9

Click here to load reader

O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural The videogame as sociocultural convergence media

André L. Battaiola, Deise Albertazzi, Marcos N. Beccari, Tiago L. Oliveira

Cultura da Convergência, Geração X, Rock Composer, Videogames Interativos Este artigo apresenta um recorte proveniente do projeto ‘Rock Composer’, um game concept

desenvolvido na disciplina de Design de Entretenimento (Mestrado em Design UFPR) destinado à criação e ao compartilhamento de músicas de rock’n roll. A ênfase deste trabalho concentra-se nas dimensões histórica e sociocultural do videogame enquanto mídia de convergência, conforme descrito por Jenkins (2008), em um determinado contexto histórico e cultural denominado ‘Geração X’ (Strauss; Howe, 1991). Por meio de uma pesquisa bibliográfica básica, destacamos a mudança de comportamento que tangencia a história dos videogames e da própria indústria cultural. Por fim, apresentamos a proposta do ‘Rock Composer’ como uma forma de explorarmos a noção de convergência no design de jogos. O propósito deste breve estudo, portanto, se resume à apresentação de um modelo de convergência direcionado ao design de jogos no cenário midiático contemporâneo. Cultural Convergence, Generation X, Rock Composer, Interactive Videogames This article presents a part of the project ‘Rock Composer’, a game concept developed in the discipline of Design and Entertainment (Master in Design UFPR) directed to the creation and sharing of songs of rock and roll. The emphasis of this work focuses on historical and socio-cultural dimensions of the game as convergence media, according to description of Jenkins (2008), in a particular historical and cultural context called ‘Generation X’ (Strauss, Howe, 1991). Through a basic literature review, we highlight the change in behavior that touches the history of video games and the culture industry itself. Finally, we present the proposal of the 'Rock Composer' as a way of exploring the notion of convergence in game design. The purpose of this short study, therefore, boils down to the presentation of a convergence model directed at game design in contemporary media scenery.

1 Introdução

Juntamente com o cinema, a música, o teatro e a literatura, os games fazem parte de uma série de atividades buscadas pelo homo ludens como meio de entretenimento. Os jogos eletrônicos, consoles ou simplesmente videogames, entre outras designações, são um dos mais difundidos meios de entretenimento audiovisual e interativo do planeta. A diferença entre os games e os outros meios de entretenimento reside principalmente na ação desempenhada pelo jogador: enquanto o game é um entretenimento participativo e interativo, os outros meios de entretenimento são passivos, ou seja, apresentam a situação, mas não possibilitam a intervenção (Adams; Rollings, 2007).

Muitas vezes criados por jovens para jovens, os games hoje também são produzidos por adultos e para adultos, com as mais diversas variações quanto se possa imaginar. Evoluindo de uma estrutura básica, que reunia códigos de programação simples (linguagem de máquina) que reagiam aos comandos de um jogador de modo mecânico e rudimentar, os videogames se tornaram uma mídia de entretenimento de experimentação artística refinada. O aumento considerável do comércio de microcomputadores no mundo todo que marcaram os últimos quinze anos emancipou os videogames como novos agentes da indústria cultural (Curi, 2006), isto não apenas por se tratar de um entretenimento eletrônico que entrou em convergência com os diversos meios de comunicação, mas principalmente porque ‘os consoles que outrora apenas faziam funcionar os jogos, hoje permitem a reprodução de vídeos e músicas em diversas plataformas digitais’ (op. cit. p. 14).

Huizinga (2000) apresenta o conceito de círculo mágico como um mundo fechado e temporário em que se respeitam regras específicas. Este conceito é usado nos jogos, caracterizados por um mundo com regras próprias, em uma limitação do mundo real, em que

Page 2: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

tempo e espaço são diversos deste. Diversos círculos mágicos foram criados ao longo da história do homem e do videogame. Por três gerações, os círculos mágicos representaram mundos idealizados, rebeldia, causas ou a ausência delas. A sociedade culminou na Geração X, e foi respeitando os desejos desta que o jogo-conceito Rock Composer foi desenvolvido. As próximas seções discursam sobre a história e a cultura da sociedade e dos videogames, permitindo a compreensão de como surge um jogo específico para uma geração, tal como o Rock Composer.

2. Do medo do botão à ausência de causa: as gerações do videogame e da

sociedade

A sociedade já utilizou formas, cores, sons e ações para se expressar através da literatura, música, teatro e tantas outras manifestações artísticas. Quando na década de 50 surgem os videogames, uma nova possibilidade se apresentava para uma sociedade que buscava falar sobre seus medos e desejos. ‘Os jogos falam muito sobre a época em que foram criados’ (Bushnell in Discovery Channel, 2007). Como forma de expressão, desde os anos 50 o videogame percorreu três gerações em um caminho trilhado a partir da história do homem.

Na década de 50, a Guerra Fria propiciou o desenvolvimento de tecnologia computadorizada para simular o lançamento de mísseis de combate. O homem iria se aprofundar nesta simulação de realidade e com isso surgiram os primeiros jogos, que, segundo Jenkins (in Discovery Channel, 2007), seriam a expressão do medo coletivo. Inicialmente, esse medo era representado de maneira implícita em jogos casuais, tais como o Pong e o Space War, os quais eram jogados apenas como passatempos e não apresentavam enredos narrativos, heróis ou vilões. Trata-se aqui da primeira geração dos videogames, uma geração do ‘medo do botão’ que refletia a falência da credibilidade depositada no discurso moderno, isto é, das estruturas ideológicas sólidas que começavam a ruir.

De acordo com Strauss e Howe (1991), a Geração Baby Boomer, nascidos entre 1943 e 1960, seria não apenas a primeira geração que cresceu em frente à TV, mas também aquela que vivenciou a primeira geração dos videogames. Strauss e Howe (1991) explicam que as gerações surgem em quatro ciclos, começando com uma geração idealista, passando para uma reativa, seguida de uma geração com consciência cívica e, finalmente, chegando a uma geração de adaptação passiva que, mais uma vez, direciona para uma geração idealista. Os Baby Bommers representam o ciclo idealista, configurando uma das gerações mais ativas e menos egoístas de todos os tempos (op. cit.). Sua luta contra a injustiça criou os movimentos feminista e de defesa dos direitos civis, além dos protestos contra a Guerra do Vietnã. A adolescência era cultuada em paralelo ao crescente ceticismo às autoridades, sendo este um contexto favorável ao surgimento do denominado rock and roll com artistas como Elvis Presley, Little Richard, Buddy Holly e, posteriormente, Bob Dylan, Beatles, Rolling Stones e The Who.

A segunda geração dos videogames é marcada pela queda do muro de Berlim e dos paradigmas modernistas e tradicionalistas, pelo movimento jovem da contracultura e, consequentemente, pela fragmentação ideológica, ainda que logocêntrica (baseada em ideais centrais). Com a possibilidade de explorar tramas narrativas, os videogames resgatavam e invertiam os valores éticos e morais, com o surgimento dos anti-heróis nos videogames (como Leisure Suit Lerry e Sonic) e dos denominados God Games, jogos onde os jogadores utilizam poderes divinos para influenciar diretamente uma população de adoradores (como Populous e Black and White). A segunda geração dos videogames, também vivenciada pelos baby boomers, aborda o espetáculo, definido por Kellner (2006) como os fatos do dia a dia, notícias, eventos e conflitos da vida político-social que chegam até nós através dos meios midiáticos de maneira exacerbada e fragmentada. O espetáculo é evidente nos games da segunda geração, tendo os tecno-espetáculos moldado os contornos e as trajetórias da sociedade e o desenvolvimento de novos games, principalmente os de luta e de guerras.

A indústria dos videogames percebeu o quanto os efeitos especiais, universos alternativos, sons inusitados e explosões surtiam efeito cativante na população. Mais importante que isso, os produtores perceberam algo que seria decisivo no sucesso de um videogame: a necessidade de um representante humano (herói ou personagem carismático) e de uma narrativa. Anteriormente, essa preocupação não existia por conta dos limites tecnológicos de

Page 3: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

representar o jogador no videogame. Com o surgimento de personagens mais elaborados, elevou-se a identificação entre jogador e estes, auxiliando o processo de imersão no mundo virtual. Seguindo este raciocínio, os videogames começaram a se parecer cada vez mais com filmes, possuindo história, narrativa, gênero, serialidade e suspense. A percepção dos baby bommers tornava-se mais efêmera e fugidia, seguindo a própria fragmentação das informações e o ritmo frenético oferecido pelas mídias e pela sociedade. O ser humano foi adquirindo uma capacidade de vivenciar e assimilar diversas informações simultaneamente. A fragmentação e os espetáculos nas mídias e nos videogames aumentavam de acordo com a variedade de ideologias e produtos que surgiam.

Finalmente, a terceira geração dos videogames condiz com a adolescência da Geração X, pessoas nascidas após a Segunda Guerra Mundial, entre 1961 e 1979 (Strauss; Howe, 1991). Embora os valores modernistas anteriores sejam negados (fase reativa do ciclo, op. cit.), nota-se a ausência de uma ideologia central, ocorrendo uma apatia social por conta de um conformismo situacional. A Geração X caracteriza-se, pois, pelo ‘não ter contra o quê lutar’: tudo é questionado e polemizado, mas dificilmente há a preocupação de solucionar os problemas. É considerada uma ‘geração perdida’, conformada com um padrão de vida mais realista e consumista em pleno período de guerra fria. Não foi uma revolução, mas sim uma rebeldia (aparentemente) sem causa. Não se propõe mais o ‘como deveria ser’, apenas se relata o que ‘de fato é’.

Segundo Wilson (2005), a geração X é considerada mais cínica se comparada a dos Baby Boomers, pois cresceu com uma nova realidade social: filhos de pais separados, os quais passavam a maior parte do dia trabalhando fora de casa, assistiram ao início da decadência dos antigos padrões sociais e, encorajados pela educação televisiva, não tinham medo de ‘jogá-los para o alto’. Se essa rebeldia se propunha a incomodar as pessoas, é porque a inteligência das pessoas não era mais desprezada (op. cit.). Ninguém queria ser ‘passivo’, mesmo sem ter contra o quê lutar, e justamente por isso havia tanto valor atribuído ao grunge (estilo musical de bandas como Nirvana, Sonic Youth, My Bloody Valentine etc.), ao consumismo per se, MTV (Music Television), Beavis and Butthead, Dogma 95 no cinema etc. Neste contexto, os jogos que mais representam a terceira geração possuem interface em primeira pessoa, a qual se caracteriza por uma visão em perspectiva que exibe apenas o que os olhos do avatar do jogador enxerga. Exemplos de jogos com este tipo de interface são: o fliperama Battlezone (Atari) e os videogames Flight Simulator (Microsoft) e Rescue of Fractalus (Lucas Arts) e, em especial, os denominados FPS (first person shooter), tais como, Castle Wolfenstein 3D, Doom e America’s Army.

Enquanto que os jogos em primeira pessoa expressavam o desejo por escapismo e imersão, outros apostavam na reapropriação de fatos contemporâneos com um ‘ar’ de banalidade. Alguns exemplos de games que simulam e banalizam os fatos da realidade são: JFK reloaded (2004), que reconstrói detalhadamente o momento do assassinato do ex-presidente norte-americano J.F. Kennedy e permite ao jogador atirar em sua cabeça; Game Border Patrol, cujo objetivo é matar imigrantes mexicanos que tentam cruzar a fronteira dos Estados Unidos ilegalmente; Case Manager, que permite administrar um campo de concentração nazista; Super Columbine massacre RPG (2005), que retoma o massacre ocorrido em abril de 1999 na escola em Columbine, EUA.

As influências ética e moral dos videogames no comportamento humano e social são manifestadas sob a forma de espetáculos que reconstroem e geram um modelo de realidade, colocando em voga determinados valores e condutas. Estes espetáculos remontam modos de celebrar valores que são modelados dentro da indústria de entretenimento, contrapondo muitas vezes a opinião pública da opinião do estado ou da elite intelectual. Os videogames também passaram a adotar o suspense de caráter trágico (não mais dramático), caracterizado pela ausência de solução ou condição de vitória, reforçando o realismo e a empatia comportamental para o desenvolvimento de uma serialidade sem fim dentro do próprio jogo. Era preciso criar uma relação mais íntima do expectador para com o jogo, inseri-lo no jogo tal como em um filme. Como solução, foram adotadas várias técnicas de narrativa cinematográficas, criando o suspense trágico que sustenta a relação. Cenas de filmes em computação gráfica começaram a ser adicionadas ao jogo em momentos estratégicos, enquanto muitos videogames deixaram de ter um desfecho pré-determinado, permitindo possíveis continuações e simulando a própria falta de desfechos da vida real.

Page 4: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

3. Técnicas de Concepção do Jogo

Para a concepção do jogo foi usada a técnica criativa denominada GameGame, criada por Järvinen (2007), que é um jogo para criar jogos. Grupos disputam entre si para agradar o investidor que, aprovando ou reprovando as ideias apresentadas pelos grupos, investe ou não nelas. As ideias do grupo devem ser guiadas de acordo com as cartas (figura 1) que os mesmos obtêm durante o jogo. (Cf. Järvinen, 2007). O GameGame pode ser considerado, portanto, uma técnica interativa de brainstorming.

Figura 1: Cartas adotadas pelo grupo durante o GameGame realizado em 15 out. 2010 (Copyright by Järvinen, 2007).

Fonte: arquivo pessoal.

Após ser aplicado o GameGame, foi utilizada uma nova técnica criativa, a Caixa Morfológica. Está técnica consiste na realização de combinações entre elementos de uma tabela (Zingales, 1978), cuja intenção é justamente possibilitar a geração de novas ideias. Esta técnica permitiu, a partir dos aspectos levantados durante o GameGame, gerar novas ideias. Posteriormente, buscou-se refinar, aprimorar e delimitar as ideias previamente geradas, com o intuito de clarificar aspectos e características do jogo. Os elementos da caixa morfológica foram separados nos seguintes grupos: manipulação, personagem, metas, pontuação, progressão e bônus (figura 2). Com o auxílio das técnicas de criatividade mencionadas anteriormente foi possível desenvolver a concepção do Rock Composer.

Page 5: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

Figura 2: Aplicação da Caixa Morfológica. Fonte: arquivo pessoal.

Mecânica do Jogo

A Mecânica do Jogo define o que o jogador deve fazer. Neste caso, ele deve criar uma composição musical. O estilo musical escolhido foi o rock, já que este jogo seria uma espécie de continuação, ou mesmo um novo projeto, da série Rock Band (Eletronic Arts), que já possui em sua linha títulos como Beatles Rock Band e Green Day Rock Band. Nestes jogos, porém, o jogador tem apenas a função de executar as músicas com um determinado instrumento. O jogo proposto se diferencia pelo fato de possibilitar ao jogador compor as músicas, além de também executá-las.

O jogador poderia seguir uma carreira de compositor ou apenas executar alguma música já existente – de sua própria autoria ou de outro compositor que tenha compartilhado sua música. Assim, o jogo tomaria proporções semelhantes ao Rock Band, com a diferença que as músicas seriam não apenas de artistas pertencentes ao main stream. O jogador optaria por compor a música em todos os seus aspectos, ou seja, utilizando todos os instrumentos disponíveis (guitarra, baixo, bateria e voz); ou compor utilizando apenas um único instrumento. Assim, ele poderia tanto ser o compositor (sendo os outros instrumentos adicionados por outros artistas de sua rede social) ou atuar como músico contratado, interferindo na música composta por outro artista. Os atos e decisões do jogador conduziriam o desdobrar da história, a qual poderia tomar rumos diferentes de acordo com as respostas e as atitudes do jogador. Existiriam narrativas preestabelecidas (embutidas no software) que apresentariam os elementos necessários com os quais o jogador poderia interagir (Salen et. al.; 2003).

O personagem se encontraria inserido nos anos 90, época que caracteriza a Geração X. A história ocorreria em locais onde músicos normalmente frequentam, como estúdios de ensaio/gravação, casas de show, lojas de instrumentos musicais, etc. A história central giraria em torno da busca por reconhecimento do artista/jogador, sendo que, durante a narrativa, o jogador teria que cumprir metas (missões) definidas para alcançar este objetivo.

Componentes

Componentes do jogo são os objetos que o jogador consegue manipular (peças de um jogo de tabuleiro, cartas de um baralho, avatars, etc). Neste caso, o elemento manipulado seria o áudio, e essa manipulação seria feita através de notas musicais através de partituras ou

Page 6: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

tablaturas, de acordo com o conhecimento e a preferência do jogador. Partituras e tablaturas são formas de notação musical, isto é, representações escritas de uma música. A primeira é um sistema padronizado mundialmente e aplicado a qualquer instrumento musical; a tablatura, por sua vez, restringe-se a instrumentos de cordas.

O usuário poderia, através destes recursos, compor sua canção. Além de indicar as notas musicais, o ritmo da música, compor a letra e a melodia, o jogador poderia escolher os timbres e efeitos dos instrumentos (sendo a voz humana também considerada um instrumento). O jogador, portanto, teria completa liberdade para compor a música. Ao avançar no jogo, o jogador teria a sua disposição novos timbres, acessórios, marcas e tipos de instrumentos. Essas seriam recompensas ou bônus para metas atingidas. Esses novos recursos seriam superiores aos que lhe seriam inicialmente disponíveis. Assim, na medida em que o jogador avançasse no jogo, as músicas conquistariam um nível técnico superior.

Após compor uma música, seria possível compartilhá-la via Internet para que as pessoas interessadas possam executá-la ou contribuir em sua composição, aumentando assim sua popularidade (uma das metas ou quests do jogo). Implementado em código aberto, o jogador poderia inserir elementos no jogo que não estariam previstos em seu design original (novos timbres, novas marcas de instrumentos, efeitos etc.).

Interface

Os componentes manipulados seriam as notas musicais, seja através de instrumentos físicos ligados direto ao computador ou console, ou ainda através de notações musicais como partituras e tablaturas. A interface constitui a ferramenta para a composição das músicas, variando de acordo com o método que o jogador adote para compor (teclado e mouse no caso de computador, ou joystick no caso de console). A voz, invariavelmente, deveria ser gravada com o uso de um microfone.

Meta

O jogo seria composto de metas individuais, isto é, diversos objetivos distribuídos na narrativa. Os objetivos específicos (quests), quando alcançados, levariam à consolidação do objetivo geral do jogo: ser um compositor reconhecido com qualidade técnica elevada.

À medida que o jogador cumpra uma quest, seria oferecida uma nova, e a cada nova, o nível de dificuldade da mesma seria aumenta. Isto está de acordo com a teoria do Fluxo (Cf. Czikszentmihalyi, 1999) que estabelece que o jogo deve aumentar sua dificuldade gradualmente à medida que o jogo avança e o jogador se torna mais experiente. O ritmo do jogo (ou cadência, op. cit.) seria ditado pelo ritmo de execução das quests. As quests individuais variam desde a criação do avatar e composição da banda até a gravação de um álbum, a criação de músicas e turnê da banda.

Condições de Vitória e de Fim de Jogo

O cumprimento de cada quest individual acarretaria uma condição de vitória. Para cada quest haveria uma medição diferente e o jogador atenderia ao requisito mínimo estipulado pela quest a fim de avançar para a próxima.

Ao iniciar o jogo, o jogador teria opções de dificuldade, variando entre: Fácil, Médio, Difícil e Expert. Cada nível possuiria quests diferentes adaptadas à experiência do jogador. O jogo acabaria, deste modo, com a execução de todas as quests individuais estipuladas pelo jogo em todos os níveis de dificuldade, consolidando o jogador como um compositor de sucesso.

Licença

Este jogo contaria com a licença e a divulgação de mídias especializadas no nicho de mercado vigente, como a emissora de televisão MTV (Music Television) e a revista Rolling Stone, ícones culturais da Geração X. Marcas de instrumentos musicais também poderiam ceder licença de uso de imagem para o jogo.

As marcas estariam inseridas na narrativa do jogo – por exemplo, uma quest poderia ser tocar em um pocket show da MTV; em outro momento, o jogador seria recompensado com um instrumento de uma determinada marca, etc. Este fato abre espaço para o jogo atuar também como um advergame, divulgando marcas de produtos.

Page 7: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

4. O Papel Sociocultural do Jogo Rock Composer

Ao contrário dos primeiros videogames, onde frequentemente só existia uma única música, nos videogames contemporâneos temos a música como um fator tão importante quanto o próprio videogame – seria desconfortável ou estranho sem este fator, assim como assistir atualmente a um filme sem áudio de qualidade. Neste contexto, o presente trabalho procura ultrapassar a própria música dos videogames na medida em que se propõe a utilizar o videogame como uma ferramenta para a criação e a divulgação musical. Mas será que tal pretensão seria bem recebida pelo público em geral?

Retomando a Cultura da Convergência, Jenkins (2008) defende que o modelo de entretenimento mais eficaz nos dias de hoje é aquele que acontece em muitas plataformas ao mesmo tempo: livro, filme, videogames e televisão, sempre contando com a participação do público. Portanto, é possível prever que a proposta do ‘Rock Composer’, isolada em si mesma e somente na mídia do videogame, seria insuficiente para atingir a aceitação desejada. Isso porque não se trata de projetar um novo Michael Jackson ou uma nova versão dos Beatles, mas sim milhares de bandas ‘de garagem’ que fariam shows no fim de semana, conectados em seus próprios consoles ou computadores. Trata-se aqui da importância dos mercados de nicho que, como descritos por Anderson (2006) em sua Teoria da Cauda Longa, contrapõem-se ao mercado de massa e contam, principalmente, com a capacidade que a internet tem de dividir o mesmo bolo comercial em mais ‘fatias’.

Um exemplo disso são os livros de Cory Doctorow, jornalista e blogueiro canadense que publica seus romances sob a licença Cretive Commons. No mesmo dia em que seu romance chega às livrarias, Doctorow publica o livro completo em seu site, permitindo que qualquer um o distribua livremente. Embora Doctorow saiba que pouca gente tem paciência para ler um romance inteiro na tela do computador, ele postula que, se essas pessoas quiserem, elas vão piratear de qualquer jeito. ‘A função da internet é compartilhar. Leitores baixando textos de graça é uma boa notícia para os escritores’ (Doctorow, 2008, p. 97). Seguindo este raciocínio, acreditamos que fãs em potencial baixando músicas e, sobretudo, aprendendo a tocá-las com seus próprios instrumentos é uma ótima notícia para os músicos até então desconhecidos.

O papel do videogame, em seu sentido mais amplo, é proporcionar entretenimento. Referindo-se à revolução cultural dos tempos atuais, apontou Flusser (2007, p. 153): ‘as imagens se tornam cada vez mais transportáveis, e os receptores cada vez mais imóveis, isto é, o espaço (...) se torna cada vez mais supérfluo’. Se outrora produzir um videogame poderia referir-se primordialmente à reação de uma programação frente aos comandos de um jogador, agora quem reage aos comandos dos jogadores são eles próprios, sendo a programação calcada na estrutura de uma cultura globalizada. Na visão de Flusser (2007), que elimina as diferenças entre transmissão e transformação dos sistemas culturais, entendemos que o videogame potencializa as relações humanas e abre espaço para discutir suas manifestações, de geração em geração que, em intervalos de tempo cada vez menores, apontam para uma malha de significados que não se limitam apenas a ideologias e princípios, mas também ao contexto que se torna igualmente responsável por nossa percepção.

É isso que podemos constatar na geração X; que talvez o nosso erro tenha sido sempre categorizar aquilo que nos entretém por seus aspectos formais, limitando nossa própria condição humana, e portanto ociosa e lúdica, ao campo da mera distração ou fazendo uma análise limitada ao seu suporte. Acreditamos que as relações contidas no fluxo cultural estão numa fase embrionária de serem consideradas, nascidas de uma geração avessa a qualquer modelo de herói ou anti-herói, que não se baseia tanto em entender o mundo quanto em simplesmente experimentá-lo e vivenciá-lo. E frente aos constantes avanços tecnológicos, com ênfase na velocidade e instantaneidade da evolução dos meios de comunicação, cabe à Cultura da Convergência o papel de continuar pontuando e significando a vida humana por meio de registros culturais que naturalmente ocorrem como forma de expressão artística, principalmente, na forma de música e videogame. Se o videogame representa, cada vez mais, um reflexo incisivo dessa expressividade humana, seja como meio de escapismo ou apenas passatempo, é papel de seus desenvolvedores revelarem e mediarem o entrelaçamento e as tangências dos paradigmas sociais a cada momento histórico-cultural.

A proposta do jogo ‘Rock Composer’ é uma forma de explorar a noção de convergência e demonstrar que o design de jogos pode se colocar em qualquer ponto sem perder a noção do todo. O verdadeiro entretenimento só ocorre hoje quando enxergamos o sistema, quando

Page 8: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

compreendemos e participamos diretamente de um nicho cultural. Por isso, não achamos possível pensar um jogo como o ‘Rock Composer’ pelo lado puramente formal e metódico de sua criação e desenvolvimento, como o restringindo a um determinado público alvo, o limitando a uma determinada mídia ou preocupando-se com uma programação fechada que evite a pirataria. Conforme Jenkins (2008) e os demais autores aqui mencionados, o raciocínio midiático vigente é outro, as novas gerações solicitam uma postura que relacione os vários estratos culturais, sofisticando a própria percepção humana e afastando-a da circunscrição da massa. Podemos e devemos adquirir uma posição panorâmica com relação às formas com que encaramos o entretenimento, o ócio, a criatividade distraída e a interatividade em seus diferentes meios e contextos, assinalando um arcabouço de valores e paradigmas que nos envolvem em determinado período histórico. Portanto, essa proposta não pretende ser inovadora ou definitiva, mas somente uma forma de ilustrar as articulações vigentes e presentes no cenário midiático contemporâneo.

5. Resultados

A proposta do ‘Rock Composer’, certamente, requer que o próprio jogador entenda os motivos de se compor uma música e os motivos de se jogar videogame, articulando, de certa forma, sua própria expressividade em paralelo ao campo do entretenimento. Cabe ao jogador saber conciliar, à sua maneira, sua experiência enquanto rock composer. Esse convite certamente vai muito além das regras formais de composição musical ou da dinâmica de um videogame. Ele inclui sensibilidade, engajamento social, repertório cultural e respeito crítico. A ideia de um jogo de composição e compartilhamento musical forneceria não apenas um espaço onde isso poderia acontecer adequadamente, mas também uma plataforma midiática que facilitaria o processo. A proposta direciona-se, portanto, a uma nova esfera cultural que englobe um conjunto de ideias, expressões, opiniões e registro intelectual.

6. Considerações Finais

De modo geral, concluímos que o videogame pode ser visto como um registro de códigos culturais e de símbolos que fazem parte de uma geração histórica ao longo do tempo. Acreditamos que a proposta de criar e compartilhar uma música digitalmente faria este papel. Evidentemente, devemos levar em consideração que tanto o indivíduo que controla o jogo quanto o mecanismo de interação de um jogo são sistemas dinâmicos, comportando-se de maneira complexa, quase sempre imprevisível. A dificuldade de se montar uma banda de rock, por exemplo, vem justamente daí. Não há um herói ou um inimigo claramente apresentado – os objetivos podem ser sólidos, mas o caminho geralmente é difuso.

Ao invés de combater um determinado inimigo, no ‘Rock Composer’ o jogador é convidado a construir. Ao invés de decifrar um enigma por trás de um enredo dramático, o jogador deve articular a complexidade de sua própria história, tornando-a mais complexa. Por fim, entendemos que a manifestação e o registro cultural acabam se tornando, deste modo, mais ricos e frutíferos, pertencendo a um sistema maior que não se resume a um mero jogo de videogame.

Referências

Artigos em revistas acadêmicas/capítulos de livros

Curi, F. A. (2006). Uma proposta para a leitura crítica dos videogames. In: Comunicação & Educação, v. 11, n. 2. São Paulo: Paulinas Editora. ISSN 0104-6829 (versão impressa).

Kellner, D. (2006). Cultura da mídia e triunfo do espetáculo. In: De Moraes, D. (org.) Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, pp. 119-147.

Livros, e material não publicados

Adams, E., Rollings, A. (2007) Game Design and Development: Fundamentals of Game Design.

Page 9: O videogame enquanto mídia de convergência sociocultural - Battaiola, Albertazzi, Beccari e Oliveira

Upper Sanddle River: Pearson Prentice Hall.

Anderson, C. (2006). A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier.

Czikszentmihalyi, M. (1999). A descoberta do Fluxo: A Psiciologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco.

Discovery Channel. (2007) A Era do Videogame. Documentário exibido com o título original em inglês: VIDEOGAME. Produção executiva de Robert Curran para Discovery Networks International e de Fenton Bailey e Randy Barbato para a World of Wonder. 5 episódios de 50 minutos.

Flusser, V. (2007). O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify.

Huizinga, J. (2000). Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva.

Järvinen, A. (2007). Games Without Frontiers: theories and methods for game studies and design. Tese de Doutorado em Cultura Mediática, University of Tampere.

Jenkins, H. (2008). Cultura da Convergência. Trad. Susana Alexandria. São Paulo: Editora Aleph.

Salen, K.; Zimmerman, E. (2003). Rules of Play: Game Design Fundamentals. Cambridge: MIT.

Strauss, W.; Howe, N. (1991). Generations. New York: Quill.

Wilson, J. L. (2005). Nostalgia - Sanctuary of Meaning. Lewisburgh PA: Bucknell University Press.

Zingales, M. A. (1978). A Organização da Criatividade. São Paulo: EPU.

Nota biográfica dos autores

André Luiz Battaiola, Dr. UFPR: Professor do Departamento de Design da UFPR. Bacharel em Física pelo IFUSP. Mestre e Doutor pelo Departamento de Engenharia Elétrica da EPUSP. Pós-Doutorado pelo SSEC da University of Wisconsin.

[email protected]

Deise Albertazzi, pós-graduanda em Mestrado em Design (UFPR): atua no campo de design industrial, com pesquisa nas áreas de jogos, realidade aumentada e usabilidade, focando na reunião entre estas áreas como principal campo de estudo e publicações.

[email protected]

Marcos Namba Beccari, pós-graduando em Mestrado em Design (UFPR): graduado em Bacharelado em Design Gráfico pela UFPR e aluno do programa de Mestrado em Design na mesma instituição. Seu interesse de pesquisa atual é Filosofia do Design, Teoria do Design e Estudos do Imaginário.

[email protected]

Tiago de Lima Oliveira, pós-graduando em Mestrado em Design (UFPR): graduado em Tecnologia em Artes Graficas pela UTFPR e aluno do Programa de Pós-Graduacao em Design da UFPR. Seu interesse de pesquisa atual é Design Instrucional aplicado ao ensino de Química Orgânica, Teorias do Aprendizado e Filosofia do Design.

[email protected]