenciação e singularidade são a altitude, a

variação da temperatura e a precipitação. Considerando-se o parâmetro relacional de que a

cada 100 m de altitude, a temperatura aumenta e que está situada a 463 m de altitude80,

Jacobina, possui uma temperatura média de 23ºC, abaixo da dos municípios de clima semi-

árido, o que torna seu clima mais frio e peculiar.

Outro fator que distingue Jacobina é a sua caracterização e variação climática. Sendo

uma região que faz parte da área correspondente ao clima semi-árido do estado da Bahia,

possui uma variação de temperatura muito instável, de uma máxima de 29.2ºC e mínima de

18.9ºC81. Tal fato faz com que ela seja uma cidade com características climáticas

diferenciadas, de dias quentes e noites frias.

Por todos esses aspectos, optou-se por se considerar Jacobina como uma cidade

incluída na zona sertaneja do Estado da Bahia, tendo o conceito de sertão82, enquanto uma

construção e produção cultural, que analisa as cidades do interior baiano, mais afastadas da

capital, numa relação dicotômica e de oposição ao litoral.

Para se entender o contexto histórico e as transformações pelas quais passou o

município de Jacobina antes da chegada do trem é preciso entender e se reportar aos

elementos de povoamento e constituição da sua história, desde a formação da vila até o seu

desenvolvimento urbano.

A história do município se inicia no final do século XVII. Segundo consta, o

desbravamento da região onde se localiza Jacobina e a distribuição do seu território

principiaram em 1658, em propriedade dos D’ Ávila, proprietários da casa da Torre83.

Considerando que, “as terras desabitadas ou não, deveriam cumprir seu ideal: servir a

majestade real e seus súditos escolhidos”84, organizou-se um sistema de doação de terras e

concessão de sesmarias, pela cora portuguesa, sendo uma das principais atividades de

ocupação do território, a criação de gado.

A origem do seu povoamento, assim como de outras cidades do interior baiano se dá a

partir de três fatores que contribuíram para o desenvolvimento e ampliação do seu território:

80 SEI, 2004. 81 SEI, 2004. 82 Sobre o conceito de sertão ver: Janaína Amado. “Região, sertão, nação”. Revista Estudos Históricos. v. 8. n. 15. Rio de Janeiro, 1995. p. 145-151; Gilmar Arruda. Cidades e Sertões: entre a história e a memória. Bauru, SP: Edusc, 2000; Erivaldo Fagundes Neves. “Sertão como recorte espacial e como imaginário cultural”. Politéia: história e sociedade. Vitória da Conquista, g. 3, n. 1, 2003. p. 153-162. 83 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “Piemonte da Chapada Diamantina”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 373. 84 Raphael Rodrigues Vieira Filho. Os Negros em Jacobina (Bahia) no Século XIX. São Paulo: PUC-SP, 2006. p. 44. Tese [Doutorado em História Social].

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as missões jesuíticas, a pecuária e a mineração. Todos esses fatores contribuíram em

temporalidades e formas diferenciadas para a formação do seu núcleo inicial, embora alguns

historiadores atribuam mais significado a mineração85.

A relação entre os fatores e a dinâmica do povoamento de Jacobina, tornando aquela

região rica em produção agrícola e mineral, bem como, em populações diversas é resumida da

seguinte maneira na Tese do professor Raphael Rodrigues:

Os exploradores [no século XVI e início do XVII], em suas viagens de levar e trazer gado e procurar riquezas minerais, e também os religiosos sempre passavam pelas terras de Jacó e Bina, tornando-se um local de encontro e repouso dos vaqueiros e viajantes, em geral vindos do litoral para o sertão e vice-versa. [...] Rapidamente os religiosos resolveram implantar as Missões e os vaqueiros, seus currais na região. Um pouco depois os exploradores fizeram as primeiras excursões e implantaram as minas86.

Desde o final desta centúria, Jacobina já era um local de paradas dos tropeiros e

boiadeiros, aventureiros e bandeirantes que tinham destino ao Recôncavo e ao sertão. Logo

depois dos primeiros posseiros e vaqueiros chegarem à região, suas terras passaram a ser

usadas para engorda e descanso de gado, sendo uma forma de cumprir a cláusula de

povoamento por concessão de sesmarias do sertão baiano87.

A expansão do povoamento para o interior da capitania da Bahia em direção à área do

atual município de Jacobina com a atividade da pecuária tornou o povoado ponto de parada de

boiadas que seguiam o rio São Francisco em direção ao litoral, ou seja, “[...] plantaram-se os

currais e distribuíram-lhe as criações, os vaquejadores entrando o regaço inviolado da soberba

mataria [...]”88.

Segundo as afirmações de Afonso Costa,

Em torno da lagoa do Gago ficavam currais e vaqueiros, guardadores, com encarrego de zelar a fazenda, enquanto pelos embrechados de serras da Bananeira, do Ouro Fino, da Pílula eram as tabas dos Paiaiás, dominando a embocadura do Rio do Ouro [...]89.

85 Segundo Josildeth da Silva Gomes. “Povoamento da Chapada Diamantina”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, n. 77. Salvador, 1952. p. 224. “A mineração foi, por excelência, o elemento fixador das populações. Muito mais que a pecuária, foi o ouro que primeiro propiciou o surto de vilas e cidades do nosso ‘hinterland’”. “O fator que nos começos do século XVIII determinou o início de ocupação desta zona até então deserta”. Idem. Ibidem. p. 227. 86 Raphael Rodrigues Vieira Filho. Os Negros em Jacobina (Bahia) no Século XIX. São Paulo: PUC-SP, 2006. p. 39-40. Tese [Doutorado em História Social]. 87 Idem. Ibidem. p. 52. 88 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 236. 89 Idem. Ibidem. p. 271.

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A pecuária, a princípio ligada à produção açucareira, tornou-se uma das atividades

econômicas que impulsionou a economia baiana durante os setecentos90. Expandiu-se a

criação de gado para o interior dos sertões91, formando-se os currais que rumaram e seguiram

a margens do rio São Francisco, com os Ávilas e Guedes de Brito (séc. XVII). “[...] Os

Guedes de Brito subiram o São Francisco, levando os seus rebanhos até o interior mineiro. Os

D’Ávila expandiram seus currais para o norte, cruzando o São Francisco e penetrando no

Piauí”92.

O início da exploração das terras de Jacobina deu-se com aventureiros em busca de

ouro. Os primeiros povoadores da região foram Belchior Dias Moreira, Antônio de Brito

Correia e mais tarde, os Guedes de Brito. Estes últimos vieram acompanhados de muitos

colonos e escravos, iniciando-se, também, por essa época, as atividades complementares de

criação de gado e de culturas agrícolas essenciais93. Dessa forma, “tudo ia a voga dos Guedes

e dos Britos, jamais lhes falhando o concurso de trabalhadores escravos para montagem de

suas ricas fortunas”94.

Estes desbravadores foram pioneiros na busca de minérios. A partir de 1693,

vivenciou-se uma verdadeira “corrida do ouro” nas serras de Jacobina, atraindo pessoas de

todas as condições socioeconômicas ao enriquecimento com a exploração desse metal

precioso. “O brilho do ouro, suas glórias e a representação de fortuna construíram no passado

a imagem da cidade de Jacobina associada ao sonho da ‘terra prometida’, lugar de trabalho e

riqueza para todos”95.

Como afirma Santos,

[...] a mineração gerou um processo de migração para a região e para lá convergiam missionários franciscanos e jesuítas, empregados da coroa,

90 “A medida que se conquistava ao íncola suas terras, garantia-se a ocupação das mesmas com os currais de gado, ocupação esta que embora rala e cheia de lacunas, não deixou de representar papel do mais salientes, sinão o mais importante, na posse efetiva da maior parte do nosso território”. Josildeth da Silva Gomes. “Povoamento da Chapada Diamantina”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, v. 77. Salvador, 1952. p. 217-220. 91 “Chegou-se, em 1655, às cabeceiras do Itapicuru e do Jacuipe e repartiram-se as terras, três anos mais tarde, em Jacobina e no São Francisco, que foram ocupadas por grandes currais de gado”. Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “Desbravamento do sertão”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 14. 92 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “Desbravamento do sertão”. Inventário de proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 14. 93 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 4. 94 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918.p. 271. 95 Sara Oliveira Farias. “Ouro, Desenvolvimento e Morte: a mineração na cidade de Jacobina”. In: Nancy Rita Sento Sé de Assis; Felipe Santos Magalhães (Org.). Anais do I de Seminário Cultura, Memória e Sociedade, Santo Antonio de Jesus, 1 a 3 ago. 2006. Salvador: UNEB-EDUNEB. p. 40.

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bandeirantes, escravos, índios escravizados, povoadores portugueses e brasileiros, pobres garimpeiros, criadores de gado e camponeses96.

No século seguinte, a expedição de Robério Dias Moreira descobriu quatro palhetas de

ouro em terras jacobinenses (1701)97, cabendo, mais tarde, a Belchior Dias Moreira, “o

Muribeca”, encontrar mais metais preciosos na região, conforme descrição de Afonso Costa.

[...] Na ramificação de serras chamada de Jacobina, majestosas e de belos panoramas pela sua elevação e cobertura verde de plantas rasteiras e até de matas nas seladas enhumeiro, Belchior teria, de verificar a existência das grandes minas de ouro e de metais preciosos soterrados, muito deles encontrados por ensejo do descobrimento da localidade, brilhando à luz do clarão do sol batendo-lhe a face nua. Se a expedição de Belchior Dias, como trace o mencionado roteiro, partira de Pedra Furada (Jacobina) em direitura do rio Salitre, vem em apoio de verdade a passagem da leva pelos rios Aipim e Bananeira, do município de Campo Formoso, ‘onde há minas de prata que se supõem serem as do histórico Robério Dias98.

Coube ao bandeirante e desbravador das terras dos sertões, Belchior Dias Moreira,

abrir os caminhos para outros aventureiros dar continuidade ao devassamento e conhecimento

das terras do interior baiano99. Esteve à procura de enriquecer, e mediante a construção de

uma grande fortuna, conseguiu destaque social em uma sociedade de valores aristocráticos,

hierarquizada e desigual. Costa, ao se referir à chegada de Belchior Dias Moreira, fez uma

apologia à atuação e importância deste bandeirante para o desenvolvimento da então vila de

Jacobina.

A ambição de afortunamentos idealizados, de poderosas grandezas, para triunfar por entre os coleios da vida social, conduziu o pioneiro de meus sertões, o precursor das tomadas de minha terra, por sobre as escabrosidades dos desertos da civilização, para a estrada reivindicadora que hoje lhe rasgamos com os salmos de nosso rejuvenescimento100.

Depois de “Muribeca”, outros desbravadores chegaram à região no auge da mineração,

contribuindo para um crescimento desorganizado da cidade, acirrando a situação social e o

96 Vanicléia Silva Santos. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001. p. 33. Dissertação [Mestrado em História Social]. 97 A coroa portuguesa já tinha conhecimento da existência de ouro nas terras de Jacobina desde esta época. Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Op. cit.. p. 15. 98 Afonso Costa. As Minas de Prata de Robério Dias à Luz da Crítica Hodierma: memória lida no I.G.H. da Bahia. Anais do 4º Congresso Brasileiro de Geografia. Bahia: Livraria Econômica, 1915. p. 53. 99 “Belchior Dias Moreira, que prosseguiu as pesquisas de Gabriel Soares de Souza, explorou uma larga faixa do sertão, que se estende da Serra de Itabaiana às cabeceiras do Paramirim sem penetrar na região montanhosa, mais tarde conhecida como Chapada Diamantina”. Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “Desbravamento do sertão”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 14. 100 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 235.

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cenário de desordem no Arraial, pois esta atividade atraía pessoas de várias localidades que

começaram a se agrupar de forma desordenada. “[...] À proporção que novas levas de braços

chegavam para o garimpo, o arruado à margem do rio Itapicuru Mirim ia crescendo

rapidamente, reunindo população bastante densa e heterogênea”101. A partir de 1701,

aumentaram-se os roubos, assaltos e assassinatos. Segundo Afonso Costa:

[...] afluem lhes primeiro as classes dos que não podem enfrentar de face a sociedade, filiados do banditismo e capangas dos motins da gente ignara e assassina, que as lavras minerais chegando fazem por exercer, exercem muitas vezes, o domínio da roubalheira, do saque, do assassinato, da violência inomináveis102.

O quadro de desordem social começou a melhorar quando o coronel Pedro Barbosa

Leal assumiu o governo do então povoado Missão de Sahy (Sede da Vila de Santo Antonio de

Jacobina) e gerenciou tanto as terras quanto a população. As medidas tomadas para esta

melhoria como determinado pelo governo da Bahia de D. Rodrigo da costa (1702-1705)

foram, a proibição e o controle da mineração clandestina, combatendo qualquer tipo de

desordem na região das minas103, além da criação e fundação de novas vilas para melhor

controle dos conflitos, como a vila de Jacobina, na missão franciscana de Sahy.

Por uma divergência entre Pedro Barbosa Leal e o rico e influente Garcia d’ Ávila

Pereira, o lugar escolhido para sede da recém criada Vila foi, sem muita preferência e

importância, a chamada Missão de Nossa Senhora do Sahy104, localizada nas terras de Garcia

d’ Ávila105, que não se conformou e protestou perante a coroa contra tal decisão que lhe

prejudicaria, com vários pedidos para que não se instalasse a Vila de Jacobina em suas terras,

segundo afirma Afonso Costa:

Garcia d’ Ávila, porém, não era nada pelos atos. Estomagara-se com o feito de Barbosa Leal, contra o qual de cedo lançara protestação e, realizada a vingança do coronel com a instalação em terras de Garcia d’ Ávila, este, anchudo de poderes, prestigioso, impondo-se perante a coroa com os seus multimilhões de cruzados, reclamou da metrópole a causa de semelhante ação que lhe era prejudicial, documentando-se com mil pretextos

101 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 04. 102 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 271. 103 “Embora proibida, prosseguia clandestinamente a mineração em Jacobina, em meio a muitas desordens”. Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v .4. Salvador, 1980. p. 15. 104 Aldeia indígena fundada por franciscanos em 1697, atualmente pertencente ao município de Senhor do Bonfim. 105 Afonso Costa. Op. cit.. p. 239.

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aparentemente justificados, contando que a vila de Jacobina em as terras de sua propriedade não ficasse106.

Atendendo ao pedido de tão nobre súdito, Garcia d’ Ávila, o rei solicitou informações

a respeito do caso ao governador e vice-rei D. Vasco Fernandes César de Menezes, que

mediante portaria de 15 de fevereiro de 1724, mandou deslocar a sede da vila, por estar

situada distante das minas, buscando atender aos interesses locais e políticos, para o trecho da

serra onde agora temos a cidade, concretizando-se sua transferência107, em 05 de junho de

1724, para a Missão do Bom Jesus da Glória, outra aldeia de índios, também fundada por

franciscanos, em 1706, para catequese dos “Paiaiás”, construindo-se ali a igreja e o convento

do Bom Jesus da Glória, cuja cópia da carta de transferência confirma:

Quando foi o coronel Pedro Barbosa Leal a essas minas erigir vila por minha ordem lhe encarreguei elegesse o sítio mais capaz e próprio de se utilizarem esses moradores: depois de ereta a dita vila algumas queixas me chegaram a respeito da distância, por cuja causa se dificultavam os recursos, mas como o meu fim não seja outro mais que evitar a esses moradores o incômodo, v.m. os ouça e mande pôr o pelourinho e fazer a câmara em parte onde os livre da opressão da distância...108.

Como podemos ver pelo documento acima, a transferência foi realizada para atender

as solicitações políticas, servindo para controle dos garimpeiros e das minas e também ao

mesmo tempo contentar a população local que não estava disposta a se deslocar mais de vinte

e duas léguas de distância da sede do juizado até a região das minas109. “Mas os limites da vila

implantada não ficaram estabelecidos de forma clara em nenhum de seus documentos de

criação”110. Segundo Raphael Rodrigues Vieira Filho, “existem documentos denunciando uma

briga jurídica entre os donatários da região e os habitantes quanto a questão da instalação da

sede da Vila, do Juizado e pagamento de impostos. Mas isso não lança nenhuma luz ou traz

conhecimentos sobre os limites da Vila”111.

A extensão do termo da Vila de Jacobina correspondia a 300 léguas (1. 980,000 Km),

“em terras de propriedade da Casa da Ponte, dos Guedes de Brito, abrangendo desde Rio de

Contas, Monte Alto (atual Palmas de Monte Alto-Ba), Cachoeira, e indo até os limites com o

106 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 241. 107 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 15. Idem. Ibidem. “Piemonte da Diamantina”. p. 373. 108 Idem, Ibidem. Afonso Costa. p. 245. 109 Conforme carta citada por Afonso Costa. Op. cit.. p. 239-241. 110 Raphael Rodrigues Vieira Filho. Os Negros em Jacobina (Bahia) no Século XIX. São Paulo: PUC-SP, 2006. p. 54. Tese [Doutorado em História Social]. 111 Idem, Ibidem. p. 55.

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Estado de Sergipe incluindo a cachoeira de Paulo Afonso”112. Considerando-se a extensão das

principais vilas mineradoras, Jacobina e Rio de Contas, estendiam-se muito mais além da

Chapada Diamantina e Serra geral113. “Em direção norte- sul este território ia da altura do

atual município de Mirangaba até a fronteira Bahia-Minas; na direção transversal desde o Rio

São Francisco até 100 km da costa”114.

1.3 DA ALDEIA À VILA, OUVIDORIA DE JABOBINA.

As terras da Freguesia de Santo Antonio de Jacobina datam de 1682 e sua sede foi

erigida onde hoje é a cidade de Campo Formoso, dando-se início a expansão do território “das

Jacobinas"115, ou como era chamada antes, Jacobina Velha ou Freguesia Velha de Santo

Antonio de Jacobina, havendo imprecisões quanto à profusão de nomes parecidos116, sendo

suas terras desmembradas, dando origem à parte do terreno, que corresponderia à nova

Freguesia de Santo Antonio da Vila de Jacobina (criada somente em 1758)117, onde se

desenvolveu a sede da vila de Jacobina. Então esclarecemos e tiramos qualquer dúvida de que

a vila de Campo Formoso não é e nunca foi à atual “Agrícola Cidade de Jacobina” como ficou

denominada após passar à categoria de cidade118.

A freguesia fundada no povoado Missão do Sahy foi elevada à categoria de Vila

mediante carta régia de D. João V, datada em 5 de agosto de 1720119. Os requisitos básicos

que dão status de vila a um povoado e a liberação da mineração foram contemplados,

definitivamente, em 24 de junho de 1722120, quando fez jus ao título de Vila de Santo Antonio

de Jacobina e integrou as freguesias de Santo Antonio de Pambu e Santo Antonio de Urubu,

como nos mostra o documento assinado pelo coronel Pedro Barbosa Leal, que assumiu a

governança da Vila de Santo Antonio de Jacobina:

112 Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, nº. XX. Rio de Janeiro: IBGE, 1958. p. 350. 113 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Inventário de Proteção do Acervo Cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 15. 114 Ibidem. 115 Nos documentos antigos também encontramos referências a essa região que serviu de parada de boiadas, como “As Jacobinas” ou as “Serras das Jacobinas”. 116 Raphael Rodrigues Vieira Filho. Os Negros em Jacobina (Bahia) no Século XIX. São Paulo: PUC-SP, 2006. p. 54. Tese [Doutorado em História Social]. 117 Idem. Ibidem. p. 53. 118 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 248. 119 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Op. cit.. p. 15. 120 Ibidem. Idem. Ibidem. “Piemonte da Diamantina”. p. 373.

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Aos vinte e quatro dias de junho de 1722 anos, neste sitio do Sahy. Missão de N. S das Neves, e freguesia de s. Antonio de Jacobina, nas casas de missão onde de presente está pousado o coronel Pedro Barbosa Leal, fidalgo da casa s.m., cavaleiro professo da Ordem de Cristo, a cujo cargo está a incumbência das minas de Jacobina e a criação e ereção da vila de s. Antonio de Jacobina por delegação e comissão que tem do Exmo.sr. Vasco Fernandes César de Menezes, vice-rei e capitão general de mar e terra do estado do Brasil121.

Depois da criação da Vila de Santo Antonio de Jacobina, a coroa portuguesa liberou e

passou a coordenar e fiscalizar a extração de ouro na região, “pois todo ouro e prata retirados

das minas do Brasil colônia deveriam passar por casas de fundição, instaladas aqui [Jacobina]

pela coroa portuguesa. Era a forma encontrada pela metrópole de resguardar os metais

preciosos, controlar as barras circuladas e de cobrar impostos sobre as peças [...]”122. Outra

medida adotada foi a criação de meios de ligação (estradas) entre as regiões mineradoras,

facilitando assim o controle da circulação de ouro. “Um caminho ligando os dois centros de

mineração [Jacobina e Rio de Contas] é aberto por Pedro Barbosa Leal, em 1725, informando

existirem em funcionamento 700 bateias em Jacobina e 830 em Rio de Contas”123.

Por provisão do Conselho Ultramarino de 13 de maio de 1726, ordenada pelo

Governador da Metrópole ao Governador da Província da Bahia, para melhor controle da

arrecadação do dízimo sobre a quantidade de ouro extraída na região, foram criadas duas

casas de fundição na Província da Bahia, uma em Jacobina e outra em Rio de Contas124. A

descentralização dessas fundições de ouro somente funcionou até 1752, “quando nova

provisão [ultramarina] criou a casa de fundição de Arassuaí, Minas Gerais, mandando que alí

fosse fundido o ouro de Jacobina e Rio de Contas”125, passando em 1755 toda a fundição a ser

centralizada em Salvador126.

A casa de fundição em Jacobina foi instalada em 05 de janeiro de 1727127 e funcionou

de 1728 a 1823; nos dois primeiros anos de funcionamento arrecadou 3.841 libras de ouro128 -

valor este relativo, permitindo que Jacobina estivesse incluída entre as regiões de arrecadação

mineradora mais importantes do império colonial português. Segundo Fonseca, “isso

121 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 239. 122 Agnaldo Marcelino Gomes. “Casa de fundição de Jacobina”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, Set. 2001. p. 6. 123 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Inventário de Proteção do Acervo cultural; monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. v. 4. Salvador, 1980. p. 15. 124 Agnaldo Marcelino Gomes. Op. cit.. p. 6. 125 Secretária da Indústria e Comércio da Bahia, IPAC - Ba. “A descoberta de ouro”. Op. cit.. p. 15. 126 Ibidem; Agnaldo Marcelino Gomes. Op. cit.. p. 6. 127 Onde hoje é o edifício dos Correios e Telégrafos. 128 Agnaldo Marcelino Gomes. Op. cit.. p. 6.

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representou um relevante canal de articulação regional que se abriu no sertão da Bahia, tendo

Jacobina como uma das ou mais importante porta de entrada”129.

A atração migratória para a região das minas fez Jacobina crescer e avançar no seu

processo de povoamento, aumentando sua influência regional e estabelecendo uma relação de

poder e dominação sobre as cidades circunvizinhas. Como ilustra bem as palavras de Costa,

“Jacobina agrandava-se distribuindo o mando de sua autoridade pelas imensas terras que lhe

deram a governar”130. Segundo esse mesmo autor, “o ouro primeiro deu-lhe vida. [...]

secundariamente desenvolveu-a sendo a mais antiga vila dos sertões da Bahia, e de todas a de

mais importância a seu tempo”131.

A partir de então, Jacobina tornou-se um centro da zona sertaneja, firmando-se como

um dos pontos de confluência e principal porta de entrada para a Chapada Diamantina.

Tornou-se “matriz de povoamento de outras cidades do interior baiano com a descoberta de

ouro em suas terras”132.

Por resolução do Conselho Ultramarino de 10 de dezembro de 1734, foi instalada em

Jacobina a sede da Ouvidoria, estando “sob sua jurisdição além da vila de Jacobina, a de

Nossa Senhora do Livramento das Minas de Rio de Contas, as Minas Novas e partes de Serro

Frio”133, com todas as vantagens de uma comarca. De acordo com análise de Afonso Costa:

O Conselho Ultramarino, tomando na conta devida a justíssima explanação que s.m. inspirara, criou a ouvidoria de Jacobina ou comarca de Baía da parte do sul, pela resolução de 10 de dezembro de 1734, a qual, presentes ao rei, foi ordenada a sua execução depois de octênio, pela Carta Régia de 3 de julho de 1742, que instituiu a comarca134.

A instalação da Ouvidoria contribuiu ainda mais para o crescimento de seu comércio,

que passou a concorrer à liderança regional com as cidades de Salvador e Cachoeira,

principais centros comerciais e políticos da época135, observando-se que “tudo fora da

jurisdição da comarca da Bahia e de Sergipe, era comarca de Jacobina”136, e a partir daí, seu

129 Antônio Ângelo Martins Fonseca. Poder, Crise Regional e Novas Estratégias de Desenvolvimento: o caso de Jacobina-Ba. Salvador: UFBA, 1995. p. 107. Dissertação [Mestrado em Arquitetura e Urbanismo]. 130 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2. Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 236. 131 Idem. Ibidem. p. 272. 132 Vanicléia Silva Santos. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001. p. 33. Dissertação [Mestrado em História Social]. 133 Raphael Rodrigues Vieira Filho. Os Negros em Jacobina (Bahia) no Século XIX. São Paulo: PUC-SP, 2006. p. 55. Tese [Doutorado em História Social]. 134 Afonso Costa. Op.cit.. p. 255. 135 Afonso Costa apud Vanicléia Silva Santos. Op.cit.. p. 34. 136 Raphael Rodrigues Vieira Filho. Op. cit.. p. 55.

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território foi desmembrado, tornando-se, no século XVIII, um dos maiores municípios da

província.

Apesar desse relativo progresso e desenvolvimento com a atividade agrícola e aurífera,

entre fins dos setecentos e início dos oitocentos, a economia baiana passou por um processo

de reestruturação e mudanças, sobretudo depois da vinda da Família Real em 1808. A

Abertura dos Portos beneficiou a economia baiana, estimulando as trocas comerciais e o

investimento na produção agrícola, a indústria têxtil e as atividades de exploração de

diamantes em outras cidades como Mucugê, Lençóis e Andaraí (Chapada Diamantina), que

começaram a ganhar destaque regional, mudando-se assim o curso da história do sertão

baiano, atraindo o fluxo de aventureiros e mineiros para outras regiões mineradoras que

estavam surgindo.

As antigas áreas de exploração aurífera, como Jacobina e Rio de Contas, foram

atingidas por um momento de crise na década de 1800, devido ao êxodo dos mineradores para

as novas áreas de exploração aurífera, na busca por melhores condições de sobrevivência.

Essa situação piorou com a descoberta, em 1848, de jazidas de diamantes na Chapada

Diamantina, atraindo vários mineiros ávidos por novas aventuras.

No decorrer da segunda metade do século XIX, o declínio das atividades mineradoras

em Jacobina forçou a busca de alternativas que proporcionassem a manutenção de seu

desenvolvimento econômico. Passou-se a investir no fortalecimento da agricultura com a

acentuação da policultura e a introdução da cultura de mamona, algodão, feijão e outros

produtos, como também na ampliação e diversificação das suas atividades comerciais137.

Segundo Afonso Costa, “o comércio de Jacobina apareceu no final do século XVII, cresceu

com a afluência de garimpeiros à procura de ouro”138 e, em seguida, com o comércio e

importação de gado de vários locais do Nordeste, transitando na região muitos homens e

riquezas. Jacobina transforma-se no “empório expedidor de fazenda, miudezas e ferragens

para os sertões de Bahia, Goiás e Piauí”139, gozando de prestígio e honra por suas transações

comerciais,estando entre os principais municípios baianos no início da década de 1920.

O enfraquecimento comercial da região foi decorrente do declínio da mineração que

expulsou enorme contingente populacional consumidor que, como vimos, transferiu-se para a

Chapada Diamantina. Esta situação foi responsável pela demora na elevação da Vila à

137 Antônio Ângelo Martins Fonseca. Poder, Crise Regional e Novas Estratégias de Desenvolvimento: o caso de Jacobina-Ba. Salvador: UFBA, 1995. p. 120. Dissertação [Mestrado em Arquitetura e Urbanismo]. 138 Afonso Costa apud Vanicléia Silva Santos. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001. p. 34. Dissertação [Mestrado em História Social]. 139 Afonso Costa. “Minha Terra: Jacobina de antanho e de agora”. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. v. 2.Salvador, Bahia: IGHB, 1918. p. 295.

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categoria de cidade - o que só ocorreu em 1880140 ao receber o título de Agrícola Cidade de

Santo Antonio de Jacobina, mesmo possuindo uma forte vocação para a exploração mineral,

como exposto acima. Em 11 de janeiro de 1893 durante o governo provincial de Joaquim

Manoel Rodrigues Lima141, é que se efetivou a condição de cidade com a instituição do poder

executivo local, sendo o primeiro prefeito de Jacobina, Antonio Manoel de Mesquita, que

tomou posse neste mesmo ano142.

1.4 A CIDADE ANTES DO TREM.

Em razão da atividade mineradora e produção agrícola diversificada, Jacobina possuía

representatividade e importância econômica entre os municípios que compõe a região

Piemonte da Chapada Diamantina e sempre foi uma das principais portas de entrada para o

sertão, sobretudo após o ciclo da mineração143.

Apesar do engrandecimento em riquezas naturais e econômicas, a população de

Jacobina concentrou-se na zona rural de forma desordenada e conflituosa. Com aparência

física de um povoado, suas casas eram de palha e cresciam de forma irregular. A população

era etnicamente diversificada tanto na zona rural quanto perímetro urbano: “São rostos de

negros, índios, mestiços, brancos, europeus, que foram constituindo essa trama urbana ao

longo dos séculos” 144.

Por sua vez, na área urbana, sede da cidade, verificaram-se poucos investimentos e

melhoramentos em serviços e equipamentos coletivos. Não havia fornecimento de água

encanada nem sistema de eletrificação nem meios de comunicação ou transportes, além dos

lombos de burros e muares sobre os quais se faziam a condução dos produtos da região.

A iluminação da cidade era feita por fifós* de querosene, antigos candeeiros ou

lamparinas, lampiões a gás, e algumas pessoas usavam velas para iluminar o interior das

140 Lei provincial nº. 2.049, de 28 jul. 1880. 141 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 5. 142 Ibidem. 143 O jornal O Lidador, semanário que circulava na cidade, na década de 1930, faz constantes referências às descobertas e desordens nas minas e à quantidade de jazidas de ouro extraídas das terras de Jacobina. Segundo consta, muito ouro aluvião foi garimpado nos leitos dos rios que passam na cidade de Jacobina, depois ficou escasso, entrando em declínio a mineração. O trabalho de exploração de ouro na época era feito pela Companhia das Minas de Jacobina, fundada em 1880, e após um processo de decadência, iniciado em 1896, reaberta neste período. 144 Vanicléia Silva Santos. A “Civilidade” Chegando à Jacobina. p. 2. [Texto em processo de publicação].

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casas. A população, enquanto não possuía água encanada, principalmente aqueles que não

possuíam cisternas, utilizavam as águas dos rios para beber e uso doméstico, como tomar

banho e lavar roupas, prática que passou mais tarde a ser vista como uma cena de

anticivilidade e recriminada pela elite, como constatamos no texto da professora Doracy

Lemos ao relembrar a existência de tal cena urbana.

Em época não muito distante, quando não havia água encanada, era comum verem-se as lavadeiras debruçadas sobre as pedras esfregando roupas, enquanto outras peças eram estendidas nos coradouros de pedra, ou secando-as nas balaustradas que margeiam os rios, emprestando àquele ambiente uma paisagem bucólica145.

A educação formal também pouco cresceu em investimento. A maioria da população

era pouco instruída por quase não existir instituições de ensino na cidade. Apenas havia o

Instituto Senhor do Bonfim de Jacobina146 (foi construído um prédio para abrigar a Escola

Normal de Jacobina, que sequer entrou em funcionamento). Este Instituto oferecia formação

até o curso Normal, o qual foi extinto para dar lugar ao curso Ginasial. A educação formal era

limitada. O Instituto Senhor do Bonfim de Jacobina não era suficiente para atender a todas as

crianças e jovens. Aqueles que quisessem continuar a estudar e ingressar na carreira de

Magistério ou em curso universitário tinha que se deslocar para a capital.

Em relação ao comércio, podemos dizer que era constituído por um pequeno centro

atacadista ainda pouco desenvolvido, com algumas lojas comerciais cujos donos exerciam

influência no interior da sociedade jacobinense. A população empregava-se na lavoura e

criação de gado, destacando-se a produção de ouro.

Mesmo com algumas imprecisões, devido a falta de estimativas populacionais

precisas, tivemos acesso a alguns dados da quantidade da população de Jacobina entre 1923 e

1933. Com relação à década de 1920, levantamos que o total da população da Bahia era de

3.334.465 habitantes, do qual 48. 804 em 1923 correspondiam a Jacobina147. Tal população da

Bahia, de 1928 a1932, era calculada em 4. 045.701 habitantes, sendo a parte do sertão e da

chapada estimada em 1.303.455, estando Jacobina em segundo lugar entre os principais

145 Doracy Araújo Lemos. “Jacobina”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 37. 146 Alcira Pereira Carvalho Silva. “Lembranças do Centro Educacional Deocleciano Barbosa de Castro”. Academia Jacobinense de Letras (Org.). Letras Douradas: Antologia. Jacobina, Bahia: Tipô Carimbos, 1998. p. 197. 147 “Municípios do Interior-Jacobina”. Diário Oficial do Estado da Bahia. 1823-1923. Edição Especial do Centenário da Independência. Bahia: Salvador, 1923. p. 562; F. Borges de Barros. “Os municípios da Bahia (1823-1923)”. Ibidem. p. 520.

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municípios, pelo número de habitantes, com o mesmo percentual indicado para o ano de

1923148.

Nesta época, o Estado da Bahia era uma das regiões brasileiras que mais crescia em

termos de população. Seja próximo ao litoral ou nas áreas dos sertões, a densidade

demográfica era alta, existindo 7 a 8 habitantes por quilômetro quadrado, sendo que sua

distribuição variava, segundo a intensidade da produção econômica, estando Jacobina entre as

zonas de maior atividade agro-mineradora. Tenta-se justificar o crescimento da população

mais pelo aumento da taxa de natalidade no Estado do que pelo efeito de ondas imigratórias,

pouco perceptíveis na época149. Tal justificativa não pode ser aceita como única, devendo-se

levar em conta outros fatores que interferem no crescimento da população, não esclarecendo e

nem ajudando a desvendar o contingente populacional em Jacobina.

Segundo cálculos encontrados no Livro de Mensagens dos Governadores de 1933,

expostos na tabela abaixo, o total da população da Bahia era de 4.432.812 habitantes,

sendo 351.648 da capital do Estado e o restante, dos municípios do interior, estando

Jacobina em oitavo lugar entre os municípios com maior número de população, ficando a

abaixo das cidades de Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista, acima de Jequié,

Morro do Chapéu e Campo Formoso.

Tabela 1 - População do Estado da Bahia em 1932. CIDADE POPULAÇÃO

1 Capital 351.648 2 Santo Amaro 113.764 3 Feira de Santana 103.946 4 Ilhéus 84.393 5 Macaúbas 84.093 6 Candeúba 80.767 7 Conquista 75.071 8 Jacobina 74.636 9 Jequié 65.943

10 Cipó 61.385 11 Itabuna 56.231 12 Esplanada 55.700 13 Monte Santo 55.446 14 Morro do chapéu 53.128 15 Caetité 52.340 16 Irará 50.292 17 Campo Formoso 50.131

População total do Estado 4.432.812 Fonte: Juracy Magalhães. Livro de Mensagens do Governador. Salvador:

Imprensa Oficial do Estado da Bahia, 1933.

148 Álbum Artístico, Comercial e Industrial do Estado da Bahia, organizado e editado por Manoel Rodriguez Folgueira, dedicado ao governo do Exm°. Sr. Vital Henriques Baptista Soares. Edição Folgueira: PerArduaSurgo; Brasil, 1930. p. 264 e 272. 149 Idem. Ibidem. p. 272.

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A análise dos dados da tabela acima, mostra que são até certo ponto questionáveis. Os

mesmos demonstram um aumento significativo da população da Bahia de quase 100.000.00

mil habitantes em um período de dez anos. Em Jacobina por sua vez, houve um aumento de

mais de 25. 000.00 habitantes. Consideramos um crescimento populacional grande, em um

espaço de tempo relativamente curto, mas infelizmente não encontramos outros documentos

que confrontassem esses dados. De qualquer maneira, ressaltam que Jacobina estava entre as

cidades do interior, em franco desenvolvimento urbano, acarretado pelo aumento da

população. Este relativo crescimento trouxe sérios problemas para cidade em relação à

moradia, saúde e educação, devido a uma ocupação desordenada do espaço urbano150.

Se o desenvolvimento social, comercial e urbano de Jacobina, desde a sua origem até

as primeiras décadas do século XX, esteve atrelado às atividades agrária, mineradora e

comercial, será a chegada da ferrovia, aliada a outros fatores igualmente transformadores, que

impulsionarão e implantarão uma nova organização funcional da cidade, trazendo uma nova

dinâmica social.

150 Afonso Costa. “Duzentos Anos Depois: a então Vila de Jacobina”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. v. 48. Salvador, 1923. p. 277-282.

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CAPÍTULO II A LESTE E O PIEMONTE.

2.1 HISTÓRICO DA LESTE BRASILEIRO.

A criação de novos meios de transportes no Brasil em meados do século XIX se

tornou algo necessário e indispensável para atender às exigências do mercado e à circulação

dos produtos industrializados vindos da Europa. As ferrovias foram criadas no Brasil na

tentativa de proporcionar agilidade e eficiência na circulação de bens e mercadorias,

favorecendo o desenvolvimento econômico para o país, sobretudo para as regiões onde

estavam sendo implantadas. Tendo por objetivo também ocupar e integrar as áreas dos

sertões, a ferrovia foi assim revestida de uma força simbólica, como se ela sozinha pudesse

levar o progresso ao restante do país. Segundo entrevista de Patrícia Moreira para o Jornal A

tarde, com o historiador Antonio Guerreiro, “na Bahia, a Maria fumaça cortava os sertões,

conduzindo passageiros e cargas, desenvolvendo o semi- árido, integrando o vasto território

do Estado e introduzindo a dinâmica da modernidade nos rincões mais afastados”151.

Não houve uma preocupação e planejamento para a construção de estradas de ferro no

Brasil, não se elaborando um plano nacional152 para a rede ferroviária do Estado da Bahia, não

se organizando seu traçado de acordo com as necessidades das áreas mais férteis e de maior

produção, dirigindo-se, de forma invariável e sem planejamento, do litoral para o sertão. Isso

contribuiu para os resultados negativos e fracasso das mesmas, uma vez que faltaram-lhe a

completude dos ramais de ligação e falharam no objetivo a que se destinavam, resultando em

prejuízos, desgastes e déficits financeiros. Sua única preocupação era ligar o litoral ao sertão,

não importando a deficiência no intercâmbio entre os principais centros produtores153.

Como escreveu em suas “notas sobre o transporte ferroviário”, o engenheiro civil

Carlos Alberto de Azevedo Dantas Mendes:

A ausência, durante muito tempo, de um planejamento integrado das diversas modalidades de transportes, aliada a fatores históricos e

151 Patrícia Moreira. “Maria Fumaça cortava os sertões levando a modernidade”. Bahia – Documento 5 - Transportes e energia. Caderno 8. Jornal A Tarde, Salvador: quarta-feira, 15 mai. 2002. p. 2. 152 “Quem se der ao trabalho de observar o mapa da rede ferroviária do Estado, notará, á primeira vista, a falta do plano nacional referido, que lhes garantisse o desenvolvimento, com os próprios elementos de trafego”. Mário Tarquínio. “Vias de Comunicação e Meios de Transporte”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. n. 60. Salvador. 1934. p. 325. 153 Idem, Ibidem, p. 325-326.

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conjunturais, diretamente condicionados pelo subdesenvolvimento e pela dependência econômica, impediram que essas distorções fossem corrigidas, faltaram competência e vontade política154.

As discussões das diretrizes para a implantação de estradas de ferro no Brasil

iniciaram-se com a lei nº. 101, de 1835, conhecida como a Lei Feijó155, garantindo vantagens

e privilégios para a construção de estradas de ferro a fim de ligar o Rio de Janeiro às capitais

de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Entre outros benefícios, estabeleceu-se o

seguinte: “privilégio de quarenta anos, isenção de impostos de importação para todas as

máquinas durante os cinco primeiros anos, cessão gratuita de terrenos necessários à estrada

(se pertencessem ao governo), direito de desapropriação caso pertencessem a particulares e

prazo de oitenta anos para a concessão, caso não fosse cumprido seria revertido ao patrimônio

nacional”156.

Esta primeira lei ferroviária não obteve efeitos práticos, e tal projeto trouxe

expectativas e especulações sobre a viabilidade da ferrovia para a economia do país, havendo,

ainda mesmo na Europa, receio e resistência a esse novo meio de transporte. No Brasil,

analisava-se o nível de confronto entre os interesses dos defensores do trem e dos senhores de

engenho, além da viabilidade da manutenção do escravismo na ferrovia.

Se a necessidade de construção de estradas, ampliando a quilometragem e a qualidade das mesmas, parecia ser tema consensual no século XIX o mesmo não se pode dizer sobre as perspectivas “rodoviaristas ou ferroviárias”. Muito se debateu sobre a viabilidade das ferrovias, se seus interesses eram complementares ou antagônicos aos da grande lavoura e a sua relação com a escravidão157.

A partir da década de 1850, setores da sociedade brasileira começaram a ver de forma

mais favorável a execução de um projeto, na época muito arrojado e de custos financeiros

significativos e com ele tentou-se novamente a construção de estradas de ferro no Brasil. Na

época, a lei nº. 641, de 1852, marcou efetivamente o início da história da ferrovia no Brasil158.

Esta lei foi mais objetiva que as anteriores. Seus argumentos eram mais fundamentados e

convincentes, pois concedia mais privilégios e incentivos financeiros para quem quisesse

154 Carlos Alberto de Azevedo Dantas Mendes. Notas Sobre o Transporte Ferroviário. Salvador: [s.ed.], 19 mar. 2004. 155 Sancionada pelo regente do Império Diogo Antonio Feijó, em 31 out. 1835. 156 Trens e Cia: ferrovias no Brasil - breve história. Disponível em: <http://br.geocities.com/hptrensecia/fevbras.html>. Acesso em: 21 jan. 2002. 157 A Estrada de Ferro. Disponível em: <File: // E:/historia/Estrada 1. Htm>. Acesso em 23 jan 2003. 158 Trens e Cia: ferrovias no Brasil - breve história. Disponível em: <http://br.geocities.com/hptrensecia/fevbras.html>. Acesso em: 21 jan. 2002. Joaquim Wanderley de Araújo Pinho. “A Viação na Bahia”. Diário Oficial do Estado da Bahia. 1823-1923. Edição Especial do Centenário da Independência. Bahia: Salvador, 1923. p. 132.

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investir na construção de estradas de ferro. Além disso, proibia a utilização de mão-de-obra

escrava e dispensava os trabalhadores ferroviários do serviço militar159.

Com essas reformas na lei, o governo brasileiro esperava atrair capitais nacionais e

estrangeiros, sobretudo ingleses, a fim de levar avante o transporte ferroviário no país,

tornando “o investimento em ferrovias um negócio atraente para as empresas

concessionárias”160. Segundo Souza,

mesmo aquelas ferrovias que, inicialmente, se mostraram economicamente deficitárias, com o passar dos anos, passaram a ser consideradas como vitais para a economia e o projeto político integracionista do Estado, que se dispôs a assumir os riscos cambiais e a financiar, por meio da garantia dos juros, grande parte desse empreendimento161.

A construção da viação férrea no Brasil se concretizou dezenove anos depois, com a

inauguração, em 30 de abril de 1854, do primeiro trecho da ferrovia Rio de Janeiro-Petrópolis,

depois conhecida como Estrada de Ferro de Mauá162. Em 1852 foi feita a concessão a Irineu

Evangelista de Souza, Barão de Mauá163, para construção da estrada de ferro, com 14, 5 km,

entre o Porto da Estrela na baía de Guanabara (Rio de Janeiro) e a localidade Fragoso

(Petrópolis), cujos trilhos somente chegaram à serra da Estrela dois anos depois164. Esta

estrada é a primeira do Brasil e da América Latina165. Tinha como objetivo ligar os principais

159 Trens e Cia: ferrovias no Brasil - breve história. Disponível em: <http://br.geocities.com/hptrensecia/fevbras.html>. Acesso em: 21 jan. 2002. Joaquim Wanderley de Araújo Pinho. “A Viação na Bahia”. Diário Oficial do Estado da Bahia. 1823-1923. Edição Especial do Centenário da Independência. Bahia: Salvador, 1923. p. 132. 160 Robério Santos Souza. Experiências de Trabalhadores nos Caminhos de Ferro da Bahia: trabalho, solidariedade e conflitos (1892-1909). Campinas, SP. 2007. p. 22. Dissertação [Mestrado]-Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 161 Ibidem. 162 Iraci Gama Santa Luzia. Rede Ferroviária em Alagoinhas - Passando pelo Histórico da Ferrovia na Bahia, no Brasil e no Mundo, p. 1. [Texto em processo de publicação]. Esta troca de nome foi uma questão de ordem política, que tinha como objetivo apagar a importância de D. Pedro II para o início da história dos transportes ferroviários no Brasil. Isso depois irá mudar e esta principal estação ferroviária passou a se chamar Estação D. Pedro II. 163 Coube ao Visconde de Mauá o privilégio de ser o pioneiro do transporte ferroviário Nacional. “O título de barão de Mauá, só foi lhe dado por D. Pedro II, após a inauguração dos primeiros quilômetros da via férrea no Brasil. 30 de abr. 1854”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, fundado em 1894, reconhecido de utilidade pública pela lei n° 110 de 13 ago. 1895, n° 67, 1941. p. 252. 164 “Por esta Estrada fazia-se o transporte de cargas e passageiros, por meio de conexão com a barca a vapor ‘Guarani’ que vinha da Prainha, Praça Mauá, até o ponto inicial da ferrovia, a estação de Guia de Pacobaíba”. Rede Ferroviária Federal S. A. Superintendência de Patrimônio. Gerência de Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário. Manual de Preservação de Edificações Ferroviárias Antigas/Rede Ferroviária Federal S. A. Rio de Janeiro: RFFSA, 1991. p. 22. 165 “Inaugurando os primeiros quilômetros de caminhos de trilhos, que o povo crismou com o nome de ‘Estrada de Ferro de Mauá’, mostrou Irineu Evangelista de Souza que a fumaça da locomotiva não matava a passarinhada dos arredores, como receiava em França e se propalava no Brasil; que o barulho do camboio não causava estouro das boiadas, nem afugentava os galináceos das margens da via férrea; que o deslocamento de ar á passagem de dois trens não produzia asfixia nos seus viajantes, nem ocorreriam os outros males apontados pelos que combatiam a sua construção”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, fundado em 1894, reconhecido de utilidade pública pela lei n° 110 de 13 ago. 1895, n° 67, 1941. p. 253.

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círculos produtores de café, que eram Santos, São Paulo e Jundiaí, buscando-se através desta

ligação estender o domínio dos produtores de café e contribuir para o desenvolvimento do

país. Devido às limitações que enfrentou para seu término, esta ferrovia foi absorvida e

incorporada pela The Leopoldina Railway em 1883, sendo depois extinta.

As ferrovias brasileiras, de um modo geral, foram construídas por iniciativas e

investimentos de capitais estrangeiros ou de concessões do governo feitas à particulares. A

maioria concedia reserva de mercado às companhias capitalistas sem qualquer garantia do

empreendimento dar certo, oferecendo-se também garantia de juros e exclusividade de

tributos ao empreendimento ferroviário166. Isso ocorreu devido à falta de capital do império

brasileiro para investir na construção de estradas de ferro.

No ano de 1855, foram feitas várias concessões à construção e exploração de estradas

de ferro no Brasil. Neste ano, sob a forma de sociedade anônima, foi criada a Estrada de Ferro

D. Pedro II (depois E. F. Central do Brasil)167 no Rio de Janeiro, com o objetivo de ligar esta

cidade a São Paulo, e em seguida, até Minas Gerais, tendo sido seu trecho inicial, com uma

extensão de 48,2 km, do Rio de Janeiro à localidade fluminense de Queimados, inaugurado

em 29 de março de 1858168. A criação desta ferrovia buscou articular e impulsionar o

desenvolvimento econômico das regiões Sul e Sudeste do país.

Das empresas ferroviárias implantadas no Brasil, uma das mais importantes foi a

Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB), propriedade do Governo Federal, em

funcionamento desde 1860 e federalizada em 1935169. Teve como diretor, durante alguns

anos, o engenheiro Lauro Farani Pedreira de Freitas170. Serviu e interligou com suas linhas e

ramais vários Estados como Bahia, Sergipe, Pernambuco, Piauí e Minas Gerais. Esta empresa

166 Francisco Antônio Zorzo. “Retornando à História da Rede Viária Baiana: o estudo dos efeitos do desenvolvimento ferroviário na expansão da rede rodoviária da Bahia (1850-1950)”. Sitientibus. Feira de Santana. n. 22. jan./jun. 2000. p. 101. 167 Pela lei nº. 1.599, de 9 mai. 1855. 168 Rede Ferroviária Federal S. A. Superintendência de Patrimônio. Gerência de Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário. Manual de Preservação de Edificações Ferroviárias Antigas/Rede Ferroviária Federal S. A. Rio de Janeiro: RFFSA, 1991. p. 22. 169 José Trajano. História da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. [s.n.t.]. p. 1. 170 Este engenheiro civil “ocupou vários cargos de relevo, entre os quais o de superintendente da antiga Compagnie de Chemins de Fer Federaux de l’Este Brésillienne. [...] Foi presidente da caixa de aposentadoria e Pensões dos Ferroviários da Bahia e Sergipe, cargo que exerceu de 1931 a 1943”. Cartilha Histórica da Bahia: A Bahia e seus Governadores. 4. ed. (revista e aumentada). Editora Continente; PerArduaSurgo: Brasil/Bahia,1986. p. 311.Também teve participação na história da política baiana na década de 1940, como Deputado Federal pelo PSD, chegando a candidatar-se ao governo do Estado em 1950, falecendo em acidente aéreo em plena campanha política. “Como Diretor da Leste Brasileiro construiu novas estações, substituiu linhas, ampliou as condições de rodagem e iniciou a eletrificação do sistema, colocando a ferrovia baiana entre as mais modernas”. “Comemoração marca os 100 anos de Lauro de Freitas”. A tarde. Salvador, 29 abr. 2001.

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ferroviária passou por várias fases durante o período de sua formação e funcionamento,

mudando várias vezes de nome e de administração171.

A Leste brasileiro foi criada a partir de concessões a particulares com capital inglês e

depois franco-belga, através de processos de transferências e arrendamento, cada trecho de

estrada de ferro era explorado por uma pequena empresa que atuava em linhas e ramais

diferentes, ligando o Nordeste ao Sudeste brasileiro, ou seja, era formada por um

conglomerado de pequenas empresas, “inicialmente por cinco ferrovias que foram construídas

em épocas diferentes e que, depois foram unificadas, constituindo o seu sistema atual”172, que

serviu à metade do Estado da Bahia e quase todo o Estado de Sergipe173.

A Viação Férrea Federal Leste Brasileiro passou por várias fases administrativas

durante o processo de formação e consolidação da malha ferroviária. No período entre 1910 e

1950, ocorreram as etapas de construção, fusão, incorporação e liquidação de várias das

empresas privadas e públicas que a compunham. A extensão de sua ferrovia foi constituída da

reunião de antigas e pequenas estradas e ramais174 como a Estrada de Ferro da Bahia ao São

Francisco, a antiga Estrada de Ferro Centro-Oeste da Bahia, a Estrada de Ferro Petrolina a

Terezina, a Estrada Central da Bahia e a Estrada de Ferro Santo Amaro e também a Estrada de

Ferro Bahia e Minas175.

A mais antiga empresa ferroviária a integrar a Leste foi a Estrada de Ferro da Bahia ao

São Francisco, também conhecida como Estrada de Ferro Calçada-Juazeiro. Esta ferrovia foi

a primeira da Bahia e a quarta do Brasil, criada176 a partir de uma concessão particular

autorizando Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto177 construir uma ferrovia na

província da Bahia que, partindo de Salvador, chegasse a Alagoinhas e à margem direita do

rio São Francisco, mais precisamente à cidade de Juazeiro178. Para dar continuidade aos

trabalhos de construção da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, foram transferidos179

os direitos de concessão a The Bahia and San Francisco Railway Company, que era de capital

171 Conforme podemos observar pelo histórico da empresa, até ser chamada de Leste Brasileiro. 172 Rede Ferroviária Federal S. A. 1º Centenário da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro 1860-1960. Bahia/Salvador: Tipografia da Leste. p. 3. 173 Idem. Ibidem. p. 6. 174 José Trajano. História da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. [s.n.t.]. p. 1. 175 Desligada em 1936 por força do decreto nº. 570, de 31 dez. 1936. 176 Em virtude das leis nº. 641 de 26 jun. 1852 e nº. 725, de 3 out. 1853, pelo decreto de nº. 1. 299, no ano de 1853. 177 Em um prazo de noventa anos, com a garantia de juros a 5% ao ano. Passando o prazo a estrada poderia ser resgatada pelo governo, mediante prévia indenização. 178 Mário Tarquínio. “Vias de Comunicação e Meios de Transporte”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. n. 60. Salvador. 1934. p. 369-370; Rede Ferroviária Federal S. A.. Op. cit.. p. 3; José Emílio de Castro H. Buzelin; João Bosco Setti. Ferrovia Centro – Atlântica: uma ferrovia e suas raízes. Memória do trem: Brasil, 2001. p. 72. 179 Pelo decreto nº. 1. 615, em 9 mai. 1855.

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inglês, com sede em Londres180. Somente depois dessa mudança para concessionários

ingleses, em 1856 é que tem início a abertura dos trilhos até o rio Joanes181.

Sua construção foi realizada em três etapas: primeiramente, o trecho que foi de

Salvador a Alagoinhas, atingindo 123 quilômetros de extensão, dividindo-se em dois ramais:

um atingiu a cidade de Juazeiro no sentido do arraial de Pernambuco, a outra passou pela

cidade de Esplanada, atravessando todo o Estado de Sergipe, perfazendo o total de 428 km182.

O primeiro trecho183 da E. F. Bahia ao São Francisco, ligando o bairro da calçada a

Paripe, até a periferia de Aratu em Salvador-Ba, com extensão de 14 km184, chegou a

Alagoinhas em 13 de fevereiro de 1863185, na extensão de 123,3 km186, no terreno do Coronel

Pedro Rodrigues Bastos, que estabeleceu casa comercial próximo ao local da estação187.

Prosseguindo o trabalho de construção da estrada, procedeu-e o seu prolongamento da

rede ferroviária de Alagoinhas a Juazeiro188. Os estudos definitivos foram aprovados em

1876, firmado o contrato em nove de março, mas somente em 25 de outubro deste mesmo

ano, iniciaram-se os trabalhos de construção189. Estes prosseguiram sob orientação direta do

Governo Imperial até 1887, sendo retomados de forma lenta mediante contratos com

empresas estrangeiras, em 1889, somente completando-se o prolongamento com a abertura ao

tráfego da estação de Juazeiro, em 24 de fevereiro de 1896190. “A partir daí muda-se o nome

da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, ficando com o de Estrada de Ferro do São

Francisco”191.

Também se prolongaram os caminhos de ferro de Alagoinhas até Timbó. Este ramal

foi construído pela Bahia and São Francisco Railway Company com autorização do

180 “Em Londres organizou-se a ‘Bahia and São Francisco Railway Company’ para levar a efeito a construção da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco”. José Trajano. História da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. [s.n.t.]. p. 2. 181 Em 10 set.1860. 182 José Trajano. Op. cit.. p. 1. 183 Entre Jequitaia e Aratu, inaugurado 28 jun. 1860. 184 Rede Ferroviária Federal S. A. Superintendência de Patrimônio. Gerência de Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário. Manual de Preservação de Edificações Ferroviárias Antigas/Rede Ferroviária Federal S. A. Rio de Janeiro: RFFSA, 1991. p. 22. 185 Com relação a outros municípios chegou a Serrinha em 1870, em Senhor do Bonfim em 1887, Juazeiro em 1895 (a partir daí seguiu com o nome de Estrada de Ferro de São Francisco), Campo Formoso em 1917, Jacobina em 1920, Miguel Calmon em 1923 e Iaçú em 1937. 186 Rede Ferroviária Federal S. A. 1º Centenário da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro 1860-1960. Bahia/Salvador: Tipografia da Leste. p. 3. 187 “Neste ponto, a história da via férrea se imbrica com a da cidade, porque Alagoinhas era a vila de Santo Antônio de Alagoinhas, localizada a três quilômetros da Estação de Ferro, onde hoje está o bairro de Alagoinhas Velha”. Iraci Gama Santa Luzia. Rede Ferroviária em Alagoinhas - Passando pelo Histórico da Ferrovia na Bahia, no Brasil e no Mundo. p. 1. [Texto em processo de publicação]. 188 Autorizado pela lei nº. 1. 953, de 17 jul. 1871. 189 José Trajano. Op. cit.. p. 3-4. 190 Iraci Gama Santa Luzia. Op.cit.. p. 2. 191 Ibidem.

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Ministério da agricultura, para realização dos estudos do terreno, em 31 de dezembro de 1881.

Devido a algumas complicações, como a seca que ocorreu no norte da Bahia e Sul de Sergipe,

esta estação somente foi inaugurada em 30 de março de 1887. Com 82 km, este trecho foi

mais tarde prolongado até Aracaju e Propriá, em 1909192.

Outra linha férrea que integrou a Leste foi a Estrada de Ferro Central da Bahia193, cujo

traçado tinha dois trechos, um partia de Cachoeira a Feira de Santana, o chamado ramal de

Feira194, e outro saía de São Felix com destino à Chapada Diamantina, a chamada linha

principal195.

No início do século XX, ainda se observou e colocou-se em prática uma expansão da

malha ferroviária brasileira, com o resgate e a construção de várias ferrovias, sendo o Estado

obrigado a assumir o controle e prejuízos de várias empresas em dificuldades financeiras. A

partir da era Vargas e do pós-guerra, o ritmo de expansão diminui e ampliou-se o controle das

empresas estatais.

De 1889 a 1902, após encampar as estradas de ferro da Central da Bahia e da Bahia ao

São Francisco, o Governo Federal procedeu ao processo de repasse e arrendamento de

contrato por empresa privada196. A Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco foi resgatada

dos ingleses pelo Governo Federal, mediante a lei 652, de 23 de novembro 1899, iniciando-se

uma estratégia de sucessivos arrendamentos a engenheiros a partir de 1900. A Estrada Central

da Bahia também foi arrendada em 1902, sendo concedidos os direitos de arrendatários aos

mesmos particulares que detinham o controle acionário da Estrada de Ferro da Bahia ao São

Francisco.

Em janeiro de 1909, foram feitas as transferências e arrendamentos dessas estradas

para a Companhia Viação Geral da Bahia. Esta companhia veio a constituir mais tarde o

núcleo formador da Leste Brasileiro. Em 23 de outubro de 1910, foi constituída a Rede de

Viação Férrea Federal da Bahia, com o intuito de coordenar e unificar os serviços de

ferrovias existentes197. Neste ano ligou-se e incorporou-se a Estrada de Ferro Bahia – Minas à

rede ferroviária baiana, que, antes de 1910, era composta pela Estrada de Ferro Central da

192 José Emílio de Castro H. Buzelin; João Bosco Setti. Ferrovia Centro – Atlântica: uma ferrovia e suas raízes. Memória do trem: Brasil, 2001. p. 72. 193 Esta estrada foi construída a partir de 06 out. 1867, através de uma concessão a Paraguassú Steam Tram-Road Campany. 194 Inaugurado em 7 abr. 1875. 195 A linha principal, de São Félix até Bandeira de Mello, foi concluída em 1877. 196 Ver Francisco Antonio Zorzo. “O Movimento de Tráfego da Estrada de Ferro Central da Bahia e seu Impacto Comercial: das iniciativas privadas inaugurais à encampação estatal”. Revista Sitientibus. nº. 26. Feira de Santana, 2002. 197 De acordo com o decreto de nº. 8.321.

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Bahia, pela linha que ia para o São Francisco, pela Estrada de Ferro de Santo Amaro, pela

Estrada de Ilhéus e pela linha sul do Estado, as quais funcionavam com administrações

diferentes e interesses desencontrados sob os pontos de vista político-administrativo-

industrial198.

Um ano depois, a malha ferroviária passou novamente por um processo de

transferência e arrendamento do contrato para a empresa privada, Compagnie des Chemins

Fer Féderaux de I’Est Brésilien, que era formada por capitais franceses e belgas, passando a

denominar-se E’ste Brasileiro199. A partir daí a Leste, sob a administração francesa, foi

ampliando seu patrimônio, executando o prolongamento das linhas e ramais que faziam parte

da rede ferroviária federal brasileira, adquirindo estradas de ferro estaduais, Centro-Oeste e

Nazaré, e a incorporação, através de um acordo entre os governos dos estados de Minas

Gerais e Bahia, da Nova Companhia de Estrada de Ferro Bahia - Minas, responsável pela

linha férrea que ia de Caravela a Teófilo Otoni200. Esta empresa esteve sob o domínio da Leste

por duas décadas, sendo desmembrada em 1936, para ser administrada pelo Departamento de

Estradas de Ferro (DNEF)201.

A antiga Inspetoria Federal de Estradas, sob administração da L’Est Brésilien, tinha

planos e projetos para realizar o estabelecimento definitivo da rede baiana, numa extensão

total de linhas e ramais de 3.500 km, ligando-se a Estrada de Ferro Central do Brasil, nos

limites do Estado de Minas Gerais à rede da Great Western, em Alagoas. Mas, devido às

crises políticas e econômicas e os desgastes da Primeira Guerra Mundial, mudou-se o ritmo

das atividades da empresa, levando a uma restrição dos recursos financeiros para a empreitada

de negócios, resultando em crise e precário funcionamento202.

Devido às dificuldades administrativas e aos prejuízos decorrentes da deficiência dos

serviços, que sempre eram alvo de reclamações, o Governo Federal passou a intervir na

administração dos negócios da Leste no ano de 1931. Somente quatro anos depois, pelo

decreto de 11 de março de 1935, o governo de Getúlio Vargas encampou e se responsabilizou

pelos bens e serviços a cargo da antiga Companhia L’Est Brésilien, sob o comando da antiga

Inspetoria Federal de Estradas, depois Departamento Nacional de Estradas de Ferro

198 Estas estradas eram administradas por grupos com visões e formas diferentes de administração, que discordavam quanto à necessidade de construção e ligação das linhas e ramais da Leste, existindo também conflitos entre os interesses dos administradores e seus empregados. 199 Através do decreto de nº. 9.029. 200 Em 30 dez. 1911. 201 O desmembramento da Estrada de Ferro Bahia e Minas foi proposto, em dez. de 1935, pela diretoria, segundo Lauro de Freitas no relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, do exercício de 1936. p. 5. 202 José Trajano. História da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. [s.n.t.]. p. 18.

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(DNEF)203. Assim se constituiu a Rede de Viação Férrea Federal Leste Brasileiro

(RVFFLB), com um total de 2.545 km de extensão, um dos principais sistemas ferroviários do

país204.

Através dos relatórios da empresa, percebemos que na década de 1930, a política dos

transportes ferroviários do país foi mais incisiva do que no período da administração anterior,

sendo motivo de elogios: Delsuc Moscos de Oliveira205, engenheiro e diretor de ferrovia

baiana, elogiou em pronunciamento nacional ao presidente Getúlio Vargas e a Landulpho

Alves206.

A Viação Férrea Federal Leste Brasileiro procurou levar adiante uma série de

projetos de recuperação e empedramento das vias permanentes das estradas de ferro,

construção de novas estações, caixas d’água para o abastecimento das locomotivas a vapor,

recuperação e ampliação das oficinas onde consertavam-se as locomotivas, dos depósitos e

das estações que estavam em péssimas condições físicas, construção de casas para os agentes

de estação e pessoal de conservação das linhas permanentes.

Os trabalhos de eletrificação da linha tronco, de Salvador a Alagoinhas e de Mapele a

Candeias, iniciaram-se na década de 1940. O objetivo era aproveitar as reservas petrolíferas

do Recôncavo baiano e as jazidas de gás natural da região de Aratu. Estas obras foram levadas

adiante em 1948, pelo governo de Eurico Gaspar Dutra e encerradas em 1954, chegando a 230

km de linhas eletrificadas, adquirindo-se também, em novembro de 1938, da English Eletric

as primeiras locomotivas Diesel-Elétricas e Diesel-Mecânicas a rodar no Brasil, montadas nas

oficinas da Calçada (Salvador) e colocadas em circulação a partir de 1939.

Depois de encampar os serviços das estradas de ferro, o Governo Federal colocou-se

como o “salvador da pátria” e “restaurador” do bom andamento e funcionamento da

administração da ferrovia, iniciando, segundo discurso oficial, uma fase de prosperidade e de

equilíbrio nas contas da empresa, bem como renovação de seus serviços, com a sistematização

do tráfego e a finalização de construções inacabadas207. Nos relatórios da empresa referentes

203 Órgão criado pelo governo em 1942 para controlar, supervisionar e fiscalizar as concessões e funcionamento da rede. Sendo responsável pela elaboração dos projetos e planos ferroviários, apresentados ao conselho Nacional de Transportes. Funcionou até 1974, quando extinto e substituído pela Engefer que funcionou até 1983. 204 José Emílio de Castro H. Buzelin; João Bosco Setti. Ferrovia Centro – Atlântica: uma ferrovia e suas raízes. Memória do trem: Brasil, 2001. p. 73. 205 Discursos proferidos por D. M. de Oliveira publicados sobre os títulos: “Inauguração do Prolongamento da Estrada de Ferro de Nazaré - São Roque” (jan. 1941) e “A Política dos Transportes do Estado Novo” (nov. 1940). Discursos. Bahia: Empresa Gráfica LTDA, 1941. O elogio da atuação do governo durante o Estado Novo também perpassa o relato de Osvaldo Gordilho sobre o Plano Geral de Viação Nacional de 1934. Ver Osvaldo Gordilho. Os Transportes no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Viação e Obras Públicas, 1956. 206 Este último passou por doação a Estrada de Santo Amaro para a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. 207 José Trajano. História da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. [s.n.t.]. p. 19.

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ao período em que o governo esteve à frente dos negócios do transporte ferroviário no país, é

notável a ressalva que faz a sua boa administração, como aparece nesta citação: “o estado de

ruína clamorosa sob que foram recebidos os serviços explorados até 1935, pela ex-companhia

arrendatária. Na Leste Brasileiro muito e muito há que se realizar, para poder-se preencher

sua finalidade”208.

O processo de resgate das ferrovias brasileiras pelo Governo Federal redundou em um

momento de crise política e ação judicial, pois a antiga empresa arrendatária queria recuperar

a todo custo os seus direitos e voltar à administração da malha ferroviária da Leste Brasileiro.

Segundo os relatórios da empresa de 1935 a 1949 e o jornal O Lidador (década de 1930), a

antiga companhia francesa não tinha feito uma boa administração, sendo alvo de críticas por

conta do sucateamento e mau funcionamento dos equipamentos e das linhas que compunham

a Leste, levando a uma situação de tensão e insatisfação social por parte dos ferroviários e da

população de um modo geral contra a situação de abandono e descaso.

No relatório do exercício de 1935, consta que após a ocupação das estradas de ferro da

Leste Brasileiro pelo Governo federal209, a empresa arrendatária anterior reagiu “a todo

transe”, segundo palavras d’O Lidador, contra o Governo Federal para reaver a administração

da empresa, “considerando ilegal e abusivo o ato”210, ocasionando um momento de

insatisfações, conflitos e greve entre os trabalhadores ferroviários que não concordavam com

tal situação e eram contra a administração francesa.

Os ferroviários por sua vez, “sob coesão magnífica e admirável, possuídos do mais

sadio e puro espírito nacionalista”211, repeliram, a todo custo, as ousadas investidas “dos

gananciosos arrendatários”212. Depois, por ocasião de um mandado de segurança, concedido

pela Justiça Federal na Bahia, para que a antiga administração francesa voltasse a ocupar a

administração da E’ste Brasileiro, declararam-se “em greve pacífica, em sinal de veemente

protesto a volta da administração francesa”213. Este momento de greve dos ferroviários em

apoio ao Governo Federal contra a administração francesa também ganhou visibilidade nas

páginas do jornal O Lidador:

À última hora fomos seguramente informados de que os ferroviários entrarão em greve hoje, caso não tenha sido até ontem a noite satisfeitos as suas

208 Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Lauro F. P. de Freitas. Relatório do Exercício de 1935. Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936. p. 6. 209 Por força do decreto nº. 24. 321 de 1º jun. 1934. 210 Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. Op. cit.. p. 3. 211 Ibidem. 212 Ibidem. 213 Idem. Ibidem. p. 3-4.

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pretensões que são a imediata ocupação da E’ste pelo Governo Federal, de vez que reputam a continuação da administração francesa, um escárnio a nossa civilização214.

Os ferroviários, em meio às agitações que os cercavam, resistiram “às tentativas de

suborno, às promessas fantásticas de aumentos de salários, às ameaças de vinganças, de

demissões e até mesmo de morte”215. A nova administração apesar do seu “absoluto espírito

de tolerância” tomou uma “medida profilática”, segundo expressões do jornal, para reprimir

os abusos e irregularidades no andamento dos serviços, promovidas a soldo por agitadores a

favor da companhia francesa e restaurar a ordem e a disciplina no ambiente ferroviário,

“removeu e demitiu cerca de uma dezena de maus elementos”216. Esta expressão, “maus

elementos”, era usada para se referir aos trabalhadores da empresa, que faziam greves em

protesto contra a administração francesa da Leste.

Outro passo importante na consolidação da malha ferroviária da Leste se deu em 1939,

quando, graças à complementação da Estrada de Ferro de Santo Amaro, que foi conectada à

Estrada de Ferro de São Francisco e à Estrada de Ferro Central da Bahia, conseguiu-se

realizar a integração Norte-Sul das suas várias linhas, o que era uma antiga demanda

ferroviarista baiana.

Conforme se verifica na tabela do anexo II, em 1944, a Leste Brasileiro era integrada

pela Estrada de Ferro de São Francisco e ramais (inclusive a Estrada de Ferro de Sergipe e

Estrada de Petrolina a Terezina, esta incorporada em 1941), a Estrada de Ferro de Santo

Amaro e Estrada de Ferro Central da Bahia e ramais, totalizando 2.209 km de linhas e 126,2

km de desvios auxiliares. A Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco tinha 124,9 km, o seu

ramal da Barra de Mundo Novo, 208,4 km e o Sub-ramal, que ia de Itinga (Antonio

Gonçalves) a Campo Formoso, 9,8 km.

Desde 1952, no seu segundo governo, Getúlio Vargas tentou reorganizar as ferrovias,

para centralizar os serviços ferroviários, encaminhando ao congresso um projeto para criação

de uma Rede Ferroviária Federal (RFFSA)217. Após anos de debates no congresso, este

projeto somente foi sancionado pelo presidente Juscelino Kubstschek em 16 de março de

1957. E finalmente foi fundada mediante o Decreto-Lei 3.155, em 30 de setembro de 1957, a

214 Edição de 10 mar. 1935. 215 Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Lauro F. P. de Freitas. Relatório do Exercício de 1935. Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936. p. 4. 216 Ibidem. p. 3-4. 217 Iraci Gama Santa Luzia. Rede Ferroviária em Alagoinhas - Passando pelo Histórico da Ferrovia na Bahia, no Brasil e no Mundo. p. 5. [Texto em processo de publicação].

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Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima S. A. - RFFSA218, centralizando-se a

administração das ferrovias do Brasil.

A Rede Federal englobou a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, passando a

funcionar organizada em quatro sistemas regionais: Nordeste, Centro, Centro-Sul e Sul,

subdivididos em doze superintendências regionais (SR’s): SR.1-Recife, SR.2-Belo Horizonte,

SR.3-Juiz de Fora, SR.4-São Paulo e Centro-Oeste, SR.5-Curitiba, SR.6-Porto Alegre, SR.7-

Salvador e Sudeste, SR.8-Campos, SR.9-Tubarão, SR.10-Bauru e Sul,SR.11-Fortaleza e

SR.12-São Luís219.

Inicialmente foram aglutinadas dezoito ferrovias brasileiras, que se estendiam desde

Maranhão até o Rio Grande do Sul e desde o Rio de Janeiro até Mato Grosso, operando com

cerca de 24.000 km, incluindo-se a Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, pertencente à

Leste Brasileiro. Depois foram encampadas mais quatro, totalizando 22 empresas220. A

VFFLB passou a compor em 1969 a 4ª Divisão Operacional da Leste. Depois com a criação

das superintendências regionais, em 1976, foi incorporada à SR. 1, depois se tornando uma

Superintendência Regional independente, a SR.7, com sede em Salvador221.

Sua criação teve como objetivo principal expandir racionalmente a malha ferroviária

brasileira, buscando-se padronizar o material rodante, além da construção de redes de tráfego

mútuo, substituição do material desgastado e antigo, e mudança do pessoal menos

especializado nos serviços ferroviários222. Segundo diz a Revista Ferroviária, “a Rede

cumpriu sua tarefa, reduzindo a malha e o quadro de pessoal, e aumentando a produção”223.

A RFFSA funcionou cerca de quatro décadas e, nos anos seguintes, muitos dos ramais

da antiga Leste foram removidos ou desativados, deixando de atuar no transporte de

passageiros no interior do Estado da Bahia, existindo atualmente somente os trens de

passageiros do Subúrbio Ferroviário de Salvador, pertencentes à Companhia Brasileira de

Trens Urbanos (CBTU), que ligam a Estação da Calçada a Paripe. No restante das linhas

218 “A Rede funcionou como uma sociedade de ações, a qual ficariam incorporadas todas as estradas de ferro de propriedade da União e administradas por ela, além daquelas que viessem a ser transferidas para o controle no governo futuro”. Revista Ferroviária. 1992. p. 8. 219 Mayara Mychella Sena Araújo. A Ferrovia e a Configuração Urbana da Cidade de Alagoinhas-Bahia. Salvador: [s.ed.], 2005. p. 39. 220 “A RFFSA surgiu da união de 22 ferrovias em todo o Brasil, a maioria de capital privado, reunindo linhas despadronizadas, deficitárias e com excessivo quadro de pessoal (cerca de 160.000 ferroviários). Em muitos casos não havia interligação física entre as ferrovias desapropriadas”. Jorge Luiz Dantas Menezes [et. al.]. A Decadência Sócio-Econômica do Município de Alagoinhas-Ba: O caso da ferrovia. Alagoinhas: Faculdade Santíssimo Sacramento, 2004. p. 23-24. 221 José Emílio de Castro H. Buzelin; João Bosco Setti. Ferrovia Centro – Atlântica: uma ferrovia e suas raízes. Memória do trem: Brasil, 2001. p. 73. 222 Enciclopédia Barsa. Engenho de açúcar: fotogravura. v. 7. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1983. p. 335. 223 Revista Ferroviária. Abr. 1997. p. 31.

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ativas, só funcionam os trens que fazem o transporte de cargas de uma região a outra do

país224.

Com o advento das empresas privadas de transporte ferroviário de carga, lentamente os trens de passageiros desapareceram. No seu lugar, hoje circulam apenas os trens-cargueiros, que cortam cidades e estações fantasmas, deixando a nostalgia de um tempo em que as pessoas vestiam a melhor roupa domingueira para passear na estação225.

O último período da história da administração das linhas férreas que compunham a

Leste refere-se à privatização da Rede Ferroviária Federal, em 1994, quando a malha Centro-

Leste, constituída pelas Superintendências Regionais de Belo Horizonte (SR. 2), Salvador

(SR. 7) e de Campos (SR. 8)226 foi adquirida pela Ferrovia Centro-Atlântica S. A. (FCA). Esta

empresa busca recuperar o transporte ferroviário no país a partir de projetos de restauração

das antigas estações de trem e construção de museus para conservação e preservação do

patrimônio da Leste.

Na Bahia, desde 28 de agosto de 1996227, quando assumiu os serviços de transporte

ferroviário na região, a FCA não conseguiu mudar o quadro do transporte ferroviário,

continuando a deficiência no atendimento dos poucos trens que fazem linha no Subúrbio

Ferroviário de Salvador. Observando-se ainda “poucas locomotivas para atender a demanda

de passageiros, vagões sujos e sem segurança e paradas obrigatórias por defeitos técnicos”228.

Segundo o diretor, do Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários, similares e afins nos

Estados da Bahia e Sergipe (Sindiferro), José Raimundo Jesus que exercia função em 2002:

“[...] a FCA, que para amealhar a RFFSA garantiu que cuidaria da malha SR. 7, não cumpriu

o prometido. A malha está um caos. Nenhuma melhoria foi feita”229. No interior da Bahia

constatamos a triste realidade que, “o que resta dos tempos áureos da viação Férrea Federal

224 “Da malha restante e absorvida pela fase da Superintendência Regional Salvador, temos as seguintes linhas, assim denominadas: a linha Sul, entre Mapele e Monte Azul, MG, destacando-se o transporte de mineraise derivados; a linha Norte com o transporte de derivados químicos produzidos pela Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados S. A. – FAFEN, antiga Nitrofértil S. A., cimento, álcool, trigo e sal; a Linha Centro, entre as cidades de Alagoinhas e Juazeiro, com uma extensão para Petrolina, PE, na margem do São Francisco, com transporte de minerais e processados minerais”. José Emílio de Castro H. Buzelin; João Bosco Setti. Ferrovia Centro – Atlântica: uma ferrovia e suas raízes. Memória do trem: Brasil, 2001. p. 76. 225 “Maria Fumaça: Estrada de ferro nasceu em meados do século XIX como símbolo da integração nacional’. Correio da Bahia. Repórter, 24 jul. 2001. 226 Iraci Gama Santa Luzia. Rede Ferroviária em Alagoinhas - Passando pelo Histórico da Ferrovia na Bahia, no Brasil e no Mundo. p. 6. [Texto em processo de publicação]. 227 “Sendo o grupo que adquiriu a empresa na ocasião uma sociedade múltipla com mais de 08 sócios”. Folhão. FCA premiou Ferroviários. Diversos. Alagoinhas-Ba. p. 5. 228 Cintia Kelly. “Sistema ferroviário viaja na contramão do desenvolvimento”. Bahia Documento. Fora dos trilhos. Apesar de eficiente e mais econômico, o estado das ferrovias é de falência. Salvador: quarta-feira, 15 mai. 2002. p. 3. 229 Ibidem.

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Leste são cemitérios de vagões abandonados e ex-funcionários aposentados que vivem das

próprias lembranças”230.

2.2 FUNCIONAMENTO E DECADÊNCIA DA LESTE BRASILEIRO.

Quando a Viação Ferroviária Federal Leste Brasileiro chegou Jacobina, a cidade

passava por um processo de declínio e sucateamento, recebendo críticas sobre mau

funcionamento e estado de conservação, por parte de uma parcela da população, conforme a

análise de excertos d’O Lidador, para o qual a ferrovia não estava atendendo satisfatoriamente

aos anseios de uma sociedade que procurava estar nos rumos do progresso e do

desenvolvimento.

A empresa Leste brasileiro funcionou com déficits a maior parte do período entre

1911 a 1940, com exceção de um intervalo de alguns anos nas décadas de 1920 e 1930, os

anos de 1926 e 1929 e os anos de 1930, 1934 a 1938, em que os saldos foram significativos.

A empresa tinha despesas maiores que a receita arrecadada, de forma que sua renda não era

suficiente para cobrir os gastos com materiais e despesas com funcionários, tornando seu

funcionamento economicamente desfavorável. Os dados financeiros da empresa servem para

demonstrar sua situação econômica e funcional durante os anos vinte, época de crise e

sucateamento. O movimento financeiro da Leste entre 1911 e 1948 está apresentado na tabela

em anexo III.

Entre 1911 e 1935, a receita foi de 251.679 contos de réis, tendo uma despesa de

263.319 contos, acumulando um déficit de 17.136 contos de prejuízos, sendo que a receita

cobria em média apenas 95% das despesas. A partir de 1930, após a entrada do engenheiro

Lauro de Freitas, a empresa melhorou administrativamente, obtendo saldos da sua receita. A

partir da década de 1940, a empresa voltou a atuar com suas contas no vermelho,

aumentando-se muito os déficits, após o ano de 1944, quando a receita passou a ser o

equivalente à metade das despesas. Em 1946, quando as despesas eram três vezes maiores que

as receitas de transporte, a Leste entrou em ampliada decadência financeira, acumulando

déficits irreparáveis.

Segundo consta, “até 1943, o sistema ferroviário brasileiro apresentava resultados

230 “Fumaça: Estrada de ferro nasceu em meados do século XIX como símbolo da integração nacional”. Correio da Bahia. Repórter, 24 jul. 2001.

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financeiros equilibrados, mas já em 1946 com a despesa total de cerca e Cr$ 2,9 bilhões,

registrou- se uma receita de cerca de Cr$ 1,95 bilhão”231, resultados estes insatisfatórios e

deficitários do transporte. Os dados financeiros da tabela em anexo representam que a

situação orçamentária da Leste brasileiro, na maior parte do tempo em que funcionou em

Jacobina, foi de dificuldades financeiras, o que dificultava o bom funcionamento da empresa e

acarretava mais prejuízos e críticas na imprensa local ao mau atendimento dos serviços

prestados à população jacobinense.

A empresa ferroviária tinha a sede na capital do Estado da Bahia e estações por todas

as linhas. Dentre as diversas estações ferroviárias, havia as de centros urbanos/sedes

municipais e as estações de distritos/povoados. Para se ter uma idéia da arrecadação de

algumas das principais estações da Leste, pode-se observar a tabela abaixo. Nota-se pela

receita da estação da Calçada em Salvador, que esta estação central, era de longe, a mais

importante da empresa, em matéria de arrecadação.

Tabela 2 - Receitas de Algumas Estações Selecionadas em 1944 (em Réis). ESTAÇÕES VIAJANTES BAGAGENSENCOMENDAS ANIMAIS MERCADORIAS ARMAZENAGEM TELEGRAMAS OUTROS RECEITA TOTAL Salvador 2.774.200,60 16.531,60 1.11.546,60 73.484,30 4.843.068,00 34.979,50 20.335,95 27.319,70 9.790.847,05Alagoinhas 386.835,60 1.345,60 96.025,50 34.490,30 832,60 343,20 2.330,20 943,00 587.237,80

Feira de Santana 125.789,70 --------- 22.752,90 13.964,20 192.497,70 244,50 201,05 2.421,50 386.961,65

Juazeiro 537.013,50 7.344,30 108.948,30 12.575,40 1.602.913,50 2.290,70 5.808,95 4.421,40 2.489.461,05Bonfim 423.300,40 2.677,70 39.252,60 25.810,10 263.336,00 474,90 32.584,45 1.910,30 864.483,85Jacobina 198.478,50 2.205,40 29.421,00 17.480,60 526.527,70 300,40 2.522,90 1.786,70 851.119,10M Calmon 71.045,70 295,10 13.623,90 2.007,80 559.740,30 245,40 1.429,15 425,00 710.639,10B. M .Novo 172.008,60 -------- 18.309,10 145.936,90 68.655,30 478,00 1.204,50 1912,50 447.573,00Aracaju 1.013.127,50 3.434,60 205.805,80 11.577,20 2.979.984,70 2.509,70 17.024,60 19.948,90 4.654.204,40Cachoeira 132.070,20 55,30 18.211,20 2.031,40 226.985,00 74,10 164,30 729,20 413.488,60São Félix 346.687,00 117,20 180.578,80 4.686,80 1.497.702,90 3.562,40 16.660,00 14.373,00 2.250.595,90Própria 485.553,20 1.094,20 67.368,90 2.879,20 597.996,60 2.459,60 304,90 3.862,80 1264.677,00

Nota: Estações com receita acima de $ 300.000,00 Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro do exercício do ano de 1944, que se encontra no acervo da biblioteca da

Fundação Clemente Mariani.

Pela tabela acima, percebemos que a maior concentração de renda da Leste estava na

estação de Salvador. Os principais pontos de confluência da rede da empresa eram as estações

de Salvador, Juazeiro, Aracaju e Bonfim, que por serem pontos extremos e conexões

importantes, arrecadavam mais. A estação de Jacobina estava no ranking das dez maiores

estações, em termos de arrecadação, estando acima de Miguel Calmon, Alagoinhas e Feira de

Santana, tendo uma receita menor que a de Propriá e de Senhor do Bonfim.

231 Enciclopédia Barsa. Engenho de açúcar: fotogravura. v. 7. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1983. p. 335.

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Tabela 3 – Principais Mercadorias Transportadas pela Ferrovia em 1935.

Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro do exercício do ano de 1935, que se encontra no acervo da biblioteca da Fundação Clemente Mariani.

A tabela 3 indica os principais produtos transportados pela Leste. Como se observa, os

principais itens são produtos primários, de agricultura ou de extração, voltados para o

mercado externo, mas a maioria deles era para o próprio mercado interno de consumo.

Considerando-se que o principal produto de exportação da Bahia, na época, era o cacau, nota-

se que, grosso modo, a pauta de mercadorias da Leste tinha um perfil mais modesto dentro do

quadro produtivo baiano e era voltado para a realidade regional do semi-árido. O total de

mercadorias transportadas, medido por quilometragem, em 1934, foi de 46.563.213 toneladas

por quilômetros - T. K., em 1942, 75.641.170 T. K., em 1943 de 97.161.728b T. K. e em 1944

de 97.750.164 toneladas no total.

Registraram-se nos relatórios da Leste consideráveis aumentos nas cifras

correspondestes à circulação regional de passageiros. Em 1934, foram transportados

1.072.424 passageiros; em 1935, transportou-se 1.408.526; em 1936, 1.352.592 passageiros.

Em 1942, transportou-se o total de 2.513.644 passageiros; em 1943, 2.895.964 e em 1944,

3.488.566. Isso quer dizer que, a cada ano, aumenta-se o número de pessoas as quais a

empresa atenderia, exigindo-se mais equipamentos, infra-estrutura e investimentos por parte

da mesma, cuja situação financeira deixava a desejar em seus serviços.

Para se ter uma idéia do contingente dos trabalhadores da Leste em 1935, segundo o

Relatório do Exercício daquele ano, alcançou-se um total de 4.650 operários. Um diretor-

superintendente, 10 engenheiros, 296 funcionários dos escritórios (contabilidade, médicos,

chefes de seção, tesoureiros, oficiais, escriturários, escreventes), 56 agentes, 53 chefes de

trem, 141 guarda-freios, 208 telegrafistas, 91 maquinistas, 638 oficiais, 115 foguistas, 1216

trabalhadores braçais, além de muitos outros funcionários que exerciam atividades diversas,

os quais, conforme foi dito acima, totalizavam 4.650 operários. Estes números demonstram

que era um razoável contingente de funcionários e operários da Leste, havendo uma

hierarquia entre eles, sendo a maioria, trabalhadores braçais.

MERCADORIA CARGA (TONELADAS) Lenha 21.582Açúcar 17.836Sal 17.746Milho 12.681Fumo 11.793Madeira 10.681Feijão 9.501Algodão 8.408Couro 3.519

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Sobre o funcionamento e operação da Leste Brasileiro, no que se refere às linhas e

ramais para o interior, pouco se sabe, sendo que os documentos oficiais da Leste não existem

nos escritórios das estações antigas. Alguns foram enviados para a sede da empresa em

Salvador, outros queimados e também se encontram nas mãos de particulares, dificultando a

reconstrução da história desta empresa.

O período de operação da Leste, que vai de 1935 a 1949, foi o mais documentado,

graças a uma série de relatórios impressos que foram publicados anualmente. O engenheiro e

diretor da empresa no período, Lauro de Freitas, conseguiu realizar um trabalho minucioso de

fornecimento de estatísticas ao Ministério de Agricultura, Indústria, Comércio, Viação e

Obras Públicas. Por força da própria época em que o país vivia, a diretoria geral foi

rearticulada para modernizar a organização da empresa, em todos os seus setores, procurando

impor uma imagem positiva e eficiente de seu funcionamento e operação. Nesse sentido, a

empresa cresceu e implementou diversos setores, inclusive fazendo funcionar, a partir de

1940, a Tipografia da Leste.

Todas essas questões abordam a situação de declínio e decadência financeira que

enfrentava a Leste Brasileiro. A Leste estava enfrentando momentos de baixas nas receitas da

empresa e passou a entrar em fase de decadência. As condições financeiras da empresa e o

estado mecânico do material rodante e da linha permanente eram lastimáveis. Conforme

observou Osvaldo Gordilho,232 “desde a década de 1930, as estradas de ferro têm sofrido de

desgaste considerável” devido às dificuldades financeiras do país e dos custos de aquisição de

equipamentos, estabelecendo-se um círculo vicioso. Segundo ele, a depreciação das empresas

de transporte ferroviário: “não ajuda, não atende e não beneficia a riqueza nacional”233.

A prolongada crise da empresa constava em diversos relatórios da Leste, sobretudo na

época posterior à Segunda Guerra Mundial. Nesse período, vinha apresentando despesas com

crescimento maior que as receitas, sendo apontado como motivo principal para isso, o baixo

valor dos fretes de transporte. Entretanto, foram várias as causas deste declínio empresarial,

algumas internas à própria empresa e outras de caráter externo como a concorrência do

transporte rodoviário.

A via permanente da ferrovia da Bahia estava defasada em relação às novas condições

necessárias para conduzir os seus veículos com segurança e velocidade que competissem com

232 Este engenheiro técnico afirmou, na década de 1950, que o sistema ferroviário estava em “situação vexatória” (1956, p. 155). A maioria das locomotivas das empresas ferroviárias do país, cujo total chegava a 3.671 unidades, estava em estado de obsolescência, sendo que 497 das máquinas tinham mais de 60 anos de vida útil e que apenas 81 delas tinham menos de 10 anos de uso. 233 Osvaldo Gordilho. Os Transportes no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Viação de Obras Públicas, 1956.

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o sistema de transporte rodoviário que se implantava. O desenvolvimento do traçado

ferroviário ocorreu segundo antigas diretrizes técnicas, sem muitos estudos e diagnósticos das

áreas a serem atingidas, em condições operacionais desiguais, reflexo da história da estrada.

Conforme consta o relatório do exercício de 1935, era necessária a aquisição de veículos

novos para dar conta da demanda e exigências dos transportes, faltando recursos para isso:

A reação econômica que se processa em todo o Estado, está, dia a dia, a exigir o aparelhamento desta Viação Férrea, mas os recursos que dispusemos até o momento são de todo insuficientes, não só para a conservação ordinária do material, senão também, e principalmente, para a aquisição de unidades novas, indispensáveis ás exigências sempre crescentes dos transportes234.

Os problemas operacionais nos veículos eram muitos, e o envelhecimento do material

causava acidentes. Nos trilhos mais antigos, fraturas eram reparadas quase diariamente. Havia

ainda o agravamento adicional da insegurança nos trens, com uma elevada incidência de

perdas e roubos de cargas.

A exemplo encontramos, a foto abaixo, registrando um momento de desastre de trem

na década de 1940, provocado pelo estado em que se encontrava, mesmo que tenha passado

por um processo de restauração, percebendo-se que o fotógrafo registrou o instante em que

dois trens se chocaram, chamando a atenção de vários curiosos.

Figura 5 - Desastre de Trem. Autor: Juventino Rodrigues, 1940. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

Por que registrar um desastre de trem? Que sentidos podem ser atribuídos a esta

imagem? Pode ser que o profissional tenha resolvido fotografar uma cena que apesar de fazer

parte da vida ferroviária em Jacobina, talvez ainda não tivesse sido presenciada e registrada

234 Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Lauro F. P. de Freitas. Relatório do Exercício de 1935. Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936. p. 10.

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pela câmara do fotógrafo. A fotografia ganhou sentido de documento/testemunho dos

constantes desastres de trens da Leste, denunciando a situação precária, em que, segundo as

queixas do jornal O Lidador, encontravam-se os vagões e trilhos desta empresa ferroviária na

região.

A viabilidade da ferrovia dependia de reaparelhamento das vias e das máquinas, além

de uma melhoria técnica dos serviços para atrair mais passageiros. Outros fatores de declínio

do empreendimento podem ser considerados por problemas técnicos do material fixo e do

equipamento rodante, além dos custos e dos problemas de execução das tarefas cotidianas no

transporte235.

“À vista dessa deficiência de tração, não nos tem sido possível transportar rapidamente

a produção da zona, fato que traz certo desânimo aos produtores e oferece maiores

oportunidades à concorrência rodoviária, com acentuados prejuízos para nossa receita e para a

própria economia da região”236. O problema da concorrência com o transporte rodoviário já era

presente na década de 1940. Os comerciantes do interior da Bahia deixaram os trens e

investiram seus capitais em seus próprios veículos rodoviários. O antigo poder de conexão e

atração da ferrovia, dentro de sua área de influência, diminui neste ano.

Os municípios à margem da Leste passaram a se conectar rodoviariamente com outros

centros do Nordeste e do Sudeste do Brasil. A quebra da hegemonia do trem como transporte

e veículo de comunicação levou-nos a observar o efeito da ampliação do sistema rodoviário

nas suas características vantajosas, em comparação com o ferroviário, como refere Agnaldo

Marcelino Gomes:

Devido às condições precárias em que se encontrava, a via férrea perdeu a sua viabilidade de transporte de cargas e passageiros, perdeu a sua movimentação... devido à chegada das estradas de rodagem e os pesados caminhões de transporte de cargas. Maria fumaça ficou cansada e foi sufocada pela evolução dos tempos, vieram as máquinas diesel, que não tinham nenhuma graça e a beleza de Maria Fumaça, mas era o avanço do potente modernismo 237.[Destaque em Itálico feito pelo autor]

Cada parte da linha, ou zona, segundo denominação técnica, sofreu diferentes níveis

de influência em decorrência da ascensão do transporte rodoviário, de acordo com ingerência

ou não da Leste em cada zona. Algumas, por influência direta da Leste, tinham oportunidades

235 Ver quadro de declínio, estudado no caso da Estrada de Ferro de Nazaré, por Francisco Antônio Zorzo. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia: doze cidades conectadas pela ferrovia no sul do recôncavo e sudoeste baiano (1870-1930). Feira de Santana: UEFS, 2001. p. 231-246. 236 Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Lauro F. P. de Freitas. Relatório do Exercício de 1948. Salvador: Tipografia da Leste, 1949. p. 4. 237 Agnaldo Marcelino Gomes. “Maria Fumaça... quanta saudade!!!”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 6.

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de desenvolvimento, mas nem sempre as zonas potencialmente mais promissoras estavam

diretamente conectadas à Leste. Tardiamente, a Leste incorporou a zona de Minas Gerais com

o Sudeste e Sul do país. Isso se deu somente na década de 1950, justamente na época em que

as grandes rodovias, como a BR-116 e a BR-101, foram construídas. As rodovias nacionais e

estaduais passaram a escoar a produção, mais diretamente e em melhores condições, para

outras cidades importantes para a economia nacional, ampliando assim seus papeis na

hierarquia urbano-regional.

A incompletude e inoperância da retícula de interligação das estradas de ferro baianas

e a falta de ligação com outras vias foram fatores de limitação da operação da Leste. Ela,

apesar de insistentes propostas e estudos, não se conectou com a Great Western e a Estrada de

Ferro de Nazaré (município do Recôncavo baiano).

Não foram poucos os pedidos de técnicos e usuários da Leste para o prolongamento

dos trilhos que passavam pela Bahia conectando-a, às demais ferrovias dos estados

economicamente representativos. Na prática, essas ligações solicitadas foram feitas por meio

de rodovias, pois as autoridades do governo diziam que a operacionalidade rodoviária era

mais barata e imediata e foram substituindo aos poucos as estradas de ferro. Segundo Gomes,

O sistema ferroviário mais importante, hoje, é o rodoviário, mas em épocas passadas o transporte mais utilizado era o ferroviário, que fazia o transporte de passageiros e cargas para a capital do Estado e outras cidades, o escoamento dos produtos de toda a grande região era feito através da Estrada de Ferro Leste Brasileiro, que muito contribuiu para o desenvolvimento da região. Por mais de meio século a ferrovia beneficiou nossa cidade e outras238. [Destaque em itálico feito pelo autor]

Houve várias queixas na imprensa da época com relação ao estado precário e a má

conservação das locomotivas da Leste, que atendiam a região de Jacobina. Segundo nota do

jornal iam largando os pedaços por onde passavam.

[...] O que é fato, é que os trens da E’ste continuam largando os pedaços por onde vão passando. Locomotivas velhas, furadas sem força até mesmo para arrastarem carros vazios, continuam a espinhosa função de fazer o horário Piritiba-Bonfim, multiplicando-se, conseqüentemente, os descarrilamentos, os atrasos, os prejuízos, enfim239.

O jornalista, nas entrelinhas, ao denunciar a situação precária das locomotivas, busca

alertar para a situação geral de abandono, em que segundo ele, se encontrava a Leste. O

próprio título da reportagem “A E’ste (sic) continua largando os pedaços” ratifica que a real 238Agnaldo Marcelino Gomes. “Maria Fumaça... quanta saudade!!!”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 5. 239 O Lidador, 14 set. 1934.

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intenção do autor foi mostrar a idéia de uma viação férrea desmantelada, que não prestava

mais, servindo apenas para dar prejuízos. Então voltamos a perguntar: a quem o estado das

locomotivas mais incomodava? Para quem tal situação traria prejuízos? Percebemos que a

situação e o estado das locomotivas prejudicavam primeiramente os representantes do

comércio local, trazendo-lhes prejuízos com o atraso e falta de transporte das mercadorias,

depois o restante da população que ficava dependendo de um precário maquinismo ferroviário

para se deslocar e comunicar.

Os problemas da Leste com seus equipamentos, as debilidades das máquinas e das vias

que atrapalhavam o transporte de mercadorias, no entanto, não impediam o desejo das pessoas

de viajar de trem. O operariado da Leste também era muito zeloso de seus compromissos e

trabalhava para manter o serviço ferroviário funcionando. Paradoxalmente, a importância

social da ferrovia continuava viva ainda na década de 1960, quando vários ramais foram

sendo definitivamente suprimidos.

O jornal O Lidador criticava ainda os desastres que constantemente aconteciam com

os trens da Leste. Ao apontar um acidente que ocorreu com um trem que vinha transportando

lenha de Djalma Dutra (atual Miguel Calmon) para Jacobina, o jornalista aproveita para

apontar as causas de mais um desastre ferroviário, que segundo ele “foi o mal estado dos

carros sem lubrificação e da linha férrea mal cuidada”240, demonstrando também espanto

pelos franceses, arrendatários da ferrovia, alegarem a falta de rendimentos para melhorarem a

estrada e as máquinas em tráfego241.

Osmar Micuccí foi um dos fotógrafos que na década de 1960, mais fotografou o

prédio da estação da Leste em Jacobina, registrando a situação, a repercussão junto ao público

e o atendimento dos serviços desta empresa ferroviária à população de Jacobina.

Reproduzimos aqui uma das suas fotografias, registrando o armazenamento de mercadorias

transportadas pelo Trem das Grotas.

240 O Lidador, 7 abr. 1935. 241 Ibidem.

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Figura 6 - Estação da Leste. Autor: Osmar Micuccí, 1960. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

Ainda que nos pareça transmitir uma impressão de paradeiro, abandono e desleixo

com a administração e funcionamento do transporte ferroviário em Jacobina, mostra-nos o

intenso movimento cargueiro na cidade, trazendo rendimentos para o comércio local.

2.3 O TRABALHO NO TREM.

Nas entrevistas feitas com ex-ferroviários é presente o sentimento de saudade dos

tempos em que trabalhavam na ferrovia. Esse sentimento fica explícito na entrevista com o

ex-ferroviário Valdir Serra Sena, que até se emocionou e chorou ao recordar a sua época de

ferroviário, sempre fazendo uma distinção entre o período em que era trabalhador da estrada

de ferro e a sua situação atual, enquanto ferroviário aposentado, esquecido e abandonado.

O Sr. Valdir S. Sena ressalta que no passado sentia orgulho da sua condição de

ferroviário. Hoje, devido à circunstância adversa em que se encontra, tem vergonha de dizer

ter trabalhado numa das primeiras empresas de transporte ferroviário do país e que foi

suprimida, não sendo lembrado e respeitado como cidadão que contribuiu para o

funcionamento de um importante meio de transporte, que trouxe desenvolvimento para país e

para Jacobina.

De acordo com o entrevistado, no tempo em que trabalhou na ferrovia, no período do

Governo de Getúlio Vargas, ser ferroviário possibilitava representação e status social dentro

da sociedade jacobinense, havendo preocupação por parte do Governo Federal com os

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trabalhadores, que para ele, eram bem tratados e bem remunerados, recebiam um salário que

dava para sobreviver.

Naquele tempo ferroviário era tão bem visto no país, tão bem amado, tão bem abraçado por todos, que se precisassem resolver alguma coisa fora e tivesse qualquer problema, discussão, coisa e ele corressem quando chegassem à cima da estrada de ferro as polícias não pegava a não ser com a ordem do chefe superior, caiu ali já era polícia242.

Percebe-se que a visão que Valdir S. Sena passa da ferrovia tem a ver com a situação

antes vivida, enquanto trabalhador da estrada de ferro, e a vivenciada hoje na condição de ex-

ferroviário aposentado. Há na construção da sua narrativa uma mistura de elementos e

condições passadas e presentes. Outros ex-ferroviários em condições diferenciadas podem ter

construído uma memória e identidade diferentes.

Também segundo Antônio F. Rego, outro ex-ferroviário entrevistado, a Leste servia

bem à população e este recebia um salário razoável que era suficiente para manter sua família,

fazendo questão de enfocar sua condição de assalariado e quanto estimava receber por mês.

Na sua fala, pode-se perceber que ao definir imprecisamente o valor real do seu salário

“sessenta e tanto, coisa e etc...”, demonstra que não era pouco, mas o necessário para

possibilitar tranqüilidade, estabilidade para sua manutenção e despesas familiares.

F. M. S. – Como eram as condições de trabalho? A. F. R. – As condições? A. F. R. – De salário? F. M. S. – Sim A. F. R. – Eu era sala... F. M. S. – Dava para sobreviver com o trabalho, com o dinheiro? A. F. R. – Quando eu entrei logo eu era salariado [...] (pausa) a três reis por dia, recebia 60 e tanto, coisa e etc... 243

Essa é a opinião de um ex-ferroviário aposentado, que ressalta as boas condições de

atendimento e funcionamento dos transportes ferroviários à população de Jacobina, que

incluía também a representação do seu trabalho e serviços enquanto empregado da empresa

ferroviária, podendo haver outros que tinham uma visão e postura diferentes, reclamando das

condições de trabalho e assistência aos trabalhadores da Viação Férrea Federal Leste

Brasileiro.

Este entrevistado, ao se referir ao pagamento dos empregados da estrada de ferro,

aproveita para focalizar a organização e regularidade com que eram feitos os pagamentos dos

242 Trecho da entrevista realizada com Valdir Serra Sena, 29 set. 2002, Jacobina-Ba. 243 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba.

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funcionários da Leste, que, segundo ele, não deixava de pagar a nenhum de seus

trabalhadores.

[...] A inspetoria lá acertava mandava pra chefia para aí ser regularizado o pagamento. Vinha um trem exclusivo para fazer o pagamento, rodando de Salvador ao fim da linha, se era linha sul até Monte Azul, se era esta que era Centro-Oeste ia até Iaçú, o entroncamento244.

Ao falar sobre o funcionamento da Leste e do tratamento que a empresa tinha para

com seus funcionários, Sr. Antônio F. Rego também se reporta à licença médica concedida

não deixando de lembrar a forma de pagamento do salário dos ferroviários, que, segundo ele,

depois de um assalto do trem que levava o dinheiro para pagar-lhes, passou a ser feito pelo

banco.

A pessoa tava doente tinha que recorrer ao médico, e coisa e enquanto não ficasse bom não ia trabalhar, e o salário... Ia um trem exclusivamente pagando né? Pagando o povo de fora a fora, agora depois teve um assalto e então resolveram mandar pelo banco, aí nós pegamos a receber pelo banco245.

É provável que outros empregados da ferrovia tenham outro olhar sobre a forma de

tratamento, o valor e regularidade dos salários pagos, podendo haver críticas às excessivas

cargas horárias de trabalho e às poucas horas de descanso, reivindicando melhores salários.

Os ex-ferroviários entrevistados demonstram orgulho por terem trabalhado na

Empresa Ferroviária Federal Leste Brasileiro, associando-a ao getulismo e trabalhismo. Têm

um sentimento de identidade e reconhecimento com o ambiente de trabalho e a função que

exerciam na ferrovia. Antonio Francisco Rego demonstrou sempre muito orgulho em ter

trabalhado na Leste Brasileiro, e do que fazia, dando uma entonação maior sempre que se

referia ao Presidente que o nomeou ao cargo: “[...] Fui nomeado a trabalhador por Getúlio

Vargas. Porque naquele tempo quem nomeava era ele, o presidente, Getúlio Vargas

(entonação) [...]246”.

Por que Sr. Antonio demonstrou tal orgulho? Por que destacou com tanta veemência o

nome de quem o nomeou? Inferimos que para ele era motivo de muito se orgulhar da sua

entrada no mundo do trabalho ferroviário, pois quem o tinha nomeado não foi qualquer pessoa

e sim o presidente da república, que representava e simbolizava a nação brasileira,

demonstrando a ligação da memória a um sentimento de nacionalismo e amor à pátria.

244 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba. 245 Ibidem. 246 Ibidem.

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O Sr. Antônio F. Rego trabalhou na ferrovia, quando ela já tinha sido encampada pelo

Governo Federal. Ele primeiro foi trabalhador, depois feitor e por fim a mestre de linha,

sempre fazendo questão de diferenciar o que fazia e como realizava seu trabalho em cada

função que ocupou na ferrovia, não deixando destacar o nome de quem o tinha nomeado para

exercer os devidos cargos e funções: “É sim a ferrovia era companhia [...]? Mas [...] eu

quando trabalhei já não foi como companhia, quando eu fui nomeado foi pelo presidente. Fui

nomeado por Getúlio Vargas247”.

Durante a entrevista Antônio F. Rego sai em defesa da disciplina e da ordem na

execução do trabalho ferroviário. Quando lhe foi perguntado sobre o que fazia e qual a função

que exerceu na ferrovia, se posicionou sem questionar a situação dos trabalhadores frente à

rotina exploradora:

F. M. S. – E o senhor fazia o quê? A. F. R. – Bom aí é o seguinte, nós trabalhávamos de capinação de asseio da linha, trabalhador, trabalhei [...] sob a guarda de um feitor, faz tantos anos agora que eu num posso tirar de trabalhador e depois disso fui nomeado... aliás, o que é que eu fazia, né? Capinava linha, mudava dormente, segurança dos trilhos, mudava trilho quando tava torto, é pegava linha sob macaco, macaco de mão rodando, suspendendo a linha pra nivelar [...]. [...] Depois da linha nivelada socava os paus, se a terra não dava pra cubrir ia se cavar a terra nos cortes pra trazer a tróleo* pra lastrar*, depois disso ficava a linha pronta248.

Segundo nosso ex-ferroviário entrevistado, os funcionários utilizavam os serviços de

trem e viajavam pela linha férrea para cumprimento das suas tarefas e para averiguar o

funcionamento e andamento dos serviços de transporte ferroviário, trabalho que o mestre de

linha, uma vez por mês, fazia a pé.

F. M. S. – Sim, quem era da população que andava de trem? A. F. R. – Os funcionários F. M. S. – Só os funcionários? A. F. R. – Bom, os funcionários, cada trem tinha sua lotação, se era carga, era os guarda-freio, um breque com o [...] bagageiro, o breque, é o bagageiro é que andava [...] ou chefe de trem, agora o trem... passageiro tinha o breque que é onde carregava o chefe de trem, o bagageiro e os guarda-freio, etc, guarda-freio249.

Nesta sua entrevista, o ex-ferroviário também explicou que existiam vagões chamados

de Trem de Lastro. Este Trem era usado para carregar o material para lastrar a linha férrea, ou

247 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba. 248 Ibidem. 249 Ibidem.

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seja, deixar as pedras, as britas, perto do local de onde estivessem trabalhando, conduzindo

um breque com um feitor responsável pelo serviço, pegando as turmas para o trabalho.

O trem de lastro conduzia cinco prancha [sic] ou seis prancha [sic] e um breque com [...] o chefe, com o feitor, nesse tempo era feitor, feitor de trem de lastro, aí, se era pra carregar terra, aquelas prancha ia [...] pra o pé do serviço, pra onde tinham cavado a terra e aí as turmas, aí pegava as turmas, uma, duas, três[...]250 [grifo do autor]

Há na fala de Sr. Antônio, empolgação e orgulho por seu trabalho, ao falar da sua

rotina diária, enquanto trabalhador da ferrovia. Ao mesmo tempo também se percebe como as

questões da disciplina e da ordem estão presentes no trabalho ferroviário. Não era só tirar

dormente e limpar linha, era tirar dormente e limpar linha com dedicação e presteza, a

qualquer hora, em favor do bom funcionamento da empresa ferroviária, que precisava de

funcionários prestativos, responsáveis e zelosos pela sua existência. Essa era a ideologia que a

administração da Leste pregava aos ferroviários, que às vezes seguiam ou não e que em

determinados momentos, analisando-se as circunstâncias, procuravam cumprir as ordens e a

disciplina de trabalho impostas.

Na sua entrevista, Antônio F. Rego deixa claro como era feito o cumprimento do

horário de trabalho, sendo, segundo ele, destinada somente uma hora para almoço, o que

representa a necessidade dessa empresa seguir as exigências de uma ótica capitalista de

mercado, onde não se pode perder tempo, deve-se primar pelo trabalho e pelos lucros: “O

horário de trabalho, nós pegava as sete e arriava as dez, tinha uma hora pra descanso, meio dia

tornava a pegar e arriava as dezesseis251”.

A questão da disciplina e ordem no trabalho também é percebida nesta entrevista

quando fala sobre o conserto de um pontilhão totalmente destruído por um acidente de trem,

destacando a desenvoltura e agilidade com que, mesmo sem querer, realizou esse trabalho,

calculado para ser realizado em três dias, entregando o serviço antes do tempo previsto.

O mestre de linha [...] levou pra estação na frente e me entregou o serviço eu sem querer ele ali disse aos feitores que quem recusasse a ordem do serviço palavreada por mim, eram suspensos 15 dias. E eu peguei esse serviço e, agora diga que hora eu chamei o trem pra passar? (tom de questionamento) Zero hora chamei o trem pra passar, calculado pra três dias, zero hora eu mandei o trem passar252.

250 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba. 251 Ibidem. 252 Ibidem.

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Para dar conta do serviço, Antônio Francisco Rego relata como coordenou os

trabalhos de restauração do pontilhão e manteve o ritmo intenso dos trabalhadores da ferrovia

daquele trecho da linha. A eficiência do serviço foi tal, que nem mesmo seus superiores

acreditaram no resultado, devido ao estado em que havia ficado o pontilhão após o desastre.

Parece que o inspetor num levou muita confiança, eu tava tirando ferramenta para aqui, ele disse seu Antonio vamos ver o local onde o trem tombou ai quando chegou lá ele me entregou o serviço, eu falei não doutor eu vim tirar ferramenta, vou pra casa, não é você que vai tomar conta do serviço [...] e eu tomei conta do serviço [...] e aqui uma turma come, e vem e a outra vai trabalhar, ninguém para (entonação), e administrei o negocio num é, um vai botando, uma vai pra botar esses trilhos tortos pra fora, uma vai fazendo [...] a, acertando a terra, outra vai botando os dormentes outra vai [...] [...] bitolando, não outra trazendo o trilho, os trilhos e assentando, outra vai grampeando e furando e [...] distribui e dois feitores tomam conta desse pontilhão e quero, num quero demora pra terminar...253.

O entrevistado também contou que depois que terminou o serviço, recebeu uma

promoção de cargo para inspetor e aumento de salário por ter realizado o trabalho com tanta

dedicação, mas não aceitou, por medo de perder sua aposentadoria. Hoje, analisando melhor a

situação, se arrepende, por ter perdido, naquela época, o cargo e o dinheiro.

O inspetor veio aqui, me deu onze diárias [...] e o cargo [...] de subinspetor, eu num quis, ele me mandou dormir e consultar meu travesseiro que ia hoje, mas não vou deixar pra amanhã, pra consultar com seus travesseiros. Eu tinha requerido a aposentadoria e num queria que cortasse, eu digo que vou pra lá e nego pode cortar minha aposentadoria, chega ao outro dia, num quero não doutor, seu [...] e entrou lá pra cabine e não saiu mais. Agora fui, depois enfim ... analisar que quem já viu poder perder cargo e dinheiro né? Como é que pode? Perder cargo e dinheiro, eu acho que ... 200 ou 500 tá tirando bem né? (risos)254.

Ao ter quer decidir entre ter sua aposentadoria ou ser promovido e continuar

trabalhando na ferrovia, Antônio não pensou duas vezes, optou por ter o direito de gozar sua

aposentadoria. Esse comportamento pode ter várias explicações. Uma delas seria a falta de

conhecimento sobre as questões trabalhistas, pois aceitar continuar trabalhando no novo cargo

não implicaria na perda de sua aposentadoria. Isso se deu talvez por não procurar um maior

esclarecimento e se informar no sindicato ou devido à falta de acompanhamento e atuação do

sindicato junto aos ferroviários. Também se pode inferir que senhor Antônio talvez estivesse

cansado e quisesse se ver livre do trabalho na ferrovia, preferindo o descanso de uma boa

aposentaria a continuar trabalhando, mesmo ganhado mais.

253 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba. 254 Ibidem.

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Ressaltamos também da entrevista com Antônio sua preocupação em tornar conhecido

o nome da ferrovia e em manter viva a sua história, fazendo questão de enfocar e perguntar

algumas vezes se a entrevistadora sabia o nome da ferrovia, para qual tinha a satisfação de ter

trabalhado, sentindo-se na obrigação e responsabilidade de falar e não deixar que o tema fosse

relegado ao esquecimento e insignificância, sendo que, muitas pessoas nem lembram mais dos

fatos em questão. Talvez até seus netos desconheçam o nome da primeira empresa ferroviária

da Bahia na qual seu avô trabalhou. Podemos perceber isso, nesse trecho da sua entrevista:

A. F. R. - Já tem o nome da ferrovia? F. M. S. - Não, pode falar, fale sobre a ferrovia. A. F. R. - A ferroviária... F. M. S. - O senhor está ansioso para falar sobre a ferrovia. A. F. R. - Era o nome dessas estradas, a linha sul, o nome é ferrovia O Leste Brasileiro, não é Ferroviária Leste Brasileiro, o nome da estrada de ferro255.

Na maioria das vezes, os ex-ferroviários buscam reafirmar o caráter prático da

ferrovia. Ressaltam sua contribuição para o desenvolvimento econômico da cidade de

Jacobina e região, possibilitando sua expansão comercial. Isso fica explícito na fala do senhor

Valdir Serra Sena quando lhe perguntamos sobre a influência da ferrovia para a região. Disse

que a ferrovia era importante por que: “Tudo, tudo era o transporte, era o transporte [...] de

tudo, daqui saia o ouro, saia tudo...256”.

A fala do Sr. Valdir Serra Sena deixa transparecer um pouco de exagero e entusiasmo

ao enfocar o quanto a ferrovia era importante para a cidade. Quando diz que a ferrovia era

tudo, para ele não representava pouca coisa, era o principal transporte da região, que levava e

trazia riqueza para a cidade de Jacobina.

2.4 A FERROVIA EM JACOBINA.

A ferrovia chegou à cidade de Jacobina com um pouco de atraso em relação a outras

cidades do sertão baiano, que tinham menor representatividade no âmbito regional a exemplo

de Senhor do Bonfim e Juazeiro. Jacobina somente será beneficiada com o meio de transporte

ferroviário quarenta anos após sua emancipação política e elevação à categoria de Agrícola

Cidade de Santo Antônio Jacobina o que, de certa maneira, causou expectativas e a deixou em

255 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba. 256 Trecho da entrevista realizada com Valdir Serra Sena, 29 set. 2002, Jacobina-Ba.

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desvantagem em termos de crescimento comercial, devido à demora de sua inserção na malha

ferroviária do Estado em relação a essas outras cidades, que haviam sido prioritariamente

atendidas com o transporte ferroviário.

As ferrovias sempre serviram como instrumento de poder das elites desejosas por “[...]

redesenhar o perfil do país e de seus habitantes, afastando a imagem de ‘atrasado’ e ‘exótico’

que julgavam herança do período imperial [...]”257. “Nestes termos, colocava-se como uma

necessidade ‘civilizar’os sertões, impondo aos seus moradores novas concepções de tempo,

propriedade e trabalho”258. É com o objetivo de trazer desenvolvimento e de integração

econômica da região sertaneja à capital baiana, que o transporte ferroviário foi implantado,

em 1920, na cidade de Jacobina.

Sua instalação tinha o intuito de ligar Jacobina à capital baiana e colocá-la em contato

com a modernidade que atingiu a maioria das grandes cidades brasileiras, a exemplo do Rio

de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Esta influência chegou a algumas cidades do interior

baiano, trazendo consigo transformações no âmbito social e cultural e também o anseio de

uma maior visibilidade e desenvolvimento para a cidade e região, o que poderia vir a

acontecer com a passagem da linha férrea. Porém, foi em contexto conturbado e redefinidor

das suas funções urbanas que a ferrovia chegou à Jacobina.

A linha férrea que passava pela sede de Piemonte da Diamantina, denominada Estrada

de Ferro de São Francisco, ligava Salvador a Juazeiro259. O ramal que entrava em Jacobina

originava-se no município baiano de Senhor do Bonfim, passando pelo sub-ramal de Campo

Formoso, até chegar ao destino final em Iaçu (nesta época conhecida como Paraguaçu). Em

Paraguaçu, a Estrada de Ferro do São Francisco desembocava pelo lado sul na Estrada de

Ferro Central da Bahia, interligando assim o Estado da Bahia ao de Minas Gerais. Ainda que

diga respeito às linhas férreas no ano de 1969, estes trechos de estrada citados são os mesmos

contemplados no mapa abaixo.

257 Gilmar Arruda. Cidades e Sertões: entre a história e a memória. Bauru, SP: Edusc, 2000. p. 103. 258 Idem. Ibidem. p. 99. 259 Antiga Bahia and São Francisco Railway, construída a partir de um contrato entre o Governo Federal e a Viação Geral da Bahia, em 15 abr. 1911, aprovado pelo decreto nº. 8.648, de 31 mar. do mesmo ano, como revisão do contrato de 31 out. 1910, aprovado pelo decreto de nº. 8.321, de 23 do mesmo mês e ano.

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Figura 7 - Mapa do Traçado da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, em 1969. Fonte: José Emílio de Castro H.; João Bosco Setti. Ferrovia Centro – Atlântica: uma ferrovia e suas raízes. Memória do trem: Brasil, 2001. p. 74.

A primeira parte da linha que passaria em Jacobina começou sua construção em 27 de

maio de 1912260 no município de Senhor do Bonfim (doravante chamada de Bonfim) com

uma extensão de 118 km. O primeiro trecho desta linha ligava Bonfim à cidade Pindobaçú

(que fica pouco antes de se chegar a Jacobina, vindo de Bonfim) foi inaugurado em março de

1917; mais tarde este trecho ampliou-se atingindo a cidade de Jacobina, graças à edificação do

sub-ramal que, partindo da estação de Itinga (atual município de Antônio Gonçalves), ao subir

o curso do Riacho Água Branca, chegou a Campo Formoso261. O primeiro trem de ferro

260 Aprovada pelo decreto nº. 9.597. 261 Construção aprovada pelo decreto nº. 9. 597, de 14 de agosto de 1912 e inaugurado em 1° mai. 1917. José Trajano. História da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. [s.n.t.]. p. 8.

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chegou a Jacobina em 21 de março de 1919, no entanto sua operacionalização somente foi

ocorrer um ano e meio depois (27 de junho de 1920262), atravessando a linha Centro Sul da 4ª

Divisão da Leste263.

O segundo trecho desse ramal, ligando Jacobina ao povoado de França, foi inaugurado

em 12 de outubro de 1923, com estações no município de Djalma Dutra (hoje, Miguel

Calmon) e no povoado de França264. O trecho, conectando a cidade Barra de Mundo Novo à

Itaíba, foi construído com a finalidade de entroncar com o ramal de Iaçu, completando-se a

ligação entre a linha de São Francisco e a Central da Bahia.

Segundo Aloísio Sales de Queiroz, o início do século XX foi um período de grandes

avanços na construção ferroviária na região do Piemonte da Chapada Diamantina, sendo

também uma época de muitas dificuldades, tanto pelas condições tecnológicas pouco

desenvolvidas, quanto pelos fatores geográficos que não eram compatíveis com a realização

de tal empreendimento265.

Inicialmente, a implantação do transporte ferroviário não foi visto com bons olhos,

mas, depois, a chegada da ferrovia foi exaltada e ao que se demonstra veio a satisfazer a

população, sendo vista como algo bom e próspero para a cidade, como registrou o jornal, O

Lidador, quinze anos depois: “Incontestavelmente a estrada de ferro tem sido poderosa

propulsora do progresso comercial nesta zona, apesar da exorbitância de suas tarifas, que

oneram em mais de 20% certos artigos, da Calçada [estação na cidade de Salvador] a esta

cidade”266.

Ao ressaltar a importância comercial da ferrovia, este jornal aproveitou para denunciar

a questão do preço das tarifas ferroviárias, consideradas abusivas e injustas. Pode-se inferir

que o preço abusivo e exorbitante, com certeza, repercutiria onerosamente para os

comerciantes que teriam que pagar mais caro pela compra e transporte de suas mercadorias e,

mormente, para o restante da população que pagaria mais caro pelos bilhetes da passagem de

trem.

262 De acordo com o Guia Geral das Estradas de Ferro e Empresas de Transportes com elas Articuladas. G-1, Nomenclatura, posição, altitude, data de inauguração, regime de funcionamento de estações, portos e agências. [s.l.]: [s.ed.], 1960, a ferrovia atingiu Jacobina em 27 jun. 1920, a uma altitude de 468 metros, distante do ponto inicial da linha 558.948 metros. 263 Segundo Aloísio Sales Queiroz. “O Trem das Grotas”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, Set. 2001. p. 17 e em José Trajano. História da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. [s.n.t.]. p. 8, a linha férrea chegou à estação de Jacobina em 7 set. 1920. 264 Aprovado pelos decretos nºs 9.637 e 9.754, respectivamente de 26 jul. e 4 set. 1912. 265 Aloísio Sales Queiroz. Op.cit.. p. 17. 266 Edição de 7 set. 1935.

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Pelo trem de cargas, eram transportados vários tipos de produtos comerciais, desde

cereais até metais mais valiosos, como o ouro explorado na região. Segundo o ex-ferroviário

Antônio Francisco Rego, tudo era transportado pela ferrovia, o trem de carga levava qualquer

tipo de produto.

O trem de carga era para tudo, carregava pedra, carregava pau, carregava ferro, carregava o boi, tinha trem que era [...] lotado de boi, cinco, seis, carro de boiada, trem de carga carregava material em grosso, esse chamava trem de carga. Trem cargueiro né? Tudo [...], transportava qualquer coisa 267.

Antônio Francisco Rego buscou ressaltar a importância que teve a ferrovia como um

dos meios de transporte mais modernos (neste período já havia os caminhões, como falamos

acima, a respeito da substituição da ferrovia pela rodovia) e utilizados em Jacobina. Nesta

época, os vagões carregavam qualquer material, desde aqueles de maior valor venal, como

ouro, ou de menor valor, como pedra e madeira, facilitando a compra e venda de produtos,

contribuindo para a ampliação e desenvolvimento da função comercial de Jacobina.

Ao ser indagado sobre os produtos mais comercializados pela ferrovia na cidade, Sr.

Antonio destacou a mamona, produto este cuja produção estava em alta. Até hoje, é bastante

produzido na zona rural de Jacobina, principalmente, na região do Junco, onde se pode

constatar a criação de cooperativas para beneficiamento deste vegetal.

F. M. S. – Quais eram os produtos mais transportados pela linha férrea daqui de Jacobina? A. F. R. – Aqui de Jacobina [...], mamona [...].Quando tinha essa fábrica de sisal, sisal, não pegava trem direto para aqui. Aqui e para aqui é... a não ser o sisal e ... se tivesse mamona para abastecer [...] Quer dizer aí já é para o trem de carga [...]. É pra o trem de carga268.

A tabela abaixo se refere aos valores gastos com os materiais transportados pela

estação de Jacobina do período de 1941 a 1948. Percebe-se que a produção de Jacobina não é

muito grande, quando comparada com a de outras cidades de igual porte. O período em que a

referida estação esteve com melhor e maior total de receita foi durante os anos de 1941 e

1944, sendo o pior ano de sua arrecadação o de 1947.

Tabela 4 - Receita da Estação de Jacobina de 1941 a 1948 (em réis). Ano Viajantes Bagagen

s Encomendas

Animais Mercadorias

Armazenagem

Telegramas

Outros Receita total

1941

--------- --------- ----------- ---------- ------------ ------------ ----------- --------- 660.137,85

1942

222.439,90

---------- 22.381,40 5.479,70 450.892,40 292,70 2.096,70 1.273,30

704.945,80

194 198.255,2 1.520,00 28.293,70 35.061,2 362.466,70 66,40 1.965,70 1.019,7 663.379,4

267 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba. 268 Ibidem.

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3 0 0 0 0 1944

198.478,50

2.205,40 29.421,00 17.480,60

526.527,70 300,40 2.522,90 1.786,70

851.119,10

1945

219.198,10

660,00 49.544,90 9.588,30 295.840,50 8.545,10 2.483,00 1.525,30

654.460,60

1946

208.833,70

675,60 36.134,30 7.892,10 320.653,30 325,50 2.579,10 1.284,20

649.506,30

1947

173.816,90

1.566,90 26.682,70 5.889,10 216.833,50 475,80 3.001,05 775,40 470.029,15

1948

181.509,70

609,40 25.375,60 7.058,70 389.267,80 190,70 3.047,65 547,20 662.909,85

Fonte: Relatórios da Leste Brasileiro dos exercícios dos anos de 1943 a 1948.

Notamos que a Estação de Jacobina, dentre os anos de 1941 a 1948, gastou mais com

o transporte de mercadorias do que com qualquer outro item da receita total. Em segundo

lugar, o item com o que mais se gastava era o das encomendas, notando-se também que o

valor gasto com bagagens era relativamente pequeno em comparação ao número de

passageiros. A sua receita anual manteve uma ordem dos seiscentos a setecentos mil réis,

exceto no ano de 1947, cujo valor foi de 470 mil réis, significando déficits nas contas da

empresa.

A Leste adotava idéias comerciais competitivas, atendendo a ordens getulistas e

trabalhistas, obedecendo às decisões de fora do país, sendo que, a maioria do que era

comercializado através da ferrovia era programado a partir das possibilidades dos mercados

regional e nacional, visando ao lucro e ao atendimento dos interesses e bem-estar de algumas

pessoas, ou seja, a população rica de Jacobina.

Devemos pensar o contexto da chegada da ferrovia em Jacobina, analisando a que

interesses e a quem, a qual grupo social, a implantação da Leste Brasileiro atendia e

interessava. É preciso perguntar o que representou o transporte ferroviário no final do século

XIX e início do seguinte no Brasil e qual a importância da ferrovia nos aspectos sociais e

econômicos para a cidade em estudo.

A chegada da ferrovia gerou entusiasmos e expectativas por uma parte da população

jacobinense, que esperava com a vinda do trem, mudanças na dinâmica dos transportes e um

desenvolvimento comercial e urbano. Como podemos ver no trecho abaixo, a sensação de

quem viu uma Maria Fumaça cortar os sertões baianos era uma “mistura de espanto,

admiração e expectativa”269.

De repente, eles perceberam por trás das janelinhas da tal máquina esquisita, mais parecida com uma cobra gigante, uns lencinhos brancos se agitando ao vento. Um sinal de aquele troço sobre os trilhos vai mudar suas vidas,

269 “Maria Fumaça: Estrada de ferro nasceu em meados do século XIX como símbolo da integração nacional”. Correio da Bahia. Repórter, 24 jul. 2001.

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tirando-os do isolamento com o qual já se acostumaram, [...]. Era o trem que chegava e junto com ele a promessa do desenvolvimento270.

Entretanto essa expectativa não foi correspondida, visto que, a situação financeira

deficitária contribuiu para que a empresa investisse cada vez menos na manutenção e

reposição de equipamento ferroviário, gerando uma insatisfação nas pessoas que utilizavam

seus serviços. Essa situação suscitou críticas sobre sua forma de administração e

funcionamento, que não correspondiam mais aos objetivos que nela foram depositados. Em

outra matéria, o jornal O Lidador expõe certa decepção com o estado de coisas que essa

condição da ferrovia traz e por si não podia mudar.

Os passageiros estavam todos contrariados e sobressaltados com a falta de luz, de higiene e de segurança daquele trem que vinha largando os pedaços pelo caminho. Enquanto a companhia nos trata como a um burgo podre, as estações do ramal, de Piritiba a Bonfim, lhe dão renda nunca inferior a 300 contos mensais. Só a estação de Jacobina rende 30 contos, mensalmente e, por sinal, é iluminada a fifó, porque a E’ste que continua absorvendo o nosso ouro e servindo pessimamente o brasileiro271.

A distribuição dos serviços ferroviários em Jacobina não era diferente da de outras

cidades. Existiam os trens que faziam o transporte de passageiros e os que eram destinados ao

transporte de mercadorias, chamados de trem cargueiro. O trem de passageiros era dividido

em três classes diferenciadas pelo valor da passagem. A primeira classe era onde ficava o

restaurante, destinada às pessoas mais influentes de Jacobina, enquanto que, na segunda,

viajavam pessoas de médias posses e na terceira as pessoas de baixa renda, por ser a passagem

mais barata, o que demonstra a estratificação social existente dentro da sociedade, como nos

dias atuais. Também existiam os trens mistos que levavam passageiros da primeira e da

segunda classe. Podemos perceber que mesmo com essa diferenciação no atendimento dos

serviços de trem, eram procurados e utilizados por todos os tipos de pessoas.

Podemos perceber no início do século XX, a ferrovia como uma nova máquina e

transporte de massa, que “[...] servia aos negros escravos, pobres quitandeiros, mulheres,

crianças e aos membros da elite em quase igualdade”272. Entretanto, os abastados

comerciantes e os falidos, porém orgulhosos antigos proprietários de terra não viram com

bons olhos a utilização do trem por pessoas de posições sociais diferentes. “Mesmo separadas

270.“Maria Fumaça: Estrada de ferro nasceu em meados do século XIX como símbolo da integração nacional”. Correio da Bahia. Repórter, 24 jul. 2001. 271 O Lidador, 8 dez. 1934. 272 “Maria Fumaça: Estrada de ferro nasceu em meados do século XIX...”Op. cit.

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em vagões específicos para classes sociais, as famílias nobres não gostavam da idéia de

dividir o mesmo meio de locomoção com pessoas consideras inferiores”273.

273 “Maria Fumaça: Estrada de ferro nasceu em meados do século XIX como símbolo da integração nacional”. Correio da Bahia. Repórter, 24 jul. 2001.

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CAPÍTULO III A FERROVIA E AS MUDANÇAS EM JACOBINA.

3.1PIUÍÍ ... CHEGOU O TREM DAS GROTAS! O CONTEXTO DE SUA IMPLANTAÇÃO

O transporte ferroviário chegou à Jacobina em um contexto idealizador da

modernidade que se vivia no mundo: mudanças conjunturais nos aspectos urbanos e

socioculturais, ampliação dos meios técnico-científicos e das indústrias de produção em série,

construção e implantação das ferrovias no país274. Para Nicolau Sevcenko, “nenhuma

impressão marcou mais fortemente as gerações que viveram entre o final do século XIX e o

início do século XX, do que a mudança vertiginosa dos cenários e comportamentos, sobretudo

no âmbito das grandes cidades”275. Seria esse o contexto da vida moderna, com novos ritmos

de trabalho e fragmentação da experiência urbana, relacionada ao uso da tecnologia.

A partir de meados do século XIX, iniciou-se um processo de transformação urbana de

cidades européias com aspiração de modernização, urbanização e embelezamento,

representando uma reestruturação e mudanças dos valores e do cotidiano da sociedade

européia, pois da maneira como estava organizada e estruturada não convergia aos novos

paradigmas de ordem e de progresso impostos pelo capitalismo industrial. Mediante a

implementação de reformas nas cidades, aliadas à novos valores sociais e costumes, a Europa

se impôs como um modelo de civilidade e sociabilidade a ser seguido pelo mundo ocidental.

A estética e o embelezamento urbano, juntamente com a moralização da população eram

considerados como índices de civilidade tomando como parâmetro a cidade européia276.

O Brasil acompanhou estas mudanças nas dimensões social, política, econômica e

urbana, inserindo-se na nova ordem mundial, tentando adequar as idéias vindas da Europa à

sua realidade à qual ainda se estruturava sob as bases do sistema escravista, empreendendo

um processo de urbanização segundo os moldes europeus. Era o ingresso do Brasil no campo

da modernidade, alinhando-se com os padrões e o ritmo da economia européia277.

274 “O século XIX foi um período de avanços científicos, prodigiosos, durante o qual campos completamente novos surgiram [...] O desenvolvimento tecnológico também foi espetacular [...]. Transporte, eletrificação, indústrias químicas, controle de doenças [...] estavam alterando a sociedade de modo profundo e irreversível. Ivan Tolstói apud Nicolau Sevcenko. “A Capital Irradiante: técnica, ritmos e ritos do rio”. História da vida privada no Brasil. v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 515. 275 Nicolau Sevcenko. Op. cit.. p. 515. 276 Lúcia Silva. “A Cidade do Rio de Janeiro nos Anos 20: urbanização e vida urbana”. Déa Ribeiro Fenelon (Org.). Cidades. São Paulo: Olho d’água, 1999. p. 63. 277 Gilmar Arruda. Cidades e Sertões: entre a história e a memória. Bauru, SP: Edusc, 2000. p. 102.

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O Trem das Grotas chegou à cidade de Jacobina na primeira metade do século XX,

um período não só de renovação, mudanças, superação do atraso e construção de um ideal de

nação278, como também um tempo marcado por conflitos e ambigüidades, que dificultavam a

constituição e a realização de um projeto de formação da nacionalidade brasileira e do seu

ideal modernizador279. Essa idéia nada mais era do que uma representação ideológica que

servia aos interesses dos que mandavam e mandam em nosso país, a criação do “mito

fundador” do Brasil280.

Uma época em que se observou a origem do processo de modernidade do Brasil,

decisiva no que se refere aos impactos das mudanças nos planos material, social e político-

cultural, de confluência, auge e crise na produção econômica agro-exportadora e também de

consolidação de uma sociedade burguesa que estava preocupada com questões referentes aos

aspectos internos da sociedade brasileira, primando-se pelo desenvolvimento da economia

urbano-industrial, voltada para o crescimento do mercado interno do país.

Figura 8 - Trem das Grotas. Autor: Amado Nunes, 1960. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

Ainda que seja uma fotografia dos anos 60, a imagem acima pode simbolizar o Trem

das Grotas chegando à cidade. É um registro do desenvolvimento tecnológico na construção e

implantação do transporte ferroviário na região, da emoção que causava o apito da máquina e

o rasgo dos trilhos de ferro em Jacobina. O fotógrafo conseguiu flagrar e registrar um costume

antigo com origem lá pelos idos de 1920, quando a ferrovia foi implementada em Jacobina,

segundo alguns contemporâneos relatam em suas memórias, e outros nas rápidas conversas 278 Segundo Marilena Chauí. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 14, a invenção histórica da nação, entendida como Estado-nação, definida pela independência ou soberania, é muito recente. Sua data pode ser colocada por volta de 1830. 279 Em alguns momentos o antigo foi rechaçado e em outros ele serviu de refúgio para a crítica ao processo de modernização da cidade e de seus hábitos, havendo por parte de alguns o medo do novo, “de perder as raízes”. 280 Marilena Chauí. Op.cit.. p. 9.

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que tivemos: o pongar no trem, enquanto ele ainda estava em movimento. Hábito este

censurado pelos serviços de transporte ferroviário, por ocasionar acidentes.

O fotógrafo captou também um pouco da paisagem geográfica e peculiar do sertão

baiano, constituída pelas serras de Jacobina, que tornava a viagem de trem um atrativo para os

amantes da natureza, oferecendo um passeio agradável, direcionando seu olhar para o trem

que está chegando ao seu destino.

Na passagem do século XIX para o século XX, a sociedade brasileira foi marcada por

profundas transformações dentro do processo histórico, como a mudança política na forma de

governo, mudanças nas relações sociais com a adoção do regime republicano, além de uma

nova rearticulação comercial no cenário econômico. Com o advento da República, novas

relações sociais e comerciais foram sendo estabelecidas, incorporando-se costumes, diferentes

modos de vida, enfim, novas formas de sociabilidade.

Surgiram novos atores sociais (classe operária, camadas médias urbanas e militares)

que passaram a interferir e a delinear um novo cenário político e social, surgindo novas idéias

liberais e modernizadoras, expressas no plano da política e nas mudanças de pensamento,

sensibilidade e gosto, que interferiram implícita e explicitamente nos aspectos do cotidiano da

vida material da sociedade brasileira.

A cidade do Rio de Janeiro se tornou o principal foco de disseminação das “idéias

modernizantes” vindas da Europa, devido à sua situação privilegiada na intermediação dos

recursos da economia cafeeira, e sua condição de centro político e comercial do país na

época281. Buscava-se dar ao Rio de Janeiro um caráter de cidade cosmopolita e moderna que

deveria ser seguido pelas outras cidades brasileiras. “O Rio passa a ditar não só as novas

modas e comportamentos, mas acima de tudo os sistemas de valores, o modo de vida, a

sensibilidade, o estado de espírito e as disposições pulsionais que articulam a modernidade

como uma experiência existencial e intima”282.

No cenário baiano, passou-se também por um momento de transformações nas

primeiras décadas do vigésimo século. Ao assumir o Governo do Estado, J. J. Seabra iniciou

uma política de reformas urbanas e modernidade da cidade de Salvador, edificando novos

prédios, construindo e alargando ruas e calçadas, embelezando a cidade com jardins e praças

sofisticadas. Foi o período de um verdadeiro “bota-abaixo” na capital do Estado, de

281 Nicolau Sevcenko. “A Capital Irradiante: técnica, ritmos e ritos do rio”. História da vida privada no Brasil. v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 522. 282 Ibidem.

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reconstrução e remodelação da cidade. Era a época do “seabrismo”283 que procurava acabar

com a feição colonial de Salvador, inspirada no exemplo do Rio de Janeiro, sinônimo de

progresso que deveria ser adotado por outras cidades do interior baiano284.

As mudanças ocorridas na capital, neste período, foram sentidas, mesmo que de

formas e em graus de abrangência diferenciados, em alguns municípios da Bahia, a exemplo

de Lençóis, Caetité, Senhor do Bonfim e, claro, Jacobina. Esses municípios tinham

representatividade política em âmbito regional e local que ajudaram a mudar a feição e a

dinâmica social, trazendo ares de modernidade e influenciando no status de cidade. Para

Vanicléia Santos “poderíamos pensar também que Jacobina estivesse recebendo influências

da cidade de Salvador nesse período, com os surtos modernizantes das administrações de J. J.

Seabra (1912-16) e Goés Calmon (1924-28)”285.

Jacobina, assim como outras cidades do interior baiano, era uma cidade pequena e

pacata que passava por algumas transformações nas dimensões política, econômica, social e

urbana, como disputas e conflitos no cenário político, crescimento comercial, e também

mudanças no espaço urbano com a chegada de certos equipamentos como eletricidade, água

encanada, canalização dos rios, embelezamento e construção de praças e jardins e, com

destaque, a construção da ferrovia286, elementos que interferirão na construção de novos

hábitos e costumes considerados mais citadinos.

Neste momento, em meio ao que seria considerado moderno e rural, Jacobina pode ser

representada como um verdadeiro e rico mosaico de contradições. Tinha uma base econômica

e social agrária e, ao mesmo tempo, fervilhava o desenvolvimento de serviços urbanos que

dificilmente atingiam o meio rural. Sua orientação política estava voltada tanto para a

população urbana quanto para a rural, porém, contraditoriamente, era desigual e elitista. O

meio rural permaneceu com a figura forte de comando do coronel, detentor de terras e de

almas.

Em meio à presença de valores tradicionais, uma parcela da população mostrava-se

avessa às mudanças, embora a implantação do transporte ferroviário tivesse trazido

expectativas ao mesmo tempo favoráveis e assustadoras, considerado uma inovação técnica

moderna e não deixando de perceber as melhorias que imporia e a necessidade de adequação a 283 Refere-se ao período de governo de J. J. Seabra na Bahia. 284 Wlamira R. de Albuquerque. Algazarras nas Ruas: comemorações da Independência da Bahia (1889-1923) Campinas: UNICAMP, 1999, descreve o processo de desafricanização das ruas de Salvador e a inversão das festividades do 2 de julho, na Bahia no início do século XX. 285 Vanicléia Silva Santos. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001. p. 48. Dissertação [Mestrado em História Social]. 286 Vanicléia Silva Santos. Op.cit.. p. 17, destaca a chegada da ferrovia como ponto de partida para percebermos as transformações iniciadas em Jacobina na década de 1920.

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novos valores e costumes sociais, bem como aos avanços técnico-científicos decorrentes da

“era” de modernidade.

No decênio dos anos vinte, Jacobina passou por um processo de crescimento e

desenvolvimento urbano. O que implicou na reestruturação de suas funções e modificações do

cotidiano e dos costumes da população citadina, sendo perceptível à preocupação dos poderes

públicos com a implantação de novos equipamentos urbanos, com o funcionamento e

qualidade dos serviços que atendiam à população, que estivessem a altura dos oferecidos em

uma cidade cosmopolita.

Tais mudanças tinham o intuito de, em primeiro lugar, resolver os problemas práticos

da população, mas também ao mesmo tempo construir a imagem de uma cidade que estava se

modernizando, segundo os ideais de progresso daquela época. A população de Jacobina

buscou ajustar-se aos entretempos de um progresso e adequar os seus costumes e práticas aos

novos ideais de civilidade e moralidade propostos pelos diversos grupos de influência social,

como os intelectuais, políticos e ricos comerciantes, constantes no Código de Posturas de

1933.

Neste período, deu-se início ao desenvolvimento comercial de Jacobina. Segundo

Antonio Ângelo Fonseca, uma nova função urbana começou a se delinear e configurar na

cidade. A função comercial passou a predominar sobre a mineradora, e Jacobina, a partir de

1920, “[...] deixou de ser singular no sertão baiano, devido à exploração do ouro, para se

transformar numa cidade como as outras, caracterizadas pelo desenvolvimento da agricultura,

da pecuária e do comércio”287.

A cidade de Jacobina, apesar dos anseios de progresso e riqueza para a região, por

parte das elites locais, passava por dificuldades econômicas, devido à crise na agricultura e

mineração e pela falta de meios de transporte mais ágeis que os lombos de burros e muares.

Continuava sendo uma cidade rural, onde a base da economia era a produção agrícola,

produzindo na década de 1920, café, mandioca, milho e outros cereais288. Em agosto de 1935,

os produtos de maior comercialização na região eram a mamona e o algodão289.

Jacobina apesar da pretensão por mudanças e o desejo de se colocar em prática os

ideais modernizadores, ainda permanecia funcionando sob antigas relações aristocráticas e

coronelistas, visto que os coronéis, donos de terras, continuavam a exercer seu domínio e

287 Antônio Ângelo Martins Fonseca. Poder, Crise Regional e Novas Estratégias de Desenvolvimento: o caso de Jacobina-Ba. Salvador: UFBA, 1995. p. 120. Dissertação [Mestrado em Arquitetura e Urbanismo]. 288 “Municípios do Interior-Jacobina”. Diário Oficial do Estado da Bahia. 1823-1923. Edição Especial do Centenário da Independência. Bahia: Salvador, 1923. p. 562. 289 O Lidador, 7 set. 1935.

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poder sobre a população, através de sistema de clientelismo e apadrinhamento que marcaram

as relações sociais e contribuíram para manter a situação de dominação política durante os

anos vinte. Esses atores políticos tinham também influência e poder de articulação regional,

sendo que “a fronteira regional era definida através do poder dos coronéis. O limite de uma

das fronteiras representava o início do poder de outro coronel”290. Assim, a cidade dependia

do poder e da vontade política dos coronéis para conseguir suas melhorias.

A sociedade jacobinense, em meio à idéia da construção de um futuro urbano e

moderno, mantinha-se presa a uma memória do passado, com seus olhos voltados para os

tempos de fama econômica e prestígio político, permanecendo as velhas relações sociais e

influências políticas: “a aristocracia branca, formada pelos proprietários de terras, de gados,

das mais ricas casas comerciais, e detentoras da política local, continuavam se espelhando

num passado senhorial em que submetiam negros e pobres aos seus mandos e

autoritarismos”291.

3.2 UMA CIDADE PASSANDO POR MUDANÇAS DEPOIS DA CHEGADA DA LESTE

BRASILEIRO.

A implantação e funcionamento da empresa ferroviária federal Leste Brasileiro

provocou um processo de modificação e reestruturação do espaço urbano que levou a

desconstrução de territorialidades e constituição de novos territórios na cidade. Com a

chegada do trem e o aumento da população, Jacobina começou a se expandir no sentido oeste,

ou seja, para o lado direito do rio Itapicurú-Mirim, sendo necessária a construção de uma

ponte sobre o rio que passa no meio da cidade, viabilizando assim o trânsito de pessoas para a

estação ferroviária.

Como podemos ver na foto da fachada da Estação da Leste de Jacobina, mesmo na

década de 1970, ainda mostra a imponência do prédio, e presença de pessoas na Estação

demonstra as mudanças no cotidiano e hábitos dos seus habitantes após a chegada da ferrovia.

290 Antônio Ângelo Martins Fonseca. Poder, Crise Regional e Novas Estratégias de Desenvolvimento: o caso de Jacobina-Ba. Salvador: UFBA, 1995. p. 82. Dissertação [Mestrado em Arquitetura e Urbanismo]. 291 Vanicléia Silva Santos. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001. p. 36. [Dissertação Mestrado em História Social].

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Figura 9 - Fachada da Estação da Leste de Jacobina. Autor: Normando Lima, 1970. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

A várzea tornou-se o principal ponto de encontro e circulação de pessoas. Um lugar

onde se ficava inteirado das novidades que chegavam de Salvador, onde se paquerava e se

divertia, e também eram externados os sentimentos de saudades das pessoas que o trem levava

ou trazia.

A várzea, as margens dos rios do ouro e Itapicurú Mirim, que aí se unem como que possuídos de fraternalíssimos sentimentos, é bem um adorável e lindo local, para onde, pela manhã e pela tarde, convergem as morenas que vão levar um adeus a alguém que o comboio ferroviário leva ou traz292.

A várzea era um lugar animado onde a paisagem servia como fonte de inspiração e

tornava o local agradável e ideal para se conversar com os amigos. Como ressaltou o colunista

“a várzea é um ponto de palestra bem mais animado que a ponte da Praça da Matriz, porque

ali tudo se passa à luz do dia, o panorama inspira e há àrvores frondosas que fazem

sombra”293.

Aos poucos as imediações da Estação Ferroviária começaram a ser habitadas,

principalmente por pessoas que trabalhavam na ferrovia. Surgiu o Bairro da Estação, que

devido ao difícil acesso, por falta de construção de pontes de ligação entre o lado direito e

esquerdo da cidade, ficava isolado do Centro, levando ao seu desenvolvimento na área de

comércio atacadista. Pode-se dizer que a ferrovia ocasionou uma nova constituição e

reorganização do espaço urbano, possibilitando sua ampliação para outras áreas urbanas.

A chegada da ferrovia também contribuiu para o desenvolvimento comercial da cidade

de Jacobina, articulando-a economicamente a outras regiões baianas, dando um novo ímpeto

às atividades agrícolas e pecuárias, mudando assim, sua posição no cenário regional e local.

292 O Lidador, 7 set. 1935. 293 Ibidem.

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Como afirmou o estudioso da história de Jacobina, Newton Eloy Gentil: “nada obstante o seu

abandono e a situação de ruína de suas instalações, muito se devem à estrada de ferro pelo que

representou, enquanto ativa, para o transporte e a economia da região”294.

Quando a ferrovia foi desativada na cidade de Jacobina, em 1976, isso trouxe várias

conseqüências de âmbito social, econômico e cultural, como a diminuição da produção

comercial e das trocas culturais. A população teve que ser reeducada para viver sem a

máquina ferroviária, sendo guiada por um conjunto de imagens do passado que regulavam

suas ações e modos de agir.

No que tange à dinamização econômica, social e cultural que as ferrovias trouxeram

para as cidades do interior, pouco se tem conhecimento sobre a importância e contribuições

do transporte ferroviário para o desenvolvimento do Brasil e do Estado da Bahia, havendo

poucas pesquisas publicadas.

3.3 AS MUDANÇAS URBANAS EM JACOBINA

A chegada dos trilhos em Jacobina foi muito esperada pela maioria da população que

habitava as imediações da cidade. Este fato trouxe várias mudanças na forma de organização e

funcionamento estrutural do espaço urbano, transformando os modos de vida e aspecto físico

de Jacobina após ser alcançada pela ferrovia. Mas o cenário de Jacobina antes da ferrovia não

mudou tanto, e as mudanças não decorreram somente deste fator específico. Ocorreu na

mesma época a construção de novas praças, pavimentação das ruas, o fornecimento de

eletricidade pública, canalização de água para as residências em projeto de saneamento

básico, ainda que tenha deixando de fora a população da zona rural. Contribuíram, assim,

lentamente e, cada um do seu modo, para o processo de urbanização e modernização de

Jacobina. As alterações não ocorreram de uma hora para outra e não atingiram a todos, sendo

sentidas, atendidas e aceitas de formas diferenciadas pela sociedade.

Normando Lima, autor da imagem abaixo, se destacou por suas fotografias da estação

da Leste em Jacobina, na década de 1960. Esta fotografia mostra a antiga e a nova Estação

ferroviária da cidade, construídas uma do lado da outra; a estação velha que ficava do lado

direito dos trilhos e outra, à esquerda da linha férrea, construída de forma mais estruturada,

294 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 8.

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para funcionamento da sede administrativa do transporte ferroviário na região, sendo a

estação mais velha destinada ao depósito e almoxarifado da empresa295.

Figura 10 - Antiga e a Nova Estação Ferroviária de Jacobina. Normando Lima, 1960. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

Nesta imagem da década de 1960, portanto quase trinta anos após o foco deste

trabalho, tirada com certa distância, o que primeiro direciona o olhar é a parte dos trilhos da

Leste que aparece, tendo ao fundo os prédios das estações de Jacobina e as serras que

compõem a paisagem da cidade. Esta fotografia ganha um sentido, enquanto testemunho da

presença ativa da linha férrea, trazendo uma nova dinâmica e mudanças para a população

jacobinense, como se ela, por si só, acarretasse o progresso e desenvolvimento da região.

Apesar de, na época, Jacobina já possuir serviço de água encanada, ainda se

presenciava na década de 1930 a cena de mulheres lavando roupas no rio Itapicurú-Mirim.

Esse costume pela sua regularidade passou a ser proibido pelo Código de Posturas Municipais

de 1933, no Art° 48: “É proibido lançar nas praças ruas, becos, rios e fontes, animais, lavar

roupas e animais tomar banho, despejo de latinhas, de fabrica de alambiques, de qualquer lixo

ou substância nociva a saúde sob pena de 50$000”296.

Esta prática recriminada pela postura municipal era considerada como algo que

“enfeiava” a urbe e atrapalhava o trânsito das pessoas na ponte construída sobre esse rio. Um

detalhe é que esta ponte dava acesso à estação da Leste. As críticas às lavadeiras ganharam

visibilidade na imprensa e foram registradas pelas fotografias da época. Mesmo assim, ainda

encontramos em época mais recente, porém sem datação exata, este mesmo costume, sinal de

295 Aloísio Sales Queiroz. “O Trem das Grotas”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 18. 296 Código de Posturas Municipais. Atos do Prefeito (1933-1938). nº. 65. 30 dez. 1933.

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que nem a modernidade, nem a ferrovia apagaram definitivamente os hábitos enraizados na

população jacobinense.

Figura 11 - Mulheres Lavando Roupa no Rio Itapicurú-Mirim. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV. Sem autoria e datação.

Através da câmara do fotógrafo registrou-se uma situação há muito tempo combatida e

que não era aceita por uma parcela da população local. Por não condizer com o ideal de

estética e costumes citadinos disseminados e almejados para uma cidade tida como moderna,

sendo servida por um sistema de água encanada.

A implantação da energia elétrica e a substituição dos antigos meios de iluminação

artificial na cidade se deram de maneira progressiva. A eletricidade representava um desejo de

reconfiguração do espaço urbano297. Os postes de madeiras com os fios condutores de energia,

tortos e colocados de forma irregular, somente atingiam as praças e as ruas do centro da

cidade e as áreas mais afastadas do centro continuavam a se servirem de candeeiros,

lamparinas e velas. Entretanto, até os mais ricos e a elite comercial não se desfizeram desses

antigos mecanismos de iluminação devido à irregularidade e má distribuição de energia

elétrica pela empresa responsável.

Segundo dados de pesquisa realizada pelo Banco do Nordeste, a iluminação pública da

cidade, na década de 1920, era feita por motores de caldeira abastecidos com lenha298. Essa

297 Vanicléia Silva. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001.p. 42. Dissertação [Mestrado em História Social]. 298 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 7.

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situação mudou quando o Conselho Municipal autorizou o Intendente Cel. César de Moraes a

estabelecer luz elétrica e água encanada na cidade299.

Uma parte da sociedade, vendo a chegada da luz elétrica como um dos

impulsionadores da civilidade e modernidade, agradeceu e homenageou o Intendente pelos

seus feitos e préstimos: “Quer como intendente Municipal, durante 8 anos, quer como

influência política do partido, que dominou até 1930, quer afinal como excelente amigo

particular, não se pode negar aplausos pelo que realizou em Jacobina”300. Como afirma

Santos, “podemos ver a partir da documentação descrita acima que as práticas políticas estão

diretamente associadas às práticas particulares”301. Ou seja, os interesses políticos interferiam

no andamento dos serviços públicos da municipalidade jacobinense. A realização de

melhorias urbanas era utilizada como uma forma de tirar proveito pessoal e político.

Depois que a referida lei (Lei nº. 11, de 7 de agosto de 1924) autorizando o

estabelecimento de luz elétrica e água encanada foi publicada e registrada, publicaram-se os

editais convocando os interessados em assumir a instalação de tais serviços. Um empresário

requereu os direitos de contrato para distribuir luz elétrica e água encanada, constituindo uma

sociedade anônima com a denominação de Companhia Força e Luz de Jacobina,

“contratando o fornecimento de luz pública com a municipalidade conforme ata de 7 de abril

de 1928”302.

A Companhia enfrentou dificuldades devido à insuficiência de capital. A ajuda

financeira veio do Governo do Estado por intermédio do coronel local, também um dos

diretores da Companhia, o Cel.. Galdino. Juntamente com outros recursos, a companhia pôde

ser inaugurada em 15 de agosto de 1928. “[...] E consta que, no dia da inauguração da luz

pública, aconteceu em Jacobina uma das maiores festas da época”303, ressaltando-se, como um

marco histórico para a cidade.

A chegada da luz elétrica foi associada à figura do Coronel Galdino, constando-se que

“[...] na construção de Jacobina como uma cidade ‘civilizada’, a idéia de ‘modernidade’ está

intimamente ligada à idéia de moralidade [...]”304. Conforme as idéias propagadas pelas elites,

não tinha sido qualquer pessoa responsável por trazer a luz para a cidade, mas sim a “figura

patriótica e respeitável” do Sr. Galdino César de Moraes, como descreve o jornal O Lidador.

299.O Lidador, 7 nov. 1933. 300 Ibidem. 301 Vanicléia Silva Santos. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001. p. 41. Dissertação [Mestrado em História Social]. 302 O Lidador, op.cit.. 303 Banco do Nordeste do Brasil S. A. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 7. 304 Vanicléia Silva Santos. Op. cit.. p. 41.

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De tudo que Jacobina possui de bom e útil, ocupa inegavelmente o primeiro plano a Cia. Força e Luz de Jacobina, melhoramento que devemos á figura respeitável e patriótica do Cel. Galdino Cezar de Moraes, jacobinense dos mais dignos e esforçados305.

De acordo com o que foi descrito nas reportagens do jornal O Lidador, o serviço de

iluminação pública na década de 1920 era precário e deixava a desejar, apenas atendendo ao

centro da cidade, deixando as áreas periféricas no escuro. Esse mesmo jornal serviu como

espaço de críticas à falta de energia elétrica em algumas ruas e bairros afastados do centro da

cidade e ainda atestou irregularidades no serviço de fornecimento de energia elétrica. Como

se pode ver na reportagem do jornal O Lidador.

A cidade está vai por mais de quarenta dias completamente às escuras, com o desarranjo da usina da Cia. Força e Luz, cuja peça danificada foi levada para o competente concerto na Bahia e até hoje nem notícia, mal grado os esforços do Cel. Galdino Moraes, diretor da aludida companhia306.

Notamos nestas palavras a ênfase dada ao descaso pelo serviço de fornecimento de

energia elétrica a partir da denúncia do blackout de quarenta dias, ao mesmo tempo em que

aproveita a situação para ressaltar a figura de uma pessoa em particular, o diretor da

Companhia Força e Luz e coronel, Sr. Galdino, como se os méritos por ter restabelecido o

fornecimento de energia na cidade fossem todos dele.

O jornal O Lidador também destacou a prática de vandalismo contra os postes de

iluminação pública sendo, várias vezes, as lâmpadas que iluminavam o centro e as praças da

cidade, depredadas por vândalos. Segundo esse jornal, os autores eram os inimigos da ordem,

contribuindo para piorar a situação do serviço de fornecimento de energia elétrica e “sepultar

Jacobina nas trevas”, expressão cunhada pelo jornal.

Dia a dia, as lâmpadas da iluminação das ruas vão diminuindo e a cidade vai ficando sepultada nas trevas. Os inimigos da ordem, e amigos do alheio vão subtraindo as lâmpadas (que sendo de 220 volts não servem para a iluminação de 110 Volts) vendendo-as aos fabricantes de fifós a Kerosene![...]307.

As modificações na dinâmica social, no comportamento e costumes da população de

Jacobina, em conformidade com os novos ideais de civilidade e progresso, também podem ser

percebidas através da análise das formas de se tratar as questões referentes aos serviços

urbanos e da preocupação com o funcionamento dos mesmos. As reclamações feitas contra a

305 O Lidador, 7 nov. 1933. 306 Ibidem, 7 abr. 1935. 307 Ibidem, 7 fev. 1935.

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ferrovia refletiam as mudanças no cotidiano, nos hábitos e costumes, enfrentados pela

população jacobinense.

Uma parcela da população, que reclamava a urgência de melhoramentos no serviço de

iluminação pública, também protestou contra o mau atendimento no fornecimento de energia

elétrica, no interior do transporte ferroviário. Foram várias as reclamações encontradas no

jornal O Lidador, com relação às constantes faltas de energia elétrica na Estação Ferroviária

de Jacobina, que segundo as reportagens analisadas, na maioria das vezes, continuava a ser

iluminada por fifós.

Há meses que nos batemos pela instalação da luz elétrica na estação de Jacobina, que continua mal servida, sepultada nas trevas, e nada de merecermos a atenção da superintendência, quando a companhia para iluminar a referida estação, dispensa muito mais em “fifós” e azeite308.

A questão da falta de energia elétrica, um fator que só veio piorar e depreciar a

imagem da administração da ferrovia e a situação da empresa que estava, segundo se enfocou

na reclamação acima, em estado de decadência e precariedade, quase “sepultada nas trevas”,

foi tida como culpa e responsabilidade da Superintendência da Viação Férrea, que não se

preocupava em resolver o problema, preferindo gastar mais dinheiro para continuar

iluminando a estação com lampiões movidos a querosenes. Tinha a ver com os novos ideais

das elites locais, segundo os quais não cabia ter em Jacobina uma estação ferroviária

iluminada à base de antigas lamparinas, o que lembrava mais os tempos coloniais do que uma

cidade moderna.

Sobre a questão do funcionamento dos serviços de iluminação da cidade, podemos

questionar; a qual parcela da população atingia o precário atendimento de tais serviços? No

que isso implicava? Será que se estava colocando em primeiro lugar o bem-estar e conforto da

maioria da população com o melhoramento desses serviços? Certamente a irregularidade no

fornecimento de energia elétrica atingia diretamente aos comerciantes, os maiores

prejudicados no que se refere ao comércio e perda de mercadorias, também, mais uma vez, o

restante da população era atingido, ficando “às escuras”.

Após ser alcançada pela linha férrea, Jacobina passou a ter um povoamento mais

intenso e regular, tornando-se extensivo, espalhando-se e atingindo as áreas mais afastadas do

centro da cidade. A cidade cresceu em todas as direções, subindo os morros e entre as serras.

“As moradas tomaram a direção dos vales e ‘cayons’[sic]: Bananeira, Grotinha, Pingadeira,

Leader, seguindo rumo às nascentes do Rio do Ouro. No vale do ‘Sol Poente’ a cidade se

308 O Lidador, 23 nov. 1934.

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estendeu, encontrou espaço e deu lugar à construção de bairros populares”309, concentrando-se

principalmente na área próxima à Estação que tinha o nome do município servido por ela,

começando a chegar cada vez mais gente para a cidade, dando outro delineamento ao

processo de povoamento, expansão e desenvolvimento local.

Novos moradores instalaram-se nas imediações da Estação da estrada de ferro por ter

acesso mais fácil à gare. Eram gente importante e gente simples, principalmente trabalhadores

que ficavam nas proximidades como os carregadores dos grandes armazéns das empresas

exportadoras de matéria-prima da região e importadoras de produtos manufaturados. Os

empregados da empresa ferroviária com suas famílias, por comodidade ou praticidade,

passaram também a habitar nessas proximidades, que com o passar do tempo, cresceu e se

tornou o Bairro da Estação, denominação que resiste até os dias atuais.

A implantação da ferrovia trouxe consigo a modificação e modernização do acesso à

informação e a facilidade dos meios de comunicação. Havia um posto d’ Os Correios e

Telégrafos em cada Estação, e Jacobina também tinha o seu, cuja função principal era a

comunicação entre as Estações da Leste e utilizado também pela população em geral para

enviar e receber mensagens curtas e urgentes. Essa mudança na área das comunicações,

proposta pela ferrovia não foi, à princípio, tão eficiente e o sistema de telégrafos da Leste

Brasileiro foi alvo de críticas. A imprensa reclamou do mau funcionamento, das

irregularidades e das várias interrupções dos serviços de transmissão das mensagens,

atrasando o envio de recados urgentes. O prejuízo era da população e, muitas vezes, da

própria empresa ferroviária que dependia, por vezes, de informes passados entre as estações

para seu pleno desempenho310.

A educação formal em Jacobina também lucrou com a implantação do transporte

ferroviário. Neste período, em que a Leste esteve ativa no município, a sociedade ganhou

mais um estabelecimento de ensino secundário. Com a encampação do antigo Instituto Senhor

do Bonfim da Bahia311 foi criado o Ginásio Estadual Deoclaciano Barbosa de Castro para os

jovens que quisessem continuar os estudos secundários312.

A reforma educacional da instrução pública, pela qual passava o país, chegou a

Jacobina logo após a realização dos exames admissionais para ingresso no novo Ginásio 309 Doracy Araújo Lemos. “Jacobina”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 37. 310 As críticas a esse tipo de serviço disponibilizado pela Leste mostram mais uma vez a situação de desordem e ruína da empresa. 311 Pelo decreto de 20 fev. 1952, publicado em diário oficial do dia 23. 312 Alcira Pereira Carvalho Silva. “Lembranças do Centro Educacional Deocleciano Barbosa de Castro”. Academia Jacobinense de Letras (Org.). Letras Douradas: Antologia. Jacobina, Bahia: Tipô Carimbos, 1998. p. 199.

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Estadual. A extinção do antigo regimento do Curso Normal deu lugar a um novo modelo de

curso comportando o curso Ginasial, com duração de quatro anos, seguido de um ano de curso

intermediário e depois, mais três para aqueles que quisessem cursar o Pedagógico a fim de

concluírem os estudos de formação de professores primários. Esta mudança legou a Jacobina

a possibilidade de ampliação do curso de Magistério para o ensino primário, sendo o mesmo

abrigado pelo Ginásio Estadual Deoclaciano que, por esta razão, passou a chamar-se Colégio

Estadual Deoclaciano Barbosa de Castro - C. E. D. B. C, sigla e denominação que persiste até

hoje313.

O trem trouxe também expectativas para muitos jovens desejosos de estudar e fazer o

ensino superior na capital. Somente os filhos de famílias da classe média urbana, que faziam

parte das elites jacobinenses, puderam ter seu sonho realizado, pois eram os únicos que

poderiam pagar para viver em Salvador. Com o transporte ferroviário ficou mais fácil o

contato da população de Jacobina com as novidades e a produção do conhecimento na capital

do Estado, possibilitando o deslocamento e a ida desses jovens para continuarem e

aperfeiçoarem seus estudos, visando, a maior parte deles, retornar para aplicar e exercer suas

profissões em benefício de sua terra natal314.

A influência do transporte ferroviário na região intensificou a diversificação das

atividades comerciais. Jacobina tornou-se um centro econômico produtor e comercial de

mamona, algodão e outras matérias primas quase que específicas da região jacobinense,

interferindo na produção econômica do Estado, inclusive pela continuidade da exploração

aurífera (que remonta ao período colonial). Jacobina teve uma movimentação intensa de

pessoas, comerciantes, mineradores, aumentando sazonalmente a população local, provendo

um crescimento financeiro e maior circulação de renda, tornando-se detentora de um

“comércio centralizador, para onde se dirigiam os habitantes dos municípios circunvizinhos,

principalmente os da região oeste; ditos, o povo do sertão”315.

Aliadas as atividades agrícolas, houve algumas transformações na função urbana da

cidade que, impulsionada pela ferrovia, passa a assumir uma função comercial, exigindo-se

intervenções sociais e urbanas. Iniciou-se um período de reformas com a abertura e

pavimentação de ruas, construção de praças e jardins, canalização dos rios que passavam na

313 Alcira Pereira Carvalho Silva. “Lembranças do Centro Educacional Deocleciano Barbosa de Castro”. Academia Jacobinense de Letras (Org.). Letras Douradas: Antologia. Jacobina, Bahia: Tipô Carimbos, 1998. p. 200. 314 Aloísio Sales Queiroz. “O Trem das Grotas”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 19. 315. Ibidem.

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cidade, com a edificação de pontes sobre os mesmos, fornecimento do serviço de água

encanada, de energia elétrica e transporte ferroviário, conforme aludimos anteriormente.

Figura 12 - Praça da Matriz, 1920. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV. Sem autoria.

A fotografia acima mostra o portal de entrada da Praça da Matriz, na década de 1920,

de ordinário montado e usado em datas comemorativas ou dias de festa, como a visita do

Governador da Bahia. Ao que se pode ver, a praça já está pavimentada, mas ainda sem um

jardim que a enfeitasse, conforme pleito de cidadãos expresso nos jornais locais, e também

sem o coreto que fica em frente à Igreja da Matriz.

Essa praça era, e continua sendo, uma das mais freqüentadas. Ela representava o

“cartão postal” da modernização da cidade aos seus visitantes. Localizada em uma área

central, ponto apropriado para lazer, encontros e passeios de fim de tarde e dias de feriados.

Na fotografia abaixo, outro ângulo da Praça da Matriz já arborizada com uma ponte e,

em destaque, o coreto Municipal, onde se apresentavam as filarmônicas da cidade.

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Figura 13 - Praça da Matriz. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV. Sem autoria e sem data.

Na época da chegada da ferrovia, a cidade viveu uma perspectiva e ideal

modernizadores, alimentou-se uma expectativa promissora de desenvolvimento e progresso,

depositada principalmente na vinda de um tão esperado meio de transporte mais moderno, que

traria benefícios de âmbito comercial e representação social para a região. Aos poucos,

Jacobina crescia e ganhava impulso, principalmente, a partir da agilidade na condução e

comercialização de mercadorias com o transporte ferroviário.

Uma parcela da população de Jacobina se incomodava com a lentidão na melhoria dos

benefícios coletivos e equipamentos urbanos. De acordo com a visão das elites dominantes,

uma cidade, que procurava seguir os rumos do progresso, não podia ter seus serviços públicos

atendendo mal a sua população e neste sentido, o serviço de iluminação da cidade também foi

alvo de olhares críticos, conforme relatamos anteriormente.

A higienização e o asseio da cidade foram preocupações das elites locais que ansiavam

em corresponder aos ideais e padrões de progresso e desenvolvimento na perspectiva do ideal

europeu de cidade em processo de modernização. Podemos ver nas reportagens do jornal

pesquisado, a busca e preocupação em mostrar uma imagem de Jacobina como cidade limpa,

asseada e higienizada:

A prefeitura está executando um asseio geral na cidade. O Senhor prefeito Municipal [Sr. Reinaldo Jacobina], num gesto que merece aplausos, está executando um asseio em regra em toda a cidade. Do capim que servia de manto ao calçamento, já estão livres a praça da matriz e metade da Rua Dr. Pedro Lago316. [grifo do autor]

316 O Lidador, 17 mai. 1935.

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Com relação à reportagem acima, percebemos um exagero do colunista ao ressaltar

que a prefeitura estava executando um asseio em regra em toda a cidade, pois não

ultrapassava as principais ruas do centro e restringia-se à retirada de capim do calçamento,

não priorizando o lixo eventualmente jogado nas ruas. A expressão que destacamos foi usada

como uma maneira de ressaltar, com mais ímpeto, o empenho da prefeitura em mudar os ares

de Jacobina e mostrar e importância de se ter uma cidade asseada e limpa, que dissesse bem

das elites e das pessoas que ali viviam. O colunista quis enfatizar a figura do prefeito,

Reinaldo Jacobina, como digna de aplausos por tal feito, no entanto, vemos tal ação como

uma obrigação de qualquer administração pública. Por que precisa ser aplaudido por uma

coisa que não era nenhuma caridade ou benevolência?

A manutenção da higiene foi uma das questões principais dentro das idéias e discursos

de modernidade que circulavam na cidade de Jacobina nas décadas estudadas. Eram várias as

notas na imprenssa local, que chamavam a atenção da população para a necessidade de mais

higiene e asseio por parte da mesma. Neste sentido, não passou despercebido e foi mais um

motivo de reclamação a situação da falta de higiene em que, segundo reportagem do jornal, se

encontravam as locomotivas que faziam o transporte na região. “Pela estação desta cidade

passou na manhã de sexta, uma locomotiva puxando um imundérrimo carro de segunda

classe, que mais parecia carro de conduzir animais”317.

Outra questão que dizia respeito à falta de higienização e limpeza das locomotivas

mostra o estado de conservação e manutenção das locomotivas e, juntamente com o mau

funcionamento da empresa ferroviária, são motivos de queixas contra a ferrovia e também

reflexos das modificações ocorridas no seio da sociedade de Jacobina. Uma sociedade que

quer se modernizar, guiar-se pelos padrões de civilidade e urbanidade internacionais, requer

com ênfase, mediante a imprensa local, melhores condições físicas do transporte ferroviário e

um atendimento aos usuários de forma mais respeitosa e cidadã.

Através do excerto citado acima, o jornal O Lidador quer mostrar uma empresa que

não tinha a devida preocupação com o conforto, o bem-estar e a segurança de seus

passageiros, não se preocupando em proporcionar nem um bom atendimento nem condições

básicas de higiene, tratando-os como se fossem animais, como mostra a citação anterior, sem

considerar e atender os seus direitos enquanto cidadãos.

Também apareceram com freqüência nos jornais consultados reclamações contra os

constantes atrasos nos horários dos trens. Segundo relatam estas reportagens, os atrasos

317 O Lidador, 21 jun. 1936.

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dificultavam a vida dos passageiros e dos comerciantes locais, atrasando o transporte das

mercadorias.

[...] Nunca mais o trem chegou no horário, quando vem de Bonfim, e muitas vezes, como hoje aconteceu, verificando um atraso de 1 hora e mais de Piritiba a Jacobina, isso devido ao misérrimo estado de composições, desde a locomotiva velha, remendada, impotente, aos carros desmantelados, sem freios, sem higiene, sem conforto [...]318.[grifo do autor]

O colunista procurou, ao máximo, criar uma imagem de abandono e “misérrimo

estado de composições” em que, de acordo com ele, se encontravam as locomotivas da Leste

na cidade de Jacobina, só existindo locomotivas velhas, remendadas, impotentes; carros

desmantelados, sem freios, sem higiene e conforto para as pessoas que neles eram

transportadas.

Os atrasos nos horários dos trens eram atribuídos a vários motivos como, por exemplo,

o estado de conservação das locomotivas, os descarrilamentos ocasionados pelos desarranjos

das linhas e a falta de iluminação dos trens à noite, como ressaltou O Lidador,

Os descarrilamentos por desarranjos na linha, os bronzes dos vagões que só vivem em chamas, por falta de lubrificação, a falta de luz à noite enfim uma série de desarranjos são citados pelos encarregados da E’ste como causa da falta de pontualidade nos horários319.

E também a falta de vagões específicos para o transporte de passageiros, pois nem

todos os comboios transportavam apenas passageiros e, muitas vezes, carregavam junto as

mercadorias e demais cargas, ocasionando impontualidade e incômodos para as pessoas que

utilizavam o serviço, como explícito na reportagem do jornal,

Depois que o Governo tomou conta da Estrada de ferro, não há mais horário na chegada dos trens! Isso tudo por que, segundo estamos informados, o superintendente decidiu que os trens de passageiros que trafegam de Bonfim a Piritiba façam, também, o transporte de cargas, quer subindo, quer descendo320.

A visão dos ferroviários hoje é outra. Eles tentam justificar o atraso nos horários dos

trens como algo normal em qualquer empresa de transporte ferroviário, acontecendo mais

devido à incapacidade e impontualidade dos maquinistas do que pelo estado do material

rodante da estrada de ferro, numa atitude de defesa da empresa em que trabalharam. Isso é

318 O Lidador, 8 fev. 1935. 319 Ibidem, 19 out.1934. 320 Op. cit., 2 jul.1935.

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percebível na entrevista com Antônio F. Rego, quando perguntado se havia muitos atrasos nos

horários dos trens, respondeu:

Poder pode, de acordo com o maquinista, ou de atrasar, podia atrasar e podia adiantar, podia chegar no horário. Era muito... quando...o a máquina era boa e o maquinista, era muito difícil atrasar, por que o maquinista (tosse) tinha uns ranceiros, tinha outros...a senhora sabe todo setor tem os bons mais torto e os menos né? Uns trabalha de uma maneira e outros de trabalha de outra321.

As constantes críticas do Lidador, na década de 1930, à má administração da Leste

eram vistas como resultado da falta de interesse e compromisso por parte dos seus

administradores, que estariam mais preocupados com os seus interesses políticos do que com

os prejuízos da própria empresa e do comércio local. Segundo esse jornal, eles agiam como se

tivessem chefiando uma roça qualquer, sem nenhum tipo de compromisso, de qualquer jeito,

criticando da seguinte maneira:

[...] É que, naturalmente envolvido com as cousas da megera política, S.S. não dispõe de tempo para cuidar mais de perto dos problemas que consultam os interesses do comércio e da ferrovia inclusive. Para politicar, sim; a tempo de sobra, demitindo e removendo funcionários ao sabor das paixões de qualquer chefão da roça322.

O jornal principal da cidade ressaltava a postura descuidada da empresa, estando seus

donos mais preocupados em defender os interesses do comércio local do que com os

interesses e problemas sociais, que diziam respeito à população de Jacobina de um modo

geral. Eles se colocavam em defesa das opiniões de um grupo social em particular, deixando

de lado aspectos mais amplos relacionados à sociedade.

Cabe aqui perguntarmos o porquê e a quem interessava a construção da visão de uma

ferrovia negligente. Qual o motivo de não servir bem às pessoas que utilizavam os seus

serviços e lhe garantiam os lucros necessários para a sua manutenção e funcionamento? Será

que a empresa estava realmente atendendo mal à população, e os serviços de transporte

ferroviário, não iam tão mal como dizia a imprensa da época? Perguntamos então: a crítica

tem fundamento? Na opinião dos ex- ferroviários, não.

Desta forma, constatamos que o poder público jacobinense buscou dar outra feição

estética à cidade, apagando qualquer memória colonial, pois ela significaria o oposto à

civilidade e modernidade, ou seja, “atraso” social e urbano. Podemos constatar nas

reportagens do jornal que mais pesquisamos, O Lidador, a preocupação com a construção de

321 Trecho da entrevista realizada com Antônio Francisco Rego, set. 2002, Jacobina-Ba. 322 O Lidador, 23 nov. 1934.

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praças e jardins no centro da cidade, no intuito de se criar uma imagem estética mais “bonita”,

para causar uma boa impressão aos visitantes que chegavam e cuidar do bem estar da elite,

sempre tão preocupada em manter estes valores de modernidade e progresso. Esse jornal

registrou uma denúncia quanto ao abandono em que se encontravam os trabalhos da

construção de um jardim na igreja da Conceição, cobrando providências à comissão

responsável pela realização da obra.

Visitamos, esta semana, os trabalhos, em tão boa hora iniciados por uma comissão de senhoritas, da construção de um jardim no adro da Igreja N. S da Conceição desta cidade. E ficamos perplexos ao observarmos o estado de abandono em que as obras iniciadas se encontram, quando julgávamos concluídos, sobretudo por ter nascido à iniciativa de pessoas capazes de idealizar e realizar 323.

Por que tanto incomodava as elites da cidade, expressando-se por meio do jornal, a

morosidade e a não conclusão do jardim? Não podemos esquecer que a maioria dos fiéis desta

igreja era de membros das elites da cidade. Políticos, comerciantes, intelectuais, ricos

agricultores que a mantinham com seus dízimos e ofertas sentiam-se no direito de cobrar

providências com relação à situação exposta acima. Também ao olhar dessas pessoas, este

templo católico era um dos cartões de visita da cidade e, portanto, deveria ser um local bem

apresentável com jardins e praças, que não fizessem vergonha a qualquer outra urbe.

Entendemos por “fazer vergonha”, o sentir-se inferior às demais localidades mais bem

aprazíveis em suas estruturas urbanas e de saneamento.

A preocupação com o embelezamento, higienização e asseio da cidade não estava

necessariamente ligada aos interesses daqueles que não participavam da elite ou com o seu

bem-estar, mas associada à preocupação dos poderes locais e da elite com a imagem que os

visitantes levariam da cidade, colocando-se a questão do asseio urbano como uma necessidade

inadiável. Podemos notar nas reportagens analisadas, a preocupação em propagar a imagem

de uma cidade bonita, limpa, higienizada e de pessoas dignas, sem se preocupar com a

situação do restante da população. Como fica visível no excerto d’O Lidador, “o asseio da

cidade é [sic] não há quem negue necessidade inadiável. Agrada aos habitantes, higieniza a

cidade e impressiona bem as pessoas que nos visitam”324.

Para isso, segundo o exposto na impressa local nos anos de 1930, era preciso limpar os

oitões e muros das casas, pois pela sujeira em que se encontravam passavam uma imagem

323 O Lidador, 19 mar. 1935. 324 Ibidem, 8 fev. 1935.

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negativa dos habitantes de Jacobina. Era preciso “mudar e alvejar a roupa da cidade de

Jacobina”, para assim dar “mais realce” e causar uma melhor imagem aos olhos do público.

Em quase todas as cidades do interior existe a praxe, em fase as leis municipais, dos proprietários assearem as frentes e paredes laterais das casas de residências, muros, etc., para dar mais realce a cidade. [...] A cidade esta precisando dos serviços de pedreiros e caiadores para alvejarem os oitões, limparem os muros, etc., que aí estão á vista do público, dizendo mal dos nossos costumes325.

Na análise acima podemos inferir as intenções e os significados das palavras do

articulista que, nas entrelinhas, critica a mudança superficial destes costumes citadinos. A

questão vai além da estética da cidade para calcar-se na necessidade de uma reformulação do

costume de não limparem e cuidarem de suas casas, deixando-as desleixadas e sujas.

Ressaltando-se mais do que necessariamente uma caição das casas a necessidade do

abandono, de maneira concreta, pela a população de Jacobina, desse e de outros costumes que

ficavam mal a quem os observava.

3.4 AS MUDANÇAS SOCIAIS E CULTURAIS NA SOCIEDADE JACOBINENSE.

A imagem abaixo, de autoria e data desconhecidas, mostra a Estação da Leste cheia de

gente. Nela é visível a agitação e movimentação nos arredores da Estação de Jacobina, muitas

pessoas indo para lá e para cá, podendo ser um dia especial, de festa na cidade, alguma

personalidade importante que estava chegando para visitá-la ou era um dia como outro

qualquer, sendo comum aquela quantidade de gente na estação.

325 O Lidador, 24 fev. 1935.

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Figura 14 - Estação da Leste em Jacobina. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV. Sem autoria e sem data.

No momento em que foi tirada a fotografia acima havia apenas homens na Estação

ferroviária (conforme minuciosa análise da fotografia em zoom). A novidade da ferrovia

trouxe um novo espaço de sociabilidade, introduzindo o costume de passear nas tardes de

domingo, na Estação, ocasião para vestirem seus melhores trajes e expressarem

comportamentos sociais adequados aos padrões de civilidade copiados dos grandes centros

urbanos europeus. Trajavam seus melhores paletós, em tons claros, prevalecendo o branco

(ainda que a foto seja P&B sabemos ser esta a preferência masculina de elegância deste

período) sempre dando charme aos modos e gestos com lenços presos no bolso do casaco,

chapéus típicos dos anos 30 e gravatas, segundo a moda usada na capital do Estado. As

mulheres, ausentes neste espaço (à exceção daquela que destacamos com uma seta em cor

vermelha) dá-nos a entender ser o local um espaço de sociabilidade masculina. Uma situação

nova a ser experimentada e que deveria ser registrada pelo fotógrafo ali presente.

As elites atentas à moda e aos novos modos de viver da capital, tidos como civilizados

e modernos, ditavam as novas formas de vestir, de calçar, de se divertir e de se comportar que

iam sendo incorporados pela população de Jacobina. Imbuídas de discursos de civilidade e

moralidade, buscavam moldar os costumes e hábitos antigos marcados por contrastes e

contradições sociais que delimitavam os territórios da cidade, com a chegada do trem.

A fotografia abaixo, intitulada pelo autor de Viajantes de Trem, em uma época

posterior, na década de 1960, mostra o fascínio que possivelmente o trem ainda provocava.

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Pensamos que o vagão está aparentemente estacionado e por esta razão servindo de local para

as pessoas se aconchegarem em uma conversação e olharem a paisagem. Não podemos,

contudo, afirmar categoricamente que eram passageiros no aguardo do embarque, como

sugere o título da imagem dado pelo seu próprio autor, pois, simplesmente, não há bagagens a

nossa vista.

Figura 15 - Viajantes de Trem. Autor: Osmar Micuccí, 1960. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

Entretanto, em conversas com ex-ferroviários, ouvimos muito o comentário que, antes

de embarcarem, as pessoas paravam para serem fotografas à frente do vagão em que iriam

viajar, como esta foto, tipicamente então, nos revela. Por informações que nos chegaram a

partir do Núcleo que nos concedeu o direito de publicação desta fotografia, a senhora

retratada em primeiro plano da foto é a Profª. Alcira Pereira Carvalho Silva, poetisa e

escritora, membro da Academia Jacobinense de Letras.

Chapéus, luvas, gravatas, paletós e novos artigos de luxo passaram a fazer parte do

vestuário da população de Jacobina. Moças e rapazes em cada estação encantavam os

viajantes, não menos encantadores. Usavam guarda-pó para manterem a vestimenta impecável

até o final do trajeto, “evitando sujar suas vestes com a fuligem que a Maria Fumaça ia

soltando pelo caminho”326, como é ressaltado pela professora acima retratada:

Era um luxo viajar de trem para Salvador. Usavam-se chapéus, luvas e guarda pó. [...] Usava-se para essas viagens um guarda-pó, para conservar impecável a vestimenta até o final do trajeto. Os cavalheiros usavam roupas

326 Patrícia Moreira. “Maria Fumaça cortava os sertões levando a modernidade”. Bahia documento5 - Transportes e energia. Caderno 8. Jornal A Tarde. Salvador: quarta-feira, 15 mai. 2002. p. 2.

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completas, gravatas e paletó; as moças e senhoras usavam chapéus. Isto nos idos de 1937327.

Ao relembrar como era a viagem de trem, Alcira Pereira Carvalho explica como era

viajar de classe especial: “Este trem a vapor possuía uma classe especial - a do restaurante,

muitíssimo bem equipado, cujo cardápio era de fazer inveja a aqueles que apreciavam uma

boa refeição. O carro-dormitório era um luxo só; cabines isoladas por cortinas, vigia que

ficava alerta toda à noite328”.

Esse primor nos modos de vestir era mais percebido por ocasião da promoção das

grandes festas, como os famosos bailes de gala, quando se fazia presente a maioria da moças e

rapazes, geralmente aqueles que representavam as elites da cidade. Era a oportunidade de

ostentar todo o seu charme e riqueza. As damas aproveitavam para usarem seus trajes

importados da França e seus belos penteados, recobertos de ouro pelos pais a fim de dourar-

lhes os cabelos, tornando-os reluzentes. Os rapazes por sua vez também usavam distintas e

bonitas roupas de gala, de acordo com o momento329.

Também por realização das grandes festas e bailes, o tipo de bebida servida na época

eram os licores de jenipapo e girame, considerados famosos e finíssimos pela população local,

geralmente trazidos de outras regiões. Da mesma forma, o gelo usado para acompanhar as

bebidas “era novidade e vinha de Salvador embalado em pó-de-serra”330 pelos ferros das

estradas.

São visíveis os anseios das elites locais e a construção por parte das mesmas de um

novo ideal e imagem de cidade que não lembrasse os tempos coloniais e que por isso

precisava se dissociar do rural e negar sua formação tradicional que não condizia com o

modelo de cidade por eles almejada e planejada.

Neste sentido, houve uma preocupação por parte dos poderes públicos com a

construção de obras e funcionamento de alguns serviços públicos como o fornecimento de

energia elétrica e o atendimento do transporte ferroviário. E também com o disciplinamento e

controle de práticas tidas como atrasadas, que contribuíam para a construção de um conceito

anticivilizado da cidade de Jacobina e dos seus habitantes.

327 Alcira Pereira Carvalho Silva. “Trem da Grota”. A Letra. Ano IX, nº. 27. Jacobina-Ba, abr/mai. 2002. p. 1. 328 Ibidem. 329 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 7. 330 Ibidem.

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Figura 16 - Carro de Boi. Autor: Lindenício Ribeiro, 1970. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV.

A figura acima focaliza um carro de boi com algumas pessoas em cima, que servia

como meio de transporte e locomoção em seu trabalho no campo e para irem à cidade. Esta

imagem é a representação de uma cena comum à vida cotidiana na zona rural de Jacobina, na

década de 1920, que como se vê perdurou até 1970, que era subir em um carro de boi, com os

melhores trajes para ir à cidade, um costume considerado pelas elites como antigo e atrasado,

“colonial” que não condizia com o modelo de cidade almejada e planejada por elas.

Representava a presença e permanência de práticas sociais rurais e “coloniais” em uma cidade

que estava passando por um processo de urbanização, demonstrando o movimento e a

dinâmica que existe no campo e sua relação e ligação com a cidade.

O trânsito de carroças e a presença de animais soltos na cidade eram regulados pelos

poderes públicos, mediante o Código de Posturas Municipais331, que legisla sobre as funções

urbanas da cidade, sendo utilizado pelas classes dominantes como um mecanismo de controle

dos usos e apropriações do espaço urbano, ditando o que a população podia ou não fazer.

Dessa forma estabeleciam-se os conflitos entre as leis e os costumes que fogem a regra.

As leis municipais, mediante o Código de Posturas de 1933, instituíram que não era

“permitido aos carroceiros montarem no centro das carroças. O animal terá freio ligado ao

cabeção e o referido condutor pegado à rede, sob pena de 10$000 de multa”332. Sendo que,

“igual pena será aplicada aos carreteiros que entrarem na cidade sem que os guios [sic]

venham à frente dos bois, puxado numa corda ligado a cabeça dos bois, e bem assim aqueles

que passarem com carros pelas pontes em geral”333 determinando que “será terminantemente

331 Código de Posturas Municipais. Atos do Prefeito (1933-1938). nº. 65. 30 dez. 1933. 332 Ibidem. Artº 120. 333 Op.cit.. Artº 121.

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proibido automóveis, caminhões, carros de boi, carroças sem matricula. Pena de 10$000 de

multa” 334.

Segundo o mesmo Código de Posturas Municipais, também ficou proibida a criação de

animais soltos no perímetro urbano. “Fica proibido criar animais suínos, caprinos e langras,

soltas dentro da sede do município, vilas arraiais e povoados, sob pena de serem mortos e

multado o infrator”335.

O descumprimento dessa postura e imposição municipais pela população de Jacobina

encontrou no jornal O Lidador um espaço de denúncia por parte de uma parcela da população

que se incomodava com a continuação dessa prática costumeira, considerando-a como uma

prática atrasada dentro de uma cidade que buscava progredir. Várias eram as queixas e

denúncias feitas contra a existência de animais, (porcos, vacas) soltos no perímetro urbano, o

que segundo elas, trazia alguns transtornos para os transeuntes e contribuía para a falta de

higiene na cidade.

Os que estão reduzindo a cidade a um campo sujo de criar porcos, não poderão ficar aborrecidos com quem almejando e pugnando pelo progresso dela, se insurgem contra a porcaria. Até nas roças, só é permitida tal criação quando os seus proprietários fazem tapumes apropriados336.

Percebemos de acordo com as denúncias que se encontram n’O Lidador, como a todo

custo, as elites buscavam moldar e impor outros costumes à população jacobinense, levando-

nos a considerar as pessoas que continuavam criando animais soltos pelas ruas como inimigas

da cidade, pois não contribuíam para o seu desenvolvimento, mas para que continuasse no

verdadeiro atraso. É necessário perguntar o porquê de se incomodar com tal hábito. Em que e

a quem prejudicava tal fato? O que estava por traz e o que se queria com a imposição de uma

postura municipal como essa? A continuidade de tal prática social prejudicava a imagem

civilizada que elites propagavam da cidade, principalmente no que refere ao centro urbano e

aos representantes do comércio local, cujos clientes se incomodavam com a sujeira que esses

animais deixavam perto das lojas.

Percebemos em Jacobina um espaço de discordâncias e de contradiscursos. Uma parte

da população queria impor novos modos de viver e lutava por melhoramentos urbanos,

enquanto uma grande parte continuava a manter os velhos costumes de uma cidade antiga e a

não se importar e valorizar os esforços de quem, segundo as elites, se importava com o

progresso jacobinense.

334 Código de Posturas Municipais. Atos do Prefeito (1933-1938). nº. 65. 30 dez. 1933. Artº 122. 335 Ibidem. Artº 57. 336 O Lidador, 16 fev. 1936.

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Um dos símbolos urbanos que deu certo sentido às transformações urbanas na cidade

foi a construção do coreto que ficava na Praça Castro Alves em frente à igreja da Matriz. Na

época em que foi tirada a foto abaixo, uma cidade que buscava estar nos rumos do progresso e

do desenvolvimento, segundo os ideais de civilidade e modernidade das elites locais, deveria

ter uma praça urbanizada, com belos jardins e uma igreja no meio, tendo em destaque um

coreto em frente.

Figura 17 - Coreto Municipal de Jacobina na Praça da Matriz. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus IV. Sem autoria e sem data.

Esta fotografia deixa perceber que Jacobina buscava não estar fora desta perspectiva

de ideal de cidade. Retrata um coreto limpo e iluminado para o deleite e diversão das elites

daquela época. Durante as décadas de 1920 a 1950, o coreto da Praça da Matriz funcionava

como ponto de encontro e lazer familiar, espaço de apresentação das orquestras filarmônicas e

onde aconteciam as serenatas, local privilegiado para se apreciar a paisagem e namoro entre

os jovens. Ao contrário da estação ferroviária, a princípio um espaço demarcado para a

sociabilidade masculina, o coreto traz para as ruas as moças de família, bem vestidas, calçadas

e penteadas nos rigores da moda da época e, como a foto registra, sempre acompanhadas por

um varão, talvez um irmão, um primo de uma das moças que aparece no retrato a protegê-las.

Estas moças parecem fazer parte das elites jacobinenses que aproveitaram o domingo para sair

e exibirem-se no coreto.

O coreto municipal era também um lugar favorável para a aglomeração e realização de

jogo do bicho, costume ilegal considerado como imoral, a ser reprimido pelos poderes

públicos. Aos olhos das elites não ficaria bem semelhante espetáculo em plena praça pública,

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perante os visitantes337. A repetição da realização deste tipo de jogo, por uma parte da

população de Jacobina era criticada e as “coisas do jogo” ganham visibilidade nas páginas do

jornal O Lidador, mas sempre persistia o jogo. “Coisas do jogo! Mais um rolo registrou-se

ontem, á noite no Ispora do Sr. Miguel Francellino. Tombos, gritos, zoada pancadaria e corre-

corre. Sempre o jogo!”338.

Por que reprimir tal costume? Por que incomodava tanto as elites o jogo em praça

pública? Será que não se estava mais preocupado com outras questões como a troca e difusão

de novas idéias, entre tanta gente junta? Vemos que manter a ordem era o principal problema,

ao se enfocar o barulho e gritaria que acontecia quando ocorria jogatina. Com certeza a

ininterrupção do jogo em praça pública, em frente ao coreto municipal, prejudicava a moral e

os bons costumes almejados para uma cidade civilizada e moderna, cujos habitantes não se

envolvem com as questões do jogo.

Com a chegada da ferrovia, as idéias de civilidade e moralidade se tornam ainda mais

contundentes e urgentes e deveriam ser colocadas em prática. Regulavam-se até os palavrões

que eram proferidos em voz alta pelos funcionários da Leste durante a viagem de trem.

Segundo o jornal O Lidador, o uso de palavrões “indignava aos ouvintes e recomendavam

mal a Companhia”339.

A instalação da linha férrea provocou uma nova configuração espaço-temporal, com o

a ampliação e reajustamento dos fluxos, do espaço urbano e dos equipamentos coletivos,

inaugurando novas maneiras de organizar o tempo e impondo-lhe um novo ritmo, com a

agitação da chegada e saída dos trens. O tempo passou a ser regido de acordo com o apito dos

trens.

A alegria e o alvoroço pela chegada do trem, aumentando-se a adrenalina dos que

vinham nele quando o maquinista acionava a buzina, avisando que estava chegando, são

destacados no trecho do texto de Aloísio Sales Queiroz, para a revista A Letra, da Academia

Jacobinense de Letras:

Lá vem o trem! O alvoroço se formava antes mesmo de surgir na curva, já se ouvia o “vuc-vuc” à distância. E para aumentar a descarga de adrenalina nas veias daqueles que estariam envolvidos com o trem. O maquinista acionava a buzina, [...] Piuíí... 340

337 O Lidador, 18 jan. 1935. 338 Ibidem, 23 fev. 1936. 339 Edição de 7 abr. 1935. 340 Aloísio Sales Queiroz. “O Trem das Grotas”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 17.

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A agitação pelo apito do trem quando apontava na serrinha é descrito em verso na letra

da música “Minha infância em Jacobina ó menina”, do cantor e compositor Aristeu Queiroz,

que divulgou Jacobina e suas belezas, no auge da sua carreira, na Rádio Nacional do Rio de

Janeiro.

Na Serrinha341 a vez é minha O trem apita, o povo se agita, Esperando alguém Que vai chegar o trem342

Os segmentos acima mostram que o cotidiano de uma pacata cidade do interior foi de

certa maneira modificado pela buzina do trem, inaugurando novas maneiras de se lidar com o

tempo e impondo-lhe um novo ritmo. Era só o trem apontar nas serras de Jacobina, por detrás

da Bananeira e Serrinha343, marcando os horários cotidianos da população, que o povo se

agitava e se alvoroçava. “Era rasgão tecnológico das máquinas capazes de moverem os

corpos, de cortar as distâncias com muita rapidez, que encantava o homem em Jacobina”344.

Nota-se um sentimento de saudosismo daquele tempo em que existia o trem para

trazer animação para a cidade. Ao se referirem ao alvoroço e à agitação do povo jacobinense,

quando o trem apitava, os autores estão também fazendo referência às mudanças e agitação,

que o mesmo trazia para a cidade e sua população, nos aspectos econômicos e sociais.

Além da propaganda negativa da cidade e da ferrovia veiculada pela imprensa local da

época, construiu-se uma memória fáustica, saudosista e prosaica em torno do período

considerado áureo em que funcionava a Leste Brasileiro em Jacobina, tanto nos relatos de

memorialistas, como nas narrativas de antigos moradores e dos ex-ferroviários, que defendem

a empresa na qual trabalharam.

O sentimento de algumas poucas pessoas que escreveram sobre a Jacobina da época

do Trem das Grotas, ao recordar o tempo em que a ferrovia passava na cidade, revela um

saudosismo dos tempos tidos como áureos, de progresso e desenvolvimento para a cidade e

para a região. Foram textos que tentaram reconstruir ou simplesmente contar o período em

que a ferrovia foi encampada pelo governo de Getúlio Vargas (1935), passando a funcionar

com o nome de Leste Brasileiro; o período descrito como o mais áureo da empresa, momento

especial lembrado com tristeza e saudosismo pelas pessoas que vivenciarem e viram de perto

341 Refere-se a um dos primeiros bairros da cidade de Jacobina. 342 Banco do Nordeste do Brasil S. A.. Jacobina. Fortaleza-CE: Grafinort indústria gráfica, 1985. p. 11. 343 Nomes dos bairros mais antigos de Jacobina, localizados na entrada da cidade entre as principais serras que compõem o relevo jacobinense. 344 Vanicléia Silva Santos. Sons, Danças e Ritmos: a Micareta de Jacobina - Bahia (1920 a 1950). São Paulo: PUC-SP, 2001. p. 17. Dissertação [Mestrado em História Social].

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a ocasião de seu domínio e esplendor. Segundo Agnaldo Marcelino Gomes, “quem não sente

saudades da Maria Fumaça, com seu barulho característico e o apito estridente ecoando por

entre as serras, trazendo saudades de alguém que partiu ou aquela ansiedade da espera de

alguém que vinha retornando no trem, para o velho ninho de saudades”345.

Gomes faz menção a como era gostoso o tempo em que ia aos domingos à estação

esperar o trem que ia chegar; tempo este que segundo ele, vai distante e não volta mais.

Explana quanta saudade deixou a espera do trem aos domingos na estação, com um trem

descendo e outro subindo de Jacobina.

[...] A espera na estação, o encontro com a namorada, um aperto de mão, o piscar de olhos, tempo gostoso que já vai distante e que não volta mais, aos domingos ir à estação para despedir-se de alguém e às vezes para acompanhá-la até a próxima estação, sempre aos domingos, porque havia um trem descendo para Caém e outro subindo para Miguel Calmon, que eram as próximas estações de Jacobina... [...]. Um longo apito e a saudade cortando o coração, hoje só restam à saudade346.

No seu texto, Agnaldo Marcelino expõe com riqueza de detalhes como era esperar o

trem e o ambiente na estação e seus arredores. Um lugar cheio de vida, alegria e com ar de

festa, envolvido por sentimentos e emoções. Lembrando a existência do bar da Leste, que

ficava no prédio anexo ao da estação, onde tomava cerveja, enquanto esperava o trem chegar,

escreve:

Bar da Leste que funcionava em anexo ao prédio, onde se tomava umas e outras, uma loura bem gelada enquanto se esperava a chegada do trem, às vezes havia música ao vivo, quando a namorada de algum seresteiro ia viajar ou estava chegando férias, era sempre uma festa347.

O autor descreve quanta saudade a Maria Fumaça deixou: “recuando no tempo e

revolvendo a mente, são muitas as saudades de um tempo que a gente era feliz e não sabia”. E

faz uma pergunta pertinente e interessante: “que fazer com os sentimentos quando eles

retornam como uma linda canção de amor? Maria Fumaça, você ficou na lembrança. Hoje só

resta a saudade348”.

Esse sentimento de saudade, do tempo em que existia a Estação Ferroviária em

Jacobina, também é percebido no trecho do texto escrito pela professora Alcira Pereira

345 Agnaldo Marcelino Gomes. “Maria Fumaça... quanta saudade!!!” . A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 5. 346 Ibidem. 347 Idem. Ibidem. p. 6. 348 Agnaldo Marcelino Gomes. “Maria Fumaça... quanta saudade!!!”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 6.

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Carvalho Silva para o jornal A Letra, no qual destaca o seu inconformismo com a desativação

da linha de ferro na cidade e a falta de esperança na possibilidade de sua reativação.

Quanta saudade daquele tempo em que também fazia parte de nossa vida ir ver o Trem da Grota voltar, ir buscar parentes e amigos, trazer novidades para a terra, encantar corações. Infelizmente o vimos ser desativado, não havendo mais esperança de um retorno da linha de ferro por onde tanto andou o inesquecível Trem da Grota349.

Também Aloísio Sales Queiroz, no final de seu artigo O Trem das Grotas, demonstra

um sentimento de saudade do tempo em que “O Trem das Grotas cortava as serras de

Jacobina, trazendo desenvolvimento e progresso político-social para a cidade e região”,

restando, segundo ele, só a saudade de um passado que não volta mais, cheio de aventuras e

fantasias, proporcionadas pelo ir e vir dos trens.

Com o trem, surgiu o desenvolvimento político-social e um progresso evidente para a região. Hoje nos restaram as saudades de um tempo de aventuras e de fantasias, onde nos sonhos, embarcávamos no Trem das Grotas350.

Aloísio Sales também reaviva a memória que traz as lembranças das poucas vezes em

que foi esperar o trem, como era movimentada a estação, lembrando-se principalmente do

barulho e alegrias das crianças, que viviam em torno da estação.

[...] Era uma alegria muito grande que eles passavam para as crianças ali presentes; mesmo antes de o Trem surgir na curva, de corações disparados, até mesmo, os daqueles menores que alimentavam a esperança de um dia poder dar um ‘pongadinha no Trem’. Os meninos faziam uma festa! Infiltravam-se entre as pessoas para vender guloseimas àqueles passageiros que permaneciam sentados, a observar a movimentação em torno do Trem [...] 351.

As figuras colocadas abaixo, também são dotadas de significados que devem ser

interpretados pelos sujeitos que as vêem. A primeira é uma fotografia do pontilhão da estrada

de ferro, tirada na década de 1970, por Normando Lima. A segunda, de autoria desconhecida,

é a foto da construção do prédio de um dos Campus da Universidade do Estado da Bahia -

UNEB, em 1980, no local onde antes funcionava o prédio da estação da Leste em Jacobina.

349 Alcira Pereira Carvalho Silva. “Trem da grota”. A Letra. Ano IX, nº. 27. Jacobina-Ba, abr/mai. 2002. p. 1. 350 Aloísio Sales Queiroz. “O Trem das Grotas”. A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 19. 351 Idem. Ibidem. p. 17.

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Figura 18 - Pontilhão da Estrada de Ferro. Autor: Normando Lima, 1970. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado Bahia, Campus IV.

Figura 19 - Construção do Prédio do Campus IV- UNEB. Autoria desconhecida, 1980. Fonte: Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade da Universidade do Estado Bahia, Campus IV.

A fotografia do pontilhão da estrada de ferro representa o único vestígio de que em

Jacobina existiu ferrovia. Traz a lembrança de algo que ali houve ativamente, mas agora só

ficando a lembrança dos tempos em que passavam os trilhos da Leste entre as serras

jacobinenses.

Pela segunda fotografia, notamos que, no local onde funcionava a Estação da Leste, foi

construído o prédio do Departamento de Ciências Humanas - Campus/IV, da UNEB. No lugar

de um equipamento urbano, símbolo da modernidade, que não mais atendia aos anseios de

uma cidade, que procurava se desenvolver economicamente foi construído um novo elemento,

signo da modernidade e símbolo do conhecimento.

Com a desativação da linha férrea que passava em Jacobina, em 1976, os trilhos foram

arrancados e a estação demolida, não se deixando qualquer vestígio material sobre a

existência da ferrovia. Para tristeza da população jacobinense “por volta de 1975/76 não se

ouvia mais o grito rouco e o apito saudoso cortando os ares, Maria Fumaça emudeceu352”,

deixando saudade.

352 Agnaldo Marcelino Gomes. “Maria Fumaça... quanta saudade!!!” . A Letra em Revista. Jacobina-Ba: Academia Jacobinense de Letras, set. 2001. p. 6.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho longe de propor uma análise pronta e definitiva dos impactos causados

pela presença da ferrovia na cidade de Jacobina, no início do século XX, procurou trazer

algumas reflexões sobre as mudanças ocorridas na cidade, com a chegada da Estrada de Ferro

Federal Leste Brasileiro. Durante os anos de 1920-1945, passou-se de uma expectativa

promissora de modernização e progresso para Jacobina com a implantação de um meio de

transporte mais moderno e eficiente, para uma situação menos satisfatória, da falta de

investimentos e melhorias ferroviárias, criando-se frustrações em uma parte da população, que

tinha na ferrovia, a concretização dos seus desejos de modernização.

Algumas questões impulsionaram esse trabalho: será que a ferrovia teve algum

significado para a cidade e a população de Jacobina? Ela foi importante para a região? Em

quais aspectos? Algumas foram respondidas no decorrer do trabalho, mas outras ficaram sem

respostas.

Neste sentido, podemos dizer que a implantação da linha férrea, considerando ora suas

influências positivas, ora seus aspectos negativos, foi dotada de vários significados e

representações sociais, dentro de uma visão modernizadora e progressista, adequando-se,

segundo os interesses dos setores e atores sociais envolvidos, especialmente para as elites

locais, a parte mais desejosa e responsável pela sua instalação, bem como para a população

em geral.

Percebemos que a história da cidade foi tecida a partir da expressão das contradições e

ambigüidades da modernidade. Até certo momento, a ferrovia torna-se símbolo do progresso.

No início da década de 1920 até 1940, ressaltou-se a importância da linha férrea, a cidade era

vista existindo com seu dinamismo social por causa da ferrovia, atribuindo-se o

desenvolvimento econômico à presença da Leste. Em outro tempo, depois de 1940, a ferrovia

ao entrar em um processo de declínio e decadência, enfrentando dificuldades financeiras, não

contribuindo mais satisfatoriamente para o desenvolvimento das atividades comerciais,

passou a representar um entrave ao progresso pretendido para a cidade de Jacobina.

Principalmente com o trem e posteriormente sem ele, o espaço urbano se dinamiza e se

transforma pela ação dos homens que o constitui, a cidade vai se estruturando e se tornando

mais urbanizada, objeto e resultado das práticas sociais variadas.

Ao longo do trabalho nos detivemos na descrição da história de Jacobina e do histórico

da ferrovia. Este esforço teve o intuito de compreender o desenvolvimento e entrecruzamento

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dessas duas histórias, que se entremeiam na construção do processo histórico, tomando a

ferrovia como um dos principais referenciais modernizadores e um dos elementos promotores

de modificações da trama urbana. Mostramos alguns aspectos da cidade antes e depois do

trem, para destacar a compleição e extensão modificadora da ferrovia.

Mesmo passando por um momento de sucateamento e mau funcionamento, a presença

da ferrovia passou a fazer parte e a moldar a identidade da cidade de 1920 a 1945, sendo um

referencial, uma marca na sua história, não se destruindo por completo a memória do apito do

trem “rasgando as serras de Jacobina”, acordando de madrugada, dando vida e movimento a

cidade. Sempre aflorando o sentimento do tempo do trem, com seus caminhos de ferro, nas

memórias de quem viveu esse momento, não importando se analisam a cidade de hoje mais

bonita e melhor para se viver ou se a de antes, a Jacobina antiga, dos trilhos por onde passava

a Maria Fumaça.

A Leste Brasileiro durante o período do seu funcionamento sofreu influências e

incentivos de capitais ingleses, franceses e belgas. Percebemos que o período em que a

empresa esteve sob administração francesa, de 1911 a 1934, não foi produtivo

financeiramente e tais arrendatários não foram bem vistos e aceitos por uma parte da

população, incluindo os ferroviários, que reclamavam contra os abusos e exploração dos

empregados da Leste, enquanto subordinados aos franceses.

Segundo os relatórios da Leste, os piores anos, foram os relacionados “a época dos

franceses”. Ao contrário, o período que vai de 1934 a 1938 (sob o Governo de Vargas) foi de

otimismo com relação aos recursos financeiros e melhoramentos no transporte ferroviário. A

partir de 1939, percebe-se um déficit financeiro nas contas da empresa e o início da crise e

declínio do transporte ferroviário que se agravou a partir do ano de 1946.

Por todas as questões organizacionais e funcionais, a Leste Brasileiro teve e tem até

hoje um significado social e representativo no imaginário da população jacobinense. Sendo

considerada na época, como sinônimo de progresso e desenvolvimento para a cidade e região.

Também se destaca sua importância e influência na mudança de sua funcionalidade,

impulsionando juntamente com outros fatores o desenvolvimento comercial de Jacobina.

Esta empresa ferroviária foi muito importante para o Nordeste e para a Bahia, por

agenciar diversas funções no território, movimentando pessoas e bens, fornecendo serviço

telegráfico, empregando técnicos e trabalhadores braçais. A Leste serviu como um meio de

interligação regional, atingindo plenamente a vida social e nos aspectos referentes à

coletividade do sertão baiano.

Mediante as mudanças que implantou territorial e socialmente, a Leste contribuiu

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significativamente para o desenvolvimento e ampliação de fronteiras territoriais, sociais e

culturais, do país, da região Nordeste e do Estado da Bahia, onde se localiza em específico a

cidade de Jacobina, trazendo novos meios de comunicação, de transporte e de trocas

comerciais e culturais que constituíram a população sertaneja.

O trem foi o principal meio de transporte moderno na região, que para a cidade de

Jacobina, trouxe várias mudanças urbanas, sociais, culturais e econômicas, notadamente no

comércio, através de uma maior agilidade nos transportes de mercadorias e da articulação

com outras áreas comerciais.

A ferrovia não deve ser vista por si só, como um símbolo propulsor do progresso e

desenvolvimento, mas como um elemento de expressão da modernidade, que juntamente com

outras transformações e equipamentos urbanos contribuiram para tornar expressivo o processo

e ideal modernizador em Jacobina.

Percebemos no desenrolar das conversas com os ex-ferroviários destacados no texto,

cujas memórias são saudosistas do tempo da Leste, o significado e importância da ferrovia

para essas pessoas. Para eles, enquanto empregados da Leste, trouxe mudanças e novas

perspectivas para as suas vidas, representando seu trabalho e forma de sustento, aliada a uma

expectativa de vida para melhor, como fica expresso na entrevista com Valdir.

Nas entrevistas, os dois ex-ferroviários, cujas narrativas privilegiamos, tentam passar a

idéia de que tudo funcionava perfeitamente e que a empresa ferroviária cuidava bem dos seus

funcionários, oferecendo boas condições de trabalho. Na realidade, isso não acontecia, sendo

uma carga de trabalho excessiva e muita exigência e disciplina cobrada dos ferroviários no

desenvolvimento das suas atividades, sem oferecer as condições suficientes para um bom

desempenho do transporte ferroviário.

Consideramos, em certa medida, que a posição de defesa, presente nas falas dos dois

ex-ferroviários entrevistados, tem a ver com a auto-referência desses sujeitos, enquanto

integrantes da categoria de operários ferroviários, que reagia e resistia à política de

sucateamento do transporte ferroviário no Brasil e na Bahia, e também pela ligação desses

trabalhadores da estrada de ferro com o seu ambiente de trabalho e com a formação de sua

identidade pessoal.

Mesmo não tendo contato com ex-ferroviários que nos passassem visões diferentes,

devemos levar em conta, que também podem existir aqueles trabalhadores das estradas de

ferro, que devido a outras experiências, dessem outro significado ao trabalho ferroviário, não

se identificando com a ferrovia, mantendo uma idéia negativa da empresa, não havendo uma

ligação com a auto-referência ferroviária, atribuindo outra representação social a Leste.

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Podemos destacar também a ligação da imprensa local com seu discurso ufanista e

progressista, veiculando novos pontos de vistas sociais e políticos, com a construção de um

novo ideal de cidade, com ares modernos e novas formas de condutas, sendo as colunas e

notas do principal jornal da cidade, O Lidador, destinadas a criticar qualquer posicionamento

em contrário com as regras e condicionamento urbanos, condizentes com os grandes centros e

interesses das oligarquias rurais.

Neste trabalho, pretendíamos explorar mais o uso da fonte oral, reconhecendo o seu

valor e contribuição no esclarecimento das teias das histórias e memórias das pessoas que

vivenciaram e sentem saudades da “Maria Fumaça” e também dos trabalhadores da empresa

ou empregados da Estrada de ferro, como eram chamados os ex-ferroviários da Leste.

Entretanto, no decorrer da pesquisa, tivemos dificuldades em trabalhar com esse tipo de fonte,

ficando essa lacuna, que pretendemos suprir em um posterior projeto de pesquisa.

O uso das fotografias também se limitou a uma tentativa inicial de encontrar algumas

pistas sobre alguns aspectos da cidade de Jacobina e da ferrovia. Devemos esclarecer que o

uso desse tipo de fonte é enriquecedor para a pesquisa, mas também faltou-nos o

conhecimento necessário da técnica de fotografia e da história de alguns fotógrafos de

Jacobina. Ressaltamos que só recentemente temos o estudo do professor Valter Gomes, sobre

a influência e importância da memória fotográfica em Jacobina. Seriam outros caminhos de

pesquisa, detendo-se na análise especifica de fotografias, o que não foi o caso do nosso estudo

neste momento.

Esse é o longo percurso da viagem pelos trilhos da Leste Brasileiro, no Trem das

Grotas, atravessando grotas, montanhas e serras e chegando a Jacobina pelos idos de 1920.

Esta viagem pode levar aonde a imaginação e criatividade queiram chegar, não tem fim nem

começo, o fim pode ser começo e o começo pode ser o fim, depende do olhar e aonde se quer

chegar, no começo ou no fim, que ligam várias histórias, que ainda estão sendo construídas,

escritas e reescritas.

Fica deste trabalho a paixão pelo tema pesquisado, a saudade, o significado e

importância da Leste Brasileiro de uma maneira geral para a vida da cidade e seus habitantes.

As falhas e lacunas, apontadas anteriormente, deixamos para que outros jovens historiadores

(as) possam supri-las. Na medida do possível, levantamos alguns questionamentos e

sugerimos os caminhos para outros pesquisadores, que se sintam seduzidos pela história da

ferrovia, de Jacobina e queiram seguir os rumos dos trilhos da Leste, possibilitando novas

descobertas a respeito do funcionamento do transporte ferroviário, que tanto influenciou a

sociedade e a economia brasileira, nordestina, baiana e especificamente jacobinense.

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GLOSSÁRIO

BREQUE: era o nome dado, geralmente, ao último carro, ou vagão, do comboio de trens que possuía freio mecânico para parar as máquinas e comumente transportava os chefes das turmas de empregados da linha férrea.

DORMENTE: ferros que unem os trilhos.

FEITOR: era o empregado da ferrovia que dirigia, tomava conta e comandava a supervisão de uma turma de operários em determinados trechos das linhas.

FIFÓS: Antigos lampiões de querosene, usado no Norte do Brasil, na época uma das formas de iluminação artificial da cidade. Onomatopéia do ruído assoprado que faz a chama do lampião.

GROTA: refere-se à abertura produzida pelas enchentes em ribanceira ou na margem de um rio, formando uma depressão entre as montanhas. Uma região de vales e serras com clima e solo propícios para a prática da agricultura.

LASTRAR: “lastrar linha”, na linguagem ferroviária, referia-se ao trabalho de colocar uma camada protetora de pedras, britas sobre os dormentes das linhas.

MESTRE DE LINHA: era o chefe superior que fiscalizava e supervisionava o funcionamento dos trabalhos e estado das linhas. Geralmente o mestre de linha percorria os trechos da ferrovia sobre um troller, vendo se os dormentes estavam bons, analisando as condições dos trilhos e verificando se precisava fazer algum reparo nas linhas.

TRÓLEO: “Troller”, um pedaço de lastro de vagão sobre rodas, com uma cadeira no meio, aonde o mestre de linha ia sentado, empurrado por alguns homens que trabalhavam na ferrovia. É semelhante à Baratinha, carrinho com o qual se faz a fiscalização das linhas que se têm hoje. A única diferença é que ela é motorizada e o troller era movido à força humana.

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Anexos

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ANEXO I - Cronologia dos principais decretos e contratos da formação das empresas ferroviárias que constituíram a Leste Brasileiro.

� Decreto legislativo n. 725, de 3 de outubro de 1853 – autoriza a construção da Estrada de Ferro de Ferro da Bahia ao São Francisco. � Decreto legislativo n. 1.242, de 16 de junho de 1865 – autoriza a uma companhia a construir a estrada de ferro da cidade de Cachoeira à Chapada Diamantina e do ramal para Feira de Santana. � Aviso n. 62, de 19 de novembro de 1872 – a partir da massa falida da Estrada de Ferro do Paraguassú, organiza a nova empresa da Estrada de Ferro Central da Bahia. � Decreto n. 9.082, de 14 de dezembro de 1883 – aprova o projeto e orçamento do ramal do Timbó da E. F. da Bahia ao São Francisco (abertura ao tráfego em 1887). � Aviso n. 42, de 30 de janeiro de 1892 – prorroga o prazo da construção do prolongamento de Vila Nova (Bonfim) a Juazeiro. � Lei n. 652, de 23 de novembro de 1899 – autoriza o resgate das estradas de ferro da Bahia (Da Central da Bahia e da Bahia ao São Francisco). A partir daí até 1904 as estradas entram no processo de repasse, de recebimento e arrendamento. No decreto n. 3.565, a Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco é arrendada ao engenheiro Teive e Argollo. No Aviso n. 25, de 7 de abril de 1904, é concluída a liquidação e resgate, em Londres, da E. F. Central da Bahia. � Decreto n. 1.126, de 15 de dezembro de 1903 – autoriza a construção da Estrada de Ferro de Timbó a Propriá. � Decreto n. 7.509, de 19 de agosto de 1909 – o contrato transfere para a Companhia Viação Geral da Bahia, o arrendamento das estradas de ferro federais da Bahia. � Decreto n. 8.648, de 31 de março de 1911 – revisa o contrato anterior. � Decreto n. 8.939, de 30 de agosto de 1911 – autoriza a Compagnie dês Chemins de Fer Federaux l´Est Brésilien a atuar no Brasil e no decreto 9.029, de 11 de outubro de 1991, esta companhia recebe por transferência, o contrato da Companhia de Viação Geral da Bahia. � Decreto n. 9.278, de 30 de dezembro de 1911 – a l’Est recebe por acordo com o governo do Estado de Minas Gerias e do governo do Estado da Bahia, a Nova Companhia de E. F. da Bahia a Minas, da linha de Caravelas a Teófilo Otoni. � Decreto n. 9.718, de 12 de agosto de 1912 – aprova os estudos do ramal de Campo Formoso. � Decreto n. 9.754, de 4 de setembro de 1912 – aprova os estudos de ligação a partir de Jacobina, da E. F. São Francisco à E. F. Central da Bahia. � Decreto n. 10.097 de 26 de fevereiro de 1913 – incorpora a Estrada de Ferro Santo Amaro à Rede de Viação Férrea Federal da Bahia, arrendada à l’Est. Cuja encampação, ocorre no

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decreto n. 3.337, de 5 de setembro de 1917. � Decreto n. 24.321 de 1 de junho de 1934 – o Governo Federal recupera a administração da empresa francesa l’Est. � Decreto n. 3.115 de 16 de março de 1957 – o Governo Federal cria a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA, que englobou a Leste Brasileiro.

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ANEXO II

Tabela - Extensão das Linhas e Ramais da Leste Brasileiro em 1944.

ESTRADA ESTAÇÕES EXTREMAS EXTENSÃO LINHA PRINCIPAL

(SEM OS DESVIOS) (KM) Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco

Calçada (SSA)-Alagoinhas 124,9

Estrada de Ferro de São Francisco Alagoinhas-Juazeiro 453,1Ramal da Barra de Mundo Novo Bonfim-Barra de Mundo Novo 208,4Sub-ramal de Campo Formoso Itinga-Campo-Formoso 9,8Estrada de Petrolina a Terezina Petrolina-Paulista 203,8Alagoinhas a Própria Alagoinhas-Propriá 428,1Estrada de Ferro de Sergipe Ponta do Triângulo-Aracaju 1,9Ramal de Capela Murta-Capela 11,3Estrada de Ferro Central da Bahia Mapele-Umburanas 580,7E. F. Santo Amaro Ramal de Bom Jardim

Barunhem-Bom Jardim 29,6

Ramais da Estrada de Ferro de Santo Amaro

Várias estações 49,0

Ramal de Feira de Santana Conceição de Feira-Feira de Santana 31,5Ramal de Santa Terezinha Triângulo-Santa Terezinha 1,6Ramal de Itiúba Paraguaçu-Itiúba 41,6Ramal de Itaeté Queimadinhas-Itaeté 33,7 TOTAL – 2.209,0

Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro do exercício do ano de 1944, que se encontra no acervo da biblioteca da Fundação Clemente Mariani.

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ANEXO III

Tabela - Movimento Financeiro da VFFLB de 1911 a 1940 (em Réis). ANO RECEITA DESPESA DÉFICIT SALDO

2º. Semestre – 1911 1.680:413$829 1.889:568$821 - 209:154$9921912 3.400:968$107 3.792:769$500 - 391:801$3931913 3.750:707$422 4.421:720$707 - 671:013$2851914 3.627:052$734 4.378:822$181 - 751:769$4471915 3.689:848$065 3.751:320$567 - 61:472$5021916 4.557:162$849 4.570:962$298 - 13:799$4491917 5.272:171$707 5.739:258$102 - 467:086$3951918 5.741:323$317 7.216:848$609 - 1.475:525$2921919 6.897:573$541 8.963:173$650 - 2.065:600$1091920 9.614:484$969 10.901:582$504 - 1.297:097$5361921 8.122:340$707 10.005:117$755 - 1.882:777$0481922 9.174:978$309 9.897:393$062 - 722:414$7531923 9.854:724$801 10.596:459$683 - 741:734$8821924 11.621:932$789 11.970:815$989 - 348:883$2001925 14.407:886$189 14.757:911$727 - 350:025$5381926 14.616:847$736 13.818:173$402 798:674$3341927 14.900:818$456 17.618:357$512 - 2.717:539$0561928 17.625:119$619 18.075:553$491 - 450:433$8721929 18.050:696$264 16.583:444$982 1.467:251$2821930 17.521:852$528 15.942:992$257 1.578:860$2711931 13.910:900$493 15.326:146$186 - 1.415:245$6931932 12.253:999$050 13.313:783$117 - 1.059:784$0671933 12.350:649$310 12.403:746$482 - 53:097$1721934 13.280:787$145 13.128:022$052 152:765$0931935 15.754:685$483 14.25:083:565 1.499:611$9181936 18.204:144$751 15.330:543$129 2.873:601$6221937 19.956:883$900 18.828:719$737 1.128:164$1671938 18.935:837$000 18.854:633$446 81:203$5541939 18.134:901$979 19.513:518$979 - 1.378:617$7791940 21.146:385$500 21.285:993$644 - 139:608$1441941 20.417.582,10 25.235.834,50 - 4.818.252,401942 25.567.687,00 32.441.088,40 - 6.873.401,401943 35.531.835,40 35.591.888,90 - 254.667,901944 $37.923.387,50 58.724.405,80 - 20.801.018,301945 $35.011.645.60 65.844.808,40 - 30.833.162,801946 $34.480.506,50 108.086.006,70 - 73.605.500,201947 $31.223.848,10 116.964.745,20 - 85.740.897,101948 $36.040.009,90 130.985.048,30 - 94.945.038,40

Fonte: Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro dos exercícios dos anos de 1943 a 1948, que se encontram no acervo da biblioteca da Fundação Clemente Mariani.

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ANEXO IV - Mapa Estradas de Ferro da Bahia.

Fonte: Atlas Geoeconômico da Bahia. Salvador, Bahia: [s.ed.], 1959.

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ANEXO V - Mapa Estrada de Ferro da Bahia ao Rio São Francisco.

Fonte: MESQUITA, Elpídio. Viação Férrea da Bahia. Rio de Janeiro: Tipografia do jornal do comércio, 1910.

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ANEXO VI - Mapa da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro em 1965.

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ANEXO VII - Mapa da RFFSA/Superintendência Regional - Salvador-1984.

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