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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS NÚCLEO INTERINSTITUCIONAL DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA E CIDADANIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS DE SEGURANÇA E DIREITOS HUMANOS O USO CRÔNICO DE DROGAS QUÍMICAS E A REINCIDÊNCIA EM FURTO E/OU ROUBO NA PENITENCIÁRIA CENTRAL DO ESTADO DE MATO GROSSO Rafael Madalozo CUIABÁ -MT 2015

O USO CRÔNICO DE DROGAS QUÍMICAS E A REINCIDÊNCIA … Madalozo.pdfNotar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco Brilhante de lixo do Leblon E quando ouvir o silêncio sorridente

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSOINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    NÚCLEO INTERINSTITUCIONAL DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA E CIDADANIACURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS DE SEGURANÇA E DIREITOS

    HUMANOS

    O USO CRÔNICO DE DROGAS QUÍMICAS E A REINCIDÊNCIA EM FURTO E/OUROUBO NA PENITENCIÁRIA CENTRAL DO ESTADO DE MATO GROSSO

    Rafael Madalozo

    CUIABÁ -MT2015

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSOINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    NÚCLEO INTERINSTITUCIONAL DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA E CIDADANIACURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS DE SEGURANÇA E DIREITOS

    HUMANOS

    O USO CRÔNICO DE DROGAS QUÍMICAS E A REINCIDÊNCIA EM FURTO E/OUROUBO NA PENITENCIÁRIA CENTRAL DO ESTADO DE MATO GROSSO

    Monografia apresentada como requisito obrigatório paraobtenção do título de Especialista em Políticas deSegurança Pública e Direitos Humanos, pela UFMT –ICHS sob a orientação do Prof. Dr. Almir Balieiro.

    Rafael Madalozo

    Cuiabá -MTJaneiro/2015

  • RAFAEL MADALOZO

    O USO CRÔNICO DE DROGAS QUÍMICAS E A REINCIDÊNCIA EM FURTO E/OUROUBO NA PENITENCIÁRIA CENTRAL DO ESTADO DE MATO GROSSO

    Monografia submetida à Banca Examinadora e julgada adequada para a concessão do

    Grau de ESPECIALISTA EM POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS

    HUMANOS.

    Nota obtida:_____________

    ______________________________________

    Dr. Almir Balieiro

    Prof. Orientador e Presidente da Banca

    _____________________________

    Membro da Banca

    _________________________________

    Membro da Banca

  • RESUMO

    Uma investigação a respeito da associação do uso crônico de drogas derivadas daplanta coca e a reincidência penitenciária, devido infrações por furto e/ou roubo, apontamdados significativos que concernem menos ao combate à criminalidade pelas vias darepressão e mais ao tratamento do abuso de drogas como um problema de saúde pública,numa abordagem de direitos humanos. Neste estudo dá-se conta de alguns elementos dacaracterização social dos reclusos, dos crimes e situações que os (re)conduziram à detenção,das prevalências de consumo de drogas antes da prisão. Realizou-se uma revisão daspublicações sobre temas como abuso de drogas, criminalidade e reincidência penitenciária esequencialmente foram analisados 272 prontuários psicológicos referentes a atendimentospsicológicos individualizados do setor de psicologia dispensados a presos que cumpriam ouainda cumprem sua pena em regime fechado, compreendidos entre os anos de 2012 e 2014. Apesquisa também contou com o auxílio do banco de dados do Sistema Integrado deAdministração Penitenciária – SIAPEN e Sistema Apolo do Tribunal de Justiça de MatoGrosso.

    Palavras-chaves: Uso crônico de drogas. Reincidência penitenciária por roubos efurtos. Penitenciária Central do Estado de Mato Grosso.

  • Quando você for convidado pra subir no adro Da fundação casa de Jorge Amado

    Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos Dando porrada na nuca de malandros pretos

    De ladrões mulatos e outros quase brancos Tratados como pretos

    Só pra mostrar aos outros quase pretos (E são quase todos pretos)

    E aos quase brancos pobres como pretos Como é que pretos, pobres e mulatos

    E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados E não importa se os olhos do mundo inteiro

    Possam estar por um momento voltados para o largo Onde os escravos eram castigados

    E hoje um batuque um batuque Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária

    Em dia de parada E a grandeza épica de um povo em formação

    Nos atrai, nos deslumbra e estimula Não importa nada:

    Nem o traço do sobrado Nem a lente do fantástico,

    Nem o disco de Paul Simon Ninguém, ninguém é cidadão

    Se você for a festa do pelô, e se você não for Pense no Haiti, reze pelo Haiti

    O Haiti é aqui O Haiti não é aqui

    E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer

    Plano de educação que pareça fácil Que pareça fácil e rápido

    E vá representar uma ameaça de democratização Do ensino do primeiro grau

    E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto

    E nenhum no marginal E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual

    Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco Brilhante de lixo do Leblon

    E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo Diante da chacina111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos

    Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos

    E quando você for dar uma volta no Caribe E quando for trepar sem camisinha

    E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba Pense no Haiti, reze pelo Haiti

    O Haiti é aqui O Haiti não é aqui

    (Caetano Veloso e Gilberto Gil - Haiti)

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    a.C – antes de Cristo

    AIDS – Síndrome da imunodeficiência adquirira

    APF – Auto de prisão em flagrante

    apud – de acordo com

    Art. - Artigo

    BO – Boletim de ocorrência

    BR – Rodovia de responsabilidade do governo

    CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

    CPB – Código Penal Brasileiro

    DST – Doença sexualmente transmissível

    Eng.º – Engenheiro

    et al – e outros

    etc – et cetera

    Infopen – Informações prisionais de um ou mais detentos / Sistema integrado de informaçõespenitenciárias

    km – quilometro (unidade de medida)

    n. - número

    nº - número

    OMS – Organização Mundial da Saúde

  • p. - página

    PCC – Primeiro comando da capital

    PCE – MT – Penitenciária Central do Estado de Mato Grosso

    SIAPEN - Sistema Integrado de Administração Penitenciária

    SP – São Paulo

    SUS – Sistema Único de Saúde

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO...................................................................................................................8

    1 SOBRE AS DROGAS.......................................................................................................10

    1.1 DROGAS DERIVADAS DA PLANTA COCA ….............................................................12

    1.2 A DROGA E O CRIME......................................................................................................15

    2 PERFIL DOS SUJEITOS PRIVADOS DE LIBERDADE NA PCE – MT..................17

    2.1 O COMETIMENTO DO CRIME DE FURTO E/OU ROUBO.........................................18

    2.2 UM ADENDO AO ESTUDO: O TRÁFICO E O HOMICÍDIO........................................19

    3 O SISTEMA PENAL E A PCE – MT...............................................................................21

    4 AÇÕES EM SAÚDE..........................................................................................................22

    CONCLUSÃO....................................................................................................................25

    LISTA DE REFERÊNCIAS.............................................................................................26

  • 8

    INTRODUÇÃO

    A população carcerária no Brasil está crescendo em ritmo acelerado nos últimos anos, sendo

    que, em 2013, comparado ao ano anterior, este crescimento foi de 6%. De acordo com dados do

    Centro Internacional para Estudos Prisionais, a população carcerária brasileira atual é de 548 mil

    presos, num universo de 190 milhões de pessoas, que resulta em 274 presos para cada 100 mil

    habitantes, o que levou o Brasil a ser um dos três países com maior índice da população carcerária

    nos últimos vinte anos.

    Diante de números tão expressivos referente a pessoas privadas de liberdade no país,

    justificam-se todos os estudos que empreendem o conhecimento a respeito desta realidade, quem

    são as pessoas presas, de onde elas vêm, quais são suas expectativas de vida, quais são seus ideais,

    de que forma se relacionam com o sistema socioeconômico vigente, de que forma são vistos pelo

    olhar do outro, que elementos fazem parte de suas estórias...

    O referido estudo é fruto de uma pesquisa realizada no interior da Penitenciária Central do

    Estado de Mato Grosso – PCE - MT, o maior estabelecimento penal do Estado, onde o pesquisador

    desenvolve seu trabalho de escuta dos sujeitos privados de liberdade, enquanto psicólogo da equipe

    de saúde daquela instituição, referenciado na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, por meio da

    Gerência de Saúde.

    O pesquisador escutou atentamente a muitas dessas estórias de vida, ao ofertar dentro desta

    penitenciária, um lugar onde os sujeitos que vieram a transgredir a lei, possam para além de cumprir

    sua penitência, refletir e ressignificar suas experiências de vida.

    Então, a pesquisa foi realizada com 272 homens, que cumprem sua pena em regime fechado

    neste estabelecimento penal, no período compreendido entre os anos de 2012 e 2014. Alguns deles

    já receberam alvará de soltura, outros foram transferidos para outras unidades ou progrediram para

    o regime semi-aberto ou aberto.

    Inicialmente a coleta dos dados não tinha por objetivo a realização de uma pesquisa, mas tão

    somente o registro em prontuário psicológico das sessões individuais, de aspectos pontuais a

    respeito das pessoas que sentavam diante do psicólogo para atendimento profissional.

    Com o passar do tempo de trabalho de escuta destas pessoas, algumas questões a respeito do

    abuso de drogas, números de reincidências penitenciárias e crimes por roubo e furto chamaram a

    atenção para a realização dessa pesquisa. O que faz com que esses sujeitos reincidam, às vezes

    incessantemente? Por que o cometimento dos mesmos delitos? O que os leva a reingressar numa

    instituição de controle, de punição, de privação, de violências mil e geradora de tanto sofrimento?

    O número de presos que assumem problemas com drogas, que se julgam dependentes

  • 9

    químicos é bastante elevado. Muitas vezes associavam seus delitos ao abuso de drogas,

    principalmente as derivadas da planta coca, como a cocaína, crack e pasta base. E grande parte

    desses homens, ao analisar seus históricos processuais ou mesmo ouvindo seus próprios relatos, são

    reincidentes penitenciários, ou seja, já responderam por infrações criminosas em regime fechado.

    Dentro da Penitenciária Central do Estado de Mato Grosso um grupo em particular de presos

    chamaram a atenção do pesquisador. Aqueles chamados no interior da cadeia de “espirrados”.

    Segundo eles, por não controlar seus desejos por drogas, lançam mão de delitos como furto até

    mesmo dentro da penitenciária. Como este comportamento não é aceito pelos demais presos (preso

    furtar outro preso), então estes dependentes de drogas são banidos da convivência comum dentro da

    prisão, não podendo adentrar aos raios, permanecendo assim à margem da margem.

    Em nome da droga este grupo de presos convivem com seus iguais em uma pequena ala da

    PCE-MT e submeter a uma sobrevida sem mínima condições de higiene, sem colchão para dormir,

    sem visitas familiares e sem resquícicios de dignidade.

    Para além de determinismos socioculturais, existem subjetividades por detrás de cada

    homem preso, uma estória de vida particular, modos de vida e pontos de vista igualmente

    singulares, porém que se misturam e se aglomeram num coletivo bastante cruel para o qual muitos

    destes sujeitos tendem a (re)ingressar.

    Verificado o uso abusivo de drogas como um ponto comum entre muitos presos e também o

    retorno dos mesmos para dentro deste contexto limitador e repressor, que é o sistema prisional, nos

    colocamos a pensar no modo de gozo destes sujeitos, que certamente não é o conveniente social.

    Para tanto, utilizamos o modo de pesquisa exploratória que permite uma menos rigidez de

    planejamento e também esclarece conceitos de forma a formular problemas mais precisos para

    estudos futuros, proporcionando visão geral de determinado fato, neste caso, a relação entre o uso

    crônico de drogas químicas e a reincidência por roubo e/ou furto

    Diante de alguns registros a respeito de 272 homens atendidos pelo serviço de psicologia da

    PCE-MT, mantendo o sigilo de suas identidades e com o auxílio do banco de dados do Sistema

    Integrado de Administração Penitenciária – SIAPEN e Sistema Apolo do Tribunal de Justiça de

    Mato Grosso, realizamos uma pesquisa e concomitantemente traçamos um perfil desta população

    para encontrarmos respostas a estas indagações. Dados referentes a faixa etária dos presos

    pesquisados da PCE – MT; estado civil dos mesmos; número de filhos; histórico de abuso de drogas

    ilícitas; escolaridade; experiências profissionais; a quais infrações penais respondem e se possuem

    histórico de passagem pelo sistema prisional, ajudam a compreender e elucidar tais questões. Esta

    pesquisa e as informações que ela traz, servem para a implementação de políticas públicas voltadas

    para dependentes químicos que se encontram presos; alternativas de tratamentos em saúde em

  • 10

    detrimento a política de encarceramento; propor reflexão em relação ao tratamento em saúde mental

    no interior da PCE-MT e compreender o fenômeno da reincidência penitenciária associada ao

    abudo de drogas químicas.

    O primeiro capítulo trata sobre o histórico das drogas e as especificidades das drogas

    derivadas na planta coca. Sabidamente o uso de drogas é tão antigo quanto a história da

    humanidade. Ao longo dos anos foram sendo usufruídas para as mais diversas finalidades.

    Atualmente, mediante o imperativo da sociedade de consumo, as drogas se configuram num

    problema de saúde pública, antes mesmo de se tornar um problema criminal.

    Na segunda parte do primeiro capítulo, verificamos a passagem ao ato daqueles que

    encontram no crime os meios para manter seu padrão de consumo de droga, bem como um diálogo

    de autores estudiosos que verificaram em suas pesquisas pelo mundo, relações entre transtornos

    mentais emocionais e o fenômeno da criminalidade.

    No capítulo 2, estabelecemos um perfil dos 272 presos pesquisados na PCE – MT:

    identidade, estado civil, número de filhos, se faziam uso de drogas antes da prisão, escolaridade,

    informações profissionais, quais infrações respondem e quantos deles possuem passagem pregressa

    pelo sistema prisional, particularmente estudados aqueles que cometeram furto e/ou roubo.

    Encerramos o capítulo fornecendo alguns dados surpreendentes sobre aqueles que respondem por

    tráfico e homicídio na PCE-MT.

    O terceiro capítulo deste trabalho visa explanar sobre o sistema penal vigente e as

    características da PCE-MT.

    Finalizamos no quarto capítulo com alternativas de ações em saúde, explanando o que está

    previsto em termos de saúde para sistema penitenciário, como a Portaria Interministerial 1777 dos

    Ministérios da Saúde e da Justiça.

    Neste sentido, o presente estudo se propõe a refletir o tratamento penal de encarceramento

    que, por sua ineficácia, favorece inegavelmente o retorno à criminalidade, sobretudo quando

    dispensado aos sujeitos que não tiveram o mínimo de amparo social, contribuindo para a sua

    contínua segregação. Principalmente quando somada a privação de liberdade encontra-se a

    superlotação, a falta de assistência em saúde, educação, a ociosidade, a não separação dos presos

    nas celas, os maus-tratos, promovendo a revolta e a não submissão à ordem, pelos efeitos perversos

    que produz.

  • 11

    1. SOBRE AS DROGAS

    Desde há muito tempo conhecidas, as drogas têm acompanhado o percurso da Humanidade

    (Nunes e Jólluskin, 2007). Em 5000 a.C. os sumérios deixaram o registro de um ideograma do qual

    constava o ópio como representante da alegria e do regozijo (Angel, Richard e Valleur, 2002). No

    decorrer dos tempos foram consumidas em diversos contextos, de variadas formas e com objetivos

    diferentes: para estabelecimento de contato com entidades divinas; pontes de ligação entre a vida

    real, as divindades, os mortos e a “vida prometida”; para fins festivos, terapêuticos e sacramentais

    até se tornarem uma grande empresa científica. (Escohotado, 2004).

    As drogas eram percebidas como benéficas ou nocivas conforme a sua época, conforme a

    cultura em que se inseria o seu uso, dos padrões e das motivações que levavam ao seu consumo.

    Foi no século XIX que começam a se discutir os problemas causados pelo consumo

    desregrado de drogas, os efeitos nocivos do abuso das mesmas e suas implicações médicas e

    jurídicas e a partir da Conferência de Xangai (1909), que através de discursos morais e religiosos, se

    deu a criminalização das drogas enquanto o primeiro tratado internacional do controle de drogas.

    Esta Conferência foi uma resposta dos Estados Unidos às críticas ao comércio do ópio e contou com

    o apoio de outras 11 nações: Alemanha, China, França, Reino Unido, Itália, Japão, Países Baixos,

    Pérsia, Portugal, Rússia e atual Tailândia (Carvalho, 2011).

    Atualmente, as drogas possuem diferentes significados, dependendo do ponto de vista sob o

    qual são abordadas. Assim, o seu significado científico difere do sociocultural (Nunes e Jólluskin,

    2007). Observa-se que o uso de determinadas substâncias começa a assumir contornos

    problemáticos, como é o caso dos anti-inflamatórios, analgésicos e antibióticos, cuja utilização

    inadequada tem vindo a ser tratado com mais cautela e com alerta por parte dos profissionais de

    saúde. No entanto, o recurso abusivo a essas substâncias não encerra a problemática e o alarme

    social causado pelo consumo de outras drogas, nomeadamente as ilegais. O próprio uso do álcool,

    tão nocivo e com tão elevados custos sociais, não suscita a mesma impressão nem causa o mesmo

    alarme provocado pelo consumo das drogas ilícitas.

    No Brasil, drogas ilícitas são aquelas cuja produção, comercialização e uso são proibidas por

    lei, como é o caso da maconha, cocaína, pasta-base. Drogas lícitas são aquelas que têm sua

    produção, comercialização e uso permitidos pela lei como, por exemplo, o cigarro, o álcool e uma

    série de medicamentos (anfetaminas, calmantes). São drogas que agem no sistema nervoso central,

    alteram o humor e o comportamento, mas são toleradas e por vezes estimuladas abertamente pela

    sociedade.

  • 12

    A droga acabou por assumir uma tripla dimensão: a de mercadoria, como ponto deligação entre as componentes jurídica, econômica e fiscal; a dimensão lúdica e terapêutica,como fonte de desinibição, favorecedora do convívio social e como instrumento detratamento médico; e, por último, as dimensões de objeto e de origem do crime, numaperspectiva emergente, sobretudo a partir de meados do século XX. (POIARES,1999)

    1.1 DROGAS DERIVADAS DA PLANTA COCA

    Neste estudo especificamente, tomamos por análise basicamente a cocaína e seus derivados,

    principalmente o crack e a pasta base. Este recorte se deu a partir de relatos da população

    pesquisada, sendo estas as drogas ilícitas e manipuladas quimicamente de maior abuso por parte dos

    pesquisados, quando os mesmos estavam em liberdade.

    Sabemos que a cocaína é extraída de uma planta encontrada na América do

    Sul (Erythroxylon coca), ou seja, tem sua origem natural. Esta planta é bastante encontrada nos

    países vizinhos ao Brasil, como Bolívia, Peru e Colômbia, o que explica através da lei da oferta e da

    procura, a incidência do uso das drogas derivadas da coca na amostra desta pesquisa, uma vez o

    estado de Mato Grosso é região fronteiriça e sabidamente rota do tráfico internacional destas

    drogas.

    Embora para chegar ao consumo da cocaína pura é necessário que se passe por um

    processamento em laboratórios clandestinos. Conceituá-la enquanto droga química serve aqui

    apenas para diferenciá-la de outras substâncias encontradas e utilizadas in natura sem processo de

    modificação de suas substâncias como a maconha e cogumelos; diferenciá-las também de drogas

    sintéticas, que são substâncias ou misturas de substâncias psicoativas produzidas através de meio

    químicos cujos principais componentes ativos são encontrados na natureza, como o lsd e o ecstasy;

    e também das drogas encontradas nas drogarias, que são lícitas.

    Ou seja, a cocaína, é classificada cientificamente como droga semissintética, porque em sua

    origem é natural, mas requer um processo químico-laboratorial para ser utilizada. Outro ponto que

    reforça tratá-la como droga química neste estudo, vem do próprio tratamento dado a este tipo de

    droga dentro da Penitenciária Central do Estado, pela população pesquisada, os presos. Estes

    tendem a nomear como drogas químicas, a cocaína e seus derivados, para diferenciá-las

    principalmente da maconha, também bastante utilizada pelos mesmos, que é uma droga de origem

    natural.

    De acordo com o site Álcool e Drogas sem Distorção, do Núcleo Einstein de Álcool e

    Drogas do Hospital Israelita Albert Einstein – NEAD, as formas de apresentação da cocaína são:

    1. Pó - A pasta da coca é tratada com ácido hipoclorídrico, produzindo o Cloridrato de

  • 13

    Cocaína (pó branco e sem cheiro);

    2. Pasta base – Macerado das folhas, cal, solvente (querosene ou gasolina) e ácido sulfúrico;

    3. Crack – Pasta de coca ou pó, bicarbonato de sódio ou amônia, água e aquecimento. A pasta é

    transformada em pedra por meio deste processo.

    4. Merla – Pasta de coca ou pó, ácido sulfúrico, querosene ou gasolina.

    5. Oxi – A diferença do Oxi para o Crack está em sua composição química. Leva querosene e

    cal virgem para transformar o pó em pedra. Querosene e cal virgem são extremamente

    tóxicos, barateiam a droga e levam à morte mais rapidamente que o crack.

    A cocaína é uma droga classificada quanto ao seu modo de ação cerebral, como estimulantes

    do sistema nervoso central, atuando sobre três neurotransmissores: a serotonina, a noradrenalina e a

    dopamina.

    Quanto ao modo de administração da droga, pode ser aspirada em forma de pó (cloridrato de

    cocaína); injetada (quando dissolvida em água); ou fumada, sob forma de uma pedra, o crack, ou de

    pastas menos purificadas, a pasta base e o oxi. Qualquer uma dessas formas de utilização é de

    rápida absorção do organismo humano, seja por mucosa oral, nasal ou via pulmonar.

    Referente aos sintomas físicos verifica-se o aumento da frequência cardíaca, aumento da

    temperatura corpórea, aumento da frequência respiratória, sudorese, tremor leve de extremidades,

    espasmos musculares e tiques.

    Os principais sintomas psíquicos decorrentes do consumo de cocaína são o aumento de

    vigília, insônia, sensação intensa de euforia, poder, sensação de bem-estar, autoconfiança elevada,

    aceleração do pensamento. A euforia despertada pela droga reforça e motiva, na maioria dos

    sujeitos, o desejo por um novo episódio de consumo, porém quanto mais rápido o início da ação

    cerebral, quanto maior a sua intensidade e quanto menor a sua duração, maior será a chance de o

    indivíduo evoluir para o uso crônico e nocivo desta substância. Por isso diz-se de alto potencial de

    abuso e dependência, no que tange ao seu potencial de uso nocivo, sendo a dependência a principal

    complicação crônica relacionada ao consumo de cocaína e até o momento não há nenhum

    medicamento eficaz para proporcionar alívio aos possíveis sintomas de abstinência, tampouco para

    atuar sobre o comportamento de busca da substância.

    Com o uso abusivo da cocaína, os estudos demonstram que não desencadeia o fenômeno da

    tolerância. Ou seja, quando o organismo do usuário se acostuma com a substância ou fica tolerante

    a ela, fazendo com que a droga faça menos efeito a cada dia tendo o usuário que aumentar a

    quantidade da droga para consumo. Ocorre sim o aumento progressivo na quantidade de droga, mas

    isso não se deve a perda do efeito de doses menores, o que descaracteriza a tolerância. Na realidade

    as pessoas que assim procedem estão fazendo isso porque querem sentir muitas vezes,

  • 14

    repetidamente, o mesmo efeito prazeroso, porém efêmero da droga.

    Também não ocorre a dependência física, uma vez que não há na literatura especializada,

    descrições que caracterizem a síndrome de abstinência: dores pelo corpo, cólicas, náuseas, cãibras.

    O que ocorre na ausência dessa substância aos usuários são crises de natureza psicológica:

    irritabilidade, agressividade, depressão, procura compulsiva pela droga, sono profundo, confusão

    mental, fome excessiva ou movimentos compulsivos por parte do usuário crônico em substituir o

    prazer daquela droga abstinente. O que às vezes ocorre é que o usuário fica tomado de grande

    “fissura” deseja tomar de novo para sentir os efeitos agradáveis e não para diminuir ou abolir o

    sofrimento que ocorreria se realmente houvesse uma síndrome de abstinência.

    Principalmente, no uso de crack, os indivíduos desenvolvem dependência severa

    rapidamente, muitas vezes, em poucos meses ou mesmo algumas semanas de uso. Isso se deve

    porque a fumaça é absorvida imediatamente pelos pulmões e, por se tratar de um órgão bastante

    irrigado de veias e artérias, conduz a substância muito rapidamente para o cérebro, através da

    corrente sanguínea.

    A duração dos efeitos do crack é muito rápida, em média duram em torno de 5 minutos,

    enquanto que após injetar ou cheirar, em torno de 20 e 45 minutos, respectivamente. Essa pouca

    duração dos efeitos faz com que o usuário volte a utilizar a droga com mais frequência que as outras

    vias (praticamente de 5 em 5 minutos) levando-o à dependência muito mais rapidamente que os

    usuários da cocaína por outras vias (nasal, endovenosa). Assim temos que, quanto menor a duração

    do efeito, mais viciante é a substância.

    Logo após aspirar a fumaça, o usuário sente uma sensação de grande prazer, intensa euforia

    e poder. Depois de aproximadamente 5 minutos, começa a experimentar uma sensação de desprazer,

    depressão com o desaparecimento do efeito almejado. Por não tolerar essa frustração, o usuário

    volta a usar a droga, fazendo isso inúmeras vezes até acabar todo o estoque que possui ou o dinheiro

    para consegui-lo. A essa compulsão para utilizar a droga repetidamente, dá-se o nome popular de

    “fissura” ou craving que é uma vontade incontrolável de sentir os efeitos de “prazer” que a droga

    provoca. A “fissura” no caso do crack e pasta base são avassaladoras, já que os efeitos das drogas

    são muito rápidos e intensos.

    A tendência muito forte do usuário de crack ou pasta base é aumentar a dose de uso na

    tentativa de sentir efeitos mais intensos. Porém essas quantidades maiores acabam por levar o

    usuário a comportamento violento, irritabilidade, tremores e atitudes bizarras devido ao

    aparecimento de paranoia (“nóia”). Esse efeito provoca um grande medo, principalmente nos

    usuários de crack e pasta base, que passam a vigiar o local onde estão usando a droga e passam a ter

    uma grande desconfiança uns dos outros o que acaba levando-os às situações extremas de

  • 15

    agressividade, alucinações, delírios, além de perderem significativamente o interesse sexual.

    Essas quantidades maiores por vezes tendem a desencadear alguns sintomas psiquiátricos

    entre os usuários de cocaína, crack e pasta base estão a disforia (irritação), ansiedade, agitação,

    heteroagressividade, sintomas paranoides e alucinações.

    1.2 A DROGA E O CRIME

    Nos Estados Unidos, a morfina foi amplamente ministrada aos feridos, durante aGuerra da Secessão (1861-1865), beneficiando-se da invenção da seringa e agulhahipodérmica, devida a Rynd, Taylor e Wood (1839-1853). Assim surgiu em plena guerra, adoença do exército (soldiers desease), expressão que designava o morfinismo, já relatadoem tratados de Medicina, e que originou a primeira vaga de criminalidade (assaltos adepósitos farmacêuticos para obtenção de morfina) (POIARES, 1999, p.08).

    O usuário crônico fica tomado pelo sentimento de desprazer e vivencia forte frustração ao

    final da experiência com a droga. Intoxicado, alucinado, delirante e fissurado na busca de mais

    droga, ele lança mão dos recursos que lhe são disponíveis para obter mais droga e assim protelar a

    experiência desagradável e inevitável da falta da qual teme sucumbir. Procura em vão nos bolsos

    vazios de seu calção roto, em busca de algum dinheiro, dinheiro este que muitas vezes já surrupiou

    de dentro de sua própria casa, que era destinado aos mantimentos da família, mas só encontra o

    vazio, o nada. As panelas de alumínio da sua casa assim como já o fez com a batedeira, com o

    ventilador, todos já foram trocados na “boca de fumo” por drogas. Então ele é expulso de casa e da

    família: Sem vergonha, até que você não aprenda a virar gente, não coloque mais os pés aqui! De

    pés descalços, sem camisa, sem celular, sem documento, sem identidade, sem referências, esse

    sujeito em vulnerabilidade social, encontra na criminalidade os meios de manter sua compulsão pela

    droga.

    Os transtornos por uso de substâncias psicoativas exercem considerável impactosobre os indivíduos, suas famílias e a comunidade, determinando prejuízo à saúde física emental, comprometimento das relações, perdas econômicas e, algumas vezes, chegando aproblemas legais. Vários estudos assinalam a associação entre transtorno do uso desubstâncias psicoativas e violência doméstica, acidente de trânsito e crime (CHALUB,2006, p.70).

    Em psicologia, entendemos que a criminalidade é um fenômeno complexo que tem

  • 16

    múltiplos determinantes biopsicossociais e é da própria condição humana, assim como a violência.

    O fenômeno da violência vem sendo estudado em diversas áreas, devido ao seu potencial de ameaça

    à vida. Os estudiosos destacam o reconhecimento de que a violência é um problema mundial e que

    diversas e diferentes causas da criminalidade, descrevendo-a como um fenômeno complexo que

    abrange fatores biológicos, genéticos, psicológicos, psiquiátricos, econômicos, sociais, históricos,

    etc (CHALLUB E TELLES, 2006).

    No começo do século passado no Brasil as pessoas eram presas por desordem, vadiagem,

    atentado à ordem pública, embriaguez. Entre os crimes cometidos, predominavam o homicídio,

    lesão corporal e atentado violento ao pudor.

    A partir da década de 80, observou-se aumento da criminalidade, do número de delitos

    relacionados com drogas, seja relativo ao tráfico ou ao uso delas, e de delitos contra o patrimônio e

    crimes violentos, tais como o roubo, sequestro e homicídio.

    Os altos índices de violência em nível mundial levaram a Organização Mundial de Saúde

    (OMS) a considerá-la como um problema de saúde pública, assim como o problema das drogas já o

    são.

    Em uma pesquisa realizada na Suécia, onde Hodgins acompanhou 15.117 indivíduos, do

    nascimento até os 30 anos, onde o objetivo era avaliar a relação entre crime, doença mental e/ou

    retardo mental, um dos principais achados foi que entre os homens com diagnóstico de

    abuso/dependência de substância, a chance de cometimento de delito foi 20 vezes maior que a

    população sem diagnóstico psiquiátrico. (HODGINS apud CHALUB, 2006, p. S70).

    Coid realizou um estudo sobre a prevalência de morbidade psiquiátrica entre prisioneiros e

    na população em geral e constatou que a população criminal apresenta níveis maiores de transtornos

    quando comparada com a população não prisional. Este excesso está baseado nos diagnósticos de

    dependência de álcool, dependência de drogas e transtorno de personalidade. (COID apud

    CHALUB, 2006, p. S71)

    Arboleda-Flórez (apud CHALUB, 2006, p. S71) realizou um estudo de uma população de

    1200 presos provisórios, que aguardavam suas sentenças em Calgary, no Canadá e concluiu que 728

    indivíduos apresentaram ao menos um diagnóstico psiquiátrico, sendo o abuso de substâncias e

    álcool o diagnóstico mais frequente, sendo que um forte fator associado ao transtorno era o fato de

    se ter mais de cinco detenções prévias.

    Teplin et al. avaliaram 1272 presas também em regime provisório, sem condenação ainda. E

    assim como na pesquisa anterior, também verificou-se que os transtornos relacionados ao abuso de

    drogas figuravam dentre os primeiros da lista.

    Tavares et al. verificaram associações estatisticamente importantes entre a reincidência

  • 17

    criminal; crimes por roubo; com o traço de raiva; com o temperamento agressivo e com sintomas

    depressivos. Resultados que denotam que quanto maior o uso de drogas maior o sentimento de

    raiva, agressividade, intensidade dos sintomas depressivos e reincidência de crimes.

    Muitos estudos demonstram uma alta prevalência de abuso crônico de substâncias químicas

    entre os prisioneiros. Assadi (2006), mostrou que 88% da sua amostra apresentou algum transtorno

    mental e que o uso de drogas foi a principal desordem de comorbidade nos diagnósticos. Além

    disso, 50% dos condenados cometeram crimes relacionados com a droga, essa elevada proporção

    reflete nas taxas crescentes do uso de drogas na população livre que está propensa a cometer um

    crime. Lopes e colaboradores (2010), demonstram que em sua amostra de população encarcerada,

    38,3 % preencheram os critérios diagnósticos para dependência de drogas, sendo que as substâncias

    ilícitas que mais causaram problemas foram: o crack (22%) e a cocaína (12,2%). E que, na

    população encarcerada feminina, a prevalência de uso de drogas é maior naquelas mulheres que

    cometeram o delito furto/roubo (77%), comparado com as que cometeram tráfico de drogas (51,4%)

    e homicídio (40,6%).

    Não entraremos no mérito da questão da responsabilidade penal daqueles que cometeram o

    crime em função da droga. Mas antes, chamar a atenção para a saúde daquele sujeito que por vezes

    doentes, intoxicados, em meio à impulsividade e desespero da fissura pela droga, encontram nos

    crimes de furto e/ou roubo a maneira de dar manutenção à compulsão pela droga.

    2. PERFIL DOS SUJEITOS PRIVADOS DE LIBERDADE NA PCE-MT

    Apresentamos de forma breve o perfil dos sujeitos da pesquisa, conforme os dados

    coletados. No que diz respeito à idade, podemos notar que a grande maioria cobre a faixa etária

    entre 18 e 37 anos de idade. Ou seja, 82,34% dos pesquisados possuem entre 18 e 37 anos e 12,5%

    possuem entre 38 e 47 anos.

    Ao analisarmos os indicadores relacionados ao estado civil e número de filhos do público

    pesquisado, concluímos que 47,05% são solteiros; 33,08% vivem em união estável e 12,86% são

    casados.

    Os dados relacionados ao número de filhos indicam que 25% dos presos não possuem filhos;

    20,58% possuem um único filho; 19,48% possuem 02 filhos; 5,14% possuem 03 filhos; 4,41%

    possuem 04 filhos ou mais e 23,16% dos presos não informaram.

    Com relação ao uso de drogas, pudemos constatar que 62,13% deles faziam uso de drogas

    no momento em que foram presos ou já fizeram uso em momentos específicos de suas vidas.

  • 18

    Apenas 20,22% deles declararam que nunca consumiram drogas.

    Quanto à escolaridade, os dados coletados demonstram o baixo grau de instrução do público

    pesquisado: 42,64% possuem o ensino fundamental incompleto. Apenas 9,92% deles possuem o

    ensino médio completo e 1,10% possui ensino superior. Dados que demonstram o baixo valor dado

    à educação escolar, por muitas vezes optaram ou foram forçados a deixar a escola para realizar

    outras ações que, naquele momento, lhes pareceram mais significativa, como para exercerem

    trabalho infantil, por exemplo.

    Como o nível de escolaridade é muito baixo, eles também não possuem quase nenhuma

    qualificação profissional que lhe permita viver do exercício dela. Os indicadores demonstram que

    27,94% do público pesquisado declarou ter a profissão de ajudante de serviços gerais; 6,98% como

    servente de pedreiro, e um percentual de 5,51% a de pedreiro. As demais profissões citadas foram:

    jardineiro, mecânico, eletricista, operador de máquinas, etc.

    No que se refere às infrações que cometeram e pelas quais cumprem pena de reclusão em

    regime fechado na PCE-MT, 54,04% dos pesquisados respondem por roubo, ou seja, Art. 157 do

    Código Penal Brasileiro, que se refere à subtração de coisa móvel alheia, para si ou para outrem,

    mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à

    impossibilidade de resistência. 34,55% respondem pelo crime de tráfico de drogas; 24,26% por

    homicídio e 23,89% por furto, Art. 155 do CPB, referente à subtração de coisa alheia móvel, seja

    para si ou para outrem.

    A taxa de reincidência penitenciária do total de pesquisados abarca o alarmante número de

    66,54% de nossa amostra.

    2.1 O COMETIMENTO DO CRIME DE FURTO E/OU ROUBO

    No que tange à quantidade de pessoas atendidas pelo serviço de psicologia na PCE-MT,

    entre 2012 e 2014 que respondem pelos crimes de roubo ou furto, constatamos que se refere à

    63,23% dos pesquisados. Deste número, decorre que 71,51% dos infratores por roubo ou furto

    abusavam de drogas químicas até o momento do crime ou mantêm o uso dentro da penitenciária.

    A maior parte da população carcerária responde processo por roubo (Paixão & Beato, 1997).

    A dificuldade de inserção no mercado de trabalho e de obtenção de renda, frente à cultura atual na

    sociedade e à impunidade podem levar a comportamentos inadequados, muitas vezes, levando ao

    furto e ao roubo. Pode estar envolvido também processos cognitivos, como a falta de habilidade de

    compreender e tomar decisões corretas e adequadas, levando a atitudes mal elaboradas.

    Desta população que responde por roubo e/ou furto, 71,51% usam ou usavam drogas

  • 19

    químicas pelo menos até quando adentraram à prisão.

    O uso abusivo destas drogas (Franklin, Laveist, Webster & Pan, 2010) é um importante

    desencadeador de mudanças no comportamento e na personalidade, geralmente, sendo prejudiciais

    às interações sociais. Dentro de alguns sintomas dessa mudança deve ser destacada a ansiedade, a

    agressividade e a depressão, que podem gerar falta de empatia e controle emocional aumentando as

    chances de envolvimento em situações criminosas.

    Quanto ao histórico de reincidência penitenciária, 84,88% dos pesquisados que respondem

    pelos crimes de furto ou roubo são regressos e 64, 53% dos reincidentes afirmam que seus crimes

    possuem relação com o consumo nocivo de drogas químicas.

    Tavares e colaboradores (2012), verificaram correlação estatisticamente significativa entre o

    uso de drogas e a reincidência penitenciária; com crime por roubo; com o traço de raiva; com o

    temperamento agressivo e com sintomas depressivos. Os resultados mostraram que quanto maior o

    uso de drogas maior o sentimento de raiva, agressividade, nível de sintomas depressivos e

    reincidência penitenciária. E ainda, a reincidência criminal e o retorno à instituição penal podem

    desencadear problemas emocionais e de comportamento.

    Uma vez que existe associação entre pessoas presas que são acusadas de furto e roubo e o

    uso de drogas, podemos pensar que a execução do delito pode estar relacionada à prática do crime

    como uma forma de sustentar o consumo de drogas, tendo em vista que os egressos do sistema

    penitenciário que fazem o uso crônico de substância encontram mais dificuldades de conseguir ou

    manter um trabalho.

    Uma vez constatada que delitos contra o patrimônio são cometidos para a obtenção de

    substâncias psicoativas, há que se repensar o modelo de abordagem ao sujeito infrator, que antes de

    ser um criminoso, possui um modo de gozo desregulado daquele conveniente social.

    2.2 UM ADENDO AO ESTUDO: O TRÁFICO E O HOMICÍDIO

    Ainda que este estudo se restrinja a analisar a relação do uso de drogas químicas e a

    reincidência em furto e/ou roubo na PCE-MT, durante a execução desta pesquisa, nos deparamos

    com outros dados surpreendentes. Diante de relatos de internos da PCE-MT; de informações

    provenientes do Sistema Integrado de Administração Penitenciária – SIAPEN e Sistema Apolo do

    Tribunal de Justiça de Mato Grosso, verificamos que 34,55% respondem pelo crime de tráfico de

    drogas e 24,26% por homicídio.

    De acordo com dados do Infopen, base de dados do Ministério da Justiça, em 2006 havia

    47.442 presos por tráfico de drogas nos presídios brasileiros, 14,7% do total. Em dezembro de 2012,

  • 20

    essa quantidade pulou para 131.198 (25,5%). Isso quer dizer que um em cada quatro presos do país

    está condenado por tráfico de drogas.

    A criminalização de certas substâncias, como maconha, cocaína e crack, porexemplo, conferiu à polícia um enorme poder, por ocasião da criação da antiga lei detóxicos (Lei n. 6.398/1976), pois é a polícia que fornece a prova material, principalelemento no momento da condenação. São os policiais que realizam o registro do auto deprisão em flagrante (APF) e do boletim de ocorrência (BO). Esses registros são alvos dedenúncias por vários entrevistados, sobretudo aqueles presos acusados de tráfico deentorpecentes, em função de portarem pequenas quantidades dessas drogas e responderempor tráfico.

    Na fase do inquérito, a principal testemunha é o policial que efetuou a prisão e deuflagrante. Como geralmente os julgados são recrutados da população mais empobrecida,não podem contar com a defesa de bons advogados, acabam por ser condenados, o que nãoacontece com os grandes distribuidores de drogas e armas, bem como com aquelespraticantes do chamado “crime do colarinho-branco” (FERREIRA, 2011, p. 525).

    Verificamos nesta pesquisa, que a realidade da PCE-MT não é diferente, sendo que 34,55%

    dos pesquisados respondem por tráfico de drogas, figurando em segundo lugar dentre os delitos

    mais cometidos.

    Na escuta cotidiana dos relatos dos presos nesta penitenciária, esse tipo de denúncias são

    corriqueiras e mais uma vez vem apontar o tratamento penal dispensado a muitos usuários crônicos

    de drogas em detrimento do tratamento voltado a saúde mental dos mesmos.

    Daqueles internos analisados entre 2012 e 2014 que respondem ou responderam pelos

    crimes de homicídio na PCE-MT em regime de privação de liberdade, 60,60% faziam uso abusivo

    ou crônico de drogas químicas até o cometimento do delito ou mantêm o uso dentro da

    penitenciária; 22,72% não faziam uso e 16,66% não informaram sobre esta questão.

    Dentre estes casos de homicídio, 72,72% dos protagonistas são reincidentes penitenciários;

    19,69% são réus primário e 7,57% não informaram.

    No que tange a intersecção entre os usuários de drogas, reincidentes penitenciários que

    cumprem pena em regime fechado por infração ao artigo 121 (Homicídio) atingimos o número de

    43,93% do total de casos de homicídio pesquisados.

    Estes dados vem ao encontro de informações obtidas numa pesquisa realizada em

    condenados por homicídio em Pereira, na Colômbia, onde também encontraram importante

    porcentagem de consumo de substâncias, ou seja, 35,9% dos homicidas estavam sob efeito de

    álcool, à época dos fatos, e 24% das vítimas haviam consumido alguma substância (73% álcool e

    27% cocaína), (CHABUR apud CHALUB, 2006, p.S71)

  • 21

    3. O SISTEMA PENAL E A PENITENCIÁRIA CENTRAL DO ESTADO DE MATO

    GROSSO

    A Penitenciária Central do Estado de Mato Grosso foi inaugurada em 1º de março de 1985,

    então como Penitenciária Regional de Cuiabá, pelo governador Eng.º Júlio José de Campos e

    enquanto ministro da justiça Ibrahim Abi Ackel. Localizada na BR364 km 12 no bairro Pascoal

    Ramos em Cuiabá – MT.

    Segundo a Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal,

    verificamos no capítulo II, Artigo 87, que penitenciária é um estabelecimento penal destinado aos

    presos condenados à pena de reclusão em regime fechado.

    A maior penitenciária do estado, de segurança média, com capacidade de lotação para 851

    presos, se torna pequena ao abrigar, atualmente, aproximadamente 1700 homens. É destinada aos

    presos condenados do sexo masculino, mas centenas de homens são recolhidos nesta instituição

    enquanto presos provisórios e ali aguardam sua sentença, em desconformidade com a Lei acima

    mencionada.

    A criminalização de desempregados, de subempregados, de usuários de drogas, de

    “aviõezinhos” ligados ao tráfico de drogas, acabam por inflar um sistema penal que se ocupa em

    reforçar a marginalização de questões sociais prioritárias, ou seja, o Estado penaliza pessoas

    enquanto não favorece condições de educação, cidadania, esporte, lazer, emprego, sobrecarregando

    um sistema penitenciário disfuncional que já conta com um deficit de 203 mil vagas no país.

    Ocorre uma criminalização da pobreza no Brasil, especialmente em se tratando dajuventude marginalizada. Existe um processo de criminalização deste coletivo comosolução para os desafios proporcionados por uma estrutura de Estado que não permite aequalização das diferenças econômicas e sociais e menos a inserção de todos os cidadãosdentro da dinâmica social. Assim, adota a solução prisional como meio mais eficiente parase ocupar deste refugo social que flutua ao redor dos demais cidadãos e de suas relaçõescotidianas (SALES, 2012)

    O sistema prisional não tem sido eficaz no tratamento dispensado aos sujeitos privados de

    liberdade, o que favorece o retorno à criminalidade. O que se assiste é um retrocesso histórico no

    trato da questão social, tendo em vista o endurecimento das penas, em vez de alternativas à prisão,

    como: a prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de outra natureza; prestação de

    serviços à comunidade; interdição temporária de direitos ou limitação de fim de semana. Retroage-

    se aos mecanismos de repressão e controle como único escopo da pena criminal.

    É sabido que as prisões brasileiras violam quaisquer condições dignas desobrevivência, ainda mais quando se somam à privação de liberdade a superlotação, a

  • 22

    ociosidade, a não separação dos presos nas celas, os maus tratos, o descaso com a saúde,com questões básicas de higiene, com a educação, a falta de incentivo à arte, à cultura, aolazer e ao esporte. Então não se justifica falar de ressocialização, uma vez que incita epromove exatamente o “não ajustamento”, a revolta, a não submissão à ordem, pelos efeitosperversos que produz (FERREIRA, 2011, p.511).

    4. AÇÕES EM SAÚDE

    O acesso da população carcerária às ações e serviços de saúde é definido pelo Plano

    Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, que enfatiza a garantia do direito à saúde para o

    conjunto da população brasileira. Neste, se incluem as Pessoas Privadas de Liberdade, confinadas

    em estabelecimentos prisionais, que se reflete num esforço em minimizar as diferenças entre a vida

    intramuros e a extramuros e garantir o acesso de todos à saúde. Portanto, o plano é um instrumento

    para inclusão dos detentos no Sistema Único de Saúde, conforme prevê o Plano Nacional de Saúde

    no Sistema Penitenciário.

    A fim de superar as dificuldades quanto ao acesso à saúde desta população privada de

    liberdade, necessita-se do empreendimento de esforços, por parte do Estado, da gestão da

    Penitenciária e dos profissionais de saúde, na execução de ações em saúde pautadas nas políticas de

    saúde voltadas a esta população e efetivação das Leis de Execuções Penais.

    É fato que, em meio à superlotação, característica do sistema penitenciário brasileiro e

    portanto a Penitenciária Central do Estado de Mato Grosso não foge a regra, esta população está

    exposta a inúmeros fatores de risco por contaminação por doenças sexualmente transmissíveis,

    epidemias de tuberculose, pneumonias, dermatoses, hepatites, traumas, diarreias infecciosas,

    hipertensão arterial, diabetes, transtornos mentais, bem como a dependência química.

    A Portaria Interministerial Nº 1777, de 09 de setembro de 2003, prevê a universalização dos

    serviços de saúde, no caso para a população privada de liberdade, ações de promoção de saúde,

    prevenção de doenças nos presídios através da aprovação do Plano Nacional de Saúde no Sistema

    Penitenciário, a fim de contribuir para o controle e/ou redução dos agravos mais frequentes que a

    acometem.

    Neste sentido, e diante dos dados obtidos neste estudo referente ao abuso de drogas, urge a

    necessidade de uma abordagem concreta no que tange aos usuários encarcerados de substâncias

    psicoativas, para responder a demanda crescente de problemas vivenciados pelos sujeitos presos

    devido ao uso abusivo ou à dependência química, álcool e outras drogas.

    Infelizmente, o trato desta questão é negligenciada dentro da PCE-MT, por questões que

    envolvem a superlotação e uma equipe desfalcada de saúde; priorização da manutenção da

    segurança em detrimento da oferta dos serviços de saúde; cultura institucional predominantemente

  • 23

    de repressão e em desconformidade com políticas voltadas aos Direitos Humanos; baixo efetivo de

    agentes penitenciários seja para escoltar o preso até a enfermaria ou para serviço de saúde

    extramuro; horários de abertura e fechamento dos raios (alas) da penitenciária para viabilizar acesso

    dos profissionais de saúde à população encarcerada; ínfimas qualificações dos servidores

    penitenciários em Direitos Humanos, etc.

    A enfermaria desta unidade prisional é composta por médicos, enfermeiros, técnicos de

    enfermagem, odontólogos, auxiliar de odontologia, psicólogos e assistentes sociais e todos

    enfrentam tais dificuldades e ainda associados à falta de espaço físico e sobrecarga de trabalho.

    Diante desta realidade, o trabalho preconizado na Portaria Interministerial que seria voltado também

    para a promoção de saúde, se restringe aos cuidados parcos, desiguais e paliativos, gerando

    sentimentos ligados à frustração, unânime da equipe de saúde.

    Um Centro de Tratamento para Dependência Química, aliado com um Hospital psiquiátrico,

    para que funcionasse como medida de segurança, quando avaliado por equipe multiprofissional, o

    delito e o delinquente da infração em razão de dependência química, viria em tempo de restituir

    essa negligência do Estado com o trato da questão do uso crônico de drogas, abordando a questão

    de forma mais humana e objetiva, uma vez que contribuiria com o esvaziamento da penitenciária.

    É importante lembrar que o Estado de Mato Grosso não dispõe nem mesmo de Hospital de

    Custódia e Tratamento Psiquiátrico, destinados aos inimputáveis e semi-inimputáveis, o que reforça

    a falta do trato a questão da Dependência química, demais transtornos mentais e comorbidades, seja

    pelo Poder Legislativo como pelo Poder Judiciário.

    Outra forma de abordagem à reabilitação do vício de drogas, seria a de considerar a redução

    da pena àqueles usuários crônicos que desejam se submeter ao tratamento, por exemplo nos Centros

    de Atenção Psicossociais – CAPS, já implantados em âmbito nacional em resposta à

    desinstitucionalização psiquiátrica compulsória. A intenção seria a de ajudar pessoas a se recuperar

    do vício das drogas, corroborando a viabilização de uma vida livre de problemas de cunho

    infracional e ajudar na redução da criminalidade. Uma experiência do “Center of Crime and Justice

    Studies and King´s College London” constatou que 53% dos presos submetidos ao programa ficam

    livres das drogas e 80% não cometem crimes nos primeiros seis meses após alcançarem a liberdade.

    Diante dos impasses existentes dentro do sistema penitenciário, as políticas de redução de

    danos se fazem necessárias, dada a condição geral de vulnerabilidade derivada da situação em que

    se encontra a população carcerária e a falta de acesso a forma de prevenção e cuidados.Sendo assim,

    tentam reduzir, para os usuários de drogas, suas famílias e para a própria população privada de

    liberdade, as consequências negativas relacionadas à saúde, os aspectos sociais e econômicos

    decorrentes de substâncias que alteram o comportamento. Objetivam o resgate da cidadania e a

  • 24

    reinserção social dos presos usuários de drogas através da melhoria da qualidade de vida destes,

    enfatizando a prevenção, sem colocar como objetivo único a abstinência total, já que parte dos

    presos usuários não querem ou não conseguem parar de consumir drogas em meio à tanta oferta,

    quanto há dentro da prisão.

    Tais políticas incluem os usuários como protagonistas no planejamento e execução das

    ações. Um exemplo disto, aconteceu quando, após o Massacre do Carandiru em 02 de outubro de

    1992, com a formação da organização criminosa Primeiro Comando da Capital - PCC (São Paulo –

    SP), dentre uma das normas de seu regimento interno, ficou estabelecida a proibição do uso de

    crack ou pasta base de cocaína no interior dos estabelecimentos penais brasileiros que a facção

    tivesse comando. Como vimos anteriormente, o crack e a pasta base possuem um potencial de

    adicção bastante superior às outras drogas mais consumidas em presídios, a cocaína e a maconha,

    fazendo com que o usuário muitas vezes se utilize do crime para manter o padrão de uso. Com a

    proibição destas, se reduziu significativamente o número de roubos entre detentos, dívidas por

    drogas e consequentemente o número de assassinatos e estupros dentro das penitenciárias do Brasil.

    Esta atitude por parte do PCC teve o efeito prático bem-sucedido e soou como uma política

    de redução de danos, embora não contou com a participação do governo para a ação. O que se

    assistiu então, foram os efeitos de uma organização criminosa politizando questões do Estado.

    A redução de danos nas penitenciárias, agora defendidas pela Portaria Interministerial 1777

    e pelo Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde, incluem a entrega de

    preservativos, de material informativo sobre os riscos e danos derivados do consumo de drogas e

    sobre as formas de manter práticas sexuais seguras, bem como das formas do uso de drogas menos

    danoso ao organismo. A inclusão desta política no âmbito penitenciário ainda carece aprofundar o

    conhecimento desta população de modo que permita estabelecer pautas de ações específicas, livres

    de preconceitos e resistências.

  • 25

    CONCLUSÃO

    O Brasil segue mantendo em seus cárceres quase meio milhão de seres humanos,

    preponderantemente pessoas jovens, miseráveis, muitos deles sem sentença condenatória, o que

    denota uma crise que necessita de urgentes reformas.

    O perfil social dos 272 pesquisados na Penitenciária Central do Estado, revelam a cruel

    realidade da esmagadora maioria dos presos do Brasil: homens, jovens, negros, pobres, de ensino

    fundamental incompleto, solteiros, em sua maioria sem filhos, sem perspectiva de ascensão de

    classe social por meio de “trabalho honesto”, em sua maioria usuários de drogas ilícitas, que

    respondem de forma reincidente pelo crime de roubo e encontram associação entre sua prática

    delituosa e o abuso de tais drogas.

    Ao verificar que 71,51% da amostra de nossa pesquisa usam ou usavam drogas como a

    cocaína, a pasta base e o crack até antes desta prisão e que 64,53% dos presos reincidentes assumem

    que seus crimes de furto e/ou roubo possuem relação com o uso nocivo destas drogas, então

    explicita-se a relação entre os crimes de roubo e furto estudados e o uso de drogas químicas. Com

    isto, fica explícito que não se trata de construir mais penitenciárias ou prender mais pessoas como

    propõe este modelo de Estado penal. Quando se discute a política prisional, há que se discutir sobre

    saúde, sobretudo a saúde mental, a reforma agrária, justiça, direitos humanos, fiscalização e punição

    da corrupção, política de emprego, educação, moradia para garantir a construção de sociedades mais

    justas, um Estado protecionista e não punitivo.

    É necessário pensar na construção de uma política pública que rompa com o paradigma

    radical do encarceramento como proposta ao desvio, ao transtorno mental, ao uso crônico de

    drogas. A fim de produzir uma política social que invista na promoção humana, no apoio e no

    suporte às pessoas, efetivando novas ofertas para o fortalecimento do laço social onde ele se

    encontra mais frágil e mais ameaçado. Dessa forma, será possível encontrar soluções efetivas,

    permanentes e duradouras no sentido de incrementar a capacidade dos sujeitos em responsabilizar-

    se para com os demais, trazendo de volta aquele que se alienou de sua condição de sujeito social em

    função das desumanidades derivadas de sua experiência na convivência social.

    Afinal, ao contrário do que se pensa, as prisões estão superlotadas de sujeitos presos devido

    ao envolvimento com drogas, furtos e roubos, sujeitos estes provenientes das camadas mais

    subalternas da sociedade, e não de criminosos violentos e perigosos.

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    LISTA DE REFERÊNCIAS

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