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O USO DO TRANSE RITUAL NA CLINICA HIPNOTERAPICA: ESTUDO DE CASOS EM PSIQUIATRIA TRANSCULTURAL (*/ Madeleine Richeport** INTRODUÇÃO É um prazer muito grande ter a oportunidade de apresentar algumas observações sobre a relação entre a psiquiatria oficial e o sistema informal ou tradicional de curas, principalmente nas seitas es- píritas que eu presenciei em Nova Iorque, em Porto Rico durante cinco anos, e no Brasil durante um ano e meio. Profissionais na área de Saúde Mental reconhecem a importância do sistema informal ou tradi- cional de tratamento como um importante recurso em psiquiatria comunitária. Uma definição operacional da medicina tradicional inclui todas práticas de curandeiros que não são incluídas dentro da medicina através da graduação de instituições alopáticas. A medicina tradicional é um termo usado para descrever a totalidade de práticas existentes e conceitos que têm sido transmitidos através das gerações de curandeiros e que são profundamente en- raizados na "visão do mundo" das comunidades em que são utilizadas. São contínuos e entrosados dentro das estruturas de vida da família, do parentesco, da organização política e religiosa. I1) Atualmente, serviços psiquiátricos estão se abrindo para mais pessoas, embora estudos têm mos- trado que muitos pacientes continuam o tratamento no sistema não-médico e ao mesmo tempo con- sultam psiquiatras. ( 2 1 ' 2 3 e 3 0 ) . Diferenças na etiologia, nosologia, diagnose e tratamento interferem com a utilização do sistema informal dentro do sistema psiquiátrico oficial. ( 3 1 ) De forma a obter a máxima cobertura, estratégias são necessárias para ligar os sistemas formal e informal de tratarnento mental. Na América Latina e no Caribe médiuns espíritas funcionam como psiquiatras. Os cultos espí- ritas do Brasil vão desde o ramo europeu do espiritismo Kardecista, com ênfase intelectual de ensina- mentos e discussões filosóficas com espírito de ilustres pessoas mortas, até a mais africana forma de Candomblé. ( 3 4 e 3 S ) . O sincrético culto da Umbanda tem alcançado as proporções de religião nacio- nal. ( 3 2 e 3 3 h Essas crenças e práticas supernaturais são importantes na expressão, interpretação e tratamento de distúrbios emocionais para uma enorme proporção da população. Trabalho apresentado no VIo. Congresso Pan Americano de Hipnologia e Medicina Psicossomática, Rio de Ja- neiro, 12-17, março, 1978. Universidade Federa! do Rio Grande do Norte

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O USO DO TRANSE RITUAL NA CLINICA HIPNOTERAPICA: ESTUDO DE CASOS EM PSIQUIATRIA TRANSCULTURAL (*/

Madeleine Richeport**

I N T R O D U Ç Ã O

É u m prazer m u i t o grande ter a o p o r t u n i d a d e de apresentar algumas observações sobre a relação

ent re a ps iqu ia t r ia o f i c ia l e o sistema i n f o r m a l o u t r a d i c i o n a l de curas, p r i n c i p a l m e n t e nas seitas es­

p í r i tas que eu presenciei e m Nova I o r q u e , em Por to R i co d u r a n t e c inco anos, e no Brasi l du ran te u m

ano e m e i o .

Prof issionais na área de Saúde Menta l reconhecem a i m p o r t â n c i a d o sistema i n f o r m a l ou t r a d i ­

c ional de t r a t a m e n t o c o m o u m i m p o r t a n t e recurso e m ps iqu ia t r ia c o m u n i t á r i a .

Uma de f i n i ção operac iona l da med ic ina t r a d i c i o n a l i nc lu i todas prát icas de curande i ros que não

são inc lu ídas d e n t r o da med ic ina através da graduação de ins t i tu ições a lopát icas.

A med ic ina t r a d i c i o n a l é u m t e r m o usado para descrever a t o t a l i d a d e de prát icas ex is tentes e

concei tos que t ê m s ido t r a n s m i t i d o s através das gerações de curande i ros e que são p r o f u n d a m e n t e en­

raizados na "v isão d o m u n d o " das c o m u n i d a d e s e m que são u t i l i zadas. São c o n t í n u o s e entrosados

d e n t r o das est ru turas de v ida da f a m í l i a , d o parentesco, da organização p o l í t i c a e re l ig iosa. I1) A t u a l m e n t e , serviços ps iqu iá t r i cos estão se a b r i n d o para mais pessoas, e m b o r a estudos t ê m mos­

t r a d o que m u i t o s pacientes c o n t i n u a m o t r a t a m e n t o no sistema n ã o - m é d i c o e ao mesmo t e m p o con­

su l tam ps iquiat ras. ( 2 1 ' 2 3 e 3 0 ) . D i ferenças na e t i o l o g i a , noso log ia , d iagnose e t r a t a m e n t o i n t e r f e r e m

c o m a u t i l i zação d o sistema i n f o r m a l d e n t r o d o sistema ps iqu iá t r i co o f i c i a l . ( 3 1 )

De f o r m a a o b t e r a m á x i m a c o b e r t u r a , estratégias são necessárias para ligar os sistemas f o r m a l e

i n f o r m a l de t r a t a r n e n t o m e n t a l .

Na A m é r i c a La t ina e no Caribe méd iuns esp í r i tas f u n c i o n a m c o m o ps iquiat ras. Os cu l tos espí­

ritas d o Brasi l vão desde o r a m o e u r o p e u d o esp i r i t i smo Kardec is ta , c o m ênfase in te lec tua l de ensina­

men tos e discussões f i l osó f i cas c o m e s p í r i t o de i lustres pessoas m o r t a s , até a mais a f r icana f o r m a de

C a n d o m b l é . ( 3 4 e 3 S ) . O s inc ré t i co c u l t o da U m b a n d a t e m a lcançado as p roporções de rel ig ião nacio­

na l . ( 3 2 e 3 3 h

Essas crenças e prát icas supernatura is são i m p o r t a n t e s na expressão, in te rp re tação e t r a t a m e n t o

de d i s tú rb ios emoc iona is para u m a e n o r m e p r o p o r ç ã o da popu lação .

T r a b a l h o ap resen tado n o VIo. Congresso Pan Americano de Hipnologia e Medicina Psicossomática, R io de Ja­

n e i r o , 1 2 - 1 7 , m a r ç o , 1 9 7 8 .

Un ivers idade Federa! d o R io Grande d o N o r t e

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Cons iderando o grande n ú m e r o de pessoas que e n t r a m e m t ranse cada d ia neste c o n t e x t o re­

l ig ioso, os estados de t ranse f o r n e c e m u m a p o n t e re ferencia l c o n e c t a n d o os t r a t a m e n t o s ps iqu iá t r i cos

f o r m a l e i n f o r m a l .

Este t r a b a l h o foca l i za o re lac ionamen to en t re os transes m e d i ú n i c o s nos cu l tos brasi le i ros e o

transe h i p n ó t i c o na s i tuação c l í n i c a . Mais espec i f i camente , eu anal isarei o papel d o h ipno te rap i s ta na

t ransladação d o t ranse r i t ua l para d e n t r o da prá t ica c l í n i c a , q u a n d o pacientes t ê m crenças mís t i cas .

A P o l í t i c a M u n d i a l — Q u a n d o o Dr . Mahler , pres idente da Organização M u n d i a l de Saúde f a l o u e m

Bras í l ia , e m se tembro de 1 9 7 7 , ele re i te rou a p o l í t i c a m u n d i a l de saúde f r e n t e à med ic ina t r a d i c i o n a l :

" O recurso à med ic ina t r a d i c i o n a l é u m t e m a p o l é m i c o , que c o m certeza exc i ta rá o exc lus iv i smo f e r o z

dos " i m p e r a d o r e s " da m e d i c i n a ; mas, para que a assistência p r i m á r i a de saúde se r c f l i t a às forças de

v ida da c o m u n i d a d e e se sirva dos recursos locais, h u m a n o s , mater ia is e f i nance i ros — e eu es tou per­

suad ido de que terá que fazê- lo para não fracassar — se t e m de aprove i ta r todas as energias d ispon íve is

para a saúde: a con f iança que a popu lação em m u i t o s lugares t e m na prá t ica médica t r a d i c i o n a l é algo

que não se deve desfazer l ige i ramente . Conv ido ser iamente aos " i m p e r a d o r e s " para i rem às aldeias,

para que ve jam por si mesmos e sejam vistos c o m o s ã o " . ( 2 ) .

Para u m país conseguir f u n d o s ho je , t e m que most ra r que está u t i l i z a n d o t o d o s os recursos para

a saúde do p o v o .

U m recurso i m p o r t a n t e é o sistema i n f o r m a l e t r a d i c i o n a l .

Nos Estados Un idos , o I n s t i t u t o Nac iona l de Saúde Menta l dá a p o i o f i n a n c e i r o para os " M e d i ­

cine M e n " , cu rande i ros en t re os í n d i o s navajos, po rque sabem que f u n c i o n a m m e l h o r c o m a t r i b o que

os médicos oc identa is , e p o d e m ser t re inados para dar uma boa co laboração à med ic ina o f i c i a l ( 3 ) . E m

Nova I o r q u e , vários hospi ta is ps iqu iá t r i cos p r o c u r a m u t i l i za r esp í r i tas c o m os doentes cubanos e por-

t o r i q u e n h o s . ( 4 ) . A l g u n s países p ro f i ss iona l i za ram os sistemas t rad i c iona is . Na í n d i a , p o r e x e m p l o ,

coex is tem a med ic ina oc iden ta l c o m Universidades e hospi ta is que t r e i n a m médicos ind ianos na m e d i ­

cina ayurvéd ica . ( s )

Há alguns e x e m p l o s e m que a med ic ina o f i c i a l p rocu ra in tegrar o s istema i n f o r m a l ; D r . L a m b o

na Nigér ia u t i l i za curande i ros d e n t r o d o seu hosp i ta l ps iqu iá t r i co , ( 6 ) c o m o t a m b é m o Dr . C o l l o m b

no Senegal. ( 7 ) .

A te rap ia M o r i t a , n o Japão, p rocu ra u t i l i za r e lementos de Zen b u d i s m o , a fo ra c o n h e c i m e n t o s

c ien t í f i cos oc identa is e m vár ios t i p o s de neurose e nas s í n d r o m e s " c u l t u r a i s espec í f i cas . " ( 8 ) Médicos

ind ianos c o m b i n a m a Yoga c o m o t r a t a m e n t o clássico para t ra ta r desordens digest ivas, asma c rón i ca ,

d iabetes me l l i t us , e algumas al terações cardiovasculares. (9) A q u i n o Bras i l , Dav id A k s t e i n ( 1 C H 6 )

c r i o u uma técn ica de ps ico terap ia g rupa i , não-verba l , baseada nos transes c inét icos r i tua is da U m b a n d a

( T T T ) . Ele c o m p r o v o u que d u r a n t e os transes c iné t icos os i n d i v í d u o s o b t ê m a l iberação das tensões

emoc iona is represadas, m e l h o r a n d o as cond ições psíquicas e psicossomát icas. Ele se interessa t a m b é m

no p r o b l e m a de se é "poss íve l t rans fo rmar -se o i m p u l s o c o n c e n t r a t i v o m í s t i c o e m u m a possante con ­

centração n o desejo de u m a p e r f e i ç o a m e n t o das qual idades pessoais".

G e r a l m e n t e , aqu i no Brasi l a ps iqu ia t r ia o f i c ia l sempre p r o c u r o u separar-se da med ic ina p o p u ­

lar. É fác i l en tender esta pos ição, cons ide rando o p a r a d o x o e m que nos e n c o n t r a m o s . U m país gasta

m u i t a energia para i m p l a n t a r u m sistema " c i e n t í f i c o " de saúde e, logo e m seguida, a Organização

M u n d i a l de Saúde recomenda que agora se deva va lor izar os recursos que não estão baseados e m fa tos

b io -méd icos ver i f icáveis , mas baseados na f é , nas superst ições, e na magia .

A q u i n o Brasi l e e m m u i t o s o u t r o s países, ps iquiat ras já ace i tam a real idade de que m u i t o s de

seus doentes estão e m t r a t a m e n t o s i m u l t â n e o , ps iqu iá t r i co e j u n t o às seitas esp í r i tas .

É preciso se levar e m c o n t a que as prát icas religiosas p r i n c i p a l m e n t e esp í r i tas , c o m u m e n t e se

inserem na r o t i n a d iár ia de u m a par te considerável da popu lação bras i le i ra .

A popu la r idade da cura m í s t i c a não pode ser subest imada. U m a pesquisa de o p i n i ã o púb l i ca

I 1 7) r e p o r t o u que a metade da popu lação ent rev is tada no R i o e São Paulo aceita a d o u t r i n a da reen­

carnação e 6 0 % t ê m p r o c u r a d o os méd iuns para resolver os seus p rob lemas . Pressel ( 1 8 ) r e p o r t o u que

mais de 5 0 % da popu lação são esp í r i tas , e m b o r a a ma io r ia se r e p o r t a m c o m o catól icas o f i c i a l m e n t e .

Uma pesquisa recente e m N o v a Iguaçu mos t ra que 7 5 % da popu lação não-pro tes tan te é esp í r i t a I19).

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O u t r o s índ ices de popu la r idade inc lu i o Livro dos Espíritas de Allan Kardec, que é mais l ido

que qua lquer o u t r a pub l i cação . ( 2 0 ) A q u i n o Brasi l várias pesquisas, na Bah ia , ( 2 1 ) na Z o n a N o r t e do

R i o , ( 2 ) e m N o v a Iguaçu, ( 1 9 ) e m Caruaru ( 2 3 ) m o s t r a m a pre ferênc ia pe lo sistema i n f o r m a l c o m o

p r i m e i r o recurso de t r a t a m e n t o ; e m o s t r a m a d u p l a u t i l i zação da ps iqu ia t r ia e seitas esp í r i tas .

A g o r a que a ps iqu ia t r ia está se t o r n a n d o mais aberta ao povo nos serviços ambu la to r i a i s , e não

só para a classe a l ta , que é t ra tada no c o n s u l t ó r i o pa r t i cu la r , vai ser m u i t o i m p o r t a n t e que os psiquia­

tras busquem estratégias para c o m p a t i b i l i z a r esses sistemas, cons iderando as grandes discrepâncias

na diagnose, nosologia e t r a t a m e n t o .

Para i lustrar alguns p rob lemas e soluções e m casos onde o d o e n t e está e m t r a t a m e n t o psiquiá­

t r i c o j u n t o c o m a U m b a n d a ou Ka rdec i smo , v o u apresentar t rês casos da prá t ica d o Dr . Dav id

A k s t e i n , que g e n t i l m e n t e t e m me p r o p o r c i o n a d o t o d o s os meios para chegar aos meus ob je t i vos de

investigação aqu i no Brasi l , inclusive a c o m p a n h a n d o a sua prá t ica d iá r ia . Eu observei setenta casos

no seu c o n s u l t ó r i o pa r t i cu la r e m 1976 . V i n t e t i n h a m e n v o l v i m e n t o c o m re l ig ião. Dessas, c inco eram

méd iuns esp í r i tas .

T R É S H I S T Ó R I A S D E C A S O

Caso Um — M a r l y

Mar l y é uma at ra t iva m u l h e r casada, 4 4 anos de idade, que m o r a c o m seu m a r i d o e sua f i l h a e m

u m ba i r ro elegante no R i o . Ela p r o c u r o u o t r a t a m e n t o ps iqu iá t r i co e m jane i ro de 1 9 7 5 , apresentando

s in tomas de depressão causadas por seu m a r i d o , que bebia m u i t o . A m b o s t i n h a m amantes, mas

n e n h u m dos dois q u e r i a m se desqu i ta r .

Mar ly i n f o r m o u ter começado a desenvolver sua med iun idade na U m b a n d a q u a n d o t i n h a 32

anos de idade. Sua exper iênc ia in ic ia l oco r reu no d ia p r i m e i r o de jane i ro depo is da festa de Iemanjá

q u a n d o ela, c o m o mi lhares de brasi le i ros, p a r t i c i p o u d o b a n h o r i t ua l na pra ia , onde m u i t o s deles en­

t r a m em t ranse. Q u a n d o Mar l y v o l t o u para casa, seus pais fa la ram para ela que sua pele f i c o u arrepia­

da, e que ela g r i t o u os nomes de vários o r i xás , m o v e n d o sua cabeça para f r e n t e e para t rás . Mar l y teve

amnésia dos fa tos o c o r r i d o s , du ran te duas semanas. Nessa ocasião sua f a m í l i a c h a m o u u m ps iqu ia t ra

que e m p r e g o u a sonoterap ia .

Sua f a m í l i a i n t e r p r e t o u sua c o n d u t a c o m o o desenvo lv imen to da m e d i u n i d a d e , sendo, por isso,

levada a u m a v i z inha , u m a m é d i u m u m b a n d i s t a . M a r l y f r e q u e n t o u sua casa regu la rmente e m consul tas

par t icu lares e sessões públ icas. T a m b é m , Mar ly es tudou as f i loso f ias Kardec is ta e o r i e n t a l , as quais

fo rneceram- lhe expl icações sat isfatór ias para suas mani festações. Mar l y i n f o r m o u que d u r a n t e os dez

anos seguintes sentiu-se c o m p l e t a m e n t e b e m . Pouco t e m p o antes de consu l ta r o Dr . A k s t e i n , ela co­

meçou a ter visões mís t icas nas sessões e f o r a delas. Q u e i x o u que sentia-se p io r depo is das sessões es­

p í r i t as . Sua f a m í l i a levou-a, e n t ã o , a u m cen t ro Kardec is ta e ela teve uma visão tão ameaçadora , que

d e i x o u de f r e q u e n t a r qua lquer c u l t o .

0 D r . A k s t e i n t ra tou -a c o m a medicação ant i -depressiva, te rap ia ve rba l , re laxação progressiva, e

h ipnose. E',z não f o i uma boa paciente para a h ipnose , o que ele achou ra ro , po rque os méd iuns geral­

mente e n t r a m e m transe h i p n ó t i c o . Por esta razão, o Dr . A k s t e i n suspei tou t ratar-se de u m caso de

esqu izo f ren ia mascarada d e n t r o das prát icas sócio-rel igiosas. N o in te rva lo ent re uma e o u t r a sessão

psicoterápica sof reu uma crise e seu amante fez questão de acompanhá- la , m u i t o p r e o c u p a d o c o m as

visões e as despersonal izações que ela t i n h a na rua e em casa. Mar l y passou então a dar i n te rp re ta ­

ções mís t icas a t u d o o que acontec ia na sua v ida . Ela t i n h a d i f i c u l d a d e de lembrar coisas, descon­

f i a n d o que as pessoas estavam fazendo mal c o n t r a e la. Ela não pôde responder às perguntas d o Dr . ,

e seus gestos estavam f o r a de s incron ia . Nessa ocasião, en tão , A k s t e i n rece i tou medicação ant i -ps i -

có t i ca e Mar l y m e l h o r o u m u i t o .

Hoje ela é a ler ta , a t i va , t e n d o v o l t a d o à sua prof issão de n u t r i c i o n i s t a . Ela v e m ao consu l tó r i o

uma vez por mês, q u a n d o en tão c o n t i n u a a fa lar de seu m a t r i m ó n i o insa t i s fa tó r io .

A k s t e i n r e c o m e n d o u , depois que ela f i c o u l ivre daqueles s in tomas, que ela exper imentasse

vo l ta r a u m cen t ro esp í r i t a para ver se apresentava algumas mani festações med iún icas . Ele acredi ta

que o que ela apresentou eram mani festações pato lóg icas mascaradas e m t e r m o s socio-rel ig iosos e

in terpretadas c o m o f e n ó m e n o s med iún icos por e la, por sua f a m í l i a e seus amigos.

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Caso Dois — R i c a r d o

R i c a r d o , v in te e do is anos de idade, chegou ao c o n s u l t ó r i o d o Dr . aks te in cheio de r i tua is obses­

sivos, abençoando-se c o n t i n u a m e n t e n o ôn ibus e sem c o n t r o l e da m i c ç ã o , enve rgonhando a sua f a m í ­

lia que lhe acompanhava . Ele se escondia n o chão de seu q u a r t o f e c h a d o , recusando t o d o c o n t a t o

socia l , inc lus ive d e i x a n d o de jogar f u t e b o l , que ele adorava.

Esta cr ise, segundo sua f a m í l i a , f o i p rec ip i tada por seu fracasso n o vest ibu lar .

De ixou-se , a pa r t i r d a í , de estudar . T o d a v i a , logo, ao mesmo t e m p o e m que c o m e ç o u a tera­

pia ps iqu iá t r i ca R i c a r d o passou a fazer u m curso de da t i l og ra f i a , que funcionou c o m o u m a d is t ração

o u labor te rap ia . Na mesma época , t a m b é m , ele c o m e ç o u a f r e q u e n t a r um c e n t r o Umband is ta -Karde -

cista duas vezes por semana, por recomendação de u m a v i z i n h a , que i n t e p r e t o u seu c o m p o r t a m e n t o

c o m o der i vado de causas esp i r i tua is . R i c a r d o não a c h o u nada i n c o m p a t í v e l ser assistido por esses do is

sistemas te rapêu t i cos s i m u l t a n e a m e n t e . Ele a c r e d i t o u que sua doença f o i causada por u m a en t idade

que d a n i f i c o u sua cabeça, e en tão ele prec isou de u m ps iqu ia t ra para curar sua cabeça (sic).

R i c a r d o teve uma boa m e l h o r a c o m uma medicação ans io l í t i ca e ant i -depressiva, mais relaxa­

ção e ps ico terap ia verba l . A t u a l m e n t e está levando uma v ida social n o r m a l e j o g a n d o f u t e b o l ; está

es tudando para fazer o vest ibu lar n o v a m e n t e .

Ele c o n t i n u a a assistir às sessões no cen t ro esp í r i t a u m a vez por semana " p a r a t o m a r passes".

Devo esclarecer que o Dr . A k s t e i n não enco ra jou essa par t i c ipação in tensiva na seita esp í r i t a po rque

ele ac red i t ou que seu paciente poss ive lmente ir ia subs t i tu i r o c o m p o r t a m e n t o obsess ivo-compuls ivo

p o r r i tua is espí r i tas igua lmente de f o r m a obsessiva-compuls iva. R ica rdo e sua f a m í l i a co r re lac ionaram

suas melhoras mais à a juda esp i r i tua l d o que ao t r a t a m e n t o ps iqu iá t r i co .

Caso Três — Gladis

Gladis é u m a a t ra t i va m e l h o r casada, c o m t r i n t a e nove anos de idade, que apresentou s in tomas

c o m o , ton te i ras , náuseas e m e d o de sair soz inha à rua . Por isso, ela estava sempre acompanhada de

seu m a r i d o , F e r n a n d o , ou p o r sua f i l h a , S ô n i a , de doze anos de i dade.

Depois de consu l ta r vários especialistas ( c l í n i cos , o f t a l m o l o g i s t a e o t o r r i n o l a r i n g o l o g i s t a ) , ela

c o n c o r d o u e m ver u m ps iqu ia t ra , c o m re lu tânc ia , p o r q u e não acredi tava que seus s in tomas t ivessem

causas psicológicas.

Gladis é u m a m é d i u m u m b a n d i s t a . Ela usa v in te e uma pulseiras de prata e m seu braço e fa la

dos r i tua is que faz d ia r i amen te para pro teger a ela e a sua f a m í l i a .

A n t e s de começar a te rap ia ps iqu iá t r i ca , ela disse que seus Caboclos lhe avisaram para de ixa r

a sua prá t ica m e d i ú n i c a , a qua l ela faz ia e m sua p r ó p r i a casa, c o m u m a grande c l ien te la . Os guias lhe

disseram que ela estava m u i t o cansada p o r estar recebendo bastante c l ientes, mu i tas vezes a no i te

t o d a , sem recompensa.

O u t r o p r o b l e m a que ela re la tou f o i sua hos t i l i dade para c o m sua mãe, que m o r a n u m a casa e m

f ren te e que o lhava t u d o o que ela fazia através da janela .

Gladis se c o m p o r t a v a t i m i d a m e n t e , subord inando-se à seu m a r i d o . Ela i m p u n h a pouca d isc i ­

p l ina à sua f i l h a , ma lc r iada , h ipe ra t i va , que sempre i n t e r r o m p i a a sessão ps ico te rapêu t i ca .

O Dr . A k s t e i n a t r a t o u c o m medicação n o r m a l i z a d o r a d o e q u i l í b r i o neurovege ta t i vo e ansio­

l í t i c a , a lém de ps icoterap ia verba l , técnicas h ipnó t i cas de re laxamen to e dessensibi l ização s is temát ica.

Na sua técn ica de re laxamen to ele pede à pac iente para se concen t ra r e m cada par te de seu c o r p o ,

de b a i x o para c i m a , p r i m e i r o fazendo-o tenso e depo is a f r o u x a n d o - o . Depo is ele dá sugestão de b e m -

estar e, p o s t e r i o r m e n t e , ensina a pac iente a fazer o r e l a x a m e n t o de i t ado e m sua cama, e m sua casa;

mais ta rde é ens inado a fazê- lo , de m o d o mais parc ia l , sentado, e m pé, o u q u a n d o precisar. A técn ica

de dessensibi l ização e m casos c o m o os de f o b i a p rocu ra fazer o pac iente visualizar-se na s i tuação

f ó b i c a e, e m seguida, d a n d o sugestões de b e m estar para e l im ina r a angúst ia . O paciente dessensibi l iza

o m e d o g radua lmente depois de várias sessões.

Gladis m e l h o r o u , mas sua t o n t e i r a e f o b i a de sair à rua não desapareceram c o m p l e t a m e n t e .

A k s t e i n , e n t ã o , c o m e ç o u a encorajá- la para vo l ta r às prát icas med iún icas .

D u r a n t e uma consu l ta ele, quase b r i n c a n d o , a g i r o u c o m a cabeça co locada n u m a posição an t i ­

n a t u r a l , para t rás, uma técn ica de i ndução t í p i c a da U m b a n d a . Gladis e n t r o u e m transe m e d i ú n i c o , o

que nunca o c o r r e u a n t e r i o r m e n t e q u a n d o ela f o i submet ida à induções h ipnó t i cas segundo técnicas

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clássicas. D u r a n t e as seguintes sessões, q u e f o r a m gravadas, Glad is f o i i nco rpo rada por onze das v in te

e sete en t idades que ela recebe.

A k s t e i n conversa c o m o f o r t e e agressivo Caboc lo B o i a d e i r o , ped indo- lhe para a judá- lo no seu

t r a b a l h o de me'dico e ped indo - lhe t a m b é m para a judar o seu cavalo, " o qua l é m u i t o sensível , c o m

m u i t o s p rob lemas fami l ia res e f a t i g a d o por m u i t o s t raba lhos de c a r i d a d e " . A k s t e i n pede às ent idades

para protegê- la q u a n d o sair à rua e aceita g e n t i l m e n t e as obr igações e os passes. O m a r i d o se t o r n a seu

aux i l i a r , o cambono, e recebe u m tapa na tes ta , d o caboc lo , po rque não deu su f ic ien te atenção à

Gladis. O caboc lo d iz ia à Sôn ia para se p o r t a r b e m e estudar na escola. Sôn ia mos t ra en tão m u i t o res­

pe i to e aceita a d isc ip l ina dos guias espi r i tua is . Glad is parece sair d o t ranse, mas recebe o u t r a e n t i d a ­

de , u m E x ú . Essa en t idade x i n g a , bebe cachaça, dá u m a " c a n t a d a " n o Dr . A k s t e i n , é re laxan te , e t o d o

0 m u n d o acha graça.

Gladis t a m b é m recebeu Pretos Ve lhos e Cr ianças.

Discussão:

Q u a n d o ps iqu ia t ras u t i l i z a m l inguagem esp i r i tua l is ta e t ranse de possessão, os prof iss ionais mé­

d icos não-espí r i tas vêm is to c o m o não-é t i co . Is to é lamentáve l , p o r q u e estes p reconce i tos ev i tam o uso

de u m dos mais i m p o r t a n t e s recursos para o pac ien te , isto é, a hab i l idade para en t ra r e u t i l i za r o

p r o c e d i m e n t o d o t ranse. A k s t e i n , conhecedor da h ipnose e u m es tud ioso d o t ranse r i t ua l p o r mais de

v in te e c inco anos, i l u s t r o u , através destes casos, que a h ipnose fo rnece uma ad ic iona ! opção pa ra :

1 — d i fe renc ia r s índ romes patogênicas de s í n d r o m e s pa top lás t i cos ;

2 — desenvolver o c r i t é r i o adequado para r e f e r i m e n t o ao sistema f o r m a l ;

3 — e n c o n t r a r as técnicas te rapêut icas mais adequadas para os pacientes esp í r i tas .

1 — A hipnose como ajuda para diferenciar os síndromes patogênicos dos síndromes patoplás­

ticos — A s a luc inações mís t i cas são s in tomas chaves da esqu izo f ren ia . Pa radoxa lmen te , são b e m valo­

rizadas d e n t r o da "v isão d o m u n d o " Ca tó l i co L a t i n o . A h is tó r ia d o Cr is t ian ismo t e m nos mos t rado

is to, através dos mi lagres, curas pela fé e pelas en t idades sobrenatura is .

Cons iderando esta real idade, os ps iquiat ras t ê m o p r o b l e m a de d i fe renc ia r as a luc inações p a t o l ó

gicas das condu tas aceitáveis c u l t u r a l m e n t e . M a r l y e Gladis r e p o r t a r a m que e ram méd iuns . A l é m d o

q u a d r o c l í n i c o , A k s t e i n u t i l i za o c r i t é r i o seguinte: se o pac ien te , que t e m a luc inações, não en t ra e m

transe h i p n ó t i c o , isto c o n f i r m a u m d iagnós t i co de esqu izo f ren ia o u de falsa m e d i u n i d a d e . A h ipnose

e l im ina a barre i ra da consciênc ia e p e r m i t e que o " e u v e r d a d e i r o " apareça. E n t ã o , se o paciente que

se d iz m é d i u m não en t ra e m transe apesar dos e s t í m u l o s associados c o m a exper iênc ia r i t u a l , en tão ,

devemos considerar que o t ranse representa u m o u t r o c r i t é r i o para d i fe renc ia r pa to log ia de c o n d u t a

c o m padrão c u l t u r a l .

A k s t e i n reconheceu que M a r l y mascarou u m a psicose e m t e r m o s sócio-rel ig iosos, usando os

seguintes i n d í c i o s : ela que ixou-se de sent i r p io r depo is d o t ranse em cent ros esp í r i tas , o c o n t r á r i o

de todas as exper iênc ias que A k s t e i n havia t i d o c o m o u t r o s casos que t ê m m o s t r a d o que o t ranse

t raz ao m é d i u m u m e q u i l í b r i o b io-ps ico-soc ia l . Glad is , por o u t r o lado , e n t r o u t a n t o e m transe h ip ­

n ó t i c o c o m o e m m e d i ú n i c o f a c i l m e n t e e sentia m e l h o r depo is . Mar l y nunca e n t r o u e m transe h ipnó ­

t i c o e n e m n o t ranse c iné t i co da T T T . Precisamos iden t i f i ca r mais c r i té r ios através da d o c u m e n t a ç ã o

de casos.

2 — Desenvolvendo o critério para referimentos ao sistema informal.

Depois de acertar u m d iagnós t i co t e m o s que i den t i f i ca r c r i té r ios sobre quais casos podemos

t i ra r bene f í c i os d o sistema i n f o r m a l . Ex is te uma d i fe rença de o p i n i ã o sobre quais casos p o d e m se

aprove i ta r d o esp i r i t i smo . Eugene B r o d y ( 2 S ) p o r e x e m p l o , r e p o r t o u que " o t r a t a m e n t o não-méd i -

co pode só at rapalhar o t r a t a m e n t o p s i q u i á t r i c o , resu l tando na c ron i f i cação de d o e n t e esquizof ré­

n ico e a lcoo l i s ta . M u i t o s o u t r o s ps iqu ia t ras não t ê m o mesmo p o n t o de v is ta . Os bene f í c i os e os per i ­

gos da par t i c ipação das seitas esp í r i tas e m d i fe ren tes etapas das doenças nervosas não t ê m sido quase

estudados.

E m var iados casos, A k s t e i n t e m encora jado a par t i c ipação no esp i r i t i smo. N o caso de Gladis,

c o m a cond i ção de que ela fizesse a l im i tação d o t e m p o de seu t r a b a l h o m e d i ú n i c o , para ev i tar o can-

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saco que ela sent iu a n t e r i o r m e n t e . Para a judar a canal izar esta pac iente d e n t r o d o esp i r i t i smo ,

A k s t e i n conv ido-a para a judar o u t r o pac iente e s p í r i t a , dando- lhe , assim, p res t íg io .

N o caso de R i c a r d o , u m a personal idade obsess ivo-compuls iva, A k s t e i n não pôde p r o i b i r suas

at iv idades esp í r i tas , mas através de l inguagem estratégica ele l i m i t o u sua par t i c ipação , para que ele

não subst i tuísse r i tua is obsessivos por r i tua is rel ig iosos. T o d a v i a , A k s t e i n acred i ta que na crise o c u i t o

deu a p o i o à R i c a r d o , u t i l i z a n d o uma l inguagem que ele pode compreender . N o caso de M a r l y , A k s t e i n

acred i ta que q u a n d o uma doença não está na fase c r í t i c a e pode ser absorv ida pelo c u l t o , ele não

p r o í b e a assistência. A s s i m , A k s t e i n sugeriu duas hipóteses para o d iagnós t ico de la . Que ela demons­

t r o u sua doença depois que ela d e i x o u de par t i c ipa r das sessões, po rque ela não pôde canal izar seus

s in tomas d e n t r o de u m m e i o sóc io -cu l tu ra l , o u que ela e n t r o u e m u m a etapa mais séria de sua doença .

Precisamos pesquisar quais os casos que m e l h o r a m e os que p i o r a m nos centos esp í r i tas .

3—A hipnose permite o emprego de técnicas mais adequadas com os pacientes espíritas.

C o n f o r m e Lassa e R u b i n de P i n h o ( 2 6 ) "nossa exper iênc ia t e m m o s t r a d o que os t r a t a m e n t o s

méd icos convenc iona is não levam à resul tados pos i t ivos q u a n d o o pac iente t e m as mani festações má-

gicas-religiosas de doença c o m o os t ranses, os êxtases, encarnações e out ras mani festações e s p í r i t a s " .

Parece que a h ipnose oferece u m a p o n t e referencia l p e r m i t i n d o ao te rapeu ta aprove i ta r u m re­

curso i m p o r t a n t e d o p r ó p r i o pac ien te , sua capacidade de en t ra r e m t ranse. A k s t e i n u t i l i z o u o t ranse

m e d i ú n i c o de Gladis para f ac i l i t a r ma io r c o m u n i c a ç ã o , re forçar suas sugestões, receber mais i n f o r m a ­

ções, e m o b i l i z a r todas as facetas de sua personal idade. U t i l i z a n d o o t ranse m e d i ú n i c o de seus pacien­

tes, ele apl ica u m a técn ica ps icoteráp ica de dois m o d o s : 1) pede à en t idade esp í r i t a ( c a b o c l o , p r e t o

ve lho , etc.) que dê a p o i o , que o r ien te e que aux i l ie ao seu cavalo no t r a t a m e n t o ; 2) e m segunda ins­

tânc ia , pede à en t idade que lhe aux i l i e n o t r a t a m e n t o de seu cavalo.

Ana l isare i ( 2 7 ) a m e d i u n i d a d e c o m o u m processo de re-síntese, onde d u r a n t e o t ranse os ind i ­

v í d u o s f u n c i o n a m em m ú l t i p l o s n íve is de consc iênc ia , i n t e r r o m p e n d o associações habi tua is sem as l i ­

mi tações própr ias dos padrões da a t iv idade consc ien te , e p e r m i t i n d o aprend izagem v ivenc ia l , não

t a n t o i n te lec tua l , e p r o p i c i a n d o a reest ru turação da personal idade. Desempenhando var iados papéis

d e n t r o de sua prá t ica m e d i ú n i c a , t e m o s v is to c o m o os méd iuns t ê m o p o r t u n i d a d e s de resolver p rob le ­

mas em u m n íve l s i m b ó l i c o .

V i v e n c i a n d o o u t r o s " e u s " desempenhando papéis de E x ú , Preto V e l h o , o u Caboc lo , p e r m i t e

que os " e u s " possam contemplar -se d u m a perspect iva mais a m p l a , f u n c i o n a n d o e m m ú l t i p l o s n íveis

de consc iênc ia , o c o r r e n d o assim, uma verdadei ra dessensibi l ização das crises emoc iona is . Os ind iv í ­

duos, en tão , conseguem m a i o r c o n t r o l e sobre os " e u s " a l te rnados consegu indo assim a judar aos que

os p r o c u r a m ; são personal idades sociais ad ic ionais mant idas d e n t r o d o m e i o esp í r i t a , e sua atuação

t e m grande i m p o r t â n c i a nas decisões de m u i t a gente.

Essas soluções gera lmente são mostradas através dos desempenhos s imbó l i cos que podemos ver

t raduz idos na v ida o r d i n á r i a . A nossa análise das gravações a p o i a m esta i n te rp re tação . Observamos que

mu i tas das condu tas , as quais Gladis p r i m e i r o expressou n o t ranse m e d i ú n i c o — a f o r ç a , a agressivida­

de, a l iberação f e m i n i n a — f o r a m expressadas na te rap ia fe i ta f o r a do t ranse, e f o r a m depois t r a d u z i ­

das e m sua v ida o r d i n á r i a . Ela f o i capaz de sentir-se f o r t e para sair soz inha , para expressar suas insatis­

fações c o m respei to a seu m a r i d o , para d isc ip l inar a sua f i l h a e para reconhecer que sua t o n t e i r a estava

re lac ionada c o m sua f o b i a . E n c o r a j a n d o o transe m e d i ú n i c o , A k s t e i n p e r m i t i u que fosse u t i l i zada uma

exper iênc ia i m p o r t a n t e na v ida de sua paciente e pe rm i t i u - l he u m d iá logo c o m seus " e u s " a l te rna t ivos .

D o mesmo m o d o , os psicólogos humanis tas e os ps iquiat ras u t i l i z a m a imaginação a t iva , as f a n ­

tasias d i r ig idas, a h ipnos ín tese , " r e d r e a m i n g " , ensaio, e ou t ras técnicas que empregam o c o n d i c i o n a ­

m e n t o da imagem para cu l t i va r as mudanças da personal idade e a ps icos íntese. A h ipnose p r o p o r c i o n a

uma pon te re ferencia l para os pacientes espí r i tas se expressaram, pois que m u i t o s dos f e n ó m e n o s es­

p í r i tas são rep roduz íve i s na h ipnose, e se o paciente já t e m capacidade de u t i l i za r o t ranse, en tão o

ps iqu ia t ra poderá to rná - l o u m grande recurso t e r a p ê u t i c o .

4 4

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Modelo Universal da Interação Psicoterapêutica — Q u a n d o os ps iqu ia t ras brasi le i ros p r o c u r a m u t i ­

l izar a l inguagem e os s í m b o l o s r i tua is , o u o t ranse m e d i ú n i c o e m seu c o n s u l t ó r i o , a ps iqu ia t r ia o f i c ia l ,

poderá ver nisso uma si tuação c o n t r a a é t ica méd ica " c i e n t í f i c a " . Mas, se nós anal isarmos a c o m u n i ­

cação e m qua lquer in teração ps ico terapêut ica u t i l i z a n d o a c iênc ia l i n g u í s t i c a , poderemos cons t ru i r

|2 8-2 9 | u m m o d e l o de es t ru tu ra básica e universal da ps ico terap ia .

Estamos empregando esta análise c o m as gravações dos casos c i tados . P r i m e i r o , terapistas iden­

t i f i c a m a exper iênc ia v ivencia l t o t a l dos doentes . Os seres h u m a n o s c r i am mapas o u representações de

seu m u n d o . Esses mapas servem para guiar sua c o n d u t a e para predizer a c o n d u t a dos o u t r o s . Segun­

d o , os terapistas desaf iam os mode los dos doen tes , empregando os mesmos e lementos da c o n d u t a de­

les. Parece u m p a r a d o x o , p o r é m oferece m e n o r chance de resistência por par te d o paciente.

0 te rce i ro e l e m e n t o daque la es t ru tu ra básica da c o m u n i c a ç ã o é que os doentes p o d e m :

a) cr iar novas est ru turas de referência o u ;

b) canal izar sua c o n d u t a n u m a área sem se c o n t r a p o r c o m sua v ida m u n d a n a (po r e x e m p l o , encora jar

a prá t ica m e d i ú n i c a ) .

U m as tu to te rap is ta c o m o A K S T E I N , arranja as c i rcunstânc ias que f a c i l i t a m a recept iv idade do pa­

c iente a suas associações in ter io res , a suas destrezas menta is mu i tas vezes expressadas nos transes de

possessão.

Para t e r m i n a r gostar ia de abordar a lgumas l inhas de pesquisa através de estudos dos casos e m

t r a t a m e n t o ps iqu iá t r i co e popu la r .

1 - Estratégias ps icoterapêut icas dos ps iquiat ras inovadores que f a z e m a l igação en t re sistemas

a l te rnat ivos de cura . Por e x e m p l o , as relações en t re o t ranse m e d i ú n i c o e ou t ras terapias populares ,

b e m c o m o seu e n t r o s a m e n t o c o m a h ipnose c l í n i c a e ou t ras técnicas ps icoterápicas.

2 — Espécie de f o r m a ç ã o , t r e i n a m e n t o e exper iênc ia ú t i l ao p ro f iss iona l para a u m e n t a r sua e f i ­

cácia te rapêu t i ca .

3 — Es t ru tu ras organizac ionais , sistemas de referências, e relações cooperat iv is tas en t re p ra t i ­

cantes prof iss ionais méd icos e não-méd icos .

4 — A t i t u d e s , crenças e o u t r o s fa to res cu l tu ra is i m p o r t a n t e s para in f l uenc ia r essas técnicas.

5 — A s congruênc ias e c o n f l i t o s na d iagnose, e t i o l o g i a , nosologia e prát icas de sistemas comp le ­

mentares de c u r a .

B I B L I O G R A F I A C I T A D A

1 R e p o r t o f a c o n s u l t a t i o n o f t r a d i t i o n a l m e d i c i n e , W H C , Genebra , 2 6 - 2 8 , abr i l 1 9 7 6 .

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45

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