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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR NQ 1.300 - AM
(Registro n Q 98.0028684-5)
Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros
Agravante: Câmara Municipal de Parintins
Agravado: Carlos Alberto Barros Silva
Advogados: Drs. Washington Bolivar de Brito e outros, e Francisco Rodrigues Balieiro e outro
EMENTA: Processual - Medida cautelar - Prefeito - Cassação de mandato - Pendência de recurso judicial- Cautelar para imprimir efeito suspensivo.
- Em tema de cassação de mandato, aconselha-se, em regra, que o titular da investidura popular espere no exercício o julgamento do processo judicial pendente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro Garcia Vieira, negar provimento ao agravo regimental. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Demócrito Reinaldo.
Brasília, 22 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DJ de 24-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: A decisão agravada expressa-se nestes termos:
"O Demandante é Prefeito do município de Parintins, exercendo mandato recebido através de eleições.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 41
Ele pediu ao egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, Mandado de Segurança contra ameaça partida da Câmara Municipal.
Afirma que se desenvolvem, naquela casa legislativa, dois procedimentos com o escopo de cassar o mandato popular que lhe foi outorgado.
Alega que o procedimento está repleto de irregularidades, dentre as quais avultam-se:
1. a pretensão de fazer retro agirem tipos disciplinares, criados em leis mais recentes que os fatos supostamente ilícitos;
2. a presença, nas comissões de processo, de pessoas impedidas e suspeitas;
3. recebimento dos acusações, em decisões tomadas por número insuficiente para a instauração do procedimento.
o Relator deferiu liminarmente a Segurança, para o efeito de suspender a tramitação dos procedimentos (fls. 922/23).
No julgamento coletivo, em acórdão majoritário, denegou-se o Mandado (fls. 1.033 e segts.).
O indeferimento da Ordem fincou-se nos argumentos de que:
1. não há como pensar em retroatividade da lei punitiva, porque o DL 201/67 continua em vigor;
2. os ilícitos imputados ao ora demandante estão descritos no art. 4º do DL 201;
3. não há qualquer ofensa ao contraditório ou à defesa do acusado;
4. não é lícita a ingerência do Poder Judiciário em questões interna corporis do Poder Legislativo;
5. a pretensão do ora demandante pode ser discutida em processo ordinário - jamais no âmbito estreito do Mandado de Segurança.
O Acórdão é desafiado por recurso ordinário.
Neste processo cautelar, o demandante pede se empreste efeito suspensivo ao recurso ordinário, para que continue suspenso o curso dos procedimentos.
Esta, em resumo, a controvérSIa.
O Acórdão que denegou a Segurança monta-se em argumentos respeitáveis. No entanto, o eminente Relator, vencido no julgamento, votou pela concessão da Ordem, impressionado com a in definição da Lei Orgânica do município, no que se refere à definição dos crimes e infrações político-administrativas. Os argumentos desenvolvidos naquele voto também me impressionaram.
Está em jogo o exercício de mandato recebido através de eleições populares. Tal mandato deve ser garantido, até cabal demonstração de que o respectivo mandatário dele se tornou indigno.
42 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Tão nefasto quanto à manutenção do mandato outorgado a prefeito desonesto é o aproveitamento da fragilidade parlamentar em que se encontre o mandatário, para retirar-lhe o poder outorgado pela soberania popular.
Defiro a cautela, liminar e provisoriamente, para restaurar a eficácia da liminar adotada pelo E. relator, mantendo em suspenso, os Processos 3/97-CMP e 4/97-CMP.
Intimem-se. Cite-se."
o Agravo Regimental monta-se nos argumentos de que:
a) o recurso ordinário a que se imprimiu efeito suspensivo ampara-se no argumento de que o Decreto-Lei 201/67 foi derrogado pela Constituição Federal de 1988. Este argumento, contudo, foi repelido pelo Supremo Tribunal Federal, em reiterados precedentes;
b) as demais nulidades apontadas no recurso ordinário não existem;
c) em tema de periculum in mora, risco maior corre o povo do Município, na conjuntura de suportar governante no qual já não tem confiança.
o Ministério Público Federal manifestou-se em parecer lançado pelo eminente Subprocurador-Geral da República, Henrique Fagundes. Recomenda o deferimento da cautela.
Este, o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): O Parecer do Ministério Público ampara-se em arrazoado que reproduzo parcialmente, a seguir:
"2. São os seguintes os antecedentes fático-jurídicos embasadores da presente ação:
Por deliberação plenária, a Câmara Municipal de Parintins houve por bem instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a fim de apurar irregularidades na distribuição de merenda escolar, naquele Município.
Dentre os atos, tidos por abusivos e ilegais pelo requerente, praticados pela referida Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), está a quebra do sigilo de uma conta bancária da Prefeitura Municipal, mantida junto ao Banco do Brasil, em que eram movimentados os fundos destinados à merenda. Alega, ainda, na inicial, haverem os membros da CPI fornecido, a um ativista do Partido dos Trabalhadores, o relatório final da averiguação, para que este viesse a oferecer denúncia contra o requerente, de modo a conduzir à cassação de seu mandato. Apresentada aquela e aceita pela maioria simples dos membros da Câmara Municipal, originou-se o processo de sua cassação.
Sustenta o proponente que o poder de determinar a quebra do sigilo bancário somente é atribu-
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ído às Comissões Parlamentares de Inquérito do Congresso N acionaI, isto é, às Comissões de âmbito federal.
Posteriormente, tendo o Presidente do Poder Legislativo local assumido, em caráter interino, a Chefia do Poder Executivo daquele Município, nova denúncia veio a ser formulada, tendo por fundamento a propositura de uma ação executiva pela empresa Opção Turismo Ltda. contra a Prefeitura do Município de Parintins - que fora embargada, com suscitação de incidente de falsidade, ainda não decidido -, por falta de pagamento de passagens aéreas, com destino a Zurique, emitidas em nome do ora requerente e de outras pessoas.
Estranhamente, nessa ação de execução ocorreram em um mesmo dia, qual seja, dia 12 de dezembro de 1997, os seguintes atos: o protocolo, a distribuição, a autuação, o despacho ordenando a citação, a expedição do mandado citatório, a citação e a devolução do mandado ao Cartório da 3ª Vara da Comarca de Parintins, tendo o ato citatório se efetuado na pessoa do Presidente da Câmara Municipal, então no exercício da Chefia daquela Prefeitura, que, possuindo cópias da mencionada ação executiva, as forneceu a terceiro para que nova acusação fosse feita. Recebida esta por dois terços dos membros daquele Poder Legislativo local, teve origem outro processo de cassação contra o requerente, por se
ausentar do país sem a devida autorização.
Sustenta o proponente ter havido ofensa a direito líquido e certo seu, em ambos os processos contra si instaurados - que, segundo afirma, já se encontram em fase final -, eis que eivados de ilegalidades e de abuso de poder.
A primeira violação indica afronta à Constituição Federal pelo Decreto-Lei 201/67, em especial, por seus artigos 4Q usque 8Q
- contenedores de normas definidoras das infrações político-administrativas passíveis de cometimento por Prefeitos e Vereadores e do procedimento de seu julgamento -, os quais, no entender do requerente, não foram recepcionados pelo novel ordenamento constitucional.
Transcrevendo os artigos 22, 23 e 24, da Carta Constitucional, o promovente sustenta não competir mais à União legislar sobre o tema, mas, sim, aos Municípios, de acordo com o disposto no artigo 29, caput e inciso XI e no artigo 30, inciso I, do mesmo Diploma Maior.
Aduz a nulidade dos processos de cassação por inobservância aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da autonomia municipal, haja vista que, face ao contido nos artigos 18,29, incisos IX e XIV, bem como no artigo 30, I, ambos da Constituição Federal, deveriam estar insertas na Lei Orgânica do Mu-
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· mClplO as normas atinentes à perda de mandato por prefeito e o respectivo procedimento a ser seguido. Trouxe aos autos entendimento doutrinário corroborando sua tese, bem como, a título de exemplificação, citou a Lei Orgânica do Município de Manaus.
Sustenta a inexistência de norma que o obrigasse a se submeter à autorização legislativa prévia para sair do país, uma vez que nada dispunha a Lei Orgânica Municipal quando de sua notificação, aos 07.01.88, para defender-se no processo cassatório, somente tendo sido publicada lei nesse sentido posteriormente (Lei 01/93), aos 28.01.88, vindo a alterar os artigos 35, 36, 63 e 66, da Lei Orgânica do Município, passando esta a exigir, então, autorização da Câmara Municipal para que o Prefeito se ausentasse do país.
O impetrante se insurge, ainda, contra a possibilidade de, em nível municipal, bastar a aprovação da maioria simples para a instauração de um processo de impeachment, ao passo que, em nível tanto federal quanto estadual, são necessários dois terços de votos dos parlamentares, agredindo-se, frontalmente, destarte, os princípios federativo e da simetria, que imperam em nosso ordenamento jurídico. Conseqüentemente, o recorrente pretende a declaração de inexistência dos atos subseqüentes ao oferecimento da denúncia.
Acrescenta a exordial a inobservância, pela Comissão Parla-
mentar de Inquérito, dos princípios da moralidade e da legalidade, em decorrência de também haverem participado da votação os mesmos parlamentares que requereram a sua instalação.
Aduz a ilegalidade de a CPI ter ouvido testemunhas não arroladas por qualquer das partes -denunciado ou denunciante - e, mais, de a oitiva de quase todas ter ocorrido sem que o denunciado ou seu defensor estivessem presentes, violando-se os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, porquanto a ausência se dera em razão de ter havido mudança no local da audiência que, em vez de ocorrer na Câmara do Município de Parintins, como constara do mandado de intimação, realizou-se no escritório do advogado da requerida, em Manaus.
Afirma, na longa peça inaugural, estarem presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, imprescindíveis à procedência do processo cautelar.
A segurança fora impetrada, com pedido liminar, que lhe foi concedido pelo eminente Des. Ubirajara Francisco de Moraes, Relator do writ, às fls. 924/925, determinando a suspensão dos processos cassatórios até o julgamento final do mandamus.
O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, ao julgar a ordem, decidiu, por maioria, denegar a segurança pleiteada, contra o que se insurgiu o im-
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petrante por meio do recurso ordinário a que pretende atribuir efeito suspensivo com a presente ação cautelar.
3. Expostos os fatos e fundamentos jurídicos apresentados pelo requerente, passa-se à sua análise.
Como se vê, cuida-se de ação cautelar destinada a emprestar efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto, a esse Colendo Superior Tribunal de Justiça, da decisão denegatória de mandado de segurança impetrado no egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.
O periculum in mora, para a concessão da pretensão de cautela, se acha configurado, dado que, de fato, até o julgamento do recurso do amparo por essa Colenda Corte, bem será possível que se tenha operado a cassação do impetrante.
Também, quanto ao fumus bonijuris, insinuam-se direitos subjetivos do impetrante, possivelmente feridos pela Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada pela Câmara Municipal de Parintins, a serem, todavia, melhor analisados na ação mandamental. Por ora, basta mencionar, nesse compasso, a quebra do sigilo bancário da conta corrente do impetrante, determinada pelos edis de Parintins; ajunte-se a isso, a oitiva de testemunhas em Manaus, sem que dessa audiência fosse o impetrante previamente avisado, o que viola, à primeira vista, os princípios do con-
traditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Tudo isso, é certo, poderá, no exame do mandado de segurança, resultar plenamente justificado, mas, no âmbito estreito da pretensão cautelar é o quanto basta para que se a conceda até o julgamento do writ por essa Corte.
4. Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pela concessão da cautela, restabelecendo-se, assim, a liminar outrora deferida." (fls. 1.158/1.164)
Malgrado 'l.S seguras razões em que se fundç menta o agravo regimental, acato a recomendação do Ministério Público Federal.
Em processo anterior (MC 1.184), manifestei a convicção de que em tema de cassação de mandatos, aconselha-se, em regra, que o titular da investidura popular espere no exercício o julgamento do processo judicial pendente.
Naquele processo, eu disse:
"A inicial deixa a impressão de que o Demandante está sob ameaça de afastar-se da Presidência em que foi investido.
Tal afastamento implicará, obviamente, em profunda mudança na administração do Conselho. Mudanças de tal quilate, normalmente, deixam seqüelas. Por isto somente devem ser efetivadas quando resultantes de atos consistentes."
46 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Em outra oportunidade, apreciando questão semelhante, observei:
"Verifico a ocorrência de perigo de lesão irreversível: o mandato eleitoral é conferido a prazo fixo; assim, não é possível sua prorrogação pelo tempo em que esteve suspenso. O perigo de dano irreparável é manifesto." (MC 492)
Em homenagem à coerência e à recomendação do Ministério Público, nego provimento ao agravo.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, entendo que não se trata de caso de cautelar. O mandado de segurança foi denegado. Isso para mim é uma prova irrefutável de que não existe aparência do bom direito, não caracterizando o primeiro requisito para a concessão da cautelar. Nessa hipótese, existe o perigo da demora; mas, se não estão presentes ambos os recursos, não se pode conceder a caute-
lar. Não podemos suspender uma decisão que é denegatória. A decisão do tribunal de origem foi denegando a segurança. Aquela liminar que foi concedida ficou sem efeito nos termos da Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal. Como bem lembrou o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira, temos precedentes desta Turma no sentido de que, quando a decisão é denegatória, não podemos suspender os efeitos dessa decisão a não podemos também dar efeito suspensivo ao recurso, embora o eminente Ministro-Relator informe que o pedido não é para dar efeito suspensivo ao recurso e sim para suspender a execução do acórdão. Mas, tanto faz porque, neste caso, não podemos dar efeito suspensivo ao recurso, porque a decisão foi denegatória. Não há o que suspender. Vamos conceder essa cautelar para que efeito? Não podemos dizer que é para suspender os efeitos do acórdão. Não podemos dar uma cautelar para suspender o processo administrativo.
Peço vênia ao eminente Ministro Relator para divergir do voto de S. Exa.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL NQ 148.825 - PE (Registro nQ 97.0066014-1)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado Agravante: Siqueng Construções e Empreendimentos Ltda. Advogados: Drs. Mara Regina Siqueira de Lima e outros Agravada: Fazenda Nacional Procuradores: Drs. Adonias dos Santos Costa e outros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (1l0): 39-128, outubro 1998. 47
EMENTA: Processual Civil. Agravo regimental. Inexistência de omissão em embargos de declaração proferido no Tribunal a quo. Matéria não suscitada na época oportuna. Preclusão verificada. Inteligência de dispositivos do Código de Processo Civil. Agravo conhecido e improvido.
1. Após o pronunciamento do julgador singular, com a interposição, tempestiva, de recurso de apelação, e não tendo a parte apelante, em nenhum momento, requerido a aplicação dos índices inflacionários expurgados pelos planos econômicos governamentais, com a conseqüente alteração da conclusão da r. sentença, nos termos solicitados por via de agravo regimental, deixou-se precluir o direito para tanto (art. 473, CPC).
2. Compete à parte alegar, na época própria, toda a matéria que pretenda ver examinada pela Instância ad quem, matéria essa que se submete à preclusão. Não o fazendo, inviabiliza-se o exame de questão suscitada, apenas, em sede de embargos de declaração em Acórdão.
3. Inexiste violação ao art. 267, § 3º, do CPC, quando não estão elencadas no rol do referido dispositivo legal as matérias aventadas em vias de agravo regimental; nem tampouco por não terem sido as mesmas alegadas na primeira oportunidade em que a agravante teve para falar.
4. O não acatamento das argumentações deduzidas no recurso, não implica em omissão, posto que, ao julgador, cumpre apreciar o tema de acordo com o que reputar atinente à lide.
5. Inexiste norma legal que impeça o juiz, ao proferir sua decisão, que a mesma tenha como fundamentação outro julgado, e até, mesmo que o Juízo ad quem não se baseie, no todo ou em parte, em sentença de primeiro grau prolatada no mesmo feito que se analisa. Destarte, não está obrigado o Magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131, do CPC), utilizandose dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto.
6. Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri-
bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Participaram do julgamento os Srs.
48 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo e Milton Luiz Pereira, Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.
Brasília, 17 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 27-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Cuida-se de Agravo Regimental interposto por Siqueng Construções e Empreendimentos Ltda. contra decisão que negou seguimento ao Recurso Especial em epígrafe.
A decisão agravada está assim espelhada (fls. 215):
"'A Fazenda Nacional, via presente recurso especial, pretende modificar acórdão com fundamento e conclusão sintetizados na ementa seguinte (fls. 128):
"Tributário. Finsocial. Contribuições para a Seguridade Social (Finsocial e Cofins). Compensação. Possibilidade.
Restituição autorizada sob a forma de compensação".
Alega que houve violação ao art. 66, §§ 1º e 4º, da Lei nº 8.383/90, bem como divergência jurisprudencial.
A parte recorrida apresentou contra-razões, louvando o acórdão hostilizado.
Há, também, recurso especial da empresa. Esta invoca infringência ao art. 538, do CPC, e divergência jurisprudencial, por lhe ter sido imposta multa em embargos declaratórios.
A Fazenda Nacional não contrariou o mencionado recurso.
É o relatório. Decido (art. 38, da Lei nº 8.038/90, c/c o art. 557, do CPC).
Os recursos especiais interpostos e ora examinados não têm qualquer possibilidade de serem conhecidos.
O tema compensação do Finsocial com a Cofins está amplamente pacificado no âmbito das 1 ª e 2ª Turmas deste Tribunal, em face de pronunciamento a respeito proferido pela 1 ª Seção, quando, pela maioria de um voto, ficou estabelecido que, da conformidade com a interpretação expedida pelo art. 66, da Lei nº 8.038/90, o contribuinte está autorizado a efetuar a compensação do Finsocial e a Cofins, inclusive com outros tributos, independentemente de qualquer autorização do Fisco e só pela via de autolançamento, embora sujeite-se ao controle posterior da fiscalização.
Em inúmeras decisões das 1 ª e 2ª Turmas sobre o assunto tal tese tem sido reafirmada, como revela o noticiário jurisprudencial da Corte plantado no Diário da Justiça.
O recurso da empresa não tem qualquer amparo legal. A multa
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aplicada pelo acórdão recorrido tem sua sustentação em matéria de fato, isto é, no fato dos embargos de declaração terem sido apresentados com fins indevidos.
Impossível, em fase de recurso especial, rever tal posicionamento.
Ademais, conforme revelado nos autos, a impertinência dos embargos de declaração é evidente. A recorrente insiste, embora devidamente esclarecido nos autos, em inovar nas razões processuais, após a causa ter sido julgada, subvertendo o sistema processual e agredindo a segurança que o julgado deve expelir.
Em face das razões supradesenvolvidas, por considerar ser manifesta a impossibilidade de conhecer dos recursos especiais examinados, nego-lhes seguimento, conforme permissão do art. 38, da Lei nº 8.038/90, c/c o art. 557, do CPC".
Alega a Agravante que a decisão ora impugnada há de ser reformada, visto que a mesma, ao negar provimento ao recurso especial interposto, deixou de apreciar os embargos de declaração propostos a fim de que lhe fossem concedidos os índices inflacionários expurgados pelos planos econômicos governamentais.
Tece explanação sobre os requisitos de admissibilidade de embargos declaratórios, pugnando, alfim, pela reforma da decisão agravada.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Não merece prosperar a irresignação da Agravante. Mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos e pelos a seguir delineados.
Em síntese, os fatos até o presente momento assim transcorreram:
a) a agravante impetrou Ação Mandamental no intuito de deixar de pagar a exação do Finsocial (DL nº 1.940/82) e compensar as respectivas parcelas pagas a maior com a Cofins, com a aplicação da correção monetária através do IPC/INPC;
b) a r. sentença concedeu parcialmente a segurança, para, apenas, afastar a incidência do Finsocial;
c) sem interposição de embargos declaratórios, a parte propôs Apelação (fls. 116/117), requerendo, unicamente, o direito de compensar os valores que excederam a 0,5% (meio por cento), a título do Finsocial, com a Cofins;
d) o v. acórdão acatou, in totum, o único recurso voluntário, autorizando a compensação postulada;
e) inconformada, em parte, opôs a empresa agravante embargos de declaração, a fim de que lhe fossem concedidos os índices inflacionários expurgados pelos planos econômicos governamentais, ou seja, IPC/INPC;
50 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
f) com fulcro no art. 557, do CPC, o ilustre relator a quo negou seguimento aos embargos, ao fundamento de que "a embargante não fez nenhum pedido similar (correção monetária) ao expor as razões de sua apelação. Apenas argumentou a plausibilidade do direito à compensação que fora indeferido em Primeira Instância";
g) contra tal decisão estampouse agravo regimental, tendo sido ao mesmo, à unanimidade, negado provimento;
h) mais uma vez interpôs a ora agravante embargos de declaração, com os propósitos já citados, os quais não foram conhecidos, com aplicação da multa prevista no § único, do art. 538, do CPC, no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com a conseqüente interposição do presente recurso especial.
Este, em suma, o panorama dos autos em apreço.
O ponto crucial da manifestação da empresa agravante é a apreciação do pedido da correção monetária pelos índices do IPC/INPC, da Fundação IBGE.
Laborou em equívoco a Agravante. Primeiro, não houve renovação do pedido vestibular na Apelação interposta. Segundo, somente em sede de embargos de declaração no Tribunal a quo, cuidou-se de cogitar da questão da correção monetária.
Deveria tê-lo feito, todavia, repito, nas razões do recurso apelativo,
a fim de que a matéria fosse apreciada na Segunda Instância.
Não houve, assim, a alegada omissão no v. Acórdão atacado, pois a matéria não foi suscitada na oportunidade em que a ora Agravante teve para se pronunciar.
Entendo pertinente, também, registrar os dispositivos abaixo espelhados da Lei Adjetiva Civil, para melhor elucidação da quaestio.
Conforme se verifica, teve a Agravante seu momento processual oportuno para se manifestar sobre a questão suscitada no presente agravo. E não o fez, por livre e espontânea omissão.
Mesmo após o pronunciamento do preclaro julgador singular, permaneceu inerte a Agravante, por ter deixado transcorrer in albis o prazo para se manifestar sobre sua irresignação. Em nenhum momento a agravante requereu que a motivação e conseqüente conclusão da r. sentença fosse alterada nos termos rebatidos. Ou seja, deixou precluir o direito para tanto. Vejamos:
"Art. 473, CPC - É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão."
Não houve violação, porque se tem o confronto com o alegado resguardado no previsto no art. 267, § 3Q
,
também do CPC, ipsis litteris:
"O juiz conhecerá de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida
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sentença de mérito, da matéria constante dos números IV, V e VI; todavia, o réu que não a alegar, na primeira oportunidade em que lhe cabia falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento."
Reafirmo que não houve violação, pois: a uma, não estão elencadas no rol acima exposto do art. 267, § 39 ,
as matérias aventadas neste Agravo; a duas, tomando-se hipoteticamente que assim estivessem, não foram as mesmas alegadas na primeira oportunidade em que a Agravante teve para falar (Apelação).
N este diapasão, discorro, ainda, que o juiz deve proferir suas decisões conforme os fatos e circunstâncias que são postos à sua disposição e de acordo com o seu livre convencimento (o que entendo ter sido feito).
N'outra esteira, entendo que não se pode aplicar ao presente caso os arts. 515 e 516, do CPC.
A priori, afasto a aplicação, à espécie, do art. 516, visto que o mesmo é expresso quando afirma que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada". Ora, a Apelação foi exclusivamente interposta pelo particular. O artigo em comento consagra, basicamente, o princípio tantum devolutum quantum appellatum. O renomado jurisconsulto Theotonio Negrão explicita:
"A apelação será apreciada nos limites especificados pelo próprio recorrente (v. arts. 505 e 512, in
fine), assim como as questões exammaveis de ofício (art. 29 ,
nota 1), salvo as cobertas pela preclusão (com ressalva do art. 267, § 39 , nota 55). Nesse sentido: RF 291/243."
Convém repetir que o vencedor não tem interesse em apelar (v. nota 4 ao art. 499) e, por isso mesmo, toda a sua defesa deve ser apreciada pelo tribunal, conquanto que a ela se reporte em contra-razões (argumento dos arts. 505 e 512); p. ex.: a prescrição (RTJ 72/449, JTA 108/398). Do contrário, seria mister que o CPC lhe desse a possibilidade de também recorrer, embora vencedor."
"A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, art. 515 do CPC. Ampliando o efeito devolutivo da apelação, o tribunal a quo afrontou a regra inscrita no art. 515 do CPC'. (STJ - 6ª Turma, REsp 28.459-8-SP, reI. Min. Vicente Cernicchiaro,j. 29.10.92, não conheceram, v.u., DJU 17.5.93, pág. 9.365, 2ª col., em.)"
"Tantum devolutum quantum appellatum (RTJ 82/288, RT 499/159): só a matéria 'impugnada' (quando a impugnação depende de iniciativa da parte, sem a qual não possa o juiz apreciá-la de ofício), que sobe ao conhecimento do tribunal, com as restrições dos arts. 505 e 512, in fine." (sem grifos e destaques na obra transcrita).
52 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
No que pertine ao art. 516 - "ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas" -, permito-me, mais uma vez, reportar-me ao mestre Theotonio Negrão, verbis:
"e aquelas sobre as quais não se forma preclusão (v. nota 55 ao art. 267); v. tb. art. 473."
"O preceito supra se aplica unicamente às questões que, por não terem sido anteriormente decididas, não poderiam constituir objeto de agravo. Se foram decididas anteriormente, este deve ser interposto, pena de preclusão, salvo o disposto no art. 267, § 3Q
."
"N ada obsta a que a parte interponha simultaneamente agravo e apelação, desde que esteja no prazo para ambos e que separe, em cada recurso, as questões que autorizam (RT 550/194). Solução mais prática foi dada à hipótese pelo STF: a questão anterior à sentença 'pode ser impugnada na apelação, prescindindo do agravo de instrumento (CPC, art. 516), se o prazo do recurso o comporta' (STF - 2ª Turma, Ag 76.296-5-AgRg,j. 7.8.79, negaram provimento, v.u., DJU 24.8.79, pág. 6.252, 4ª col., em.); neste sentido: JTA 102/53."
Deveras, como se pode observar, as teses suscitadas pela Agravante não se enquadram em quaisquer das hipóteses suso mencionadas, quer do artigo 515, quer do 516.
A enriquecer o presente voto, registro que a solução foi brilhante-
mente desvendada pelo eminente relator do TRF da 5a Região, Juiz Ridalvo Costa, litteratim:
"Sustenta a embargante que exsurge do aresto atacado ponto omisso acerca da inclusão dos índices de correção monetária CIPC's de 70,28%; 84,32%; 44,80% e 7,87%) aos créditos concernentes ao que fora recolhido indevidamente.
A embargante não fez nenhum pedido similar ao expor as razões de sua apelação. Apenas argumentou a plausibilidade do direito à compensação que fora indeferido em Primeira Instância.
O acórdão embargado foi proferido nos limites do pedido, não estando compelido a reportar-se aos pretensos índices de atualização monetária, que não foram objeto de apelação.
Inexiste, pois, a alegada omissão.
Ausentes os pressupostos específicos do art. 535 do CPC: omissão, obscuridade ou contradição". (fls. 155).
E mais adiante desenvolve:
"A decisão agravada foi proferida com base no art. 557, do CPC, com a nova redação dada pela Lei 9.139/95:
"Art. 557 - O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à Súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior".
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (1l0): 39-128, outubro 1998. 53
Comentando o dispositivo acima, ensina o mestre Cândido Rangel Dinamarco:
" ... O seguimento deve ser denegado pelo relator, para evitar delongas desnecessárias, (a) quando o recurso for manifestamente inadmissível (caso de não-conhecimento), ou (b) quando manifestamente for o caso de improvimento, antecipando-se o relator ao que provavelmente a Turma Julgadora faria, (c) quando ele estiver prejudicado, ou (d) quando contrariar súmula do próprio tribunal ad quem ou dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso).
Entre os casos de recurso prejudicado está aquele em que o juiz a quo comunicar haver-se retratado por inteiro (art. 529).
É claro que, ao conferir ao relator poderes assim tão amplos a nova lei assumiu o risco de abrir caminho para erros de um juiz singular julgando recursos e sua admissibilidade. Mas é inerente à vida de todo processo um sistema de certezas, probabilidades e riscosa ser equilibrado mediante a oferta de meios corretivos dos erros que porventura se cometam. Por isso, institui-se o agravo a ser interposto em cinco dias pela parte que tiver seu agravo de instrumento contrariado pelo relator (art. 577, par.). Equilibrou-se o sistema.
Espera-se agora essa prática seja posta em atuação, para maior celeridade no julgamento dos recursos e diminuição da avalanche de casos a julgar em colegiado - tudo sem grandes riscos de injustiça, como sucede no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça". (in "A Reforma do Código de Processo Civil", Malheiros, 3ª edição, 1996, págs. 190/191).
Ao prolatar a decisão agravada apenas dei interpretação à norma que faculta ao relator o poder de indeferir de plano o recurso que não preencha os requisitos de admissibilidade. Na hipótese vertente, não ocorreu a omissão alegada pela empresa embargante, segundo a qual o aresto atacado não teria feito menção acerca da inclusão dos índices de correção monetária (IPCS de 70,28%; 84,32%; 44,80% e 7,87%) aos créditos concernentes ao que fora recolhido indevidamente a título de Finsocial, conforme postulação inicial. A questão não havia sido suscitada nas razões de apelação, razão pela qual o acórdão embargado não estaria compelido a reportar-se aos pretensos índices de atualização, por não ter sido decidido pela sentença, nem foi objeto de embargos de declaração em primeira instância. Ausentes os pressupostos de admissibilidade dos embargos de declaração, deveriam eles ser interceptados como foram, por ato do relator". (fls. 170/171).
Por fim, atesta o MM. Relator:
54 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
"A embargante reitera mais uma vez os argumentos expendidos nos embargos declaratórios cujo seguimento foi negado por não preencher os requisitos de admissibilidade.
Sustenta que o aresto atacado não teria feito menção acerca da não inclusão dos índices de correção monetária (IPC'S de 70,28%; 84,32%; 44,80% e 7,87%) aos créditos concernentes ao que fora recolhido indevidamente a título de Finsocial, conforme postulação inicial.
A questão não havia sido suscitada nas razões de apelação, razão pela qual o acórdão embargado não estaria compelido a reportar-se aos pretensos índices de atualização, por não ter sido decidido pela sentença, nem foi objeto de embargos de declaração em primeira ~nstância.
Ausentes os pressupostos de admissibilidade dos embargos de declaração, deveriam eles ser interceptados como foram, por ato do relator, razão pela qual não foi dado provimento ao agravo.
Ante o exposto e na ausência dos pressupostos previstos no art. 636 do CPC, não conheço dos embargos, manifestamente protelatórios, ora reiterados, aplicando, em conseqüência, a multa prevista no parágrafo único, in fine, do
art. 638 do CPC, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa". (fls. 182).
Verifica-se, destarte, que a agravante deixou precluir o seu direito de requerer a correção monetária nos moldes expostos.
O não acatamento das argumentações contidas no recurso não implica em cerceamento de defesa, posto que ao julgador cabe-lhe apreciar a questão de acordo com o que ele entender atinente à lide.
Inexiste norma legal que impeça o juiz, ao proferir sua decisão, que a mesma tenha como fundamentação outro julgado, e até, mesmo que o Juízo ad quem não se baseie, no todo ou em parte, em sentença de primeiro grau prolatada no mesmo feito que se analisa. Destarte, não está obrigado o Magistrado ajulgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131, do CPC), utilizando-se dos fat0i'!, provas,jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto.
Assim tenho por analisados e encerrados os temas suscitados no presente recurso.
Por tais considerações, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 66
RECURSO ESPECIAL Nº 35.061-3 - RJ
(Registro nº 93.0013341-1)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrentes: Magildo Lima de Almeida e cônjuge
Recorrida: Letra S.A. Crédito Imobiliário
Advogados: Drs. Relina de Moura Luz Rocha, e Wandilce Monteiro de Souza Diniz e outros
EMENTA: Processual Civil - Execução - Citação editalícia -Embargos de devedor - Nomeação do Curador Especial - Lei 5.741/71- Artigos 92, lI, 319, 320, 322 e 601, CPC.
1. Afastando-se exegese literal, compreende-se que, embora o executado não seja citado para contestar, mas para impugnar, não comparecendo, no seu significado amplo, viceja a revelia. O Curador oficia, com amplitude admitindo-se que deduza os pontos possíveis. O sistem.a do Código não se compadece com a interpretação que restrinja o conceito de revelia.
2. "A jurisprudência do STJ acolheu entendimento no sentido de que o curador especial (ad litem) tem legitimidade para opor Embargos do Devedor em Execução, onde o executado, citado por edital, remanesce revel. Trata-se, segundo a doutrina, de exigência de defesa do revel pelo curador e tem fundamento no princípio do contraditório, pois não se sabe se ele - o réu revel - não quis contestar ou não pôde, ou mesmo não soube da citação" (REsp 32.623-4-RJ - ReI. Min. Waldemar Zveiter).
3. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Demócrito Rei-
naldo e Humberto Gomes de Barros. Ausente,justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Demócrito Reinaldo.
Custas, como de lei. Brasília, 20 de março de 1995
(data do julgamento). Ministro DEMÓCRITO REINAL
DO, Presidente'. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Relator.
Publicado no DJ de 17-04-95.
56 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Por maioria, a colenda Sexta Câmara do Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro improveuApelação Cível, nos termos da ementa, in verbis:
"Execução hipotecária da Lei n Q 5.741/71- Embargos de Devedor, opostos pela Curadoria Especial- Por não ser esta substituta processual dos devedores, falece-lhe legitimidade para interpor tais Embargos - Extinção do processo decretada, que ora se confirma" (fl. 46).
Nos Embargos Infringentes interpostos, aquele e. Tribunal os rejeitou em acórdão assim ementado:
"Embargos de devedor. Execução hipotecária fundada na Lei 5.741/71. Competência da J ustiça Estadual para processá-la. Nos processos de execução não tem aplicação a regra do art. 9Q
,
n Q II da lei instrumentária. Ilegitimidade da Curadoria Especial para propor ação incidental de embargos, em nome do devedor inadimplente" (fl. 74).
No Recurso Especial (art. 105, III, a e c, CF) insurgem-se os Recorrentes contra a compreensão defendida no v. aresto objurgado que considera o Curador Especial parte ilegítima para interpor embargos em favor de executado citado por edital, o que contraria os artigos 9Q
,
II e 745, do Código de Processo Ci-
vil e diverge do entendimento esposado pela Suprema Corte.
Aduziram que, quanto à citação por edital, quando ainda não esgotados os meios para localização dos executados, restaram contrariados os artigos 231, inciso II, do Código de Processo Civil e 38, do Código Civil.
A Recorrida invoca o teor da Súmula 400/STF para justificar a inadmissibilidade recursal.
O e. Tribunal a quo admitiu o Recurso porque:
"Tanto na doutrina como najurisprudência, o entendimento acerca da legitimidade da Curadoria Especial para integrar o pólo ativo da ação incidental de embargos do devedor, é conflitante.
Com base na alínea c, o alegado dissídio restou demonstrado dentro dos parâmetros estabelecidos no artigo 255 e seus parágrafos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. A matéria recebeu efetivamente tratamento jurídico diverso.
No caso em espécie, entendo presentes os pressupostos viabilizadores da abertura da instância excepcional, bem como os requisitos de admissibilidade do recurso especial, quais sejam, o prequestionamento da matéria, a exposição da controvérsia em toda a sua plenitude e a existência do fumus boni iuris" (fl. 108).
É o relatório.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 57
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): A insurgência recursal revela que, em execução hipotecária (Lei 5.741/71), não encontrados no local da situação do imóvel, os executados foram citados por edital, ficando revéis, dando-se-Ihes Curador Especial que apresentou Embargos de Devedor.
N o juízo monocrático, sob as alvíssaras da falta de legitimidade do Curador Especial, o processo foi extinto (art. 267, IV a VI, CPC) e no julgamento da apelação, confirmando a sentença, nos Embargos Infringentes rejeitados, assentando o v. acórdão:
"Embargos de devedor. Execução hipotecária fundada na Lei 5.741/71. Competência da Justiça Estadual para processá-la. N os processos de execução não tem aplicação a regra do art. 9º, nº II da Lei instrumentária. Ilegitimidade da Curadoria Especial para propor ação incidental de embargos, em nome do devedor inadimplente."
Presentes os seus requisitos, o recurso merece ser conhecido (art. 105, III, c, C.F.).
Aberto o pórtico para o exame, sublinha-se tormentosa questão jurídica, amiúde, enfrentada pela doutrina e Tribunais, consubstanciando julgados divergentes quanto à necessidade, ou não, de Curador Especial para o devedor revel no processo de execução.
Enfrentando o tema, com objetividade e erudição, o eminente Desembargador Gil Trotta Telles, do Tribunal de Justiça do Paraná, posicionando-se contrariamente, comentou:
omissis
"De notar-se, inicialmente, que não é a qualquer réu citado por edital ou com hora certa que caberá dar curador especial, mas somente ao revel citado por essas formas.
Revel, no sistema do Código de Processo Civil, é exclusivamente o réu que não apresenta contestação, no prazo legal, segundo se infere da primeira parte de seus artigos 319 e 324. Os artigos 13, inciso II, 265, § 2º, e 296, § 3º apenas aparentemente aludem a outra espécie de revelia, pois na realidade, neles o réu é tratado como se fosse revel.
Ora, no processo de execução, não há que se falar em contestação. Nele, o devedor não é citado para se defender, porém para cumprir o julgado, como se dessume dos artigos 621, 632 a 652 do referido diploma legal.
Conseqüentemente, não existe revelia nem revel no processo de execução.
Assim sendo, parece que se deve responder de forma negativa à pergunta formulada inicialmente.
Contudo, a situação do réu revel, no processo de conhecimento, não seria semelhante à do de-
58 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
vedor que não apresenta embargos, no processo de execução, de maneira que, por analogia, não seria justificável nomear a este curador especial, quando tivesse ele sido citado por edital ou com hora certa?
Entende-se que a resposta deve, ainda, ser 'não'.
É que, embora se admita alguma semelhança entre as situações acima apontadas, os embargos não equivalem a contestação, mas sim, a ação. Note-se que em nenhum dos casos do artigo 9º, inciso lI, o curador especial pode propor a ação, mas somente oferecer defesa.
Por outro lado, conquanto a nomeação de curador à lide vise a proteger aquele que foi citado fictamente, a execução, conforme dispõe o artigo 612, ressalvado o caso de insolvência do devedor, realiza-se 'no interesse do credor', que nela ocupa posição de indiscutível preeminência.
Rita Gianesini, em sua monografia sobre a revelia, também entende não ser viável a nomeação de curador especial no processo de execução, transcrevendo a tal respeito, no que tange à execução fundada em título extrajudicial, a conclusão do IV Curso de Especialização em Direito Processual Civ.il, da PUCSP, que foi a seguinte:
'Descabe nomeação de curador especial no processo de execução porque:
a) não há revelia;
b) a execução, na espécie, é definitiva, e, assim, não hão de se lhe opor óbices, salvo os indiscutíveis;
c) o curador especial contesta (art. 302, parágrafo único) e não propõe ações (embargos do devedor);
d) se se pode contestar por negação geral, não se pode propor ações com fatos constitutivos indiscriminados" (in Rev. Assoc. dos Magistrados do Paraná - nº 12, ab:r:il/junho 1978 - págs. 15 e 16).
Conquanto as autorizadas anotações, respaldadas em boa doutrina, tenham inegável significância, ajuris prudência deste Tribunal norteou-se por compreensão favorável à nomeação de Curador Especial, inter alia, registrando-se o REsp 32.623-4-RJ - ReI. Min. Waldemar Zveiter, à sua vez, como reforço, invocando escólio colhido no REsp 9.961-SP, transcrevendo:
"O Curador Especial, atuando nos termos do artigo 9º, lI, parágrafo único, do CPC, substitui processualmente a parte revel e citada por editais, e assim pode em qualquer tempo argüir em proveito desta, a prescrição de direitos patrimoniais".
Também lembrou o REsp 23.495-RJ, concluindo que:
"N a qualidade de substituto processual da parte, o curador
R. Sup. '"Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 59
especial está legitimado a recorrer".
No julgamento do mencionado REsp 32.623-4-RJ, o Ministro Eduardo Ribeiro, exímio processualista, comemorando o julgamento do Agravo 46.897-GO/TFR, com lúcidos apontamentos, proferiu substancioso voto, assim:
"A matéria tratada no presente recurso, não se ignora, tem ensejado divergências doutrinárias. Também não se pacificou o entendimento dos Tribunais sendo que, nesta Corte, quando do julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência, no Agravo de Instrumento 41.165, verificou-se subsistirem duas correntes de opinião, não se podendo afirmar que uma delas prepondera efetivamente, posto que a decisão foi tomada por escassa diferença, sem que conseguisse reunir a maioria absoluta do Plenário.
Pessoalmente, quando Juiz de Vara Cível, admitia oficiasse o Curador quando o executado, citado por editais, não apresentasse embargos.
Reconsiderei esse entendimento ao julgar os Embargos Infringentes na Apelação Cível 8.421, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, oportunidade em que, aliás fiquei vencido (Revista do TJDF, v. 13, pág. 139). Procedi agora a mais detido reexame do tema, meditando maduramente sobre os elementos trazidos nos
doutos votos proferidos no incidente de uniformização já mencionado. E essa reflexão levou-me a volver à anterior posição.
Os defensores da tese que sustenta ser descabida a atuação do curador especial firmam-se em que não haveria falar em revelia no processo de execução. Esta tem fundamento em título que não carece de ser complementado por quaisquer outros elementos. O exeqüente nada tem de provar e o fato de o executado não comparecer ao processo não acarreta a conseqüência prevista no artigo 319 do Código de Processo Civil, pois a presunção de verdade já é ínsita no próprio título. A defesa na execução faz-se por embargos que têm natureza de ação, tendente a desconstituir o título ou paralisar-lhe os efeitos. Não se poderia reputar alguém revel por ter deixado de propor uma ação.
Por outro lado, se é possível a negação genérica, no processo de conhecimento, o mesmo não se verifica nos embargos.
Por fim, o contraditório, na execução, é eventual e resultante da apresentação daquela ação incidental.
Examinam-se as objeções.
O Código de 39 deixou expresso quando alguém haveria de terse como revel. Assim haveria de considerar-se aquele que, citado, não apresentasse defesa no prazo legal.
O vigente Código não contempla dispositivo análogo. Entre-
60 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
tanto, de seus artigos 319 a 320 resulta que a falta de contestação importa em revelia como, aliás, sempre se entendeu. Não se pode concluir, entretanto, com a mesma facilidade, que no sistema do Código revelia só exista quando não haja contestação.
Há que se afastar inicialmente qualquer tentação de exegese literal. Assim é que não remanesce dúvida de que, em embargos à execução, o embargado pode ser revel, embora não seja convocado para contestá-los mas para impugná-los. Note-se que não estou afirmando que ocorra em tal caso a conseqüência prevista no artigo 319 do CPC. A presunção de verdade decorre freqüentemente da revelia mas não se confunde com esta. Apenas quero deixar patente que a palavra contestação há de entender-se com significado amplo.
Considere-se, de outra parte, efeito relevante da revelia, tradicional em nosso direito. Refirome ao enunciado no artigo 322, em que se consigna que os prazos correrão contra o revel, independentemente de intimação. Admitindo-se que inexata revelia na execução, não haveria como incidir essa norma. E como o revel obviamente não tem procurador nos autos, teria de ser sempre pessoalmente intimado. Trata-se de resultado absurdo que jamais vi defendido. Daí já se vê que o sistema do Código não se compadece com a interpretação que restrinja o conceito de revelia ao não
comparecimento do réu para contestar. Entendo que o sentido há de ser mais largo, abrangendo todos os casos em que a parte não se faça presente nos autos.
A confissão ficta, convém repetir, é efeito da revelia e por isso mesmo não entra em sua definição. Dir-se-ia, entretanto, que a atuação do Curador visaria fundamentalmente a afastar tal efeito, não se justificando quando dele não se cogitasse, como ocorre na execução. A afirmativa não é exata por fundar-se em falsa premissa. É que o Curador oficia para defender a revel de um modo geral e não apenas para que se exclua a presunção de verdade decorrente da falta de contestação. Com efeito, malgrado nas diversas hipóteses arroladas no artigo 320 afastem-se expressamente os efeitos cominados no artigo 320, nem por isso deixa de ser cogente a presença do Curador.
Afirma-se, ainda, a impossibilidade jurídica ou pelo menos a inviabilidade de o Curador propor uma ação em nome de outrem ou como substituto deste. A objeção não tem, em verdade, a força que aparenta.
Como regra geral, ninguém poderá demandar em nome alheio. O titular do direito dele dispõe e só estará em Juízo se entender conveniente. Ademais, a propositura da ação significa colocar de algum modo em risco o bem jurídico, eis que enseja a possibilidade de formação da coisa julgada
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 61
contrariamente ao direito afirmado. Tais colocações facilmente se afastam tratando-se de embargos do executado. Por seu meio, pretende-se apenas desconstituir o título executivo, sendo aceitável que deduza o Curador a matéria possível que não envolva arriscar direito que o executado pudesse pessoalmente defender em outra demanda. Claro que serão escassos os temas; não significa entretanto que inexistam. Não vejo, por exemplo, motivo para impedir alegue-se prescrição. Esta não pode ser conhecida de ofício e, tratando-se de processo de conhecimento, poderá a parte ter interesse que se examine a questão de fundo. Na execução, entretanto, que tende à extinção da obrigação pelo seu cumprimento, não há razão para que se impeça o Curador de argüi-la.
Observe-se, ainda, que a adoção rigorosa de entendimento exposto levaria a que o Curador nomeado ao incapaz, nas hipóteses do inciso I do artigo 9º, também não poderia embargar, o que o deixaria com a defesa seriamente mutilada nas execuções.
Vale assinalar, por outro lado, que existe campo para que o Curador atue utilmente, mesmo não oferecendo embargos. No processamento da execução, poderá propugnar para que esta obedeça estritamente os limites legais, jungida ao título e do modo menos oneroso ao devedor. Certo que zelar por isso já é dever do Juiz que, para tanto, não carece
de provocação da parte. Não se afasta, entretanto, a conveniência da atuação. E esta torna-se especialmente importante quando se cogite de interposição de recurso. Se eventualmente o magistrado tiver, sobre determinado tema, entendimento contrário aos interesses do devedor e em conflito com o dominante najurisprudência, só mediante o recurso aquele será resguardado. Recurso impossível se não existir Curador. Não é bem exato, em verdade, que o contraditório condicione-se ao oferecimento de embargos.
Terminando, não é despiciendo assinalar que a lei preocupase com este contraditório, tanto que cogita de suspendê-lo quando o devedor persevera nÇl prática de atos tidos como atentatórios à dignidade da justiça (CPC, art. 601).
Por todo o exposto, tenho como impositiva a presença do Curador quando, citado o executado por edital, abstenha-;se de atender a esta convocação."
Eis a ementa do julgado:
"Processual Civil - Legitimidade do curador especial de opor embargos do devedor - Executado citado por edital.
I - A jurisprudência do STJ acolheu entendimento no sentido de que o curador especial (ad litem) tem legitimidade para opor Embargos do Devedor em Execução, onde o executado, citado por edital, remanesce revel.
62 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Trata-se, segundo a doutrina, de exigência de defesa do revel pelo curador e tem fundamento no princípio do contraditório, pois não se sabe se ele - o réu revel - não quis contestar ou não pôde, ou mesmo não soube da citação.
II - Recurso conhecido pela letra c e provido" (in DJU de 31.05.93).
No mesmo sentido, recordo o REsp 37.652-1-RJ, ReI. Min. Costa Leite:
"Processo Civil. Embargos do Devedor. Curador Especial.
O curador especial tem legitimidade para opor embargos do devedor. Precedentes. Recurso conhecido e provido" (in DJU de 25.10.93).
A Suprema Corte, fazendo soar o polêmico magistério doutrinário, julgando o RE 108.073-MG - ReI. Ministro Francisco Rezek, precedente aludido nos acórdãos antes colacionados, consignou:
"A necessidade de se nomear curador especial para o réu que desatende à citação por edital é tema polênÍico neste gênero de feito. Contra a exigência é freqüente a invocação do magistério de Calmon de Passos, no sentido de que em tais casos o devedor não é citado para ser ouvido, mas para cumprir sua obrigação (Cf. obra citada à fi. 8). Daí concluírem muitos que ao
réu, no processo de execução, não cabe qualquer defesa, não havendo possibilidade de revelia -motivo suficiente para tornar inútil a nomeação do curador, cujo pressuposto seria aquele risco definido.
Esse argumento se forra ainda na autonomia que têm os embargos do devedor relativamente à execução. Desse traço incontroverso tirar-se-ia que os embargos não representam defesa interna no processo de execução, quedando, portanto, à margem do poder de atuar do Ministério PÚblico, a quem não se defere a incumbência de propor ações em nome do ausente.
É inegável que a estrutura técnica desses argumentos impressiona. De toda sorte, porém, não torna a matéria insuscetível de discussão, tanto que um dos defensores da tese reconhece nela 'um ponto de vista, sujeito à censura dos doutos' (Athos Gusmão Carneiro. Questões polêmicas do novo Código de Processo Civil; RT 496/15).
Cumpre ter presente que a nomeação do curador especial visa a suprir a defesa do réu, ante a possibilidade de que lhe tenha escapado a efetiva ciência da demanda, noticiada em edital. Por isso afirma Cândido Dinamarco ser necessário defender o ausente, assegurando que 'a exigência de defesa do revel pelo curador tem fundamento no princípio do contraditório, pois não se sabe se ele não quis contestar ou não
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pôde, ou mesmo não soube da citação' (Fundamentos do Processo Civil Moderno: São Paulo, RT, 1986, pág. 330).
O curador, assim, tem a seu cargo a tarefa de defender o réu. Não menos seguro, contudo, é que por vezes a defesa se desenvolve como contra-ataque. A natureza dos embargos do devedor ilustra essa dimensão do conceito de defesa. A tese, aliás, é vantajosamente sustentada por José Gomes da Cruz, apoiado em Pontes de Miranda, Lopes da Costa, Araújo Cintra, Ada Grinover e Cândido Dinamarco (A Curadoria à Lide no Processo de Execução; RT 528/279). Percebe-se aí o conceito de defesa ligado ao direito que tem o réu de ver consideradas suas razões no julgamento, sendo os embargos um meio para tanto.
Esse entendimento dos embargos do devedor como procedimento de defesa foi acolhido no TFR, e tem a sufragá-lo, nesta Casa, o RE 94.494, onde se decidiu serem os honorários a cargo do sucumbente devidos na execução fiscal e não nos embargos - o que dá maior realce à intimidade do processo incidental com a execução. Lê-se no voto do Relator, Ministro Cunha Peixoto, que 'não há dúvidas de que, na sistemática do atual Código de Processo Civil, os embargos constituem uma ação incidental, mas não é menos certo que funcionam também cqmo defesa. Assim, não seria curial que o vencido pagasse honorários,
não só na ação principal - execução fiscal-, como na incidental - embargos - que funciona como defesa' (RTJ 103/330).
Uma vez que se espera do curador o exercício da defesa do réu ausente, justificado está para oferecer os embargos - o que demonstra a utilidade da intervenção do Ministério Público. Com efeito, não é irrazoável enxergar em semelhante hipótese um caso de substituição. processual, que nos termos do art. 6º do Código adjetivo legitima o substituto a pleitear direito do substituído. Isso é dito expressamente por Amaral Santos, que entre os casos de substituição processual faz figurar 'o do Ministério Público, quando, em nome próprio, isto é, como parte, age na defesa de interesses de ausentes' (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil; São Paulo, Saraiva, 1977, 1º voI., pág. 296).
Releva destacar, por outro lado, que a idéia de ausência absoluta do contraditório no processo de execução merece crítiéa. Parece-me que, de fato, há certa limitação do princípio, ditada pela maior probabilidade de adequação ao direito que os títulos executivos ostentam. Entretanto, cuida-se aqui de probabilidade, não de certeza, tanto que o legislador criou diversas hipóteses de ataque à exigibilidade e até mesmo a substância dos títulos. Por isso pondera Cândido Dinamarco que invariavelmente 'existe toda essa trama de certezas,
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incertezas, probabilidades e riscos no direito processual. Para aumentar a certeza, para aumentar, então, a austeridade da Justiça e possibilitar decisões mais perfeitas c. .. ) é que está aí o princípio do contraditório como um dos instrumentos de que se vale o legislador para evitar os riscos de sanções que não estejam de acordo com o direito material' (ob. cit., pág. 100). Certo ainda que, como ensinam os expoentes mais autorizados do Direito Processual, o contraditório traduz a ciência dos atos do processo pelas partes, e a possibilidade de reação a eles, é quando menos insegura a idéia de que o princípio não opera no processo de execução.
Gomes da Cruz, a propósito, depois de enumerar autores com igual ponto de vista, acrescenta que
'seria erro crer que o contraditório seja próprio apenas do processo de cognição. Para corrigir tal erro, Carnelutti propõe que se observe que o contraditório não diz respeito apenas ao interesse das partes; isto fornece o impulso ao contraditório, mas não constitui o seu fim. Na verdade, o juiz tem necessidade do contraditório, mais ainda do que as partes. Vimos, estudando o processo de cognição, como nisto consiste a garantia mais eficaz da imparcialidade do juiz. Não há razão alguma para sustentar que a imparcialidade do juiz
valha menos para a execução do que para a cognição (Diritto e Processo, Morano Editores Nápoles, 1958, pág. 296 em sua obra Lezioni di Diritto Processuale Civile, CEDAM, Pádua, 1932, vol. V, Carnelutti já dizia que o bom senso orienta o entendimento de que a execução também se submete ao princípio contraditório - cf. págs. 64-66)' (ob. cit., pág. 283).
Reforça a convicção o art. 601 do Código de Processo Civil, que estabelece pena de exclusão do contraditório ao devedor cujo comportamento atente contra a dignidade da Justiça. Há, por conseguinte, um contraditório no processo de execução, ainda que desprovido de latitude igual àquela com que o princípio é contemplado no processo cognitivo. Havendo contraditório, cumpre que o ausente se veja amparado pelo curador especial" (in RTJ 120, págs. 1.278, 1.279 e 1.280).
A ementa é bem esclarecedora:
"Curador Especial. Processo de execução. Executado que não atende à citação-edital.
É devida a nomeação de curador especial ao executado que, citado por edital, não comparece a juízo. Doutrina.
Mérito do acórdão recorrido, que deve subsistir".
Propositadamente, em que pese extensas, revolvidas as colocações
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doutrinárias e pretorianas, para alçapremar a conclusão, a trato de dissídio (art. 105, In, c, C.F.), nesse cenáculo, concluídas as reflexões pessoais, porque se bastam as razões compendiadas, concilio-me com a fundamentação agregada à necessidade da nomeação de Curador
Especial ao executado que, chamado por edital, não comparece a Juízo, ficando legitimado para apresentar, a tempo e modo, os Embargos de Devedor.
Por essas estrias, voto provendo o recurso.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 87.321- SP
(Registro n Q 96.0007726-6)
Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo Recorrente: Amano Química Ltda. Recorrida: Fazenda do Estado de São Paulo Advogados: Gerson Ghizellini e outros, e Sônia Maria de Oliveira Pirajá
e outros
EMENTA: Processual Civil. Recurso especial. Acórdão suficientemente fundamentado. Decisão embasada em normas constitucionais e de lei local. Não conhecimento.
Não padece da eiva de nulidade (art. 458 do CPC) o acórdão que, além de adotar as conclusões da sentença apelada, examina as questões jurídicas submetidas a deslinde, justificando as suas conclusões e interpretando os textos da lei e da C. Federal aplicáveis à espécie.
O dissenso pretoriano que configura a divergência é o resultante de dissonância de teses jurídicas, mediante a interpretação do mesmo preceito de lei federal. Julgados que interpretam regras constitucionais são despiciendos de valoração para ensejar o conflito e justificar o conhecimento do especial.
Consoante dispõe a lei (Decreto-Lei n Q 406/68, art. 2º, § 7º e Convênio 66/88, art. 14) o montante do imposto (ICMS) integra a sua própria base de cálculo.
A exclusão do montante do ICMS de sua base de cálculo importaria na declaração de inconstitucionalidade de lei ordinária e do Convênio 66/88 (art. 14), o que é impossível no âmbito do especial.
Recurso não conhecido. Decisão unânime.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Garcia Vieira. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Custas, como de lei.
Brasília, 14 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DJ de 18-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: A empresa Amano Química Ltda., qualificada às fls., promoveu ação declaratória contra a Fazenda do· Estado de São Paulo.
Com a ação, visou, a autora, excluir, da base de cálculo do ICMS, o montante do próprio tributo, sobre alegar inconstitucionalidade e ilegalidade, porquanto, alterada a base, o imposto resultaria aumentado.
Aduziu, ainda, que o sistema de cobrança do ICMS no Estado de São Paulo implica em pagamento de imposto sobre imposto.
O pedido foi julgado improcedente em ambas as instâncias.
Inconformada, a vencida manifesta recurso especial, com arrimo na alínea c, do permissivo constitucional. A alegação é de que o acórdão é nulo por desfundamentado e de que a exigência de imposto sobre imposto é inconstitucional.
Admitido na origem, vieram os autos a esta instância.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): A empresa Amano Química Ltda. promoveu ação declaratória contra a Fazenda do Estado de São Paulo objetivando a exclusão da base de cálculo do ICMS, nas operações que realiza, do montante do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias.
Aduziu, que "a base de cálculo (do ICMS) é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria, de modo que não há confundir-se o valor correspondente ao próprio tributo, com o da operação".
O pedido foi julgado improcedente em ambas as instâncias.
Irresignada, vem, agora, a vencida, pela via do especial (art. 105, In, letra c), desafiar o decisório sob coima de que dissentiu de julgados de outros Tribunais, eis que:
a) o acórdão é nulo, por ausência de fundamentação;
b) a base de cálculo do ICMS é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria, sem
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que a este se possa adicionar o valor do próprio tributo.
Enfrento, desde logo, o fundamento pertinente à desfundamentação do acórdão. Quanto a este aspecto, a recorrente transcreve trechos de arestos, para confronto, que, a rigor desservem à caracterização do dissídio pretoriano. É que, como se verá, o acórdão desafiado decidiu a controvérsia com embasamento em preceitos constitucionais e de lei local, sem, todavia, interpretar, ou, pelo menos mencionar, ainda que en passant: o art. 93, 17 da C. Federal e o art. 458 do C. de Proc. Civil. E, consoante a jurisprudência da Corte, o dissenso que importa em divergência é o decorrente de dissonância de teses jurídicas, mediante a interpretação do mesmo preceito de lei federal.
Se, in casu, o decisório impugnado não emitiu juízo de valor sobre o sentido e compreensão dos arts. 165 e 458 do C. de Proc. Civil e, se, em tempo hábil a recorrente não manifestou embargos de declaração para esse fim, uma vez persistindo, o Tribunal a quo, na omissão, competia-lhe (à recorrente) interpor o especial por ofensa ao art. 535 do C. de Proc. Civil, consoante jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça.
Demais disso, embora tenha adotado os argumentos esposados pela Fazenda do Estado, o Tribunal a quo os transcreveu, na íntegra, resultando, daí, um acórdão deveras fundamentado, com motivação até exaustiva e com base na qual che-
gou à conclusão. Transcrevo, para melhor esclarecimento, trechos essenciais do aresto recorrido:
"Na falta de lei complementar para fixar as normas gerais com respeito ao ICMS, a Constituição Federal, no ADCT, artigo 24, parágrafo 8Q
, permitiu aos Estados, na falta daquelas leis, legislar sobre a parte geral do imposto. Assim, foi editado o Convênio 66/88, regulando o ICMS a nível geral. E a referida norma estabelece que:
'O montante do imposto integra sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle'.
Referido dispositivo foi reproduzido pela Lei Estadual n Q 6.374/ 89, artigo 33.
Assim, o valor da operação é o valor total cobrado do consumidor, incluindo aí o montante do imposto devido. Vê-se, pois, que o valor da operação é, na verdade, o valor singelo do produto acrescido do imposto devido, nos termos da legislação já mencionada. Desta forma, o imposto 'está dentro' do valor da operação.
Numa correta formulação matemática, ter-se-ia que diferenciação do valor do tributo está em proporção direta com a base de cálculo e não com a alíquota, que é fixa.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a competência dos Es-
68 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
tados para a tributação de operações relativas à circulação de mercadorias, dispondo ainda sobre a base de cálculo deste imposto (art. 155, I, da CF).
O valor da operação e não o valor da mercadoria é que constitui a base de cálculo do imposto. É o que se depreende da leitura de todo o artigo 155, da Constituição Federal.
E assim já era quando da precedente Carta de 67/69. O então ICM também tinha a base de cálculo definida como valor da operação.
Mesmo o art. 34, parágrafo 9Q
do ADCT, ao instituir uma sistemática de arrematação, fez explícita a regra geral da base de cálculo do ICMS. Apesar de tal norma visar outras finalidades que não a definição da base imponível - o que seria totalmente inadequado em sede de 'disposições transitórias' -, da sua leitura comprova-se a coerência do legislador constituinte, que também refere-se ao valor da operação como base de cálculo do ICMS.
Precisa neste aspecto a referida norma, posto que o preço de uma operação, o valor da operação, não correspondente ao valor 'puro' da mercadoria, mas abrange despesas outras, como fretes, seguros e tributos incidentes sobre a operação.
Seguindo à risca a norma constitucional atual- que repete diploma anterior - as leis complementares referentes ao imposto
estadual sobre a circulação de mercadorias também determinam o chamado 'cálculo por dentro', que nada mais é do que a tradução da incidência do tributo sobre o 'valor da operação'.
Neste sentido já dispunha o art. 2Q, parágrafo 7Q do DecretoLei n Q 406/68, in verbis:
'O montante do imposto integra sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle'.
Idêntica norma é a disposta no art. 14 do Convênio n Q 66/88, editado com força de lei complementar, com base no art. 34, parágrafo 8Q
, do ADCT.
A disciplina da matéria, através destas 'leis complementares' torna impossível interpretação diversa do art. 34, parágrafo 9Q
,
do ADCT, no que resta intocável o procedimento de cálculo para cobrança do imposto que foi adotado.
A regular a matéria, a Lei n Q
6.374/89, em seu artigo 33, estabelece de forma coesa, a base de cálculo do ICMS. O ICMS incide sobre o valor da operação, sobre o preço final, que como é regra, inclui o tributo.
Não há margem para interpretação diversa ou para formulação construtivista no sentido de que a base imponível seria o 'valor do produto'. Anorma exige interpretação literal e técnica quando diz: 'O valor da operação'.
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o procedimento adotado pelo Estado, que obedece fielmente às normas que vêm traçadas desde a Constituição Federal até a legislação ordinária, sem que se cogite em 'aumento de alíquota' a qual é regularmente aplicada sobre o preço final, o valor da operação, respeitando-se a regra de que 'o montante do imposto integra sua própria base de cálculo'.
Em momento algum, portanto, o que ocorre é aumento de alíquota ou aplicação de alíquota superior às previstas no art. 34, da Lei n Q 6.374/89.
Por fim, é dado observar que o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Consumidor conclui parecer idêntico, no Protocolado n Q
10.546/92-MP. Nesta oportunidade, o Sr. Procurador-Geral de Justiça manifestou a constitucionalidade dos arts. 29 e 33 da Lei Estadual n Q 6.374/89, quando previsto o 'cálculo por dentro'. Diz o referido parecer:
'Por fim, no tocante à forma de cálculo do ICMS, como mencionado, esta Procuradoria Geral de Justiça, no Protocolado nQ 005.3558/90, em 10 de outubro de 1990, que tramitou pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Consumidor já deixou claro a sua legalidade. É que o legislador ao prever a forma de cálculo do ICMS optou por sua cobrança 'por dentro' (art. 2Q
,
parágrafo 7Q, do Decreto-Lei n Q
406/68, repetido no art. 33, da Lei
Estadual n Q 6.374/89), e não 'por fora', como no caso do IPI.
N o tocante à base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica tem inteira aplicação nos artigos 29 e 33, da Lei Estadual n Q 6.374/89, ambos em consonância com os dispositivos originais previstos no Decreto-Lei n Q 406/68 quanto à base de cálculo (art. 2Q
, par. 7Q)
que não foram revogadas ou não conflitam com as normas constitucionais em vigor a partir de 05 de outubro de 1988" (folhas 172/ 176).
É certo que o acórdão "arrematou a sua motivação mantendo a sentença pelos seus próprios fundamentos". Mas, antes, examinou as questões jurídicas submetidas a deslinde, não só justificando as suas conclusões, mas, interpretando preceitos constitucionais e de lei local. O decisório atacado, ao meu sentir, está satisfatoriamente fundamentado, não padecendo da pecha de omisso ou defectivo.
No dizente à impossibilidade de a parcela do ICMS ser adicionada ao valor da mercadoria para efeito da cobrança do Tributo (ICMS) a recorrente embasa a sua irresignação em matéria constitucional. Ademais, transcreve excertos de acórdãos interpretativos de regras da C. Federal, que desservem à configuração da divergência. Ao depois, malgrado indicar trechos dos arestos paradigmáticos, sequer indicou o repertório de jurisprudência autorizado, para possibilitar o confronto. É consabido, ademais que
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julgados que interpretam normas constitucionais são despiciendos de valoração para ensejar o conflito, no especial, em que, o STJ se limita a decidir questões de natureza infraconstitucional.
Por último, a base de cálculo do ICMS é definida no Convênio de n Q
66/88, editado em decorrência do disposto no art. 34, § 8 Q do ADCT, com feição de Lei Complementar, no art. 2Q
, § 7Q, do Dec.-Lei de n Q 406/
68 e art. 33 da Lei Estadual de n Q
6.374/89.
Com efeito, dispõe o art. 14 do Convênio ICM 66/88:
Art. 14 - "O montante do imposto integra sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle".
Por sua vez, estabelece o art. 2Q,
§ 7Q, do Dec.-Lei n Q 406/68:
Art. 2Q •••
§ 7Q - "O montante do Impos
to de Circulação de Mercadorias integra a base de cálculo a que se refere este artigo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle".
"As regras aplicáveis aos valores que compõem a base de cálculo do ICMS são as do art. 6Q
,
incisos I e lI, art. 7Q, inciso I e do
art. 14 (Convênio 66/88). Assim, integram a base de cálculo do ICMS:
a) o valor correspondente aos seguros, juros e demais importâncias recebidas ou debitadas;
b) o valor do frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente;
c) o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle" (Maria Lúcia dos Reis, O ICMS ao Alcance de Todos, pág. 89).
Por último, para a consecução de seu desiderato, "a execução do montante do próprio imposto para a fixação da base de cálculo do ICMS, a recorrente terá de postular a declaração de inconstitucionalidade do art. 14 do Convênio de n Q 66/88, do art. 2Q
, § 7Q, do Dec.-Lei de n Q 406/
68 e art. 33 da Lei Estadual de n Q
6.374/89, o que é impossível no âmbito do especial.
A questão, aliás,já é pacífica nesta Corte, que tem aplicado, vezes seguidas, o art. 2Q
, § 7Q, do Dec.-Lei
n Q 406/68.
Com estas considerações, não conheço do recurso.
É como voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 71
RECURSO ESPECIAL NQ 119.769 - PR
(Registro nQ 97.0010673-0)
Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros
Recorrente: Fazenda Pública do Estado do Paraná
Recorrido: Auto Posto e Transporte Realeza Ltda.
Advogados: Drs. Márcia Dieguez Leuzinger e outros, e Ruy Schimmelpfeng Sampaio
EMENTA: Processual- Execução fiscal - Penhora insuficiente - Embargos - Inadmissibilidade.
I - Para que se considere segura a execução fiscal, é necessário que os bens penhorados tenham valor superior ao do crédito em cobrança. Se a penhora envolve valor inferior ao da cobrança, não se admite a oposição de embargos (Lei 6.830/80 - art. 16).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Garcia Vieira. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Demócrito Reinaldo.
Brasília, 23 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DJ de 24-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O v. Acórdão recorrido foi resumido, assim:
"É condição de admissão dos embargos do devedor que estej a seguro o juízo pela penhora e não que o valor dos bens seja suficiente para garantir a execução, eis que o reforço de penhora pode ser, eventualmente, procedido no curso dos embargos ou mesmo após seu julgamento, caso sejam improcedentes." (fi. 47)
O Estado exeqüente reclama de maltrato ao art. 16 da Lei 6.830/80.
Esta, a controvérsia.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):
72 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Cuida-se de execução fiscal, com valor de Cr$ 8.288.504,32.
N o mesmo dia em que se exerceu a ação, ocorreu a penhora de bem avaliado em Cr$ 600.000,00.
O art. 16 da Lei 6.830/80, em seu § 1 Q, adverte:
"Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução."
Este preceito justifica-se pela necessidade de evitar que a execução resulte em inutilidade.
Como todos sabemos, execução por quantia certa é o processo através do qual o Estado expropria bens do devedor, para com eles satisfazer o direito do credor (CPC, art. 646).
A expropriação inicia-se com a penhora, cuj a função é afetar, no patrimônio do devedor, bens a serem alienados.
Através da penhora, garante-se a execução.
Diz-se que a execução está garantida, quando o valor dos bens penhorados é suficiente para cobrir o valor do crédito a ser satisfeito.
Se o devedor não é dono de bens capazes de assegurar a execução, suspende-se o processo (L. 6.830/80,
art. 40), sem efetivar-se penhora. Em tal situação, não se abre o prazo para embargos.
N a hipótese destes autos, realizou-se penhora, a incidir sobre ferramenta avaliada em quantia inferior a dez por cento do valor em cobrança. Evidentemente, a execução não estava segura.
Contudo, em lugar de quedar-se em suspenso, a execução prosseguiu, com a oposição de embargos.
Evidentemente, o preceito do art. 40 não foi obedecido.
O acórdão monta-se na tese de que o erro é inocente, já que a penhora pode ser ampliada no curso do processo.
Tal não acontece.
Com efeito, a complementação da garantia se efetiva através de nova penhora, em incidente que faz necessária outra intimação do executado e abre ensejo à oposição de outros embargos.
Assim, o desrespeito aos arts. 16 e 40 da Lei de Execuções Fiscais, longe de homenagear o princípio da economia processual, terminou por agredi-lo frontalmente.
Dou provimento ao recurso, para determinar a imediata complementação da penhora, reabrindo-se o prazo de oposição dos embargos.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 73
RECURSO ESPECIAL Nº 126.724 - SP
(Registro nº 97.0023962-4)
Relator: O Sr. Ministro Garcia Vieira
Recorrentes: Ariane de Cássia Alves Nunes e outros
Recorrida: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Advogados: Drs. José Cândido de Carvalho Filho e Roberto Soares Armelin
EMENTA: Universidade - Sindicância - Trote - Punição -Autonomia - Mandado de segurança - Coisa julgada - Inexistência.
A apuração de infrações praticadas por alunos, através de sindicância, é um poder decorrente da autonomia administrativa da universidade.
Se diversas as partes e diferentes os fatos, não se pode falar em coisa julgada, por haver decisão em outra ação.
Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado.
Brasília, 12 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro GARCIA VIEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 03·08·98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Ariane de Cássia Alves Nunes e outros interpõem recurso especial (fls. 1.066), com base na Constituição Federal, art. 105, IH, a, em face de acórdão que decidiu pelo improvimento da apelação dos recorrentes, confirmando decisão singular denegatória de mandado de segurança.
Os recorrentes, alunos da Faculdade de Medicina da PUC/Sorocaba, foram punidos com penas de suspensão das aulas, que variaram de 60 a 180 dias, ao fundamento de que teriam participado de "trote" aos calouros, seus colegas, no ano de 1993.
Impetraram mandado de segurança ao argumento de que inexistiu
74 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
o devido processo legal, bem como o ter havido excesso de rigor na aplicação das penalidades.
Afirmam ter havido 2 decisões conflitantes perante o E. Tribunal a quo, pois, sendo dois mandados de segurança, em um a decisão foi favorável aos impetrantes e em outro, foi desfavorável.
Requerem provimento para o fim de ser julgado extinto o mandado de segurança, sem julgamento do mérito, em decorrência da anulação da sindicância que lhe deu ensejo.
Resposta (fls. 1.093).
Despacho (fls. 1.105).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Presidente: -Apontam os recorrentes, como violados, os artigos 267, VI e 462 do CPC, versando sobre questões devidamente prequestionadas.
Conheço do recurso pela letra a.
Em sindicância instaurada pela Universidade Católica de São Paulo (fls. 22/151) apurou-se que:
" ... no início do ano letivo de 1993, no Campus da Faculdade de Medicina de Sorocaba e em localidades outras daquela cidade, alunos veteranos da mesma Faculdade, à guisa de trote acadêmico, impingiram maus-tratos generalizados aos calouros, incluindo a forçosa ingestão de bebidas alcoólicas, depilação da re-
gião pubiana, de membros inferiores, cusparadas no rosto e na boca, assédio sexual consistente em simulação de relação sexual entre os calouros e coação para que as alunas segurassem os órgãos genitais dos veteranos, retirada violenta de sala de aula com os calouros amarrados, entre si, por uma corda, em fila indiana, banhos com óleo queimado, de lama, de catchup, com mostarda, com ovos e com cerragem; soutiens das calouras cortados e rasgados, calças e blusas igualmente rasgadas e cortadas, despimento dos calouros com exibição de suas nádegas expondo-as a vexatório "Concurso", intimidação psicológica, ofensas morais, destruição de materiais escolares e de documentos pessoais" (fls. 79/ 80).
Restou comprovada a participação dos impetrantes no referido trote que estava terminantemente proibido por ato da Reitoria da Universidade. Por estes atos de selvageria, foram os impetrantes suspensos por 60, 90 e 120 dias, com base no artigo 177 do Regimento Geral da Universidade, por ato do Reitor (fls. 87/ 89). A apuração de infrações praticadas por alunos, através de sindicância, é prevista pelo artigo 183 do Regimento da Universidade e é este um poder decorrente de sua autonomia administrativa (art. 207 da Constituição Federal). No desenrolar da sindicância foi propiciado aos impetrantes a mais ampla possibilidade de defesa e para que isso fosse possível, o Reitor baixou o Ato 35/
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93, propiciando-lhes a defesa a respeito dos fatos a eles imputados. Tiveram eles conhecimento da acusação, foram intimados e prestaram declarações e requereram o que bem entenderam.
A todos eles foi aberto vista, para a produção de provas, sendo notificados para isso (fls. 634/637), juntaram documentos e foram intimados para a apresentação de defesa. Tudo isso, além do comprovado nestes autos, está afirmado no voto condutor do acórdão (fls. 1.053/1.054) e, sendo questões de fato, não podem ser revistas no especial (Súmula nº 07 do STJ). Aliás, a própria alegação de cerceamento de defesa é questão de índole constitucional, não podendo ser reexaminada neste recurso. O certo é que não houve o alegado cerceamento de defesa.
Neste recurso, os impetrantes não se insurgem contra o mérito do ato administrativo que os puniram com suspensão. Argúem apenas questões processuais. Sustentam que, com o julgamento pela Egrégia 6ª Turma do Egrégio Tribunal a quo, de um outro mandado de segurança, impetrado por outro grupo de alunos, anulando a sindicância, restou sem objeto o presente mandado de segurança. Sem razão, a meu ver, os recorrentes. A sentença só faz coisa julgada entre as partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros (art. 472 do CPC). Com razão, a MM. Juíza Lúcia Figueiredo, ao salientar em seu voto de fls. 1.0601 1.062, que:
"Com efeito, na verdade ocorrem alegações jurídicas distintas entre a Universidade e os dois grupos de alunos, vale dizer, não se trata de um ato administrativo apenas. Ora, os alunos que integram o mandado de segurança em trâmite na 6ª Turma tiveram a suspensão das atividades escolares decretada com base em determinado ato administrativo e, estes impetrantes, com fundamento em outro. Assim, as situações são absolutamente individualizadas, embora decorram da mesma sindicância.
Assim, dúvida não há em se dizer que a decisão que tomou a 6ª Turma, anulando a sindicância, apenas faz coisa julgada entre as partes daquela impetração, não beneficiando nem prejudicando terceiros" (fls. 1.060).
Conclui-se não estar sem objeto o presente mandado de segurança porque, como vimos, no mandado de segurança julgado pela 6ª Turma, as partes são diversas e diferentes os fatos e aquela decisão ainda não transitou em julgado, estando sujeita a recurso, não se podendo falar em coisa julgada e perda de objeto deste mandamus.
Verifico existir pedido de desistência do recurso por parte de um dos recorrentes (fls. 1.136) e da Medida Cautelar em apenso (fls. 244) que, nesta oportunidade, homologo para que produza seus devidos e legais efeitos.
N ego provimento ao recurso.
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RECURSO ESPECIAL NQ 127.116 - DF
(Registro n Q 97.0024548-9)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado
Recorrente: Fazenda Nacional
Recorrido: Farid Lima
Advogados: Drs. Alexandra Maffra Monteiro e outros, e Délio Lins e Silva e outros
EMENTA: Tributário. Regularização de veículo importado irregularmente. Denúncia espontânea. Interpretação do DL n g2.446/88 e do art. 138, CTN.
1-Veículo importado irregularmente não pode ser regularizado via denúncia espontânea, por a tanto não permitir a interpretação firmada sobre o alcance do DL n Q 2.446/88.
2 - Precedentes jurisprudenciais: P Turma: REsp n Q 40.065-1-DF, REsp n Q 40.071-6-DF e REsp n Q 40.077-5-DF, ReI. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 28.2.94 - págs. 2.874 e 2.875, respectivamente; REsp n Q 38.237-8-DF, REsp n Q 38.243-2-DF e REsp n Q 38.244-DF, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 28.2.94, pág. 2.872; 2 2 Turma: REsp n Q 38.150-9-DF, REsp n Q 38.175-2-DF e REsp n Q 38.748-7-DF, ReI. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 2.5.94, pág. 9.966; REsp n Q 36.763-8-DF, REsp n Q 36.775-1-DF e REsp n Q 36.830-8-DF, ReI. Min. José de Jesus Filho, DJ de 16.594 - pág.ll.747; REsp n Q
38.363-3-DF, REsp n Q 38.365-0-DF e REsp n Q 38.382-0-DF, ReI. Min. Hélio Mosimann, DJ de 1.8.94, pág. 18.618, (a pesquisa está registrada no despacho de admissibilidade - fi. 180).
3 - Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.
Brasília, 12 de junho 1997 (data do julgamento).
Ministro JOSÉ DELGADO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 18-08-97.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 77
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: A Fazenda Nacional interpõe recurso especial (fls. 92/106), com fulcro no artigo 105, inciso lII, alineas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão (fl. 88) proferido pela 3ª Turma do TRF da 1 ª Região, assim ementado:
"Tributário. Importação de veículos anteriormente à Lei 8.028/90 e Portaria Ministerial 56/90, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. Regularização. Possibilidade.
1 - A Segunda Seção deste Tribunal firmou o entendimento de que, com a edição da Portaria 56/ 90, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, permitindo a importação de veículos automotores, tornou-se possível a regularização dos mesmos bens anteriormente introduzidos de forma irregular no País, valendose o interessado do instituto da denúncia espontânea, com o pagamento dos tributos e acréscimos legais.
2 - Isto porque o DECEX, órgão hierarquicamente inferior, não pode impor na espécie restrições não constantes da mencionada portaria ministerial.
3 - Apelação e remessa improvidas."
Sustenta a recorrente contrariedade e negativa de vigência aos artigos 1 Q e 2Q do DL n Q 2.446/88 e à Lei nº 8.028/90, além de suscitar dissídio jurisprudencial.
Sem contra-razões, subiram os autos por força do despacho (fl. 108) do Exmo. Sr. Presidente do TRF da 1 ª Região, admitindo o especial.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): O recurso merece ser conhecido e provido.
Ajurisprudência das 1 ª e 2ª Turmas deste Tribunal já se posicionou na linha de entendimento desenvolvido pela recorrente.
Correto o registro feito no despacho de admisaibilidade (fl. 108) de que:
"Mandado de Segurança interposto para afastar proibição de importação de veículo automotor usado, denegado em primeiro grau mas acolhido por esta Corte, que entendeu legítima a pretensão de regularizar o veículo em face da denúncia espontânea mediante o pagamento dos tributos incidentes.
Contra o v. acórdão a União interpõe o recurso especial (fls. 92/ 106), sob fundamento da negativa de vigência e interpretação divergente de lei federal, apontado para o primeiro os artigos 1 º e 2º do DL nº 2.446/1988 e Lei n Q
8.028/90 e quanto ao segundo julgados proferidos pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça.
A discussão quanto à negativa de vigência de lei federal efetiva-
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mente alcança o DL nº 2.446/1988 cuja interpretação se pretende ampliativa em relação aos fatos.
Já no tocante à divergência o tema é conhecido, estando atualmente pacificado no ãmbito do Superior Tribunal de Justiça ser inadmissível a regularização de veículo automotor que tenha entrado no País irregularmente, mediante ampliação na interpretação da lei em vigor, conforme se apreende do Recurso Especial nº 81.615-DF.
Em sendo assim, como o julgado desta Corte pelo menos em tese encontra-se em dessintonia com o entendimento da Corte Superior, será medida de cautela levar ao seu conhecimento a questão para pronunciamento finaL"
As decisões apontadas acolheram as razões defendidas pela recorrente, as quais, também adoto e que estão sumariadas na peça de fls. 95/ 105, do modo seguinte:
"Dúvida não há, que uma vez proibida a importação de veículo automotor, esta só será possível nos termos e condições do art. 5º, inciso II, do Decreto-Lei nº 1.427, de 2 de dezembro de 1975:
"Art. 5º O Ministério da Fazenda poderá em caráter temporário segundo diretrizes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e, sem prejuízo dos compromissos negociados pelo Brasil na Associação Latino-
Americana de Livre Comércio, autorizar a Carteira de Comércio do Banco do Brasil a indeferir pedidos de Guia de Importação nos seguintes casos:
II - Importações que causem ou venham a causar sérios danos à economia nacional".
Se o produto importado pode ser enquadrado como descaminho, não será possível sua regularização de maneira tão simplista e a custo tão acessíveL
Por oportuno, faz-se um breve histórico da questão em foco, ou seja, a existência de óbice legal à importação de veículos usados não revogada pela Portaria Ministerial nº 56, de 15 de março de 1990.
Em primeiro, no caso sub judice, estão em questão os seguintes Comunicados CACEX:
I - o de nº 208, de 21.11.88, alterado pelo Comunicado nº 235, de 16.02.90, que tratava de importações temporárias suspensas;
II - o de nº 234, de 12.02.90 que tratava de programas de importações;
III - o de nº 204, de 02.09.88, que tratava de bens de consumo usados (onde se incluem veículos usados de importação suspensa) no item VII-7.
Em segundo lugar, com a edição da Portaria Ministerial nº 56,
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de 15.03.90, suspendendo a proibição de importação de automóveis novos, revogaram-se os Comunicados CACEX n~ 208, 235 e 234, tornando possível a emissão de guia de importação para os veículos novos compreendidos no capítulo 87, posição 87.02, em todas as subposições e itens. Continuou vigorando o de n Q 204, referente a bens de consumo usados. Repetindo, Portaria Ministerial, hierarquicamente superior, revoga os Comunicados 208 e 234, deixando intacto o Comunicado 204.
"Portaria n Q 56/90:
I - Revogar o item 1.2 das normas gerais do Comunicado CACEX n Q 2.204, de 25.09.88, bem como o Comunicado CACEX n Q 208, de 21.11.88, alterado pelo Comunicado CACEX n Q 235, de 16.02.90, que tratam de importações temporariamente suspensas (Anexo c).
II - Revogar o Comunicado CACEX n Q 234, de 12.02.90, que trata dos programas de importação".
Em terceiro, a Portaria DECEX n Q 02, publicada em 04.07.90, é substituída pelas Portarias 6/90 e 5/91 e complementada pela Portaria n Q 8, de 13.05.91.
Em quarto lugar, o Comunicado CACEX n Q 204, até então vigente, porque a Portaria Ministerial 56/90 não o alcançara, é revogado, em 13.05.91, pela Portaria DECEX n Q
08, a qual repetiu a vedação conti-
da no próprio Comunicado revogado, ou seja, proibia a concessão de guia de importação para bens de consumo de usados.
N este contexto é de concluir-se que:
a) não houve ofensa ao princípio da hierarquia das leis;
b) subsiste vedação à importação de veículos usados e, por conseguinte, à regularização fiscal de tais produtos;
c) o instituto da denúncia espontânea não se coaduna ao presente caso.
Impõe-se ressaltar que o instituto da denúncia espontânea, previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional, não pode ser utilizado quando o pedido de regularização se referir a bem cuja importação estiver suspensa ou proibida, como na hipótese dos autos. Como já se disse anteriormente e se acentua agora, as Portarias DECEX n~ 02, de 3 de julho de 1990, e 06, de 8 de agosto de 1990, vedam a importação de veículos usados. A denúncia espontânea só permite a regularização do veículo novo importado irregularmente desde que ainda não se tenha instaurado o procedimento administrativo fiscal. Ora, diante da instauração do respectivo processo administrativo, como, aliás, ocorre no caso em tela, não cabe à parte alegar o benefício daquele instituto, já que inexistente, a essa altura, qualquer espontaneidade de sua conduta.
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Aduza-se, oportunamente, que a regularização de bens introduzidos irregularmente no país, pressupõe a observância de duas condições:
a) a circunstância de os bens já se encontrarem em nosso território, no dia 1 Q de julho de 1988;
b) requerimento formulado, pelo interessado, até o dia 14 de outubro de 1988 (Dec.-Lei 2.457/88) e instruídos com os documentos previstos no art. 2Q
;
c) pagamento dos tributos devidos, após 5 dias da ciência do despacho deferitório;
Ora, consoante se depreende dos autos, nenhum desses requisitos restou observado pelo ora Recorrido.
Assim sendo a regularização fiscal de veículo estrangeiro já usado, quando de sua importação, não encontra amparo legal, como bem salientou a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional no item 42 do Parecer PGFN/PGAI NQ 355/90:
"42. Por oportuno, cabe esclarecer que esse instituto não pode ser utilizado para regularizar bens de importação suspensa ou proibida, porque, caso fosse admitida, se estaria contornando o impedimento criado à importação de algum bem que o Governo, dentro de sua competência constitucional, considerou inconvenien-
te". (os grifos não são do original).
Destaque-se, igualmente, que não há, na hipótese, ofensa ao princípio da hierarquia das leis, ao da legalidade e nem mesmo ao da isonomia, como a seguir se demonstra.
A atuação do DECEX está lastreada nos seguintes dispositivos legais, à luz do ordenamento jurídico em vigor:
- A Constituição Federal em seu art. 22, item VIII, estabelece a competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior;
- Em seu art. 237, determina que a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda:
- No art. 219, estabelece que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal;
- A Lei n Q 8.028, de 12.04 90, que dispõe sobre a organização dos Ministérios, em seu artigo 19, inciso V, fixa como área de competência do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, o comércio exterior;
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- No artigo 23, inciso IV, da mesma lei, alínea e, está incluída a Secretaria Nacional de Economia como órgão específico daquele Ministério;
- O artigo 57, ainda da Lei citada acima, esclarece que o Poder Executivo disporá sobre a organização e funcionamento dos Ministérios e órgãos de que trata esta lei;
- O Decreto 99.244, de 10.05.90, em seu artigo 164, define a estrutura básica da Secretaria N acionaI de Economia, ali incluindo o Departamento de Comércio Exterior - DECEX;
- O artigo 165 dá competências ao DECEX, e dentre todas, destacam-se as contidas nos itens I, III, VII, VIII e principalmente o item X, abaixo transcritos:
"Art. 165 - Ao Departamento de Comércio Exterior compete:
I - emitir licenças de exportação e importação, cuja exigência será limitada aos casos impostos pelo interesse nacional;
III - exercer, prévia ou posteriormente, a fiscalização de preços e medidas, qualidades e tipos nas operações de importação, respeitadas as atribuições de competência das repartições aduaneiras;
VII traçar diretrizes da política do comércio exterior;
VIII - adotar medidas de controle das operações de comércio exterior, quando necessárias ao interesse nacional;
X - baixar normas necessárias à implementação da política de comércio exterior, bem assim orientar e coordenar a sua expansão;
Compete-lhe, assim, não só emitir licenças de importação, mas, também, baixar normas à implementação de política de comércio exterior, mediante a adoção de medidas de controle das operações de comércio exterior, quando necessárias ao interesse nacional, traçando, para isto, diretrizes da política do comércio exterior.
A vedação contida na Portaria Decex n Q 08/91, de importação de veículos usados, estabelece critérios gerais relacionados com o comércio exterior, segundo diretrizes traçadas por diplomas de hierarquia superior.
N a vigência da Constituição anterior, as restrições impostas às importações, tinham, também, o respaldo do texto então vigente, conforme previam os arts. 8Q
,
I e XVII, alínea 1, e art. 160, estando ali consignado, como um dos princípios da ordem econômica e social, a realização do desenvolvimento nacional.
A importação de veículos automotores foi temporariamente
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suspensa em nosso país com o advento do Decreto-Lei n Q 1.427, de 02 de dezembro de 1975, art. 5Q
,
inc. II; Resolução n Q 125, de 05 de agosto de 1980, do CONCEX, Comunicado n Q 7, de 1982, da CACEX, como medida de proteção à economia nacional.
O inciso II, do art. 5Q, Decreto
Lei n Q 1.427/75 dispõe:
"Art. 5Q O Ministério da Fazenda poderá em caráter temporário segundo diretrizes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e, sem prejuízo dos compromissos negociados pelo Brasil na Associação LatinoAmericana de Livre Comércio, autorizar a Carteira de Comércio do Banco do Brasil a indeferir pedidos de Guia de Importação nos seguintes casos:
II - Importações que causem ou venham a causar sérios danos à economia nacional".
A Resolução n Q 125/80 do CONCEX, disciplinando o Sistema Administrativo, no item II, atribuiu à CACEX a incumbência de através de comunicado público indicar as mercadorias de importação proibida e/ou suspensa, e, no item V, letra b, permitiu à CACEX suspender importações nos casos a que se refere o inciso IV, que causem ou ameacem causar danos à economia nacional. O inciso IV preceitua que "A suspensão das importações visa resguardar o interesse da economia nacional; na preservação das es-
pécies; na saúde pública; na segurança nacional; na ordem pública; no abastecimento nacional; em setores críticos; e no equilíbrio da balança comercial". Regulamentando as importações de material usado, no inciso XII, restringiu tais operações a máquinas, equipamentos e/ou instrumentos usados, uma vez atendidos os requisitos que enumera nas alineas a a d, destacando-se ali também o interesse da economia nacional".
O Comunicado CACEX n Q 07/ 82, por sua vez, no item 6, nos termos do art. 5Q do Dec. n Q 1.427, de 02.12.75, e do item V da Resolução n Q 125/80, do CONCEX, conforme aprovação do Ministro da Fazenda, suspendeu temporariamente a concessão de guia de importação para os produtos relacionados no Anexo C, entre eles os veículos automóveis, conforme consta do capítulo 87, e no Título XIII - Importação de Material Usado, condicionou a possibilidade à importação de bens usados sem produção no País, desde que atendidos, cumulativamente, determinados pressupostos.
Tais normas emprestam à vedação em foco o respaldo legal necessário, fato este reconhecido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1 ª Região, no julgamento daAMS n Q 92.03989-4-DF, em 27.5.92, Relator o Exmo. Sr. Juiz Tourinho Neto, em caso de regularização fiscal de veículo que já se encontrava no País ao
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desabrigo da documentação regular, in verbis:
"Quando a mercadoria tem a sua entrada vedada no País como medida de proteção a determinados setores da economia, e isto, por certo período determinado ou não, ou por uma determinada forma, temos uma proibição relativa.
A infração a estas normas constituem o crime de contrabando e não o descaminho.
Durante certo tempo a importação de veículos automotores foi proibida pelo nosso País (Decreto-Lei n Q 1.427, de 02 de dezembro de 1975, art. 5Q
, inc. II; Resolução n Q 125, de 05 de agosto de 1980, do CONCEX; Comunicado n Q 7 de 1982, da CACEX)".
As normas da CACEX viu-se, estão em estrita observância aos limites da lei (Dec.-Lei n Q 1.427/ 75). A valoração dos danos à economia nacional, que devem ser evitados, compete ao administrador e não ao Impetrante ou mesmo ao Poder Judiciário. É critério que se subsume no poder discriminatório do Poder Executivo, sem que isto importe em ofensa a qualquer princípio, mormente ao da isonomia. Além do mais, a sua valoração não pode ser feita no âmbito do mandado de segurança, que não comporta ilações desta natureza.
A Portaria Ministerial n Q 56/ 90, que revogou as normas da
CACEX que vedavam a importação de veículos novos, efetivou, com esteio no art. 19, V, da Lei n Q
8.028, de 12 de abril de 1992, a abertura, proclamada pelo Governo Collor, dos portos ao comércio internacional, dando, com isso, cumprimento ao mandamento constitucional da livre concorrência.
Todas as normas suso indicadas, disciplinadoras da importação, encontram respaldo em interesse nacional de duas ordens: (1) proteger e controlar as reservas de divisas do País, a fim de que o Brasil não as gaste na importação de bens desnecessários (2) proteger o mercado de trabalho.
Ademais, todos os preceitos editados anteriormente a 1988 têm integral o amparo na Carta Magna atual, como se destaca do art. 219, verbis:
"O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal".
Quis o Constituinte, nesse preceito, assegurar constitucionalmente o princípio de que o mercado interno integra o patrimônio nacional.
A tese defendida pela Fazenda Nacional é inteiramente conforme o Direito, pelo que a juris-
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prudência, recentemente, foi alterada em seu favor, como se pode observar pelo Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de J ustiça (Recurso Especial nQ 39.277-2-PA), que se junta, cuja ementa abaixo reproduzimos:
"Tributário - Veículo objeto de descaminho - Regularização - Denúncia espontânea -Norma em branco -Abolitio delicti - Decreto-Lei n Q 2.446/ 88 - CTN art. 138.
- É impossível elastecer o permissivo do Dec.-Lei nQ 2.446/ 88, para alcançar descaminhos
ocorridos após os prazos nele fixados.
- A mudança circunstancial das restrições que complementam a norma sancionadora em branco, não implica em beneficiar-se o infrator, com o princípio da aboli tio delicti.
-Adenúucia espontânea (CTN art. 138) não substitui o requerimento previsto no Dec.-Lei nQ
2.446/88, como instrumento de regularização" .
Por tais fundamentos, dou provimento ao recurso. Oficie-se.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 128.752 - RS
(Registro n Q 97.0027535-3)
Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo
Recorrente: Adubos Trevo S.A. Grupo Trevo
Recorrido: Departamento Estadual de Portos) Rios e Canais - DEPRC
Advogados: Márcio Gontijo e outros) e Carlos Gomes da Silva Júnior e outros
Sustentação Oral: Dr. Márcio Gontijo) pela recorrente
EMENTA: Direito Civil. Terminal portuário. Tarifa portuária paga pelo acostamento de embarcação para carga e descarga. Decreto-Lei n g 83/66 e Lei 8.630/93. Legalidade.
Não é ilegal o pagamento de tarifa por empresa que explora terminal portuário privativo, sempre que houver acostamento de embarcação para efeito de operações de carga e descarga no respectivo terminal marítimo (Decreto-Lei n Q 83/66), e pactuada livremente com o Departamento de Portos, Rios e Canais (DEPRC), na forma da legislação em vigor.
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Não padece de ilegitimidade, que justifique a sua reparação pela via da segurança, o ato de autoridade que busca o cumprimento de cláusula contratual livremente celebrada em obediência à legislação pertinente.
Descabe mandado de segurança contra autoridade cuja função é de mera executora de contrato, carecendo de competência para sanar a possível ilegalidade do ato que se pretende acoimado de irregularidade capaz de ineficacizá-Io.
Recurso improvido. Decisão indiscrepante.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Garcia Vieira. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e José Delgado. Custas, corno de lei.
Brasília, 07 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DJ de 11-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Cuida-se de mandado de segurança preventivo impetrado pela empresa Adubos Trevo S.A. -
Grupo Trevo contra Administrador do Porto do Rio Grande, objetivando eximir-se do pagamento de serviços em Porto Privativo com base na Tabela "N".
A impetrante celebrou, em 1971, com o DEPRC, acordo em cuja cláusula X ficou consignado que a taxa portuária, sempre que houver acostamento de embarcação para operação de carga ou descarga, seria paga com base nas Tabelas "A" e "N". Vem, agora, sob fundamento de que o Decreto-Lei nº 83/66, sob cuja égide foi celebrado Termo de nº 365, foi revogado pela Lei de nº 8.630/ 93, não havendo como ser impelida a cumprir os Termos do acordo, mediante o pagamento da tarifa pela Tabela "N".
Pede a concessão do mandamus.
A segurança foi indeferida em ambas as instâncias.
Irresignada, manifesta, a vencida, recurso especial. Alega ofensa aos arts. 74 e 76 da Lei nº 8.630/93, além do dissenso pretoriano.
Admitido o recurso por despacho em agravo de instrumento e contra-
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arrazoado, subiram os autos a esta instância.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Senhores Ministros:
A empresa Adubos Trevo S.A. -Grupo Trevo impetrou mandado de segurança contra o Administrador do Porto do Rio Grande. Na segurança preventiva objetiva a sustação do pagamento pela exploração de terminal privativo da taxa com base na Tabela "N", eis que, o Decreto-Lei n Q 83/66 foi revogado pela Lei n Q 8.630/93.
Esclarece, a impetrante, que em 1971, celebrou, com o DEPRC o Termo de n Q 365, pelo qual a empresa passaria a explorar um terminal portuário privativo de acordo com o Decreto-Lei n Q 5/66. Na cláusula X do respectivo Termo, consta que, "além da renda, a contratante (impetrante) pagará ao DEPRC as taxas das Tabelas "A" e "N" da Tarifa Portuária sempre que houver acostamento de embarcação para operações de carga ou descarga no terminal marítimo.
Sucede que a Lei n Q 8.630/93 revogou o Decreto-Lei n Q 83/66, sob cuja égide se firmou o contrato referido (Termo n Q 365), estando a requerente desobrigada do pagamento da taxa pela Tabela "N" naquelas operações.
A segurança foi negada em ambas as instâncias.
Irresignada, a vencida manifesta recurso especial, sob o pálio das letras a e c. Alega ofensa aos arts. 77,97, I do CTN e arts. 74 e 76 da Lei n Q 8.630 e contrariedade com a Súmula 512 do STF.
O recurso não pode prosperar, por ser evidente a improcedência de seus fundamentos e a inexistência de ofensa aos preceitos de lei indicados. A recorrente intenta, em sua irresignação, atribuir ao pagamento decorrente de acordo firmado, a natureza de taxa (tributo), quando, em verdade, se cuida de tarifa, à qual não se aplicam os preceitos de lei invocados (arts. 77 e 97, I, do CTN). Em assim sendo, ao meu sentir, não se há de falar em ofensa aos dispositivos de lei apontados, mas, ao contrário, de escorreita interpretação e aplicação da legislação pertinente. Com efeito, como bem apontou o Ministério Público, não é ilegalo ato que busque o cumprimento de cláusula contratual legitimamente celebrada segundo o ordenamento vigente à época da contratação. Demais, a autoridade indicada como coatora é mera executora dos termos do contrato (Termo n Q 365) e não tem poderes para sustar o pagamento da tarifa, consoante o que foi pactuado. De conseguinte, a impetração deveria, de logo, nas instâncias ordinárias, ter estancado diante da impossibilidade jurídica, desde que o mandado de segurança não pode atacar ato de quem não tem competência para sanar a sua ilegalidade. Inexiste, portanto, liquidez e certeza na pretensão. Por outro lado, o pagamento com base na Tabela "N" advém de acordo fir-
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mado entre as partes com arrimo na legislação vigente. Se o Decreto-Lei n Q 83/66 foi revogado, a lei estabeleceu prazo (180 dias) para o acertamento, pelos órgãos competentes, sobre o pagamento das tarifas, em face da Lei n Q 8.630/93. Se as tarifas vinham sendo pagas com fincas no Decreto-Lei 83, citado, até a data de readaptação do pagamento à nova realidade (Lei n Q 8.630/93), à recorrente não cabe outra atitude senão a de continuar cumprindo as cláusulas do acordo (Termo n Q 365) - pacta sunt servanda.
Para concluir, parecem-se irrespondíveis os fundamentos do acórdão recorrido, ao esclarecer:
"Trata-se de pretensão mandamental preventiva, com que visa a arrendatária de terreno da área do Porto de Rio Grande, sobre o qual implantou um terminal portuário privativo, eximir-se da exigência da Administração do referido Porto de pagamento da denominada Tarifa "N", contratualmente ajustada, com base no Decreto-Lei n Q 83/66. Embasa-se o pedido no fato de ter a Lei n Q
8.630/93 declarado expressamente revogado dito decreto-lei.
Ocorre que a lei nova, a par da revogação do Decreto-Lei n Q 83/ 66, não institui um novo sistema tarifário e atribui às autoridades portuárias implementá-lo em determinado prazo.
Essa implementação ainda não se efetivou, mas não há dúvida de que alguma remuneração continuará sendo devida pelos termi-
nais privativos, semelhantes ao da impetrante, em razão dos serviços prestados ou postos à sua disposição pelo DPRC, e pelaAdministração do referido Porto.
Por isso, e dada a natureza contratual dessa obrigação, que ainda subsiste, não há falar em direito líquido e certo à suspensão do pagamento da denominada Tarifa "N", tão-só porque, decorridos mais de 180 dias - prazo fixado na Lei n Q 6.830/93 para a adaptação dos contratos de exploração de terminais privativos às suas disposições -, tais contratos não tenham sido modificados.
É que tal adaptação há fazerse segundo novas estruturas tarifárias, a serem adotadas pelas administrações dos portos, as quais devem ser submetidas à apreciação dos respectivos Conselhos de Autoridade Portuária.
Estando essas autoridades em mora, em princípio poder-se-ia admitir viesse a impetrante a postular na via judicial a modificação daquela cláusula contratual, ou sua eventual inexigibilidade, mas não pela via excepcional do mandado de segurança, dada a necessidade de demonstração de matéria de fato, como adverte corretamente o eminente Procurador de Justiça, no parecer, às fls. 125/126.
Aliás, essa matéria já foi enfrentada anteriormente pela egrégia Primeira Câmara Cível, no julgamento daAPC n Q 595056756; e por esta mesma Câmara, no jul-
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gamento da APC nº 594132268, em sessão de 23.11.1994, tendo como Relator o eminente Des. Arnaldo Rizzardo. Também naqueles julgamentos não se reconheceu o alegado direito líquido e certo" (fls. 136/137)".
Como se vê, a quaestio juris é, até, impossível de ser dirimida na via estreita do mandamus, já que, para tanto, seria necessário dilação probatória.
Por último, não se há de falar em ofensa à Súmula 512 do STF, desde
que o pagamento dos honorários foi expressamente excluído no acórdão de fl. 137.
Com estas considerações, conheço do recurso, mas lhe nego provimento.
É como voto.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Conheço do recurso, mas lhe nego provimento.
RECURSO ESPECIAL Nº 156.513 - PB
(Registro nº 97.0085276-8)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrente: Fazenda Nacional
Recorrida: Hiper Lojão Móveis Ltda.
Procuradores: Drs. Adonias dos Santos Costa e outros
Advogado: Dr. Joaquim Daniel
EMENTA: Processual Civil. Apelação e remessa oficial. Descabimento da invocação de jurisprudência iterativa não sumulada. Obrigação do conhecimento. Lei Complementar nº 35/79 (art. 90, § 2º) - CPC, arts. 475, n, e 557.
1. Pela estrita viseira de iterativa jurisprudência constitui ilegalidade, revelando contrariedade ao duplo grau de jurisdição, a decisão do relator negando seguimento à remessa oficial e à apelação voluntária. Compete ao STJ, no concernente à legislação infraconstitucional, dizer da sua aplicação em âmbito nacional e não às instâncias ordinárias.
2. Multifários precedentes do STJ.
3. Recurso provid«?
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 89
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator os Senhores Ministros José Delgado, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Garcia Vieira. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.
Custas, como de lei.
Brasília, 2 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 24-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Cuida-se de Recurso Especial, fulcrado na alínea a, do permissivo constitucional, interposto contra o v. acórdão assim ementado:
"Processual CiviL Agravo regimentaL Matéria rejeitada reiteradamente por esta E. Corte. Hipótese prevista no art. 557 da Lei 9.139/95.
O relator negará seguimento a recurso manifestamente inad-
missível, improcedente, prejudicado ou contrário à Súmula do TribunaL
A matéria objeto do presente recurso tem sido reiteradamente rejeitada por esta Corte, que já pacificou entendimento contrário à pretensão do autor.
Recurso a que se nega seguimento." (fl. 86).
Inconformada, alega a Recorrente que o v. aresto hostilizado negou vigência ao artigo 557 do Código de Processo CiviL
Aduz:
"A hipótese desses autos é de compensação de tributos, pretensamente com apoio no art. 66, da Lei n Q 8.383/91.
Permissa venia, não merece ser considerada manifestamente improcedente tese que vem sendo acolhida de forma majoritária pelos Tribunais pátrios, que se inclinam para o entendimento de que para a compensação de tributos impõe a demonstração da liquidez e certeza dos créditos em confronto, além do que não poderia ser compensado Finsocial com Cofins à vista da diversidade de natureza jurídica de ambos.
Com efeito, a tese sufragada pelo MM. Juiz singular e prestigiada pela r. decisão agravada diverge do entendimento assentado neste Colendo Superior Tribunal de Justiça - em matéria infraconstitucional, última palavra a ele cabe por expressa de-
90 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
terminação constitucional -consoante se vê, exemplificativamente, do acórdão proferido no Recurso Especial n° 76.230-PE (95.0050367-0), de relatoria do eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, onde ficou assentado que Finsocial e Cofins não possuem a mesma natureza, restando inviabilizada a pretendida compensação. Com efeito, consigna a respectiva ementa:
'Tributário. Compensação. Débito e crédito provenientes de Finsocial e Cofins, respectivamente. Impossibilidade.
A compensação tributária pressupõe o confronto de débito e crédito provenientes de tributos da mesma espécie.
A jurisprudência do STJ é contrária à compensação entre créditos e débitos provenientes, respectivamente, de Finsocial e Cofins (RMS 4.035-6/ DF)'. (DJU de 11.03.96, pág. 6.582).
Em seu voto condutor, o culto Ministro Humberto Gomes de Barros, após transcrição do art. 66, da multicitada Lei n Q 8.383/ 91, conclui enfaticamente:
'No que respeita à segunda questão, nossa jurisprudência é contrária à compensação entre créditos e débitos provenientes, respectivamente, de Finsocial e Cofins'. (sem grifos no original).
Insustentável, portanto, à luz da Constituição Federal, a orientação firmada na r. sentença monocrática, com o beneplácito da v. decisão agravada, pelo que não se pode, permissa venia, titular de manifestamente improcedente a tese sustentada pela Fazenda Nacional nestes autos".
omissis
"Para tanto, faz-se necessário que o Egrégio Tribunal, mediante acórdão da Conspícua Turma, se pronuncie acerca da matéria de fundo debatida nestes autos.
É que o Recurso Especial pressupõe a existência de causa decidida, em única ou última instância (CF, art. 105, IH), o que inocorreu na hipótese vertente, ante o trancamento does) recurso(s) pela r. decisão ora agravada.
Noutras palavras, inexistindo decisão colegiada (acórdão), que não se confunde com a r. decisão singular hostilizada, não é possível interpor-se recursos extraordinário e especial, a teor dos arts. 102 e 105, da Carta da República".
omissis
"N o caso dos autos, a pretexto de aplicar o art. 557 do CPC, o v. acórdão hostilizado, em verdade, desaplicou o preceito nele contido, equivalendo à negativa de vigência, a justificar o conhecimento e provimento do presente apelo extremo pela letra a do permissivo constitucional.
Cumpre registrar que concomitantemente com este recurso
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 91
especial, a ora recorrente interpôs recurso extraordinário, haj a vista a violação, pelo v. acórdão recorrido aos comandos insertos nos incisos XXXV e LV, da Constituição Federal". (fls. 92/95).
Simultaneamente foi interposto Recurso Extraordinário, admitido na origem.
Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões.
O nobre Presidente do colendo Tribunal a quo admitiu o Especial nestes termos:
"Compulsando os autos, verifico que assiste razão à recorrente, uma vez que, em sendo ainda controvertida a natureza jurídica do Finsocial, deveria o recurso ter sido julgado pela Turma.
Isto posto, admito o recurso especial, devendo o mesmo ser processado com as cautelas regimentais". (fl. 112).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Pela guia do relatório, avivadas as peças informativas do processo, altea-se que, em Mandado de Segurança, malsinando a Instrução Normativa nº 67/92 e colocando em evidência a Lei nº 8.383/91 (art. 66), a parte impetrante, com liminar favorecedora da compensação, objetivou o reconhecimento do seu direito líquido e cer-
to de proteger-se contra a prática de atos lesivos praticados pela autoridade apontada como coatora (fls. 2 a 8).
Favorável a r. sentença para assegurar "a compensação unilateral dos créditos referentes ao pagamento a maior do Finsocial, excedentes à alíquota de 0,5%, com as parcelas vincendas devidas a título de Cofins ... ", por força do duplo grau de jurisdição, determinada a remessa oficial e interposta a apelação voluntária, os autos subiram ao egrégio Tribunal Regional Federal- 5ª Região.
Recebida a apelação, à invocação do art. 557, CPC, foi negado seguimento ao recurso (fl. 72), ensejando Agravo Regimental, improvido conforme resumido na ementa:
"Processual Civil. Agravo regimental. Matéria rejeitada reiteradamente por esta E. Corte. Hipótese prevista no art. 557 da Lei 9.139/95.
O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à Súmula do Tribunal.
A matéria objeto do presente recurso tem sido reiteradamente rejeitada por esta Corte, que já pacificou entendimento contrário à pretensão do autor.
Recurso a que se nega seguimento." (fl. 86).
Adveio o recurso arrimado na sustentação básica de que o julgado contrariou o art. 557, CPC.
92 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Feito o memento para a compreensão da questão jurídico-litigiosa, presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido (art. 105, IH, a, C.F.).
Presentes os requisitos de admissibilidade o recurso merece ser conhecido.
Nessa lida, destaca-se questão já examinada por esta Corte, propiciando iterativos julgados aprisionando a questão jurídico-litigiosa de fundo, entre os quais menciona-se o REsp 134.450-BA, quando proferi voto-vista. À ocasião, rememorando o voto elaborado pelo Senhor Ministro-Relator, assinalei:
(. .. )
Em conhecendo do recurso, o eminente Relator Ministro Garcia Vieira, objetivamente, discorreu:
(. .. )
'Estabelece a Lei Complementar 35/79 que:
'O Regimento Interno disporá sobre as áreas de especialização do Tribunal Federal de Recursos e o número de Turmas especializadas de cada uma das Seções, bem assim sobre a forma de distribuição dos processos.
Parágrafo 1 Q ••••••••••••••••••
Parágrafo 2Q - o relator
julgará pedido ou recurso que manifestamente haja perdido objeto, bem assim,
mandará arquivar ou negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo ou incabível ou, ainda, que contrariar as questões predominantemente de direito, súmula do Tribunal ou do Supremo Tribunal Federa!...'.
Como se vê, referido dispositivo legal se refere ao Tribunal Federal de Recursos e autorizava a seus Ministros negar seguimento a recurso que contrariasse as suas súmulas. Não dá, ele, nenhum apoio aos Juízes dos Tribunais Regionais Federais para fazer o mesmo e negar seguimento a recursos que contrariar as súmulas dos Tribunais Regionais Federais. O Tribunal Federal de Recursos era único e com jurisdição em todo o território nacional. Quando um de seus Ministros negava seguimento a um recurso por contrariar suas súmulas, sua decisão tinha eficácia em todo o Brasil. Com os Tribunais Regionais Federais a situação é diferente. Sendo vários os Tribunais, cada um tem ou pode ter súmulas diferentes ou mesmo opostas à de outro Regional. Como no caso concreto, outro Regional pode ter uma súmula em sentido oposto à Súmula n Q 10 do Regional da 5ª Região e aí, nós teríamos decisões contraditórias. Num Regional, determinada lei é constitucional e noutro inconstitucional. O direito
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 93
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seria diferente num e noutro Tribunal. Se um Regional nega seguimento à apelação de sentença que considerou constitucional ou inconstitucional, impede seja a questão apreciada e decidida pelo Supremo Tribunal Federal que é o Tribunal competente para dar a última palavra em questões constitucionais. Com isto, estaria usurpando a competência da Excelsa Corte. O mesmo aconteceria com a matéria infraconstitucional, porque cabe ao STJ dizer o direito, no concernente à matéria legal, para todo o País e não aos Regionais. Entendo que estes não podem negar seguimento a recurso com base em suas súmulas, mesmo porque, quando o STF ou o STJ decidem em sentido diferente ao das Súmulas dos Regionais, ficam estas revogadas".
Ficando à deriva incursão na senda constitucional, de pronto, manifesto expressa adesão à fundamentação transcrita, máxime exaltando-se que a ação tem como ré a União Federal, resguardada por obrigatória apreciação da remessa oficial, por versar direito público indisponível, tanto que os efeitos da sentença ficam contidos até o reexame pelo Tribunal ad quem. Por óbvio, na mencionada remessa não se cogita de requisitos de admissibilidade para o conhecimento, nem fica obstaculizada por vinculação à jurisprudência sumulada. Trata-
se de apreciação de todas as questões por obrigação ex lege (art. 475, lI, CPC). Em contrário pensar, por via oblíqua, ficariam sem aplicação as impositivas disposições do art. 475, lI, CPC.
A jurisprudência preponderante desta Corte tem derruído o entendimento dos Tribunais regionais que prestigia inflexível aplicação das suas súmulas. Entre outros precedentes, confira-se:
- 'Constitucional e Previdenciário - Atualização de benefício - Correção monetária - Art. 202 da Constituição Federal - Despacho que nega seguimento à apelação com base em súmula - Recurso especial - Súmula de Tribunais - Carência de efeito vinculante.
1. 'Embora consubstanciem a jurisprudência dominante, as súmulas dos Tribunais não possuem efeito vinculante de modo a permitir que a aplicação de seu enunciado por despácho monocrático do relator da apelação, constitua decisão de única ou última instância e suj eita a recurso especial.' (REsp nº 90.078-CE).
2. Necessária a manifestação do órgão colegiado sobre o mérito da apelação interposta.
3. Recurso conhecido e provido.' CREsp nº 99.565-PB -ReI. Min. Anselmo Santiagoin DJU de 16.2.98).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
- 'Processual Civil e Previdenciário - Súmula de Tribunais. Carência de efeito vinculante.
- Recorribilidade. Embora consubstanciem ajurisprudência dominante, as súmulas dos Tribunais não possuem efeito vinculante, de modo a permitir que aplicação' de seu enunciado, por despacho monocrático do relator da apelação, constitua decisão de única ou última instância e sujeita a recurso especial.
- Salários-de-Contribuição. Jurisprudência assentada no sentido da eficácia plena e aplicabilidade imediata de norma do art. 202 da CF/88. Precedentes.' (REsp 90.078-CE - ReI. Min. Assis Toledo - in DJU de 5.8.96).
- 'Recurso - Súmulas -Seguimento - Contrariedade - Tribunais Regionais Federais.
O Tribunal Federal de Recursos era único e com jurisdição em todo território nacionaL Quando um de seus ministros negava seguimento a um recurso por contrariar suas súmulas, sua decisão tinha eficácia em todo Brasil.
Com os Tribunais Regionais a situação é diferente.
Sendo vários Tribunais Regionais Federais, cada qual terá suas súmulas, que podem até mesmo ser opostas. Não podem eles negar seguimento
a recurso com base em suas súmulas, mesmo porque, quando o STF ou ST J decidem em sentido diverso ao das Súmulas dos Regionais, ficam estas revogadas.
É do ST J a função de dizer o direito em âmbito nacional, no que concerne à matéria legal, e não dos regionais.
Recurso provido.' (REsp 116.637/CE - ReI. Min. Garcia Vieira - in 16.2.98).
- 'REsp - Processual Civil - Remessa de Ofício -CPC, art. 557 - A extensão normativa do disposto no art. 557, CPC, é limitada em havendo necessidade de exame da remessa de ofício, procedida pelo Colegiado.' (REsp 153.300-AL - ReL Min. Vicente Cernicchiaro - in DJU de 25.2.98).
Circunstancia-se, pois, que no recurso de apelação, cuja natureza processual é ordinária, para in admitir o seu conhecimento, não são invocáveis os específicos requisitos de admissibilidade próprios do Recurso Especial. Interposta a apelação dentro do prazo legal, 'não pode ter seguimento obstado pelo argumento de que a orientação jurisprudencial da Corte já se firmou no sentido da decisão apelada.' (REsp 90.078-CE)."
À mão de reforçar, anota-se:
"Processual Civil. Sentença contra a União, Remessa obrigatória. Apelação voluntária.
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Decisão do relator. Hipótese que não se subordina à permissão dada ao relator para, por decisão singular, negar seguimento ao recurso, pois que, no caso, não se encontra sumulada a matéria apelada, requisito que não se supre, pela mera referência a julgados reiterados". (REsp n Q
153.299-PB - ReI. Min. José Dantas, in DJU de 19.12.97).
Na confluência da exposição, reanimando a fundamentação dos precedentes comemorados, competindo ao Superior Tribunal de Justiça, em âmbito nacional, dizer da aplicação da legislação infraconstitucional, voto provendo o recurso, a fim de que o despique voluntário e remessa sejam apreciados como de direito.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 170.202 - SP
(Registro nQ 98.0024462-0)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrentes: Ademar Scelerges e outros
Recorrida: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. José Pascoal Pires Maciel e outro, e Camilo de Lellis Cavalcanti e outros
EMENTA: Processual Civil. Petição inicial. Inépcia. Artigos 286 e 295, I, CPC.
1. Suficiente a exposição dos fatos, claro o fito do autor, evidenciado que a parte-ré, bem compreendendo a demanda, sem prejuízo e com amplitude, exercitou a defesa, estabelecendo-se o contraditório, a petição inicial não deve ser reconhecida como inepta.
2. A petição, formalmente defeituosa, pode ser emendada ou completada por determinação judicial ou, espontaneamente, nesta hipótese, antes da citação.
3. O indeferimento sumário destrói a esperança da parte e obstaculiza o acesso à via judicial, constituindo desprestígio para o Judiciário ..
4. Precedentes.
5. Recurso provido.
96 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator os Senhores Ministros José Delgado, Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.
Custas, como de lei.
Brasília, 9 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 24-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O colendo Tribunal Regional Federal da 3ª Região constituiu acórdão sumariado nestes termos:
"FGTS. Saldo de contas vinculadas. Correção monetária. IPC. Pedido genérico. Impossibilidade. Anulação da sentença. Extinção do processo sem julgamento do mérito.
I - Nas ações objetivando a aplicação de índices expurgados na correção dos depósitos fundiários, não se permite a formula-
ção de pedido genenco, sem a devida indicação dos índices, meses ou anos.
II - Em referidas demandas, mister se faz a indicação precisa dos índices pleiteados, a fim de que o pedido possa se revestir das imprescindíveis qualidades de certeza e determinação.
III - Nosso Diploma Processual somente permite o pleito genérico, nos casos taxativamente previstos nos incisos I a III do art. 286, porém, restritos ao quantum debeatur e jamais ao an debeadur.
IV - Processo extinto sem julgamento do mérito. Provida a remessa oficial e prejudicado o exame dos recursos interpostos pelos autores, pela CEF e pela União Federal." (fi. 356).
O presente Recurso Especial, fulcrado no artigo 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, se fundamenta em contrariedade ao artigo 286, do Código de Processo Civil, "que possibilita a formulação de pedido genérico quando não for possível determinar o quantum debeatur." Aponta, ainda, dissídio com julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Aduz:
"Não há que se falar em inépcia da ação, como quer fazer crer o r. acórdão recorrido, posto que o art. 286, inciso III do Código de Processo Civil possibilita a sua formulação quando não for pos-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 97
sível a determinação quantitativa do pedido. Em perfunctória análise do competente pedido inserido na exordial, conclui-se, indubitavelmente, que o pedido observa o preceito do art. 282, inciso IV, do CPC.
No que tange ao item c, do inciso IIl, do art. 105 da Constituição da República de 1988, inolvidável colacionar o decidido na Apelação Cível n Q 96.03.055865-6, Apelante Osvaldo Simões Júnior, Apeladas CEF e União Federal, publicado no Diário da Justiça da União 13.12.1996, em que, por unanimidade, deu provimento ao recurso do autor, sendo certo que a decisão foi proferida pela mesma Turma (Quinta) do r. acórdão recorrido ... " (fls. 370/371).
Contra-razões apresentadas às fls. 379/381 e 382/389.
Considerando preenchidos os pressupostos de admissibilidade o nobre Vice-Presidente do e. Tribunal de origem admitiu o Recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): A articulação recursal (art. 105. IIl, a, C.F.), ao derredor de alegada contrariedade ao art. 286, CPC, por falta de pedido certo e determinado, afirmando ser inepta a inicial, objetiva a aplicação do art. 282, IV, CPC.
Nessa senda, quanto à contrariedade ou negativa de vigência ao padrão legal enunciado, incontrastável que a pertinente questão jurídica foi enfrentada, fazendo-se presentes os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido o recurso (art. 105, IIl, a, C.F.).
Todavia, em relação à divergência (alínea c), observado que o aresto colacionado é do mesmo Tribunal, não se prestando para o confronto proposto, não serve para a pretendida demonstração (Súmula 13/ STJ). Logo, no âmbito da divergência fica desconsiderado o recurso.
Estabelecidos os limites objetivos do conhecimento, altea-se que as prédicas do inconformismo voltaram-se contra julgado na seguinte ementa:
"FGFS. Saldo de contas vinculadas. Correção monetária. IPC. Pedido genérico. Impossibilidade. Anulação da sentença. Extinção do processo sem julgamento do mérito.
I - Nas ações objetivando a aplicação de índices expurgados na correção dos depósitos fundiários, não se permite a formulação de pedido genérico, sem a devida indicação dos índices, meses ou anos.
II - Em referidas demandas, mister se faz a indicação precisa dos índices pleiteados, a fim de que o pedido possa se revestir das imprescindíveis qualidades de certeza e determinação.
III - Nosso Diploma Processual somente permite o pleito genéri-
98 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
co, nos casos taxativamente previstos nos incisos I a III do art. 286, porém, restritos ao quantum debeatur e jamais ao an debeatur.
IV - Processo extinto sem julgamento do mérito. Provida a remessa oficial e prejudicado o exame dos recursos interpostos pelos autores, pela CEF e pela União Federal." (fl. 356).
A respeito do tema recursal, embora reconhecendo a imperfeição formal da petição inicial, no caso, a petição não é inintelegíveI.
Ora, goza de prestígio jurisprudencial o entendimento de que não deve ser declarada a inépcia, quando possibilite ao juiz a compreensão dos fatos, da causa de pedir e do conseqüente pedido, favorecendo a aplicação do direito à espécie, permitindo a ampla defesa da parte adversa. É a aplicação do princípio da economia processual, nem o pedido genérico merece repulsa (art. 286 -parte final, CPC).
- "Processo Civil - Inépcia da inicial - Inexistente a negativa de dispositivo de lei federal. Se a inicial contém, embora não tão claros, todos os elementos necessários a se alcançar o objetivo proposto, hão há que se a ter como inepta. Precedentes. Recurso não conhecido pelo fundamento contido na letra a, lU, art. 105, da CF. Improvimento do recurso pelo fundamento da letra c, IH, art. 105, da C.F." (REsp 12.500-PR - ReI. Min. Pedro Acioli -
in DJU de 09.12.91 - apud Jurisp. CPC - Gil Trotta Telles - ed. Juruá, pág. 157).
- "Processual Civil - Ação indenizatória. Pedido genérico. Sua abrangência.
Quando o autor não tem certeza sobre as conseqüências do ato ou do fato ilícito, pode formular pedido genérico, nos termos da art. 286, H, do CPC. Nesses casos, os termos do pedido interpretam-se de acordo com o conteúdo da inicial e a sua abrangência. Sentença reformada". (Ap. Cível 92.238-CE - ReI. Min. Gueiros Leite - in DJU de 19.12.84).
- "Processo Civil - Pedido genérico - Admissibilidade, nas circunstãncias, não se recomendando a anulação do processo, posto que inexistente qualquer prejuízo para as partes, ficando perfeitamente resguardado o contraditório. Omissis". (Ag. 51.665-PR - ReI. Min. Eduardo Ribeiro - in DJU de 11.10.88).
Valorizando o mesmo entendimento, o Senhor Ministro Demócrito Reinaldo, na parte final de acórdão que elaborou, deixou sinalizado:
omissis
"... não se rej ei ta o requerimento genérico se, mesmo deficientemente formulado, permitir correta compreensão de seu alcance e a ampla defesa da parte adversa.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 99
Recurso improvido, por unanimidade". (REsp 20.923-0-SP - in DJU de 21.9.92).
No mesmo sentido:
"Processual Civil. Carência da ação. Apreciação de ofício. CPC, art. 267, § 3Q
• Possibilidade. Pedido ilíquido mas certo. Descabimento da decretação da carência da ação. CPC, art. 286. Recurso provido.
I - O Tribunal da apelação, ainda que decidido o mérito na sentença, poderá conhecer de ofício da matéria concernente aos pressupostos processuais e as condições da ação.
II - Nas instâncias ordinárias não há preclusão para o órgão julgador enquanto não acabar o seu ofício jurisdicional na causa pela prolação da decisão 'definitiva' .
III - Constando da inicial pedido certo em relação ao an debeatur." (REsp 36.203 - SP, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo, in DJU de 23.9.96).
"Processual Civil. Interpretação do art. 286, CPC. Pedido genérico inexistente.
1. Não há de se considerar como sendo genérico o pedido quan-
do há pretensão bem definida da parte de anular determinado auto de infração.
2. Há de se interpretar o pedido de forma sistêmica, isto é, não se limitando, apenas, ao último parágrafo da sua formulação.
3. Tem-se como certo e determinado o pedido quando a lide, nos limites postos pela parte promovente, permite bem se definir a entrega da prestação jurisdicional, vinculando-se a um determinado fato.
4. Recurso provido." (REsp 105.616-PR, ReI. Min. José Delgado, in DJU de 16.12.96).
Por fim, para verrumar a inflexibilidade da forma, perfilio que, no caso, o autor veio a juízo pedindo uma prestação jurisdicional quanto ao mérito, bem detalhando os fatos, segundo delineou, e, por fim, deferida.
De súbito, por questão prejudicial destruir a esperança da parte e obstaculizar a via processual, penso eu, constituiria desprestígio para o Judiciário. Na vertente do exposto, voto provendo recurso ficando anulado o aresto ensejador do inconformismo, a fim de que sej am apreciados os prenunciados pontos controvertidos.
É o voto.
100 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
RECURSO ESPECIAL NQ 171.058 - SP
(Registro n Q 98.0025718-7)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado
Recorrentes: SNB Válvulas e Conexões Ltda. e outros
Advogados: Drs. Cid A. M. Cunha e outros
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogados: Drs. Vera Monteiro dos Santos Perin e outros
Recorridos: Os mesmos
EMENTA: Tributário. Contribuição previdenciária. Art. 3~ I, da Lei n!! 7. 787/89, e art. 22, I, da Lei n!! 8.212/91. Autônomos, empregadores e avulsos. Compensação. Correção monetária. Aplicação dos índices que melhor refletem a real inflação à sua época: IPC, INPC e a UFIR.
1. A Primeira Turma do STJ, de modo unânime, vinha assentando que a compensação prevista no art. 66, da Lei n Q 8.383/91, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do crédito a ser utilizado pelo contribuinte.
2. Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o ordenamento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimento pode ser feito de modo voluntárío ou por via judicial.
3. O autolançamento, previsto no CTN, é atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela normajurídica positiva.
4. Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolançamento antes de apurar a liquidez e certeza do crédito.
5. O sistema jurídico tributário trata, de modo igual, situações que impõem relações obrigacionais do mesmo nível. Se, por ocasião da extinção de tributo por meio de pagamento, o devedor é quem apresenta o seu débito como líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a parte devedora, no caso, o Fisco, deve ser chamada para apurar a certeza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a compensação, no tocante à liquidez e à certeza do débito, é criar, sem autorização legal, um privilégio para o contribuinte e uma discriminação para a Fazenda Pública.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 101
6. O art. 146, UI, letra b, da CF, dispõe que somente Lei Complementar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tributários. O art. 170, do CTN, ao exigir liquidez e certeza para ser efetivada a compensação, é lei complementar. Ainda mais, quando diz que a compensação só pode ser feita nos termos da lei ordinária. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas partes, não dispensável pela lei ordinária, que é a existência de crédito líquido e certo. A seguir, exige que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66, da Lei n Q 8.383/91, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.
7. A contribuição previdenciária da responsabilidade do empregador é tributo direto. Não se lhe aplica, para fins de repetição de indébito ou compensação, as regras do art. 166, do CTN.
8. AIO! Seção deste Superior Tribunal de Justiça, contudo, por maioria de um voto, entendeu possível a compensação via autolançamento do contribuinte. Com a ressalva do meu ponto de vista, acolho o posicionamento da lO! Seção.
9. A correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, tão-somente, a reposição do valor real da moeda, corroído pela inflação. Portanto, independe de culpa das partes litigantes. É pacífico na jurisprudência desta Colenda Corte o entendimento segundo o qual, é devida a aplicação dos índices de inflação expurgados pelos planos econômicos governamentais (Planos Bresser, Verão, Collor I e U), como fatores de atualização monetária de débitos judiciais.
10. A respeito, este Tribunal tem adotado o princípio de que deve ser seguido, em qualquer situação, o índice que melhor reflita a realidade inflacionária do período, independentemente das determinações oficiais. Assegura-se, contudo, seguir o percentual apurado por entidade de absoluta credibilidade e que, para tanto, merecia credenciamento do Poder Público, como é o caso da Fundação IBGE.
11. Indevida,data venia aos entendimentos divergentes, a pretensão de se aplicar, para fins de correção monetária, o valor da variação da UFIR. É firme a jurisprudência desta Corte que, para tal propósito, há de se aplicar o IPC, por melhor refletir a inflação à sua época.
102 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
12. A aplicação dos índices de correção monetária, da seguinte forma: a) através do IPC, no período de março/1990 ajaneiro/1991; b) a partir da promulgação da Lei nº 8.177/91, a aplicação do INPC (até dezembro/1991); e c) a partir de janeiro/1992, a aplicação da UFIR, nos moldes estabelecidos pela Lei nº 8.383/91.
13. Recursos do INSS improvidos e da parte autora parcialmente provido, nos termos do voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e dar parcial provimento ao recurso da parte autora. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.
Brasília, 16 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 24-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Em apreciação Recursos Especiais interpostos pela empresa autora e pelo INSS com fulcro no art. 105, lII, a e c, da Magna Carta, atinente a v. Acórdão que determinou a compensação da Contribuição Previdenciária criada pela Lei nº 7.787/ 89 (art. 3º, I), confirmada pela Lei
nº 8.212/91, art. 22, I, e incidente sobre a folha de salários, considerada inconstitucional pelo Pretório Excelso, quando do julgamento do RE nº 166.772-9/RS, relator o eminente Ministro Marco Aurélio, e ADIn nº 1.116-2-DF.
Cinge-se a irresignação do recorrente INSS contra o entendimento exarado pelo venerando Acórdão ora recorrido e consistente na impossibilidade da compensação requerida ser efetuada. Em síntese, sustenta violação aos arts. 170, do CTN, e 1.010 e 1.017, do Código Civil.
A parte autora, em suas razões recursais, aponta violação a dispositivos legais, requerendo, assim, a aplicação da correção monetária através dos índices IPC/INPC, sustentanto, para tanto, também, dissídio pretoriano.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): A priori, examino o recurso do INSS.
E, asim sendo, mister que se aprecie, em primeiro lugar, se, na espécie, há necessidade da recorrente pro-
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var que assumiu o encargo do tributo, a fim de se adequar às exigências do art. 166, do CTN, para que o pedido de repetição do indébito possa prosseguir, via compensação.
Sobre a matéria tenho me posicionado do modo que passo a registrar.
Sem qualquer dúvida a respeito do recolhimento indevido da mencionada contribuição, face ter sido declarada inconstitucional a disposição legal que a criou, o pedido de repetição de indébito, mediante compensação, dos valores pagos e não contestados quanto ao seu total, se tais valores se apresentarem como líquidos e certos, pode ser deferido.
Tenha-se em consideração que o debate desenvolvido no curso da presente ação com força de repetitória de indébito, ora examinada em grau de recurso especial, circunscreveu-se, por força das razões desenvolvidas, ao exame da necessidade da empresa autora comprovar que a contribuição previdenciária recolhida não foi repassada para o preço da mercadoria.
O acórdão entendeu de dispensar tal exigência, sob o fundamento nuclear que a contribuição previdenciária discutida, além de ter sua cobrança declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, não tem roupagem de tributo indireto, portanto, sem capacidade do seu valor ser incluído, expressamente, no preço da venda dos bens comercializados pela empresa autora.
Embora não se trate de novidade, no âmbito doutrinário e jurisprudencial, a análise do tema restituição de tributos indevidos, reabro a discussão sobre o mesmo com a finalidade única de demonstrar a razão do meu entendimento.
Ressalte-se, inicialmente, que o art. 166, do CTN, interpretado de forma literal, põe em evidência o descompasso existente entre a visão normativa infraconstitucional do seu comando e o que deflui dos princípios fundamentais que regem o sistema tributário brasileiro, sustentado, de forma fundamental, no que impõe estrita obediência à legalidade e em se evitar enriquecimento ilícito dos sujeitos integrantes da relação jurídico-tributária.
Por essa razão é que não tem se apresentado, de forma estável, a sua interpretação, especialmente no campo jurisprudencial.
Não se desconhece que, por via das Súmulas n llli 71 e 546 do Colendo Supremo Tribunal Federal, cuidouse da estabilização do entendimento sobre a aplicação do art. 166 do CTN, embora tenha sido feito de modo tímido, haj a vista não ter se cuidado, em ambas as Súmulas, de modo explícito, da devolução do tributo quando a sua cobrança passou a ser considerada inconstitucional.
Uma revisão dos aspectos jurídicos ligados aos fenômenos do pagamento indevido de tributos e aos de sua restituição, nos revela que em sede legal o assunto é tratado pelos arts. 165 a 168, do CTN. Em regra, as incertezas geradas a respeito se
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concentram na interpretação do art. 166, do CTN, assim redigido:
"Art. 166 - A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-lo."
A doutrina, ao cuidar da interpretação do art. 166, do CTN, tem revelado o posicionamento que passo a citar.
Hugo de Brito Machado, no seu "Curso de Direito Tributário", 8ª edição, Editora Malheiros, pág. 139, após fazer referência ao fato do CTN não ter adotado, de modo sistêmico, a classificação dos tributos em diretos e indiretos, por tal importar "mais à Ciência das Finanças que ao Direito Tributário", reconhecendo inexistir valor científico, sob o ponto de vista jurídico, essa classificação, assim se posiciona sobre o tema:
"Tema importante em matéria de restituição do indevidamente pago é o que diz respeito aos chamados tributos indiretos. O CTN não adotou a classificação dos tributos em diretos e indiretos. Na verdade essa classificação importa mais à Ciência das Finanças que ao Direito Tributário. Postas de lado algumas controvérsias, pode-se dizer que o tributo é direto quando o respectivo ônus financeiro é suportado pelo próprio
contribuinte; e indireto quando esse ônus é transferido para terceiros. Em outras palavras, o tributo é direto quando a pessoa legalmente obrigada a seu pagamento suporta efetivamente o ônus. Diz-se que é indireto quando a pessoa legalmente obrigada a seu pagamento transfere o ônus correspondente para terceiros.
A classificação dos tributos em diretos e indiretos não tem, pelo menos do ponto de vista jurídico, nenhum valor científico. É que não existe critério capaz de determinar quando um tributo tem o ônus transferido a terceiro, e quando é o mesmo suportado pelo próprio contribuinte. O imposto de renda, por exemplo, é classificado como imposto direto, entretanto, sabe-se que nem sempre o seu ônus é suportado pelo contribuinte. O mesmo acontece com o IPTU, que em se tratando de imóvel alugado é quase sempre transferido para o inquilino.
Atribuindo, porém, certa relevãncia a tal classificação, o CTN estipulou que, 'a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la' (art. 166). Assim, nas restituições de tributos indevidamente pagos, se há de examinar se o tributo, no caso, teve ou não o seu encargo financeiro transferido a terceiro. O su-
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jeito passivo terá direito à restituição, se provar que assumiu o encargo financeiro, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la (CTN, art. 166). O terceiro, que tenha suportado o encargo financeiro do tributo indevidamente pago, não é parte legítima para pedir a restituição.
Anosso ver, tributos que comportem por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro são somente aqueles tributos em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência, como, por exemplo, o Imposto sobre Serviços de Comunicações, instituído pelo DecretoLei n Q 2.186, de 20 de dezembro de 1984.
O art. 3Q, do referido Decreto-Lei,
diz que o contribuinte do imposto é o prestador do serviço. O art. 4Q
, porém, estabelece que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, e seu parágrafo primeiro diz que o preço do serviço será representado pela quantia total paga pelo usuário ao prestador do serviço, enquanto o parágrafo segundo determina que o montante do imposto integra a base de cálculo. Como se vê, neste caso, é a própria lei que determina a transferência do encargo financeiro do prestador para o usuário do serviço. Somente em caso assim aplica-se a regra do art. 166 do Código Tributário N acionaI, pois a natureza, a que se reporta tal dispositivo legal, só
pode ser a natureza jurídica, que é determinada pela lei correspondente, e não por meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, tal transferência."
Destaque igual ao concedido à citação anterior, merece ser dado às conclusões desenvolvidas por Tarcísio Neviani, em sua obra "A Restituição de Tributos Indevidos, seus Problemas, suas Incertezas", Editora Resenha Tributária, S.P., 1983, págs. 153 e 154, quando bem esclareceu alguns equívocos abraçados por minoritárias decisões jurisprudenciais, ao prestigiar estas, de modo potencializado, o fenômeno da prova da não transferência do indébito, quando a exigência foi tida por inconstitucional.
O referido autor assim doutrinou:
"4.2.11.1 - A teoria da translação foi mal utilizada pelos tribunais brasileiros e o foi para fins que jamais foram sequer suspeitados pelos estudiosos do fenômeno. Se ela serve para dar diretrizes ao planificador da política tributária e, depois, ao legislador, na procura de um sistema ideal de repartição da carga tributária entre os cidadãos, jamais, qualquer dos seus estudiosos chegou a aconselhá-la como instrumento para as decisões judiciárias de repetição de tributos indevidos. Aliás, se a teoria da translação se presta para a busca de uma re-
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partição ideal da carga tributária, nada tem ela a ver com a repetição de valores pagos como se tributos fossem, mas que jamais chegaram a ser tributos porque carentes de base legal e indevidos. Não há, pois, como aplicarse a valores pagos indevidamente e que não são tributos, nem jamais tiveram essa natureza, porque indevidos como tais, uma teoria da translação pertinente exclusivamente a tributos. É o mesmo que misturar alhos e bugalhos.
4.2.11.2 - Nem a distinção dos tributos em direto e indiretos existe com valor científico, nem o uso da teoria da translação serve para convalidar tal distinção, que não tem fundamento, é apriorística, anticientífica e deu origem, nos tribunais, a heresias econômicas e jurídica lamentáveis. Deve-se abandonar a idéia 'genial' da translação como meio de contestar o ilícito fiscal do Estado, que exige o que não lhe é devido porque sabe que não o restituirá. Somente assim, abolindo a invocação à teoria da translação e à distinção dos tributos que nela se baseia, esquecendo-as, enterrando-as definitivamente, os tribunais estarão fazendo a verdadeira justiça."
Na verdade, o art. 166, do CTN, contém referência bem clara ao fato de que deve haver pelo intérprete sempre, em casos de repetição de indébito, identificação se o tributo, por sua natureza, comporta a trans-
ferência do respectivo encargo financeiro para terceiro ou não, quando a lei, expressamente, não determina que o pagamento da exação é feita por terceiro, como é o caso do ICMS e do IPI. A prova a ser exigida na primeira situação deve ser aquela possível e que se apresente bem clara, a fim de não se colaborar para o enriquecimento ilícito do poder tributante. Nos casos em que a lei expressamente determina que o terceiro assumiu o encargo, necessidade há, de modo absoluto, que esse terceiro conceda autorização para a repetição de indébito.
Tarcísio Neviani, na obra acima citada, pág. 225, doutrina, com absoluta razão, ao meu entender, que o CTN, ao aceitar a regra do art. 166 "deixou o intérprete da norma sem referência legal: em algum lugar, seja do CTN, seja da Constituição Federal, seja da legislação tributária anterior ou posterior, não há qualquer definição dos tributos que comportem por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro ... Não há e não é para haver, porque se o legislador inserisse no campo do direito objetivo uma definição qualquer dessas, ele estaria fazendo o mesmo que revogar, por via legislativa, a lei econômica da oferta e da procura como fator da formação dos preços ... "
Mais adiante, na mesma obra, págs. 233/234, Tarcísio Neviani, reconhecendo, porém, a existência, validade e eficácia do art. 166, do CTN, o interpreta quanto ao aspecto da prova exigida no modo seguinte:
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"Como, por outro lado, é possível rebelar-se contra a lei iníqua, mas não é possível ignorá-la como se não existisse, parece-me oportuno atentar para o fato de que o artigo 166 do CTN tem sua aplicação condicionada à prova de que o contribuinte repetente do inquérito tenha suportado o inerente encargo financeiro. A meu ver esta prova se esgota com a exibição do recibo ou comprovante de pagamento do tributo indevido. Quem paga, suporta, com exclusividade, o ônus financeiro do montante pago. Quem paga tributo indevido, obviamente lhe suporta o ônus financeiro, quer o contribuinte consiga, quer não consiga, transferir a terceiro o ônus econômico do tributo indevidamente pago. Por sua vez, a transferência deste ônus a terceiro é fato estranho à relação jurídico-tributária, e é fato não considerado pelo artigo 49 do Código Tributário Nacional como caracterizador da natureza jurídica do tributo. Assim sendo, a transferência do ônus financeiro a terceiro por impossível, não pode ser admitido como matéria de defesa do erário, e se, por outro lado, se quiser admitir como matéria de defesa do erário a eventual transferência a terceiros do ônus econômico do tributo indevidamente pago, que caiba a este produzir a prova dessa transferência. Fora daí, há quebra de todos os princípios de justiça, a criação de novo e odioso privilégio para a Fazenda Pública que, devendo provar em sua defesa, pretende,
absurdamente, que a prova seja feita por aquele a quem não aproveita ... "
Face a tais considerações, resta investigar, no caso concreto em julgamento, primeiramente, se a contribuição previdenciária em questão, a que era exigida das empresas por ter em seus quadros "empregadores" e haver efetuado pagamento a trabalhadores "autônomos e avulsos", considerada inconstitucional a sua cobrança, comporta, por sua natureza, transferência explícita do respectivo encargo financeiro a terceiros, isto é, se conforme definido pela Ciência das Finanças, tal contribuição é tributo indireto, "nos quais a pessoa do obrigado perante o poder tributante é uma e a pessoa que suporta efetivamente a carga tributária é outra", conforme definição de Fábio Fanucchi, in Curso de Direito Tributário, VoI. I, pág. 393, 3ª ed., Editora Resenha Tributária-MEC, 1975).
O meu entender a respeito é que a contribuição previdenciária ora examinada é de natureza direta. Apresenta-se com essa característica porque a sua exigência se concentra, unicamente, na pessoa de quem a recolhe, no caso uma empresa, que assume a condição de contribuinte de fato e de direito. A primeira condição é assumida porque arca com o ônus financeiro imposto pelo tributo; a segunda caracterizase porque é a responsável pelo cumprimento de todas as obrigações, quer as principais, quer as acessórias.
108 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Firmo essa compreensão, sem todavia me afastar da lição de Aliomar Baleeiro que, ao comentar o art. 166, CTN (Direito Tributário Brasilerio, 10ª edição, revista e atualizada por Flávio Bauer N ovelli, pág. 566, advertiu, repetindo o que tinha dito ao votar no ERE n Q
47.624-GB (RTJ-44/530):
"Resta a controvérsia sobre a impossibilidade jurídica da repetição de tributos indiretos, tese que tem amparo na Súmula 74.
Entendo que essa diretriz não pode ser generalizada. Há de ser apreciada em cada caso concreto, porque, do começo do ponto de vista científico, os financistas ainda não conseguiram, depois de 200 anos de discussão, desde os fisiocratas do século XVIII, um critério seguro para distinguir o imposto direto do indireto".
Registro, nesta oportunidade, que o então e egrégio Tribunal Federal de Recursos, pela sua 5ª Turma, Apelação Cível n Q 70.545-MG, firmou a compreensão de que a contribuição previdenciária é tributo que, pela sua própria natureza, apresenta-se com características de direto, tendo em vista não comportar transferência do respectivo encargo financeiro. Esse entendimento consolidou-se por se considerar que o art. 166, do CTN, só tem aplicação aos tributos indiretos, isto é, que se incorporam explicitamente aos preços, como é o caso do ICMS, do IPI, etc.
A ementa do julgado em apreço está assim lavrada, na parte que interessa para a discussão presente:
" ... a prova da ausência da translação cogitada no art.166 do CTN só se relaciona com tributos que comportam a incorporação direta ao preço, o que não é o caso das contribuições previdenciárias ... "
Destaque-se da referida decisão parte do voto do Exmo. Sr. Ministro Sebastião Alves dos Reis:
"N o tocante ao apelo do IARAS, tenho que suas razões de apelação,já anteriormente produzidas em sua resposta, no juízo de primeiro grau, não podem ser acolhidas, porque vantajosamente afastadas pela r. sentença recorrida, seja porque os documentos que acompanham a inicial e os traslados comprovam o recolhimento em duplicidade deferido, seja porque a prova de ausência de translação cogitada no art. 166 do CTN só pertine a tributos que comportem a incorporação direta no preço, o que não é o caso das contribuições em apreço, e, por fim, o acréscimo da correção monetária, na restituição do pagamento indevido é hoje matéria tranqüila na jurisprudência."
Por fim, sigo a escola daqueles que apregoam a impossibilidade do tributo não poder ser cobrado de forma contrária à lei, ou, como afirma Gilberto Ulhoa Canto, sem ela.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 109
Por isso, fico com os doutrinadores que aplaudem o mencionado Gilberto Ulhoa Canto, quando, ao comentar o art. 166 do CTN, diz que:
"Ora, se o que está emjogo nessa regra é a ilegitimidade do tributo por falta de amparo legal, certamente a restituição é a única maneira de recompor o status quo ante por eliminação dos efeitos da exigência de imposto sem lei, restando, como natural conseqüência da repercussão financeira ou econômica do montante do tributo sobre o seu contribuinte de fato, o direito que este terá de reclamar do solvens a quantia que este recebeu de volta, pois, se isso não acontecer, resulta que haverá enriquecimento indevido do segundo e empobrecimento injusto do primeiro. Mas, como ficou antes esclarecido, o direito do contribuinte de fato é estranho à obrigação tributária; é direito resultante de relação jurídica privada, à qual não se aplica o art. 166 do CTN." (Caderno de Pesquisas Tributárias, Vol. n° 8, Editora Resenha Tributária, pág. 12).
Filio-me, também, ao doutrinado por Marco Aurélio Greco, in "Repetição de Indébito Tributário - o IOF sobre Operações de Câmbio ou Importação de Bens", citado por Lindemberg da Mota Silveira, pág. 77, Caderno de Pesquisas Tributárias, Vol. 8, Editora Resenha Tributária, no sentido de que:
"1. Nem todos os tributos, por sua própria natureza, comportam transferência do respectivo encargo financeiro.
2. A identificação dos tributos que não comportam transferência do respectivo encargo financeiro dar-se-á com base em critérios normativos hauridos do ordenamento posto e não em razões de Ciência Econômica.
3. A transferência a que se refere o art. 166 do CTN é a transferência jurídica do encargo financeiro por agregação à relação subjacente de natureza civil, comercial ou semelb ante, vinculando as partes (tra lsferidor e destinatário da transferência).
4. A natureza do tributo é fornecida pelo seu fato gerador (aspecto material da hipótese de incidência), portanto na Constituição Federal, no Código Tributário e na legislação ordinária específica é que serão encontrados os elementos necessários à caracterização do critério a ser utilizado nessa identificação.
5. Comportam transferência:
5.1. tributos cujo fato gerador envolva uma dualidade de sujeitos, ou seja, o fato gerador é uma operação, e
5.2. cujo contribuinte é pessoa que impulsiona o ciclo econômico podendo transferir o encargo para o outro partícipe do mesmo fato gerador."
Acolho, outrossim, em tema de repetição de indébito, o que José
110 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.
Carlos Graça Wagner escreveu sobre o art. 166 do CTN:
"A razão de ser - a causa causal - do artigo 166 é a de dispor que o dever de restituir existe também na hipótese de o valor indevido não ter sido pago pelo contribuinte legal mas por aquele que, por força da natureza do próprio tributo, a título do qual houve exigência indevida, substituiu o contribuinte legal no cumprimento da obrigação.
O artigo 128 dispõe sobre o terceiro erigido por lei para assumir a responsabilidade pelo crédito tributário, com a exclusão do contribuinte legal. Em tal caso, a hipótese será a do artigo 165, se houve pagamento de valor indevido. O artigo 166 refere-se ao direito de terceiro que, por força da natureza legal - não meramente econômica - suporte o encargo financeiro - não ônus econômico - pelo recolhimento do tributo. Se o terceiro, não por expressa determinação legal, mas forçado pela natureza do próprio tributo, assumir a responsabilidade pelo crédito tributário, substituindo-se ao contribuinte legal, é ele que passa a ser parte legítima para receber a restituição, desde que prove ter assumido o encargo de ter pago a verba indevida.
No nosso modo de entender, esta é a função do artigo 166 dentro do sistema tributário brasileiro." (In "Restituição de Tributos e Repercussão Econômica", pág. 92,
Cadernos de Pesquisas Tributárias, n Q 8, Edit. Resenha Tributária, S. Paulo, 1983).
Verifico, em conseqüência de tudo o quanto já foi exposto, que o fenômeno da substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, não ocorre na exigência do pagamento das contribuições previdenciárias quanto à parte da responsabilidade das empresas.
Destaco, também, o assinalado por Ives Gandra da Silva Martins, no sentido de que o art. 166, do CTN, tem recebido, por parte dos Tribunais, uma interpretação restritiva, por só se aplicar aos tributos indiretos que, no Sistema Tributário Nacional, são, apenas, o IPI e o ICMS (in "Repetição de Indébito", Caderno de Pesquisas Tributárias, n Q 8, pág. 176, Edit. Resenha Tributária, SP, 1983).
Hugo de Brito Machado, conforme já acentuado antes, é da mesma opinião, embora com algumas restrições.
Não posso deixar de ser influenciado, também, ao buscar interpretação e aplicar o art. 166, do CTN, pelo que, a respeito escreveu Leo Krakowiak:
"Eventual repercussão indireta do imposto, através de acréscimo dos preços, é irrelevante sob o aspecto jurídico, situando-me no plano econômico, que não interessa ao Direito Tributário.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 111
A não ser assim, ter-se-ia que considerar que todos os tributos repercutem e nenhum deles seria restituível o que, além de ser manifesto ilogismo, não explicaria a razão de ser dos artigos 165 a 169 do C.T.N., que, então, perderiam sua razão de ser.
N essa conformidade, e a título exemplificativo, citam-se dentre os tributos que não têm como repercutir as taxas, o imposto de renda, o imposto sobre a propriedade territorial rural, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, o imposto de importação, as contribuições, etc." (págs. 209/210, Cadernos de Pesquisas Tributárias, VoI. n Q 8, Editora Resenha Tributária, S. Paulo, 1983).
Em tese, portanto, a repetição do indébito da contribuição questionada, via compensação, é possível.
Resta examinar, agora, se o crédito apresentado se reveste de líquidez e certeza, para que possa ser compensado.
Em tais circunstâncias, tenho me pronunciado pela impossibilidade da compensação, com os fundamentos proferidos no voto do REsp 105.202/PR, julgado em 07/11/96, em que fui relator:
"A respeito do tema compensação tributária (art. 66 da Lei n Q
8.383/91) tenho entendido o que, a seguir, passa a ser transcrito. Antes, porém, acrescento, nesta oportunidade, apenas, que há de se verificar, também, que o con-
tribuinte, ao efetuar o lançamento por homologação no caso do pagamento do tributo, ele o faz na condição de devedor. O débito apurado será, após, no prazo de cinco anos, fiscalizado pelo credor, no caso, a Fazenda. Se apurar crédito a seu favor, instaura o devido procedimento fiscal.
Na compensação não há razão para se criar um sistema diferente. O devedor, no caso, a Fazenda Pública é quem deve dizer qual o montante do débito a ser compensado, reconhecendo a sua liquidez e certeza. Para tanto deve ser provocada pela parte credora, por esta possuir todos os elementos necessários para a apuração dos valores necessários a determinar o quantum devido. O contribuinte, a aceitando, faz a compensação. Caso não o aceite, discutirá nas vias próprias.
O sistema deve tratar, igualmente, as partes, especialmente, quando se está no campo da obrigação tributária. Admitir-se que o contribuinte, motu proprio, sem reconhecimento da liquidez e certeza do débito pela Fazenda, parte credora, faça a compensação, é, primeiramente, criar-se privilégio não amprado pela lei, e, em segundo lugar, tratar, de modo desigual, as partes no tocante ao pagamento e à compensação dos tributos. Naquele, se permite que o contribuinte apure, isoladamente, a liquidez e certeza do débito, efetuando o seu pagamento. N essa, na compensação, não se per-
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mite que a Fazenda, parte credora, apure a liquidez e certeza do seu débito, para que possa se efetuar a compensação. Inexiste, em nosso sistema tributário, qualquer dispositivo legal outorgando tal privilégio ao contribuinte e, conseqüente, discriminação ao Fisco.
Registro, a seguir, o voto que, em outros recursos especiais e em embargos de divergência, tenho proferido sobre o tema. Faço-o porque, quanto mais investigo o assunto, mais estou convencido da compatibilidade dos fundamentos e conclusões a que cheguei com o ordenamento jurídico tributário vigente. Hei-lo:
"As questões debatidas, na atualidade, sobre o tema em discussão, como é consabido, decorrem da interpretação discrepante que está sendo dada, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, ao art. 66 e seus parágrafos da Lei n° 8.383, do teor seguinte:
"Art. 66. Nos casos de pagamento indevido, ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância a períodos subseqüentes.
§ 1 Q. A compensação só poderá ser efetuada entre tribu-
tos e contribuições da mesma espécie.
§ 2Q• É facultado ao contri
buinte optar pelo pedido de restituição.
§ 3Q• A compensação ou res
tituição será efetuada pelo valor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.
§ 4Q• O Departamento da Re
ceita Federal e o Instituto N acionaI do Seguro Social - INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo."
A doutrina tem firmado, a respeito do dispositivo legal supramencionado, posições não convergentes.
Uma corrente está a ditar que o art. 66, da Lei n Q 8.383, "teria se limitado a generalizar uma prática de há muito adotada no âmbito da administração tributária, ao admitir o abatimento de um crédito financeiro decorrente de indébito fiscal contra futuros recolhimentos de tributos da mesma espécie, a título de ressarcimento desse indébito, anteriormente restrito à hipótese da restituição. Esse abatimento decorre muito mais de uma aproximação do indébito com a figura do pagamento antecipado, ainda que indevido, do que do recurso a um instituto jurídico de contornos nitidamente delimitados, tal a compensação."
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Os adeptos desse entendimento, de que o art. 66 trata de uma forma de abatimento do tributo, do que da compensação tributária propriamente dita, justificam o entendimento que firmaram, do modo seguinte:
"O abatimento previsto no art. 66 da Lei n Q 8.383/91, ainda que indevidamente chamado pelo legislador de compensação, presume tributo futuro, cujo lançamento sequer foi feito e cujo fato gerador pode até ainda não ter acontecido. A compensação prevista no art. 170 do CTN, ao revés, há de ser perpetrada contra crédito tributário, assim entendido aquele que já tenha sido objeto do lançamento tributário." (André Martins de Andrade, in "O Instituto da Compensação e o Crédito Financeiro do Ressarcimento do Indébito Fiscal", in "Problemas do Processo Judicial Tributário", pág. 24, Ed. Dialética, S. Paulo, 1996).
Uma segunda corrente doutrinária afirma que a compensação do art. 66, da Lei n Q 8.383/91, não tem qualquer semelhança com a tratada pelo art. 170, do CTN.
As razões dos que assim entendem são:
"1 Q. O art. 170 do CTN referese à compensação como forma de extinção do crédito tributário, sendo portanto atinente a objeto de lançamento tributá-
rio já consumado e que, por isto mesmo, dotado é de liquidez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuinte, que há de ser líquido e certo, contra a Fazenda, pode ter natureza tributária ou não tributária.
2Q• O art. 66 da Lei n Q 8.383/91
autoriza a compensação, não de crédito tributário, mas dos valores de tributos futuros, ainda não lançados e por isto mesmo sem as qualidades de liquidez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuinte, a ser utilizado na compensação, é apenas o resultante de pagamento indevido de tributo, pagamento que no caso do Finsocial deu-se, ordinariamente, por iniciativa do contribuinte, sem qualquer participação do fisco." (Hugo Machado, in 'Proteção Judicial ao Direito de Compensação Tributária', artigo em "Problemas do Processo Judicial Tributário", Dialética, pág. 127).
A terceira corrente tem defendido que a compensação do art. 66, da Lei n Q 8.383/91 está vinculada ao art. 170, do CTN, este com natureza de Lei Complementar e que ela só pode ocorrer com a constituição da liquidez e certeza do crédito alegado pelo contribuinte e que pretende compensar. Apurada essa condição do crédito, quer por via administrativa, quer por via judicial, o contribuinte pode efetuar a compensação de tributo indevidamente pa-
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go, via lançamento por homologação, desde que os tributos sejam da mesma espécie, isto é, imposto com imposto, taxa com taxa, contribuição com contribuição.
Feito esse levantamento doutrinário, exteriorizo o meu convencimento atual sobre a matéria.
Inicialmente, encontro, nos limites do meu conhecimento, imensas dificuldades para visualizar dois tipos de compensação no sistema tributário atual, isto é, uma regulada pelo art. 170, do CTN, outra pelo art. 66 da Lei nº 8.383/ 91.
Sou daqueles vinculados ao hábito de procurar entender o direito legislado em forma de sistema, especialmente, quando os princípios que o regem impelem o intérprete a esse estado.
A Constituição Federal atual, ao fixar os princípios informadores, cogentes e reguladores do sistema tributário nacional, estabeleceu, no art. 146, que "Cabe à lei complementar: ... In - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: ... b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributária; ... "
Evidencia-se, desde logo, que qualquer regência legislativa sobre lançamento e crédito tributário há de ser inspirada em Lei Complementar, sob pena de não ter qualquer existência, validade, eficácia e efetividade.
Fiel a essa disposição constitucional, a esse princípio imperativo imposto pelo sistema tributário estabelecido pela Carta Magna, considerou-se recepcionado pela nova ordem jurídica constituída pela Carta de 1988, o art. 156, n, CTN, e os dele conseqüentes, dispondo que a compensação é uma modalidade de extinção do crédito tributário. Por sua vez, o parágrafo único do mesmo artigo, isto é, do art. 156, estipula que a lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149. Este cuida da revisão do lançamento efetivado e aquele da lei reguladora do lançamento.
A seguir, com a mesma força de lei complementar, o sistema aceitou o art. 170, do CTN, regulando, de modo específico, como se opera, de modo geral, a compensação do crédito tributário, dispondo a respeito:
"Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os
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efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento."
ALei Complementar, como visto, determinou que só pode haver em nosso sistema tributário um único modo de compensar o crédito tributário. Este é o que ela estipulou e que só pode ocorrer se:
a) existir lei, no caso a ordinária, autorizando;
b) essa lei determinará as garantias ou pode atribuir à autoridade administrativa tributária que as estipule;
c) houver crédito ou créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Como visto, há uma ordem de princípios gerais ditados pela Lei Complementar para que a compensação sej a forma de extinção do crédito tributário, destacandose, especialmente, a exigência de só haver compensação com crédito líquido e certo.
Verifique-se que não há suporte jurídico para a afirmação de que a compensação tributária desenvolve-se dentro da mesma moldura criada para o pagamento do débito tributário. Verdade é que anibos constituem forma de extinção do crédito tributário. O
pagamento, contudo, não está vinculado a que exista lei especificando a forma de sua realização, nem muito menos exigindo liquidez e certeza do crédito a ser extinto. Basta a conferência dos arts. 157 a 164 para não se ter dúvida quanto a essa afirmação.
Deve, também, ser chamado para debate o art. 141, do CTN, que determina: "O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensados, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias."
Observe-se que, mais uma vez, o Código Tributário Nacional estabelece que a extinção do crédito tributário só pode ocorrer de conformidade como a lei estabelecer. Em se tratando de compensação a lei exige que a extinção só se caracteriza se o crédito for líquido e certo. Tendo-se o império da lei, de modo claro, diferentemente não se pode interpretar.
Por outro ângulo, há, também, com a mesma hierarquia dentro do sistema tributário, isto é, atuando como norma complementar, o art. 147, do CTN, ditando sobre o lançamento efetuado pelo sujeito passivo e afirmando que tal modalidade de constituir o crédito tributário é efetuada "com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tri~
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butária, presta informações à autoridade administrativa sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação."
Vê-se, pois, que o lançamento a ser feito pelo sujeito passivo está vinculado à forma disposta pela legislação tributária (expressão esta que, conforme o art. 96, do CTN, compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes).
Tratando-se de efetivação de lançamento feito pelo sujeito passivo, para fins de compensação, o mesmo só pode ser feito se o crédito a ser compensado for líquido e certo, porque assim o diz, com força de Lei Complementar, o art. 170, do CTN.
O art. 66, da Lei nº 8.383/91, conseqüentemente, ingressou em nosso sistema jurídico tributário, porque o art. 170, do CTN, autoriza a sua existência, validade, eficácia e efetividade. Ele, por sua vez, não estatuiu, pois não podia fazê-lo, procedimentos referentes ao fenômeno da compensação como extinção do crédito tributário diferentemente dos princípios cogentes fixados pelo art. 170, do CTN, pela supremacia hierárquica por este exercida sobre o referido dispositivo de legislação ordinária.
Em conclusão: só pode haver compensação de crédito tributário se
for apurada, previamente, a sua liquidez e certeza.
Desnecessário desenvolver qualquer comentário sobre o conceito, em nosso ordenamento jurídico, a respeito do que seja crédito tributário líquido e certo, por ser amplamente conhecido.
Apenas para ordenar o desenvolvimento do pensamento exposto, é que o faço.
Dívida líquida é a que apresenta quantia determinada, isto é, não determinável, ou apurável por simples cálculo aritmético com base em valores expressos no título que a contém. Primeiramente, há de haver um título que albergue a dívida. A seguir, ela tem de se apresentar com características da definição supra, expressando, de modo indubitável, o seu montante, este, obrigatoriamente, reconhecido pelo credor ou estabilizado por uma decisão judicial.
O conceito de liquidez de obrigação em nosso sistema jurídico é de natureza legal. Não foi firmado por disposições doutrinárias e jurisprudenciais. Ele está disposto no art. 1.533, do Código Civil, assim:
"Art. 1.533. Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto."
Por força da lei, só se tem dívida líquida e certa quando o título recebe a ciência do devedor do que
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deve e a fixação e certeza do total que lhe está sendo exigido.
Essa ciência da dívida pode estar presente de forma voluntária, quando reconhecida pelo próprio devedor, ou por determinação judicial quando litígio a respeito se instaurar.
Tem a doutrina afirmado, no trato do assunto:
"Em razão disso, uma dívida é líquida, quando se está certo ou ciente do que se deve e quando se sabe o quanto é esse débito, que, assim, se mostra exato e definitivo, presente e inalterável. E, dessas duas circunstâncias resultam a equivalência da liquidez e a idéia de certeza." CPlácito e Silva, in Voc. Jur., pág. 555, vol. lI).
Esses conceitos, aqui repetidos de forma desnecessária, conforme já afirmado, não são desprezados pelo Direito Tributário. Pelo contrário. Ele os acolhe em sua integridade, sem qualquer alteração, conforme dispõe o art. 110, do CTN:
"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competência tributária."
Postas tais considerações, unicamente para que não me perca na seqüência das idéias que construí a respeito do tema, nunca com o sentido de expor o que de muito é sabido pelos eminentes pares desta Seção, volto-me, agora, de modo específico, ao art. 66, da Lei n Q 8.383/91, destacando, mais uma vez, primeiramente o seu inteiro teor:
"Art. 66 - Nos casos de pagamento indevido, ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subseqüentes.
§ 1 Q. A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.
§ 2Q• É facultado ao contribu
inte optar pelo pedido de restituição.
§ 3Q• A compensação ou resti
tuição será efetuada pelo valor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.
§ 4Q• O Departamento da Re
ceita Federal e o Instituto N acionaI do Seguro Social -INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo."
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Ora, é induvidoso, ao meu pensar, o fato de que o art. 66, da Lei nº 8.383/91, cuida da compensação autorizada pelo art. 170, do CTN. De outra não poderia se referir, porque a legislação ordinária, por si só, de modo autônomo, não pode cuidar. da extinção do crédito tributário, matéria reservada, exclusivamente, à Lei Complementar, como já mencionado, por querer da Carta Magna.
A prevalecer, o que não tem a minha concordância, a corrente que configura o disposto no art. 66, da Lei nº 8.383/91 como uma forma de compensação desvinculada do art. 170, do CTN, tem-se obrigatoriamente, em homenagem ao art. 146, lU, b, da CF, de se declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo, via controle difuso, para que o mesmo deixe de existir, sem produção de qualquer validade, eficácia e efetividade.
Convencido estou de que o art. 66, da Lei nº 8.383/91, tem sua subordinação direta ao art. 170, do CTN, vinculado, portanto, aos princípios por este estabelecido. Entre tantos, como já exposto, só pode haver compensação se o crédito do contribuinte for líquido e certo, isto é, determinado em sua quantia e reconhecido pela Fazenda Pública como sendo a devedora. Esse reconhecimento, repito, pode ser feito por via administrativa ou judicial. Só após esse estado de liquidez e certeza é que o contribuinte pode fazer o
lançamento, efetuando a operação de compensação, sujeita a homologação pelo Fisco. A este caberá, tão-somente, verificar se a quantia determinadora da liquidez e certeza do título foi corretamente lançada, corrigida de modo legal, e se a operação do encontro de contas efetuou-se regularmente. Nenhuma discussão mais poderá existir quanto a liquidez e certeza do crédito. Caberá, também, ao Fisco investigar se a compensação se deu entre tributos da mesma espécie.
Diante do exposto, o contribuinte não pode, como tem defendido determinada corrente doutrinária e jurisprudencial, com a apresentação da minha alongada vênia, de forma unilateral, apurar a liquidez e certeza do crédito, por a lei a tanto não lhe permitir. É de ser lembrado que esse crédito surge de uma obrigação tributária que nasce da lei e que exige a presença do sujeito passivo para a sua constituição.
No tocante aos aspectos apontados em embargos de divergência e decisões proferidas em Recurso Especial pela egrégia Segunda Turma, note-se que esta não nega a possibilidade da compensação. Pelo contrário. Ela a prestigia, porém, em modos de absoluta segurança, tanto para o contribuinte como para o Fisco, vinculando-se ao sistema instituído pelo ordenamento jurídico tributário para a sua realização.
N o particular, observo que o voto do eminente Min. Ari Pargendler,
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acolhido pelos seus eminentes pares, coincide, em muitos aspectos, com a posição da 1 ª Turma. Diz Sua Excelência, em trecho do mesmo:
"Reconhecido que o recolhimento indevido tem qualificação como crédito compensável, segue-se a etapa da compensação: a do encontro de créditos e débitos, aqueles e estes necessariamente certos e líquidos - operação que demanda provas e contas."
Certa a afirmação. A liquidez e certeza só podem ser apuradas mediante operação que demanda provas e contas. Prova de que o credor reconheceu o débito e a liquidez, ou que aceitou o débito e a liquidez, embora esta necessita, apenas, de uma operação aritmética para ser determinada. Exemplo: o devedor reconhece o principal, correção monetária pelo IPC e juros. Por via de simples operação aritmética apurase a correção monetária e os juros.
A primeira discordância entre o posicionamento da 2ª Turma e o da 1 ª Turma começa a existir, quando, essa aceita que o contribuinte, sem possuir qualquer título líquido e certo constituído, isto é, reconhecido pelo devedor da quantia a ser compensada, registre, em sua escrita fiscal e contábil, a compensação e esta produza efeitos de extinção do pagamento do crédito, embora sujeita a fiscalização posterior.
A 2ª Turma entende, de modo unânime, que, sem a apuração dessa liquidez e certeza do título, como exige o art. 170, do CTN, é impossível se fazer a compensação, mesmo que os créditos sejam compensáveis.
N a seqüência dos aspectos divergentes entre as Turmas, a 2ª Turma fixou, ainda, o entendimento de que o autolançamento é atividade vinculada à lei. Por essa razão, o contribuinte há de efetuálo como a norma positiva expressamente determina que o faça. Não há lei permitindo a compensação sem apuração prévia da liquidez e certeza do débito. Não pode, portanto, ser feito autolançamento para tal fim sem a prova desse requisito. Impõe-se, portanto, que se apure, via administrativa ou judicial, a liquidez e certeza do crédito a ser compensado, o que há de ser feito em atividade da qual o devedor, de modo explícito, participe. Feito o autolançamento com vinculação a tal exigência legal, cabe ao Fisco, apenas, no prazo de cinco anos, examinar a sua exatidão ou não, isto é, compará-lo com o título representativo da liquidez e certeza do crédito, bem como, se os tributos compensados eram da mesma espécie.
Postas tais considerações, resta examinar, tendo-se em vista a especificidade dos embargos divergentes em julgamento, se a ação proposta pelo contribuinte está compatível ou não com os pressupostos acima defendidos
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para a existência da compensação.
O que se tem em debate é um mandado de segurança preventivo. Nele não se afirma existir crédito líquido e certo reconhecido pelo ente credor. Não se afirma ainda, qual a quantia que se que; compensar. Pede-se, apenas, decisão judicial garantidora do direito de compensar o que se declara, unilateralmente, sem reconhecimento pelo Fisco, nem pelo Poder Judiciário, ter sido pago a maior, a título de Finsocial.
Reivindica-se, assim, uma sentença genérica, de cunho puramente declaratório, com a autorização para fazer, a qualquer época, a compensação, com quantias que bem entender, com pagamentos futuros da Cofins.
Ora, se, primeiramente, nenhum crédito líquido e certo está demonstrado pela empresa contribuinte, não há que se lhe assegurar direito a compensação, por esbarrar, de imediato, na regra do art. 170, do CTN. Compensar o quê? Não há nem certeza se, realmente, o Finsocial foi pago a mais. Para tanto se chegar, há necessidade de exame na escrita fiscal e contábil do contribuinte há de se investigar provas e do~ cumentos pelos meios hábeis, fazer-se encontro de contas, operações aritméticas, para se determinar a realidade dos fatos. Não há nos autos respostas para tal indagação.
Observe-se que a empresa contribuinte fez juntar, apenas, várias
cópias xerografadas de Darf's referentes ao pagamento do Finsocial. Tais documentos, por simples cópia, sem reconhecimento judicial ou administrativo, por seus próprios efeitos, não conduzem ao entendimento de que o Finsocial foi pago em excesso, quanto foi pago a maior e o que remanesce para ser tido como crédito fiscal a favor do contribuinte. Repita-se, mesmo que se seja cansativo: só se apurando, em procedimento regular, administrativo oujudicial, se, em tais Darf's há pagamento a maior, isto é, além dos 0,5% (meio por cento) a título de Finsocial, é que se saberá se há crédito a compensar e qual o seu valor.
Ao se conceder a segurança, mesmo em parte, com a afirmação de ser compensável o crédito afirmado, sem se apurar previamente a liquidez e a certeza do mesmo, está se outorgando ao contribuinte uma atribuição para fazer autolançamento com força de não recolher tributo, sem qualquer autorização legal, pois, ele será o único senhor da quantia a ser compensada. Lembro o já afirmado de que as regras legais da compensação diferem, em profundidade, das postas para o pagamento do tributo por autolançamento.
Esclareço, também, o meu pensamento de que não há que se emprestar efeito, apenas, declaratório ao mandado de segurança em- . exame. A dec~são declaratória só tem lugar quando envolve a ne-
R Sup_ Trib. Just_, Brasília, a_ 10, (110): 39-128, outubro 1998_ 121
cessidade concretamente demonstrada de eliminar ou resolver a incerteza do direito ou relação jurídica. Essa incerteza deve surgir do próprio conflito de interesses, nunca, somente, no espírito do autor. Não é o caso, pois, há leis específicas regulando a compensação, de modo hierárquico e, portanto, vinculado, isto é, na Constituição Federal (art. 146, lU, b), na Lei Complementar (art. 170, do CTN) e na legislação ordinária (art. 66, da Lei nº 8.383/91). Cabe, apenas, a sua aplicação, interpretando-as sistematicamente.
É de ser lembrado, embora de modo não necessário, que não cabe declaratória para mera interpretação do direito em tese (RTJ 113/1.322), o que, na essência, é o que pretende o contribuinte, pois, nenhum ato concreto contra si ele aponta como tendo sido praticado pelo Fisco.
N a espécie, entendo que não há exagero em afirmar, que a pretensão da empresa contribuinte, por não ter feito prova de qualquer ato concreto contra si praticado, por não ter provado a liquidez e a certeza do seu crédito, é a de se utilizar do mandado de segurança como uma consulta ao Judiciário. Não cabe, portanto, ofertar-lhe tal pretensão."
A manifestação supra representa o meu entendimento sobre a matéria.
Ocorre, contudo, que a 1 ª Seção, ao analisar embargos de divergên-
cia sobre o tema, entendeu, por maioria de um voto, ser possível a compensação via autolançamento do contribuinte, sujeito, apenas, ao controle fiscalizador, a posteriori, do ente tributante.
Embora não convencido, rendome, contudo, ao posicionamento da 1 ª Seção, em face da função uniformizadora do Superior Tribunal de Justiça no trato da legislação infraconstitucional.
Passo, agora, à análise do Especial da parte autora.
O v. Acórdão arestado determinou que a correção monetária, relativa aos valores indevidamente pagos a título da contribuição sub examem, a partir de janeiro de 1992, fosse procedida pela UFIR, nos termos do art. 1 º, § 1 º, da Lei nº 8.383/91, não sendo admissível, para tal desiderato, a aplicação do IPC.
Assinalando violação a dispositivos legais, requer a recorrente a aplicação da correção monetária através dos índices do IPC/INPC.
É pacífico neste Colendo Superior Tribunal de Justiça - STJ, o entendimento segundo o qual é devida, nos cálculos da correção monetária de débitos judiciais, a aplicação dos percentuais da inflação expurgada pelos planos econômicos governamentais (Planos Bresser, Verão, Collor I eU - Brasil Novo).
A respeito da aplicação da correção monetária, este Tribunal tem adotado o princípio de que deve ser seguido, em qualquer situação, o índice que melhor reflita a realidade
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inflacionária do período, independentemente das determinações oficiais. Assegura-se, contudo, seguir o percentual apurado por entidade de absoluta credibilidade e que, para tanto, merecia credenciamento do Poder Público, como é o caso da Fundação IBGE.
São inúmeros os acórdãos das Turmas desta Corte no sentido de que o IPC, apurado pela Fundação acima mencionada, é o que deve ser aplicado para fins de correção monetária, por ser o único que mais se aproximou da real inflação durante o período por ele determinado.
É de ser lembrado que, a respeito dos efeitos da correção monetária, esta 1 ª Turma, ao apreciar o REsp n Q 20.924-2, julgado em 20/05/ 92, DJU de 15/06/92, pág. 9.237, firmou entendimento de que " ... constitui mero princípio jurídico aplicável a relações jurídicas de todas as espécies e de todos os ramos do direito. É ressabido que o reajuste monetário visa exclusivamente a manter no tempo o valor real da dívida, mediante a alteração de sua expressão nominal. Não gera acréscimo ao valor nem traduz sanção punitiva. Decorre do simples transcurso temporal, sob regime de desvalorização da moeda. A correção monetária consulta o interesse do próprio Estado-Juiz, a fim de que suas sentenças produzam - tanto quanto possível - o maior grau de satisfação do direito cuja tutela se lhe requer."
Nesse sentido, listam-se os seguintes julgados:
"Pelas mesmas razões que levam este ST J, em reiteradas decisões das 1 ª e 2ª Turmas e da 1 ª Seção, a admitir a inclusão, nos cálculos da inflação dejaneiro de 1989, de 70,28%, índice do IPC,justifica-se a aplicação da inflação ocorrida nos meses de março (84,32%), abril (44,80%) e maio (7,87%). Se, na vigência dos sucessivos planos econômicos implantados pelo governo (Cruzado, Verão, Collor I e Brasil Novo), continuou a existir a inflação, devem ser aplicados seus verdadeiros índices, que reflitam a real inflação do respectivo período, e este resultado só será alcançado se a indexação for feita pelo IPC e não pelo BTN." (STJ, despacho do Min. Garcia Vieira, no AG n Q 38.415-2-SP, DJU de 17/08/93, pág. 16.063, com citação de seu voto no REsp n Q 25.925-0-SP).
"Execução. Liquidação de sentença. Correção monetária. IPC dos meses de janeiro de 1989, março e abril de 1990 e fevereiro de 1991. Inclusão nos cálculos. Cabimento. Precedentes. Recurso especial não conhecido." (STJ, REsp n Q 35.480-3-SP, 2ª Turma, ReI. Min. Pádua Ribeiro, DJU de 18.10.93, pág. 21.868).
De fato, no que tange à aplicação do percentual de 70,28% como o relativo ao IPC de janeiro de 1989, para fins de cálculo da correção monetária, a incidir na liquidação de sentença, a Egrégia Corte Especial, deste Colendo Tribunal, uniformizou o entendimento, quando do
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julgamento do REsp nQ 43.055, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, de que o índice a ser aplicado para o mês de janeiro de 1989 é da ordem de 42,72%.
Com essa linha de pensar, conclui-se que a correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, tão-somente, a reposição do valor real da moeda, corroído por tormentosa inflação. Portanto, independe de culpa das partes litigantes. Constitui-se a mesma (a correção monetária) em simples fator de atualização da moeda, cujo poder aquisitivo foi desgastado pela inflação. Em assim sendo, as dívidas de valor sujeitam-se à atualização monetária plena e efetiva, ainda quando inexista lei a autorizar a referida atualização.
A clarear e fortalecer as teses acima defendidas, transcrevo os fundamentos desenvolvidos quando do julgamento do REsp nQ 161.161/SP (Reg. nQ 97.0093572-8), litteratim:
"Com relação aos índices utilizados, ressalte-se que o valor nominal do BTN era atualizado tomando-se por base a variação verificada no índice de preços ao consumidor - IPC no mês anterior ("Nota de Esclarecimento" do IBGE, 2.2.89; Portaria nQ 62, de 20.4.89, do Ministério da Fazenda; Medida Provisória n Q 48, de 1Q.4.89, art. 5Q, Lei nQ 7.777, de 19.6.89, art. 5Q, par. 2Q). O IPC era o indexador do BTN. Mas a atualização do valor nominal daquele título desvinculou-se do IPC (Leis nM 8.024, art. 22 e 8.030, art. 2Q,
par. 6Q, ambos de 12.4.90). Deixou de ser índice de inflação passada para tornar-se medida de variação média dos preços durante os trinta dias contados a partir do primeiro dia do mês em curso. A inflação real, - e não sem motivo -, continuou a ser indicada pelo IPC (Apelação Cível nQ 172.194-2), até a data de sua extinção (Lei nQ 8.177/91, art. 3Q, IIl), e não pelo BTN, por esvaziado o seu conteúdo segundo metodologia extravagante, incompatível com o procedimento próprio, adotado pelo IBGE, para produzir aquele índice. Em conseqüência, a correção da inflação deve ser feita de 1 Q.1.89 a 28.02.91 pelo IPC, corretamente medida pelo Instituto no período.
Quanto ao índice de 70,28% do mês de janeiro de 1989, admitido por farta jurisprudência desta Corte, consolidada através de julgamento, por expressiva maioria de Incidentes de Uniformização de Jurisprudência (lUJ n° 154.452-2, ReI. Des. Franciulli Netto e nQ 153.583-2, ReI. Des. Odyr Porto), não se pode olvidar julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, via do qual restou demonstrado o acerto da orientação local, baseado, inclusive, em questão de fato vinculada ao alcance metodológico usado para a apuração do questionado indexador.
Obrigatória a transcrição de parte desse venerando acórdão, para o perfeito conhecimento da questão. Assim, diz o voto condutor do ilustre Ministro Ilmar Galvão:
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" ... já na vigência da Constituição de 1988, assinalou a Consultoria-Geral da República que:
'A noção de justa indenização não pode sofrer qualquer restrição, sob pena de malferir-se, por ato estatal revestido de menor positividade jurídica, o postulado constitucional que a consagra. A restrição desse conceito, sem que ela derive de autorização constitucional, configurará ato lesivo à cláusula assecuratória da propriedade privada, inscrita na Carta Maior, por implicar o esvaziamento arbitrário do conteúdo econômico desse direito" (DOU, I, de 19.12.1988, pág. 24.701).
Com efeito, está-se diante de título revestido da garantia constitucional de plena correção monetária (artigo 157 da CF/67, artigo 161 da EC n Q 1/69 e artigo 184 da CF/88), como meio indispensável à conjugação nas expropriatórias da espécie, do tradicional princípio dajusta indenização.
Assim sendo, não pode ele ficar ao sabor dos efeitos de medidas governamentais, de natureza econômica, que, à guisa de combate à inflação, venham suprimir abruptamente etapas anteriores de defasagem monetária, como aconteceu no presente caso.'
Nesse sentido, parece pacífica a jurisprudência daquela Alta Corte (MS n Q 254-DF, j. em 3.4.90; MS n Q 290-DF,j. em 3.4.90; MS n Q 779-DF, j. 23.4.91), em razão do princípio geral da justa indenização mais completa quanto possível, sem que o acréscimo importe, à evidência, em excesso de execução.
Diante desse quadro, observa v. acórdão do Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, é possível concluir que o emprego de metodologia extravagante, a fim de assentar o valor nominal do BTN em quantia inferior ao da efetiva ostentação de preços revelados pelo IPC, contraria o comando legal (Agravo de Instrumento n Q 470.108-0, da Comarca de São Paulo).
Tanto isso é certo que a Lei n Q 7.989, de 28 de dezembro de 1989, ao dispor sobre certo critério de reajustamento do valor de determinadas obrigações, considerou, no artigo 2Q
,
n Q lI, letra a, a OTN de Cr$ 6,17, multiplicada pelo fator 1,7028.
Destarte, pese embora a modificação do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, limitando o índice de janeiro de 1989 a 42,72% e majorando o do mês subseqüente, deve prevalecer a orientação STJ REsp nM 15.028-SP, 14.757-SP, TJESP AI nM
149.052-1,155.000-1,167.534-2,
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172.193-2,173.583-2,173.646-2,180.658-2; TJESP 2ª TEsp., IUJ nm: 153.583-2 e 154.457-2).
Não houve portanto, ofensa alguma às Leis 6.899/81 e 7.730/89 (art. 15), posto que a adoção do IPC, de 1 º.1.89 a 28.02.91, não conflita com qualquer delas, antes bem se ajusta à legislação que cuidou da matéria.
Também o parágrafo 1 º do artigo 100 da Lei Maior não sofreu a pretendida violação, que se subsume, na alegação da entidade de direito público, no fato de se ordenar o pagamento do débito apurado dentro do prazo de noventa dias.
Esses débitos, porém, não se referem ao pagamento do principal fixado nas sentenças de conhecimento, mas a quantias correspondentes ao cumprimento insuficiente ou irregular dos precatórios cujos pagamentos foram efetuados neste ou em exercícios financeiros passados, sempre a menor.
A hipótese tem sua regência no artigo 100, caput, da Constituição Federal, que previu a abertura de créditos adicionais para a satisfação de pagamentos que independem de inclusão no orçamento, como é o caso.
Assim, os créditos adicionais, que são atualizações de despesas não computadas, ou insuficientemente dotadas na Lei do Orçamento (artigo 40)
devem ser abertos (CR, artigo 100), suplementando ou reforçando a dotação orçamentária (art. 41, inciso I), para a satisfação dos precatórios judiciais mal cumpridos.
Ora, se a Lei nº 4.320/64 não estabelece prazo para a tramitação supletiva das requisições dependentes daquela providência, correta a norma supletiva editada no Assento nº 195, de 20 de junho de 1991.
Essa dilação, quando o pagamento deveria, em princípio, ser imediato, atende ao princípio do artigo 2º da Constituição cristalizada nesta Corte, ao menos até a aguardada manifestação do Colendo Supremo Tribunal Federal, já invocada pelos interessados.
Quanto ao IPC produzido pelo IBGE, de março de 1990 em diante, é pacífica a sua adoção pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, quando afirma:
" ... perdurando o maltrato à moeda do país, decorrente da onda inflacionária reinante, é cabível, igualmente, a inclusão do IPC de março a maio de 1990, por ser moral, jurídico e justo. Demais a mais, a razão jurídica e econômica, inspiradora da jurisprudência mencionada, é a mesma, para as variações referentes aos meses subseqüentes ... " (Agravos de Instrumento nm: 24.530-0-
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SP, 24.606-6-SP, 24.725-3-SP, 25.852-4, in DJU de 22.9.92, pág. 15.815).
N'outra esteira, poder-se-ia alegar, como, de fato, enveredam alguns distintos posicionamentos nesta Colenda Corte, que, em se tratando de correção monetária de valores já pagos indevidamente, os quais devam ser restituídos - quer via repetição de indébito, quer via compensação -, tal sistemática (a correção monetária pelo IPC - ou índice que melhor reflita a perda inflacionária de então) não deva ser aplicada. Essa linha de pensar tangencia no fato de que a Fazenda Pública não utiliza os índices inflacionários expurgados pelos Planos Governamentais ao cobrar seus débitos. Assim, é mais do que justo -e se assentam no princípio isonômico - que na cobrança de seus débitos também não se apliquem tais índices de atualização da dívida.
Por isso, que a compensação deve seguir os termos elencados na Lei nº 8.383/91, id est, sem as restrições estabelecidas na Instrução Normativa nº 67/92, com base na variação da UFIR. Destarte, o débito da Fazenda Pública - advindo da compensação do tributo em questão - deverá sofrer correção monetária com base na variação da UFIR, e não se aplicando os expurgos inflacionários dos Planos Governamentais.
Não prospera, data vênia aos entendimentos divergentes, a pretensão de se aplicar, para fins de correção monetária, o valor da variação da UFIR. É firme ajurisprudên-
cia desta Colenda Casa Julgadora que, para tal propósito, há de se seguir os percentuais do IPC, por melhor refletir a inflação do período apurado.
Ad argumentandum, e apenas hipoteticamente, caso a empresa autora não tivesse sido obrigada a recolher (indevidamente) o tributo em comento, o quantum desembolsado pela mesma, obviamente (e quase o digo "com certeza"), tal montante teria sido aplicado no mercado financeiro, visto que à época essa era a melhor forma (ou a menos "dolorosa") de se proteger da inflação galopante. E, como é sabido e consabido, o mercado financeiro regia-se com base nos indicadores econômicos divulgados pelos órgãos oficiais, in casu, a Fundação IBGE. Para tais casos, a correção monetária era medida pelo próprio Governo Federal através do "Índice de Preços ao Consumidor" - IPC, os quais eram totalmente diferentes da pretendida UFIR (a consciência memorativa é lenta, mas não lerda).
Destarte, espelhado nas fundamentações supramencionadas, não realizada a atualização monetária, a Administração Pública estaria, em função disso, a se locupletar, o que, em qualquer hipótese jurídica (e ética), não se pode admitir. As teses acima desenvolvidas denotam a ocorrência de motivos ensejadores à reforma do v. Acórdão guerreado, neste particular.
Posto isto, nego provimento ao recurso do INSS e dou parcial provimento ao recurso da parte autora,
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para determinar a aplicação dos índices de correção monetária, da seguinte forma: a) através do IPC, no período de março/1990 a janeiro/ 1991; b) a partir da promulgação da Lei n Q 8.177/91, a aplicação do INPC
(até dezembro/1991); e c) a partir de janeiro/1992, a aplicação da UFIR, nos moldes estabelecidos pela Lei n Q
8.383/91.
É como voto.
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