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141 RESUMO O USO DE ESTUDOS DE CASO EM PESQUISAS SOBRE POLÍTICA AMBIENTAL: VANTAGENS E LIMITAÇÕES Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 141-158, fev. 2011 Recebido em 18 de abril de 2009. Aprovado em 9 de agosto de 2009. Andrea Steiner A análise das questões ambientais em um contexto político é um tema de estudo crescente na Ciência Política, mas que requer considerações metodológicas específicas. Um dos métodos utilizados com mais freqüência nas pesquisas ligadas à política ambiental é o estudo de caso. O objetivo deste artigo é discutir o papel dessa metodologia nessa subdisciplina. Delineia-se questões conceituais gerais sobre o método, suas vantagens e desvantagens; distingue-se o estudo da política ambiental de outros temas de pesquisa dentro da Ciência Política, contextualizando suas necessidades metodológicas específicas; e analisa-se o papel dos estudos de caso nas pesquisas sobre política ambiental, abordando suas ambigüidades inerentes e as vantagens e limitações gerais da metodologia e de cinco formas de análise e extração de inferências: análise de covariância, uso de contrafatuais, process tracing causal, teste de congruência e comparação entre casos. Dentre essas cinco abordagens, duas destacam-se para as pesquisas político-ambientais, ape- sar de ocuparem posições quase que opostas em termos de vantagens práticas e aplicabilidade: process tracing causal e uso de contrafatuais. O uso complementar dessas e outras abordagens, seja em um ou mais estudos sobre temas de política ambiental, é extremamente útil para o desenvolvimento empírico e teórico dessa subdisciplina. PALAVRAS-CHAVE: estudos de caso; política ambiental; metodologia em Ciência Política; metodologia qualitativa. I. INTRODUÇÃO A análise das questões ambientais em um con- texto político é um tema que vem sendo cada vez mais estudado dentro da Ciência Política. En- tretanto, isso nem sempre é tarefa fácil, dada a complexidade social do sistema político somada à complexidade ecológica dos sistemas naturais, que englobam a sociedade de maneira aninhada e interconectada. Por isso, o estudo da interface política-meio ambiente requer considerações metodológicas específicas, conforme já aponta- do por vários autores, como Homer-Dixon (1996), Mitchell e Bernauer (1998; 2004) e Zürn (1998). O estudo de caso é uma metodologia usada com bastante freqüência nas pesquisas ligadas à política ambiental. De fato, é um método comum de investigação dentro da Ciência Política de modo geral, e como qualquer metodologia cien- tífica, possui vantagens e limitações com maior ou menor importância de acordo com cada tipo de estudo. Em uma reedição do seu livro clássi- co sobre estudos de caso, Yin (2009) sugere que o sucesso do método dependerá do tipo de inda- gação da pesquisa, do nível de controle sobre os eventos pesquisados e da época que está sendo enfocada (contemporânea ou histórica). Essa constatação possui relevância especial em temas ligados à interface meio ambiente-política, prin- cipalmente em relação ao nível de controle do evento em questão (comumente baixo no que diz respeito aos problemas ambientais) e à época em foco (muitos dos problemas ambientais são re- centes). Em ambos os pontos, conforme vere- mos com maior detalhe ao longo do texto, o posicionamento de muitas das temáticas políti- co-ambientais apresentam-se como problemas de pesquisa ideais para o uso da metodologia de es- tudo de caso.

O USO DE ESTUDOS DE CASO EM PESQUISAS SOBRE … · 142 O USO DE ESTUDOS DE CASO EM PESQUISAS SOBRE POLÍTICA AMBIENTAL O objetivo deste artigo é discutir o papel da metodologia de

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 141-158 FEV. 2011

RESUMO

O USO DE ESTUDOS DE CASO EM PESQUISASSOBRE POLÍTICA AMBIENTAL:

VANTAGENS E LIMITAÇÕES

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 141-158, fev. 2011Recebido em 18 de abril de 2009.Aprovado em 9 de agosto de 2009.

Andrea Steiner

A análise das questões ambientais em um contexto político é um tema de estudo crescente na CiênciaPolítica, mas que requer considerações metodológicas específicas. Um dos métodos utilizados com maisfreqüência nas pesquisas ligadas à política ambiental é o estudo de caso. O objetivo deste artigo é discutiro papel dessa metodologia nessa subdisciplina. Delineia-se questões conceituais gerais sobre o método,suas vantagens e desvantagens; distingue-se o estudo da política ambiental de outros temas de pesquisadentro da Ciência Política, contextualizando suas necessidades metodológicas específicas; e analisa-se opapel dos estudos de caso nas pesquisas sobre política ambiental, abordando suas ambigüidades inerentese as vantagens e limitações gerais da metodologia e de cinco formas de análise e extração de inferências:análise de covariância, uso de contrafatuais, process tracing causal, teste de congruência e comparaçãoentre casos. Dentre essas cinco abordagens, duas destacam-se para as pesquisas político-ambientais, ape-sar de ocuparem posições quase que opostas em termos de vantagens práticas e aplicabilidade: processtracing causal e uso de contrafatuais. O uso complementar dessas e outras abordagens, seja em um ou maisestudos sobre temas de política ambiental, é extremamente útil para o desenvolvimento empírico e teóricodessa subdisciplina.

PALAVRAS-CHAVE: estudos de caso; política ambiental; metodologia em Ciência Política; metodologiaqualitativa.

I. INTRODUÇÃO

A análise das questões ambientais em um con-texto político é um tema que vem sendo cadavez mais estudado dentro da Ciência Política. En-tretanto, isso nem sempre é tarefa fácil, dada acomplexidade social do sistema político somadaà complexidade ecológica dos sistemas naturais,que englobam a sociedade de maneira aninhada einterconectada. Por isso, o estudo da interfacepolítica-meio ambiente requer consideraçõesmetodológicas específicas, conforme já aponta-do por vários autores, como Homer-Dixon(1996), Mitchell e Bernauer (1998; 2004) eZürn (1998).

O estudo de caso é uma metodologia usadacom bastante freqüência nas pesquisas ligadas àpolítica ambiental. De fato, é um método comumde investigação dentro da Ciência Política demodo geral, e como qualquer metodologia cien-

tífica, possui vantagens e limitações com maiorou menor importância de acordo com cada tipode estudo. Em uma reedição do seu livro clássi-co sobre estudos de caso, Yin (2009) sugere queo sucesso do método dependerá do tipo de inda-gação da pesquisa, do nível de controle sobre oseventos pesquisados e da época que está sendoenfocada (contemporânea ou histórica). Essaconstatação possui relevância especial em temasligados à interface meio ambiente-política, prin-cipalmente em relação ao nível de controle doevento em questão (comumente baixo no que dizrespeito aos problemas ambientais) e à época emfoco (muitos dos problemas ambientais são re-centes). Em ambos os pontos, conforme vere-mos com maior detalhe ao longo do texto, oposicionamento de muitas das temáticas políti-co-ambientais apresentam-se como problemas depesquisa ideais para o uso da metodologia de es-tudo de caso.

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O USO DE ESTUDOS DE CASO EM PESQUISAS SOBRE POLÍTICA AMBIENTAL

O objetivo deste artigo é discutir o papel dametodologia de estudo de caso em pesquisas naárea de política ambiental, mostrando as vanta-gens e limitações relevantes para essa subdisciplina.Para tanto, inicia-se com uma discussão conceitualsobre o método, listando suas forças, fraquezasgerais e algumas das principais abordagens utili-zadas. A seguir, distingue-se o estudo da políticaambiental de outros temas de pesquisa dentro daCiência Política, contextualizando suas necessi-dades metodológicas específicas. O próximo tó-pico une as duas discussões e analisa o papel dosestudos de caso nas pesquisas sobre políticaambiental, abordando suas ambigüidades ineren-tes e as vantagens e limitações gerais da metodologiae de algumas das formas de análise possíveis.Encerra-se com algumas considerações geraissobre o tema.

II. PARA QUE SERVE UM ESTUDO DE CASO?

Para entender o papel dos estudos de caso naspesquisas sobre política ambiental, é preciso, pri-meiramente, ter uma compreensão conceitual maisaprofundada sobre essa metodologia, para queserve e em quais circunstâncias não se aplica.Afinal, apesar de amplamente utilizada dentro dasCiências Sociais, a metodologia de estudo de casoé pouco compreendida, vista com preconceito eaté taxada de pouco científica (GERRING, 2004,p. 341; YIN, 2009, p. 15). De fato, o método temvárias desvantagens e limitações inerentes (agra-vadas pelo freqüente mau uso), como veremos aseguir; porém, vários autores identificam uma sériede vantagens (ver, por exemplo, KING,KEOHANE e VERBA, 1994; BENNETT, 2004;GERRING, 2004; BENNETT e ELMAN, 2006).

Existem diversas definições sobre o que seriaum estudo de caso. Para Yin (2009), o estudo decaso seria o método mais apropriado para per-guntas do tipo “como?” e “por quê?”, com temassobre os quais o pesquisador tem pouco controlee com enfoque em algum fenômeno contemporâ-neo. Assim, traz o seguinte conceito: “Um estudode caso é uma investigação empírica que pesqui-sa um fenômeno contemporâneo dentro do seucontexto real, principalmente quando os limitesdo fenômeno e do seu contexto não estão clara-mente evidentes [...]. A pergunta do estudo de casolida com uma situação tecnicamente distinta, naqual haverá mais variáveis de interesse que pon-tos de dados e que, conseqüentemente, conta com

fontes múltiplas de evidências e dados que preci-sam convergir de maneira triangular, além de sebeneficiar do desenvolvimento prévio de proposi-ções teóricas para guiar a coleta e análise dos da-dos” (idem, p. 13-14).

Há também definições mais restritivas comoa de Bennett, que define a metodologia de estudode caso como “análises de casos únicos e com-parações entre um pequeno número de casos”(BENNETT, 2004, p. 21), ou mais amplas, comoa de Van Wynsberghe e Khan, “[...] heurísticatransparadigmática e transdisciplinária, que en-volve a delineação cuidadosa dos fenômenos paraos quais a evidência está sendo coletada” (VANWYNSBERGHE & KHAN, 2007, p. 80). Porém,para os propósitos deste artigo, utilizaremos adefinição sugerida por Gerring, em uma revisãoconceitual do método que o descreve como: “[...]um estudo intensivo de uma única unidade, como objetivo de generalizar para um grupo maiorde unidades. Os estudos de caso contam com omesmo tipo de evidência de covariância usadoem outros tipos de pesquisa. Assim, o métodode estudo de caso pode ser compreendido cor-retamente como um modo específico de definircasos, não uma forma de analisar casos ou umamaneira de modelar relações causais”(GERRING, 2004, p. 341).

Nesse contexto, Gerring traz as seguintesdelineações: uma “unidade” refere-se a qualquerfenômeno limitado no espaço, cujo estudo enfocaum determinado momento pontual ou período his-tórico prolongado; cada ponto observado dentroda unidade constitui um “caso”; um grupo de uni-dades constitui uma “amostra”; uma amostra so-mada aos casos não estudados constitui uma “po-pulação”. Porém, o que cada um desses termosrepresenta na prática irá depender do desenho es-pecífico de cada trabalho, por exemplo, o grupode eleitores de um determinado país poderá seruma unidade ou um caso, de acordo com a pes-quisa (idem, p. 351).

Ainda segundo Gerring (idem), existem trêstipos básicos de estudo de caso, classificados se-gundo sua (co)variância espacial e/ou temporal: otipo 1, em que a covariância pode ser observadaem uma única unidade, diacronicamente (ou seja,há tanto variação espacial quanto temporal); o tipo2, em que a covariância pode ser observada emuma única unidade, sincronicamente (inclui ape-

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nas variação espacial); o tipo 3, em que acovariância pode ser observada dentro de umaúnica unidade, diacronicamente (novamente comvariação espacial e temporal). Também afirma queos estudos de caso podem empregar diversas abor-dagens, não necessariamente qualitativas ou pre-sas a um N pequeno. Nesse sentido, Bennett (2004)lista process tracing, testes de congruência, análi-ses de contrafatuais e diversos tipos de métodoscomparativos entre algumas das principais for-mas de análise dos estudos de caso. Similarmen-te, Blatter e Blume (2007; 2008b) delineiam trêsabordagens distintas como “tipologias ideais” deestudos de caso: estudos de caso covariantes,process tracing causal e análises de congruência.Aqui estas abordagens serão tratadas como for-mas de análise e extração de inferências dentro dametodologia mais ampla de estudo de caso, con-forme delineado adiante.

Sete traços principais distinguem os estudosde caso de outras metodologias, de acordo comGerring (2004). O primeiro (e mais óbvio) seriasua afinidade com estudos de maior profundidadee menor amplitude. Segundo, os casos estudadossão geralmente passíveis de comparação entre sipor terem origem na mesma unidade, apesar dedeixarem a desejar em termos derepresentatividade. O terceiro traço aponta parasua maior ligação com a inferência descritiva emenor com a causal. Porém, dentre as investiga-ções causais, têm como quarto traço característi-co promover a análise de mecanismos causais commaior segurança que a dos efeitos causais (cujanatureza é mais probabilística). Similarmente, oquinto traço mostra que o estudo de caso é umametodologia que explica melhor relações causaissem variabilidade do que aquelas com relações deprobabilidade. Em sexto lugar estaria a utilidadedos estudos de caso quando uma variância rele-vante só está disponível para uma única unidade(ou um pequeno número de unidades). Por fim,

os estudos de caso são extremamente importan-tes para pesquisas pioneiras e exploratórias.

As características listadas acima podem servistas como vantagens em relação a outrasmetodologias, nos aspectos mencionados. Porémhá ainda mais vantagens, como a identificação devariáveis e hipóteses novas ou omitidas, o desen-volvimento de explicações históricas sobre certoscasos, altos níveis de validade teórica e a possibi-lidade de usar generalizações para construir mo-delos mais complexos de causa de efeito(BENNETT, 2004, p. 19). Da mesma forma, osdiferenciais e vantagens mencionados servem paramostrar algumas das limitações dos estudos decaso, entre os quais: dificuldade de escolher ca-sos relevantes, baixas representatividade e possi-bilidade de generalização, pouca capacidade de ava-liar o “peso causal” das variáveis, alto nível deindeterminação e uma freqüente falta de indepen-dência entre os casos estudados (idem). Ademais,Gerring (2004) sustenta que sua aplicação para oteste e/ou confirmação de teorias é limitada.

Porém, essas desvantagens e limitações têmsua gravidade diminuída quando vemos que, demaneira geral, os estudos de caso complementamoutros tipos de pesquisa e têm seu lugar garantidodentro dos inúmeros métodos utilizados nas Ci-ências Sociais e nos estudos sobre políticaambiental.

II.1. Métodos de análise

Conforme citado anteriormente, existem diver-sos tipos de métodos de análise que podem serusados nos estudos de caso. Aqui descreveremoscinco tipos importantes, com relevância especialpara as pesquisas sobre política ambiental, em quepermitem extrair inferências de maneira distinta:análises de covariância, uso de contrafatuais,process tracing causal, testes de congruência ecomparação entre casos. O Quadro 1 traz umasíntese desses métodos.

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QUADRO 1 – SÍNTESE DE CINCO DAS PRINCIPAIS ABORDAGENS DENTRO DA METODOLOGIA DEESTUDO DE CASO COM ESPECIAL RELEVÂNCIA PARA OS ESTUDOS SOBRE POLÍTICAAMBIENTAL

FONTE: A autora, a partir de Fearon (1991), Bennett (2004) e Blatter e Blume (2007; 2008a; 2008b).

Segundo Blatter e Blume (2007; 2008a; 2008b),a abordagem covariante enfoca os efeitos causais.As inferências causais do estudo, por sua vez, te-rão origem nos indicadores observáveis desses efei-tos causais1, bem como nos fatores causais. Essetipo de abordagem procura aproximar-se ao máxi-mo de um experimento controlado, e a evidênciautilizada pode ser de origem sincrônica, diacrônica,comparativa ou histórica (GERRING, 2004, p.343). Ademais, a relação de covariância entre asvariáveis deverá fornecer algum tipo de ligação en-

tre as observações empíricas e uma ou mais ver-tentes teóricas, geralmente na forma de uma hipó-tese. Entretanto, não é necessário realizar observa-ções empíricas de todo o processo causal, vistoque é possível extrair conclusões abstratas basea-das na teoria que está sendo utilizada (BLATTER &BLUME, 2007; 2008a; 2008b).

O uso de process tracing (um “rastreamento”de processos causais) é outra abordagem interes-sante para os estudos de caso. Conforme indica-do por Mitchell e Bernauer (1998), permite a rea-lização de pesquisas qualitativas de boa qualidadenas Ciências Sociais. É definido por George eBennett como um método que objetiva identificaro processo causal entre uma ou mais variáveisindependentes, bem como o resultado da variável

1 Sobre as diferenças epistemológicas dos efeitos das cau-sas versus as causas dos efeitos ver a discussão de Bennette Elman (2006).

Process tracing causal

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dependente (George e Bennett apud TANSEY,2007, p. 766). Nesse contexto, os mecanismoscausais seriam processos físicos, sociais ou psi-cológicos impossíveis de observar-se, mas pe-los quais os agentes causais agem em contextosespecíficos. Falleti (2006) também descreve ométodo de theory-guided process-tracing – umaabordagem que vai um pouco além do métodooriginal, sugerindo que a pesquisa deve fornecernarrativas teoricamente explícitas que tracem ecomparem as seqüências de eventos do pro-cesso.

Os testes de congruência, por sua vez,enfocam os valores das variáveis dependente eindependente, sendo possível testar se os valoresesperados da variável dependente condizem como resultado do caso em estudo. Ou seja, asinferências advêm da congruência (ou não) entreas observações realizadas e as predições que opesquisador construiu a partir das teorias disponí-veis. Diferentemente da abordagem covariante, aspredições não se limitam à covariância entre as va-riáveis independente e dependente, podendo ser bas-tante diversificadas (BLATTER & BLUME, 2007,p. 8; 2008b, p. 325).

Contrariamente, o uso de contrafatuais cons-titui-se em analisar situações que não ocorreramna realidade: projetar cenários hipotéticos sobrecomo as coisas seriam caso a situação enfocadapelo pesquisador não tivesse ocorrido (umcontrafatual que permite análises em termos demelhoria relativa) ou “soluções perfeitas” ondetudo o que é possível foi atingido (ou seja, até queponto o problema foi realmente resolvido?)(FEARON, 1991). Por exemplo, no primeiro casopoder-se-ia perguntar como estariam os solos eos ecossistemas de Burkina Faso caso adesertificação jamais tivesse afetado aquele país,enquanto que no segundo indagar-se-ia como es-taria a situação se o problema da desertificaçãotivesse sido solucionado da melhor forma possí-vel. Outro modo de aplicar um contrafatual é fa-zer um exercício sobre o que ocorreria se certavariável tivesse um valor específico (BENNETT,2004, p. 27): aproveitando o mesmo exemplo, queimplicações passíveis de serem observadas e/outestadas estariam disponíveis caso a Convençãode Combate à Desertificação tivesse sidoimplementada de maneira completamente eficazem Burkina Faso? Porém, vale salientar a impor-tância de criar contrafatuais que estejam de acor-do com as teorias existentes, bem como com os

resultados de outros estudos que tenham sido re-alizados na área estudada; contrafatuais sem ba-ses sólidas raramente terão valor acadêmico.

O ideal seria utilizar as diferentes formas decontrafatuais de maneira complementar, contantoque os valores possíveis derivados de cada umanão fossem usados equivalentemente(UNDERDAL, 1992, p. 231). Fearon (1991) argu-menta que a aplicação de contrafatuais têm um papelimportante dentro da Ciência Política por ajudar nadelineação de hipóteses causais, principalmente emestudos de N pequeno. Entretanto, o uso decontrafatuais não se limita a estudos qualitativos.Outros autores têm desenvolvido coeficientes nu-méricos para estudar temas como a eficácia dosregimes, restringidos por limites superiores e infe-riores; ou seja, o ótimo coletivo e o contrafatual do“não-regime”, respectivamente (SPRINZ & HELM,1999; HELM & SPRINZ, 2000; SPRINZ, 2005).

Por fim, as comparações entre casos (únicadas cinco abordagens que requer, obrigatoriamen-te, a análise de mais de um caso dentro de umaunidade) são uma forma eficiente de extrairinferências causais, contanto que haja cautela paraevitar erros inferenciais, comum nessa forma deanálise. Bennett (2004, p. 32) destaca duas ma-neiras de comparar casos. Na primeira, o métodode concordância direta de John Stuart Mill, é ne-cessário buscar antecedentes causais comuns aoscasos estudados e que sejam, de modo ideal, con-dições necessárias a eles. Na segunda maneira, ométodo de comparação enfocada e estruturada decasos, desenvolvido por Alexander George, o pes-quisador deve “[...] definir o objetivo de pesqui-sa, inclusive a classe de eventos a ser explanada,a hipótese alternativa sob consideração e a formacomo irá ocorrer a construção de teorias. Segun-do, o pesquisador deve especificar as variáveisindependentes, dependentes e intervenientes e de-cidir quais deverão ser controladas e quais devemvariar entre os casos ou tipos de casos. Terceiro,o pesquisador seleciona os casos a serem estuda-dos, possivelmente assistido pelo espaço tipológicoque resulta da especificação das variáveis e variá-veis alternativas. Quarto, o pesquisador deve con-siderar como melhor descrever a variância nasvariáveis independentes e dependentes, conside-rando não apenas as variáveis individuais, mastambém os tipos de casos ou combinações devariáveis, e os caminhos seqüenciais que caracte-rizam cada tipo. Finalmente, o pesquisador espe-cifica as perguntas estruturadas a serem feitas para

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cada caso para estabelecer os valores das variá-veis independentes, intervenientes e dependentes”2

(idem, p. 26).

Nesse sentido, aponta para a utilidade dos es-tudos de caso na criação de teorias tipológicas,que seriam generalizações sobre os diferentes pa-drões causais possíveis de ocorrer para o fenô-meno enfocado. De modo geral, o autor advoga ouso complementar dessas duas formas de com-parar casos (inclusive com outras maneiras), prin-cipalmente devido à restringência de cada uma(mais e menos restritiva, respectivamente).

O perigo dessa abordagem é atribuir muitarepresentatividade aos casos e sair do estudo decaso para um estudo de múltiplas unidades, per-dendo a profundidade e detalhamento inerente aosprimeiros. Existe, também, a dificuldade de en-contrar casos passíveis de serem comparados. Poroutro lado, dá uma maior possibilidade deextrapolação e por vezes é mais simples de aplicarpor haver um roteiro de questões a seguir e apli-car para todos os casos.

A despeito de suas desvantagens e limitações,os cinco métodos de análise descritos aqui pode-rão ser muito úteis ao pesquisador na correta apli-cação da metodologia de estudo de caso para in-vestigar temáticas relacionadas às políticasambientais. Porém, antes de destacar suas vanta-gens para essa subdisciplina, é preciso primeirodiscutir por que o estudo da interface política-meioambiente necessita de atenção especial quanto àmetodologia aplicada, enfoque da seção a seguir.

III. O ESTUDO DA POLÍTICA AMBIENTAL:DISTINÇÃO DE OUTRAS SUBDISCIPLI-NAS

Nacional ou internacionalmente, inúmeros fa-tores ambientais podem influenciar os sistemaspolítico-sociais e requerer instrumentos políticos,como situações transfronteiriças, áreas comunsque abrigam recursos naturais e interligações en-tre diferentes temas da questão ambiental. Por isso,é difícil separar onde começa e termina a impor-tância política dos diferentes temas ambientais,dada sua complexidade e sobreposição. São vári-os os tópicos relevantes para estudo: políticaspúblicas de meio ambiente, regimes internacionaisde desenvolvimento sustentável, accountability de

instituições ambientalistas do terceiro setor, refu-giados ambientais, conflitos decorrentes de escas-sez ambiental, questões do tipo “tragédia dos co-muns”, entre outros. De fato, vários autores acre-ditam que abordagens metodológicas específicasou mesmo novas são necessárias para pesquisara interface política-meio ambiente (ver, por exem-plo, SUNDGREN, 1993; YOUNG, 1994; HOMER-DIXON, 1996). Nesta seção trataremos das prin-cipais dificuldades de abordar temáticas ambientaisdentro da Ciência Política e o porquê da necessi-dade de cuidados metodológicos específicos. Paratal, discute-se o paradoxo da dicotomia ser hu-mano-natureza e certos desdobramentosontológicos e epistemológicos, alguns desafiosconceituais das pesquisas em política ambiental eas implicações do tipo de informação escolhidapara ser analisada nesse tipo de estudo.

Tratar de questões ambientais em um contex-to político traz à tona um paradoxo: o ser huma-no, ao mesmo tempo em que faz parte do meioambiente, percebe-se separado dele. Ou seja, ape-sar da inevitável interdependência entre o Homosapiens sapiens e o meio, a grande maioria dassociedades humanas historicamente enxerga-secomo um grupo de seres “separados” da “nature-za” ou mesmo superior e senhor desta (WHITEJR., 2000)3. Essa dicotomia está presente, inclu-sive, na academia; de fato, há autores que afir-mam que as Ciências Sociais desenvolveram-sesobre uma “rígida dicotomia entre cultura e natu-reza” (FITZGERALD, 2006, p. 1)4. Esse é umdebate antigo e não é intenção deste artigo retomá-lo; porém, é imprescindível que o pesquisadoresteja ciente dessa discussão para que (1) possadeixar claro seu posicionamento ontológico eepistemológico ao realizar qualquer pesquisa so-bre política ambiental e (2) saiba que há a possibi-lidade da própria percepção dos atores envolvidosno caso em estudo tenha influência sobre o pro-blema em foco. Esses pontos podem fazer os es-tudos em política ambiental parecerem demasia-do difíceis de realizar, mas isso não precisa ne-

2 Todos os trechos reproduzidos no presente artigo foramtraduzidos dos originais pela própria autora.

3 White Jr. (2000) discute a origem judaico-cristã dadicotomia ser humano-natureza; para uma revisão de ou-tros pontos de vista sobre essa origem, ver Fernandes eSampaio (2008).4 Ver também as relevantes discussões de Descola e Pálsson(1996) e Foster (2005); nesta última obra destaca-se o pri-meiro capítulo, “A concepção materialista de natureza”(idem, p. 39-96).

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cessariamente ser verdade. Sobre o primeiro pon-to, como já foi dito, a importância está em ter umposicionamento claro no momento da estruturaçãoda pesquisa, bem como na hora de sistematizar epublicar os resultados. Ou seja, considera-se,como ponto de partida, a dicotomia ser humano-natureza ou uma perspectiva mais integrada? A partirda resposta dessa e de outras perguntas possíveisé preciso decidir como lidar com o segundo pontoou mesmo (explicitamente) ignorá-lo.

Questões conceituais também devem ser le-vadas em consideração ao estudar o meio ambi-ente em um contexto político. Choucri (1993) lis-ta três desafios conceituais para a Ciência Políti-ca, originados nas mudanças ambientais globais:o desafio da ligação (linkage), o desafio das polí-ticas e o desafio institucional. Esses desafios si-nalizam a necessidade de aprofundar o conheci-mento sobre as ligações, interligações e proces-sos de feedback na complexa biosfera terrestre etodas as implicações resultantes.

O primeiro desafio trata de como relacionar asvariáveis e processos ambientais (interações cli-máticas, interdependência dos ecossistemas, ci-clos biogeoquímicos, biodiversidade, entre outros)às questões sócio-políticas (atividades sociais,características nacionais, relações internacionais,soberania, etc.); segundo Rosenau (apudCHOUCRI, 1993, p. 9), essas ligações ocorremem qualquer momento que uma atividade em umsistema afete as condições de outro sistema,subsistema ou ambiente. Já o desafio das políti-cas, estaria em desenvolver definições e aborda-gens apropriadas para referir-se ao manejo docommons global, tendo como dado o fato do bem-estar do planeta e seus habitantes ser afetado di-retamente pelo comportamento dos indivíduos,países, instituições etc. Por fim, o desafioinstitucional seria como identificar respostasinstitucionais apropriadas para lidar com as mu-danças antrópicas no ambiente.

Entretanto, é importante destacar que o pri-meiro desafio citado por Choucri (idem) tambémremete a duas outras questões com implicaçõesconceituais: a primeira, já mencionada, seria a pró-pria percepção que o ser humano tem do meioambiente, a começar pela dicotomia ser humano-natureza ou meio ambiente-sociedade; o segundocaso refere-se a uma controvertida noção de equi-líbrio ecológico. É comum, salvo entre os meiosacadêmicos que tratam de ecologia pura, a visão

de que os ecossistemas saudáveis permaneçamem uma espécie de “equilíbrio estático” até que ohomem venha e cause um “desequilíbrio”5; por essemotivo, alterações não antropogênicas no ambien-te (e suas interações com o impacto antrópico) sãofreqüentemente deixadas de lado em estudos quelidam com a interface meio ambiente-sociedade.

Outra questão pertinente ao estudo das políti-cas ambientais é que tipo de dados será avaliadopara responder as indagações da pesquisa: indica-dores puramente biológicos, efeitos políticosobserváveis ou uma mistura de ambos? Optar porquaisquer desses três tipos de dados traz conse-qüências que precisam ser levadas em considera-ção para avaliar a viabilidade da pesquisa. No pri-meiro caso é preciso verificar a disponibilidade econfiabilidade dos dados biológicos. Helm e Sprinz(2000), em trabalho teórico sobre a eficácia dosregimes ambientais, destacam que as pesquisasnessa área podem tornar-se mais lentas devido àcarência de dados biológicos e/ou pelo longo pe-ríodo de tempo necessário para a recuperação doproblema em estudo. Mesmo quando há dadosdisponíveis, Rosendal (2000) aponta para a difi-culdade de mensurar sucessos obtidos em rela-ção a problemas político-ambientais globais. Nes-se sentido, autores como Keohane, Haas e Levy(1993) sugerem optar pelo segundo grupo de da-dos, enfocando os efeitos políticos observáveisdas instituições e não o impacto ambiental em si.De acordo com esses autores, tais efeitos podemser observados pelo desempenho das próprias ins-tituições: “instituições eficazes podem afetar o pro-cesso político em três pontos-chave na seqüênciade criação e implementação de políticas ambientais:1) Podem contribuir para agendas mais apropria-das, refletindo a convergência de consensos políti-cos e técnicos sobre a natureza das ameaçasambientais; 2) podem contribuir para políticas in-ternacionais mais detalhadas e específicas, acor-dadas por meio de um processo político cuja baseé a negociação intergovernamental; 3) podem con-tribuir para a criação de políticas nacionais em res-posta ao problema que controlem as fontes dedegradação ambiental diretamente (idem, p. 8).

Similarmente, Homer-Dixon (1993) afirma queestudos sobre política ambiental trazem em si umasérie de incertezas que dificultam a análise das

5 A esse respeito, ver a interessante discussão de Mazotti(1997).

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variáveis, e lista alguns dos fatores que contribuempara o nível dessas incertezas: qualidade da teoriautilizada, qualidade e quantidade de dados, dúvidassobre a habilidade de resposta antrópica ao proble-ma e processos caóticos. Ademais, salienta quegrande parte do mundo socioambiental6 integra sis-temas caóticos e imprevisíveis que, portanto, nãopossuem relações lineares. A capacidade de res-posta dos seres humanos à degradação ambientalseria outro ponto problemático, mesmo porque éfreqüente que as pessoas sequer queiram mudar osprocessos sociais, econômicos, tecnológicos eoutros fatores que contribuam para esse quadro.De fato, em outro momento Homer-Dixon (1996)afirma que os estudos sobre a escassez ambiental esua relação com conflitos sociais caracterizam-se“por um número imenso de variáveis desconheci-das e conexões causais desconhecidas entre estasvariáveis, por interações, feedback e relações não-lineares e por uma alta sensibilidade a pequenasperturbações” (idem, p. 134). De modo geral, pode-se dizer que isso se aplica a todas as questões polí-tico-ambientais, o que deve ser levado em conside-ração no desenho metodológico desse tipo de estu-do. Entretanto, mais uma vez salienta-se que essesfatores não devem impedir a realização de estudossobre política ambiental, mas sim reforçar os cui-dados e escolhas metodológicas. Uma saída refe-rente a esta última discussão seria optar por anali-sar os efeitos políticos observáveis (conforme su-gerido por Keohane, Haas e Levy (1993)) no casode temas com poucos dados ou variáveis muitoincertas, enquanto um maior enfoque nos dadosbiológicos poderia ser utilizado em casos com mai-or disponibilidade e confiabilidade desse tipo de in-formação.

Obviamente, como os sistemas político-eco-lógicos, a maioria dos objetos de estudo da Ciên-cia Política também é de extrema complexidade.Porém, viu-se nesta seção que no caso específicodas políticas ambientais é imprescindível levar emconsideração três questões principais: implicaçõesontológicas e epistemológicas acerca da dicotomiaser humano-natureza e sua percepção; desafiosconceituais relativos a linkage, manejo dos recur-sos globais e instituições; e a escolha do tipo dedados a ser analisado. A partir de tais considera-ções o pesquisador poderá utilizar a metodologia

de estudo de caso de maneira sólida, conformeveremos na próxima seção.

IV. VANTAGENS E LIMITAÇÕES DO USO DEESTUDOS DE CASO NA PESQUISA SOBREPOLÍTICA AMBIENTAL

Foi visto que o estudo de caso é um tipo demetodologia com várias vantagens e desvantagens,bem como alguns métodos de análise de interessepara a Ciência Política, cada qual com suas limi-tações próprias. Ademais, vimos que considera-ções específicas às questões político-ambientaisprecisam ser levadas em conta na hora de proje-tar-se estudos a respeito. Nesta seção abordare-mos o uso da metodologia de estudo de caso (edas formas de análise e extração de inferênciasdescritas anteriormente) em pesquisas sobre po-lítica ambiental; para isso, discutiremos algumasdas ambigüidades do método e sua relevância parao tema, além de ressaltar vantagens e limitaçõesdos estudos de caso e cinco de suas formas deanálise no contexto da política ambiental.

Devido à natureza diferenciada do tema, Mitchelle Bernauer (1998) reconhecem que as pesquisassobre a política ambiental (mais especificamente apolítica ambiental internacional) têm maior neces-sidade de utilizar a metodologia de estudo de caso,principalmente no que diz respeito à análise e avali-ação de inferências causais. Entretanto, salientamque é preciso seguir seis passos-chave para queessas pesquisas tenham boa qualidade: 1) identifi-car uma questão teórica importante; 2) desenvol-ver hipóteses e identificar variáveis; 3) selecionarcasos; 4) ligar dados a propostas; 5) examinar cor-relações e rotas causais; 6) generalizar para outroscasos. Os autores também sugerem que os estu-dos sobre política ambiental respeitem cinco crité-rios principais. 1) Validade teórica. As informaçõesempíricas reunidas representam, verdadeiramente,os conceitos ou variáveis do modelo teórico pro-posto ou do caso em estudo? 2) Validade interna. Ométodo analítico mostra a correlação entre a variá-vel independente e a variação observada na variáveldependente para cada hipótese de relação causal,de maneira que nenhuma outra variável (ou variá-veis) fornece uma explicação melhor sobre a vari-ação observada? 3) Validade externa. Está claro olimite entre a população de casos para a qual gene-ralizações podem ser feitas e outros casos para osquais estas generalizações são improváveis? 4)Confiabilidade. Outros pesquisadores poderia re-plicar as técnicas utilizadas na pesquisa e chegar

6 Acerca do termo “socioambiental” ver, por exemplo, adiscussão de Fernandes e Sampaio (2008).

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aos mesmos resultados? 5) Status de pesquisa pro-gressista. O estudo contribui, de maneira cumula-tiva para um programa de pesquisa maior?

Dessa forma, esses estudos devem tentar res-ponder uma questão empírica específica, bemcomo uma questão teórica maior. Ao lado dessespassos e critérios, deve levar-se em consideraçãoalguns outros fatores na hora de conceituar umestudo desse tipo, como as ambigüidades ineren-tes ao método e sua relevância para pesquisas sobrepolítica ambiental.

IV.1. O problema das ambigüidades

De acordo com Gerring (2004), os estudos decaso trazem seis ambigüidades inerentes que po-dem ser problemáticas, dependendo da formacomo se lida com as mesmas: 1) é possível cons-truir tais estudos com diferentes tipos de evidên-cia covariante, visto que alguns estudos de casoenvolvem mudanças de nível de análise e outrosmesclam diferentes tipos de observação sobre oudentro da mesma unidade, caracterizando tiposde estudo de caso distintos; 2) existe uma linhatênue entre a unidade em foco (a unidade formal)e outras unidades adjacentes que possam ser in-cluídas no estudo de maneira mais solta (as uni-dades informais); 3) é comum que vários estudosde caso sejam reunidos em um único estudo (ouseja, mais de uma unidade é analisada, caracteri-zando outro tipo de metodologia); 4) comumente,engloba-se dois mundos empíricos distintos (daunidade em si e de uma classe mais ampla de uni-dades) e, conseqüentemente, os resultados do tra-balho passam a aplicar-se a populações diferen-tes; 5) o status do trabalho é passível de mudarapós ser analisado mais profundamente pela co-munidade científica; 6) as inferências do estudopodem ser ilustrativas ou falsificáveis.

Tomando essa lista como base, pode-se anali-sar o impacto dessas ambigüidades nas pesquisassobre política ambiental. A primeira ambigüidade,que lida com a questão dos níveis de análise e/outipos de observação dentro da unidade em análise(resultando em diferentes tipos de evidênciacovariante), é um problema real dentro das pes-quisas nessa área. Ao longo dessa seção utilizare-mos como exemplo a análise hipotética de um re-gime ambiental global, a Convenção Internacionalpara a Regulamentação da Pesca da Baleia (Cirpb).Neste caso, o estudo poderia analisar desde o im-pacto do tratado na diversidade genética de popu-lações locais de baleias, até a cooperação entre

países para a troca de informações sobre pesqui-sas realizados acerca do estado de determinadaespécie. Similarmente, Choucri (1993) lista qua-tro níveis de análise possíveis em um estudo so-bre política internacional ambiental: 1) as decisõesindividuais (p. ex.: pescar ou não pescar baleias);2) as decisões organizadas de grupos sociais dosmais diversos (escolha de uma colônia de pesca-dores ou empresa de pesca de respeitar ou não otratado internacional citado e continuar oudescontinuar a capturar baleias); 3) o sistema in-ternacional competitivo e seus mecanismosinstitucionais de tomada de decisão (a decisão decada país em ratificar ou não a convenção); 4) osistema global natural e social, completamente in-terligado por processos de feedback altamentedinâmicos (a relação das espécies de baleias cap-turadas com toda a biosfera e sua própria resiliênciaem face da caça). Por outro lado, como lembraGerring (2004), essa ambigüidade é relativamentefácil de evitar com a redação de projetos de pes-quisa com objetivos precisos e delimitação clarada unidade a ser estudada; a unidade, os casos eas populações, por exemplo, devem estar bemdefinidos para dar maior credibilidade e maior ní-vel de falseabilidade ao trabalho. Isso não eliminaa possibilidade de realizar observações em dife-rentes níveis de análise caso entenda-se como re-levante; porém, é imprescindível deixar claro oenfoque do estudo tanto para o próprio pesquisa-dor quanto para os colegas que irão ler e utilizarseu trabalho como base para outras pesquisas. Ouseja, a unidade estudada poderia ser a eficácia daCirpb e os casos seriam alguns países signatári-os, em meio a uma população que incluiria todosas partes do acordo.

Esse problema está ligado à segunda ambigüi-dade, que mostra a tênue linha entre a unidadeque está sendo enfocada e outras unidades adja-centes que possam ser relevantes (ou seja, unida-des informais). Mais uma vez é necessário queisso esteja claro na pesquisa, o que se traduzirá naforma como o estudo é conduzido: enquanto aunidade formal deve ser analisada de maneira in-tensiva e aprofundada, as unidades informais po-dem ser analisadas por meio de literatura secun-dária, por exemplo, e discutidas fora do corpocentral do texto, como na introdução ou nas con-clusões (idem). Aqui cabe retomar a discussãosobre as implicações dos tipos de dados usadosna análise. Digamos, por exemplo, que não hou-vesse dados científicos suficientes sobre o estu-

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do das populações de baleia, ou que essas infor-mações não fossem homogêneas para todas aspartes do mundo onde esses animais ocorrem.Nesse contexto, uma forma de realizar o estudosem cair nas armadilhas da segunda ambigüidadeseria analisar a unidade formal (digamos que fos-se mesmo a eficácia da convenção) usando comodados os efeitos políticos observáveis da Cirpb,como criação de instrumentos legais e/ou novosórgãos governamentais para cuidar do assunto,estímulo à pesquisa por meio de novas linhas defomento, programas educativos para as comuni-dades baleeiras etc. Por outro lado, as unidadesadjacentes poderiam incluir as conseqüências doregime7; como não haveria a necessidade de ava-liações mais aprofundadas poder-se-ia, neste caso,utilizar os escassos dados biológicos disponíveis.

Em um exemplo semelhante, digamos que emdeterminado país a pesca desse animal tenha caí-do drasticamente após a ratificação da Cirpb e quehaja dados biológicos que comprovem a recupe-ração das populações de baleias. A pergunta cen-tral, neste caso, seria o porquê da convenção tersido eficaz naquele país, enquanto a unidade for-mal de análise seria a eficácia da convenção e ocaso seria o país escolhido. Poder-se-ia usar, tam-bém, outros países (casos) onde a convenção nãofoi eficaz ou funcionou apenas parcialmente. Nestecontexto, poderia se estudar os relatórios envia-dos para a Organização das Nações Unidas (ONU),as políticas públicas criadas como resultado daconvenção ou mesmo criar contrafatuais sobrecomo estaria a situação baleeira no(s) país(es)enfocado(s) se o regime não tivesse sidoimplementado. Porém, outras unidades (ou seja,unidades informais) também poderiam ser estu-dadas de maneira mais periférica, tais como a efi-cácia da Convenção das Nações Unidas sobre oDireito do Mar e sua influência na regulamenta-ção da pesca da baleia naquele(s) país(es).

Relembrando o terceiro passo-chave promo-vido por Mitchell e Bernauer (1998), estes auto-res salientam a importância do processo de sele-ção dos casos a serem estudados, que somente

deverá ocorrer após o devido embasamento comas teorias disponíveis. Nesse sentido, afirmam quejamais se deve permitir que os casos direcionemos questionamentos da pesquisa: “Na maioria doscasos, questões teoricamente ‘quentes’ não po-dem ser respondidas usando casos politicamentequentes. [...] estudos de ‘temas-manchete’ [sobrea eficácia dos regimes] resultarão em pouco ounenhum conhecimento sobre como projetar acor-dos internacionais para induzir a melhoria ambientalsimplesmente porque os dados necessários paraidentificar as fontes de eficácia nesses casos aindanão estão disponíveis” (idem, p. 14-15).

A terceira ambigüidade refere-se às situaçõesem que vários estudos de caso são reunidos emum estudo maior, analisando-se mais de uma uni-dade. À primeira vista não haveria problema, po-rém Gerring (2004) salienta que quanto mais casoshá para estudar-se, menor o aprofundamento dadoem cada caso. Ademais, o autor afirma que se opesquisador acredita que os casos utilizados sãomuito representativos, passará a tratar o conjuntode casos mais como uma amostra do que comouma série de casos individuais. A despeito das pes-quisas político-ambientais, essa ambigüidade po-derá ter maior ou menor importância dependendodo assunto tratado. Além disso, se não houver muitainformação disponível, é preferível priorizar umestudo de caso individual, analisando-o de maneiramais intensiva (como no exemplo anterior, em quehavia dados biológicos aprofundados sobre a po-pulação de baleias de um único país).

A quarta ambigüidade, que trata dos mundosempíricos distintos comumente englobados porum único estudo de caso (ou seja, o mundo daunidade em si e de uma classe mais ampla de uni-dades), está intimamente ligada ao sexto preceitolistado por Mitchell e Bernauer (1996). Estes au-tores afirmam que os resultados dos estudos decaso devem ser generalizáveis para outros casos;porém, Gerring (2004) chama a atenção para oproblema de ter-se um trabalho cujos resultadosapliquem-se, contraditoriamente, a populaçõescompletamente diferentes. Apesar das generaliza-ções serem desejáveis quando possível, o pesqui-sador precisa tomar cuidado para não ser ambici-oso demais. Segundo Mitchell e Bernauer (1996),o escopo da generalização dependerá no nível devalidade externa do trabalho; ou seja, quanto maissemelhantes as relações causais do caso estudadocom amostras de casos maiores, maior a chance

7 De acordo com Zürn (1998), o estudo das conseqüênciasde um regime enfoca os resultados mais amplos do atoestabelecido, não necessariamente intencionais ou alinhadoscom os objetivos do mesmo, enquanto Underdal (1992)define o estudo da eficácia dos regimes como uma avaliaçãocomparativa de um acordo contra algum padrão de sucessoou realização.

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de encontrar conexões válidas com debates teóri-cos mais amplos. De fato, esses autores ressal-tam que muitas teorias gerais sobre relações in-ternacionais, por exemplo, servem também paraexplicar problemas político-ambientais globais.

Por outro lado, é relativamente comum que ospesquisadores da área de política ambiental sejamcautelosos demais na hora de extrapolar seus re-sultados para debates mais gerais. Apesar de a áreaestar em constante crescimento dentro da Ciên-cia Política, ainda é pouco estudada em compara-ção a outros temas e até mesmo marginalizada ouignorada. Porém, muitos dos resultados de suaspesquisas e suas conseqüentes contribuições teó-ricas têm muita relevância para outros debates maisamplos, e poderiam ser melhor aproveitados naCiência Política de modo geral. Um exemplo clás-sico de sucesso é o trabalho de Haas (1989) so-bre regimes de controle de poluição marinha noMediterrâneo, citado com freqüência até os diasde hoje no debate sobre a famosa questão “Doregimes matter?” (“Os regimes importam?”).

A quinta ambigüidade dos estudos de caso traza possibilidade de o status do trabalho mudar apósuma análise mais intensiva pela comunidade cien-tífica. Um exemplo é o das revisões de literatura,que podem tentar unir vários estudos de caso eanalisá-los conjuntamente, formando uma grandeamostra. O perigo desse tipo de prática depende-rá do assunto em questão, bem como da similari-dade entre os casos e de sua validade externa co-mum. Em estudos ligados à política ambiental devehaver cautela em como isso deverá ser feito. Umexemplo de sucesso é a compilação de Miles etalii (2002), que reúne vários estudos sobre a efi-cácia de diversos regimes ambientais. Os autoresforam muito cuidadosos ao agrupar os estudosem três classificações, baseadas na eficácia doacordo enfocado: regimes eficazes, mistos e debaixa eficácia, além de um regime controle forada área ambiental. Mitchell (2006), por outro lado,ressalta a importância de levar em conta a estru-tura do problema ambiental ao pesquisar a eficá-cia desse tipo de acordo8, e a mesma pode, inclu-sive, moldar a forma como os estados o perce-bem e montam seus objetivos em termos de mu-

danças comportamentais e resolução dos proble-mas ambientais em si, com soluções mais super-ficiais ou mais aprofundadas. Por exemplo: umcomportamento nocivo ao meio ambiente pode serbanido ou apenas restringido e o uso de uma es-pécie pode ser proibido completamente, restritoou apenas manejado.

A última ambigüidade que discutiremos talvezseja a mais importante: a do status ilustrativo oufalsificável das inferências resultantes dos estu-dos de caso. O primeiro caso (bastante comumnos estudos sobre política ambiental, principal-mente os pioneiros) advém de estudos comenfoque mais descritivo e com pouca pretensãode generalizar os resultados para outros casos oupara debates teóricos mais amplos; estudos muitoimportantes para temas com histórico recente e/ou poucos dados disponíveis. Um bom exemplo éo da Convenção sobre Diversidade Biológica(CDB). Talvez devido à sua natureza ambiciosa,profundamente política e de amplo espectro (LEPRESTRE, 2002, p. 269), a CDB é um dos regi-mes ambientais menos estudados politicamente,principalmente em termos de sua eficácia. Um dospoucos pesquisadores a abordar este assunto foiLe Prestre (idem; 2003), em estudos principal-mente descritivos. Além de ser um regime relati-vamente recente, em vigor desde 1993, apresentauma série de desafios para a pesquisa devido àfalta de dados científicos e indicadores debiodiversidade biológica. Assim, os achados de LePrestre são muito importantes para pesquisas sub-seqüentes por fornecer subsídios para um maioraprofundamento do assunto, como sugestões pre-liminares que mais tarde poderão ser pesquisadasmais detalhadamente.

Contrariamente aos estudos de caráterilustrativo ou sugestivo, existem estudos de casoque resultam em novas hipóteses ou teorias ro-bustas e passíveis de ser falsificáveis. Como lem-bra Gerring (2004), ambos partem de basesmetodológicas completamente distintas. Por ou-tro lado, aponta para a vantagem de usar os estu-dos de caso no último caso. Afinal, a flexibilidadedo próprio método é, em muitos sentidos, superi-or às pesquisas mais “formais” ou quantitativas,que muitas vezes ficam presas à sua própria rigi-dez e conseguem apenas confirmar ou falsificaroutras teorias e hipóteses: “[...] a própria ‘subjeti-vidade’ das pesquisas de estudo de caso permite ageração de um grande número de hipóteses e per-cepções que talvez não ficariam aparentes ao pes-

8 De fato, alguns autores já tentaram usar escalas paraclassificar regimes ambientais, como Underdal (2002), queargumenta por um agrupamento dos problemas ambientaisinternacionais em três classes (“benigno”, “maligno” ou“misto”), de acordo com a estrutura do problema.

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quisador de múltiplas unidades que trabalha comum conjunto de dados empíricos mais superficialde um grande número de unidades e com umadefinição mais determinada (fixa) de casos, variá-veis e resultados. É a própria difusibilidade dosestudos de caso que lhes dá uma forte vantagemnas pesquisas em estágios exploratórios, pois osestudos de uma única unidade permitem o testede uma multiplicidade de hipóteses de maneirarápida e informal” (idem, p. 350). Essa flexibili-dade do método representa uma vantagem a maispara os estudos de caso em política ambiental,dada a freqüente carência de dados e indicadoresbiológicos.

IV.2. Vantagens e limitações gerais para estudossobre política ambiental

Uma das principais vantagens do uso dametodologia de estudos de caso para questõesambientais é a possibilidade de identificar variá-veis e hipóteses novas ou omitidas que podemservir de base para outros estudos e/ou para aconstrução de novas hipóteses e teorias. Apesardessa vantagem não ser, necessariamente, peculi-ar às questões ambientais, é muito útil em situa-ções em que é preciso realizar pesquisas iniciaisou exploratórias por falta, por exemplo, de dadosbiológicos. Na mesma linha, o trabalho de Yin(2009) sobre estudos de caso em geral já sugeresua importância para a temática político-ambientalquando afirma que o método é apropriado parasituações em que o pesquisador tem pouco con-trole, quando os limites do fenômeno e de seucontexto não estão claros e cujo enfoque está emalgum fenômeno contemporâneo. Outra vantagemainda pouco aproveitada é a capacidade de usar aflexibilidade do método para criar novas hipóte-ses e teorias e suprir carências nesse sentido. Es-sas novas hipóteses e teorias passíveis de seremtestadas subsidiam, assim, outros estudos de casode caráter mais confirmatório/contraditório, vistoque muitas abordagens requerem a pré-existênciade boas teorias para que possam prover explica-ções mais completas.

De fato, existe uma limitação nos casos em quenão existam teorias específicas para a temáticapolítico-ambiental (ou nenhuma teoria geral que seaplique), visto que muitas das abordagens possí-veis possuem como pré-condição a disponibilidadede teorias robustas de embasamento. Outro pro-blema é a dificuldade de escolher casos relevantese generalizáveis, o que nem sempre é possível.

Por outro lado, é importante salientar que, damesma forma que os estudos de casocomplementam outros tipos de pesquisa, as di-versas formas de análise e extração de inferênciastambém podem ser utilizadas de maneira comple-mentar nos estudos de caso sobre a interface po-lítica-meio ambiente.

IV.3. Vantagens e limitações das abordagens es-pecíficas

Anteriormente, descrevemos cinco abordagensutilizadas para realizar inferências nos estudos decaso, a saber: análises de covariância, processtracing causal, uso de contrafatuais, testes decongruência e comparação de casos. Debatere-mos a seguir as vantagens e limitações destas abor-dagens especificamente para as pesquisas sobrepolítica ambiental.

As análises de covariância trazem várias van-tagens para os estudos de caso com enfoque eminterfaces político-ambientais. Sua semelhançacom experimentos controlados favorece os ca-sos onde as conseqüências políticas da degrada-ção ambiental estão fortemente ligadas a fatoresnaturais mais fáceis de contabilizar (p. ex.: efeitoda chuva ácida no desempenho agrícola e conse-qüente impacto político). Outra vantagem é nãoter de realizar observações empíricas de todo pro-cesso causal, sendo possível extrair conclusõesabstratas originadas da teoria que está sendo utili-zada como base. Porém, essa vantagem podetransformar-se em uma limitação caso não exis-tam teorias disponíveis. Nesse caso, pode-se ten-tar procurar teorias mais amplas, fora do campoambiental, para serem usadas na abordagem.

O método de process tracing, bem mais dis-tante do desenho quase experimental das análisesde congruência e dos testes de congruência, tal-vez seja a abordagem de maior sucesso nas pes-quisas sobre política ambiental. Existem váriosexemplos de bons estudos de caso, nessa área,que utilizaram process tracing causal como formade análise, e que inclusive serviram de base paravolumes inteiros na área de política internacionalambiental: Haas (1989) compila uma série de es-tudos que aplicaram, com sucesso, análises cau-sais para investigar a eficácia das instituições in-ternacionais em relação a sete questões ambientais,complementadas por análises rigorosas decontrafatuais hipotéticos; Victor et alii (1998)editam um livro sobre a implementação e eficáciade tratados internacionais de meio ambiente que

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inclui 14 estudos de caso que utilizam esta abor-dagem; por fim, Rosendal (2000) utiliza processtracing para analisar o processo de implementaçãode um regime ambiental, em um volume sobre aConvenção sobre Diversidade Biológica (CDB) queenfoca os países em desenvolvimento.

Para compreender como uma análise de processtracing causal de um fenômeno político-ambientalfunciona na prática, exemplificaremos com umestudo por Kotov e Nikitina (1998) sobre aimplementação e eficácia de um regime sobre chu-va ácida na Rússia, a Convenção sobre a PoluiçãoAtmosférica Transfronteiriça a Longa Distância.Estes autores realizaram uma análise aprofundadade diversos aspectos da convenção no país, prin-cipalmente o histórico do regime (inclusive suaimplementação doméstica e os níveis de compliancenacional) e os efeitos comportamentais do acor-do em diversas áreas. Assim, puderam traçar umahistória completa sobre a causa e o efeito do pro-cesso em foco, concluindo que o regime estuda-do teve maior importância política para a Rússiaque eficácia ambiental propriamente dita.

É importante lembrar que neste caso, o uso deprocess tracing foi possível devido à escolha de umregime com um histórico relativamente longo (aconvenção enfocada, que possui também oito pro-tocolos, foi assinada em 1979 e ratificada em 1983);ademais, os autores tiveram o cuidado de não con-fundir instâncias de correlação com relações ver-dadeiras de causa e efeito, distinguindo os proces-sos de implementação e compliance do regime(VICTOR et alii, 1998). Afinal, uma das principaislimitações da abordagem de process tracing é a gran-de quantidade de dados necessários para construira cadeia causal de onde as inferências serão extra-ídas. Na prática, isso se traduz em um esforço decampo grande (e muitas vezes custoso) para o pes-quisador, ou mesmo na impossibilidade de realiza-ção quando as informações necessárias não sãosuficientes em quantidade e/ou profundidade. As-sim, é um método mais apropriado para temas depesquisa com histórico suficientemente longo e bemdocumentado; a eficácia de regimes ou políticaspúblicas recém implementadas, por exemplo, difi-cilmente se beneficiariam desta abordagem.

Um exemplo relevante, delineado por Homer-Dixon (1996) é o do estudo de causa e efeito emsistemas político-ecológicos complexos que levamà violência devido à escassez ambiental; neste caso,o autor defende que a maioria dos princípios

metodológicos utilizados na Ciência Política sãoinapropriados para este tipo de pesquisa devido àpouca compreensão que se tem dos sistemas po-líticos-ecológicos. Assim, advoga uma pluralidademetodológica que deve se iniciar com o uso deprocess tracing causal e passar para outros méto-dos de acordo com cada estudo. Por outro lado,este autor salienta que o conceito de causalidade éimpreciso, principalmente nos estudos que mes-clam variáveis sociais e ambientais, o que deveser levado em consideração na hora de traçar oprocedimento metodológico. Uma alternativaapontada seria enfocar não apenas a causa mastambém o efeito, em uma relação caracterizadapor sete variáveis: necessidade, força, proximida-de, “exogeneidade”, multicausalidade,interatividade e não-linearidade. Ademais, salientaa importância do método escolhido para testar ashipóteses; segundo ele, é preciso ir além dos mo-delos utilizados nas ciências naturais para obteruma compreensão mais aprofundada das ques-tões político-ecológicas (HOMER-DIXON, 1996).

O uso de contrafatuais é talvez a forma maispromissora de extrair inferências sobre o mundopolítico-ambiental, já tendo sido usado com suces-so em vários estudos. Além dos estudos compila-dos por Haas (1993) mencionados anteriormente,podemos citar: Mitchell (1994), em estudo sobre ocumprimento de dois regimes relativos à poluiçãomarinha por petróleo (como estariam os níveis deconformidade com sem as mudanças de regras?);a série de estudos sobre a eficácia de regimes in-ternacionais de meio ambiente compilados por Mileset alii (2002); alguns dos estudos do volume sobrea implementação e eficácia de acordos ambientaiscompilado por Victor, Raustiala e Skolnikoff (1998),entre outros. Uma de suas grandes vantagens é apossibilidade de delinear explicações, criar hipóte-ses e até mesmo teorias quando não há grandesquantidades de informações e/ou casos observáveisno mundo real. Por outro lado, não pode ser reali-zado de maneira solta, sem embasamento teórico:as análises de contrafatuais de boa qualidade de-vem levar em conta as teorias disponíveis.

Para uma melhor compreensão do uso dessemétodo na área político-ambiental, utilizaremoscomo exemplo o estudo de Wettestad (2002) so-bre os regimes que tratam da destruição da camadade ozônio, a chamada Convenção de Viena e seurespectivo Protocolo de Montreal. Nesse trabalho,o autor analisa dois pontos de vista opostos: 1) quala melhoria relativa da situação da camada de ozô-

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nio usando como base um cenário sem a existênciada convenção; 2) qual a distância de um ótimo co-letivo ideal. No primeiro caso, analisa a questão documprimento (compliance) baseado nas evidênci-as palpáveis, bem como a possível influência deoutros instrumentos implementados na mesma épo-ca. No caso do coletivo ótimo, utiliza as recomen-dações científico-tecnológicas e políticas existen-tes, não sem questionar suas limitações devido àfalta de dados completos. Baseado nesses doiscontrafatuais, bem como em outros tipos de análi-se (principalmente histórica), conclui que os acor-dos estudados foram altamente eficazes por teremcausado mudanças comportamentais significativas,principalmente nos países do Norte. Porém, valesalientar que a natureza do problema em questãofacilitou o uso de contrafatuais no estudo; apesarda complexidade do problema da camada de ozô-nio, a fonte de degradação restringe-se a uma quan-tidade relativamente pequena de substâncias pro-duzidas em um grupo reduzido de países. Uma ques-tão como a das mudanças climáticas, por exemplo,certamente seria mais complicada de analisar des-sa forma, devido à quantidade ainda maior de vari-áveis envolvidas.

Semelhante às análises de covariância, os tes-tes de congruência permitem realizar análises qua-litativas relativamente “controladas” e possuemvantagens e limitações parecidas. Porém, confor-me mostrado anteriormente, permitem extrair pre-dições mais diversificadas por não se limitar àcovariância das variáveis verificando a congruência(ou não) entre as observações realizadas e as pre-dições que o pesquisador construiu a partir dasteorias disponíveis (BENNETT, 2004; BLATTER& BLUME, 2007; 2008b). Assim, como no casodas análises de covariância, é preciso haver teori-as robustas disponíveis, bem como dados palpá-veis, para a realização dos testes. Nesse sentido, éum método bastante interessante para casos comdisponibilidade de índices e outros indicadoressocioambientais.

Na prática, podemos exemplificar os testes decongruência com um estudo que analisa a regula-mentação ambiental relativa ao lago de Constança,um corpo de água transnacional localizado na Ale-manha, Áustria e Suíça. Discutindo desde teoriasracionalistas até enfoques sócio-construtivistas,o autor testa a congruência das expectativas emtorno da gestão conjunta do lago, unindo essasdiscussões com dados empíricos dos órgãosregulatórios e comparações com outros casos re-

levantes, além de verificar os valores das variá-veis independentes. Ao final, conclui que existeum mecanismo causal por trás do desempenhodas regulamentações ambientais da área que vaialém da problemática e contexto do próprio lago(BLATTER, 2004).

Por fim, a comparação entre casos (estudo decaso múltiplo) é outra abordagem freqüentementeusada nos estudos de caso sobre políticaambiental. É preciso cautela na hora de compararos casos para evitar erros inferenciais e, antes demais nada, é necessário deixar claro o que estásendo comparado. Existem várias possibilidadescomparativas em um estudo sobre regimesambientais, por exemplo, em que o enfoque podeser: a eficácia do regime em diversos países, oprocesso de implementação de diferentes regimes,o nível de compliance dos países-membros de umadeterminada convenção, entre outros. Nesse senti-do, apesar de não ser um estudo de caso compara-tivo per se por reunir vários estudos de caso, olivro compilado por Miles et alii (2002), sobre aeficácia de regimes ambientais, dá uma idéia inte-ressante das possibilidades dos estudos de caso.Tentando responder por que algumas convençõessão eficazes e outras não, compara 14 estudos decaso, classificando-os em três grupos: regimes efi-cazes, regimes de baixa eficácia e regimes mistos.

Nessa abordagem há o perigo de atribuir mui-ta representatividade aos casos, perdendo a pro-fundidade e detalhamento inerente aos estudos decaso, bem como a dificuldade de encontrar casospassíveis de serem comparados na área político-ambiental. Por outro lado, permite uma maior pos-sibilidade de extrapolação, o que nem sempre épossível aos estudos de caso em política ambiental.Também há uma maior facilidade de aplicar teori-as mais abrangentes de outras áreas quando nãohá teorias específicas às questões político-ambientais. Outra vantagem é a possibilidade decriar teorias tipológicas, de grande valia na área.

Dentre as cinco abordagens discutidas (cujasvantagens e desvantagens são resumidas no Qua-dro 2), duas destacam-se das demais para uso naspesquisas político-ambientais: process tracing e usode contrafatuais. A primeira pela possibilidade derealizar estudos detalhados e ao mesmo tempoabrangentes, construindo uma cadeia completa decausa e efeito. Já a segunda abordagem é extrema-mente útil em casos recentes e com poucos dados,como os problemas ambientais que têm surgido

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nas últimas décadas e para os quais ainda não exis-tem muitos dados biológicos disponíveis. Entre-tanto, como foi mostrado, essas abordagens en-contram-se em posições quase que opostas em ter-mos de vantagens práticas e aplicabilidade. Reali-zar um estudo de process tracing causal requer umaquantidade de dados que nem sempre está disponí-vel no meio ambiental, para que toda a cadeia deprocessos envolvidos no tema estudado possa seracompanhada. Por outro lado, quando esses dadosexistem, as possibilidades explicativas são, na mai-

FONTE: a autora, a partir de Fearon (1991), Bennett (2004) e Blatter e Blume (2007; 2008a; 2008b).

oria dos casos, bem superiores às das outras abor-dagens. Já o uso de contrafatuais requer, pelo me-nos em tese, uma quantidade menor de dados porser um exercício de certa forma “fictício”; porém,para que os resultados possam ser transpostos paraa realidade, precisa estar solidamente fundada nocampo teórico. Por isso, o uso complementar des-sas e das outras abordagens, em um ou mais estu-dos sobre o mesmo tema de política ambiental, éextremamente útil para o desenvolvimento empíricoe teórico dessa subdisciplina.

QUADRO 2 – VANTAGENS E LIMITAÇÕES DE CINCO DAS PRINCIPAIS ABORDAGENS QUALITATIVASUTILIZADAS NA METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO PARA AS PESQUISAS SOBREPOLÍTICA AMBIENTAL

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O USO DE ESTUDOS DE CASO EM PESQUISAS SOBRE POLÍTICA AMBIENTAL

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V. CONCLUSÕES

A interface política-meio ambiente é uma áreacom inúmeras possibilidades de estudo e que, ape-sar de requerer alguns cuidados metodológicosdistintos, pode beneficiar-se consideravelmente deestudos de caso e suas diversas possibilidades deanálise e extração de inferências.

Foi visto que as cinco abordagens utilizadasnos estudos de caso discutidas aqui (análises decovariância, uso de contrafatuais, process tracing

Andrea Steiner ([email protected]) é Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal dePernambuco (UFPE).

causal, testes de congruência e comparação entrecasos) podem e devem ser utilizadas de maneiracomplementar. Seria interessante, também, pro-mover mais estudos colaborativos entre diversospesquisadores e grupos de pesquisa, otimizandoo uso das abordagens possíveis e suacomplementaridade. Afinal, os estudos em políti-ca ambiental vêm contribuindo de maneira cres-cente para a Ciência Política como um todo, e ametodologia de estudos de caso é mais um instru-mento para que isso continue a acontecer.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

BEING ONE’S OWN ENTREPRENEUR AND FLEXIBILIZATION IN THE WORLD OFWORK

Attila Magno e Silva Barbosa

The social existence of individuals, for many of their interpreters – whether the latter resort toreligious or political discourses or even certain currents of sociological thought – seems not to bepossible without the existence of metanarratives that infuse it with meaning. This article engages intheoretical discussion of the discursive construction of those who act as their own entrepreneurs, asindividuals capable of confronting quick and drastic changes occurring within the world of workwith the advent of productive flexibilization. We advocate the hypothesis that this discursiveconstruction does not portray a type of individual that is potentially accessible to all, insofar as itrefers to a construction that does not involve the support of a shared societal project. In otherwords, we are looking at a type of individual who is disconnected from social ties and lacking in anytype of State- supplied social protection and therefore, cannot provide a universal standard of behaviorfor a society that seeks to attenuate social inequality.

KEYWORDS: Flexible Production; Precarization; Social and Ontological Insecurity;Entrepreneurship.

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CASE STUDIES IN RESEARCH ON ENVIRONMENTAL POLICIES: ADVANTAGES ANDLIMITATIONS

Andréa Steiner

The analysis of environmental issues in a political context is a topic that attracts growing attentionwithin Political Science, yet requires specific methodological considerations. One of methods that ismost frequently employed in research linked to environmental policy is that of case studies. Thepurpose of this article is to discuss the role of such a methodology within the sub-discipline. Somegeneral conceptual issues on the method and the advantages and disadvantages it offers are sketchedout. Furthermore, the study of environmental politics is distinguished from other research topicswithin Political Science, contextualizing its specific methodological needs and the role of case studiesin research on environmental politics is analyzed, looking at its inherent ambiguities, the advantagesand general limitations of the methodology and five forms of analysis and inference: covarianceanalysis, counterfactual analysis, causal process tracing and tests for congruence and comparisonof cases. Of these five approaches, two stand out as particularly relevant for political andenvironmental research, although they occupy almost opposite positions in terms of practicaladvantages and applicability: causal process tracing and counterfactual analysis. The complementaryuse of these and other approaches, whether in one or more studies on issues of environmentalpolicy, is extremely useful for the empirical and theoretical development of the sub-discipline.

KEYWORDS: Case Studies; Environmental Policy; Methodologies in Political Science; QualitativeMethodologies.

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NATURE RESERVES AS A MECHANISM OF STATE CONTROL

Gustavo Villela Lima da Costa

This article seeks an understanding of several aspects of the disputes and conflicts that emergearound the implementation of a Nature Reserve or Reserva Biológica (a conservation unit that ischaracterized by its particular restrictions on human presence) at Aventureiro Beach, on Ilha Gran-de, an island in the state of Rio de Janeiro. Our analytical perspective is based on the notion of theconstruction of a symbolic world focused on urban centers – the metropoles of nation-states –

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L'ENTREPRENEUR DE SOI ET LA FLEXIBILISATION DANS LE MONDE DU TRAVAIL

Attila Magno e Silva Barbosa

L’existence sociale des individus, pour beaucoup de ses interprètes, soit par la voie de discoursreligieux, de discours politiques ou soit même par la voie de certains courants de la pensée sociologique,semble ne pas être possible sans l’existence de métarécits pour les donner du sens. Cet article visefaire une discussion théorique sur la construction discursive de l’entrepreneur de soi tant qu’unindividu capable de faire face aux changements rapides et radicaux qui ont lieu dans le monde dutravail avec l’avènement de la flexibilisation productive. Nous défendons l’hypothèse que cetteconstruction discursive ne présente pas un type d'individu potentiellement accessible à tous, car ilprésuppose la construction de soi sans les appuis d’un projet commun de société. En d’autrestermes, nous sommes devant un type d’individu séparé des domaines collectifs et sans aucun typede protection sociale fournie par l’Etat et, pour ça, sans possibilité d’être considéré comme unstandard universel de comportement dans une société qui cherche la diminution des inégalités sociales.

MOTS-CLES: production flexible; précarisation; insecurité sociale et ontologique; entrepreneur desoi.

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L’UTILISATION D’ETUDES DE CAS DANS DES RECHERCHES SUR LA POLITIQUE DEL’ENVIRONNEMENT: LES AVANTAGES ET LES LIMITATIONS

Andréa Steiner

L’analyse des questions de l’environnement dans un contexte politique est un domaine d’étude enplein essor dans la Science Politique, mais qui demande des considérations méthodologiquesspécifiques. L’une des méthodes les plus fréquemment utilisées dans les recherches liées à lapolitique de l’environnement, est l’étude de cas. L’objectif de cet article est de discuter le rôle decette méthodologie dans cette sous-discipline. Les questions conceptuelles générales sur la méthodesont délimitées, avec ses avantages et inconvénients; l’étude de la politique de l’environnement sedistingue des autres thèmes de recherche dans la Science Politique, en incluant ses nécessitésméthodologiques spécifiques; et on analyse le rôle des études de cas dans les recherches sur lapolitique de l’environnement, en abordant ses ambigüités inhérentes et les avantages et limitationsgénérales de la méthodologie et de cinq formes d’analyse et extraction de conséquences: analysede la moyenne, utilisation de contrefactuelles, processus causal de traçage et test de congruence etcomparaison entre cas. Parmi ces cinq approches, deux sont en évidence pour les recherchespolitiques et d’environnement, malgré le fait qu’elles occupent des positions pratiquement opposéespar rapport aux avantages pratiques et l’applicabilité: processus causal de traçage et utilisation decontrefactuelles. L’utilisation complémentaire de ces approches et d’autres, soit dans une étude ouplus, sur des thèmes de politique d’environnement, est extrêmement utile pour le développementempirique et théorique de cette sous-discipline.

MOTS-CLES: études de cas; politique d’environnement; méthodologie en Science Politique;méthodologie qualitative.

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LES RESERVES BIOLOGIQUES TANT QUE MECANISME DE CONTROLE D'ETAT

Gustavo Villela Lima da Costa

Cet article cherche à comprendre certains aspects des disputes et conflits qui surgissent à partir del’instauration d’une Réserve Biologique (Unité de Conservation plus restrictive par rapport à la