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O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador, c. 1680 – c. 1830 Alexandre Vieira Ribeiro Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino Rio de Janeiro Março de 2005

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O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador,

c. 1680 – c. 1830

Alexandre Vieira Ribeiro

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino

Rio de Janeiro

Março de 2005

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O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador,

c. 1680 – c. 1830

Alexandre Vieira Ribeiro

Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História

Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em História

Social.

Aprovado por: ___________________________________________ Manolo Garcia Florentino– Orientador Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) _______________________________________ Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) _______________________________________ Prof. Dr. José Roberto Goés Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) _______________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (Suplente) Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________________________ Prof. Dr. Marcos Morel Universidade Estadual do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro Março de 2005

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Ficha Catalográfica

RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c. 1678 – c. 1830) /

Alexandre Vieira Ribeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2005. xiii, 149f.: il; 31 cm. Orientador: Manolo Garcia Florentino Dissertação (Mestrado) – UFRJ/IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2005. Referências Bibliográficas: ff. 135-44. 1 – Brasil. 2 – África. 3 – Sistema Atlântico. 4 – Comércio negreiro. 5 – Escravidão.

I –Ribeiro, Alexandre Vieira. II – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social. III – Título: O tráfico atlântico de escravos e a

praça mercantil de Salvador (c. 1678 – c. 1830)

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Resumo

A presente dissertação oferece uma história econômica e social do tráfico de

escravos entre a Costa da Mina, na África Ocidental, e o porto de Salvador no período de

c.1680 a 1830, quando oficialmente acaba o tráfico de africanos para o Brasil. Além do

aspecto transatlântico, ela oferece também uma abordagem da distribuição de escravos de

Salvador para os demais mercados da América portuguesa. Para tanto, montou-se a mais

longa série de viagens negreiras da historiografia brasileira e se estabeleceu os padrões

dessa atividade mercantil em Salvador. Dessa forma, esta dissertação busca fornecer novos

elementos para a melhor compreensão das conjunturas que envolveram o comércio de

africanos entre a Costa da Mina e Salvador, destacando a importância da ligação comercial

que unia essas duas áreas do Atlântico.

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Abstract

This dissertation offers an economic and social history of the slave trade between

Costa da Mina, in Western Africa, and the port of Salvador between c.1680 and 1830,

when the slave trade to Brazil officially ended. Besides the transatlantic aspect, it also

offers a study on the distribution of slaves from Salvador to other markets of the

Portuguese America. In order to accomplish its purpose, a long-run graph of slave voyages

was generated, becoming the longest one present in the Brazilian historiography; and

patterns of Salvador’s slave commerce were drawn. Through this way, this dissertation

intends to bring new elements to better understand the context that involved the African

slave trade between Costa da Mina and Salvador, emphasizing the importance of the

commercial ties that linked these two regions of the Atlantic.

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Agradecimentos

Ao CNPq que financiou o primeiro ano de pesquisa e a FAPERJ por ter me

agraciado com a bolsa nota 10 no meu último ano de mestrado, essenciais para a conclusão

do trabalho.

Ao professor Manolo Florentino pela presença constante, paciente e sempre

generosa de sua orientação, contribuíndo com sugestões e críticas pertinentes ao trabalho,

fundamentais no desenvolvimento e no término da dissertação.

Ao professor João Fragoso pela contribuição de valiosas e proveitosas críticas e

sugestões não só emitidas quando da qualificação deste trabalho, mas sempre que

solicitado por mim.

Ao professor Antônio Carlos Jucá, por ter participado da qualificação deste trabalho

com sugestões pertinentes e por ter me ajudado, na reta final, na leitura da documentação

referente ao capítulo 4.

Ao professor José Roberto Góes por ter aceito participar da defesa deste trabalho.

Ao colega de ofício Carlos Kelmer Mathias, ajuda fundamental para a formatação

da dissertação.

Ao professor e também companheiro de laboratório Carlos Ziller pela ajuda

indispensável na impressão da dissertação e pelos excelentes papos no LIPHIS.

Aos meus colegas de ofício do LIPHIS e do IFCS, que sempre me incentivaram,

muitas vezes contribuíndo com dicas sobre a minha pesquisa.

Ao meu amigo Daniel Barros Domingues da Silva, fiel escudeiro, que desde o

início deste trabalho me auxiliou no levantamento de fonte primária, ajuda indispensável;

por ter semanalmente debatido comigo a historiografia africanista; e sempre, mesmo a

distância, se fazer presente, lendo e fazendo comentários proveitosos para cada capítulo

desta dissertação. Dani, muito obrigado!

A Juliana Beatriz, por estar ao meu lado, pelo apoio nas horas certas e incertas, por

me proporcionar momentos de descontração e diversão nestes últimos tempos.

Por fim, aos meus pais César A. da Fonseca Ribeiro e Eliana Vieira Ribeiro ao

carinho e amor incondicionais, fundamentais nesta minha trajetória.

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Abreviaturas AHU Arquivo Histórico Ultramarino AHMS Arquivo Histórico Municipal de Salvador ANRJ Arquivo Nacional, Rio de Janeiro APEB Arquivo Público do Estado da Bahia BNRJ Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro MHB Museu Histórico das Bandeiras, Cidade de Goiás, GO

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Lista de Gráficos, tabelas e mapas

Gráficos Gráfico 1: Médias qüinqüenais de saídas de navios negreiros da Bahia para a África

(1678-1815) , produção de ouro (1700-1800) e da exportação de caixas de açúcar (1678-1767)................................................................................................................22

Gráfico 2: Médias Qüinqüenais de Entradas Estimadas de Escravos Africanos nos Portos de Salvador (1678-1830) e Rio de Janeiro (1700-1830) ............................................27

Gráfico 3: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador, 1776-1824............................................................................56

Gráfico 3.1: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador vindos da África Ocidental, 1776 – 1824..............................57

Gráfico 3.2: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador vindos da África Central Atlântica, 1776 – 1824..................59

Gráfico 4: Remessas anuais de escravos novos da Praça de Salvador diante das estimativas

do tráfico atlântico de escravos (1760-70)................................................................102

Tabelas Tabela 1: Estimativa da importação de escravos para o Brasil por região de origem (1701-

1810)...........................................................................................................................30 Tabela 2: Saídas de navios negreiros da Bahia para a África, de acordo à região africana

de destino, por grandes conjunturas (1678-1775).......................................................54 Tabela 3: Concentração das empresas negreiras que atuavam em Salvador (1788-

1819)...........................................................................................................................75 Tabela 4: Taxas (%) de mortalidade nos navios negreiros provenientes da África que

atracaram nos portos do Rio de Janeiro e Salvador entre 1795 e 1830.............................................................................................................................88

Tabela 5: Duração média (em dias) da travessia entre a África e os portos do Rio de

Janeiro e Salvador, por região africana de embarque, 1803-1830..............................91

Tabela 6: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador (1760-70)....................................................................................................................98

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Tabela 7: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador (1760-70)...................................................................................................................101

Tabela 8: Flutuações na importação de escravos na capitania de Minas Gerais saídos da

Bahia e Rio de Janeiro (1739-1759).........................................................................106 Tabela 9: Remessas anuais de escravos africanos e crioulos por Províncias (1760-70)...108 Tabela 9.1: Remessas anuais de escravos novos por Províncias frente ao tráfico atlântico

(1760-70)..................................................................................................................109 Tabela 10: Remessas de escravos africanos e crioulos por Províncias (1811-20)............115 Tabela 11: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados (1811-20).....................117 Tabela 11.1: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados frente ao destino final

(1811-20)...................................................................................................................118 Tabela 12: Concentração dos despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador

(1760-70 / 1811-20)..................................................................................................119 Mapas Mapa 1: Costa do Ouro, Costa da Mina e Golfo de Biafra.................................................52 Mapa 2 – Centro-Sul do Brasil, século XVIII...................................................................104

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SUMÁRIO

Introdução...........................................................................................................................11

Capítulo 1. Conjunturas e flutuações do tráfico: sobre a demanda..............................19

O ouro impulsionando o tráfico (c. 1680 – c. 1720).................................................19

O declínio do tráfico e a estagnação da economia baiana (1718 – c. 1775).............23

A reorganização do tráfico e a expansão da economia açucareira...........................40

Capítulo 2. ... e a oferta......................................................................................................44

Debate historiográfico: o tráfico e a dinâmica na África..........................................44

Costa da Mina: local privilegiado para o comércio baiano......................................49

A Bahia se fez presente na Costa da Mina...............................................................60

Capítulo 3. Os negócios negreiros na praça mercantil de Salvador..............................74

Concentração, especialização e sociedades..............................................................74

“Perdas em trânsito”.................................................................................................82

Capítulo 4. A terceira perna do tráfico: redistribuição .................................................95

A redistribuição de escravos caudatária do tráfico atlântico....................................95

Demografia dos escravos despachados (sexo, naturalidade e idade).....................116

Concentração dos negócios da redistribuição.........................................................118

Considerações Finais........................................................................................................122

Anexo.................................................................................................................................124

Fontes.................................................................................................................................141

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Introdução

O estudo da escravidão teve e tem um papel fundamental nos percursos da

historiografia brasileira. Tema nobre, sobre o qual vários e importantes intelectuais – em

diversos contextos - se dedicaram, como Gilberto Freyre, que despontou nos anos 30, com

seus estudos sobre as culturas constitutivas da formação social brasileira.1 As análises

freirianas ensejaram estudos comparados entre os sistemas escravistas das Américas,

explicitando, segundo alguns, o caráter benevolente do caso brasileiro em função do

escravismo católico aliado ao patriarcalismo próprio do mundo ibérico, contraposto ao modelo

implacável da escravidão protestante e ao capitalismo do mundo anglo-saxão colonial.2

As idéias de Gilberto Freyre ganharam o mundo. Seus livros foram traduzidos para

diversas línguas, mas, entre nós, suas teorias começaram a ser questionadas principalmente na

década de 60 pela Escola Paulista. Florestan Fernandes, Otávio Ianni, e Fernando Henrique

Cardoso eram os líderes desta corrente de historiadores e sociólogos.3 Novas perspectivas

históricas procuravam desmistificar a idéia de democracia racial e da leniência escravocrata,

atribuídas a Gilberto Freyre, demonstrando o quanto era cruel a escravidão e poderoso o

preconceito racial sobre o negro, além do reflexo deste sobre as populações afro descendentes

no Brasil contemporâneo.

Em todo este percurso historiográfico o tráfico de escravos constituiu um tema pouco

visitado. O comércio de homens foi abordado por Caio Prado Jr., Celso Furtado e Fernando

Novais4 como um fator característico para a explicação da economia e da sociedade escravista

colonial. O comércio de africanos foi entendido como um mecanismo fundamental para a

reprodução da mão-de-obra escrava na América portuguesa – logo, enquanto uma atividade

central do cálculo econômico escravista. Os historiadores clássicos pensavam que em fases A

1 Dentre outros trabalhos cf. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001. 2 A respeito deste debate cf. TANNEBAUM, Frank. Slave and citizen: the negro in the Americas. S/l, 1949; ELKINS, Stanley. Slavery: a problem in American institucional and intellectual life. Chicago: The University Chicago Press, 1968. 3 FERNANDES, Florestan. A organização social dos tupinambás. Brasília: Ed. UnB, 1989; IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. São Paulo: HUCITEC, 1998; CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 4 PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1977; FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional: Publifolha, 2000 (Grandes nomes do

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(de expansão) da empresa colonial ocorreria um crescimento do desembarque de africanos no

Brasil, mas não conseguiram perceber que nas fases B (de retração) do mercado internacional

os empresários coloniais poderiam aumentar o volume de importações com o objetivo de

manter as margens de lucro (ganho por unidade exportada). Deste modo, o comércio atlântico

de escravos era portador de grande potencial para enfrentar as conjunturas de baixa do

mercado externo.5

A origem do tráfico direcionado à América portuguesa, para nossos clássicos, explica-

se a partir da precedência da demanda em relação à oferta da mão-de-obra escrava no Brasil. A

escassez de braços nativos para a produção colonial teria sido o fator determinante para que,

ainda no século XVI, se iniciasse o fluxo de africanos para o continente americano. O único

que destoa desta posição é Fernando Novais, para quem a alta lucratividade obtida com o

tráfico justificaria a opção das empresas escravistas coloniais por adotar africanos nas

lavouras.6

Caio Prado, Furtado e Novais entendiam também que a lógica mercantil tinha um

caráter metropolitano, sendo o comércio negreiro um negócio estruturado e direcionado para

os objetivos do capital comercial europeu. Nesta perspectiva, a própria reprodução do sistema

econômico colonial seria exógena, uma vez que não só a mão-de-obra como também os

recursos necessários para a montagem e funcionamento do empreendimento seriam exteriores

à Colônia. O setor mercantil colonial se apresentaria totalmente atrofiado, com os plantadores

no topo da hierarquia social.7

Sob hegemonia marxista ao longo dos anos 70, os estudos da escravidão passaram a se

estruturar ao redor da noção de modo de produção escravista colonial, com destaque para os

trabalhos de Ciro Flamarion Cardoso. Nessa linha, Jacob Gorender lançou seus primeiros

estudos sobre escravidão, convertendo-se no maior crítico das teorias freirianas e da Escola

Paulista.8 Para ele, o escravismo colonial nas Américas voltava-se para a produção comercial.

Logo, eram as relações de produção que o definiam. Segundo ele, Freyre e os

pensamento brasileiro); NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: HUCITEC, 1983. 5 FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, p.25. 6 NOVAIS, op. cit., 1983, p. 105. 7 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp. 26-7. 8 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978.

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neopatriarcalistas enfocavam prioritariamente os escravos improdutivos, como os domésticos,

negros de ganho, etc.

Em Gorender, as idéias defendidas pelos clássicos sobre o tráfico de escravos ainda

prevaleciam. Contudo, a novidade nesse período foi uma pequena análise do papel

desempenhado pelas sociedades africanas, ao longo de mais de três séculos, como

fornecedoras de homens a baixos custos. Ciro Cardoso aborda, de modo sucinto, a

heterogeneidade do continente negro e a violência como fator fundamental para a continuidade

do comércio negreiro. 9 Gorender, por sua vez, destaca a atitude passiva de uma África

heterogênea, portadora de uma oferta elástica de cativos, associada essa intrinsecamente à

ânsia descontrolada dos europeus por braços escravos.10

No início dos anos 80, estudos como o de Kátia M. de Queiroz Mattoso e Stuart

Schwartz11 vão propor uma nova abordagem sobre a escravidão brasileira. A preocupação

desses pesquisadores vai recair sobre as experiências dos escravos no sistema escravista. A

avalanche de críticas sofridas por Gilberto Freyre começa a ser relativizada. Um vasto campo

de estudo se abriu. Para aqueles que tomavam o tema “escravidão” por esgotado, as décadas

de 80 e 90 revelaram grandes surpresas. Novas pesquisas passaram a focalizar aspectos até

então negligenciados pela historiografia, tais como a família, a escravidão urbana,

religiosidade, festas, fugas e quilombos, o cotidiano da vida escrava no mundo luso-brasileiro

- e o tráfico.

Deste período podemos citar os trabalhos sobre o comércio negreiro de Manolo

Florentino e Luís Felipe de Alencastro.12 O primeiro, a partir da imersão em fontes de natureza

diversa, aborda questões inexploradas até então pela historiografia. Florentino percebe uma

lógica inversa à elaborada por nossos clássicos. Em seus estudos acerca do Rio de Janeiro

entre 1790-1830, demostra que os traficantes de escravos se localizavam no topo da hierarquia

social da colônia, pois eram eles que comandavam dos portos brasileiros o comércio negreiro.

Caracteriza a burguesia metropolitana como débil, incapaz de financiar atividades essenciais

9 CARDOSO, Ciro F. O modo de produção escravista colonial nas Américas. In: SANTIAGO, Théo (org.). América colonial (Ensaios). Rio de Janeiro: Pallas, 1975, pp. 89-143; 10 GORENDER, op. cit., 1978, pp. 133-137. 11 MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. 12 FLORENTINO, op. cit., 1997; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

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14

para sua reprodução parasitária, e que se voltava quase que exclusivamente para a alienação do

produto final da economia colonial. Desta forma, a colonização lusitana prescindia de uma

forte burguesia metropolitana, o que forjou a autonomia relativa da estrutura econômica

colonial, possibilitando o surgimento de uma elite na colônia. Não foi à toa que os traficantes,

que detinham a liquidez num sistema econômico de tipo arcaico (frágil divisão do trabalho;

baixa circulação monetária; escassez de créditos), constituíam a verdadeira elite colonial.13

Florentino avança na questão, atentando para a face africana do tráfico, fato incomum

na historiografia brasileira. Ele percebe o tráfico de cativos como um negócio afro-americano,

que só pode ser compreendido se levarmos em consideração sua dinâmica desde o

apresamento do escravo no interior africano até sua venda nos mercados da América

portuguesa.14 Desta forma, Florentino ressalta que o tráfico, além de exercer um papel

estrutural no Brasil, como agente reprodutor da dupla diferenciação social na colônia (senhor x

escravo; livre x livre), desempenhava também função estrutural no continente africano a partir

do fortalecimento político e econômico de grupos dominantes nativos; aumento e

consolidação da diferenciação social entre indivíduos de um mesmo Estado e/ou entre etnias

diferentes; além da expansão das relações escravistas nas próprias comunidades africanas,

transformando o cativeiro tradicionalmente doméstico em mercantil.15

Já Alencastro realiza uma revisão bibliográfica do assunto, além de buscar uma

perspectiva de especialização territorial para explicar o comércio entre as praças do Rio de

Janeiro e Angola. Neste sentido, o projeto colonizador da metrópole portuguesa no atlântico

sul visava criar economias complementares e não concorrenciais. Angola forneceria escravos

como mão-de-obra para as plantations da América portuguesa, enquanto esta se encarregaria

de suprir Portugal com produtos tropicais. O tráfico de escravos entre a África e a colônia

americana seria um mecanismo de acumulação de capital por parte da comunidade mercantil

metropolitana.16 Trata-se de uma posição contrária à de Florentino, para quem a comunidade

13 FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, pp. 27-29. 14 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 209. 15 Idem, pp.101-2. 16 ALENCASTRO, op. cit., 2000, pp. 27-32.

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15

mercantil que se favorece com o comércio de africanos no atlântico sul estava estabelecida nas

praças coloniais.17

Claro, para além dos trabalhos de Florentino e Alencastro podemos citar contribuições

valiosas para a historiografia do tráfico, como os trabalhos pioneiros de Taunay, Luís Viana

Filho e Verger.18 São estudos de grande fôlego, caracterizados pela compilação de documentos

dos mais variados tipos, que se tornaram fontes inesgotáveis para os historiadores atuais.

Contudo, tratam-se de obras carentes de uma análise mais profunda do papel desempenhado

pelo comércio negreiro nas sociedades coloniais lusitanas na América e na África. No caso

particular, a obra de Verger nos sugere diversas questões sobre o tráfico atlântico realizado na

praça mercantil de Salvador, as quais essa dissertação procurou elucidar.

O Brasil foi a região da América que mais recebeu cativos enquanto perdurou o

comércio negreiro. Duas cidade despontaram como principais sorvedouros de africanos: Rio

de Janeiro e Salvador. Juntas chegaram a absorver 1/3 dos cativos importados no continente

americano. Era preciso, pois, tentar apreender este volume de escravos conjugado as

conjunturas destas duas sociedades.

Na colônia luso-brasileira, o comércio de cativos tornou-se a principal atividade

mercantil, representando o instrumento essencial de reprodução física dos escravos e, por meio

deles, da própria estrutura produtiva. O tráfico, pensado como um negócio, tornou-se um

empreendimento importante na acumulação endógena de capital. Tratava-se de um negócio

com estruturação e dinâmica empresariais próprias, associadas aos cálculos pré-industriais.

Podemos supor que os traficantes de homens tornaram-se a própria elite colonial, uma vez que

eles detinham a liquidez do sistema econômico.19

Do mesmo modo que o tráfico atlântico era influenciado pela demanda americana, a

esfera da oferta, a partir de uma dinâmica interna ao continente africano, atuava nas taxas de

flutuações desse comércio. A inserção de agentes externos à África pouco mudou o panorama

da África pré-colonial. A escravidão estava enraizada em estruturas legais e institucionais das

sociedades africanas, tal como o próprio comércio de cativos. A propriedade corporativa de

17 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp. 9-10. 18 TAUNAY, Afonso de E. Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941; VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988; VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.

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terras na África levou a escravidão a ser uma instituição tão arraigada no continente africano,

quanto a propriedade de terra o era na Europa. O escravo era a única forma de propriedade

privada produtora de rendimentos reconhecida pelas leis africanas, única forma de se

enriquecer, logo, a maneira pela qual se processava a diferenciação social no continente. Este

sistema foi capaz de produzir diferenças não só entre os indivíduos como também entre nações

e Estados africanos.20

As fontes utilizadas neste trabalho são na sua maioria documentação manuscrita, de

caráter serial, praticamente invariável no tempo, que nos possibilita uma análise demográfica e

econômico-social. Três tipos de documentos se destacam: os Alvarás para navegar em direção

ao continente africano localizados no Códice 141 no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e em

diversos volumes do Arquivo Público do Estado da Bahia; as listagens da chegada de navios

negreiros no porto de Salvador que se encontram nos Códices 178.1, 182.1, 56.3 no Arquivo

Histórico Municipal de Salvador e no jornal A Idade d’Ouro do Brasil, localizado na

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; os registros de despachos de escravos de Salvador para

os diversos mercados regionais da América portuguesa que se encontram nos Códices 249 e

252 no Arquivo Público do Estado da Bahia. Toda essa documentação cobre um período que

vai de 1678 a 1824. Para além da documentação quantitativa, foram levantadas fontes de base

qualitativa, como correspondências administrativas; cartas comerciais; portaria e alvarás

régios. A análise foi complementada pelo uso de uma vasta bibliografia constituída de fontes

primárias impressa e trabalhos que discutiam assuntos afins. Esses foram extremamente

importantes para a análise das sociedades africanas e para a comparação da atividade do

tráfico em Salvador com outras praças mercantis.

As informações contidas nos alvarás para navegar e nas listagens de chegadas de

navios vindos da África no porto de Salvador, nos possibilitou traçar o perfil de concentração

dos negócios relacionados ao tráfico. Foi possível também estabelecer as principais rotas e

fontes abastecedoras do mercado baiano. Do mesmo modo, conseguimos aferir as taxas de

mortalidade a bordo e a duração das viagens, questões fundamentais para se apreender a lógica

mercantil. Já os dados levantados nos livros de despachos da escravaria possibilitou apontar as

19 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp.7-16. 20 Sobre a importância da escravidão nas sociedades africanas pré-coloniais cf. THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, cap. 3.

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rotas e as principais praças receptoras. Além disso, estabelecemos o padrão demográfico dos

cativos despachados, aferindo o peso do tráfico atlântico nesse contigente, ou seja, a taxa de

africanidade, bem como a proporção sexual.

Esse trabalho inicia-se com a análise das flutuações do comércio negreiro na praça

mercantil de Salvador. Percebemos uma relação intrínseca do volume de escravos

desembarcados no porto de Salvador com a economia colonial, principalmente no que tange a

indústria açucareira baiana e a extração de metais preciosos na região de Minas Gerais. A

partir de comparações feitas entre os movimentos comerciais escravistas no Rio de Janeiro e

em Salvador transparece a concorrência nas quais a praça carioca e a baiana estavam inseridas

na busca por mercados consumidores, ao longo do século XVIII.

No Capítulo 2 procuro analisar o grande vínculo desenvolvido entre os negociantes da

Bahia e os africanos da Costa da Mina. Esta relação foi construída ao longo de muitos anos,

mediante um fluxo mercantil intenso na forma de trocas de produtos baianos por escravos;

relações pessoais desenvolvidas pelos traficantes baianos em território africano; presença

institucional portuguesa sob organização dos homens de negócio e governo de Salvador. Ao

longo da análise tentei mostrar o grau de dependência da sociedade baiana com o comércio

desenvolvido na Costa da Mina. Outro ponto abordado neste texto foram as conjuntura da

política na Costa da Mina. Procuro relacionar os movimentos de instabilidade e lutas armadas

que ocorriam nos Estados africanos com o tráfico de cativos. Ora percebendo tais conflitos

como fatores do aumento do número de escravos exportados, ora como desestabilizadores de

tal comércio em portos da Costa da Mina.21

O terceiro capítulo analiso o tráfico enquanto um negócio colonial, traçando os perfis

de investimento e concentração desta atividade. Estabeleci, mais uma vez, uma comparação

com o comércio escravista carioca. Uma segunda parte deste capítulo é representado pelo

estudo dos riscos das expedições como a mortalidade nos navios negreiros; o roubo; a

pirataria, aquilo que viemos chamar de “perdas em trânsito”, numa perspectiva paralela entre a

Bahia e o Rio de Janeiro. As comparações entre as duas principais praças mercantis do litoral

21 Neste capítulo se utilizou muitas fontes copiladas em VERGER, Pierre, op. cit., 1988.

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18

da América portuguesa estão focadas entre os anos de 1796 a 1830 devido às limitações das

fontes disponíveis.22

O quarto capítulo se constitui daquilo que denominamos de “terceira perna do

tráfico atlântico”. Trata-se da redistribuição de cativos a partir de Salvador para os

mercados regionais da América portuguesa. Talvez esse capítulo seja o que mais se

ressinta de uma discussão historiográfica. A idéia foi apenas a de apontar algumas

questões a partir de fontes até então pouco utilizadas pelos historiadores. A análise aborda

os negócios envolvidos na redistribuição de escravos em duas décadas (1760-70; 1811-

1820) tentando observar os padrões, comparando-os com os detectados no comércio

escravista atlântico. Observamos as concentração, rotas de atuação e praças consumidoras

dos cativos tentando conjugar com as conjunturas econômicas locais. Sugerimos que os

despachos possam apontar os padrões do comércio interno de cativos na América

portuguesa. Um trabalho mais intenso sobre este tema fica prometido para um futuro

próximo.

22 Parte da reflexão deste capítulo aparece em FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, pp. 83-126

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19

Capítulo 1 - O Tráfico e a Conjuntura: sobre a demanda

O ouro impulsionando o tráfico (1690-1717)

O açúcar foi o principal produto na pauta de exportação da América portuguesa

durante todo o período colonial. Despontavam como pólos de produção desta mercadoria as

Capitanias de Pernambuco e, principalmente, a da Bahia. A estrutura econômica baiana, desde

o início da colonização, estava baseada na produção e venda de açúcar para o mercado

externo. A economia baiana, mesmo tendo problemas como a política fiscal e comercial

portuguesa, teve um desempenho relativamente bom durante o século XVII, com os preços do

açúcar altos o bastante para permitir que os lucros dos senhores de engenho pudessem

compensar os custos com a compra de escravos da África, tarefa da qual o Estado português se

eximia de qualquer responsabilidade, e que era item primordial nas despesas dos produtores de

açúcar.23

Na década de 1680, ocorreu uma drástica baixa no preço do açúcar brasileiro, enquanto

os custos se elevavam. Tal fato estava relacionado ao surgimento de colônias produtoras de

açúcar localizadas nas Antilhas ocupadas por franceses, ingleses e, principalmente,

holandeses. Destes locais os europeus passaram a suprir seu mercado interno, reduzindo a

participação do açúcar brasileiro em suas praças comerciais.24 Se na década de 1630, cerca de

80% do açúcar comerciado em Londres era de origem brasileira, por volta de 1670, essa

participação caiu para 40%, chegando no ano de 1690 a apenas 10%.25 Com o fomento da

fabricação açucareira em escala mundial, os produtores brasileiros foram perdendo a sua

capacidade de lidar com a queda do preço deste produto no mercado internacional. A

concorrência da indústria de açúcar das Índias Ocidentais prejudicou seriamente a economia

colonial do nordeste da América portuguesa.26 Uma grande parte do setor açucareiro

pernambucano foi destruído, levando muito tempo para se recuperar. Mesmo a Bahia, que

23 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p.147. 24 idem, ibidem. 25 idem, p. 162. 26 KLEIN, Herbert. Escravidão africana: América Latina e Caribe. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 83.

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continuou a crescer, não vivia mais a era dourada de outros tempos, em conseqüência da

queda do preço do açúcar e da redução dos mercados exportadores.27

Muito provavelmente, nos momentos de baixa no mercado internacional (fase B do

Kondratieff europeu), os produtores brasileiros devem ter procurado aumentar a produção e o

volume de açúcar, em números absolutos, na tentativa de manter a margem de lucro que

obtinham nos momentos de alta do preço (fase A do Kondratieff europeu).28 Esta estratégia

contra crise de preços só se manteria ao longo do tempo enquanto a remuneração cobrisse os

gastos com a produção. No caso específico da economia escravista brasileira, o limite seria o

valor de compra do escravo, o principal agente na reprodução econômica.29 Neste ponto

começava o drama baiano.

Com o crescimento da produção de açúcar nas Antilhas, aumentou-se nesta região a

demanda por mão-de-obra escrava. Com efeito, o novo mercado para o braço africano tendeu

a elevar o preço do cativo tanto no continente africano quanto no Brasil, espremendo ainda

mais os lucros dos plantadores. O valor do escravo, que já era alto devido a procura das ilhas

caribenhas, tornou-se exorbitante em decorrência da necessidade de braços nas recém

descobertas zonas mineradoras brasileiras.

A descoberta do ouro por grupos de paulistas, no interior da América portuguesa,

região hoje conhecida como Minas Gerais, ocorrida em algum momento entre os anos de

1693-1695,30 gerou um aumento na demanda por escravos no Brasil, propiciando um

incremento na partida de negreiros a partir do porto de Salvador (cf. gráfico 1). Logo a Bahia

tornou-se o centro abastecedor de mão-de-obra da região aurífera. O gráfico 1 mostra a curva

de saídas de negreiros da Bahia acompanhando o aumento da produção mineradora até o lustro

de 1713-17.

Os negociantes da Bahia, desde o início da mineração, perceberam a oportunidade de

grandes lucros, uma vez que nas regiões mineradoras o preço de venda do cativo era bem

superior ao de Salvador e à área do Recôncavo baiano. Além disso, recebiam em ouro pela

venda dos escravos, enquanto os senhores de engenho da Bahia pagavam a esses traficantes

27 idem, ibidem. 28 ARRUDA, José Jobson de. A. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980, pp. 102-15. 29 FLORENTINO, Manolo, Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, pp. 77-78. 30 BOXER, Charles R. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de

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com açúcar, muitas vezes comprometendo a safra seguinte.31 Os senhores de engenho

passaram a queixar-se da falta de mão-de-obra. A Coroa resolveu intervir delimitando o

número de escravos que podiam ser remetidos para as áreas mineradoras com o alvará de

1701.32 Logo esta legislação mostrou-se ineficiente. Muitos baianos, principalmente os

comerciantes negreiros, argumentavam que alguns escravos não serviam para trabalhar na

lavoura e deveriam ser disponíveis para a venda às minas. Mais forte que o temor da lei era a

ganância dos comerciantes baianos em lucrar com as lavras de ouro.

Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 61. 31 SCHWARTZ, S., op. cit., 1999, p. 166. 32 APEB, col. ms., Ordens Régias de 20-1-1701. Este alvará estipulou que os paulistas só podiam adquirir duzentos cativos de Angola por ano comprados no porto do Rio de Janeiro.

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Gráfico 1: Médias qüinqüenais de saídas de navios negreiros da Bahia para a África (1678-

1815) , produção de ouro (1700-1800) e da exportação de caixas de açúcar (1678-1767) 33

0

5

10

15

20

25

30

3516

78-1

682

1688

-169

2

1698

-170

2

1708

-171

2

1718

-172

2

1728

-173

2

1738

-174

2

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-175

2

1758

-176

2

1768

-177

2

1778

-178

2

1788

-179

2

1798

-180

2

1808

-181

2

Núm

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il)

0

5

10

15

20

25

Produção de ouro (ton.)

Negreiros Produção Aurífera Caixas de açúcar

Fontes: Anexo 1; SCHWARTZ, Stuart, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, apêndice C, pp. 403-4; PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1979, p. 114.

33 O gráfico 1 foi elaborado a partir dos Alvarás e Fianças para navegar partindo de Salvador, para montar as freqüências de viagens de navios negreiros; do livro de Schwartz, para montar a curva de exportação de açúcar; e de Virgílio Noya Pinto, para estabelecer a flutuação da procução de ouro. Este gráfico está fundado em médias qüinqüenais que cobrem um período de quase 140 anos. Obviamente, dada a disposição dos dados, o último intervalo (1813-15) está composto de apenas três anos. Os números relativos as caixas de açúcar e a produção aurífera seguiram a mesma periodização.

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O valor de um escravo do sexo masculino de primeira qualidade girava em torno de

quarenta a sessenta mil réis até a década de 1690. Nos primeiros anos da mineração o preço do

cativo subiu até atingir a cotação de cem mil réis no ano de 1710, chegando ao ano de 1723 ao

preço de duzentos mil réis!34 A necessidade de mão-de-obra nos campos auríferos inflacionou

o preço do cativo no agro baiano.

Embora existisse terra em abundância tornava-se escasso o elemento reprodutor da

empresa açucareira, o escravo. No ano de 1702 foram enviados para Portugal 507.609 arrobas

de açúcar baiano sendo de 249 produtores diferentes dos quais calcula-se que 100 fossem

lavradores não proprietários de moendas.35 A Bahia remeteu anualmente para o reino 507.500

arrobas de açúcar produzidos em 146 engenhos, segundo cálculos feitos por Antonil ao final

do primeiro decênio do século XVIII.36 Em 1720 a produção caiu para cerca de 420.000

arrobas. Portanto, podemos sugerir que o tráfico baiano procurava desviar a oferta de escravos

para as regiões mineradoras em expansão, em detrimento da empresa açucareira nordestina.

O declínio do tráfico e a estagnação da economia baiana (1718-1787)

O comércio de africanos para Salvador começou a apresentar sérias dificuldades no

final da segunda década do século XVIII. Com o preço dos escravos no Brasil bastante alto,

devido à demanda na região mineradora, um grande número de comerciantes baianos passou a

se dedicar a tal empreendimento, gerando uma enorme concorrência e inflacionando o preço

dos escravos nos portos de venda na África. Em 1714, o diretor do forte francês de Saint-Louis

de Grégoy, e o diretor do forte inglês William, ambos em Ajudá, reclamavam que o grande

número de navios vindos do Brasil estava arruinando o comércio de escravos nesta região

africana.37 Ademais, outro fator que contribuiu para a elevação do preço do cativo nos

mercados africanos foi a necessidade de mão-de-obra sentida também nas áreas de produção

de açúcar do Caribe, já reestruturadas após as guerras européias (Guerra do rei Guilherme –

1689/97 e Guerra de Sucessão Espanhola – 1701/13).

34 SCHWARTZ, S., op. cit., 1995, p. 167. 35 Idem, p. 149. 36 ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976., p.140. Segundo Antonil foram exportados para Portugal 14.000 caixas de açúcar. 37 Carta do diretor do forte francês Saint-Louis de Grégoy (em Uidá), Du Coulombier, em 22 de março de 1714, a seus chefes da Companhia das Índias em Paris, apud, VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 129.

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De alguma forma, esses problemas podiam ser minorados pelos traficantes baianos

com a venda dos escravos nas zonas mineradoras a um preço bem alto. O valor exorbitante e a

forma com que os mineiros pagavam (em ouro) era a garantia de obtenção de lucro por parte

dos negociantes da Bahia, por mais difícil que estivesse o comércio entre Salvador e a Costa

da Mina. Contudo, a primazia dos baianos no fornecimento de mão-de-obra para os campos

auríferos sofreu um impacto negativo quando da inserção dos comerciantes cariocas nesta

atividade, facilitada pela abertura do “caminho novo”, encurtando o tempo de viagem entre o

porto carioca e os veios auríferos.38 Com o incremento da mineração, o eixo econômico da

América portuguesa se deslocou para a região sudeste. Os comerciantes cariocas passaram a

desempenhar um papel estratégico na condução dos negócios mineiros, devido às relações

privilegiadas com a região.39 Para além do comércio de escravos, o Rio se fortaleceu e

sobrepujou a Bahia, por ter se tornado o pólo abastecedor de um crescente mercado

consumidor. Antônio Carlos Jucá Sampaio, estudando o desenvolvimento da economia

fluminense na primeira metade do século XVIII, apontou que nos contratos dos caminhos40 do

Rio de Janeiro para as minas, no ano de 1727, o valor atingido foi de 25 arrobas enquanto o

caminho da Bahia foi arrematado em 20,5 arrobas.41 A importância do porto carioca para a

economia portuguesa é atestada quando corsos franceses atacam a cidade nos anos de 1711-

12. O Rio deixava de exercer um papel secundário e tornava-se a principal cidade da América

portuguesa.

Além das fortes concorrências, tanto das Antilhas nos portos de venda de africanos,

quanto do Rio de Janeiro no mercado consumidor mineiro, incidentes entre a Companhia

Holandesa das Índias Ocidentais e os negociantes baianos estavam prejudicando as relações

comerciais entre Bahia e Costa da Mina. Muitos navios brasileiros estavam sendo apreendidos

e saqueados por galeras holandesas próximo ao litoral africano. As expedições tornavam-se

38 Partindo do Rio de Janeiro podia se iniciar o caminho novo por via marítima indo até o porto de Nossa Senhora do Pilar (futuro porto da Estrela) e de lá subindo o rio Morobaí que levava ao pé da serra que liga o Rio de Janeiro à Minas Gerais ou por via terretre via Irajá, chegando também ao pé da serra. Sobre o roteiro do “caminho novo” para as minas ver mais em ANTONIL, André João, op. cit., 1976, pp.184-6. 39 SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 75. 40 Esses contrato referiam-se a taxas pagas pelas mercadorias que iam para as regiões mineradoras, cobradas em registros existentes ao longo do trajeto, semelhantes a uma alfândega.

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cada vez mais arriscadas, gerando uma expectativa menor de sucesso para as empresas

envolvidas. Ao iniciar a década de vinte inverteu-se a tendência de crescimento das saídas de

negreiros de Salvador observadas nas primeiras décadas do século. Entre os anos de 1708-

1712 o número médio era de aproximadamente 25 expedições realizadas por ano, total que

subiu para uma média anual de 30 no lustro de 1713-1717. No qüinqüênio seguinte (1718-

1722) essa média caiu para 20 chegando a apenas 10 partidas anuais no período de 1733-1737

(cf. Gráfico 1).

Com os códices encontrados no Arquivo Histórico Municipal de Salvador (AHMS),

que registram as visitas de equipes de saúde em embarcações vindas da África,42 pude levantar

o total de africanos desembarcados em cada aportagem para os períodos de 1776 - 1780/81 –

1789/98 - 1803/10 – 1822/24. As estimativas para os anos de 1782 a 1787, não contemplados

na documentação foram obtidas a partir da média dos anos de 1781 e 1788. Já para os anos de

1799 a 1802, também ausentes nos registros, as estimativas foram conseguidas a partir da

média dos anos de 1798 e 1803. Para o período de 1812 e 1830 utilizei as estimativas anuais

de Goes Calmon.43 Estabeleci uma estimativa para o ano de 1811 cruzando os dados de 1810 e

1812. Baseado nestes dados estabeleci a média de desembarque por tipo de navio, informação

presente em quase todos os registro de entradas de negreiros em Salvador.44 Utilizei as médias

obtidas neste período para os anos anteriores, para os quais só encontrei as partidas de

Salvador - por exemplo, estimei em 229 o número de escravos desembarcados para cada

sumaca ou patacho saídos antes de 1776. Com isso foi possível estabelecer em 807.295 o

número de africanos recebidos pelo porto de Salvador para o período de 1678 a 1830.45 A

quantidade de cativos originários da África aportados no Rio de Janeiro foram obtidos a partir

das estimativas de Nireu Cavalvante e Manolo Florentino, chegando a um total de 1.262.242

para o período de 1700 a 1830.46 Segundo Philip Curtin, entre 1701 e 1830, o continente

americano recebeu cerca de 6.951.800 africanos. Deste total, 2.483.200 (35,7%)

41 SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá, op. cit., 2001, p. 76. 42 AHMS, Códices 178.1 (1780-1798) e 182.1 (1803-1810). 43 CALMON, F. M. Goes. Ensaios sobre o fabrico do açúcar. Rio de Janeiro, 1834. 44 As médias para cada tipo de navio foram: balandra = 94; bergantim = 282; brigue = 334; brigue-escuna = 245; chalupa = 101; charrua = 207; curveta = 339; escuna = 297; galera = 424; lancha = 29; navio = 333; paquete = 202; patacho = 229; sumaca = 229 45 Cf. Anexo 2. 46 idem

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desembarcaram na América portuguesa - 1.262.242 via Rio de Janeiro (50,8%) e 755.087

(30,4%) pelo porto de Salvador.47 Juntos, os portos baiano e carioca foram responsáveis por

quase 1/3 (2.017.329) dos desembarques de africanos na América entre 1700 e 1830.

Observando o gráfico 2 podemos perceber que o movimento de escravos africanos no

porto de Salvador reflete a queda das partidas de negreiros a partir do final da segunda década

do século XVIII enquanto que no Rio de Janeiro notamos uma oscilação contrária com

tendência de alta que perdurou até os últimos dias da legalidade do tráfico. Rio e Salvador

disputavam o mesmo mercado consumidor de mão-de-obra na primeira metade do século

XVIII, representado majoritariamente pela região das Gerais. Entre os períodos de 1718 a

1748 as quedas no tráfico carioca representavam contrariamente um aumento do tráfico

baiano, e vice-versa, tal qual um espelho invertido. A partir da metade do século XVIII, os

movimentos de entradas nos dois portos seguiram tendências parecidas, apenas o porto carioca

apresentando um volume maior.

47 Anexo 2; CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, pp. 216 e 235.

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Gráfico 2: Médias Qüinqüenais de Entradas Estimadas de Escravos Africanos nos Portos de

Salvador (1678-1830) e Rio de Janeiro (1700-1830)

1

3

5

7

9

11

13

15

17

19

1678

-168

2

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-168

7

1688

-169

2

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-169

7

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-170

2

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-170

7

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-171

2

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-171

7

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-172

2

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-172

7

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-173

2

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-173

7

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-174

2

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7

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-175

2

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-175

7

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-176

2

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-176

7

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-177

2

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-177

7

1778

-178

2

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7

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2

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-179

7

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-180

2

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2

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7

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-182

2

1823

-182

7

1828

-183

0

Des

emba

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esc

ravo

s

Salvador Rio de Janeiro

Fontes: Anexo 2

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A diminuição dos dias de viagem entre o porto do Rio de Janeiro e os veios auríferos

possibilitou uma redução nos custos das empresas traficantes cariocas responsáveis pela

redistribuição dos cativos no interior do Brasil. Fazia-se com ¼ de tempo do caminho antigo o

novo percurso possibilitando um incremento no número de viagens dos vendedores de cativos

e a diminuição de mortes de escravos ao longo do trajeto. A rotação do capital se dava de

forma mais rápida aumentando a lucratividade dos comerciantes cariocas. Estes homens de

negócio voltavam ao porto do Rio de Janeiro vorazes por mais braços africanos frente a alta

rentabilidade obtida com as venda de cativos no interior. Este aumento da demanda

proporcionou um incremento no tráfico atlântico e, conseqüentemente, do volume de escravos

importados pelo porto do Rio de Janeiro. A partir do gráfico 2 notamos que enquanto a média

anual de escravos desembarcados no lustro de 1718-1722 foi de 4.200 para o período de 1733-

1737 esta média atingiu 8.400. As entradas de africanos na praça mercantil carioca dobraram

em vinte anos. Já o tráfico baiano seguiu uma tendência inversa no mesmo período. Se entre

os anos de 1718-1722 o número de cativos desembarcados em Salvador era de 6.000 por ano,

no qüinqüênio de 1733-1737 caiu para 2.900. Em vinte anos a Bahia viu seu volume de

importação de escravos cair pela metade, além de perder para o Rio de Janeiro a primazia do

tráfico atlântico. Nunca mais a Bahia conseguirá recuperar o posto de principal praça

abastecedora de mão-de-obra para a América portuguesa.

A partir da tabela 1 notamos que o movimento de entrada de escravos no Brasil vindos

da região da Costa da Mina, principal parceira da Bahia na África, foi suplantado

definitivamente na década de 30 pela região de Angola, principal parceira do porto do Rio de

Janeiro.48 Se nas três primeiras décadas do século o comércio com a zona ocidental da África

representou cerca de 60% de todos os escravos exportados para o Brasil, no decorrer do século

esse percentual vai ser reduzido continuamente chegando na década de 80 à marca de apenas

14%! É significativo notar que é justamente nos últimos anos desta década que se iniciou a

recuperação do tráfico entre o porto de Salvador e a Costa da Mina. Os números referentes ao

último decênio do Setecentos (24%) e ao primeiro do Oitocentos (27%) nos mostram a

recuperação da importação de escravos da África Ocidental para a América portuguesa.

48 Das 21 fianças concedidas a comerciantes fluminenses para resgatarem escravos na África, 33 eram direcionadas para Angola e apenas 2 para a Costa da Mina. ANRJ, Códice 157, vols. 1 a 3.

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Em contrapartida, a participação da região Congo-Angola no abastecimento de braços

para o Brasil seguiu um movimento inverso ao da zona ocidental africana. Se nos primeiros

trinta anos a quantidade de escravos da região desembarcados na colônia representava cerca de

40%, esse percentual na década dos anos 30, salta para 66%, continuando em ascendência,

chegando no decênio seguinte a marca de 70%. Tal escalada no número de cativos vindos da

região centro-ocidental africana se deveu a sua relação comercial com a praça do Rio de

Janeiro que a partir da segunda década do século XVIII começou a abastecer as regiões

mineradoras no Brasil, tomando um lugar que antes era ocupado pela Bahia. Com o aumento

da demanda mineira, aumentou também o número de navios que partiam para Angola na

busca de africanos.

Como podemos observar na tabela 1, após a década de 30, o número de escravos

desembarcados no Brasil com origem na região Congo-Angola nunca será inferior ao da Costa

da Mina. Dos cerca de 1.891.400 cativos exportados para a América portuguesa, 1.285.900

(68%) vieram da primeira região, enquanto 605.500 (32%), eram da parte ocidental do

continente africano. A África centro-ocidental no século XVIII se consolidou como principal

fonte abastecedora do Brasil, via Rio de Janeiro.

Contudo é importante apontar que, embora estivesse em declínio, o tráfico baiano não

deixou de existir. As levas de negreiros continuavam a aportar em Salvador de onde se

remetiam os escravos para as minas cada vez mais àvidas por mão-de-obra. Embora não fosse

mais o mercado preferencial e estratégico da reposição de cativos, atividade que o Rio de

Janeiro passou a desempenhar, a Bahia exercia um papel complementar da demanda mineira.

Era preciso sempre e mais africanos. Os angolas eram insuficiente para abastecer um mercado

insaciável.

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Tabela 1 - Estimativa da importação de escravos para o Brasil por região de origem

(1701-1810)

Década Da Costa da Mina % De Angola % Total

1701-10 83.700 55 70.000 45 153.700

1711-20 83.700 60 55.300 40 139.000

1721-30 79.200 54 67.100 46 146.300

1731-40 56.800 34 109.300 66 166.100

1741-50 55.000 30 130.100 70 185.100

1751-60 45.900 27 123.500 73 169.400

1761-70 38.700 23 125.900 77 164.600

1771-80 29.800 18 131.500 82 161.300

1781-90 24.200 14 153.900 86 178.100

1791-1800 53.600 24 168.000 76 221.600

1801-10 54.900 27 151.300 73 206.200

Total 605.500 32% 1.285.900 68% 1.891.400

Fonte: CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, p. 207.

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Atento a crise que se desenhava com o desaquecimento do tráfico na Bahia, o vice-rei

do Brasil, Conde de Vimieyro, em 1718, chegou a enviar para a corte de Lisboa uma proposta

para impedir, durante um ano, que navios brasileiros fossem fazer comércio com os africanos

da Costa da Mina, a fim de provocar um desentendimento desses com os holandeses, pela falta

de tabaco baiano. Isto resultaria numa reaproximação dos negros da dita Costa com os

portugueses, e na expulsão dos holandeses. A proposta não foi aceita pelo rei, entendendo que

a ausência de navios portugueses na Costa da Mina iria ocasionar uma maior aproximação

entre os africanos desta região com os holandeses. Além disso, tal proposta não era de

interesse dos negociantes baianos, pois eles defendiam que os escravos da Costa da Mina eram

mais procurados para trabalhar nas minas e nos engenhos do que os de Angola, que mais

facilmente morriam e suicidavam-se.49 Finalmente, essa idéia foi descartada com a posse do

novo vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses (futuro conde de Sabugosa), em

1720.

As conturbações políticas pelas quais passavam os portos na Costa da Mina, bem como

a subjugação do comércio português em relação aos batavos fizeram com que a coroa lusa

tomasse algumas providências. Em Lisboa, no ano de 1731, o Conselho Ultramarino

ressuscitou o plano sugerido pelo conde de Vimieyro, proibindo a navegação comercial saindo

de Salvador em direitura à Costa da Mina e instruindo para que fossem fazer o resgate de

escravos em portos portugueses na África. Além disso, a proposta consistia também na idéia

da criação de uma Companhia de Comércio. O vice-rei respondeu a Lisboa, baseado numa

requisição dos próprios comerciantes baianos que se opunham a qualquer modificação no

tráfico de escravos.50 Eles apontavam que antes de partir para fazer comércio com outros

portos na África era preciso conhecer a oferta desses lugares, pois afirmavam que a soma de

escravos que vinham da Costa da Mina anualmente (cerca de 11 mil) com os trazidos de

Angola (aproximadamente 7 mil que eram divididos entre Bahia, Rio de Janeiro e

Pernambuco), perfazia um número ainda insuficiente de braços para atender a demanda

baiana. Além dos bantos de Angola serem considerados inferiores aos africanos sudaneses,

não havia possibilidade imediata de se aumentar a oferta de escravos na região angolana, pois

49 Carta do vice-rei, Dom Sancho Faro, conde de Vimieyro, enviada para Lisboa, em 27 de novembro de 1718, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p.63. 50 Proposta de Lei examinada pelo Conselho Ultramarino em 15 de janeiro de 1731., apud, VERGER, Pierre, op.

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para isso fazia-se necessário explorar melhor a região de Loango. Contudo, neste local, sem

defesa alguma, os navios ficavam expostos às ações de piratas e navios estrangeiros,

principalmente de embarcações holandesas. Lembravam também que duas expedições,

iniciadas em Salvador e no Rio de Janeiro em direção a Madagascar e Moçambique,

fracassaram, causando prejuízos vultosos para os sócios da empreitada. Expunham ainda que

as praças de Cachéu e de Cabo Verde possuíam baixa oferta de escravos, motivo pelo qual não

se direcionava para esta área, há mais de 15 anos, nenhum navio da Bahia. Eles ainda

argumentavam que se todos esses problemas fossem de alguma forma minimizados,

possibilitando uma maior entrada de escravos na Bahia, restaria uma última questão de difícil

equalização: o que fazer com a produção de tabaco de terceira qualidade cujo mercado

consumidor era a Costa da Mina? Sem o comércio com esta região, os lavradores de fumo

seriam arruinados e nenhum outro agricultor se aventuraria no cultivo de tal produto para

aproveitar apenas o tabaco de primeira e segunda qualidades. Perderiam os plantadores, os

comerciantes e até mesmo a fazenda real, pois esta deixaria de recolher os direitos de

produção e comercialização deste gênero.51

Além disso, os comerciantes de Salvador não queriam a criação de uma companhia de

comércio que ficasse sob o controle do reino, pois todas as classes da Bahia participavam de

alguma forma, direta ou indiretamente, do comércio de escravos, evidenciando que a

transferência das relações comerciais para uma companhia monopolista de Lisboa iria levar à

ruína a sociedade de Salvador.52 O que estava em jogo nesta disputa entre a Coroa e a Bahia

era a dissolução de laços políticos-econômicos desenvolvidos entre os comerciantes baianos e

os da Costa da Mina. O panorama previsto pelos negociantes baianos, endossado pelo vice-rei

do Brasil, com o fim do comércio entre a Bahia e a Costa da Mina, era de um grande prejuízo

para a colônia, focalizando, assim, certa dependência da economia brasileira em relação ao

mercado de escravos da Costa da Mina.

Apesar da intervenção do vice-rei, em 1731, foi votada uma lei em Portugal no qual

ficava proibido que embarcações portuguesas mantivessem relações comerciais com os

holandeses no Castelo de São Jorge da Mina ou em qualquer outra parte do continente

cit., 1987, pp. 73-4. 51 Carta do vice-rei para Lisboa em 3 de março de 1731., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 74, nota 63. 52 Relatório de Antônio Cardoso da Silva, na qualidade de procurador dos negociantes baianos , em 7 de janeiro

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africano, aconselhando que os navios se dirigissem aos portos portugueses na África.53 As

relações luso-holandesas estavam completamente deterioradas. Não surtiram efeito as

negociações diplomáticas conduzidas pelo embaixador português, D. Luís da Cunha, que fora

enviado para Haia para tentar resolver os litígios em mares africanos entre lusos e holandeses.

Alguns comerciantes baianos, contrariando as determinações vindas do reino,

continuaram a se dirigir regularmente aos portos africanos na área de influência da Holanda.

Ficavam desta forma à mercê de represálias holandesas, como o roubo aos navios que

ousavam fazer o percurso Bahia/Costa da Mina/Bahia, sem pagar o tributo de 10% no Castelo

de São Jorge da Mina. Os armadores João Ferreira de Souza e André Marques sentiram na

pele o poderio batavo, pois suas embarcações foram atacadas por uma galera holandesa no

porto de Jaquim, durante a tomada deste pelas tropas de Agaja, em 1732. Os navios ficaram

retidos no porto durante alguns dias, tendo sua carga de tabaco roubada.54 O resultado dessas

medidas era percebido no número cada vez menor de navios que retornavam da Costa da

Mina. As poucas embarcações que de lá conseguiram voltar, não chegavam a ter a metade do

carregamento de negros para o qual tinham sido arqueadas. Apenas duas teriam retornado para

a Bahia no ano de 1732.55

Num parecer enviado para Lisboa no ano de 1736, o desembargador Wesceslau Pereira

da Silva faz uma análise à corte portuguesa que fatores internos e externos estavam gerando o

empobrecimento da sociedade baiana.56 Os primeiros estariam relacionados à ostentação da

população baiana. Dizia que se gastava muito com luxos desnecessários. Para isso pedia que

se aumentasse o preço dos produtos estrangeiros em toda colônia. Já as razões externas eram

as mais graves. Apontava como causa da ruína dos fazendeiros e engenhos a queda do

consumo dos três referidos produtos (açúcar, tabaco e couro), principalmente o açúcar, que

teve sua venda prejudicada pelo aumento da produção dos estrangeiros em suas colônias. Os

preços dos escravos também continuavam altos. Não só o valor do escravo aumentara, mas

de 1731, apud, VERGER, Pierre, op. cit.,1987, p.74. 53 Carta do secretário de Estado, Diogo de Mendonça Corte Real, enviada ao vice-rei do Brasil, em 25 de maio de 1731, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 73. 54 Carta de João Basílio, diretor do forte português em Ajudá, enviada ao vice-rei do Brasil, em 1731., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 155. 55 APEB, col. ms., Ordens Régias, carta de 12-1-1733. 56 Parecer do desembargador Wenceslau Pereira da Silva de 1736., apud, VERGER,Pierre, op. cit., 1987, pp.91-94.

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também o do cavalo e dos bois pelo consumo e saída que tinham para as regiões das minas.

Desta forma as lavouras, fábricas e engenhos baianos ficam ressentidos de força motriz para

continuar a produzir. O comércio com a Costa da Mina era também motivo de preocupação,

uma vez que o número de navios que vai por esta carreira já não chega a metade do que era

anteriormente. Além disso, este passava por uma desordem tão grande que as poucas

embarcações que para lá se aventuravam, iam muitas vezes “umas sobre as outras”, não

permitindo um mínimo intervalo para o consumo da carga, fazendo com que todos os

comerciantes envolvidos no tráfico perdessem no negócio, sendo apenas lucrativo para os

negociantes africanos que, devido à alta oferta de fumo, elevaram o preço do escravo a

patamares exorbitantes. Para solucionar tal problema, o desembargador propõe algo já tentado

alguns anos antes: a criação de uma Companhia de Comércio portuguesa controlada pelo

Estado, como a que foi criada em 1649, com a intenção de revitalizar a entrada de escravos na

Bahia. Mais uma vez, tal proposta foi rechaçada pela comunidade mercantil de Salvador. Sem

dúvida, a diminuição do fluxo comercial no eixo Bahia/Costa da Mina representou um

enfraquecimento da economia baiana, acarretando o desmantelamento de várias empresas

envolvidas no tráfico de africanos entre Salvador e a Costa da Mina, resultando numa queda

da importação de mão-de-obra, mantendo em alta o valor do braço escravo no mercado

baiano.

Contava-se 146 engenhos na região da Bahia-Sergipe no ano de 1710. Em 1755, o

número de engenho era de 172 e, em 1758, de 180. Embora tenha aumentado o número de

unidades produtivas, a produção média global por engenho não seguiu tal tendência. A

produção total caiu de 507.697 arrobas em 1702, atingindo 400.000 em 1758.57 A construção

de pequenas unidades pode explicar o declínio da produção frente ao acréscimo do número de

engenhos. De todo modo a ampliação do número de engenhos na capitania baiana entre 1710 e

1758 foi de menos de uma unidade por ano.58

Esta fase de declínio econômico pode ser percebida também pela quantidade de caixas

de açúcar vendidos tanto para o mercado externo quanto para o mercado interno. Se no ano de

1734 foram exportadas para Portugal dez mil caixas de açúcar (c. 350.000 arrobas) referentes

às safras de 1732-33, as vendas para o exterior no ano de 1739 referentes as colheitas dos

57 SCHWARTZ, S., op. cit., 1999, pp. 150 e 169. O cálculo feito por Schwartz é de 35 arrobas por caixa.

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quatro anos anteriores (1735 a 1738) foi igualmente de dez mil caixas do produto.59 No ano de

1731 a venda de açúcar branco e mascavo corresponderam respectivamente a 8.628 e 4.309

caixas (c.302.000 e c.150.815 arrobas respectivamente). No final do decênio, em 1740, os

valores respectivos caíram para 7.333 e 3.667 (c.257.000 e c.128.345 arrobas

respectivamente). Houve uma queda de 15% tanto na produção de açúcar branco como na de

mascavo.60 Numa época que o preço do açúcar esteve em queda no mercado internacional os

baianos se viam impedidos de recuperar os lucros no momento de baixa, pois não tinham

meios de aumentar a sua produção. Ademais, as regras de comércio do açúcar que Portugal

impunha à colônia, como por exemplo o sistema de frotas, causavam a deterioração da

mercadoria nas caixas enquanto ainda estava nos armazéns ou nas docas. O ápice desta crise

ocorreu justamente no ano de 1739, quando os negociantes da Bahia estavam altamente

endividados com as praças de Lisboa e do Porto. Os baianos já não tinham mais poder

aquisitivo para reabastecer-se de “fôlegos vivos”,61 gerando um grande empobrecimento, até

mesmo dos mais opulentos homens de negócio.62

O Conselho Ultramarino finalmente interveio junto aos comerciantes da Bahia

objetivando o reajustamento do tráfico de escravo para a Costa da Mina. Em 1743, teve fim a

liberdade para se ir à esta região africana buscar escravos. 63 Estabeleceu-se turnos para as

saídas de navios não só da Bahia como também de Pernambuco, cuja economia passava por

dificuldades muito maiores do que a baiana. Ficou determinado que os intervalos de saídas de

uma embarcação não poderiam ser inferiores a três meses e que a ordem de partida estaria

calcada em um sorteio. Aquelas que já tivessem sido sorteadas só poderiam fazer parte de um

outro sorteio depois que todas as outras tivessem feito sua viagem à Costa da Mina. O número

de navios baianos aptos a participar do tráfico no sistema de frotas era de vinte e quatro.

Houve muitos protestos por parte dos traficantes de Salvador contra esta decisão de Lisboa,

principalmente quanto ao total de navios que cada negociante poderia ter.

58 idem, p. 149. 59 GOULART, Maurício, Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975, pp. 210-1. 60 SCHWARTZ, Stuart, op. cit., 1999, apêncice C, pp. 403-4. 61 GOULART, Maurício, op. cit., 1975, p. 166. 62 Carta de Dom Sancho Faro, conde de Vimieyro, enviada para Lisboa, em 27 de novembro de 1718., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 63. 63 Aviso de Lisboa enviado para o vice-rei do Brasil, em 8 de maio de 1743., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 94-6.

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Em 1751, ficou constatado que, embora o número das embarcações na frota fosse de

vinte e quatro, o número de senhorios era muito menor, pois alguns comerciantes de Salvador

possuíam mais de um navio no sistema, conduta que havia sido proibida pelo Conselho

Ultramarino. Na consulta, observou-se que quatro possuíam três navios: capitão Teodózio

Rodrigues de Faria e associados, Manoel Alves de Carvalho e associados, capitão Jácome José

de Seixas e associados e Joaquim Inácio da Cruz e associados; dois proprietários tinham dois:

Manoel Fernandes dos Santos Maia e Dona Teresa de Jesus Maria, viúva de Manoel

Fernandes da Costa; e oito outros possuíam um: Antônio Cardoso dos Santos, João Dias da

Cunha, capitão Bento Fernandes Galiza, capitão João Lourenço Veloso, capitão Antônio da

Cunha Pereira, André Marques, capitão Domingos Luís da Costa e o capitão João da Cruz de

Moraes.64 Como cada casa comercial ou cabeça de sociedade só poderia ter um navio, essa

situação era motivo de descontentamento na praça de Salvador devido às desigualdades das

conveniências de que uns poucos desfrutavam, em detrimento daqueles que sequer podiam

participar do tráfico. Foi feita uma nova divisão, em 1751, no número das embarcações pelo

vice-rei Luís Pedro Peregrino de Carvalho Meneses de Ataíde, o conde de Atouguia. Aos

comerciantes que tinham três navios foram tomados dois, e aos que tinham dois foi tirado um,

sendo estes navios redistribuídos aos primeiros pretendentes que ofereceram donativos à

Fazenda Real. A exceção se fez ao comerciante capitão Teodózio Rodrigues de Faria que,

tendo três navios só um lhe foi retirado, pois um deles foi comprado à própria Fazenda Real

por um preço excessivo, muito acima do valor de mercado. Este navio havia pertencido a

Domingos Ferreira Pacheco que o deixou de herança, no ano de 1747, devido a dívidas para

com a dita fazenda.65 Desta forma, o vice-rei evitava prejudicar aquele que contribuiu com

vultosas quantias à caixa do Governo. Suspeitava-se na época que o vice-rei estva associado a

alguns negreiros, entre eles estaria Teodózio Rodrigues de Faria. O capitão Faria era um

homem proeminente na sociedade soteropolitana. Em 1745, mandou construir por devoção a

capela dedicada ao Senhor do Bonfim, inaugurada em 1754, na colina Sagrada em Salvador.

64 Consulta feita pelo vice-rei do Brasil sobre a esquadra do tráfico, em 26 de fevereiro de 1751., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 96-7. 65 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 30 de junho de 1751, cx 2, doc. 124, s/d.

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De Setúbal (Portugal) trouxe a imagem do Senhor Crucificado, colocando-a no altar da igreja

que viria a se tornar a mais popular da Bahia.66

A nova lista, elaborada pelo vice-rei em 30 de junho de 1751, era constituída pelos

seguintes proprietários: capitão Teodósio Rodrigues de Faria (2 navios), Joaquim Inácio da

Cruz, Dona Teresa de Jesus Maria, Manoel Ferreira dos Santos Maia, capitão Jácome José de

Seixas, Luís Coelho Ferreira, João Dias da Cunha, capitão João Lourenço Veloso, João

Cardoso de Miranda, Manoel Alves de Carvalho, Silvestre Gonçalves de Moraes, capitão

Antônio da Cunha Pereira, José Antunes de Carvalho, João Lopes Fiúza, Manoel Rodrigues,

Manoel Fernandes da Costa, Maurício de Carvalho, Bernardo da Silva Barros, Simão Pinto de

Queirós, Félix de Araújo Aranha, José de Souza Reis, Davi Lopes de Oliveira e João da Silva

Guimarães.67 Como podemos perceber, alguns nomes que compunham a antiga lista não mais

aparecem na nova, seja por motivo de falecimento, seja por abandono do negócio, seja por

fusões de empresas. O fato é que procurou-se estabelecer a ordem, dando a vinte e três

empresas o direito de traficar escravos para a Bahia. Quer dizer, a vinte e duas, pois o nome de

Manoel Fernandes da Costa aparece na nova listagem juntamente com o de sua mulher. A

família de Manoel Fernandes da Costa, desta forma, teve permissão para possuir dois navios

na frota. O curioso é que D. Teresa de Jesus Maria era viúva há pelo menos seis anos e

responsável pela empresa de seu falecido marido desde 1745.

Em virtude do estabelecimento do sistema de frotas, os produtores de tabaco da Bahia

passaram a ter dificuldades para fazer o escoamento de sua produção para o exterior,

principalmente para o continente africano. Tomando ciência do problema, o governo, de

tempo em tempo, permitia que negociantes com pequenas embarcações saíssem de Salvador

em direção à África, carregadas de tabaco, para trocar por escravos, remediando desta forma, a

não participação destes homens no sistema de esquadra. Era também uma forma de se evitar a

perda da mercadoria que ficava estocada em Salvador e manter a um bom preço o produto,

evitando prejuízos aos lavradores e comerciante deste gênero.68 Exemplo dessa medida foram

66 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 117, nota 13. 67 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 30 de junho de 1751, cx 2, doc. 124, s/d. 68 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 30 de junho de 1751, cx 2, doc. 124, s/d.

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as duas viagens concedidas a Manoel Rodrigues Rios que pode remeter seu navio Bom Jesus

de Confiança e Nossa Sr.ª da Penha de França nos anos de 1750 e 1754 para Costa da Mina.69

Sete dos comerciantes que tinham permissão para ir à Costa da Mina (Bento Fernandes

Galiza, Domingos Luís da Cunha, Jácome José de Seixas, João Dias da Cunha, João Lourenço

Veloso, Luís Coelho Ferreira e Manoel Alves de Carvalho) se aventuraram na rota alternativa

de Benguela. Manoel Alves de Carvalho dono de cinco navios remeteu nos anos de 1749 e

1750, duas galeras (Bom Jesus das Pedras St.ª Rita e São Domingos e Bom Jesus do Além e

Nossa Sr.ª da Esperança) para a África Ocidental e outras duas galeras (St.ª Rita St.º Antônio e

Almas e Nossa Sr.ª do Rosário St.º Antônio e Almas) para a África Central Atlântica.70 João

Lourenço Veloso dividia também suas duas embarcações entre a Costa da Mina e Benguela.

Para a primeira região africana enviou em 1745, 1747 e 1750 seu iate Nossa Sr.ª da Ajuda e o

Sr.º Bom Jesus de Bouças e para a segunda região remeteu nos anos de 1747 e 1750 sua

curveta Nossa Sr.ª da Piedade e St.º Antônio.71 Outros nove traficantes não pertencentes a lista

pediram também permissão para comerciar escravos em Benguela. Se acreditarmos que esses

homens de negócios cumpriam com o escrito nos alvarás expedidos em Salvador a região

congo-angola transformou-se, durante os anos de crise na Costa da Mina, numa rota

alternativa para o abastecimento de escravos na Bahia. Porém, estes traficantes, tantos os que

faziam parte da lista quanto os ausentes, podem ter enviado suas embarcações para a região da

Costa da Mina de posse dos alvarás para navegar em direção a Benguela. Não havia

fiscalização possível para impedir que um capitão ao sair da baía de Todos os Santos guiasse

sua embarcação para os portos da dita Costa.

Com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo (1750-1775), futuro marquês de

Pombal (1770), foram criadas as companhias de comércio do Grão Pará e Maranhão e de

Pernambuco e Paraíba. Frente a impossibilidade de se criar uma na Bahia, foi instituída a

Junta de Inspeção do Açúcar e Tabaco pelas leis de 16 e 27 de janeiro de 1751, como forma de

controle do comércio na região. O desembargador Wenceslau Pereira da Silva, intendente do

ouro, foi nomeado presidente desta nova organização que contrariava os interesses da Mesa do

69 APEB, Códice 447. 70 APEB, Códice 447. 71 idem.

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Bem Comum organizada e dirigida pelos principais negociantes baianos.72 Wenceslau que já

gozava de muito poder em Salvador, onde estava instalado desde 1727, passou a ter muito

prestígio com o primeiro ministro português, gerando um intenso conflito político com o vice-

rei, conde de Atouguia. Pesava sobre o vice-rei suspeitas de má administração e de relações

escusas com os traficantes pertencentes a frota dos vinte e quatro. Após uma série de

acusações de parte a parte, o vice-rei pediu demissão do cargo e permissão à Lisboa para

retornar a Portugal. Posteriormente, os aliados do conde de Atoguia foram perseguidos pelo

grupo de Wenceslau Pereira da Silva.73

Wenceslau Pereira da Silva, juntamente com o chanceler da Relação, Manoel da Cunha

Souto Maior e o arcebispo, D. José Botelho de Matos, ficaram responsáveis pela interinidade

do governo colonial, até o novo vice-rei, conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha, ser

empossado. Os negociantes da Bahia excluídos do sistema de vinte e quatro embarcações, se

aliaram à tríade para pressionar o governo português a por fim a frota de negreiros.

Argumentavam que o comércio de escravos tornara-se monopólio de poucos e que por conta

do pouco volume de escravos desembarcados em Salvador, havia uma carestia de mão-de-obra

no campo.74

A pressão dos excluídos resultou na lei de 30 de março de 1756, editada pelo então

primeiro ministro de Portugal, que tornou livre o comércio para qualquer navio que saísse do

Brasil em direção a África, inclusive em portos da Costa da Mina. Mas as prerrogativas da lei

diziam que o diretor da fortaleza portuguesa em Ajudá não poderia deixar que mais de um

navio português fizesse, ao mesmo tempo, tráfico neste porto, tendo o cuidado de deixar

apenas um capitão realizando tal tarefa. Só após este concluir sua negociação, outra

embarcação poderia se dirigir ao porto para comerciar.75 Essa tentativa de reorganização do

tráfico por parte de Lisboa foi vista como desorganização na Bahia e insulto pelo rei do

Daomé. O conde dos Arcos, que já havia sido empossado como vice-rei, após receber a nova

regulamentação, não via boas perspectivas para o restabelecimento do tráfico baiano e

pernambucano, menos ainda para este último, que há alguns anos, deixara de existir, tamanhas

72 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 97. 73 idem, pp. 98-9. 74 Petição dos proprietários dos navios excluídos do tráfico, enviada à Sua Majestade em 1.º de dezembro de 1752, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 99-100. 75 Lei de 30 de março de 1756 liberando o tráfico para toda a África., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.

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eram as dificuldades da época. Para ele, poucos eram os comerciantes que teriam recursos para

se aventurar no comércio de escravos como estava proposto. Profeticamente alertava que nos

dois ou três primeiros anos um grande número de homens se aventuraria novamente no tráfico,

na ilusão de lucro fácil. Contudo, eles logo perceberiam que não teriam condições de continuar

em tal empreendimento devido às dificuldades que se faziam presentes pela falta de meios,

experimentando novamente uma decadência que outrora já haviam experimentado.76

O alerta do vice-rei era pertinente, pois como ele colocou, ocorreu um pequeno

aumento da freqüência de navios na rota entre a Bahia e a Costa da Mina, logo nos primeiro

cinco anos após a lei, o que pode ser explicado como sendo uma euforia temporária. Se nos

últimos cinco anos de vigência da frota a média anual foi de 7,6 navios partindo para Costa da

Mina, nos cinco anos seguintes ao fim da lei, a média sobe para 13,8. Contudo, nos anos

seguintes, percebemos uma queda constante no número de viagens chegando o período de

1772-1776 a ter uma média de 7,4 expedições partindo de Salvador para a Costa da Mina,

resultado pior que os últimos anos da lei (ver anexo 1). Era preciso mais do que uma simples

lei liberando o tráfico para levantar o comércio da escravaria entre a Bahia e a Costa da Mina.

A reorganização do tráfico e a expansão da economia açucareira (c. 1775-1815)

Enquanto o comércio passava a ser controlado no porto de Ajudá , por outro lado, na

baía do Benin, em portos como Badagri, Porto Novo e Onim, o fluxo comercial se expandia.

Na década de 70 o movimento de trocas comerciais na rota Bahia/Costa da Mina voltará a

aumentar. Não só os traficantes saíram ganhando com a reorganização e expansão do

comércio negreiro. Os senhores de engenho e plantadores de açúcar também obtiveram

dividendos com essa nova situação. Com o aumento do volume de desembarcados e a queda

do preço do escravo no mercado baiano, foi possível que os senhores de engenho comprassem

um maior número de cativos e, conseqüentemente, expandissem a produção açucareira. Além

disso, o mercado baiano não tinha mais que disputar o braço africano com a região das minas,

pois esta já estava vivendo sua decadência na produção. Esse período, que se inicia a partir da

102-3. 76 Resposta do vice-rei, em 9 de agosto de 1756, à carta enviada pela Chancelaria., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 103-4.

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década de 1780 e vai até 1830, ficou caracterizado, por Stuart Schwartz, como o do

ressurgimento da agricultura baiana.77

Segundo este autor, com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Mello ao cargo de

Primeiro Ministro (1750-1777), a colônia brasileira sofreu inúmeras reformas que objetivavam

a recuperação de sua economia. No que tange à Bahia, uma das medidas adotadas, durante o

governo de Pombal, foi a volta da liberdade para comercializar na África, em 1756. Os

resultados como já apontamos não foram os esperados. Em vez de diminuir o preço do

escravo, tal medida só fez desorganizar o comércio na praça de Ajudá, acarretando um

aumento do valor do cativo na Bahia. O sistema de frotas para Portugal também foi abolido

em 1765. Esta mudança foi bem aceita por toda a comunidade mercantil de Salvador. Tentava-

se, dessa forma, estimular o comércio colonial com os mercados exteriores. Procurou-se

também fazer uma reforma tributária, com a eliminação ou redução de vários tributos. Em

1776, reduziu-se os valores do frete, fixados em valores bem baixos, visando uma diminuição

dos custos para os senhores de engenho e incentivando o comércio.78 Aliado às medidas

internas, temos o reajustamento do comércio de escravos na Costa da Mina, que possibilitou o

reflorescimento da atividade agrícola na Bahia. Não só a produção de açúcar foi favorecida,

mas também a de fumo e couro.

Um outro evento de extrema importância foi a revolta de escravos na ilha de São

Domingos, em 1791. Essa colônia francesa nas Antilhas era a maior produtora de açúcar do

mundo. Durante aproximadamente uma década, travou-se nesta ilha uma intensa guerra que

resultou na independência do Haiti. A produção de açúcar local foi praticamente eliminada.

Face a este acontecimento, os baianos herdaram um imenso mercado consumidor

possibilitando a reestruturação de sua indústria açucareira.

Mas nem sempre o preço do açúcar no mercado internacional esteve em alta durante o

período de 1780-1830. Com a volta da paz na Europa e a recuperação das plantações

antilhanas, houve queda no valor do açúcar. Mesmo nestes períodos de fase B, a economia

baiana manteve seu crescimento calcada principalmente no aumento da produção de açúcar e

na intensificação da utilização da mão-de-obra escrava.

77 SCHWARTZ, Stuart B., op. cit., 1999, cap. 15. 78 idem, p. 340.

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Segundo dados reunidos por W. W. Posthumus, no mercado de Amsterdã, para o

período de 1799 e 1807, os preços do açúcar caíram a uma média anual de – 14%.; entre os

anos de 1813-1819, a queda foi de – 11% anuais.79 Se fizermos uma rápida observação nos

números apontados, poderemos de forma apressada e equivocada concluir que a Bahia

vivenciou uma nova crise. Contudo, a partir da leitura de outros dados poderemos perceber

que ocorreu justamente o oposto. As unidades produtivas de açúcar na Bahia aumentaram. Se

no ano de 1755 contavam-se 172 engenhos na capitania, em 1795 esse número atingiu 353,

pulando para 400 três anos mais tarde.80 Entre os anos de 1818 e 1820 o total de unidades

produtoras estava em torno de 340, chegando à marca de 583 no período de 1830-1834. Com

isso, a produção anual de açúcar que na década de 1770 foi estimada em 10 mil caixas, se

eleva no decênio seguinte, chegando nos anos de 1796 a 1811 a uma média de 16.300 caixas

de quarenta arrobas anuais.81

Da mesma forma, observando os dados coligidos no anexo 1, nota-se que no

qüinqüênio de 1788-92 a média anual de navios envolvidos no tráfico de escravo era de 10, no

lustro seguinte esse número chegou a 17,6 por ano, alcançando, entre os anos de 1808-1812, a

média de 29,6 embarcações anuais. No último período (1813-1815), a média de saídas dos

navios (25,3) aponta uma queda em relação ao qüinqüênio anterior. Tais números são reflexos

da conjuntura particular do período, quando navios brasileiros eram atacados a todo momento

pelos britânicos. Muitas expedições não se realizaram por receio de perdas. De trinta e nove

no ano de 1811, o número de licenças emitidas para navegar caiu para quatorze em 1814.

Voltou a subir no ano seguinte chegando a trinta e cinco, pois os traficantes estavam cientes da

iminência do fim do comércio legal de escravo na região africana na qual eles tinham

preferência.

A idéia de que a praça comercial de Salvador estava num processo de crescimento é

reforçada se observarmos os números referentes aos desembarques de africanos (cf. gráfico 2).

Percebemos o crescimento contínuo do tráfico desde a penúltima década do século XVIII até o

79 POSTHUMUS, W.W. Inquiry into the prices in Holland. Leiden, E. S. Brill, 1943, apud, FLORENTINO, Manolo. op. cit., 1997, p. 76. 80 BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 74-5. No ano de 1755 os dados englobam 126 engenhos na Bahia e 46 no Sergipe; em 1795, 221 engenhos eram da Bahia e 132 do Sergipe; em 1799, 260 eram baianos e 140 sergipanos. 81 idem, p. 346.

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ano de 1830 quando legalmente passa a ser proibido o comércio de escravo transatlântico. A

tendência ao aumento do número de desembarques indica o incremento do volume de

negócios e da própria economia escravista baiana que era provida de braços africanos através

do porto de Salvador.

De uma média anual de quatro mil e seiscentos escravos desembarcados no período de

1788-1792 este número subiu para sete mil e cem no qüinqüênio seguinte, atingindo a média

de sete mil e trezentos nos anos de 1803-1807. Num período de vinte anos a Bahia conseguiu

aumentar em aproximadamente 60% o movimento de africanos no porto de Salvador. Nos

intervalos seguintes, o volume de escravos aportados manteve-se em alta com exceção feita

aos períodos de conflitos na Costa da Mina (1813-1817) e nos anos imediatos da

Independência.

Portanto, todos esses dados nos mostram que uma economia “pré-industrial” podia

crescer mesmo em momentos de queda dos preços internacionais (fase B), mediante a

expansão da produção, demonstrando claramente uma certa autonomia frente aos mercados

externos.82 Os homens de negócio procuravam manter ou mesmo aumentar seus rendimentos

em uma fase B internacional com a implementação da produção, buscando a redução dos

custos frente um maior volume de mercadoria exportado. Obviamente, a reiteração no tempo

de tal expediente se tornaria inviável quando os resultados obtidos com as exportações não

pudessem cobrir mais os custos realizados na fabricação.83

Desta forma, a sociedade baiana conseguia se reproduzir a partir do incremento e da

expansão de sua indústria açucareira, sem alterar a organização social da produção. Com o

aumento do número de unidades de produção, aliado ao crescimento na importação de mão-

de-obra cativa, a Bahia pôde se restabelecer economicamente frente às flutuações do mercado

internacional.

82 FRAGOSO, João Luís & FLORENTINO, Manolo Arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 42. 83 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 77.

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Capítulo 2 – ... e a oferta

Debate historiográfico: o tráfico e a dinâmica na África

A relação entre o comércio atlântico de escravos e as mudanças sofridas pelas

sociedades africanas pré-coloniais tem sido um dos principais pontos debatidos até hoje entre

as diversas gerações de africanistas. É bem verdade que em tempos pretéritos, mais

precisamente no século XVIII, surgiu a idéia de uma África eterna. De acordo a este ponto de

vista, as sociedades africanas que se encontravam na zona equatorial, a não ser quando muito

pressionadas pelas relações com os europeus, mudavam a passos glaciais.84

Archibald Dalzel, diretor do forte inglês e comerciante de escravos em Cabo Corso no

século XVIII, afirmava que o tráfico não afetava as sociedades africanas. Ele trabalhou com as

seguidas sucessões reais ocorridas no Daomé, para defender sua tese.85 Na passagem para o

século XX, Sir Harry Hamilton Johnston, figura de destaque na corte vitoriana e estudioso

amador, embora defendesse que as guerras e rapinagens geradas pelo comércio de escravos

tenha causado grande devastação no continente africano, apontou, com certo otimismo, que a

África podia recuperar seu estágio anterior ao tráfico ao longo de algumas poucas décadas de

paz e estabilidade política.86 Tanto Dalzel quanto Johnston partilhavam da visão de uma

África estática, da idéia de que as sociedades africanas eram fortes e capazes de sobreviver aos

anos de comércio de escravos e de contato com os europeus, sem terem suas estruturas

alteradas. Esta visão enfatizando as permanências, a estagnação e a resistência às mudanças

provinha das dispersões da documentação referente à África pré-colonial e dos conflitos de

interpretações causados pelas diferenças culturais entre os observadores europeus e

africanos.87 Somente com os historiadores contemporâneos foi possível alterar tais idéias.

No início dos anos 60 do século passado, Basil Davidson defendeu que o tráfico de

escravos teve conseqüências fortemente negativas sobre as estruturas das sociedades

africanas.88 Walter Rodney, afinado com Davidson, apontou que as exportações de africanos,

84 MANNING, Patrick. “Escravidão e mudança social na África”. In: Novos Estudos CEBRAP, n.º: 21, 1988, p. 8. 85 DALZEL, Archibald. The history of Dahomy and inland kingdom of Africa. Londres: s/ed., 1967. 86 MANNING, Patrick, op. cit., 1988, p. 8. 87 idem, ibdem. 88 DAVIDSON, Basel. Black mother: the years of African Slave Trade. Boston: s/ed., 1961.

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foram causadoras de grandes prejuízos à economia e às estruturas políticos-sociais africanas.89

Numa linha contrária a destes dois estudiosos, John Fage defendia, ainda na década de 60, que

as mudanças ocorridas foram decorrências de fatores internos à África. O tráfico não teria sido

capaz de afetar as estruturas africanas.90 Nos anos 80, Joseph Miller, analisando a região

congo-angolana, sustentou que mais do que o tráfico, teriam sido os ciclos de doença, seca e

fome os causadores do impacto demográfico negativo, que provocaram mudanças estruturais

na África.91

Um ponto em comum une as quatro visões desses autores: a percepção de um

dinamismo africano, contrapondo-se a idéia de uma África estática (África eterna). As

discordâncias dizem respeito à importância dada aos aspectos externos nas mudanças. Tanto

Fage quanto Miller, minimizaram os aspectos externos, dando grande ênfase ao vetores

internos (domésticos). Tal análise passou a ser chamado de África emergente.92 Já Davidson e

Rodeney deram prioridade aos fatores externos nas suas análises sobre as transformações

africanas. Tal visão passou a ser denominada de Afrique engagée.

Na visão de John Fage, a partir da análise de sociedades da África Ocidental, os

processo internos a esta região teriam sido forte o suficiente para absorver, neutralizar e até

mesmo se beneficiar do comércio de escravos. Desta forma o tráfico negreiro fazia parte do

desenvolvimento político e econômico das sociedades africanas.93

Segundo os defensores da Afrique engagée, as sociedades africanas sofriam com o

engajamento no tráfico de escravos. A questão principal não era demográfica, pois Davidson e

Rodney entendem que não houve um declínio populacional africano. A tese estava calcada na

interrupção do desenvolvimento social e institucional. Rodney defendeu que o

subdesenvolvimento da África é decorrência de anos de comércio escravo. Por outro lado, sua

visão de uma forte coerção européia sobre os africanos a partir da relação comercial

desenvolvida entre os dois lados, onde os primeiros se sobrepunham aos segundos,

aproximava-se muito da idéia de uma África eterna, que fora defendida por Johnston. A

89 RODNEY, Walter. How Europe underdeveloped Africa. Londres: s/ed., 1972. 90 FAGE, John D. “Slavery and the slave trade in the context of West African history”. In: Journal of African History, 10 , 1969, pp.393-404. 91 MILLER, Joseph C. “The significance of drought, disease and famine in the agriculturally marginal zones of West Central Africa”. In: Journal of African History, 23 , 1982, p. 30. 92 MANNING, Patrick, op. cit., 1988, p. 10. 93 FAGE, John, op. cit., 1969, p. 400.

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diferença é que Davidson e Rodney enfatizam os aspectos negativos do contato europeu para o

desenvolvimento africano.94

Rodney defendeu também que o comércio negreiro com os europeus, mediante

coerção, intensificou a escravidão na África, expandindo o número de cativos e os maus tratos

no continente. Tal posição é defendida por Paul Lovejoy como a “tese da transformação”.95

Ambos os autores entendem que tais mudanças foram originadas por fatores externos,

estranhos às estruturas político-econômicas africanas. Críticos dessa teoria, John Fage e David

Eltis apontaram que a escravidão era disseminada e inata na sociedade africana, como o era

também o comércio da escravatura. Para esses autores os europeus apenas se inseriram num

mercado pré-existente onde os africanos passaram a atender o crescimento da demanda

aumentando o volume de escravos oferecidos ao longo dos anos. Estava nas mãos de líderes e

mercadores africanos a decisão de comerciar cativos ou não. Não houve coerção para

participar do tráfico ou decisões irracionais tomadas pelos africanos.96 O tráfico atlântico

estava baseado, portanto, num bem desenvolvido sistema de escravidão, de mercado de

escravo e de redistribuição que pré-existia a presença dos europeus no continente africano.

Segundo John Thornton, a organização interna na África foi muito mais importante do que

qualquer fator externo para o desenvolvimento do comércio transatlântico de escravos.97

A maioria dos escravos que eram disponibilizados à venda externa eram aqueles

obtidos em guerras. Existiam também casos de senhores africanos que por algum motivo

resolveram colocar seus escravos a venda, e outros que por questões judiciais ou capturados

por bandidos tiveram sua liberdade tolhida e tornaram-se “artigo” de exportação.98 As guerras

ocorriam em faixas de terra no interior do continente africano. Os derrotados eram capturados

e feitos escravos pelos vencedores. Aqueles que não conseguissem um lugar dentro do novo

grupo social eram remetidos para o litoral para serem vendidos aos europeus. O que desponta

desta conduta é que os governantes africanos não vendiam seus súditos, mas pessoas estranhas

94 MANNING, Patrick, op. cit., 1988, p. 11. 95 LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 96 Cf. FAGE, John. “Slaves and society in western Africa, 1400 - c. 1700”. In: Journal of African History, 21, 1980, pp.289-310; ELTIS, David. Economic growth and ending of the transatlantic slave trade. Nova York: Oxford Academic Press, 1987, pp. 72-8. 97 THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, cap. 3. 98 idem, p. 155.

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à sua comunidade. Desta forma, as guerras exerceram papel crucial dentro da organização do

comércio de cativos na África.

Philip Curtin, estudando o tráfico negreiro na Senegâmbia no século XVIII, opôs a

visão de um modelo político de guerra - onde os conflitos ocorriam por problemas de cunho

político entre as nações africanas, que acabavam por gerar escravos, sem que este tivesse sido

o motivador das ações bélicas - ao de um modelo econômico – onde os combates aconteciam

com o objetivo de fazer escravos para serem vendidos aos mercadores externos. Curtin

concluiu que os conflitos ocorridos na Senegâmbia evidenciaram que lá as guerras tinham

propósito político.99

Contudo, não é fácil distinguir as guerras que foram travadas por questões políticas ou

econômicas. Thornton, analisando as guerras ocorridas em Angola, percebeu que a captura de

escravos tinha tanto um sentido econômico quanto político. Se por um lado possuir cativos era

uma garantia de geração de riqueza privada, por outro os escravos podiam ser utilizados pelo

Estado em cargos administrativos e em campanhas militares contra nações rivais na disputa

por poder. Com isto, uma simples ação ofensiva cujo objetivo era obtenção de escravos

acabava por adquirir conotações políticas, da mesma forma, que a eventual venda de alguns

cativos não nos leva a pensar que a guerra não tivesse algum caráter político.100

A associação entre as guerras travadas no interior da África com a venda de escravos

pode ser compreendida ao observarmos os exemplos das regiões de Benin e Congo. Ambos os

países foram tradicionais exportadores de africanos para as ilhas de São Tomé e Príncipe e

Europa até meados do século XVI. No caso do Benin aponta-se que no ano de 1550 o

comércio de escravos tenha sido interrompido. Já no Congo acredita-se que a venda de cativos

tenha cessado na virada do século XVI para o XVII, embora, em pequena escala ainda se saiba

que de portos congoleses tenha partidos negreiros carregados com africanos comercializados

no interior do continente.101 De todo modo, parece que a decisão de interromper o fluxo

exportador de escravos nestas duas regiões estava relacionada a mudanças de diretrizes

políticas, pois ambos os estados haviam cessado suas expansões - Benin em 1550 e Congo no

findar do século XVI. Guerras menos freqüentes significavam um menor número de escravos.

99 CURTIN, Philip. Economic change in precolonial Africa: Senagambia in the Era of the slave trade. Madison: s/ed., 1975. pp. 157-68. 100 THORNTON, John, op. cit., 2003, p. 157.

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Talvez estes estados tenham atingido a demanda doméstica de cativos necessária para tocar

suas empresas exportadoras – no caso do Benin, tecido e pimenta; no Congo, tecido. No final

do século XVII e início do XVIII, devido às guerras civis, bem como ao aumento do preço do

escravo, ambas as regiões voltaram a atuar no tráfico internacional.102

Já a partir de meados do século XVII é possível notar um acréscimo no volume de

escravos exportados da África. Depois de 1650 houve um aumento da demanda por conta das

novas áreas agrícolas do Caribe, que se juntam as já existentes na América portuguesa, e a

chegada de europeus à costa africana, carregados de novos armamentos e tecnologias mais

avançadas que as portuguesas. Segundo as estimativas sobre africanos exportados, no ano de

1600 o volume foi de 9.500, atingindo 13.800 em 1650, saltando para 36.100 em 1700.103

Contudo, segundo Thornton, o crescimento da demanda significou um aumento quantitativo e

não qualitativo no comércio negreiro. Ao fim e ao cabo, a decisão de aderir ou não ao tráfico

recaia sobre os africanos.104

A expansão do estado Aladá, na segunda metade do século XVI e ao longo do XVII, o

surgimento do Império Oió, e a entrada no comércio de escravos de estados localizados na

Costa do Ouro, região anteriormente importadora de mão-de-obra, em torno de 1650,

propiciou à África Ocidental ter um espetacular crescimento na participação das exportações

de escravos. Em 1600, a região fora responsável pela venda de aproximadamente 5.000

cativos. No findar do século XVIII, este número chegou a cerca de 25.000 escravos, o que

representava mais da metade do total de exportação africana no período.105 Muitos africanos

vendidos em Aladá foram capturados durante as guerras de expansão de Oió no interior da

Costa da Mina. Foram também conflitos políticos desenrolados no interior os responsáveis

pelo aumento de cativos na região da Costa do Ouro.

Toda a região da Costa da Mina passou por uma reorganização militar com a criação

do exército de massa. Anteriormente as batalhas eram travadas com um número reduzido de

pessoas, em sua maioria militares que haviam sido capturados em guerras precedentes. Com o

aumento das tropas aumentou também o número de pessoas vulneráveis a serem escravizadas

101 idem, p. 168. 102 idem, ibdem. 103 idem, p.177. 104 idem, p. 175. 105 Idem, p. 177.

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pelo lado vencedor. Juntamente com o surgimento de grandes exércitos cresceu a demanda por

armas de fogo. Desta maneira, a reorganização militar não se deu a partir da importação de

armas de fogo européias, mas sim por causas sociais internas e intrínsecas aos estados

africanos.106 Isto não significa que as novas tecnologias européias não tenham contribuído

para incrementar a apreensão de escravos. Portanto, as guerras e conflitos podem ter

contribuído para o crescimento do tráfico em algumas regiões africanas, como por exemplo na

Costa da Mina, porém isso não significa que a demanda tenha sido a causadora dos distúrbios

políticos.

Costa da Mina: local privilegiado para o comércio baiano

A Costa da Mina era a principal região para onde se dirigiam as embarcações negreiras

saídas da cidade de Salvador. Esta relação comercial iniciou-se ainda no século XVII. A

Bahia, até a década de 1640, era abastecida com escravos vindos da Guiné e de Angola.

Porém, com a ocupação holandesa nesta região africana, o envio de escravos para as terras

baianas foi prejudicado, pois os comerciantes da Holanda privilegiavam Pernambuco, que no

momento estava também sob domínio holandês. No ano de 1648, tropas financiadas e saídas

do Rio de Janeiro, comandadas por Salvador Corrêa de Sá, reconquistaram Luanda. A partir

de então formou-se um laço político-econômico entre os grupos dirigentes destas duas cidades

do Atlântico Sul. Governadores angolanos passaram a privilegiar, em fins do século XVII, o

envio da escravatura para o porto carioca em detrimento das outras regiões brasileiras, como

Bahia e Pernambuco.107 Tal conduta provocou um decréscimo de escravos no nordeste

brasileiro e um direcionamento dos navios baianos aos portos da Costa da Mina.

Além de Angola e Pernambuco, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, em

1637, tinha tomado o castelo de São Jorge da Mina, principal forte-praça de comércio de

Portugal, na região da Costa da Mina. Os holandeses passaram, assim, a estabelecer pleno

controle sobre o comércio português naquela região africana. Apesar do tráfico na região do

Castelo ter sido proibido aos portugueses, segundo Verger, foram estabelecidas relações entre

106 idem, p. 182. 107 FERREIRA, Roquinaldo. “Dinâmica do comércio intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos (séculos XVIII)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 342.

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a Costa da Mina e a Bahia por três fatores. Em primeiro lugar, a Costa da Mina era o único

local em que os baianos conseguiam despachar seu fumo de terceira qualidade (refugo),

proibido de ser mandado para o reino português, que só importava o fumo baiano de primeira

e segunda qualidades. Em segundo lugar, a Holanda, que dominava esta região e possuía o

monopólio de comércio de produtos europeus com a mesma, via Companhia Holandesa das

Índias Ocidentais, só permitia a negociação de tabaco, favorecendo assim os baianos em

detrimento dos comerciantes reinóis e demais brasileiros que não produziam o fumo. Por fim,

um terceiro fator, favorecendo os baianos: a proibição dos comerciantes das praças do Rio de

Janeiro e das demais regiões brasileiras não produtoras de tabaco de irem comercializar na

Costa da Mina.108 Um decreto real de 12 de novembro de 1644 autorizava os navegadores,

carregados de tabaco de terceira categoria, a partirem da Bahia em direção à Costa da Mina

com a finalidade de resgatar escravos, uma vez que Angola ainda estava sob domínio

holandês.109 Desta forma desenvolveu-se um comércio peculiar entre a Bahia e a África

Ocidental, diferente do modelo clássico do sistema de viagens triangulares (Europa-África-

América-Europa), sob a forma de troca bilateral.

Os africanos tinham os escravos e os baianos o fumo. Mas não era um fumo qualquer.

Embora de terceira qualidade, o tabaco baiano era melhor açucarado, preparado com melaço

puro. Esta forma de confeccionar o fumo dava um aroma especial e o tornava muito apreciado

na Costa da Mina, tornando-se indispensável para o comércio de escravos nesta área.110

Estima-se que a Bahia, no início do século XVIII, tenha exportado para a Costa da Mina cerca

de 13 mil arrobas de tabaco por ano.111

Os quatro principais portos em que os comerciantes baianos negociavam na Costa da

Mina eram Grande Popó, Ajudá112, Jaquim e Epe (cf. mapa 2). Os holandeses que haviam

conquistado o Castelo de São Jorge da Mina permitiam que os negociantes de tabaco da Bahia

fossem até os portos africanos comerciar escravos. Contudo, antes de chegarem a um dos

quatro portos de trocas, os comerciantes baianos tinham que pagar aos holandeses, no castelo

108 VERGER, Pierre, Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, pp. 19-20. 109 idem, p. 21. 110 idem, ibdem. 111 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 157. 112 Este local tem outras formas de ser designado: Uidá, Judá, Fidá, Whydah, Ouidah, Glé Houé, Gregoy e Igéléfé.

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de São Jorge, um tributo de 10% sobre toda a carga de fumo que carregavam no navio. Com

isso, as embarcações saídas da Bahia, que tinham carga média de 3.000 rolos de fumo,

pagavam de tributo às autoridades holandesas 300 rolos.113 Além do tabaco, os baianos

comerciavam também aguardente e ouro em pó contrabandeado das regiões auríferas do

Brasil.

Essa relação entre Bahia e Costa da Mina vai se estreitar ainda mais a partir da

expedição do Alvará de 1687. Tal documento indicava aos capitães que fossem buscar

escravos na África, a se dirigirem à região da Costa da Mina, pois o Reino de Angola (já

retomado pelos portugueses) passava por um surto de bexiga.114

113 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 35. 114 Alvarás de 1687 aos capitães das embarcações que iam traficar na Costa da Mina, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 58.

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Mapa 1: Costa do Ouro, Costa da Mina e Golfo de Biafra

Fonte: SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / Ed. UFRJ, 2003, p.56.

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É possível estabelecer as principais áreas africanas de comércio com a Bahia. Verger já

apontou que ao longo do século XVIII o fluxo comercial baiano se dirigia preferencialmente

para a região da África Ocidental.115 A partir das licenças de viagens conferidas pela alfândega

da Bahia entre os anos de 1678 a 1775 pude constatar um total de 1535 expedições de resgate

de escravos em direção a portos africanos.116A tabela 2 aponta o destino das viagens negreiras

que partiram de Salvador sendo possível mensurar as flutuações da participação das principais

zonas africanas no comércio de cativos. Como podemos observar, o predomínio da região

ocidental, onde fica a Costa da Mina, foi total. A quantidade de expedições baianas para esta

localidade nunca foi inferior a ¾. Outro aspecto importante é a participação, mesmo que

pequena, das ilhas atlânticas no comércio de escravo. Embora não fosse uma área de produção

de cativos, ela servia como centro redistribuidor de escravos obtidos no continente desde o

início do tráfico e como entrepostos para o abastecimento dos negreiros baianos, funcionando

como um subsistema do circuito atlântico.117

A região Centro-Ocidental era destino de apenas 7% dos negreiros que de Salvador

partiam para a África. Essa rota teve um desenvolvimento maior no intervalo de 1718-1775,

em função das dificuldades surgidas, entre as décadas de 40 e 60, para os baianos realizarem o

tráfico na Costa da Mina. Embora fosse pequena a participação no desenvolvimento da

economia da Bahia, a região Congo-Angola era a principal região africana de comércio de

escravaria da cidade do Rio de Janeiro. Ainda na primeira metade do século XVIII tornou-se a

mais importante área de fornecimento de mão-de-obra para a América portuguesa.

115 A este respeito Verger já nos mostrou que o tráfico de escravos em direção à Bahia pode ser dividido em quatro períodos: 1.º O Ciclo da Guiné durante a Segunda metade do século XVI; 2.º O Ciclo de Angola e do Congo no século XVII; 3.º o Ciclo da Costa da Mina durante os três primeiros quartos do século XVIII; 4.º O Ciclo da baía de Benin entre 1770-1850. VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 9. 116 Verger conseguiu levantar para o mesmo período 1063 saídas de negreiros de Salvador, sendo 1024 para a costa da Mina e 39 para Angola e Congo. VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 651-2. 117 Sobre a participação das ilhas de São Tomé e Príncipe ver FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, pp. 117-24.

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Tabela 2: Saídas de navios negreiros da Bahia para a África, de acordo à região africana de

destino, por grandes conjunturas (1678-1775)

Períodos África

Ocidental

% África

Central

% Ilhas do

Atlântico

% África

Oriental

% Total

1678-

1717

612 90,2 20 2,9 47 6,9 - - 679

1718-

1737

297 89,5 - - 35 10,5 - - 332

1738-

1775

407 77,7 92 17,5 21 4,0 4 0,8 524

Total 1320 a 86,0 112 7,3 105 b 6,8 4 0,3 1535

Obs: a – Foram incluídas quatro viagens nas quais não foi possível detectar os anos.

b – Foi incluída uma viagem sobre a qual não foi possível detectar o ano.

Fontes: Anexo 3

Uma ínfima participação da Costa Oriental africana no comércio escravista baiano

pode ser notada na tabela 2. Apenas quatro navios fizeram a viagem para Moçambique. No

ano de 1759 foram realizadas três: curveta Nossa Sr.ª da Atalaia e Bom Jesus das Portas de

propriedade de Domingos Rodrigues Chaves partiu em maio; curveta Nossa Sr.ª Mãe dos

Homens Vitória e Almas cujo dono era Manoel Inácio Ferreira, saiu em novembro; curveta

Jesus Maria José e São Francisco Xavier pertencente a David de Oliveira Lopes, saiu também

em maio. No ano de 1761 foi a curveta São Miguel o Anjo St.º Antônio e Almas de Luís

Coelho Ferreira que partiu para Moçambique para resgatar escravos.118 Temos notícias que

das três embarcações saídas no ano de 1759, apenas uma retornou a Bahia com 300 escravos.

Dos outros navios sabemos que um se perdeu na ida e a outro foi vendido com toda sua

mercadoria. Mais tarde o seu senhorio conseguiu recuperá-lo em Goa. Já a curveta saída no

ano de 1761 retornou com seu dono após este ter feito excelentes negócios em Quilimane.119

118 APEB, códice 447. 119 BNRJ, “Discurso preliminar. Histórico, Introdutivo, com natureza de descrição econômica da Comarca e

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Outras três expedições, nos anos de 1774, 1775 e 1785, aportaram em Salvador vindas da

África Oriental e ao que parece tiveram êxito em seus negócios.120 De toda forma, da costa

oriental africana poucos foram os escravos levados para a Bahia. Dois fatores atuavam para

que a rota do Índico não figurasse no circuito comercial escravista baiano: a distância e a má

qualidade dos cativos. Segundo André de Melo e Castro, conde de Gauvêas, não seria rentável

montar uma grande expedição com navios de força para se ir negociar em Moçambique devido

aos perigos e dilações da travessia e a frouxidão dos africanos vindo de tal região para os

serviços de engenho, lavoura e trabalho nas minas.121

A partir de 1776 é possível estabelecer as principais áreas fornecedoras de escravos

para a cidade de Salvador, utilizando fontes que nos informam o desembarque e a origem dos

africanos. A este respeito, consultamos uma documentação que se encontra no Arquivo

Histórico Municipal de Salvador (AHMS). São livros de registros da chegada dos negreiros,

dos quais pudemos resgatar a proveniência. Na BNRJ, consultamos as informações presentes

nos jornal A Idade d’Ouro do Brasil, que regularmente informava a seus leitores sobre as

aportagens das embarcações vindas da África. Com tais fontes foi possível cobrir um período

de 1776 até 1824, sendo que para alguns intervalos não há informações (1778-9; 1783-87;

1800-01; 1820-21).

O gráfico 3 mostra a proveniência de 778 expedições negreiras que aportaram no porto

de Salvador entre 1776 e 1824. Comparando com o período anterior (1678-1775) a taxa de

participação da região da África Ocidental no abastecimento do mercado de Salvador caiu de

75% para 60%. Esse impacto negativo no fluxo de cativos vindo desta região africana, deve

Ter sido causado pelas ações da marinha inglesa, que passou a atacar navios baianos que para

esta área se dirigiam e aos efeitos do Tratado assinado entre Portugal e Inglaterra, em 1815,

que aboliu o comércio de escravos em portos africanos ao norte da Linha do Equador.

Podemos analisar esta queda no gráfico 3, ao analisarmos dois períodos distintos, aquele

anterior ao início das hostilidades inglesas e o posterior. Se entre 1776-1810 a participação

Cidade da Bahia”. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, 1906, p. 346. 120 idem, ibdem. 121 APEB, col. ms., Ordens Régias. Vol. 35, p. 54.

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Gráfico 3: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador, 1776-1824

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1776-1810 1811-1824 1776-1824

%

África Ocidental África Central Atlântica África Oriental

Fonte: Anexo 4.

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Gráfico 3.1 - Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros aportados

em Salvador vindos da África Ocidental, 1776 – 1824

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1776-1810 1811-1824

%

Costa da Mina São Tomé e Príncipe Outros

Fonte: Anexo 4

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desta região era de cerca de 71%, no período de 1811-1824 caiu para aproximadamente 42%.

Embora tenha ocorrido uma queda, a região da África Ocidental ainda foi a majoritária no

fornecimento de africanos para a Bahia entre 1776-1824 - cerca de 60% contra 36% de

participação da região congo-angolana. Após 1815, a Idade d’Ouro do Brasil registra apenas a

chegada de 13 expedições vindas da África Ocidental. Não é improvável que embora

declarassem partir e retornar de portos africanos abaixo da linha do Equador, muitos destes

traficantes baianos continuassem a comerciar escravos na Costa da Mina.

O gráfico 3.1 analisa as principais zonas fornecedoras de escravos dentro da África

ocidental. É evidenciado que a participação da região da Costa da Mina nunca foi inferior a

85% dos aportamentos de negreiros provenientes da África Ocidental, cabendo as Ilhas de São

Tomé e Príncipe uma participação residual neste comércio. Estas ilhas desempenhavam um

papel de redistribuição dos cativos apreendidos no continente, principalmente do Gabão.

Embora as dificuldades causadas pelos ingleses desde 1811 e o Tratado de 1815 tenham

abalado os negócios baianos na Costa da Mina, esta região ainda permaneceu por muitos anos,

mesmo na forma de contrabando, como área exportadora de cativos para a Bahia.

Outros dois aspectos importantes foram o crescimento de aportagens vindas da zona

congo-angolana e o aparecimento, mesmo que diminuto, de navios oriundos da África

Oriental. Afora as quatro viagens feitas nos anos de 1759 e 1761, o intercâmbio com esta

região africana sempre foi escasso. Essas novas viagens – 11 da Ilha de Moçambique e 4 de

Quilimane - demonstram como os baianos tiveram que diversificar seus investimentos em

território africano a partir do segundo decênio do século XIX.

A África Central Atlântica sempre desempenhou o papel de fonte alternativa para os

traficantes baianos. A partir de 1811, frente às dificuldades surgidas para se comercializar

escravos na África Ocidental, se consolidou como a principal região fornecedora de mão-de-

obra para a Bahia. O volume de negreiros vindos da região congo-angolana em termos

proporcionais aumentou consideravelmente. Houve um salto de 500%! na participação das

taxas no fluxo de navios entre a Bahia e a região congo-angolana comparando os períodos

anterior e posterior a 1775 – 7% contra uma taxa de 36%. Entre os anos de 1776 e 1810 a zona

Central-atlântica foi responsável por aproximadamente 30% dos navios aportados em

Salvador. No período posterior (1811-1824) esta região foi responsável por mais da metade

(54%). A intensificação dos negócios nesta região se fez mediante a incorporação de novos

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Gráfico 3.2: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador vindos da África Central Atlântica, 1776 - 1824

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1776-1810 1811-1824

%

Luanda Benguela Cabinda Molembo Outros

Fonte: Anexo 4

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portos ao circuito comercial escravista. Observando o gráfico 3.2 percebe-se que até 1810 os

dois únicos portos de contato dos traficantes baianos eram Luanda e Benguela, na parte

centro-sul de Angola. Já no período de expansão comercial ocorreu um decréscimo da

participação destes portos. Só há um registro de chegada de embarcação vinda de Benguela

após 1810. Luanda, que até 1810 era responsáveis por 62,8% do fluxo comercial entre a África

Central Atlântica e a Bahia, teve uma queda de 80% na sua participação deixando de ser o

principal centro exportador de africanos da região, papel este que passou a ser desempenhado

por dois novos portos ao norte, Molembo e Cabinda, que juntos participaram em

aproximadamente ¾ das expedições angolanas enviados à Bahia entre os anos de 1811 e 1824

– 45% e 28% respectivamente. Este padrão também é verificado para o Rio de Janeiro.

Luanda e Benguela eram as origens de 96% dos negreiros atracados no porto carioca entre

1795 e março de 1811. No período de junho de 1811 a 1830, a participação destas áreas caiu

para 48% enquanto a outra metade comprava escravos nos portos do norte, onde Cabinda

passou a se destacar sendo responsável por 35% dos movimentos comercias entre Rio de

Janeiro e Angola.122 É possível que este deslocamento estivesse relacionado à resolução, em

prol de Portugal e do Brasil, da chamada "Questão Norte", relativa ao fim da presença de

traficantes franceses, ingleses e holandeses ao norte de Luanda.123

A Bahia se fez presente na Costa da Mina

Após a análise das principais fontes de cativos para a Bahia demonstrar a importância

da região da África ocidental, devemos expor como essa relação se formou. Durante todo o

século XVIII e os primeiros anos do Oitocentos, a comunidade mercantil baiana constituiu

fortes laços comerciais e mesmo políticos com os africanos da Costa da Mina. Esta

proximidade entre as duas regiões ocasionou reações contrárias vindas da metrópole

descontentes com a liberdade de comércio dada aos baianos e de suas ligações com

mercadores de nações estrangeiras e rivais de Portugal, como os holandeses. Foram várias as

disputas travadas entre os comerciantes baianos como situados no reino. Reflexo dessas

contendas foi a tentativa frustrada dos traficantes de Salvador de formar e controlar uma

122 FLORENTINO, Manolo, Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, Apêndice 13, p. 234. 123 BIRMINGHAM, David. Trade e conflict in Angola. Oxford: Claredon Press, 1966, p.p. 131-61.

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companhia de comércio no início do século XVIII que tivesse o monopólio da compra de

escravos na África e o abastecimento no Brasil, excluindo a participação dos reinóis. A Coroa,

mediante o governo da Bahia, negou autorização para a constituição de tal empreendimento,

alegando que o preço dos escravos iria se tornar ainda mais exagerado, podendo levar à ruína

os proprietários de engenhos de açúcar.124 Contudo, nada foi capaz de impedir a manutenção

do comércio entre as duas regiões. Mesmo com a proibição do tráfico ao norte da Linha do

Equador, em 1815, navios baianos continuaram a se dirigir para a Costa da Mina até 1850,

quando foi abolido definitivamente o comércio de escravos.

No ano de 1721 foi erguido um forte em Ajudá (Fortaleza Cesária), pelo traficante

baiano e capitão de mar e guerra Joseph de Torres, com a autorização do vice-rei no Brasil,

Vasco Fernandes César de Menezes. As despesas desta fortaleza estavam a cargo da

Capitania da Bahia. A construção deste forte-feitoria pode ser entendida como uma

tentativa dos comerciantes baianos de se fortalecerem diante do comércio em Ajudá,

principal porto de resgate de escravos na África, atividade esta que já demonstrava

dificuldades. Além disso, os portugueses percebiam com esta iniciativa a possibilidade de

resgatarem seu prestígio na Costa da Mina depois de quase 80 anos, quando perderam para

os holandeses o Castelo de São Jorge da Mina, podendo transformar esta fortaleza numa

base para uma eventual reconquista dos territórios perdidos. Finalmente, poderia servir

para proteger de possíveis agressões dos holandeses os navios do Brasil que se dirigiam

para esta localidade.

O capitão Joseph de Torres, um dos comerciantes mais bem sucedidos na cidade de

Salvador, era o mais entusiasmado com a iniciativa da construção de um forte português na

Costa da Mina. Ele tinha fortes ligações pessoais e era bastante influente no continente

africano, onde mantivera relações comerciais com os holandeses no Castelo de São Jorge da

Mina e com os ingleses no castelo do Cabo Corso e no forte William, em Ajudá. Entretanto,

seus negócios nem sempre ocorriam por meios legais, como o contrabando de ouro e de

produtos europeus. E foram essas atividades anteriores empreendidas pelo capitão de mar e

guerra que fizeram com que ele caísse em descrédito junto ao vice-rei no Brasil, que em 1722

124 Despacho do Governador baiano D. Rodrigo da Costa datado de 9 de outubro de 1702, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p.61.

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o enviou para Lisboa para que resolvesse seus problemas com a justiça, onde acabou preso e

seus bens apreendidos e vendidos.125

Francisco Pereira Mendes foi nomeado diretor da fortaleza portuguesa em Ajudá,

exercendo esta função de 1721 até 1728, ano de sua morte. Contudo, os resultados

esperados pelos traficantes e pelo governo português com a construção do forte não se

concretizaram, pois o prédio não foi erguido no litoral, mas no interior das terras em

Ajudá, ao contrário das possessões francesas e inglesas que se encontravam melhor

instaladas (bem em frente ao mar) e melhor equipadas. Desta forma, a idéia dos

portugueses de se fortalecerem na praça de Ajudá, encontrou a concorrência de outras

nações européias.

Em 1730 Joseph de Torres voltou a freqüentar o cenário colonial. Tendo perdido a

confiança do vice-rei, ele se aliou a D. Lourenço de Almeida, governador e capitão-geral das

Minas, que tinha péssimas relações com Vasco César de Menezes. Joseph de Torres atuando

ao lado do governador passou a acusar o vice-rei de negligência na repressão ao contrabando

de ouro, no qual foi ele próprio um dos organizadores e mais bem informados sobre o assunto.

Ao mesmo tempo, voltou a traficar no continente africano onde construiu uma nova fortaleza

portuguesa, desta vez no porto de Jaquim, fortaleza essa que para João Basílio, diretor do forte

de Ajudá (1728-1743) e aliado do conde de Sabugosa, não passava de um baluarte mal

conservado, encontrando-se sua edificação em ruínas.126 O vice-rei chegou a sugerir em

resposta a um ofício do rei que tal fortaleza tratava-se de “... umas poucas palmeiras cortadas e

entulhadas no terreno da praia cobertas com alguns tijolos e que já se encontrava arruinada

pelas águas do mar”.127 De todo modo, Joseph de Torres cobrava das autoridades lisboetas

mercês por seus préstimos à Coroa portuguesa em terras africanas. Para seu azar, o porto de

Jaquim foi invadido pelas tropas do Daomé em 1732, tendo Joseph de Torres que se refugiar

em Epe, localidade a cerca de dez léguas de Jaquim cujas autoridades e população tinham

aversão aos daomeanos.128 Era o fim da carreira de Joseph de Torres no circuito atlântico.

125 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 65-6 e 138-9. 126 Carta de João Basílio, diretor da feitoria portuguesa de Ajudá, enviada em 20 de maio de 1731 ao vice-rei do Brasil conde de Sabugosa, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.153-4. 127 Resposta do vice-rei em 16 de junho de 1731 ao ofício do rei português, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.151-3 128 Carta de João Basílio, diretor da feitoria portuguesa de Ajudá, escrita em 8 de setembro de 1732, apud,

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A invasão de tropas daomeanas em Jaquim foi um dos diversos eventos da conturbada

situação política que a Costa da Mina passou a vivenciar desde as últimas décadas do século

XVII. Estes conflitos estavam relacionadas à complexas disputas políticas que ocorriam no

interior da África Ocidental. Após ter atuado como um Estado mercenário no início das

guerras na Costa da Mina, o reino do Daomé passou a atacar as suas nações vizinhas no

interior do continente num franco processo de expansão. Em 1724, as disputas políticas entre

os diversos reinos africanos alcançaram o litoral da Costa da Mina, culminando, em 1727, com

a invasão e conquista de Agaja, rei do Daomé, no porto de Ajudá. É possível mensurar o

resultado de tal ação a partir de um relato feito por Francisco Pereira Mendes, diretor da

feitoria portuguesa de Ajudá (1721-1728), ao vice-rei no Brasil. Na carta ele conta que houve

pouca resistência dos habitantes de Ajudá que caiu frente ao novo soberano em cinco dias. O

número de mortos passou dos cinco mil e o de prisioneiros ficou entre dez a onze mil. O rei de

Ajudá retirou-se para ilha de Popo. A maior parte dos brancos que ali se achavam foram feitos

prisioneiros, como os portugueses, os ingleses e os franceses. Suas feitorias foram arrasadas e

queimadas. Só escaparam aqueles que conseguiram refúgio na fortaleza francesa, a única que

permaneceu inteira. Entre os que se refugiaram estava o próprio Francisco Pereira Mendes,

que depois de 15 dias turbulentos, se reuniu com o rei Agaja para tratar de negócios ficando

bastante satisfeito com os novos modos do rei.129 Tais acontecimentos internos na África

agravaram ainda mais a situação do já debilitado comércio de africanos.

Numa tentativa de garantir seus direitos costeiros, Oió, reino que, durante as primeiras

décadas do século XVIII, dominou o comércio de escravos no interior da Costa da Mina,

interveio no Daomé, entre 1726 e 1730, para obter os tributos aos quais tinha direito e também

para preservar suas rotas comerciais no litoral. Como resposta, Dadá, denominação que

recebiam os reis do Daomé pelos autores do século XVIII,130 atacou e conquistou em 1732,

como mencionado anteriormente, o porto de Jaquim, que estava na área de influência do reino

de Oió. O governo e os principais comerciantes deste reino começaram a procurar novas

saídas para o mar.131

VERGER,Pierre, op. cit., 1987, pp. 154-5. 129 Carta de Francisco Pereyra Mendes, diretor da feitoria portuguesa em Ajudá, para o vice-rei do Brasil, escrita em 4 de abril de 1727, apud, VERGER,Pierre, op. cit., 1987, pp. 144-5. 130 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 205, nota 3. 131 LOVEJOY, Paul E, op. cit., 2002, pp. 136-7.

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Estas ações belicistas dos daomeanos na Costa da Mina foram feita com ajuda de

armas de fogo e munições européias conseguidos a partir do tráfico de escravos. Tais

armamentos foram importantes na consolidação e expansão de Estados africanos como o

Daomé.132 Contudo, não teriam sido o motivador das ofensivas dos exércitos. A expansão

inicial de algumas nações na Costa da Mina ocorreu antes da chegada das novas tecnologias,

mediante a utilização de grande massa humana e de equipamentos como arcos e flechas. Só

mais tarde se armaram com mosquetes. 133 É muito provável que os traficantes de Salvador

comerciassem armas de fogo e munições com os africanos, embora fosse interdito pelos

alvarás de navegar concedidos pela alfândega da Bahia.

As guerras desencadeadas pelo reino do Daomé criaram mais empecilhos para os

negócios dos negreiros no litoral africano. O vice-rei do Brasil alertava, no fim da década de

vinte, que navios que haviam saído da Bahia e de Pernambuco a mais de um ano, ainda não

tinham retornado. Outras embarcações regressadas chegaram a levar 16 meses na viagem!

Geralmente essas expedições não passavam, nem quando muito esticadas, de 6 meses.134 Essa

demora era reflexo da dificuldade que se tinha para trazer os escravos do interior africano para

serem embarcados no litoral, devido às disputas políticas travadas entre os diferentes reinos

africanos, que obstruíam as rotas terrestres por onde passavam os comboios de negros

aprisionados.

Durante toda a década de 30 o comércio na região do porto de Ajudá continuou a se

deteriorar. A morte de Agaja e a subida de seu filho Tegbessu (c.1740-1774) ao trono do

Daomé, não melhorou a situação dos interesses portugueses na região. João Basílio, residente

em Ajudá há vinte anos e então diretor do forte português, foi preso e o forte luso destruído

em 1743. As acusações que pesavam sobre Basílio eram de que ele mantinha relações há

muito tempo com os refugiados de Ajudá na ilha de Popo e com outros africanos pertencentes

a Estados rivais ao Daomé. Junto a esses africanos, João Basílio estaria tramando uma

conspiração contra o Estado daomeano a partir de reuniões diárias que ocorriam na feitoria

portuguesa e com a venda de fuzis, pólvora e outras mercadorias. O diretor do forte estava

132 SILVA, Alberto da Costa e., Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / Ed. UFRJ, 2003, p. 19. 133 THORNTON, John, op. cit., 2003, p. 182. 134 Carta do vice-rei português no Brasil para Lisboa, em 29 de abril de 1730., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.146-9.

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dificultando também que os capitães baianos aportados em Ajudá negociassem livremente o

ouro contrabandeado com os daomeanos. Tal comércio teria que ter o próprio João Basílio

como intermediário. Esta conduta levou a uma escassez do metal dourado em terras do

Daomé.135

Com a intervenção do diretor do forte francês, Sr. Levet, Tegbessu permitiu que todos

os portugueses que haviam sido presos, entre eles João Basílio, pudessem ser soltos e

mandados de volta para o Brasil. Foi o mesmo Sr Levet que começou a reconstrução do forte

português em Ajudá nomeando o antigo capelão, padre Martinho da Cunha Barbosa, que

também estivera preso, como diretor interino.136 Por traz de toda ajuda francesa estava o

interesse de manter o bom comércio entre europeus e africanos nesta região. Sr. Levet temia

que morrendo os portugueses nas mãos dos daomeanos, o Daomé poderia se transformar num

açougue onde nenhum branco mais estaria seguro para comerciar. O diretor francês esperava

também a gratidão dos negreiros brasileiros transformando o forte de Saint-Louis de Grégoy

em local privilegiado de troca do ouro do Brasil por mercadorias européias.137

Em 1750, as relações das autoridades lisboetas e baianas com as do Daomé ainda

continuavam estremecidas, devido às atitudes autoritárias destas, nos últimos anos, como a

destruição do forte português em Ajudá, as prisões arbitrárias de dirigentes lusos e as relações

pessoais que o governo daomeano manteve com Francisco Nunes Pereira, um antigo

comerciante baiano, que andou prejudicando os negócios do Império português, e que fora

colocado em degredo perpétuo no presídio de Benguela. Dadá também não estava satisfeito

com a lei de 1743, que limitou o número de navios aptos a negociar em portos de seu domínio.

Ainda no ano de 1750, Tegbessu enviou para Salvador uma embaixada com a intenção de

estreitar os laços comerciais entre seu reino e a Bahia.138 Parece, no entanto, que as iniciativas

diplomáticas daomeanas não surtiram efeito, pois embora a Lei de 1756 tenha tornado livre a

navegação para qualquer porto africano dos navios saídos do Brasil, não poderia acontecer de

mais de um navio estar comerciando no mesmo porto. Cabia as autoridades portuguesas na

135 Carta do Sr. Levet, diretor do forte francês de Saint-Louis de Grégoy em Ajudá, para a Cia. das Índias enviada em 20 de agosto de 1743., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 173-7. 136 idem, ibdem. 137 idem, ibdem. 138 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 189.

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África a observância desta regra. No caso do porto de Ajudá esta tarefa foi encarregada ao

diretor do forte luso.

O rei do Daomé ficou insatisfeito com a resolução de 1756. Ele queria ver mais navios

no porto de Ajudá, para que o comércio de cativos reflorescesse. Os daomeanos reclamavam

que a espera dos navios baianos e pernambucanos para ocupar a vez no porto para negociar

estava acarretando a deterioração do tabaco, que chegava nas mãos dos africanos muitas vezes

já em estado de podridão. Outra queixa, que gerava mais indignação, era que muitos

comerciantes brasileiros já não mais se dirigiam para o porto de Ajudá, pois sabiam que lá

teriam que esperar “numa fila” a vez de comerciar. Estes homens passaram a levar suas

embarcações para portos mais a leste da Costa da Mina como Porto Novo, Badagri e Onim

(atual Lagos, cidade nigeriana), lugares fora da esfera de poder do rei Tegbessu.139 E mais,

reclamavam que há muito tempo os comerciantes baianos não mais traziam ouro, produto que

foi bastante contrabandeado desde as minas no Brasil até a Costa da Mina durante boa parte do

século XVIII.140 Esse sumiço era reflexo direto da crise pela qual passava a mineração na

América portuguesa desde a década de 50.

O tenente Teodósio Rodrigues da Costa que tinha sido nomeado interinamente no

cargo de diretor da Fortaleza portuguesa em Ajudá (1751-59) passou a ser pressionado pelas

autoridades daomeanas, que o viam como responsável pela nova maneira de comerciar

estipulada em 1756. Eles insistiam junto ao diretor do forte para que permitisse que mais de

uma embarcação atracasse no porto para negociar. O rei do Daomé queria liberdade total para

os navios portugueses. O então diretor Teodósio da Costa pediu ajuda às autoridades de

Salvador e de Lisboa para resolver tal problema. Entretanto, não recebeu resposta, ficando

passivo diante das pressões de Dadá. O resultado de tal negligência portuguesa foi a expulsão

do tenente Teodósio de Ajudá, em 1759.141 O infeliz tenente ainda sofreu um processo em

Lisboa por abandono de cargo. Porém, acabou absolvido no ano de 1761.142

Ao mesmo tempo que o comércio de escravos declinava em áreas sob domínio do

Dadá, novos portos eram abertos a leste da Costa da Mina, tais como Porto Novo, Badagri e

139 Carta do tenente Teodózio Rodrigues da Costa , diretor interino do forte português em Ajudá, a respeito dos movimentos das embarcações, em 10 de março de 1758., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 195. 140 Carta de 10 de novembro de 1767 do diretor do forte José Gomes Gonzaga Neves ao arcebispo governador interino da Bahia, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 203-4. 141 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 109-10.

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Onim. Nestes locais os capitães podiam fazer seus negócios, todos ao mesmo tempo, sem

obstáculos e com ajuda do preto João de Oliveira.143

João era um ex-escravo que retornou à África no início da década de 1730. Se

estabeleceu a leste da Costa da Mina, onde com recursos próprios abriu os embarcadouros de

Porto Novo, antes de 1758 e um segundo, por volta do ano de 1765, na ilha onde ficava a

cidade Estado de Onim (Eko).144 Nas terras africanas, João de Oliveira atuou como cabeceira e

valido dos reis africanos, defendendo os interesses dos comerciantes baianos e

pernambucanos, sustentando à sua custa em algumas ocasiões várias guerras, a fim de que os

navios que se achavam para aqueles portos, não sentissem algum prejuízo de roubos e de

palavras por parte dos africanos, achando-se sempre pronto para os ajudar e para fazer sair as

ditas embarcações com brevidade.145 Para sua infelicidade, ao retornar no ano de 1770 para a

cidade de Salvador, onde pretendia passar os últimos dias de sua vida em meio aos cristãos, o

preto João foi preso pela acusação de contrabando ao desembarcar na curveta Nossa Sr.ª da

Conceição e São José de Jacinto José Coelho, na qual trazia mercadorias africanas para

comercializar. Todos os seus bens foram seqüestrados, incluindo toda sua escravaria vinda da

Costa da Mina. João de Oliveira teve o apoio do governador da Bahia, conde de Pavolide, e

dos negociantes de Salvador, que juntos remeteram uma carta ao rei português e um abaixo-

assinado, pedindo que intercedesse para que João fosse posto em liberdade e tivesse seus bens

devolvidos. Os dois principais argumentos à sua defesa era que João de Oliveira havia

prestado grandes favores aos comerciantes da praça baiana e pernambucana na costa africana,

além de ser um fervoroso cristão, ajudando com muitas esmolas as obras da Igreja, tanto na

América portuguesa quanto na África. Os pedidos em prol de João não surtiram efeito, pois ao

fim da devassa, em junho de 1770, ele foi condenado e encarcerado em Salvador.146

Os capitães de navios mercantes e representantes da companhias comerciais européias

puderam sempre contar com alguns intermediários no continente africano, como o preto João.

No século XVI e XVII, os portugueses se valiam dos “lançados” (colonizadores independentes

no continente africano) como parceiros na região da Senegâmbia e da Guiné. Muitos desses

142 idem, p.197. 143 AHU, Bahia, Col. Castro e Almeida, cx. 44, doc (s). 8244-51. 144 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p. 119. 145 AHU, Bahia, Col. Castro e Almeida, cx. 44, doc (s). 8244-51. 146 idem.

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colonizadores independentes no final do século XVI ocupavam postos de expressão nos

Estados da Senegâmbia. Alguns constituíram matrimônio com africanas e fundaram

povoamentos. A maioria dos lançados era proveniente do arquipélago de Cabo Verde e

cristãos novos portugueses.147 Nos séculos XVIII e XIX, os intermediários passaram a ser, em

sua maioria, brasileiros ou africanos retornados. Esses homens de negócio encarnavam

interesses comerciais de portugueses, franceses, ingleses, holandeses, espanhóis e alemães.

Chegavam a fornecer mercadorias a crédito, dispunham de armazéns, barracões, infra-

estrutura para embarque e desembarque, e até navios. Alguns atuavam ao mesmo tempo para

empresas baianas, havanesas e nova-iorquinas.148

Com a transposição das principais praças exportadoras de africanos para leste da Costa

da Mina, iniciou-se um processo de alterações das relações de força nesta região africana,

favorecendo ao rei de Aladá e do olugum de Onim. No ano de 1770 o rei de Onim chegou a

enviar uma embaixada a Salvador para estabelecer os primeiros contatos com as autoridades

baianas. Por infelicidade, os quatro cabeceiras do rei viajavam junto a João de Oliveira.

Quando da prisão deste, os representantes africanos foram tidos como pertencentes a

escravatura do preto João e apreendidos. Desfeito o mal entendido, ficou determinado que os

quatro africanos livres deveriam retornar à África, dando fim a fracassada missão.149

Por volta do ano de 1780, o forte português em Ajudá estava em franca decadência. O

então diretor do forte, Bernardo Azevedo Coutinho, que havia sido nomeado em 1778,

procurava tratar de seus interesses pessoais, ao invés de cuidar dos assuntos do Império. O

escrivão do almoxarife do forte, Jerônimo Gomes, em 1781, reclamava da atuação do diretor e

lamentava a sorte desta fortaleza, que a cada dia se via menos prestigiada, pois os traficantes

baianos preferiam comerciar com os portos mais a leste, preterindo Ajudá.150 A mesma falta

de zelo ocorreu durante a gestão do diretor subseqüente, Francisco da Fonseca e Aragão

(1782-1795) e nos anos seguintes. Em 1799 o diretor da fortaleza de Ajudá, em carta

147 O comércio britânico também se beneficiou da presença de seus nacionais residindo em terras africanas. Muitos empregados das companhias comerciais desertaram constituíndo casamentos com africanas. Dessas relações matrimonias surgiu um grupo miscigenado de comerciantes simpatizante aos interesses dos ingleses que atuavam em Serra Leoa. Cf. THORNTON, John. op. cit., 2003, pp. 108 e 114. 148 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p. 123. 149 AHU, Bahia, Col. Castro e Almeida, cx. 44, doc (s). 8244-51. 150 Carta de Jerônimo Gomes, escrivão do almoxarife da fortaleza de Ajudá, 1781, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 213.

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endereçada às autoridades na Bahia, reclamava que não era possível enviar o livro de receitas

e despesas do forte, pois o escrivão encarregado de tal serviço não sabia escrever.151

Entretanto, não era apenas a possessão portuguesa que era negligenciada. A fortaleza

francesa em Ajudá não se encontrava em melhor estado. Desde o fim da Guerra dos Sete

Anos, em 1763, na qual os franceses perderam suas colônias para os ingleses, o forte de Saint-

Louis de Grégoy ficara renegado a um empreendimento sem importância. O tráfico francês vai

decaindo desde 1763 até ser proibido, por Robespiere, em 1793, durante a Revolução

Francesa. A Inglaterra, após a independência dos Estados Unidos da América, em 1776,

abandonaram também sua fortaleza em Ajudá. Os ingleses começam a se desinteressar pelo

comércio de africanos com a emancipação de sua maior colônia na América, sendo

substituídos pelos espanhóis localizados em Cuba e pelos próprios norte-americanos.152

O rei do Daomé não estava satisfeito com os rumos que o comércio de escravos estava

tomando na Costa da Mina. No ano de 1777, numa tentativa de resgatar o tráfico em seus

domínios, o rei Kpengla (1774-1789), que assumiu o trono substituindo o seu falecido irmão

Tegbessu, ensaiou restabelecer o porto de Jaquim, ao norte de Ajudá, destruído em 1743.

Segundo nos informa Oliver Montanguère, diretor do forte francês em Ajudá, tudo não passou

de um blefe, pois o comércio de escravo em terras daomeanas estava tão enfraquecido, que era

constatado pela pouca oferta de cativos que se fazia aos raros navios que se direcionavam para

este local com o objetivo de resgatar africanos. Isso, ainda segundo o diretor francês, devia-se

ao enfraquecimento das forças do Daomé que já não conseguiam mais obter escravos por meio

da guerra. Logo, se o reino do Daomé não conseguia suprir a demanda do seu principal porto,

não poderia também atender a Jaquim.153

Não conseguindo obter sucesso com seu plano de restabelecer Jaquim, Dadá

juntamente com o rei de Ardra (reino onde se localizava Porto Novo), em 1778, atacaram o

reino de Epe (Apée) que impedia a passagem de tropas que levavam escravos para serem

exportados em portos daomeanos. Epe foi devastada. No ano de 1783 foi a vez da localidade

de Badagri ser atacada e destruída pelos reis do Daomé e de Ardra. Esse ataque foi facilitado

pelas disputas internas que ocorriam em Badagri, que estava dividida em várias facções

151 APEB, mç. 193, doc. 44. 152 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 213. 153 Carta do diretor do forte francês, Olivier Montanguère, em 1777 para o Ministério das Colônias, apud,

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políticas rivais.154 Durante toda a década de 80, o rei Kpengla determinou que suas tropas

fizessem incursões em territórios rivais, principalmente em regiões controladas pelo reino de

Oió. Procurava dessa forma desestabilizar o comércio nestes locais e conseguir cativos.

Porém, a maioria dessas investidas armadas resultaram em derrotas, o que acabou ocasionando

um maior enfraquecimento do reino do Daomé.155

Com a morte de Kpengla, os daomeanos assistem a uma disputa pelo seu trono. O

príncipe Fruku, mais conhecido como D. Jerônimo “o brasileiro” por ter vivido no Brasil vinte

e quatro anos, boa parte como escravo, com auxílio de membros de sua linhagem se

candidatou à sucessão. Apesar de sua popularidade e do apoio da comunidade de brasileiros

em Ajudá, Fruku foi vencido por Agonglo (1789-1797).156

Uma segunda embaixada foi enviada a Salvador em 1795, pelo novo Dadá, Angonglo,

na esperança de recuperar o comércio com os baianos. Essa tentativa se mostrou infrutífera.

Os traficantes baianos já haviam se adaptado aos novos portos africanos onde o comércio de

cativos aumentava sem sobressaltos. Por certo, nesse período, Ajudá possuía pouca

importância para o comércio baiano.

A partir de 1807 as notícias vindas dessa feitoria para a Bahia tornam-se escassas.

Durante os últimos anos do século XVIII e os primeiros do século XIX ocorreram trocas

sucessivas de diretores, sugerindo apenas uma formalidade sem nenhum resultado prático.

Porém, para um comerciante saído da Bahia em 1800, Francisco Félix de Souza, a fortaleza

serviu como trampolim para uma carreira comercial de sucesso na África. Quando, em 1804,

seu irmão e diretor do forte, Jacinto José de Souza, morreu, o almoxarife Francisco de Souza

passou a ser o responsável pela manutenção da mesma fortaleza, aproveitando-se da

negligência das autoridades portuguesas.157 Contudo, as relações de comércio de Francisco

Félix de Souza na África não se restringiam apenas ao forte de Ajudá. Ele manteve também

negócios em Badagri, Porto Novo, Onim e Popó Pequeno. Atuava como burocrata do Império

português e ao mesmo tempo mantinha sua antiga atividade de comerciante. Temos notícias

que no dia 19 de janeiro de 1819 entrou no porto de Salvador, vinda de Popó, a escuna Estrela

VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p.217. 154 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 219, nota 24. 155 idem., p. 222. 156 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p.120. 157 idem, p. 245.

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cujo proprietário era Francisco Félix de Souza, sendo o capitão da embarcação Joaquim José

Veloso seu sócio e representante na capital baiana.158

Esta ampla rede comercial ultramarina que lhe proporcionou uma grande riqueza foi

resultado da formação de uma extensa família (baseada em casamentos polígamos e no

acúmulo da escravaria) e dos laços políticos constituídos no continente africano.159 Exemplo

disto foi o seu casamento com Jijibu, uma das filhas de Comlagan, chefe de Popó Pequeno,

relação da qual nasceu seu primeiro filho, Isidoro.160 Outro exemplo foi a sua atuação como

agente do rei daomeano Guezo, conquistada a partir de uma aliança política elaborada em

1818, que destituiu do trono de Daomé o rei Adandozan, irmão de Guezo. Francisco Félix de

Souza ganhou o título Fon de Chachá e passou a gozar de privilégio comercial. Segundo o

historiador Robin Law, a legitimidade e a autoridade da posição de Francisco Félix em Ajudá

derivam não só da designação do rei do Daomé, mas principalmente das suas conexões

européias e internacionais. Quando retorna ao porto de Ajudá, após um pequeno exílio em

Popó Pequeno devido a conflitos com o antigo rei, Adandozan, ele reassume o forte português

na condição de governador, com a legitimidade e autoridade de ter prestado serviço durante

muitos anos. Ele continuou emitindo licenças e documentos de vários tipos para diversos

mercadores de escravos que para lá se dirigiam, com a concordância do governo português,

até o ano de 1844, quando o forte foi reocupado por oficiais da ilha de São Tomé.161 Desta

forma, Francisco Félix de Souza pode operar numa escala internacional, muito além de sua

base em Ajudá. No ano de 1846, Portugal o condecorou Cavalheiro da Ordem de Cristo e o

considerou “benemérito patriota”.162 Chachá morreu nonagenário, em 1848, deixando

numerosos descendentes, os Souza que ainda se encontram em terras do antigo Daomé (atual

Benin).163

158 BNRJ, Idade d’Ouro no Brasil, 26/01/1819. 159 LAW, Robin. “A carreira de Francisco Félix de Souza na África Ocidental (1800-1849)”. Rio de Janeiro: Topoi – Revista Histórica do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, v. 2, 2001, p. 9. 160 idem, p. 15. 161 idem, p. 19. 162 VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, pp. 124-5. 163 Sobre Chachá ver SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza: mercador de escravos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.

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Se Ajudá amargava o seu ocaso no comércio negreiro, Lagos, por sua vez, despontava

no início do século XIX, como principal porto exportador de escravos. Calcula-se que entre

sete a dez mil africanos tenham partido desse embarcadouro em direção à América escravista.

Os brasileiros contavam com o favorecimento do olugum em detrimento de comerciantes

ingleses e demais europeus. 164

Todas essas mudanças políticas que ocorriam no cenário africano, resultando na

abertura de novas praças exportadoras de africanos na década de 60 , juntamente com a

instabilidade européia, surgida ainda com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e incrementada

pela eclosão da “Revolução Francesa”, em 1789, ocasionando o abandono das colônias anglo-

francesas no Caribe, favoreceram a retomada do tráfico de escravos entre o continente africano

e a Bahia. Em 1791, outro fator contribuiu também para o a sorte de tal comércio: os

holandeses deixaram de cobrar o tributo de 10% aos navios brasileiros, resultado da

decadência em que se encontrava a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. A Holanda

não mais podia fazer valer sua imposição.165 A curva na freqüência de desembarque de

escravos em Salvador passa a ter uma tendência ascendente desde fins dos anos 70 (cf. gráfico

2).

O comércio de escravos entre Bahia e Costa da Mina só voltou a ser prejudicado

novamente na primeira metade da segunda década do século XIX. Devido a pressões dos

ingleses, que aboliram o tráfico em 1807, comerciantes baianos voltaram a ter dificuldades de

comerciar com a Costa da Mina. Aqui, mais uma vez, o porto de Lagos se aproveitou da

adversidade do tráfico para se desenvolver, devido ao refúgio que suas lagoas propiciavam aos

navios negreiros.166

Em 1810, no Tratado assinado entre Portugal e Inglaterra, lançou base para uma futura

abolição do tráfico de escravo.167 Passava a ser permitido traficar somente em possessões

portuguesas na África. Tal fato acarretou inúmeras apreensões de embarcações baianas no

litoral africano, gerando várias contendas entre Portugal e Inglaterra. Entre os anos de 1811 e

164 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p.124. 165 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 228. 166 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p.124. 167 Tratado de Aliança e Amizade Anglo-Lusitano de 19 de fevereiro de 1810, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 300.

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1812, doze embarcações pertencentes a negociantes baianos foram capturados pelos ingleses

causando grandes perdas.168

As divergências anglo-portuguesa a respeito da captura dos negreiros lusos foram

minimizadas com a assinatura do “Tratado da Abolição do Tráfico de Escravos” em 22 de

janeiro de 1815, na cidade de Viena, pela Grã-Bretanha e Portugal. Neste ato ficou

determinado que: o tráfico estava abolido “ ... em todos os lugares da Costa da África ao norte

do Equador,...”.169 Ficava, assim, proibido, desta data em diante, o tráfico oficial de escravos

entre a Costa da Mina e a Bahia.

168 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 326-7 169 Tratado da Abolição do Tráfico de Escravos assinado entre as Altas Potências da Grã-Bretanha e Portugal, Viena, 22 de janeiro de 1815, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 304-5.

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Capítulo 3 – Os Negócios negreiros na praça mercantil de Salvador

Concentração, especialização e sociedades

O tráfico atlântico tornou-se ao longo dos séculos a base de sustentação da economia

colonial. Embora muitos participassem diretamente desta atividade, poucos dominavam as

condições de operacionalização do comércio negreiro. Montada a partir de jornais de época e

de informações constantes de registros alfandegários, a tabela 3 desvela a natureza empresarial

seletiva do tráfico de africanos na praça de Salvador, indicando, como era de se esperar, que

poucos mercadores detinham capital suficiente para pôr em marcha as engrenagens do

comércio de almas, provendo-o dos recursos necessários e dele obtendo as maiores taxas de

lucro possíveis. Nunca é demasiado alertar para o fato de que os números da tabela 3

configuram apenas uma aproximação ao perfil de concentração empresarial, pois certamente

muitas expedições negreiras que nas fontes aparecem consignadas a apenas um empresário

estavam na verdade consignadas a grupos de sócios.

Em Salvador, cerca de 10% das empresas que mais fizeram viagens à África foram

responsáveis por aproximadamente 36% do total de viagens. É forte o paralelismo revelado

pela análise dos perfis de concentração dos negócios negreiros nas praças mercantis do Rio de

Janeiro e Salvado. A envergadura da demanda do Rio de Janeiro – seu porto concentrava de

dois terços a três quartos da demanda brasileira entre 1808 e 1830 – tornava a seletividade

empresarial maior na Corte do que em Salvador. Contudo, em termos gerais, um décimo das

empresas negreiras dessas praças eram responsáveis por fatias que variavam entre 36% e 60%

do mercado de africanos, configurando um alto grau de concentração.170

170 No Rio de Janeiro, 19 empresas (c. de 10%) foram responsáveis por 624 viagens (c. de 57%), cf. FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, p. 99.

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Tabela 3 - Concentração das empresas negreiras que atuavam em Salvador (1788-1819)

África – Salvador, 1788-1819

Número de empresas % Total de entradas %

16 9,5 181 35,8

28 16,6 143 28,3

125 73,9 181 35,8

169 100 505 100

África – Rio de Janeiro, 1811-1830

19 10,2 624 57,1

27 4,5 223 20,4

140 75,3 245 22,5

186 100 1092 100

Fontes: para a Bahia: Anexo 4; para o Rio de Janeiro: FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história

do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, p. 219.

Em um plano mais geral, tal monopolização era efeito da débil divisão social do

trabalho na economia escravista brasileira e de suas derivações mais evidentes – a parca

circulação monetária e, por conseguinte, a concentração da liquidez em poucas mãos,

sobretudo quando se tratava de colocar em movimento negócios que demandavam alto

investimento inicial e o atendimento da demanda em continuidade. Para que se tenha uma

idéia mais precisa do significado do investimento inicial para a montagem de expedições

negreiras, sabe-se que na Bahia, com os 10:059$496 réis empregados no custeio da viagem do

bergantim Ceres para a Costa da Mina, em junho de 1803, podia-se adquirir o Engenho do

Macaco, na Freguesia de São Gonçalo da Vila de São Francisco da Barra, com todas as suas

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casas, ferramentas, gado, cavalos, carros de boi, plantações de cana e moenda, e ainda assim

sobrariam quase três contos de réis.171

De fato, a compra ou aluguel dos navios, sua equipagem com pessoal especializado -

mestres, contramestres, cirurgiões, capelães e marinheiros, estes últimos quase sempre

escravos -, com instrumentos também especializados e, o mais importante, produtos como

tecidos, pólvora, armas de fogo, tabaco e aguardente, tudo isso tornava as expedições

negreiras altamente vultosas. Mesmo quando o recurso à associação baixasse os custos, o

investimento inicial de um traficante podia ser altíssimo. Na África pagava-se por tudo, desde

o africano que ia capturar escravos no interior até o rapaz que protegia com um guarda-sol o

capitão do navio negreiro. Estimava-se em 2:702$400 o gasto com a estada de uma

embarcação no porto de Ajudá.172 O padre Vicente Ferreira Pires embarcado numa expedição

negreira no final do século XVIII descreve com detalhes todo esse processo comercial que

ocorria entre os negreiros baianos e os governantes africanos na Costa da Mina.173 Os

traficantes compravam canoas, pelos menos duas, para facilitar o comércio com os africanos.

O custo de duas canoas variava de 256$000 a 384$000 (cerca de 32 rolos de tabaco). Também

com o fumo pagava-se os piloto e todos os remadores das ditas canoas - cerca de 88 rolos

atingindo, por vezes, valores superiores a 1:000$000.174 Só com a compra de canoas e

pagamento aos remadores, os traficantes gastavam aproximadamente 1: 3000$000. Outros

gastos ainda eram feito no litoral da África. Os líderes dos Estados africanos souberam tirar

proveito desta situação. Impuseram sob forma de presentes e visitas de cortesias a permissão

para que os comerciantes estrangeiros pudessem negociar com seus pares no litoral

africano.175 Por vezes, os capitães de navios tinham que dar como presente ao chefe africano

parte do carregamento de tabaco que seria usado na troca por escravos, assim como o ouro

brasileiro que era contrabandeado para a África Ocidental. O rei do Daomé recebia cerca de

171 APEB, Judiciário, Inventário de Custódio Ferreira Dias 4/1741/2211/5. 172 VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 43. 173 Cf. LESSA, Clado Ribeiro de. Crônica de uma embaixada luso-brasileira à costa da África em fins do século XVIII, incluíndo o texto da viagem de África em o reino do Dahomé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. 174 Idem, p. 13. 175 THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 103.

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320$000 em tabaco.176 Ainda assim era altamente rentável o comércio de escravos. Enquanto

na costa africana o cativo era resgatado por 6$000, seu valor no mercado de Salvador muitas

vezes ultrapassava o valor de 100$000, em meados do século XVIII.177 Desta forma, a venda

do carregamento de 230 escravos novos poderia gerar 23:000$000.

Em suma, com a quantia necessária à montagem de apenas parte de uma expedição

negreira os comerciantes de africanos facilmente poderiam converter-se em senhores de terras

e de homens. Se assim não o faziam – ou se em muitos casos o fizeram, mas continuaram a

investir no tráfico –, é porque o retorno do aplicado no comércio negreiro era bem superior a

investimentos produtivos como fazendas e engenhos. De modo semelhante às economias

coloniais onde predominavam regimes compulsórios de produção (sinônimo de uma frágil

divisão social do trabalho), a debilidade da circulação monetária era signo de poucas opções

de investimento, contexto no qual a monopolização da riqueza ensejava que pouquíssimos

agentes econômicos detivessem liquidez suficiente para por em funcionamento os mecanismos

econômicos para além de esferas ultralocalizadas. Tomava-se dinheiro a risco para ir buscar

escravos. A remuneração de uma expedição deveria girar em torno de 19%.178 Eis o motivo

pelo qual a circulação das mercadorias surgia como o grande eixo de acumulação da época,

em especial o tráfico de africanos.

Negociantes de grosso trato, os traficantes de africanos eram homens que por sua

riqueza desempenhavam papel de destaque na economia, na política e na sociedade do Rio de

Janeiro e Salvador. Por exemplo, o negreiro João Rodrigues Pereira de Almeida era, desde a

primeira década do século XIX, deputado da Real Junta do Comércio, e recebeu, em maio de

1810, a comenda da Ordem de Cristo, em clara indicação das estreitas relações entre os

traficantes e o Estado luso-brasileiro.179 Em Salvador, exemplo bem sucedido de traficante foi

Pedro Rodrigues Bandeira, considerado um dos homens mais ricos e influentes do Brasil no

176 VIANA FILHO, Luís. op. cit., 1988, p. 43. 177 BNRJ, “Discurso preliminar. Histórico, Introdutivo, com natureza de descrição econômica da Comarca e Cidade da Bahia”. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, 1906, passim. 178 Luís Viana Filho estipula uma variação de 18 a 40%. Estes valores foram conseguido sem distinguir a lucratividade bruta da líquida. ver VIANA FILHO, Luís. op. cit., 1988, p. 43. Preferimos utilizar as estimativas de Florentino e Eltis, que calculam em 19% a lucratividade do tráfico nas praças do Rio de Janeiro e de Cuba, respectivamente. Cf. FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997; ELTIS, David. Economic growth and ending of the transatlantic slave trade. Nova York: Oxford Academic Press, 1987, p. 281.

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início do século XIX. Deixou como fortuna 15 contos de réis e fez dois sobrinhos Presidentes

da Província da Bahia: Frutuoso e Francisco Vicente Viana.180

Ao controlarem o tráfico, homens como eles demandavam a venda em bloco de grandes

lotes de mercadorias vivas, submetendo os pequenos traficantes do centro receptor e das áreas

do interior. Semelhante vantagem surgia também quando se tratava de transacionar com os

agentes metropolitanos nos portos coloniais ou na própria África, os quais, ávidos por fecharem

os negócios rapidamente, com o que aumentariam a velocidade de seu giro de capital, viam-se

frente aos únicos agentes coloniais de quem podiam receber com garantia de liquidez. Isto

conferia aos negreiros do Rio e de Salvador um novo status, permitindo-lhes redefinir as suas

relações com o mercado interno e com o mercado internacional. Podemos postular, portanto, que

em um contexto de absoluta hegemonia do capital mercantil, o capital traficante abarcava o topo

da própria elite mercadora da América portuguesa.

Os monopolizadores do tráfico expressos pela tabela 3 residiam nas praças mercantis

de Salvador e do Rio de Janeiro e, além de serem especialistas nos negócios negreiros,

tendiam a se especializar também geograficamente. Na esfera brasileira, poucas vezes

traficavam fora da cidade em que estavam baseados os seus negócios, embora alguns baianos

atuassem no mercado pernambucano. Raramente traficavam em uma única rota transatlântica,

mas pautavam-se por um claro padrão comercial na esfera africana: centralizavam a maioria

de seus negócios em uma macro-região (África Ocidental, África Central Atlântica ou África

Oriental) e, nela, em um determinado porto. Na média, nove entre cada dez viagens de grandes

traficantes de Salvador destinavam-se a uma única macro-região – quase sempre à África

Ocidental, até o ano de 1816. No caso dos negreiros do Rio de Janeiro esses números

prevaleciam para a ligação com a zona congo-angolana.181

Embora a maioria dos registros de viagens entre Salvador e a África Ocidental, no que

se refere ao porto de embarque dos africanos indiquem tão somente a “Costa da Mina”, é

possível postular que mesmo os negreiros baianos tivessem um porto afro-ocidental como

principal eixo de atuação mercantil – no caso, até 1800 o porto de Ajudá, daí em diante o de

Onim. De concreto, os traficantes de Salvador que negociavam com a região congo-angolana

179 FLORENTINO, Manolo. op. cit.,1997, p. 206. 180 VIANA FILHO, Luís. op. cit., 1988, p. 41. 181 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. op. cit., 2004, p.102.

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faziam-no principalmente com os portos de Luanda ou de Benguela, raramente com os dois.

Duas entre cada três expedições de negreiros do Rio dirigiam-se a um único porto africano, em

geral Benguela ou Luanda ou Cabinda.182

Para além da monopolização, a tabela 3 igualmente demonstra que cerca de 75% das

empresas negreiras de Salvador organizavam 1/3 das viagens. No caso do Rio de 75% das

empresas foram responsáveis por cerca de ¼. Tratava-se de empresários de passagem eventual

pelo circuito atlântico de homens, donos de firmas que puderam organizar apenas uma ou duas

viagens durante os períodos cobertos pelas fonte desta praça mercantil. Semelhantes dados

permitem concluir que, ainda quando o tráfico brasileiro fosse altamente concentrado, ele

simultaneamente representava um campo privilegiado de atuação de especuladores, detentores

de um papel estrutural, pois sem eles o adequado atendimento da demanda brasileira ver-se-ia

definitivamente comprometido. Como os monopolistas, tais comerciantes ocasionais estavam

majoritariamente estabelecidos nas próprias praças do Rio de Janeiro, Salvador e da África,

embora, mais do que aqueles, pudessem atuar em rotas fora dos centros em que tinham seus

negócios (alguns especuladores de Salvador chegavam a atuar nas rotas que uniam a África a

Alagoas e Paraíba, por exemplo).

Do ponto de vista teórico, as mesmas razões que levavam à concentração ensejavam o

papel estrutural da especulação. A parca divisão social do trabalho e a debilidade de trocas

faziam com que a atuação empresarial daqueles que detivessem alguma capacidade creditícia

se pautasse por investimentos dispersos por vários setores. Por atuarem em um mercado

restrito, com poucas opções, podemos sugerir que os traficantes buscavam investir

diversificadamente, não apenas para garantir segurança às suas aplicações – afinal, tratava-se

de um mercado instável por definição –, mas também para auferir as maiores taxas de lucro

possíveis. Óbvio, tal perfil caracterizava tanto os traficantes eventuais quanto os

monopolizadores, embora estes últimos, ao deterem boa parte da liquidez das economias

escravistas regionais, igualmente controlassem a própria reprodução física dos escravos e das

relações escravistas de produção. Na Bahia, o poder daí advindo representava a chave para a

compreensão de um dos sentidos da noção de comunidade de traficantes, definida não apenas

em função de um determinado tipo de atuação empresarial, como também pela existência de

182 Idem, ibdem.

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um mercado estruturalmente atrofiado que criava fortes laços de dependência pessoal entre os

próprios negreiros nos circuitos atlânticos. Eis o motivo pelo qual, aliás, as empresas

traficantes tendessem a se especializar geograficamente, seja na esfera da demanda brasileira,

seja na esfera da oferta africana.183

Eram também muitas vezes os próprios capitães de negreiros os que, por

desempenharem funções de importância vital para a consecução dos negócios, acabavam por

aventurar-se ao patrocínio de algumas expedições. Partindo para os portos africanos munidos

de instruções mais ou menos precisas nas chamadas Cartas de Ordens, os capitães eram os

mais importantes elos com os comerciantes africanos. O conhecimento, a experiência e os

recursos obtidos levavam-nos a empreender expedições independentes, passando a atuar como

comerciantes de escravos stricto sensu. Entre 1788-1819, dos traficantes da Bahia que

realizaram apenas uma viagem à África, 12 eram mestres ou capitães dos negreiros e, em

conjunto, eles acabaram por se tornar consignatários de 1,9% das entradas de negreiros no

porto carioca.184 Para o Rio de Janeiro, entre 1811 e 1830, 43 consignatários de apenas uma

viagem eram capitães de navios.185

Muitas sociedades foram constituídas entre homens de negócio da praça mercantil da

capital baiana e os capitães de negreiros encarregados das expedições à África. Das 2277

partidas de Salvador em direção ao continente africano, entre 1678 a 1815, 448 (cerca de 1/5)

tratavam-se de sociedades. Essas parcerias serviam para dividir os custos empreendidos nas

viagens entre os diversos sócios envolvidos, reduzindo o montante com o qual cada um

deveria contribuir. Atitude conservadora dos homens de negócio que é melhor apreendida

quando notamos que a sociedade era também uma forma de se minimizar possíveis perdas,

caso o negócio não saísse como o planejado. Desta maneira, a constituição de sociedades pode

ser entendida como estratégia dos homens de negócio frente a estrutura arcaizante da atividade

mercantil, por exemplo, a baixa liquidez do sistema.

Nem sempre a participação numa sociedade se dava de forma igualitária. Muitas

vezes alguns sócios entravam com uma parcela maior do que o outro. Para alguns estas

183 Tais hipóteses sobre a diversificação dos negócios negreiros como a noção de comunidade traficante deverá ser melhor trabalhada e analisada num trabalho futuro a partir da utilização de novos corpos documentais, como, por exemplo, inventários post-mortem. 184 Ver anexo 4. 185 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. op. cit., 2004, p.103.

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parcerias funcionavam apenas como instrumento para acumulação de capital. É o caso da

viagem em sociedade entre o traficante Francisco José de Gouvêa e o capitão de negreiro

Dionísio Martins. Este último além de atuar como capitão da expedição tinha participação

de 2/3 do capital investido, enquanto o traficante e armador foi responsável por 1/3.

Quando da partilha do resultado da viagem, 7:434$760, a proporção para cada membro da

sociedade foi relativa ao peso de seu investimento, 4:956$506 (2/3) para o capitão e

2:478$254 (1/3) para Francisco José de Gouvêa.186 Esse é um caso típico de sociedades

desiguais. Enquanto um dos sócios entrava com capital e trabalho responsável pela boa

administração do negócio , o outro apenas contribuía com a menor parte do capital inicial

preocupando-se somente com os possíveis lucros decorrentes de tal empresa. Não é de se

estranhar que justamente o homem de negócio contribuísse com a menor parcela para

cobrir os custos da viagem. O baixo comprometimento da elite mercantil em transações

comerciais de longa distância demonstra o seu perfil conservador, preocupando-se em

reduzir ao máximo os risco, mesmo que isso significasse uma diminuição nos lucros.187

Essas relações de confiança entre armadores e capitães nem sempre resultavam em

bons negócios. Temos notícia sobre um bergantim que intencionava ir para a Costa da Mina

carregado com tabaco, ouro em pó e treze escravos marinheiros em 1740. Logo após sair do

porto de Salvador, a tripulação livre, comandada pelo capitão da expedição, resolveu não ir

para a África. Dividiram os escravos entre si, apoderaram-se do ouro em pó e desembarcaram

na Ilha de Santa Catarina. Quando já estavam vendendo as mercadorias roubadas, foram

identificados e presos pelas autoridades locais.188

Muitas sociedades se perpetuaram ao longo do tempo baseadas na confiança entre os

indivíduos que dela faziam parte. Um tipo bastante comum de parcerias no Império português

eram as relações entre os correspondentes. Elas eram necessárias devido às longas distâncias

nas quais o comércio estava inserido. Francisco Pinheiro Neto, um importante comerciante

186 APEB, Seção judiciário, Inventário 5/2020/2491/2. 187 Antônio Carlos Jucá Sampaio apontou para essa mentalidade conservadora da elite mercantil em todo o Império português. Cf. SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 96-7. 188 AHU, São Paulo– Cx. 3 - 167

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português sediado em Lisboa, mantinha uma verdadeira rede de comissários pelas principais

regiões da América lusa e portos africanos, na primeira metade do século XVIII. Seu irmão,

Antônio Pinheiro Neto era o responsável pelos negócios no Rio de Janeiro. Em Salvador,

Francisco Pinheiro contava com o apoio de Baltazar Álvares de Araújo. Além dessas duas

praças, Francisco Pinheiro Neto contava com correspondentes em Angola, Minas,

Pernambuco e em outras regiões da América lusa. O comércio de mercadorias, como tecidos,

manteiga, queijos, vinhos ferramentas e escravos faziam parte dos negócios deste comerciante

português que os trocava por ouro na América portuguesa.189 Também pela distância entre a

África e a Bahia, muitos negociantes de Salvador mantinham correspondentes em diversos

portos de embarque no continente africano, como José Narcíso Soares que tinha como sócio

em Quilimane João Bonifácio Alves da Silva e Manoel José de Magalhães cujo

correspondente era Francisco José Luís Vieira, estabelecido em Angola.190 Portanto, tais

sociedades visavam minimizar os prejuízos e aumentar a segurança na obtenção de lucros em

atividades de longa distância nas quais eram altos os riscos.

“Perdas em trânsito” O risco era uma das características marcantes dos negócios negreiros, e encarnava-se

em três tipos de perda da mercadoria humana. Desde as trocas efetuadas na esfera africana até

as efetuadas no Brasil, eram grandes as probabilidades de fuga, roubo e sobretudo morte dos

escravos recém-adquiridos. Naus negreiras eram constantemente atacadas por corsários e

piratas mouros, franceses, ingleses, espanhóis, norte-americanos e holandeses, que lhes

roubavam milhares de caixas de açúcar, toneladas de couros, tabaco, algodão e âmbar, além de

milhares de escravos, levados para diversos portos das Américas mas também para a África e

o Mediterrâneo.

Negreiros baianos eram constantemente atacados enquanto esperavam o preenchimento

de sua arqueação, como em agosto de 1797, ocasião em que duas naus corsárias francesas e

duas chalupas de bandeira inglesa saquearam o S. João Nepomuceno e S Francisco de Paula e

o Nossa Senhora da Graça em Ajudá. Logo depois um dos navios franceses dirigiu-se ao

189 Cf. LISANTI FILHO, Luís. Negócios Coloniais ( uma correspondência comercial do século XVIII). Brasília / São Paulo: Ministério da Fazenda / Visão Editorial, 1973, 5 volumes. 190 BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil - BA, 14/04/1819 e 21/05/1819.

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porto de Apê, onde seqüestrou o também baiano Zabumba, do mestre Raimundo Justino da

Graça, para mais tarde, em Porto Novo, capturar a sumaca Paraíso.191 Não somente as

embarcações eram seqüestradas como também a própria tripulação, como no caso ocorrido em

1798. Uma galera inglesa denominada Chirstovão Liverpool prendeu o bergantim baiano NS

da Vitória e S José no porto do Castelo de S Jorge da Mina no dia 15/10/1798 e o levou para o

Cabo Corso. O mestre do Bergantim, Manoel Duarte da Silva foi até o Cabo Corso resgatar

seu navio. Lá foi seqüestrado e levado com o seu navio para o rio de Onim pelo capitão John

Wattson. Em Onim, parte da carga do navio brasileiro foi negociado por Wattson como se

fosse sua e após 64 dias partiu levando o mestre Manoel Duarte, com os dois pilotos e

contramestres e mais alguns marinheiros para Cabo Corso deixando em Onim onze tripulantes

e mais o bergantim com ordens que continuassem o comércio. Em Cabo Corso o mestre, os

dois pilotos e o contramestre fugiram, para o Castelo da Mina onde deram parte do ocorrido e

embarcaram numa canoa. Nesta canoa foram para Ajudá onde embarcaram no brigue

Americano que estava de saída para a Bahia.192

No início do século XIX a ameaça partia de navios nos quais tremulavam a bandeira do

Império britânico. Os ingleses pressionavam Portugal para por fim ao tráfico. Os traficantes

baianos, mais do que os cariocas, sofrerem pesadamente com a repressão, pois era no litoral da

África Ocidental, principal região abastecedora de escravos do mercado de Salvador, que se

concentravam os maiores esforços da marinha inglesa. A situação piorou com a proibição do

comércio de africanos ao norte da Linha do Equador em 1815. O cálculo é de 85 embarcações

da Bahia apreendidas entre 1811-1830.193 Do Rio de Janeiro, apenas 11 navios foram

capturados.194 Eram enormes os prejuízos causados pela ação estrangeira. Pelo menos os

navios que haviam sido pegos antes de 1815 podiam recorrer num tribunal montado no Rio de

Janeiro. Havia um representante dos comerciantes baianos na corte, José Tavares França, um

dos maiores traficantes baianos de seu tempo. A apelação era enviada para Londres, para

averiguar em quais condições a embarcação fora apreendida. Poucos eram aqueles que

conseguiam reaver seus bens.

191 APEB, Maço 193, doc. 33. 192 APEB, Maço 193, doc. 43. 193 VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, pp. 637-42. 194 FLORENTINO, Manolo, op. cit., 1997, p. 149.

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Antes mesmo dos ataques ingleses no início do século XIX, os franceses da “Era do

Terror”, contrários ao tráfico, abordaram e apreenderam embarcações baianas que estavam

fazendo resgate de escravatura na costa africana. No ano de 1794, a Assembléia Nacional da

França organizou uma esquadra para atacar navios que estivessem fazendo tráfico na costa

africana. Cinco negreiros baianos, quatro com carregamento de cativos, foram tomados pelos

franceses entre Ajudá e Porto Novo, em dezembro de 1794.195 Aparentemente, os ataques aos

negreiros do Rio de Janeiro era mais freqüentes no regresso da África, como ocorrido no início

de 1811, quando poucos dias antes entrar no porto carioca uma curveta proveniente de

Benguela foi abordada por três fragatas francesas a 15 graus sul - entre a Bahia e o arquipélago

de Abrolhos -, que lhe roubaram 61 escravos e toda a cera, deixando-a livre somente após

muito rogo.196

Em 15 de outubro de 1789, como era praxe para detectar doenças, o bergantim Netuno

Pequeno foi visitado por cirurgiões do Senado da Câmara de Salvador. Depois de um mês de

viagem desde a Costa da Mina, e após uma pequena escala em Recife, o negreiro acabara de

atracar em Salvador. Adentrara o porto com pouquíssimos escravos – 29 – e sem haver

registro de mortos. Ao invés, seu capitão e armador, Pedro Gomes Ferreira, informara aos

burocratas soteropolitanos que no número de desembarcados se incluíam “dous escravos

novos nascidos já na abrigação do referido Bergantim”.197 Naturalmente, nascer era algo

excepcional no contexto do tráfico. Durante a travessia, os africanos defrontavam-se mais com

a morte, a variável que mais direta e negativamente atingia os traficantes brasileiros.

Mortes que eram freqüentes no tempo, mas extremamente variáveis em cada

expedição. Entre 1811 e 1830, os negreiros vindos de Benguela para o porto do Rio de Janeiro

perderam de apenas 0.2% a 38% dos escravos adquiridos, e nos que ali atracaram provenientes

de Quilimane morreram de 1.7% a quase 2/3 dos africanos comprados.198 As perdas nos

negreiros que atuavam na rota Costa da Mina-Salvador na primeira década do século XIX

195 os navios apreendidos foram: galera Netuno (dono: Pedro Gomes Ferreira) , curveta Sarareca (dono: Inácio Antunes Guimarães), bergantim S José Africano (dono: Estanislau José da Costa), bergantim Pinto Bandeira (dono: Silvestre José da Silva), curveta Panela (dono: Dona Ana de Cristo). VERGOLINO – HENRY, Anaíza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A presença africana na Amazônia colonial: uma notícia histórica. Belém: Arquivo Público do Pará, 1990, p. 129. 196 BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil –BA, 21/05/1811. 197 AHMS, Códice 178.1, p. 96. 198 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre V.; SILVA, Daniel D. da., op. cit., 2004, p. 106.

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apresentaram números semelhantes - o bergantim Cipião Africano, de Domingos José de

Almeida Lima, atracou em Salvador em 1807 com todos os 135 africanos comprados no Golfo

da Guiné; sorte distinta teve Félix da Costa Lisboa, cujo brigue Correio da Guiné perdeu 230

dos 340 escravos comprados no Golfo da Guiné em fins de 1805.199 Perdas altas como essa

podiam levar a ruína uma empresa traficante. Foi o que ocorreu com Felipe Justiniano Costa

Ferreira no ano de 1819, após uma desastrosa expedição à Moçambique, quando 192 dos 557

escravos comprados pereceram na travessia de retorno ao Brasil. Mesmo ainda devendo parte

do valor da embarcação para o antigo dono, o traficante Costa Ferreira, não tendo outra

solução, pôs seu brigue Flor da Bahia a venda após 10 dias do desfecho da expedição.200 Não

há, após esse episódio, registro de viagem da qual ele tenha participado.

Pode-se imputar as mortes a bordo as condições degradantes as quais o africano era

submetido no percurso transatlântico. Os traficantes, ávidos por lucros, alojavam o maior

número possível de escravos nas embarcações. A disseminação de doenças a bordo pode estar

relacionada na forma como o escravos era transportado. Acorrentados, sem muito espaço para

movimentos, os africanos eram mantidos em porões pouco ventilados. Marinheiros de

primeira viagem, muitos enjoavam e, com freqüência, vomitavam. O vômito, a urina e as fezes

convertiam em podridão todo o ambiente. Muitos acabavam enlouquecendo nestes ambientes.

As decorrências da carga extra eram a escassez de mantimentos e água nos negreiros- a ração

de alimento diário era irrisória, constituía-se não mais que meia tigela de mingau ou farinha de

milho e de uma pequena jarra de água.201 De todo modo, é preciso relativizar o peso do

volume das cargas e os maus tratos no nível de mortalidade dos negreiros. A explicação para

muitas mortes pode estar no próprio continente africano. O cativo, mesmo antes do embarque,

já demonstrava debilitamento físico e espiritual não raro de soldados vencidos. Muitas vezes já

estavam acometidos de doenças e surtos de morbidades que grassavam nos portos africanos de

embarque, cujos efeitos se estendiam às naus em trânsito e comprometiam até mesmo o acesso

dos traficantes aos portos abastecedores. Tal aspecto pode ter estado na origem do aumento

das taxas de mortalidade dos negreiros baianos que se abasteciam em Angola na primeira

década do século XIX: de 4.5% em 1803-1805, 13.6% em 1806, 16.2% em 1807, culminando

199 AHMS, Códices 178.1 e 182.1. 200 BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil –BA, 08/01/1819 e 18/01/1819. 201 THORNTON, John. op. cit., 2003, p. 220.

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com a ausência de naus baianas em Angola em 1808, e de apenas uma em 1809 (que perdeu

33.7% da carga humana no regresso a Salvador). A explicá-lo certamente estiveram surtos de

varíola detectados em Luanda em 1805, 1807 e 1808. Sintomaticamente, por ocasião de novos

surtos variólicos, ocorridos em 1811 e em 1814, não foram detectadas atracações de negreiros

baianos em Angola.202

O próprio tráfico se apresentava como meio de aproximação e contato entre esferas

microbianas distintas, cujos resultados, mesmo quando tendentes à acomodação a médio

prazo, traduziam-se de imediato em pestes e mortes no interior dos navios negreiros, mas

também em ambas as margens do Atlântico.203 Óbvio, embora se saiba que a dureza das

condições a bordo fazia com que também os tripulantes dos negreiros perecessem, nada se

apresentava tão propício ao desenvolvimento de enfermidades como um receptor já

extremamente debilitado. No caso do comércio negreiro para Salvador, por exemplo, sabe-se

que o bergantim Ligeiro aportado em 09 de março de 1810, vindo da Costa da Mina, perdeu

84 dos 466 escravos embarcados e mais o seu capitão.204 Muito provavelmente este navio

sofreu com o surto de alguma das doenças mais comuns nos negreiros como disenteria,

varíola, escorbuto, sarampo, gálico, sarnas, boubas etc.205 Eram constantes as reclamações da

população quanto à falta de providência na chegada de um navio negreiro. Segundo crônica da

época eram estas embarcações as principais difusores de doenças infecto-contagiosas na

cidade de Salvador. Sugeriam ao governador que pusessem em quarentena ou vintena os

escravos e os tripulantes com sintomas de doenças.206 Tal resolução só foi tomada pela

governança local quando o século XIX se fazia adiantado, escolhendo a Ponta do Monserrat

para abrigar os doentes.

Em geral os escravos pereciam em razão diretamente proporcionais a duração da

travessia oceânica, com padrões distintos de “perdas em trânsito” de acordo com a região

africana de embarque dos cativos. A tabela 4 foi construída a partir de listas navais, registros

202 AHMS, Códice 182.1; CURTO, José C. “ A dinâmica demográfica de Luanda no contexto do tráfico de escravos do Atlântico Sul, 1781-1844”. In: Topoi – Revista Histórica do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Rio de Janeiro: 7Letras, v. 4, março/2002, p. 122. 203 Cf. CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, pp. 283-6. 204 APEB, Códice 182.1, p. 114. 205 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969, p. 156. 206 Idem, ibdem.

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alfandegários e de notícias de atracagens de navios negreiros constantes dos periódicos

cariocas e baianos. Em princípio, ela alerta tanto para a diferenciação espacial da mortalidade

escrava como para sua variação no tempo nas rotas que terminavam no Rio de Janeiro e em

Salvador entre 1795 e 1830.

É necessário prudência com os números relativos à mortalidade no mar expressas por

esta tabela 4, pois os efeitos da travessia sobre os escravos não se esgotavam por ocasião dos

desembarques no Brasil. Muitos africanos morriam entre a barra, onde ficava ancorado o

navio, e o porto. Outros que sobreviviam aos percalços oceânicos chegavam tão debilitados

aos portos brasileiros que eram imediatamente enviados para quarentena. Enquanto

permanecessem nessas condições os recém-chegados representavam ônus para os traficantes.

Dados referentes a desembarques de negreiros em Salvador entre 1822 e 1824 nos permite ter

uma noção do peso da mortalidade dos boçais nos portos e em terra, redefinindo para mais as

cifras de mortalidade marítima expressas pela tabela 4. Cerca de 8% dos escravos que

chegaram vivos a Salvador foram postos em quarentena. O período do isolamento do africano

girava em torno de dois meses e meio. Mais da metade dos escravos pereciam na quarentena, o

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Tabela 4 - Taxas (%) de mortalidade nos navios negreiros provenientes da África que atracaram nos portos do Rio de Janeiro e Salvador entre 1795 e 1830

Rio de Janeiro Salvador 1795-1811 1821-1830 1795-1811 1812-1819

Região/Porto de Embarque

A B A B A B A B África Ocidental 8,1 (11) 3.070 - - 7,1

(243)

71.141 7,6

(58)

19.8

(19)

“Costa da Mina” 2,4 (3) - - - 6,8

(226)

67.500 4,5

(41)

14.29

5

Bonny 7,2 (1) - - - - - - -

“Baía do Benin” - - - - 7,8 (2) 641 5,0

(11)

3.433

Acará - - - - 3,7 (1) 187 - -

Cabo do Lopo

Gonçalves

- - - - - - 21,9

(1)

315

Rio dos Camarões - - - - - - 2,8

(2)

747

Ilhas de São Tomé

e Príncipe

15,7 (4) - - - 14,6

(12)

2.252 81,3

(1)

605

Bissau - - - - - - 1,9

(1)

105

Calabar 7,3 (3) - - - 3,6 (2) 561 35,4

(1)

319

África Central

Atlântica

8,8 (331) 166.210 5,7

(494)

210.582 7,9

(55)

23.448 5,7

(35)

11.77

4

Loango - 1,0 (1) - - - - -

Molembo - 6,4 (19) - - - - -

Cacongo - 5,3 (1) - - - - -

Cabinda 3,0 (1) 3,1

(128)

- - - 4,6

(16)

6.261

Rio Zaire - - 2,1 (19) - - - 2,2

(5)

1.248

Ambriz - 2,9 (66) - - - - -

Luanda 10,2 (161) 8,2

(167)

- 8,9

(43)

18.198 8,3

(14)

4.265

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Benguela 7,4 (168) 6,6 (92) - 4,7

(12)

5.250 - -

Novo Redondo 13,9 (1) - - - - - -

África Oriental 20,0 (13) 4.408 13,3

(143)

78.680 - - 25,8

(9)

4.213

Moçambique 20,0 (13) 13,9

(67)

- - 30,1

(5)

2.439

Quilimane - 15,0

(60)

- - 19,9

(4)

1.774

Inhambane - 3,1 (8) - - - -

L. Marques - 5,5 (8) - - - -

Obs: Os números entre parênteses indicam o total de navios com mortalidade indicada nas fontes. Não há

informações para Salvador nos anos de 1800 e 1801.

A. Taxa de mortalidade (por 100);

B. Total de escravos exportados em viagens com informações sobre mortalidade

Fontes: Para o Rio de Janeiro: Arquivo Nacional (RJ), Códice 242, Provedoria da Fazenda, Termos de Contagem

de Escravos Vindos da Costa da África; e, FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico

de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, Apêndice 17, p. 217; Para a

Bahia: Arquivo Histórico Municipal de Salvador, Códices 178.1 e 182.1 e, na Seção de Obras Raras da

Biblioteca Nacional (RJ), o jornal Idade d’ Ouro do Brasil (de 1812 a 1819).

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que representava uma taxa de aproximadamente 5% dos cativos desembarcados com vida na

Bahia. Dados para o Recife apontam que a quarenta era mais eficaz do que em Salvador. Lá

os escravos era levados para o Lazareto. Além do tempo de confinamento ser menor, cerca de

duas semanas, era menor o número de escravos que não resistiam ao isolamento – cerca de

15%, o que representava 2% dos desembarcados.207

Observando a tabela 4 podemos aferir os níveis de mortalidade frente as regiões

de embarque ao longo do tempo. Atendo-nos apenas às duas áreas que efetivamente

abasteciam o Rio de Janeiro - a África Central Atlântica e a África Oriental -, percebe-se a

relação entre o aumento da mortandade com o crescimento da distância entre o porto

carioca e a região africana de embarque. Perdia-se quase três vezes mais escravos entre os

cativos embarcados no Índico do que na área congo-angolana, fato inicialmente explicável

pela duração da travessia oceânica: enquanto os negreiros provenientes do litoral angolano

permaneciam de 33 a 43 dias no mar rumo ao porto do Rio de Janeiro, os que eram

embarcados nos portos de Moçambique podiam navegar até durante 76 dias.

Paradoxalmente, porém, considerando igualmente as duas regiões de onde provinha a

maioria dos escravos que entre 1803 e 1819 abasteciam o porto de Salvador, observa-se

tendência inversa: as taxas de mortalidade em negreiros vindos da Costa da Mina eram

entre 1% e 2% menores do que as observadas nos navios que zarpavam do litoral angolano

para a Bahia, em que pese o fato das viagens entre o esta região e Salvador durarem ¾ do

tempo médio de travessia detectado para a rota África Ocidental (respectivamente, 34 e 42

dias, vide tabela5).

Semelhante paradoxo torna mais complexo o papel da distância entre a região da oferta

e a de demanda como fator explicativo da mortalidade a bordo dos negreiros, e permite

enriquecer a discussão com outras hipóteses que não necessariamente excluem o peso da

travessia oceânica. A primeira nos levaria a considerar a lotação dos negreiros. Observe-se por

meio da tabela 4 que as médias de escravos nos navios negreiros provenientes do litoral

angolano eram em geral maiores do que as dos que zarpavam do Golfo da Guiné tanto para o

Rio de Janeiro (427 x 279) quanto para Salvador (391 x 368), e menores do que as médias

207 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre V.; SILVA, Daniel D. da., op. cit., 2004, p. 111.

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observadas em naus que vinham do Índico – para o Rio 533 e para a Bahia 491. Eis um

elemento que até certo ponto poderia explicar as maiores taxas de mortalidade em naus

provenientes da costa congo-angolana, resultantes, nesse caso, de uma tendência dos

traficantes que atuavam nessa rota a assumirem maiores riscos do que aqueles que tinham no

Golfo da Guiné o seu principal ponto de abastecimento. Uma segunda hipótese leva em

consideração o fato de que, por ser mais sólida no Golfo da Guiné do que nas áreas bantu, a

presença de Estados centralizados tornava a escravização e o tráfico através da África

Tabela 5 - Duração média (em dias) da travessia entre a África e os portos do Rio de

Janeiro e Salvador, por região africana de embarque, 1803-1830

Rio de Janeiro Salvador Ano/Porto

África Ocidental

África Central

Atlântica

África Oriental

África Ocidental

África Central

Atlântica

África Orienta

l 1803 - - - 49 (17) 37 (6) -

1804 - - - 44 (17) 35 (5) -

1805 - - - 43 (18) 34 (4) -

1806 - - - 48 (22) 36 (7) -

1807 - - - 47 (24) 35 (5) -

1808 - - - 47 (20) - -

1809 - - - 39 (22) 50 (1) -

1810 - - - 39 (25) 34 (1) -

1811 61 (7) 40 (19) - 42 (20) - -

1812 53 (4) 40 (44) 74 (4) 39 (23) 39 (4) 47 (1)

1813 52 (2) 40 (37) 76 (4) 43 (18) 33 (3) -

1814 44 (5) 39 (29) 67 (4) 40 (20) 31 (1) -

1815 - 37 (29) 74 (4) 43 (8) 32 (2) 54 (2)

1816 43 (1) 39 (39) 70 (5) 33 (5) 27 (5) 51 (1)

1817 - 36 (40) 71 (4) - 28 (16) 70 (4)

1818 - 37 (49) 70 (11) - 27 (17) -

1819 - 38 (42) 57 (9) - 28 (10) 60 (3)

1820 - 38 (31) 62 (19) - - -

1821 - 37 (35) 69 (16) - - 64 (1)

1822 - 36 (42) 64 (15) - 38 (37) -

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1823 - 37 (28) 66 (16) - 26 (10) 62 (1)

1824 - 35 (46) 73 (12) - 33 (6) -

1825 - 38 (46) 72 (16) - - -

1826 - 34 (69) 59 (13) - - -

1827 - 34 (66) 56 (8) - - -

1828 - 33 (93) 57 (22) - - -

1829 - 33 (93) 59 (29) - - -

1830 - 36 (55) 66 (25) - - -

Obs.: Os números entre parênteses indicam o total de navios com registros de duração da travessia

Fontes: Para o Rio de Janeiro: Arquivo Nacional (RJ), Códice 242, Provedoria da Fazenda, Termos de

Contagem de Escravos Vindos da Costa da África; e, FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma

história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997,

Apêndice 17, p. 217; Para a Bahia: Arquivo Histórico Municipal de Salvador, Códices 182.1 e 56.3, na

Seção de Obras Raras da Biblioteca Nacional (RJ), o jornal Idade d’ Ouro do Brasil (de 1811 a 1819).

Ocidental comparativamente menos predatórias e menos sujeito a interesses privados do que

em Angola ou em Moçambique. Por certo, a feição mais destrutiva da escravização em zonas

bantu esteve igualmente vinculada ao – ainda comparativamente falando - pequeno

desenvolvimento dos circuitos comerciais e à fraca densidade populacional.

A correspondência mantida entre negociantes cariocas e angolanos entre 1818 a 1823

oferece elementos que permitem manejar uma outra hipótese, que explora a natureza

operacional da das compras de escravos. Em diversas cartas repetidamente aparece a exigência

dos traficantes do Rio Janeiro para que os seus comissários em Luanda comprem escravos

“pelo melhor preço“, sem assumirem dívidas, e remeta-os ao Brasil na maior “brevidade

possível“. Do mesmo modo, reiteram-se exigências no sentido de se adquirir "escravos novos,

que sejam bons" – por exemplo, cativos jovens e com saúde -, mesmo que para tanto se

pagasse um pouco mais. Escrevendo a Antônio Alves da Silva, o grande traficante Manoel

Gonçalves de Carvalho dizia que, uma vez vendidos os bens para escambo, o líquido deveria

ser empregado na aquisição de "escravos novos que sejam bons, ainda que custem ainda

alguma meia dobra." Escrevendo a seu correspondente em Luanda, Albino Gonçalves de

Araújo afirmava remeter um fardo e um pacote com fazendas, que deveriam ser vendidas

"conforme o estado da terra o permitir (...) e seu líquido mo remeterá pelos primeiros navios

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que saírem para esta [cidade do Rio de Janeiro], em cera e algum azeite, deste gênero pode-se

no último caso escravos, nestes recomendo que sejam bons, posto que mais caros." Pedro

Antônio Vieira, remetendo a Angola produtos no valor de 387$560 réis, pedia a compra de

"escravos de 12 até 18 anos pouco mais ou menos." Além disso, passava a seu correspondente

em Luanda uma "procuração para em virtude dela ver se apanha um negro, meu escravo, por

nome Domingos de nação Congo, ainda rapaz que terá 25 anos pouco mais ou menos, alto,

picado de bexigas, com defeito em um olho, que daqui me fugiu e me dizem foi na [nau]

Mariana de marinheiro e parece que está com negócio fora da cidade [de Luanda]. Caso V.

M. o apanha mo remeterá para esta debaixo de prisão, e caso queira forrar por preço que

faça conta dando para 3 ou 5 moleques, o fará ou como melhor lhe parecer (...)".208 Estes

exemplos sugerem forte dependência dos comerciantes residentes na África para com os

traficantes brasileiros, afiançada por cadeias de adiantamento/endividamento de bens para o

escambo. Para a boa consecução dos negócios tornavam-se imprescindíveis relações estreitas e

personalizadas entre os agentes econômicos. Por isso, é plausível que por ocasião da

incorporação de áreas novas ao tráfico (caso de Moçambique), ou de traficantes novos em

zonas tradicionais (baianos no litoral angolano e cariocas na Costa da Mina), a ausência de

relações econômicas sólidas agentes nativos resultasse, ao menos de início, na aquisição de

muitos escravos já debilitados, que não resistiam á travessia oceânica.

A tabela 4 mostra que, com o tempo, diminuíram os níveis de mortalidade a bordo,

tanto no tráfico para o Rio de Janeiro quanto no tráfico baiano. Na rota Congo-Angola/Rio de

Janeiro, com exceção de Cabinda, cuja taxa permaneceu praticamente inalterada, os dois

outros principais portos abastecedores - Luanda e Benguela - acompanharam a tendência

global. A mortalidade caiu também na rota Costa da Mina-Salvador de 6,8% 1795-1811 para

4,5% 1812-1819, e a queda foi ainda mais substantiva na rota Moçambique-Rio de Janeiro: de

23,4% 1795 e 1811 para 13,2% na década de 1820. Uma das possíveis explicações para essa

tendência decrescente das taxas de mortandade possivelmente foi o estabelecimento de

relações mais estáveis entre os traficantes brasileiros e os intermediários africanos, seja no

Atlântico, seja no Índico. De todo modo, este decréscimo foi ainda caudatário da queda na

duração da travessia oceânica., tal como mostra o a tabela 5. Talvez essa possa ser explicada a

208FLORENTINO, Manolo. op. cit., 1997, pp. 130-2.

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partir da mudança no padrão tecnológico dos barcos da época e ao aumento da participação de

pequenas embarcações, provavelmente mais velozes, pertencentes a traficantes não

especializados que buscavam lucrar com o grande aumento da demanda depois da abertura

dos portos.

Ainda do ponto de vista estritamente empresarial, a mortalidade constituía a variável

de maior importância para a determinação da lucratividade dos negócios. É certo que se todos

os traficantes arriscavam, os verdadeiramente profissionais do tráfico buscavam aproveitar

conjunturas ascendentes aumentando o volume das exportações de escravos, e o logravam

através do incremento do número de expedições e igualmente do incremento da média de

escravos transportados. Contudo, ao contrário do que alguns poderiam esperar, do ponto de

vista do cálculo empresarial o aproveitamento das conjunturas de alta passava ainda pela

redução da mortalidade nos navios, que podia redundar em aumento da lucratividade das

expedições. O traficante profissional buscava manter equilibrado o total de cativos adquiridos

e os índices de mortalidade a bordo. Desta forma é possível sugerir que uma das chaves para a

compreensão da rentabilidade negreira estava apoiada no equilíbrio entre o investimento

inicial em bens para o escambo - que determinaria o quanto seria comprado - e as mercadorias

para o abastecimento da escravaria - que determinaria o índice da mortalidade no negreiro).

Alguns traficantes erravam nesse cálculo, acarretando a perda de muitos escravos, o que

contribuiu para sua ruína empresarial. De todo modo os traficantes estabelecidos no circuito

atlântico, constituinte de uma rede comercial, levavam consideráveis vantagens sobre os de

participação eventual. Ao manterem uma relação mais orgânica com os intermediários

africanos, através de seus capitães, e até mesmo na forma de sociedades, eles podiam obter

escravos mais saudáveis e a melhores preços. E ainda, por disporem de maiores recursos, eles

estavam mais aptos tanto a comprar mais cativos quanto a mantê-los. Em todo caso, como

forma de diminuir estes últimos gastos e, ao mesmo tempo, a mortalidade da escravaria,

recomendavam que a negociação e travessia se realizassem na maior brevidade de tempo

possível.

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Capítulo 4 - A terceira perna do tráfico: redistribuição

A redistribuição de escravos caudatária do tráfico atlântico

O escravo africano chegava ao porto de Salvador vindo da África, após a longa

travessia do Atlântico que durava em torno de um a dois meses, num estado de exaustão física

e moral. Em sua terra de origem, fora capturado, posto a ferros, separado de seus familiares,

percorrera longas distâncias até ser embarcado em negreiros apinhados de africanos, onde

conhecera as desventuras de uma viagem forçada, convivendo com os maus tratos dos seus

condutores, a fome, a sede, a promiscuidade, as doenças e a morte. Ao desembarcar, seu

proprietário o via como um importante investimento de capital. O proprietário do escravo dava

atenção especial a saúde do cativo. Era preciso expor o cativo aparentando bom estado físico e

até mesmo moral para a fixação de um bom preço de venda. Em Salvador, desde meados do

século XVII, após terem sido pagas na alfândega as referidas taxas de importação, as novas

levas de escravos ficavam abrigados em depósitos fixos que por vezes ocupavam quarteirões

inteiros. Nestes locais, o escravo recebia alimentação e passava por um processo de

“maquiagem”. Muitas vezes seu proprietário aplicava óleo de palma em todo o seu corpo, para

esconder doenças de pele e, principalmente, para dá-lhe aspecto de bom estado físico, no

momento em que era exposto para possíveis compradores.

Muitos desses novos escravos eram destinados ao interior e cidades litorâneas da

América portuguesa. Nos séculos XVI e XVII, os escravos eram direcionados

primordialmente para regiões de pequenas dimensões, próximas ao porto de desembarque.

Eram áreas onde se cultivava a cana-de-açúcar. A venda do africano se fazia ou por leilão ou

de um particular a outro. Neste período os circuitos de redistribuição de cativos ainda não

eram tão desenvolvidos quanto os constituídos nos século XVIII e XIX. Tratava-se portanto

de um circuito pequeno de compra e venda.

Com a descoberta das jazidas de metais e pedras preciosas no interior da América

portuguesa, não só o tráfico atlântico foi modificado, com o aumento do número de

desembarques, mas também todo o sistema de redistribuição dos cativos. Esta nova atividade

comercial passou a ser desempenhada por comerciantes intermediários chamados de

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“tratantes”.209 Eles passaram a ser o elo entre os grandes importadores de Salvador e aqueles

que necessitavam de mão-de-obra. Logo a Coroa portuguesa passou a regular tal atividade. O

cargo de contratador do recolhimento dos direitos, que os comerciantes deviam pagar para

redistribuir os cativos pela América lusa, era leiloado no Conselho Ultramarino, em Lisboa. O

valor da taxa que devia ser paga ao contratador por cada “tratante” variava conforme o destino

intencionado. Em 1757 Francisco da Silva Pereira arrematou por um período de três anos o

contrato das saídas dos escravos das capitanias da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro

que se dirigiam para Minas Gerais, por um valor anual de 3:285$000 livres para a Fazenda

Real (pelo da Bahia 19:000$000, do Rio de Janeiro 10:285$000 e Pernambuco 1:000$000). O

contrato estipulava que se cobraria 4$500 por escravo que saísse das capitanias do Rio de

Janeiro e Pernambuco em direção as minas e 9$000 quando partisse da Bahia.210 O escravo

deveria obrigatoriamente ser despachado para pela Provedoria da Fazenda Real. Estavam

isentos de pagarem essa taxa os moradores do Caminho das Minas que levassem escravos para

trabalharem em suas lavouras e não os passassem para as lavouras mineiras. Caso cometesse

esse delito, o infrator seria preso e pagaria na cadeia 100$000 réis por cada escravo

desencaminhado.211

Muitos escravos devem ter chegado às minas com guias constando como destino final

o Rio de Janeiro. Funcionários do contratador eram responsáveis pela fiscalização e

assinaturas das guias (ou passaportes). Para minimizar as possíveis fraudes, exigia-se do

“tratante” no Rio de Janeiro a documentação expedida na Bahia, onde devia constar o destino

final no momento que estivesse levando escravos para as minas. Caso o Rio aparecesse como

escala, o “tratante” não precisaria pagar novamente a taxa, e logo era anotado no livro de

despacho as informações da guia para evitar que uma mesma guia pudesse ser usada mais de

uma vez.

Infelizmente não temos conhecimento da existência em arquivos de exemplares das

guias emitidas em Salvador. Porém, foi possível recuperar dois livros de despachos de

escravos partindo da capital baiana.212 Um onde constam passaportes para os anos de 1760 a

1770 e um outro para os anos de 1811 a 1820. Em ambos os códices é possível perceber

209 MATTOSO, Katia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 57. 210 APEB, Mç 626, “Contrato da saída dos escravos da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco 1757”. 211 CAVALCANTI, Nireu. “O comércio de escravos novos no Rio setecentista”, (paper inédito).

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estruturas semelhantes. As informações contidas na documentação são: data do despacho,

nome do “tratante”, a quantidade de escravos e o destino. Na documentação do século XVIII é

possível saber se o escravo é africano (novo ou ladino) ou crioulo. Em poucos também consta

a origem étnica do cativo. Já para o século XIX, podemos identificar o sexo dos escravos.

Tais informações constantes nos livros de despachos podem ser ilustradas reproduzindo

os registros abaixo.

Passaportes de escravos:

“Em 09 do dito mandou o mesmo governador passar passaporte a Justo Manoel Espindola para levar para as Minas pelo sertão, dois escravos de que pagou direitos”.213 “Em 15 do dito mandou o governador passar passaporte a João de Oliveira para levar para as Minas quarenta escravos de que pagou direitos e mais dois ladinos livre dos mesmos”.214 “Em 30 do dito a Antônio Francisco Ribeiro para levar para o Rio Grande do Sul um escravo e uma escrava”.215 “Em 22 de maio do dito ano a Francisco Aguiar para levar a Capitania do Espírito Santo 9 escravos e 4 escravas”216

Ao fornecer tais informações, a documentação de despacho de escravos nos permite

aferir as flutuações do comércio atlântico de escravos e sua redistribuição nos mercados

regionais da América portuguesa; a concentração dos negócios; a demografia dos escravos

vendidos.

Da Bahia, muitos escravos partiam para seu derradeiro destino por via marítima ou por

via terrestre. Em ambas as rotas, não estava excluída a possibilidade do “tráfico interno”,

realizado por proprietários que revendiam seus escravos para outras capitanias em função da

demanda de mão-de-obra. Em que pese a importância do “tráfico interno”, a tabela 6 nos

mostra que no intervalo temporal de 1760 a 1770 o contigente de africanos representava quase

a totalidade (99,3%) dos 17191 cativos despachados pelo porto de Salvador. Entre os

africanos, 95,5% correspondiam a escravos novos. Desta forma, podemos perceber que a

212 APEB, Códices 249 e 252. 213 APEB, Códice 249, p. 15v. 214 APEB, Códices 249, p. 35. 215 APEB, Códice 252, p. 22.

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atividade de redistribuição dos escravos na cidade de Salvador estava intimamente associada

ao comércio atlântico e, portanto, deve ser entendida como um trecho da rota transatlântica –

a terceira perna do tráfico –, atividade distinta do “tráfico interno”.217

Tabela 6: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador

(1760-70)

Africanos Crioulos Anos # Novos % Novos # Ladinos % Ladinos # %

Total de escravos

1760 1749 98,3 29 1,6 2 0,1 1780 1761 1119 91,9 96 7,9 2 0,2 1217 1762 1627 93,8 101 5,8 7 0,4 1735 1763 1637 96,0 65 3,8 4 0,2 1706 1764 1127 97,6 25 2,2 2 0,2 1154 1765 1243 98,5 13 1,0 6 0,5 1262 1766 1244 97,7 34 2,6 9 0,7 1287 1767 1102 95,1 51 4,4 6 0,5 1159 1768 2062 93,8 113 5,1 24 1,1 2199 1769 1012 85,0 149 12,5 30 2,5 1191 1770 2432 97,3 41 1,6 28 1,1 2501 Total 16354 95,1 717 4,2 120 0,7 17191

Fonte: APEB, Códice 249 Todos os escravos que se deslocavam de uma capitania a outra tinham que ser

registrados no livro de despacho, mesmo aqueles transacionados no que conhecemos como

“tráfico interno”. Na ausência de registros de compra e venda de escravos, documentação que

surgiu apenas em meados do século XIX, podemos sugerir algumas hipóteses sobre o mercado

de cativos na América portuguesa a partir dos dados obtidos na tabela 6. Apenas 0,7% dos

cativos despachados de Salvador eram crioulos. Esta taxa pode estar baseada numa questão de

ordem demográfica, no fato do escravo ter vida curta na colônia, daí a necessidade constante

de se repor a mão-de-obra via tráfico atlântico. Porém, podemos imaginar por traz desses

números uma questão de caráter político do sistema escravista na América portuguesa: não era

interessante a compra e a circulação de crioulos pela colônia. Vender um crioulo significava

separá-lo de sua família, de seus amigos, o que poderia gerar conflitos que viessem a

216 APEB, Códice 252, p. 11. 217 Denominamos de terceira perna do tráfico atlântico o deslocamento do escravos entre o porto de desembarque na América portuguesa até o seu destino no interior do continente. Já a primeira perna era o percurso do sertão africano (interior) até os portos de embarque no litoral e a segunda a própria travessia do Oceano Atlântico. Tal expressão foi cunhada por Roberto Martins num estudo sobre as remessas de cativos do Rio de Janeiro para Minas Gerais no início do século XIX.

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desestabilizar o sistema. Era comum a fuga de escravos no percurso entre a moradia de seu ex-

senhor até o seu novo “lar”. Muitos se revoltavam fugindo ou agredindo o seu senhor frente a

uma possível venda. Tal hipótese política se fortalece quando observamos os números de

ladinos despachados, apenas 712 (4,2% do total). Embora fosse africano, o escravo ladino já

estava ambientado no mundo colonial, e era conhecedor de seus códigos e provavelmente já

teria constituído laços de amizade em seu novo ambiente. Desta forma, a venda e a circulação

de escravos ladinos poderia trazer também instabilidade a sociedade escravista. Florentino e

Goés estudando famílias escravas no Rio de Janeiro apontam que quando ocorria a partilha

entre herdeiros, cerca de 75% das famílias escravas encabeçadas por crioulos permaneciam

unidas. Já para aquelas encabeçadas por africanos, tal cifra alcançava 90%.218 Estas taxas

apontam para a retirada do mercado escravos dos escravos que constituíam vínculos na

colônia, reafirmando a idéia da opção do mercado pelo africano novo.

Podemos apontar, portanto, que a manutenção do sistema escravista na América

portuguesa se dava via aculturação, a partir do comércio de escravos novos para mercados

regionais. O africano importado pelo tráfico contra sua vontade, não se integrava na vida da

nova terra, não se “nacionalizava”, e não adotava o Brasil como nova “pátria”.219 Era nisso

que os senhores escravistas apostavam.220

Frente a esses dados, podemos relacionar para o período de 1760 a 1770 os despachos

dos escravos novos com as estimativas do tráfico atlântico. A tabela 7 nos mostra que a

variação dos escravos boçais frente ao volume do comércio internacional era de 15,4% a

61,4%. Essa diferença é justificada por uma demanda fixa no número de escravos

despachados. A média anual de cativos que partiam da capital baiana era de aproximadamente

1500. Se observarmos o gráfico 4, perceberemos que, independentemente do total de

desembarcados em Salvador, pouca alteração ocorria nos números de africanos novos

despachados. Havia uma demanda que era devidamente atendida. Na década de 1760-70

218 FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, pp. 116-7. 219 RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo, 1933, p. 169. 220 Como na Bahia, os despachos de novo na cidade do Rio de Janeiro também era superior aos demais, cerca de 80%, para os anos de 1819-30. Tais dados reafirmam a idéia de manutenção da sociedade escravista a partir da inserção do africano novo. Ver, FRAGOSO, João Luís & FERREIRA, Roberto Guedes. Alegrias e artimanhas de uma fonte seriada: despachos de escravos e passaportes da Intendência da Polícia da Corte, 1819-1833. Seminário de História Quantitativa, UFOP, 2000, pp. 5 e 6.

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observamos que 30% dos escravos novos que chegaram a Salvador foram redistribuídos para

regiões interioranas e outros portos da América portuguesa.

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Tabela 7: Remessas anuais de escravos novos da Praça de Salvador diante das estimativas do tráfico atlântico de escravos (1760-70)

Ano # novos % novos (a) % novos (b) Total escravos redistribuído # Tráfico Atlântico 1760 1749 98,3 53,0 1780 3298 1761 1119 91,9 32,8 1217 3408 1762 1627 93,8 42,1 1735 3866 1763 1637 96,0 61,4 1706 2664 1764 1127 97,6 22,6 1154 4984 1765 1243 98,5 20,8 1262 5988 1766 1244 97,7 18,8 1287 6631 1767 1102 95,1 16,2 1159 6798 1768 2062 93,8 46,7 2199 4416 1769 1012 85,0 15,4 1191 6560 1770 2432 97,3 46,7 2501 5207

1760-70 1487 (c) 1563 (d) Total 16354 95,1 30,4 17191 53820

Fonte: APEB, Códice 249; Anexo 2 OBS: (a) % de novos em relação aos despachados para o interior (b) % de novos em relação ao tráfico atlântico (c) média de escravos novos despachados anualmente entre 1760-70 (d) média de escravos despachados anualmente

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Gráfico 4: Remessas anuais de escravos novos da Praça de Salvador diante das estimativas do tráfico atlântico de escravos (1760-70)

Fonte: Tabela 7.

Muito provavelmente os escravos novos que não eram despachados (c. de 70% do

volume do tráfico internacional) deviam ser utilizados na própria cidade de Salvador ou eram

comprados por senhores da área do Recôncavo baiano.221 Tal fato corrobora a análise feita no

capítulo 1, quando associamos a recuperação do tráfico atlântico ao desenvolvimento da

economia agrícola na capitania da Bahia, principalmente na região do Recôncavo produtora de

açúcar e de fumo.

Os escravos da Bahia vindos da África eram redirecionados para a região aurífera das

Gerais costeando o rio São Francisco e o rio das Velhas, percorrendo uma distância de

aproximadamente 200 léguas (c. 1.200 km)222 – cf. mapa 2. Pelo menos até a segunda década

221 Para a região do Recôncavo baiano não encontramos um registro de guia de despacho entre os 2592 existentes na documentação. 222 ANTONIL, André João Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, pp. 186-7.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

1760

1762

1764

1766

1768

1770

Tráfico Atlântico Redistribuição

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do século XVIII, foram os traficantes baianos os principais fornecedores de trabalhadores

escravos para as minas. Tal fato mudou com a abertura do “caminho novo”.

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Mapa 2:

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Se, percorrendo o “caminho velho”,223 que ligava o Rio de Janeiro à região mineradora via

Paraty, gastava-se de 43 a 99 dias, dependendo do número de paradas, a partir da abertura do

novo caminho, em 1711, o percurso de 80 léguas (c.480 km), passa a ser feito em doze ou até

dez dias.224 Uma crônica da época relata que o recém descoberto caminho foi importante para

que o Rio de Janeiro se destacasse no comércio com as minas em detrimento da antiga

comunicação por terra que era realizada com grandes dificuldades a partir da Bahia de Todos

os Santos.225 Apesar de não mais representar o mercado preferencial e estratégico da reposição

de cativos, atividade que o Rio de Janeiro passou a desempenhar a partir da terceira década do

século XVIII, a Bahia pôde ter exercido um papel complementar para o atendimento da

demanda na região das Gerais, como podemos observar na tabela 8.226 No mínimo cerca de

6.000 cativos por ano devem ter entrado na capitania mineira entre 1739-1759, sendo a Bahia

responsável por aproximadamente 35% (c. de 2100) do total desse volume.

A partir de 1760 esse volume foi reduzido. Observando a tabela 9 percebemos que,

entre 1760 e 1770, cerca de 60% dos escravos saídos da Bahia iam para as Minas, o que dava

uma média anual de 916.227 Ao acreditarmos que todo o escravo que saiu de Salvador para as

minas tenha alcançado a região das Gerais vivo, teremos uma queda de mais de 50% dos

escravos importados na capitania mineira, vindo da Bahia. A tabela 8 ratifica o gráfico 2 (cf.

cap. 1) e a idéia do porto do Rio de Janeiro ter sido o principal fornecedor de mão-de-obra à

região das Minas no século XVIII.

223 Sobre o “caminho velho” cf. ANTONIL, André João, op. cit., 1976, p.184. 224 idem, pp. 184 –6. 225 PARSCAU, Guillaume François. “A invasão francesa de 1711”. In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho (Org.). Outras visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p.135. 226 Em vilas, fazendas e veios de Goiás e Mato Grosso, entre fins do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX os escravos provenientes da África Ocidental eram maioria entre os africanos. Este foi o período no qual o fluxo de cativos entre a Costa da Mina e a Bahia se recuperou. Ver KARASCH, Mary . “Central Africans in Central Brazil, 1780-1835”. In: HAYWOOD, Linda M. Central Africans and cultural transformations in the American diaspora. New York/Cambridge: Cambridge University Press, 2002, passim. 227 Goulart estima que entre os anos de 1760 a 1765 1100 escravos/ano tenham entrado na capitania mineira saídos da Bahia. Números próximos ao observados na tabela 9, que nos dá uma média anual de 1131. Ver GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975, p. 170.

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Tabela 8: Flutuações na importação de escravos na capitania de Minas Gerais saídos da

Bahia e Rio de Janeiro (1739-1759)

Triênio Bahia Rio de Janeiro

1739-41 9.200 11.900

1742-44 - 12.000

1745-47 7.300 12.000

1748-50 6.670 10.670

1751-53 6.670 10.700

1754-56 6.670 11.010

1757-59 6.330 6.850

Fonte: GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-

Ômega, 1975, p. 170.

Mesmo com a queda no volume de cativos despachados, Minas Gerais continuou

sendo o destino que concentrava as maiores remessas de escravos da cidade de Salvador.

Talvez esses escravos não estivessem sendo remetidos apenas para a mineração, mas também

para atividades econômicas majoritariamente voltadas para o mercado interno, constituído de

pequenos e médios senhores.228 O desempenho da economia mineira fez com que ela

permanecesse como um dos grandes pólos de demanda por africanos, contrariando clássicos

como Roberto Simonsen e outros, que insistiam em encontrar uma forte crise na economia

colonial a partir de meados do Setecentos.229

A necessidade de mão-de-obra em outras regiões de mineração, como as capitanias de

Goiás, de Mato Grosso e no interior da Bahia (minas de Jacobina e rio das Contas), deve ter

contribuído no decréscimo do volume de escravos enviados para as Minas. Cerca de 12% dos

escravos saídos de Salvador partiram para Goiás. Em 1767 essa taxa chegou a 1/3.

228 Sobre a mudança das atividades econômicas em Minas Gerais no final do século XVIII e início do XIX ver MARTINS, Roberto. “Minas Gerais, século XIX: tráfico e o apego a escravidão numa economia não-exportadora”. In: Estudos Econômicos, 13 (1), São Paulo: FIPE, 1983. 229 Ver por exemplo SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.

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Outro dado importante a observar é o aumento do número de escravos remetidos para o

interior do nordeste, área tradicionalmente voltada à agricultura. Se observarmos ainda a

tabela 9, notamos que áreas como Alagoas, Piauí e, principalmente, Bahia (interior),

conheceram uma expansão no número de escravos comprados em Salvador a partir de meados

da década de 1760, atingindo cerca de 10%. Este acréscimo nos últimos anos deve estar

relacionado à recuperação da economia agrícola do nordeste brasileiro, tanto dos produtos de

exportação como açúcar e fumo quanto os voltados para o abastecimento do mercado interno

como a farinha de mandioca e a pecuária.

O movimento de despachos de escravos para outras áreas, que não as Gerais, apontam

para a diversificação da economia colonial. Surgiram novas áreas que se converteram em

abastecedoras do mercado interno. É certo que as exportações brasileiras caíram cerca de 60%

entre 1760 e 1776, mas a performance do tráfico atlântico (cf. gráfico 2, cap.1) e da

redistribuição de cativos indica que à crise da mineração não se seguiu a decadência

generalizada da região sudeste, sugerindo a realocação dos fatores de produção. Logo, o que se

chamou de "falsa euforia" – um intervalo positivo que despontava em fins do Setecentos, em

meio à recessão generalizada – representou uma tendência que se sustentou até bem adiantado

do século seguinte.230

230 Sobre a “Falsa euforia” ver FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional / Publifolha, 2000.

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Tabela 9: Remessas anuais de escravos africanos e crioulos por Províncias (1760-70)

Minas Gerais (a)

Rio de Janeiro (b)

Bahia (c) Pernam-buco (d)

Rio Grande do Sul

Goiás (e) Mato Grosso (f)

Piauí Alagoas (g) Colônia de Sacramen-

to

Outros (h) Total

Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1760 1669 93,8 25 1,4 13 0,7 0 - 0 - 42 2,4 0 - 0 - 0 - 30 1,7 0 - 1779 100 1761 779 64,0 21 1,7 25 2,0 8 0,7 0 - 310 25,5 0 - 0 - 6 0,5 68 5,6 0 - 1217 100 1762 1389 80,0 104 6,0 41 2,4 12 0,7 4 0,2 153 8,8 0 - 0 - 0 - 0 - 32 1,8 1735 100 1763 1181 69,3 109 6,4 75 4,4 41 2,4 10 0,6 225 13,2 3 0,2 2 0,1 5 0,3 0 - 54 3,1 1705 100 1764 920 79,7 21 1,8 17 1,5 2 0,2 0 - 173 15,0 0 - 0 - 1 0,1 2 0,2 18 1,5 1154 100 1765 849 67,3 14 1,1 21 1,7 8 0,6 0 - 324 25,7 0 - 14 1,1 0 - 31 2,4 1 0,1 1262 100 1766 826 64,2 14 1,1 37 2,9 55 4,3 4 0,3 243 18,9 62 4,8 1 0,1 2 0,1 16 1,2 27 2,1 1287 100 1767 542 46,8 150 13,0 41 3,6 18 1,6 0 - 374 32,3 9 0,7 3 0,2 1 0,1 0 - 21 1,7 1159 100 1768 562 25,6 751 34,1 326 14,8 20 0,9 34 1,5 247 11,2 6 0,3 92 4,2 18 0,8 0 - 143 6,5 2199 100 1769 461 38,7 121 10,1 278 23,3 30 2,5 0 - 65 5,4 120 10,1 32 2,7 5 0,4 22 1,8 57 4,9 1191 100 1770 903 36,1 749 29,9 503 20,1 19 0,7 5 0,2 55 2,2 19 0,7 50 2,0 5 0,2 42 1,7 151 6,1 2501 100 1760-

70 1008

1 58,7 2079 12,1 1377 8,0 214 1,2 57 0,3 2211 12,9 219 1,3 194 1,1 43 0,2 211 1,2 504 3,0 17191 100

Fonte: APEB, Códice 249 OBS: (a) Inclui as regiões de Itacambira, das minas de Arassuaí, Curumataí, Paracatu, do rio das Mortes, do rio das Velhas, Serro do Frio e Traíras, (b) Inclui a cidade do Rio de Janeiro, e regiões de Parati e Campos dos Goitacases; (c) Inclui as regiões de Caeté, Cairu, Camamu, Caravelas, Cotinguiba (Comarca do Sergipe), Comarca do Espírito Santo, Ilhéus, Inhambupe de Cima, Jacobina, Porto Seguro, Serra do Tiúba, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Pardo e do rio Preto; (d) Inclui as regiões de Olinda e Recife; (e) Inclui as regiões das minas do rio Verde, de Natividade, de Tocantins, de São Félix e Vila Boa de Goiás; (f) Inclui as minas de Cuiabá; (g) Inclui as regiões de Maceió e Penedo (h) Inclui as Províncias de São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina e regiões não definidas

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109

Tabela 9.1: Remessas de escravos novos por Províncias frente ao tráfico atlântico (1760-70)

Minas Gerais (a)

Rio de Janeiro (b)

Bahia (c) Pernambu-co (d)

Rio Grande do Sul

Goiás (e) Mato Grosso (f)

Piauí Alagoas (g) Colônia de Sacramen-

to

Outros (h) Tráfico atlântico

Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1760 1641 49,7 25 0,7 13 0,4 0 - 0 - 40 1,2 0 - 0 - 0 - 30 0,9 0 - 3298 100 1761 722 21,2 14 0,4 19 0,6 1 0,0 0 - 295 8,7 0 - 0 - 0 - 68 2,0 0 - 3408 100 1762 1322 34,2 94 2,4 27 0,7 2 0,0 4 0,1 146 3,8 0 - 0 - 0 - 0 - 32 0,8 3866 100 1763 1133 42,5 103 3,9 75 2,8 39 1,5 10 0,4 216 8,1 3 0,1 2 0,0 5 0,2 0 - 50 1,9 2664 100 1764 895 18,0 21 0,4 17 0,3 1 0,0 0 - 172 3,4 0 - 0 - 1 0,0 2 0,0 18 0,4 4984 100 1765 838 14,0 12 0,2 32 0,5 8 0,1 0 - 319 5,3 0 - 14 0,2 0 - 31 0,5 0 - 5988 100 1766 802 12,1 11 0,2 31 0,4 53 0,8 4 0,0 239 3,6 62 0,9 1 0,0 1 0,0 14 0,2 27 0,4 6631 100 1767 517 7,6 140 2,0 37 0,5 16 0,2 0 - 364 5,3 9 0,1 2 0,0 0 - 0 - 17 0,2 6798 100 1768 524 11,9 729 16,5 287 6,5 19 0,4 31 0,7 246 5,6 0 - 86 1,9 12 0,3 0 - 128 2,9 4416 100 1769 413 6,3 81 1,2 238 3,6 16 0,2 0 - 49 0,7 118 1,8 22 0,3 5 0,1 21 0,3 49 0,7 6560 100 1770 895 17,2 721 13,8 491 9,4 12 0,2 5 0,1 55 1,0 19 0,4 42 0,8 5 0,1 42 0,8 145 2,8 5207 100 1760-

70 9702 18,0 1951 3,6 1257 2,3 167 0,3 54 0,1 2141 4,0 211 0,4 169 0,3 29 0,0 208 0,4 466 0,9 53820 100

Fonte: APEB, Códice 249; Anexo 2 OBS: (a) Inclui as regiões de Itacambira, das minas de Arassuaí, Curumataí, Paracatu, do rio das Mortes, do rio das Velhas, Serro do Frio e Traíras, (b) Inclui a cidade do Rio de Janeiro, e regiões de Parati e Campos dos Goitacases; (c) Inclui as regiões de Caeté, Cairu, Camamu, Caravelas, Cotinguiba (Comarca do Sergipe), Comarca do espírito Santo, Ilhéus, Inhambupe de Cima, Jacobina, Porto Seguro, Serra do Tiúba, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Pardo e do rio Preto; (d) Inclui as regiões de Olinda e Recife; (e) Inclui as regiões das minas do rio Verde, de Natividade, de Tocantins, de São Félix e Vila Boa de Goiás; (f) Inclui as minas de Cuiabá; (g) Inclui as regiões de Maceió e Penedo (h) Inclui as Províncias de São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina e regiões não definidas.

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110

Dos escravos novos que chegavam à Bahia, entre 1728 e 1748, período de grande

produtividade mineral, calcula-se que 40% tenham sido redirecionados para as Minas.231

Desta forma, podemos calcular em 1560 o número de cativos novos remetidos por ano para

Minas Gerais. Já entre os anos de 1760 e 1770 houve uma queda significativa nesses

números. Apenas 18% dos novos que chegaram a Salvador foram remetidos para as lavras

mineiras, uma média anual de 882 escravos, como observamos na tabela 9.1.

Voltemos a pensar nos despachos como possibilidade para se entender o mercado de

escravos no interior da América portuguesa. Como observado acima, ocorreu o predomínio

de despachos de africanos novos. Essa opção pelo boçal se fez presente também na

economia mineira, em que pese sua transformação de uma economia baseada na mineração

para uma focada na produção de mercadorias para o mercado interno, o que acarretou um

declínio das importações de cativos. A partir da segunda metade do século XVIII, notamos

um processo de crioulização na massa escrava mineira. A variação na taxa de cativos

africanos até 1738 variou entre 82% e 95%. Já em 1771, na região da Freguesia de

Congonhas do Sabará, esse percentual caiu para cerca de 70%, chegando no ano de 1804 a

representar apenas 40% da escravaria no Distrito de São Caetano e em Vila Rica.232

Embora a importação de escravos tenha caído e conseqüentemente tenha alterado o perfil

demográfico, com o aumento da participação do crioulo na sociedade mineira, o padrão de

compra e venda de escravos permanece sendo de africanos novos. De um total de 10081

escravos enviados para as Gerais, os novos representavam 9702 (ver tabela 9.1), cerca de

96%. Isso reforça a idéia de que a sociedade colonial privilegiava a inserção do cativo boçal

com uma questão política. Não sendo interessante para o sistema escravista a circulação do

crioulo.

Se diminuiu o envio de novos para a região das Gerais, para o interior da Bahia

ocorreu o inverso. Ao longo da década de 1760 percebe-se um incremento nos despachos

de novos para esta região (cf. tabela 9.1), reflexo da recuperação nos números da economia

baiana. O aumento prolongado no fluxo de boçais para o interior acarretou no aumento na

taxa de africanos na sociedade escrava baiana. Entre 1710 a 1789 a taxa de africanos era de

aproximadamente 65%. Já para os anos de 1790 a 1827 esta taxa alcançou a proporção de

231 GOULART, op. cit., 1975, p. 165. 232 LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero da. Minas Colonial: economia e sociedade. São Paulo: Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (FIPE), s/d, pp. 50-1.

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111

68%.233

A capitania do Rio de Janeiro foi a terceira que mais comprou escravo no mercado

de Salvador. Isso nos sugere que muitos comerciantes acabavam desviando os escravos

para outra regiões, como Minas Gerais, burlando as normas para o pagamento dos

impostos, pois a taxa paga para se levar um escravo da Bahia diretamente para as Minas era

de 9$000 réis e para o Rio de Janeiro era de 4$500 réis. Mas podemos pensar que esse

comércio entre Salvador e a praça carioca estava calcado num interesse pelos africanos

“minas”. Originários da África Ocidental, os cativos minas representavam cerca de 60%

dos desembarcados no porto de Salvador. Em cartas comerciais do século XVIII fica nítido

o apreço e interesse que os escravos minas despertavam no Rio de Janeiro.234 Estes sempre

foram muito apreciados pela sua beleza e capacidade de trabalho sendo mais estimados que

os de Angola. Ainda segundo documentação da época, os comerciantes preferiam os minas,

pois os angolanos que chegavam na América pereciam rapidamente.235

Devido a dificuldades do comércio entre a Costa da Mina e o Rio de Janeiro, a

Bahia deve ter exercido o papel de fornecedor de escravos minas à praça carioca ao longo

do século XVIII. Entre os anos de 1759 a 1771, foram registradas dezoito embarcações, que

transportaram 5.196 escravos da Costa da Mina para o porto do Rio. Trata-se de uma

quantidade pequena para um período de treze anos. Para os anos de 1760, 1761, 1762 e

1768 não há registro de entrada de embarcações desta região africana. A média anual

registrada para esse período foi de 577 escravos236. Muitos desses escravos provavelmente

foram remetidos para as Gerais, o que deveria gerar uma carência de “minas” no mercado

do Rio de Janeiro. Desta forma, podemos sugerir que a demanda por “minas” era

complementada pela redistribuição da cidade de Salvador.

Um outro corpo documental nos permite estabelecer as rotas da redistribuição dos

cativos para as diversas praças regionais da América portuguesa na segunda década do

século XIX. Infelizmente, nesta documentação não há especificação quanto a naturalidade

do escravo despachado. O cenário apresentado para os anos do século XVIII sofre grandes

233 SCHWARTZ, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 290. 234 LISANTI FILHO, Luís. Negócios Coloniais ( uma correspondência comercial do século XVIII). Brasília / São Paulo: Ministério da Fazenda / Visão Editorial, 1973, vol. 1, p. 227. 235 Idem, vol. 1, p. 19. 236 CAVALCANTI, op. cit.

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112

alterações, quando passamos a analisar o período de 1811 a 1820. Observando a tabela 10

notamos a ausência de envio de escravos para as duas principais capitanias receptoras no

século XVIII, Minas Gerais e Goiás. Para as Minas foram achados apenas 7 registros (5 no

ano de 1813, 1 nos anos de 1819 e 1820) perfazendo um total de 14 escravos remetidos,

cerca de 0,1% do total de cativos remetidos. Para Goiás e também Mato Grosso, áreas de

extrativismo mineral, nenhuma leva partiu de Salvador. Porém, calcula-se que entre os anos

de 1780 a 1820 tenha sido incorporados aos plantéis mineiros anualmente

aproximadamente 2000 escravos.237 É difícil de acreditar que entre 1811 e 1820, a Bahia

tenha contribuído com apenas 14 escravos dos 20000 que chegaram as Gerais.

Tal inquietação aumentou ao constatar que embora não há registro de saídas de

cativos (seja africanos ou crioulos) para Goiás e Mato Grosso, temos conhecimento da

chegada de levas para estas regiões. No ano de 1815, entraram em vila Boa de Goiás

(antiga capital da Província de Goiás, atual Cidade de Goiás) 163 cativos, dos quais 50

vindo em 7 levas da cidade de Salvador. Destes escravos, apenas 4 ficaram em vila Boa de

Goiás, sendo os outros remetidos para Cuiabá. Todos os escravos eram africanos novos e

moleques. Os outros 113 africanos novos chegaram do Rio de Janeiro, sendo que apenas 36

permaneceram em vila Boa de Goiás. Os demais foram remetidos para Cuiabá.238

Entretanto, imaginamos que a remessa de escravos de Salvador para essas áreas tenha

diminuído de toda maneira, uma vez que, por exemplo, Minas Gerais passava por um

processo de crioulização de sua mão-de-obra escrava como mencionado acima, devido

justamente a queda no fluxo de cativos africanos já observadas nos final da década de 1760.

O principal destino para o período de 1811-20 é a província do Maranhão, que

representa aproximadamente 1/3 das compras efetuadas no mercado de Salvador. Em 1817

e 1818 chegou a ser o ponto final para mais da metade dos cativos que eram redistribuídos

no Brasil. É de se supor que tanto a região do Pará, quanto a região do Maranhão, tenham

tido dificuldades em manter o seu volume no tráfico internacional, após 1815, quando este

comércio foi proibido ao norte da Linha do Equador, pois as principais regiões

fornecedoras de africanos para estas províncias brasileiras eram Cachéu e Bissau, que se

encontravam bem acima do limite estipulado para o trato negreiro. Desta forma, o mercado

237 GOULART, Maurício. op. cit., 1975, p. 170. 238 MHB, Colonial, Entradas – Vila Boa, 1815.

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baiano passou a desempenhar um papel de fornecedor de mão-de-obra para as províncias

do norte do Brasil.

Podemos perceber que o peso das áreas interioranas do nordeste se confirmou.

Cerca de 40% dos escravos despachados para o interior do Brasil na segunda década do

século XIX, tinham estas regiões como destino. O que corrobora a hipótese de um

crescimento constante na economia da região, que se iniciou no último quartel do século

XVIII e que se manteve nas primeiras décadas do século XIX, refutando mais uma vez a

idéia da “falsa euforia” defendida por Celso Furtado. Desta maneira a redistribuição de

escravos da cidade de Salvador se reafirma como principal fornecedora de mão-de-obra

para áreas de abastecimento do mercado interno, tendência que já despontava no final da

década de 1760.

Já as regiões ao sul do Brasil limitaram-se a uma participação de 13% no total dos

escravos despachados de Salvador. As Províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio

Grande do Sul tinham a cidade do Rio de Janeiro como principal praça fornecedora de

mão-de-obra cativa. Apenas 6% dos escravos que entravam na província do Rio Grande do

Sul eram provenientes da Bahia, enquanto os originários do Rio de Janeiro representavam

88%.239

Em meio aos despachos direcionados ao Brasil encontramos 11 viagens

direcionadas a Havana com escala em Caiena entre os anos de 1811 e 1816, a saber: 1

viagem em 1811, 1 em 1812, 5 em 1813, 2 em 1814, 1 em 1815 e 1 em 1816. O total de

escravos reexportados nessas viagens foi de 2347. Provavelmente, após as limitações

impostas ao comércio negreiro no Atlântico, em decorrência dos tratados assinados entre

Portugal e Inglaterra, a praça baiana se viu em dificuldades de continuar atendendo a região

caribenha, tendo em vista a necessidade que ora se fazia nas próprias terras brasileiras.

Não era fácil a navegação pelos mares do Caribe. Além da ação de piratas e

corsários que resultavam na captura de negreiros, os comerciantes que para lá se

aventuravam tinham que lidar com situações inusitadas. Em 1811, o bergantim São Manoel

Ativo, de que era mestre José Bento Davi, dirigia-se para Havana quando, a oito léguas da

ilha de São Domingos, defrontou-se com um brigue de guerra do Haiti, que depois de

239 BERUTE, Gabriel Santos. “Características dos escravos transportados para o Rio Grande de São Pedro (1788-1802)”.In: Humanas. nº 26 (2003). Porto Alegre: Ed. da Universidade, 2003, pp. 365-85.

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encontrar nela mais de quatrocentos escravos conduziu-a a terra firme. Do acontecimento

logo foi informado o governo haitiano, cujos representantes imediatamente ordenaram o

desembarque, avaliaram os escravos e mandaram pagar ao capitão do negreiro o valor dos

cativos em gêneros do país.240 Nada se sabe sobre o desdobramento desse curioso episódio.

O envio de escravos da Bahia para Havana nos sugere uma diversificação do capital

mercantil de Salvador, para além de suas fronteiras regionais. É possível imaginar que

tenha existido sociedades entre comerciantes baianos e cubanos, o que aponta para a força

do capital mercantil no Brasil. Em verdade, essa associação entre Cuba e Brasil não se dava

apenas via Bahia. Como exemplo, temos notícia de um navio cubano sendo segurado na

praça mercantil carioca.241

240 BNRJ, Seção Obras Raras, Idade d’Ouro do Brasil –BA, N.º 22 – 26/07/1811 241 FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 128.

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Tabela 10: Remessas de escravos africanos e crioulos por Províncias (1811-20)

Destinos Alagoas (a) Bahia (b) Maranhão

(c) Pernam-buco (d)

Piauí Rio de Janeiro

Rio Grande do Sul

São Paulo (e)

Sergipe (f) Outros (g) Total

Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1811 70 5,8 179 14,9 1 0,1 438 34,5 0 - 166 13,8 26 2,2 4 0,3 199 16,6 118 9,8 1201 100 1812 174 6,1 604 21,1 728 25,4 136 4,7 46 1,6 244 8,5 254 8,9 150 5,2 123 4,3 406 14,2 2865 100 1813 123 8,2 149 10,0 102 6,8 69 4,6 19 1,3 296 19,9 177 11,9 70 4,7 182 12,2 304 20,4 1490 100 1814 9 0,7 170 13,8 536 43,6 11 0,9 65 5,3 11 0,9 192 15,6 0 - 59 4,8 176 14,3 1229 100 1815 65 5,2 59 4,7 276 21,9 12 0,9 102 8,1 18 1,4 117 9,3 0 - 274 21,8 332 26,4 1257 100 1816 111 8,2 139 10,3 332 24,5 2 0,1 121 8,9 21 1,6 73 5,4 1 0,1 339 25,0 155 11,4 1354 100 1817 175 7,1 506 20,6 1378 56,0 7 0,3 30 1,2 14 0,6 88 3,6 0 - 194 7,9 67 2,7 2459 100 1818 270 11,1 263 10,8 1353 55,6 2 0,1 267 11,0 8 0,3 12 0,5 2 0,1 160 6,6 96 3,9 2433 100 1819 140 9,5 156 10,6 309 21,0 3 0,2 267 18,1 3 0,2 84 5,7 2 0,1 374 25,4 132 9,0 1470 100 1820 239 18,9 131 10,3 162 12,8 7 0,6 139 11,0 1 0,1 153 12,1 5 0,4 333 26,3 96 7,6 1266 100

1811-20 1378 8,1 2356 13,8 5177 30,4 687 4,0 1056 6,2 782 4,6 1176 6,9 234 1,4 2296 13,5 1882 11,0 17024 100

Fonte: APEB, Códice 252 OBS: (a) Inclui as regiões de Maceió e Penedo; (b) Inclui as regiões de Caeté, Caravelas, Freguesia de Santo Antônio do Urubu; Freguesia de S Sebastião do Sincorá, Itapicuru Grande, Jacobina, Porto Seguro, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Real; (c) Inclui as regiões de São Luís e Vila de Caxias; (d) Inclui as regiões de Olinda e Recife; (e) Inclui as regiões de Santos, São Sebastião e São Paulo; (f) Inclui as regiões de Cotinguiba, freguesia de Santa Luzia; vilas do Lagarto e de Itabaiana; (g) Inclui as Províncias de Ceará, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e regiões não definidas

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116

Demografia dos escravos despachados (sexo, naturalidade e idade)

A partir do Códice 252 foi possível recuperar a composição sexual dos escravos

despachados para os anos de 1811 a 1820. Na tabela 11 observamos que a maioria dos

escravos eram do sexo masculino (76,2%) contra (23,8%) do sexo feminino.242 Tais resultados

nos indicam uma elevada razão de masculinidade243 (321), ou seja, para cada 100 mulheres

temos 321 homens. Nos dados referentes à redistribuição de escravos por via marítima e

terrestre a partir do Rio de Janeiro, entre 1822-1833, verificaremos que os cativos do sexo

masculino representam aproximadamente 76,1% do total de escravos. Este percentual significa

uma razão de masculinidade de 318.244 São dados praticamente idênticos, mostrando uma

simetria na forma como o tráfico atlântico atuava nas duas praças mercantis. Ora, sabemos que

o percentual de escravos novos despachados do Rio neste período girava em torno de 80%.245

Portanto, se concluímos que o padrão sexual dos escravos despachados de Salvador se

assemelham ao da redistribuição a partir do Rio de Janeiro, podemos supor que dos 17024

escravos remetidos da Bahia, entre 1811-20, 80% fossem africanos novos, reiterando o padrão

do comércio de boçais no interior do Brasil, mas uma vez apontando para a questão política

que envolvia a recusa por parte do sistema de fazer circular o cativo crioulo.

Do mesmo modo que inferimos o número de novos a partir dos dados sexuais,

podemos inverter a lógica para calcular as taxas sexuais dos escravos despachados nos anos de

1760-70. Neste período a taxa de africanos novos chegou a atingir 95%. Se sabemos que no

tráfico atlântico a razão de masculinidade era de 3/1, podemos supor que cerca de 75% dos

cativos despachados no referido período deveriam ser do sexo masculino.

Tais hipóteses nos permitem supor que, se o padrão para ambos os períodos seguia o

do tráfico atlântico, deviam ser adultos os escravos despachados. No caso do Rio de Janeiro,

cerca de 80% dos escravos redistribuídos eram adultos (entre 15 e 49 anos).246 Portanto,

podemos estabelecer que o padrão demográfico dos cativos despachados para os mercados

regionais no interior do Brasil, era de africanos novos, do sexo masculino e de idade adulta.

242 De um total de 3300 escravos foram identificados os sexos de 3221 cativos (97% do total). 243 A razão de masculinidade calcula-se dividindo o número total de homens pelo número total de mulheres e multiplicando o resultado por cem. Ver SCHWARTZ, Stuart B., op. cit., 1988, p. 287. 244 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 221. 245 FRAGOSO, João Luís & FERREIRA, Roberto Guedes. op. cit., 2000, pp. 5-6.

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117

Tabela 11: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados (1811-20)

Masculino Feminino Total Ano

# % # % # % A

1811 827 68,9 374 31,1 1201 100 221 1812 2386 77,8 679 22,2 3065 100 351 1813 1092 73,2 399 26,8 1491 100 274 1814 1056 85,9 173 14,1 1229 100 610 1815 970 77,2 287 22,8 1257 100 338 1816 1034 76,4 320 23,6 1354 100 323 1817 1847 75,1 612 24,9 2459 100 302 1818 1746 71,8 687 28,2 2433 100 254 1819 1124 76,5 346 23,5 1470 100 325 1820 1048 82,8 218 17,2 1266 100 481 Total 12980 76,2 4045 23,8 17025 100 321

OBS: A = razão de masculinidade (x homens/100 mulheres)

Fonte: APEB, Códice 252

Podemos estruturar a composição sexual em relação às regiões de compra dos

escravos. A taxa de masculinidade dos escravos remetidos para o interior baiano era de 80,4%

o que representa uma altíssima razão de masculinidade, 410. Tal número se opõe aos

calculado por Barickman para as fazendas e sítios de fumo no município de Cachoeira, no

Recôncavo para o período de 1800-19. Seus dados apontam para uma razão de masculinidade

de 116.247 Já os cálculos feitos por Schwartz nos apontam 227 a razão de masculinidade na

população escrava baiana para o período de 1790-1827.248

Razões de masculinidade tão altas quanto as verificadas nos despachos para o interior

da Bahia são observadas para mais três regiões: Piauí, 433; Sergipe, 406, bem próxima a

observada para o interior baiano; São Paulo, incríveis 609! Talvez pelo pouco número de

escravos possa estar ocorrendo uma distorção nos valores referentes a São Paulo.

Para Havana são reexportados 1870 homens (80%) e 477 mulheres (20%),

demonstrando uma razão de masculinidade de 390, bem alta mesmo se tratando de comércio

internacional. No Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do Oitocentos, a razão de

246 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 221. 247 BARICKMAN, Um contraponto baiano – açúcar, fumo mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 262. 248 SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 290.

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masculinidade dos africanos desembarcados no porto era de 320, sendo que a de africanos

adultos chegava a 340.249

Tabela 11.1: Flutuação das taxas de masculinidade, por ano, dos escravos despachados frente ao destino final (1811-20)

Masculino Feminino Total Destino

# % # % # % A

Alagoas 1091 79,2 287 20,8 1378 100 300 Bahia 1894 80,4 462 19,6 2356 100 410

Maranhão 3741 72,3 1436 27,7 5177 100 260 Pernambuco 445 64,8 242 35,2 687 100 184

Piauí 858 81,2 198 18,8 1056 100 433 Rio de Janeiro 541 69,2 241 30,8 782 100 224 Rio Grande do

Sul 900 76,5 276 23,5 1176 100 326

São Paulo 201 85,9 33 14,1 234 100 609 Sergipe 1843 80,2 454 19,8 2297 100 406

Fonte: APEB, Códices 252

Concentração dos negócios da redistribuição

Entre os anos de 1760 e 1770 foram despachados 17191 escravos. A tabela 12 nos

mostra com estava estruturada as tropas que levavam os cativos para o interior.250 Buscamos,

dessa forma, estabelecer uma tipologia desses carregamentos baseados no número de escravos

transportados. A pequena tropa - responsável pela remessa de até dois cativos - representava

mais da metade (54,3%) do total dos despachos. Embora quantitativamente prevalecesse os

pequenos despachos, eles foram responsáveis pelo envio de apenas 1834 escravos, ou seja,

cerca de 11%. Embora de pequeno porte, os escravos despachados nestas viagens

desempenhavam o papel de complementar a demanda nas diversas áreas abastecidas pela

cidade de Salvador

249 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 59.

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Tabela 12: concentração dos despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador (1760-70 / 1811-20)

# de escravos enviados por despacho Despacho % Total dos escravos despachados %

1760-70 1 976 37,7 976 5,7 2 429 16,6 858 5,0 3 206 8,0 618 3,6 4 148 5,7 592 3,4

5 a 10 463 17,9 3283 19,111 a 25 242 9,3 3939 22,926 a 50 83 3,2 2903 16,951 a 75 22 0,8 1322 7,7

76 a 100 7 0,3 621 3,6 Mais de 100 12 0,5 2078 12,1

Total 2588 100 17191 100 1811-20

1 632 39,4 632 3,7 2 198 12,3 396 2,3 3 109 6,8 327 1,9 4 70 4,4 280 1,6

5 a 10 265 16,5 1913 11,211 a 25 185 11,5 3135 18,426 a 50 83 5,2 2998 17,651 a 75 20 1,2 1235 7,2

76 a 100 17 1,0 1549 9,1 Mais de 100 25 1,6 4560 26,8

Total 1604 100 17025 100 Fonte: APEB, Códices 249 e 252

No lado oposto aos dos pequenos negócios encontramos despachos feitos com mais de

51 escravos. Este número era superior a muitos plantéis de fazendas produtoras de açúcar,

fumo e farinha na região do Recôncavo baiano em finas do século XVIII.251 Embora

representassem apenas 1,5% dos envios, foram responsáveis pela remessa de

aproximadamente ¼ do total de cativos (4021). Havia ainda o negócio intermediário, aqueles

despachos de 11 a 50 cativos. Representavam 12,5% dos envios contabilizando um total de

6842 escravos (c. de 40%).

Para a província de Pernambuco cerca de 65% dos despacho era de apenas um escravo.

A maioria dessas compras eram feitas por religiosos que possuíam pequenos plantéis em

251 Ver BARICKMAN, B. J., op. cit., 2003, pp. 241-52.

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mosteiros e prédios de instituições religiosos nas cidades do Recife e Olinda. Para áreas como

Minas e Goiás partiam tropas com o número de escravos igual ou superior a onze, cerca de

17% e ¼ respectivamente.252

Podemos analisar também a concentração dos despachos para o período de 1811-1820.

O padrão verificado nos anos de 1760-70 sofre uma pequena alteração, como podemos

observar a partir da tabela 12. Os pequenos envios, correspondiam a cerca de 52% dos totais

totalizando o envio de 1028 escravos (6%). Já aqueles que remetiam mais de 50 escravos

(cerca de 4%) foram responsáveis pelo envio de 7344 ( cerca de 41%). Já os intermediários

aproximadamente 17% dos registros remeteram 6133 (36%) dos escravos. Observamos, deste

modo, um aumento no nível de concentração de escravos por despachos. No século XIX, mais

do que no Setecentos, eram os grandes comerciantes que controlavam a reprodução física nas

diversas áreas abastecidas pela praça mercantil de Salvador.

Das remessas para o Maranhão, 1/5 são de mais de 100 escravos, demostrando o papel

primordial que o porto de Salvador passou a desempenhar para a economia maranhense. Para

o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul cerca de 80% dos despachos são de apenas um ou dois

escravos. Talvez tratava-se de escravos acompanhantes, que vieram e retornam com seus

senhores. Para as regiões do interior nordestino prevalecem as remessas intermediárias (de 11

a 50 escravos). Para Alagoas, interior da Bahia, Piauí e Sergipe essas taxas são

respectivamente 25%, 30%, 46% e 20%. No caso de Pernambuco prevalecem as pequenas

levas, cerca de 65% dos despachos.253 Esses dados apontam para a dependência das áreas

produtoras do interior do nordeste frente ao porto baiano. Vale ressaltar que embora não tenha

entrado nos cálculos da tabela 12, o comércio para Havana só se fazia com remessas de mais

de 100 escravos.

Nos dados para o Rio de Janeiro, entre 1825-30, verificamos também um padrão de

concentração alto nos despachos. Os pequenos negócios representavam 51,6% dos envios, mas

remeteram apenas 10.766 cativos (9%). Já os intermediários, mesmo sendo apenas 16,4% dos

despachos, enviaram quase metade de todos os cativos do período, 58.954. Os maiores

despachos, aproximadamente 3%, foram responsáveis por 25% da mão-de-obra escrava que

252 Ver anexo 6 253 Ver anexo 7

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abastecia os mercados regionais.254 Ao analisar a redistribuição de cativos em ambas as praças

regionais é possível sugerir que tratava-se de uma atividade extremamente concentrada, não se

diferenciando do tráfico Atlântico. Talvez, os traficantes internacionais, por serem

responsávies pela venda de grande quantidade de cativos, possam ter tido uma participação

importante na redistribuição do mercado interno, controlando boa fatia deste mercado.

Podemos concluir, desta forma, que os negócios da redistribuição eram práticas comerciais

típicas de mercados pré-industriais, sociedades calcadas na baixa liquidez devido a pouca

circulação de moeda, altamente concentrada onde poucos controlavam o ritmo das transações

comerciais e muitos participavam como meros comerciantes de ocasião, porém

desempenhando papel fundamental na complementação no mercado de mão-de-obra no Brasil.

254 FRAGOSO, João Luís & FERREIRA, Roberto Guedes. op. cit., 2000, pp. 14-5.

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Considerações Finais

Novas fontes e a visita a registros já conhecidos permitem aprofundar o estudo do

tráfico atlântico para o Brasil, redefinindo as estimativas do volume de africanos e

estabelecendo uma análise sobre o funcionamento da empresa traficante sediadas na praça

mercantil de Salvador. O manejo do material relativo ao porto de Salvador ensejou o

estabelecimento de nova estimativa acerca do total de africanos desembarcados entre 1678 e

1830, época em que a montagem e consolidação do complexo minerador das Gerais promoveu

o deslocamento do eixo da economia do nordeste para a do sudeste da América portuguesa. As

flutuações dos tráficos carioca e baiano refletiam a natureza competitiva do comércio negreiro

para ambos os portos, com a perda, por parte de Salvador, da condição de principal ponto de

recepção e re-exportação de africanos. Do mesmo modo, na África a região da Costa da Mina

cedeu lugar à preeminência da zona congo-angolana. Somados, os desembarques de escravos

nesses portos – quase um terço de todos os desembarques de africanos ocorridos nas Américas

entre 1700 e 1830 – expressam as próprias flutuações do coração da economia brasileira, e

rejeitam enfaticamente a idéia de uma crise geral na virada do século XVIII para o XIX.

Os dados demonstram também um forte paralelismo em alguns dos padrões

encontrados para os negócios negreiros do Rio de Janeiro e Salvador, marcados

simultaneamente por altos graus de concentração e de atuação especulativa. Em última

instância, tais características resultavam da natureza restrita do mercado brasileiro.

Estabeleceram-se ainda estimativas regionais inéditas acerca da mortalidade escrava durante a

travessia oceânica, o que permitiu esclarecer novos aspectos da variável que mais influenciava

o grau de lucratividade dos negócios. Até certo ponto, confirmou-se a tendência à variação das

mortandades a bordo de acordo com a duração da travessia oceânica. Ao mesmo tempo, no

entanto, sugeriu-se que tal padrão podia redefinir-se em função da adoção de estratégias mais

arriscadas por parte dos traficantes – sobretudo a opção pela maior lotação dos navios em

determinadas rotas –, da natureza mais ou menos predatória dos processos de escravização nas

regiões africanas de origem, e do grau de interação e sociabilidade entre os traficantes e os

agentes africanos do tráfico.

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Por último, buscou-se levantar algumas questões e hipóteses sobre a redistribuição de

escravos da praça de Salvador. Analisando as áreas receptoras foi possível constatar que entre

as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX, houve uma diversificação

da economia colonial. Regiões até então sem expressividade econômica passaram a receber

um grande contigente de cativos. Eram áreas cuja economias voltavam-se para o

abastecimento do mercado interno. Não nos escapou a relação intrínseca entre o tráfico

atlântico e a redistribuição, sendo está última atividade considerada a terceira etapa do

comércio internacional. O perfil demográfico dos cativos despachados nos mostra que o

grosso da escravaria redistribuída se constituía de homens, adultos e, sobretudo, africanos

novos, perfil idêntico ao registrado no tráfico internacional. Estes dados sugerem que no

comércio interno de escravo no Brasil a escolha que se fazia era pelo boçal em detrimento do

ladino e do crioulo. Tal padrão pode estar calcado numa questão política intrínseca ao sistema

escravista da América portuguesa – a opção pela não circulação de crioulos e ladinos no

mundo colonial. Por fim, percebemos o quanto era concentrado os negócios da redistribuição,

destacando a atuação de monopolizadores e especuladores, ratificando a idéia de um mercado

restrito, típico de sociedades pré-industriais, o que nos sugere um paralelismo entre o esta

atividade e o tráfico internacional.

Este trabalho que no momento se encerra possibilitou descortinar algumas

questões acerca do comércio de escravos em Salvador. Porém, muitas outras ainda carecem de

análise, como o perfil de investimento do traficante internacional; as relações desenvolvidas

entre esses comerciantes; as relações e alianças estabelecida entre os traficantes e a elite

agrária baiana; além de uma análise mais aprofundada sobre o mercado da redistribuição,

tarefa que passarei a desenvolver em trabalho futuros.

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Anexos

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Anexo 1: Movimento anual das saídas dos negreiros do porto de Salvador, 1678-1815

Ano Total de Saídas de

Salvador

Ano Total de Saídas de

Salvador

Ano Total de Saídas de

Salvador

1678 2 1724 19 1770 17

1679 1 1725 18 1771 18

1680 3 1726 24 1772 18

1681 a 2 1727 19 1773 10

1682 a 2 1728 20 1774 10

1683 1 1729 14 1775 6

1684 4 1730 23 1776 1

1685 7 1731 12 1777 6

1686 2 1732 17 1778 12

1687 6 1733 13 1779 19

1688 7 1734 6 1780 16

1689 9 1735 7 1781 20

1690 16 1736 10 1782 17

1691 13 1737 12 1783 13

1692 9 1738 14 1784 10

1693 8 1739 14 1785 15

1694 14 1740 16 1786 12

1695 19 1741 14 1787 7

1696 21 1742 13 1788 8

1697 29 1743 14 1789 13

1698 26 1744 10 1790 8

1699 21 1745 10 1791 7

1700 25 1746 13 1792 14

1701 22 1747 14 1793 16

1702 23 1748 14 1794 23

1703 24 1749 10 1795 12

1704 18 1750 19 1796 16

1705 21 1751 4 1797 21

1706 26 1752 11 1798 19

1707 23 1753 7 1799 18

1708 20 1754 9 1800 31

1709 28 1755 10 1801 18

1710 25 1756 15 1802 16

1711 22 1757 16 1803 17

1712 32 1758 20 1804 25

1713 36 1759 16 1805 26

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1714 33 1760 12 1806 30

1715 27 1761 12 1807 24

1716 27 1762 14 1808 18

1717 29 1763 9 1809 27

1718 20 1764 16 1810 43

1719 21 1765 b 21 1811 39

1720 19 1766 22 1812 21

1721 22 1767 22 1813 27

1722 18 1768 14 1814 14

1723 18 1769 20 1815 35

Total 2278c

Obs: 1 – Considerou-se como total as saídas que aparecem nos códices do APEB, mais aquelas listadas no Documentos Históricos e códice 141 do ANRJ, menos as que se repetem; a - Obtido pela média entre o último ano com registro e o primeiro igualmente com registro indicado;

b – Foram encontradas pedidos para navegar no período de 1765-1776 nos códices de alvarás para navegar à

Costa da Mina e nos livros de fianças para navegar à Angola;

c – Foram incluídas cinco viagens cujos registros não foi possível detectar o ano.

Fontes: ANRJ, Códice 141, vols. 1, 2, 3, 7, 15, 16 ; Documentos Históricos da Biblioteca Nacional,( RJ); APEB, códices 439, 440, 443, 449, 456 e 626-3.

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Anexo 2 – Movimento Geral dos Desembarques de Escravos nos Portos do Rio de Janeiro e

Salvador, 1678-1830 Ano # Estimado de Escravos desembarcados em Salvador # Estimado de Escravos desembarcados no Rio de

Janeiro

1678 458 -

1679 229 -

1680 791 -

1681 510 -

1682 510 -

1683 229 -

1684 1124 -

1685 1603 -

1686 458 -

1687 1374 -

1688 1707 -

1689 2061 -

1690 3768 -

1691 2977 -

1692 2269 -

1693 1936 -

1694 3310 -

1695 4455 -

1696 4931 -

1697 6641 -

1698 6058 -

1699 4809 -

1700 5703 2400

1701 4881 2400

1702 5214 2400

1703 5814 2400

1704 4232 2400

1705 4995 2400

1706 6124 2400

1707 5346 2400

1708 4549 2400

1709 6111 2400

1710 6037 4200

1711 5350 4200

1712 7624 4200

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1713 8782 4200

1714 8564 4200

1715 6542 4200

1716 6977 4200

1717 7231 4200

1718 6072 4200

1719 5542 4200

1720 4556 4200

1721 5673 4200

1722 4736 4200

1723 4381 4200

1724 4866 4200

1725 4496 4200

1726 7211 5700

1727 5659 5700

1728 5659 5700

1729 3743 5700

1730 6783 5700

1731 3591 3250

1732 5135 3103

1733 3641 5346

1734 1654 6906

1735 1955 5398

1736 2991 9054

1737 3930 7325

1738 5046 5766

1739 4696 7019

1740 5878 5755

1741 5058 6737

1742 4685 7747

1743 5319 9226

1744 3557 6367

1745 3623 8828

1746 4715 10787

1747 4727 3852

1748 5149 6599

1749 3655 7168

1750 6307 8740

1751 1331 6891

1752 4111 7300

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129

1753 2122 5350

1754 3049 6882

1755 3401 6934

1756 4863 7838

1757 4544 7019

1758 4910 7661

1759 4792 9090

1760 3298 3832

1761 3408 6340

1762 3866 7350

1763 2664 8236

1764 4984 7917

1765 5988 11834

1766 6631 8103

1767 6798 10653

1768 4416 8854

1769 6560 8047

1770 5207 7977

1771 5715 9381

1772 6102 10539

1773 3280 8096

1774 3280 8855

1775 1924 6623

1776 6653 7255

1777 7427 a 5073

1778 7427 a 6380

1779 7427 a 8092

1780 8200 7186

1781 6472 8800

1782 5776 a 7728

1783 5776 a 7886

1784 5776 a 7253

1785 5776 a 10122

1786 5776 a 10025

1787 5776 a 9028

1788 5776 a 9466

1789 5080 7728

1790 4812 5740

1791 5662 7478

1792 6050 8456

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130

1793 7635 11096

1794 8269 10225

1795 8665 10640

1796 7424 9876

1797 4837 9267

1798 6788 6780

1799 7038 a 8857

1800 7038 a 10368

1801 7038 a 10011

1802 7038 a 11343

1803 7282 9722

1804 6634 9075

1805 6922 9921

1806 8374 7111

1807 7613 9689

1808 5706 9602

1809 7610 13171

1810 8045 18677

1811 7893 a 22520

1812 7741 18270

1813 7789 17280

1814 8219 15300

1815 6907 13330

1816 4139 18140

1817 5802 17670

1818 8706 24500

1819 7033 20800

1820 7722 21140

1821 6689 20630

1822 10638 23280

1823 4091 19640

1824 2448 24620

1825 4259 26240

1826 7858 35540

1827 10186 28350

1828 8127 45390

1829 12808 47280

1830 8425 30920

Total 807.295 1. 262. 242

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131

Obs: 1- No caso do desembarque de escravos em Salvador, os números em negritos foram obtidos em documentos consultados que informavam o volume dos cativos trazidos no navio; os que estão em itálico foram coletados na obra de Góes Calmon; os demais foram estimados a partir das saídas de negreiros. Para cada navio estipulou-se um carregamento de 290 africanos no retorno (cf. metodologia no texto). 2 – Para o Rio de Janeiro os números de 1700 a 1795 foram obtidos no texto de Nireu Cavalcanti; os de 1796 a 1830 foram recolhidos no livro de Manolo Florentino. a – Obtido pela média entre o último ano com registro e o primeiro igualmente com registro indicado

Fontes: ANRJ, Códice 141, vols. 1, 2, 3, 7, 15, 16 ; BNRJ, Documentos Históricos da Biblioteca Nacional;

APEB, códices 439, 440, 443, 449, 456 e 626-3; AHMS, Códices 178.1 (1780-1798) 182.1 (1803-10) e 56.3

(1822-24); CALMON, F. M. Goes. Ensaios sobre o fabrico do açúcar. Rio de Janeiro, 1834; CAVALCANTI,

Nireu pp. 106 e 112 (paper inédito); FLORENTINO, Manolo, op. cit., apêndice 3, p.218; The Trans-Atlantic

Slave Trade: a database on cd-rom. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

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132

Anexo 3: Saídas de negreiros do porto de Salvador de acordo a região africana de destino,

1678-1811

Ano África Ocidental África Central Atlântica África Oriental Ilhas Atlânticas

-

1678 1 1

1679 1

1680 1 2

1681 0

1682 0

1683 0 1

1684 4

1685 5 2

1686 2

1687 5 1

1688 6 1

1689 9

1690 15 1

1691 9 4

1692 6 1 2

1693 6 2

1694 8 3 3

1695 17 1 1

1696 21

1697 24 1 4

1698 21 2 3

1699 19 1 1

1700 24 1

1701 20 2

1702 23

1703 24

1704 17 1

1705 19 1 1

1706 25 1

1707 23

1708 20

1709 26 2

1710 24 1

1711 22

1712 30 2

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1713 34 2

1714 30 3

1715 27

1716 23 4

1717 21 8

1718 20

1719 19 2

1720 18 1

1721 21 1

1722 17 1

1723 13 5

1724 16 3

1725 18 2

1726 22

1727 18 1

1728 18 2

1729 13 1

1730 21 2

1731 11 1

1732 14 3

1733 9 4

1734 5 1

1735 6 1

1736 6 4

1737 12

1738 13 1

1739 13 1

1740 13 3

1741 14

1742 13

1743 13 1

1744 8 2

1745 9 1

1746 11 2

1747 8 2 4

1748 8 2 4

1749 7 2 1

1750 11 7 1

1751 3 1

1752 9 2

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134

1753 3 4

1754 6 3

1755 7 3

1756 13 1 1

1757 14 2

1758 19 1

1759 13 3

1760 12

1761 11 1

1762 14

1763 9

1764 16

1765 16 5

1766 12 10

1767 8 14

1768 7 7

1769 14 6

1770 12 5

1771 11 7

1772 13 5

1773 8 2

1774 9 1

1775 6

1776 1

1777 6

1778 12

1779 18 1

1780 16

1781 20

1782 17

1783 13

1784 10

1785 15

1786 12

1787 7

1788 8

1789 13

1790 8

1791 7

1792 14

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135

1793 16

1794 23

1795 12

1796 16

1797 21

1798 19

1799 18

1800 31

1801 18

1802 16

1803 17

1804 25

1805 26

1806 30

1807 24

1808 17 1

1809 27

1810 43

1811 31

1812

1813

1814

1815

1816

1817

1818

1819

1820

1821

1822

1823

1824

1825

1826

1827

1828

1829

1830

Total 1946 a 112 4 107 b

TOTAL: 2169

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136

Obs: 1. Os principais portos de destino da África Ocidental são: Costa da Mina (nome genérico - 95,5% dos

1946 registros), Calabar, Gabão e Cacheu; as lhas do Atlântico inclui Ilha de São Tomé, Ilha do Príncipe e Ilha de

Cabo Verde; África Central Atlântica inclui os portos de Benguela, Cabinda e Angola; África Oriental inclui o

porto da Ilha de Moçambique.

2. Embora o total de partidas de negreiros de Salvador para a África seja de 2274, em apenas 2169 registros foi

possível detectar a área africana de destino. Em 105 viagens, entre os anos de 1811 e 1815 nos é informado

apenas que o navio dirige-se para a Costa da África.

a – Foram incluídas quatro viagens nas quais não foi possível detectar os anos.

b – Foi incluída uma viagem na qual não foi possível detectar o ano.

Fontes: As mesmas do Anexo 1.

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Anexo 4: Procedência dos navios negreiros vindos da África que atracaram na Bahia, por

região e porto de embarque, 1776-1824

Entre 1776–1810 Entre 1811-1824 Entre 1776-1824 Região/Porto de

Embarque # % # % # % África Ocidental 378 70,6 98 40,3 476 61,2 “Costa da Mina” 352 93,3 85 85,9 437 92,0 “Baía do Benin” 2 2,0 - - 2 0,4

Calabar - 2 2,0 2 0,4 Rio dos Camarões 2 2,0 - - 2 0,4

Cabo do Lopo Gonçalves - - 2 2,0 2 0,4 Ilha de São Tomé e

Príncipe 24 6,4 6 6,1 30 6,3

África Central Atlântica 156 29,2 131 53,9 287 36,9 Luanda 98 62,8 23 17,5 121 42,2 Cabinda - - 37 28,2 37 12,9 Benguela 58 37,2 1 0,8 59 20,5 Loango - - 1 0,8 1 0,3

Rio Zaire - - 9 6,9 9 3,1 Ambriz - - 1 0,8 1 0,3

Molembo - - 59 45,0 59 20,5 África Oriental 1 0,2 14 5,8 15 1,9

Ilha de Moçambique 1 100 10 71,4 11 73,3 Quilimane - - 4 28,6 4 26,7

Total 535 100 247 a 100 782 a 100 Obs: a. inclui-se quatro navios provenientes da “Costa da África” Fonte: AHMS, Códices 178.1 , 182.1 , 56.2 e 56.3 ; BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil (de 21/05/1811-29/06/1819).

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138

Anexo 5: Concentração das entradas de negreiros provenientes da África no porto de Salvador (1788-1819)

Número de empresas Número de entradas Total de entradas

1 20 20 1 18 18 1 15 15 1 13 13 1 12 12 2 11 22 4 10 40 1 9 9 4 8 32 5 7 35 4 6 24 8 5 40

11 4 44 13 3 39 30 2 60 82 1 82

169 505

OBS: 1 - Os traficantes aparentados foram unidos em uma mesma empresa. Foi possível determinar a família a

partir da análise do sobrenome do armador, do navio, do capitão e do porto de comércio na África.

2 – Foram excluídas dessa tabela as viagens sem informação para o nome do armador, consignadas a mais de um

armador, e oito desembarques realizados nos navios de Vossa Majestade.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Salvador, Códices 178.1 e 182.1 e, na Seção de Obras Raras da Biblioteca

Nacional, o jornal Idade d’ Ouro (de 31/05/1811 a 29/06/1819).

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139

Anexo 6: Despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador para os principais destinos (1760-70)

Alagoas Bahia Colônia do Sacramento

Goiás Minas Gerais Pernambuco Piauí Rio de Janeiro

Rio Grande do Sul

# de escravos/despacho

# % # % # % # % # % # % # % # % # % 1 9 47,4 112 31,9 7 46,7 67 25,4 507 36,7 51 64,5 13 29,5 151 57,8 11 55,0 2 6 31,6 72 20,5 1 6,7 44 16,7 218 15,8 11 13,9 11 25,0 33 12,6 0 - 3 2 10,5 40 11,4 0 - 14 5,3 106 7,7 4 5,1 7 15,9 16 6,1 2 10,0 4 2 10,5 24 6,8 0 - 18 6,8 73 5,3 5 6,3 2 4,5 9 3,4 2 10,0

5-10 0 - 89 25,3 1 6,7 61 23,1 240 17,4 4 5,1 8 18,2 23 8,8 5 25,0 11-25 0 - 14 4,0 2 13,3 39 14,7 156 11,3 3 3,8 2 4,5 17 6,5 0 - 26-50 0 - 0 - 3 20,0 17 6,4 56 4,0 1 1,3 0 - 2 0,8 0 - 51-75 0 - 0 - 1 6,7 3 1,1 13 0,9 0 - 1 2,3 3 1,1 0 -

76-100 0 - 0 - 0 - 1 0,4 5 0,4 0 - 0 - 1 0,4 0 - < 100 0 - 0 - 0 - 0 - 6 0,4 0 - 0 - 6 2,3 0 - Total 19 100 351 100 15 100 264 100 1380 100 79 100 44 100 261 100 20 100

Fonte: APEB, Códice 249

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Anexo 7: Despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador para os principais destinos (1811-20)

Alagoas Bahia Maranhão Pernambuco

Piauí Rio de Janeiro

Rio Grande do Sul

São Paulo Sergipe # de escravos/despacho

# % # % # % # % # % # % # % # % # % 1 34 21,8 37 17,8 18 21,4 23 48,9 2 6,2 100 65,4 294 66,7 7 43,8 54 19,1 2 24 15,4 20 9,6 3 3,6 8 17,0 1 3,1 21 13,7 57 13,0 1 6,2 37 13,1 3 7 4,5 22 10,6 3 3,6 3 6,4 0 - 8 5,2 32 7,2 0 - 22 7,8 4 9 5,8 12 5,8 2 2,4 1 2,1 0 - 3 2,0 12 2,7 1 6,2 22 7,8

5-10 43 27,6 50 24,0 6 7,1 4 8,5 8 25 8 5,2 29 6,6 3 18,8 82 29,1 11-25 25 16,0 46 22,1 6 7,1 2 4,2 4 12,5 6 3,9 12 2,7 2 12,5 55 19,5 26-50 13 8,3 15 7,2 12 14,3 5 10,6 11 34,4 5 3,3 3 0,7 1 6,2 8 2,8 51-75 0 - 3 1,4 7 8,3 0 - 3 9,4 0 - 2 0,4 0 - 0 -

76-100 0 - 3 1,4 8 9,5 0 - 2 6,2 1 0,6 0 - 0 - 2 0,7 < 100 1 0,6 0 - 19 22,6 1 2,1 1 3,1 1 0,6 0 - 1 6,2 0 - Total 156 100 208 100 84 100 47 100 32 100 153 100 441 100 16 100 282 100

Fonte: APEB, Códice 252

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Fontes

1. Fontes manuscritas

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB)

Alvarás para navegar – códices: 439, 440, 443, 447, 449, 456 (1 vol. cada)

Fianças para navegar – códice: 626-3 (1 vol.)

Correspondências diversas - Mç 193 – “Diretoria da Fortaleza de Ajudá” – 1765/1799

Judiciário, Inventário de Custódio Ferreira Dias 4/1741/2211/5.

Coleções de Ordens Régias – 1650-1800.

Arquivo Histórico Municipal de Salvador (AHMS)

Livros de visitas à embarcações - códices 178.1, 182.1, 56.2 e 56.3 (1 vol. cada)

Arquivo Nacional –RJ (ANRJ)

Alfândega da Bahia – códice: 141 (17 vols.)

Fianças – códices: 157 (1 vol. cada)

Arquivo Histórico Ultramarino (AHU)

Coleção Castro e Almeida, Bahia – (cd-roms Projeto Resgate)

São Paulo, cx. 3, doc. 167

Museu Histórico das Bandeiras (MHB)

Colonial, Entradas, Vila Boa - 1815

2. Fontes Impressas ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976.

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