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1 O USO DA ÁGUA EM PROJETOS DE ASSENTAMENTOS RURAIS NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA: POLÍTICAS PÚBLICAS, CONFLITOS E CONTROLE NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS. Raquel do Nascimento Neder Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA/UFU Universidade Federal de Uberlândia - UFU [email protected] Resumo O artigo em questão é o resultado de estudos que visam compreender a gestão dos recursos hídricos em assentamentos rurais no município de Uberlândia. As comunidades estabelecem diferentes formas de gestão e acordos em relação ao uso da água e estas são direcionadas por legislações públicas de órgãos vigentes. A importância de uma boa manutenção que visa uma utilização coletiva e direcionada do uso desse recurso tão essencial para o exercício das atividades em comunidades rurais, reflete, consequentemente, as lacunas e as diferentes problemáticas nessa forma de gestão que tem como seus principais orientadores as políticas públicas de reforma agrária. Compreende-se, assim, não apenas o uso simplista e alienado da água em si e da forma como ela chega aos assentados, mas uma concepção ampla do meio ambiente e de todo o conjunto de sistemas que envolvem tal recurso, inserido em uma realidade dominada por agentes econômicos do agronegócio. Palavras-chave: Políticas públicas. Gestão das águas. Assentamentos rurais. Conflitos. Uberlândia-MG Introdução A questão do uso da água 1 envolve diferentes debates e concepções, sendo que a sua compreensão mais polêmica diz respeito á dominação da sua gestão por agentes econômicos, uma vez que tal recurso e a utilização do mesmo devem ser de alcance a todos, e não em poder de poucos. Tal debate também envolve a compreensão da modernização de técnicas agrícolas e a expansão do agronegócio no meio rural, e como tais práticas determinam o controle da utilização dos recursos hídricos no campo, e as comunidades que são diretamente afetadas por tal dominação. A partir de tal problemática, pode-se identificar a natureza dos conflitos que envolvem a utilização do recurso, entre os agentes econômicos e as comunidades rurais: uma vez que tal recurso se torne um bem pago, ou até mesmo que o seu uso se torne uma impossibilidade por falta de formas de manutenção necessárias para a sua captação, o surgimento de conflitos para a utilização igualitária de tais recursos se torna inevitável. Desta maneira, a compreensão da forma do uso da água deve estar inserida no contexto da universalidade da mesma: tal elemento é essencial para todas as práticas humanas na

O USO DA ÁGUA EM PROJETOS DE ASSENTAMENTOS … · especificidades de seu uso pelo agronegócio, e as práticas camponesas de uso agroecológico da água, dentro de uma perspectiva

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O USO DA ÁGUA EM PROJETOS DE ASSENTAMENTOS RURAIS NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA: POLÍTICAS PÚBLICAS, CONFLITOS E

CONTROLE NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS.

Raquel do Nascimento Neder Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA/UFU

Universidade Federal de Uberlândia - UFU [email protected]

Resumo

O artigo em questão é o resultado de estudos que visam compreender a gestão dos recursos hídricos em assentamentos rurais no município de Uberlândia. As comunidades estabelecem diferentes formas de gestão e acordos em relação ao uso da água e estas são direcionadas por legislações públicas de órgãos vigentes. A importância de uma boa manutenção que visa uma utilização coletiva e direcionada do uso desse recurso tão essencial para o exercício das atividades em comunidades rurais, reflete, consequentemente, as lacunas e as diferentes problemáticas nessa forma de gestão que tem como seus principais orientadores as políticas públicas de reforma agrária. Compreende-se, assim, não apenas o uso simplista e alienado da água em si e da forma como ela chega aos assentados, mas uma concepção ampla do meio ambiente e de todo o conjunto de sistemas que envolvem tal recurso, inserido em uma realidade dominada por agentes econômicos do agronegócio.

Palavras-chave: Políticas públicas. Gestão das águas. Assentamentos rurais. Conflitos.

Uberlândia-MG

Introdução

A questão do uso da água1 envolve diferentes debates e concepções, sendo que a sua

compreensão mais polêmica diz respeito á dominação da sua gestão por agentes

econômicos, uma vez que tal recurso e a utilização do mesmo devem ser de alcance a

todos, e não em poder de poucos. Tal debate também envolve a compreensão da

modernização de técnicas agrícolas e a expansão do agronegócio no meio rural, e como

tais práticas determinam o controle da utilização dos recursos hídricos no campo, e as

comunidades que são diretamente afetadas por tal dominação. A partir de tal

problemática, pode-se identificar a natureza dos conflitos que envolvem a utilização do

recurso, entre os agentes econômicos e as comunidades rurais: uma vez que tal recurso

se torne um bem pago, ou até mesmo que o seu uso se torne uma impossibilidade por

falta de formas de manutenção necessárias para a sua captação, o surgimento de

conflitos para a utilização igualitária de tais recursos se torna inevitável.

Desta maneira, a compreensão da forma do uso da água deve estar inserida no contexto

da universalidade da mesma: tal elemento é essencial para todas as práticas humanas na

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terra, sendo primordial tanto para as atividades urbanas quanto para as rurais, tanto para

o desenvolvimento das atividades do proletário da cidade quanto para o trabalhador do

campo. Porém, a água não é como os demais recursos naturais ou apenas uma matéria-

prima: ela é também essencialmente um bem ambiental que pode se tornar um bem

econômico, e também pode ser considerada como a única matéria-prima ambiental cuja

utilização tem um efeito de retorno para o manancial utilizado.

As múltiplas formas do uso da água no campo brasileiro, devem, portanto, considerar as

especificidades de seu uso pelo agronegócio, e as práticas camponesas de uso

agroecológico da água, dentro de uma perspectiva da forma de avanço predatório do

agronegócio. O desenvolvimento de práticas agrícolas e como tais atividades se

apropriam dos recursos hídricos revelam, por consequência, o seu uso inapropriado e

desigual, se considerarmos as diferentes intervenções feitas por tais atividades no meio

rural, tais como: a construção e manutenção de barragens e irrigação no processo

produtivo agrícola, entre outros.

Assim, pode-se compreender que modernização da agricultura é intensificada nas áreas

de Cerrado através da territorialização das empresas rurais em suas áreas e pela

implementação das agroindústrias atraídas pela produção e produtividade,

principalmente de grãos e também pelos incentivos fiscais e creditícios oferecidos pelos

governos estaduais. Dessa maneira, o Cerrado que originalmente ocupava grande parte

do território brasileiro, sendo o segundo maior Bioma em extensão no Brasil, e

constituído por uma vasta e rica diversidade de histórias e culturas se viu diante de

grandes transformações espaciais, é também o seu Bioma mais devastado. O objetivo

das empresas rurais era assegurar as condições adequadas para a geração de lucros o que

culminou em novas paisagens no cerrado. Todavia, a modernização da agricultura não

eliminou a agricultura camponesa. De acordo com Oliveira (1982), a agricultura

camponesa mesmo com todos os empecilhos não deixará de existir. Pelo contrário, ela

se reproduz e se fortalece na luta pela permanência na terra e pela reforma agrária.

Em específico, na mesorregião do Triangulo Mineiro e principalmente na região que

percorre a Bacia do Rio Araguari, predomina-se a intensa produção agrícola,

principalmente em formas de commodities,assim como inúmeras barragens, onde

poucos são favorecidos pela utilização dos recursos hídricos, o que faz com que uma

considerável quantidade da população rural se desloque para outras regiões a fim de

desenvolver suas atividades com uma maior segurança, porém, é de conhecimento geral

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dos que estão inseridos em tal realidade, de que o campo brasileiro como um todo vive

tal realidade excludente de utilização igualitária e ambientalmente consciente do uso da

água.

Desta forma, e de acordo com o objetivo principal do projeto, foi feito um levantamento

dos assentamentos rurais na região do município de Uberlândia, assentamentos esses

também localizados dentro da bacia do Rio Araguari, para, por conseguinte, através de

estudos em campo, compreender a finco como se processa as formas de utilização da

água dentro de tais propriedades. O tema, ainda, objetiva a contribuição para soluções

que visem uma utilização mais igualitária e ambientalmente consciente nos

assentamentos rurais e das práticas agroeconômicas nas quais as comunidades estão

sujeitas, já que não existem legislações e políticas efetivas que contribuam para

manutenção dos recursos hídricos, fazendo com que os assentados, ora utilizem de

recursos próprios – estes na maioria escassos - para uma possível exploração deste

recurso (construindo, em sua maioria, pequenos poços artesianos, rodas d’água, etc.)

ora dependam da disponibilidade da água para a sua utilização,fazendo a coleta direta

em pequenos rios e represas.

Considerações sobre a expansão do agronegócio na região do Triângulo

Mineiro/Alto Paranaíba

A modernização agrícola brasileira foi intensificada principalmente entre as décadas de

70 e 60, sendo que tal modernização impactou consideravelmente as áreas do cerrado,

reconfigurando este espaço afim de inseri-lo ao novo padrão tecnológico que estava

prevalecendo, alterando substancialmente as relações de trabalho no campo até então

existentes. O Centro-Oeste brasileiro, em específico na região do Triangulo

Mineiro/Alto Paranaíba é palco constante de transformações motivadas pela dinâmica

capitalista de inserir constantemente novas áreas à expansão do capital. Acompanhando

o processo de construção do território da região oeste de Minas Gerais percebemos ao

longo dos séculos a incorporação e reincorporação desta área sempre objetivando

atender as “novas” necessidades do capital. É importante compreender que

características físico-ambientais do cerrado muito favoreceram para a expansão da

produção agropecuária nos novos padrões da agricultura tecnificada, e também baseada

no padrão tecnológico da chamada “Revolução Verde”. Tal processo de modernização

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agrícola contribuiu para o aumento da concentração de terra representada por grandes

latifúndios, que dedicam suas atividades quase que substancialmente á monocultura,

principalmente para a produção de matéria-prima para suprir as necessidades no padrão

energético brasileiro.

Desta maneira, a expansão de monocultivos, principalmente da cana-de-açúcar e a soja

vem se territorializando na região do Triangulo Mineiro, com a ocupação de empresas

nacionais e estrangeiras, motivadas pelo incentivo de políticas públicas para o

fortalecimento, principalmente, da produção de biocombustíveis, fato que representa

um novo desafio para o modelo de produção camponesa ,que, ao longo das ultimas

décadas, vinha se recriando através da instalação de assentamentos rurais, consequentes

da luta pela terra dos trabalhadores, e representa também um sistema produtivo que

contribuiu para a promoção de uma elite agrária que concentrou grande parte das terras

agricultáveis, dificultando o desenvolvimento da agricultura camponesa.

Os assentamentos, por sua vez, estão apoiados por uma política de crédito própria,

através do INCRA, que financia a implantação dos lotes, com recursos para a

construção da moradia, da manutenção da família no primeiro ano, além de financiar o

custeio da produção e disponibilizar crédito para investimento, com prazos e carências.

Porém, o que se percebe ao se estudar a atual realidade da agricultura familiar brasileira,

é que as políticas de assentamentos rurais não modificam a estrutura fundiária do país, e

esses assentamentos surgem mais como um resultado de conflitos sociais sob uma

política de reforma agrária que busca atenuar tais conflitos, do que uma política de

reforma agrária com vistas ao desenvolvimento rural e mudanças significativas na dada

configuração territorial, como ressalta Carvalho (2004, p.116),

a luta popular no campo pelo acesso a terra insere-se, ainda que de maneira limitada, na dinâmica da luta de classes pela apropriação do espaço e do território rural. Há, sim, luta popular pelo acesso à terra e propostas de reforma agrária por parte dos trabalhadores rurais sem terra. Mas, de parte do governo o que se constata é o exercício de uma política compensatória e populista de assentamentos rurais e, portanto, uma negação explícita de qualquer tipo de reforma agrária que altere a estrutura fundiária do país. (CARVALHO 2004, p.116).

Marcados, então, pela inexistência de um planejamento prévio, os assentamentos

enfrentam condições bastante adversas que comprometem a sua viabilização econômica

e social. A degradação ambiental da região é também um importante fator a ser

considerado. O bioma do cerrado, de maneira geral, foi consideravelmente devastado e

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alterado principalmente pela expansão de atividades agrícolas e agropecuárias. O

aumento de técnicas agrícolas que permitiram a exploração dos solos ácidos e pouco

férteis do cerrado unidos ao aumento de insumos (calagem, adubagem, agrotóxicos, etc)

contribuiu para o aumento, na região, de grandes latifúndios.

Diante da insuficiência de créditos específicos para a Reforma Agrária em geral e para o

meio ambiente (reflorestamentos, recuperação de matas ciliares, sistemas agroflorestais)

e a implantação apenas recente de ações de planejamento dos sistemas de produção e da

licença ambiental para a implantação de projetos ou liberação de créditos justificam a

pouca abrangência das ações de recuperação ambiental nos projetos de assentamento.

De acordo com FERREIRA,

Vivemos tempos estranhos, pesa sobre todos nós um mal-estar, uma sensação ruim de sabermos que apesar de nunca termos estado tão perto de realizar uma verdadeira reforma agrária, com todas as virtudes que o conceito abrange, ainda não conseguimos vislumbrá-la. Ao contrário, uma nuvem, pintada de verde para que passe despercebida, ameaça o horizonte da luta pela reforma agrária e pela criação de assentamentos rurais que possa dar dignidade às famílias assentadas pela vida e pelo trabalho na terra. Trata-se da legislação ambiental que, sob o pretexto expresso de regular as atividades agrossilvopastoris, aponta os assentamentos rurais como atividade potencialmente poluidoras do meio ambiente e, como tais, subordinadas a um duro processo de licenciamento ambiental (FERREIRA. Disponível em: <http://www.icarrd.org/po/proposals/FerreiraNeto.pdf>)

Os assentamentos rurais do município de Uberlândia : a problemática da água

Conforme ilustrado, as pesquisas de campo foram focalizadas na região do Triângulo

Mineiro, especificamente no município de Uberlândia, e foram feitas, nesta primeira

fase da pesquisa, visitas á 4 PAs (Projeto de Assentamento) , e são eles : Zumbi dos

Palmares, Florestan Fernandes, Nova Tangará e Dom José Mauro, em um levantamento

total de 15 assentamentos, conforme ilustrado na tabela 1.

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Inicialmente, elaborou-se um roteiro de entrevista para ser aplicado aos assentados, afim

de obter informações á respeito do controle e utilização dos recursos hídricos, as regras

internas constituídas para tal uso e quais são as formas coletivas de gestão, assim como

informações gerais sobre cada assentamento, mas que também possuem a sua

importância. É fundamental destacar a importância do trabalho de campo para a

elaboração deste trabalho, constituindo-se como uma das etapas fundamentais para a

constatação das hipóteses levantadas. Em linhas gerais, as entrevistas com os

assentados buscaram analisar as seguintes questões básicas, mas cruciais para a

objetivação da presente pesquisa:

a) Analisar como cada

comunidade se organiza socialmente, produtiva e ambientalmente, para

uma melhor avaliação de seus possíveis problemas, assim como as

políticas e ações voltadas aos setores produtivos dos assentados;

b) Estudar e/ou

analisar as praticas e atuações dos movimentos sociais envolvidos nos

assentamentos rurais;

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c) Analisar o uso da

água nas propriedades rurais do Triângulo Mineiro, a fim de identificar a

natureza dos conflitos socioambientais e quais atores estão envolvidos

nas disputas pelo uso e controle da água, especificamente na bacia do

Rio Araguari;

d) Identificar as regras

internas constituídas, as formas coletivas de gestão da água nos projetos

de assentamento rural e como os agricultores classificam e utilizam tal

recurso;

e) Identificar e

sistematizar as principais fontes de abastecimento de água, e relacionar

ao numero de pessoas (famílias) assentadas e o uso produtivo.

Ao considerar que a modernização das técnicas agrícolas desencadeou implicações

negativas para a agricultura familiar,assim como para o ambiente natural no qual os

assentamentos rurais se territorializaram, como a expropriação de terra, a qual

posteriormente culminou na organização destes trabalhadores em favor da luta pela

Reforma Agrária nos deparamos com uma realidade em que muitos trabalhadores sem

terra, no intuito de resgatar seus direitos e cidadania, estabeleceram novas relações entre

si, encontrando na ocupação dos latifúndios um meio de acesso a terra, além de

pressionar o governo na agilização do processo de reforma agrária. Os trabalhadores

rurais especializam a sua luta, conquistam a terra e territorializam sua ação. Como

afirma Martins, “ao ocuparem e conquistarem a terra se insere novamente na produção

capitalista das relações não capitalistas de produção” (1981).

Os assentamentos Zumbi dos Palmares, Florestan Fernandes, Nova Tangará e Dom José

Mauro, apesar de possuírem uma diferença localizacional – mesmo que mínima, já que

encontram-se no mesmo município – compartilham da mesma realidade do precário

acesso á água em seus respectivos assentamentos,dentre outras precariedades. Tais

projetos passaram por difíceis processos de ocupação das antigas fazendas, vindo a se

tornar assentados com pelo menos 2 anos de acampamento, e, por isso, poucas famílias

permanecem durante tal processo e ganham a terra. Quando estes finalmente tornam-se

assentados e o INCRA apresenta o plano de assentamento, e efetiva-se, assim , o

processo de Reforma Agrária na propriedade, sendo que a divisão de lotes se deu nos

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assentamentos através de sorteio, em que foram beneficiadas as famílias que atuaram

em todos os processos de luta pela terra. Dentro deste contexto, somente o projeto de

assentamento Dom José Mauro, ainda aguarda, desde 2009, pelo crédito habitação

cedido pelo governo federal que subsidia a construção de casas no assentamento, que

variam entre 12 á 23 hectares (cada lote), de 22 a 250 famílias assentadas.

Os assentamentos com um menor período de existência, inicialmente produzem, com a

ajuda o pouco crédito do governo, gêneros alimentícios para a própria subsistência, e

quase que substancialmente, produzem em mínima escala, produtos dedicadas á gêneros

de hortifrutigranjeiros, sendo que qualquer tipo de comercialização se limita apenas á

venda de produtos dentro do assentamento. Já os assentamentos mais antigos

conseguiram chegar em uma etapa de diversificação produtiva essencial para a

objetivação de um assentamento rural “modelo”, mesmo com um precário acesso á água

que limita o desenvolvimento de suas atividades. Tais assentamentos conseguiram o

documento de aptidão ao PRONAF, o DAP, necessário para a venda de seus produtos

com o selo da reforma agrária para a sua possível comercialização, principalmente nas

cidades da região, e produzem em pelo menos 1 hectare de terra, em produtos que

variam de maracujá, milho, mandioca, produção em pomares, leite, eucalipto, etc.

Porém, a realidade das famílias dentro de um mesmo assentamento – mesmo os

considerados “modelos”, varia e principalmente através dos trabalhos de campo, pôde-

se perceber que as variáveis perpassam desde condicionantes não apenas ambientais,

mas econômicos e políticos.

Os assentados se organizam, principalmente, em forma de associações, e elegem

representantes para tratar de questões diversas dentro do assentamento, onde a

EMATER ou uma empresa privada contratada pelo INCRA oferece a assistência técnica

necessária para nortear as atividades, principalmente produtivas, dos assentados. O

INCRA instalou, em todos os assentamentos em questão, um sistema de abastecimento

de água através de grandes poços artesianos, e a principio, pode-se pensar que esta é a

solução para o abastecimento de água potável para os seus respectivos moradores,

porém, pôde-se perceber que os poços em sua maioria, não funcionam ou quando

funcionam, não são de alcance á todos os lotes (principalmente os que se encontram na

parte mais alta da propriedade). Desta maneira, os assentados ficam á mercê de

condições que nem sempre lhes são de acesso, como a disponibilidade de um rico

manancial dentro dos lotes e da propriedade, tais como nascentes, rios e represas, ou de

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recursos financeiros próprios para a construção de pequenos poços artesianos. Os

assentados que possuem lotes próximos aos mananciais – fato que os tornam

privilegiados – muitas vezes utilizam rodas d’água para a sua captação e

bombardeamento para os lotes, mas em contra partida, os que não possuem condição

alguma para usufruir de um justo sistema de água, utilizam-se de técnicas precárias de

captação, tais como cisternas.

Foto 1: Assentada utilizando os recursos da represa localizada dentro de um dos

assentamentos.

Fonte: Acervo LAGEA-Laboratório de Geografia Agrária – UFU . 2012.

A prefeitura de Uberlândia possui um projeto alternativo de manutenção de pequenas

plantações em assentamentos conhecido como sistema de mandalas, onde cada

assentado opta ou não, pela sua adesão. O Mandala - ou Projeto Holístico de Produção

e Sustentabilidade Ambiental Mandala. (baseado na filosofia indiana) - é um sistema de

irrigação comunitária baseado em canteiros ao redor de uma fonte de água. Numa horta,

os canteiros são circulares e os aspersores são feitos com hastes de cotonetes. Nela não

há uso de veneno, ou seja, agrotóxicos, e o adubo é obtido do esterco de patos, gansos -

que vivem no primeiro círculo do cultivo - e peixes - que vivem em um tanque, bem no

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meio do cultivo. Resumidamente, no centro, situam-se o reservatório de água, no

primeiro círculo, as criações, nos círculos restantes, horta, pomar, e cultivo de grãos. O

sistema distribui água uniformemente para plantações diferentes A irrigação é em forma

de círculos concêntricos e com várias culturas integradas, possuindo um custo inferior à

irrigação tradicional. É voltada para os pequenos proprietários ou associações rurais.

Porém, são poucos os assentados que se dispõe a utiliza-se de tal técnica, já que a sua

grande maioria considera o sistema “trabalhoso”.

Foto 2: Sistema

de Mandala

instalado em um

dos lotes de um

assentamento

Fonte: Acervo LAGEA-Laboratório de Geografia Agrária – UFU . 2012.

Os problemas estruturais dos lotes são diversos, sendo que a sua maioria, por serem

muito acidentados e com falta de curvas de nível, são muito assoreados, dificultando

tanto a qualidade do solo quanto os mananciais presentes na região. Quando a área das

nascentes não é cercada para evitar o acesso do gado, pode-se perceber que o maior

esforço provem dos assentados fazem o possível para preserva-las, e não os órgãos e

atores econômicos que foram direcionados á fazê-los.

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Considerações Finais

A luta pela terra objetivada através da criação de assentamentos, a existência do

assentamento enquanto espaço de referência para políticas públicas, a precariedade da

infra-estrutura, e o conflito nas formas de gestão da água, entre outros fatores, fazem

com que os planos de assentamentos localizados na região do Triângulo Mineiro

tornem-se ponto de partida de demandas essenciais para a permanência do trabalhador á

terra. O que se percebe é uma realidade agrária envolta á conflitos, principalmente

devido à uma ação governamental que negligencia até as necessidades mais básicas dos

assentados rurais.

Desta forma, pôde-se perceber que a luta pela reforma agrária não acaba com a

desapropriação de fazendas para assentamento de famílias de agricultores familiares. Os

desafios a serem superados são também significativos durante o processo de instalação

dos assentamentos. Os conflitos e os dilemas sociais (em termos de conflitos entre

interesses coletivos e individuais) envolvem também os assentados e as suas relações

com o poder público. Assim, para se compreender a lógica desses conflitos, e dos

inúmeros problemas da ação coletiva existentes entre assentados e atores externos, é

essencial não se atentar apenas para a existência de uma única causa determinante, mas

de um conjunto de fatores, que, inter-relacionados, perpetuam a ocorrência de tais

conflitos.

Notas ___________ Este projeto tem o auxílio e o fomento da PROEX - PROGRAMA DE EXTENSÃO INTEGRAÇÃO UFU/COMUNIDADE. Desta maneira e conforme ilustrado no trabalho, a presente proposta de pesquisa e extensão, a ser realizada em Projetos de Assentamento rural (PAs) localizados em Uberlândia/MG, tem como objetivo conhecer e entender como as comunidades rurais estabelecem e gerem acordos de regulação e controle de utilização dos recursos hídricos.

Referências

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