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“O visionarismo é um assunto que peca por ser muito antigo ou entã atual. É que o olhar visionário é já uma visão deslocada do tempo, desloca o tempo.” (... (p. !"# “$or isso mesmo esse é um tema di%&cil. 'enta se %alar daquilo que %alado. )uase* se esse movimento de representa+ão do irrepresentáv tam ém na matri- da poesia. e o discurso pro%ético não %osse mov enigmático de ci%rar e deci%rar. e os relatos de alguns drogados um uso de tipo poético, não tentassem dar conta de uma evid/ncia q nitidamente e que não se deixa %ixar.” (p.!"# “0o sentido %orte, a visão é uma evid/ncia do invis&vel, do indi-& (... de todo mudo, a tentativa de apresentar pela linguagem aquil como radicalmente ausente dela convoca o s&m olo a exercer se na s pot/ncia, ali onde ele está no limite de desintegrar se (essa de larga medida a literatura moderna.” (p. !"# “0o limiar entre a vig&lia e o sono experimenta se a sensa+ão de e pessoa que sonha é literalmente um visionário. O visionar a erturas mais cotidianas.” (p.!"# “o passado e o %uturo são partes integrantes da circularidade do c presente, do qual s2 se a%astam aparentemente, para deci%rá lo na “O olhar visionário é pois uma experi/ncia que resulta do apagamen (o excesso que acompanha a %alta de visão comum, e que %ala por e ver o indi-&vel, ou de ci%rar o invis&vel, o visionário se depara visão excede o %oco e os limites do ego, e o sujeito s intensivamente superado pela pr2pria %or+a da visão.” (p.!"3 “'emos motivos para supor que as aproxima+4es modernas entre poeta drogados, que despontam isolada ou coletivamente desde o século 56 uma experi/ncia matricial da visão comum a esses campos, a uma vis tempo (.... 1 prop2sito, na época de $latão reconhecia se a poesi possessão dionis&aca, e mais a paixão amorosa, como os quatro cam da mania, a loucura divina enquanto estado de entusiasmo, no seu s estar tomado por um deus.” (p. !"3 “O visionário, poeta ou pro%eta, tem para a sociedade o mesmo valo %ármaco, uscado como remédio e marginali-ado como doen+a. )uando drogas, está experimentando e potenciando a sua pr2pria condi+ão.” O visionário pr2ximo “pode aparecer como %enda na super%&cie do ol aqui e o agora, e se exercer na pura instantaneidade. 8le pode alu não tomar como droga senão a oscilante rela+ão sujeito linguagem.”

O Visionarismo

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O visionarismo um assunto que peca por ser muito antigo ou ento excessivamente atual. que o olhar visionrio j uma viso deslocada do tempo, uma viso que desloca o tempo. (...) (p. 283)Por isso mesmo esse um tema difcil. Tenta-se falar daquilo que quase no pode ser falado. Quase: se esse movimento de representao do irrepresentvel no estivesse tambm na matriz da poesia. Se o discurso proftico no fosse movido pelo esforo enigmtico de cifrar e decifrar. Se os relatos de alguns drogados, que fizeram da droga um uso de tipo potico, no tentassem dar conta de uma evidncia que se apresenta nitidamente e que no se deixa fixar. (p.283)No sentido forte, a viso uma evidncia do invisvel, do indizvel e do indivisvel. (...) de todo mudo, a tentativa de apresentar pela linguagem aquilo que se experimenta como radicalmente ausente dela convoca o smbolo a exercer-se na sua mais alta potncia, ali onde ele est no limite de desintegrar-se (essa desintegrao constitui em larga medida a literatura moderna). (p. 283)No limiar entre a viglia e o sono experimenta-se a sensao de estar fora do tempo. A pessoa que sonha literalmente um visionrio. O visionarismo escapa e entra pelas aberturas mais cotidianas. (p.283)o passado e o futuro so partes integrantes da circularidade do cosmo, do eterno presente, do qual s se afastam aparentemente, para decifr-lo naquilo que ele oculta.O olhar visionrio pois uma experincia que resulta do apagamento da viso habitual (o excesso que acompanha a falta de viso comum), e que fala por enigmas. Alm de ver o indizvel, ou de cifrar o invisvel, o visionrio se depara com um indivisvel: a viso excede o foco e os limites do ego, e o sujeito se v tomado, possudo e intensivamente superado pela prpria fora da viso. (p.284)Temos motivos para supor que as aproximaes modernas entre poetas, videntes e drogados, que despontam isolada ou coletivamente desde o sculo XIX, esto ligadas a uma experincia matricial da viso comum a esses campos, a uma viso diferenciada do tempo (...). A propsito, na poca de Plato reconhecia-se a poesia, a adivinhao, a possesso dionisaca, e mais a paixo amorosa, como os quatro campos de manifestao da mania, a loucura divina enquanto estado de entusiasmo, no seu sentido etimolgico: estar tomado por um deus. (p. 284)O visionrio, poeta ou profeta, tem para a sociedade o mesmo valor ambivalente do frmaco, buscado como remdio e marginalizado como doena. Quando experimenta drogas, est experimentando e potenciando a sua prpria condio. (p.285)O visionrio prximo pode aparecer como fenda na superfcie do olho voltado para o aqui e o agora, e se exercer na pura instantaneidade. Ele pode alucinar s de lucidez, e no tomar como droga seno a oscilante relao sujeito-linguagem. (p. 285)

Toda viso recortada pelo gabarito de uma primeira viso que nunca se deu como plenitude mas j como afastamento. Desse lapso originrio vive a percepo.A fenda na viso alimenta a possibilidade, ou o desejo, de que se mostre aquilo que se esconde no visvel, de que se veja a pura presena. (...) Passado e futuro, que se dividem ilimitadamente no instante, sinalizam o desencontro entre o olhar e a coisa, que no preenche o presente. O olhar curto e indivisvel, mesmo que busque reter o ser em sua durao, recair sempre na operao divisria do tempo, do eterno instante como forma vazia e superficial, sempre j passado e eternamente ainda por vir. Se indivisvel, curto demais para experimentar a sua durao. Se longo, dividido em instantes separados. (p. 286)Como no zen, o conhecimento uma operao de descodificao da viso e da linguagem, um silenciamento radical mas instantneo, que mostra invisvel no como sobrenatural mas como desvelamento do real (embora a palavra real tambem tivesse que ser apagada e zerada para que sobreviesse um contato com algo real, no-prescrito, no-codificado, no-trilhado de antemo) (p. 286)nos remete imediata e fortemente para esse deslocamento do olhar e do tempo que o ncleo comum da viso proftica e drogada quando polarizadoras pela viso potica. No prprio movimento em que se multiplica em instantes descontnuos permanecendo o mesmo, sempre outro e sempre igual, o tempo abre em ritmos desiguais e simultneos, o agora, o primrdio, o porvir. Essa percepo contitui-se no prprio modelo do visionarismo como modo de ler a realidade, e de vazar o cdigo habitual que regula o tempo linear, cronolgico, homogneo. (p. 287)Benajmin postulou a pedra de toque do visionarismo moderno. Postulou alm do mais a ideia de que a transformao revolucionria da realidade estaria a depender de uma profunda interpenetrao do espao fsico e imagstico (isto , do desencadeamento das tenses acumuladas entre a organizao material da sociedade e a ordem do imaginrio coletivo, de cuja reverberao poderiam saltar descargas revolucionrias). Tal interpretao potencialmente explosiva entre a natureza transformada pela tcnica e o imaginrio social seria dada a conhecer, ou a entrever antecipatoriamente, pelo vis da iluminao profana. (p. 287)A realidade se transforma na medida em que se pe em contato com uma outra experincia do tempo, que tem seu modelo na experincia solitria da iluminao profana, mas que poderia transformar-se revolucionariamente numa experincia histrica coletiva (p. 287)A pintura de Michaux nos emociona por sua veracidade: ela um testemunho que acusa a irrealidade de todos os realismos. Isso que eu chamei, na falta de melhor palavra, de exatido, uma virtude que transparece em todos os grandes visionrios. Mais que um atributo esttico, uma condio moral, preciso valentia, firmeza e pureza para ver de frente os monstros que so os nossos. (p. 288) Entre muitos aspectos relevantes, as drogas sintomatizam um ponto de encaixe e desencaixe entre as formas de produo social e as demandas do imaginrio. Se o ego dos indivduos, alm de trabalhosamente sustentado pelos sujeitos, fabricado socialmente, as drogas, enquanto agentes de desinvestimento ou de hiperinvestimento do ego so sintomas de pontos mltiplos de deslocamento do social como tecido homogneo. (p. 289)A interpretao de Paz interessante, porque a entrada das drogas no cenrio da poesia sinalizaria, no prprio Baudelaire, uma espcie de compensao profana pela perda daquele vestgio de sagrado na obra de arte, a sua aura, bem como daquilo que Benjamin chama memria involuntria, isto , a disposio associativa espontnea e intensamente investida de afeto, que bsica para a experincia lrica, e cada vez mais problemtica no mundo moderno (memria involuntria pode figurar aqui como nome profano das musas). (p. 291)A desregulagem do habitat egico (suas trilhas usuais, seus hbitos perceptivos) d a ver fluxos do real inacessveis ao olhar comum. Essa reverso do ego cria sobre o mundo dos objetos um efeito de reverberao em abismo. O desregramento dos sentidos passa a ser tomado como uma tcnica potica. (...) Na mesma trilha da abertura simbolista, a linguagem surrealista concebe o campo da poesia como sondagem de uma ordem oculta, inconsciente, procurando os vasos comunicantes entre realidade visvel e invisvel. (p. 292)o espao multiplicado em pontos inumerveis (e bem destacados) convive com o espao normal (que emerge ateno de tempos em tempos). Essa multido de tempos e espaos fustiga em todas as direes a memria, o futuro, o presente, flagrando relaes inesperadas, luminosas, estupidificantes, que gostaramos de reter mas que a multido dos tempos e espaos que continuam a vir engolfa e faz esquecer (alis, a memria fica colada ao imediato, sendo quase impossvel dar perspectiva ao tempo). (p. 295)O ego descolado do tempo, no plugado na corrente do tempo, um outro, e isso no acontece s por um problema de prontido muscular, mas porque a linguagem se desterritorializa, e corta o cordo umbilical que a liga ao sujeito. (...) o tempo usualmente concebido segundo ndices e metforas espaciais fictcios, como se o futuro estivesse se abrindo na frente dos olhos, sob o domnio da viso, numa linha progressiva no espao, subordinada marca, ou ao marco, do ego. Na experincia alucingena cai a rede dos diticos, e o ego, no engrena com o tempo, no o dirige. Isto se produz junto a viso espantosa de um universo a descoberto, que a linguagem no recobre com suas nomeaes habitado por coisas violentamente singulares, irredutveis, visveis em cada granulao, cada poro, como se tivssemos retirado uma membrana dos olhos. (p. 295)O mundo parece ser o mesmo, isto , todos os eventos poderiam ter se passado no mesmo espao, mas o espao, que no seno pura relao, totalmente outro. Essa verdade, reconhece Benjamin, algo dbil e flcida do ponto de vista terico, mas implica aguda percepo, isto , uma experincia insubstituvel, que se verifica plenamente quando entra em jogo a devoo, diante da qual tudo tende ao bem, assim como o espao, sob a tica da fantasia, parece abrigar todos os eventos possveis. (p. 296)Os relatos tocam assim nesse lugar de onde se entrev um absoluto, vislumbre de um uno que no deixa de se apresentar em meio ao turbilho dos simulacros, como lugar de absoluta no-violncia. Configura-se a uma espcie de platonismo s avessas, que no se eleva para longe da matria na direo da Ideia ou da Forma, mas mergulha ou flutua nela ate introduzi-la em puras escalas energticas, at perceb-las, no vazio que a habita, como aquele limite inacessvel que se furta percepo: a pura presena. To longe, to perto. (p. 296)Em algum lugar, a poesia elide sujeito e objeto, pe em abismo sujeito e objeto perante as palavras, imersas em sua neutralidade de esfinge. O poeta um mediador hermtico e orfico: quer ir ao avesso da viso e voltar. Ou no. Mas de algum modo deve vazar esse outro estado da linguagem no seu estado comum, at como se fossem o mesmo (p. 297)A viso, no mundo moderno, arte ou profecia, aquilo que escapa, que no se fixa na linguagem dos homens, que recusa a formula ou a repetio, ou que no se apresenta, no se deixa ver. (p. 297)O visionrio um regulador (ou um sinal) do permanente desequilbrio entre a articulao da cultura (sobre-codificada pela sociedade) e o contnuo/descontnuo do que sobra (no ousaramos mais chamar essa sobra de pura natureza). ele trabalha na zona do imprevisto, do entrevisto, do interdito. Durante muito tempo as sociedades delegaram aos visionrios essa funo, ligada ordem do sagrado, porque supe a penetrao no interdito, a circulao pelo seu domnio. Tocando nas potencias do desejo e do indesejvel, o visionrio excludo e adorado, fazendo par, obscuramente, com o lugar simblico da vitima sacrificial, o bode expiatrio, o pharmakos. No mundo serializado e dessacralizado, a regulagem do permanente desequilbrio entre a articulao da cultura e o contnuo-descontnuo do que sobra tende a ser delegada diretamente ao frmaco enquanto agente qumico (remdio e droga em escala repetitiva, sem contrapartida sacrificial). (p. 298)Um dos aspectos mais importantes da desconstruo que corresponde ao pensamento que no se apoia em qualquer critrio exterior para formar juzos. No pensamento de Jacques Derrida, a indecidibilidade a traduo do tipo de resistncia que ainda se verifica nas questes da representao e do tipo de impasse a que se chega quando se pretende fixar aprioristicamente um qualquer tipo de conhecimento: Even the principle of of uncertainty (and (...) a certain interpretation of undecidability) continues to operate within the problematics of representation and of the subject-object relation) ("The Principle of Reason: The University in the Eyes of Its Pupils",Diacritics, 13, 1983, reproduzido em R. C. Davis e R. Schleifer:Contemporary Literary Criticism: Literary and Cultural Studies,3 ed., p.332-333). No campo literrio, a indecidibilidade pode ser entendida como uma forma de resistncia aos critrios de verdade ou ideia de validade subjectiva de um juzo crtico. A pretenso de a crtica literria necessitar de um critrio de verdade para ser vlida poder ser contraproducente ao facto de o dogmatismo no fazer sentido numa era ps-estruturalista dominada pela instabilidade, pela indecidibilidade, pela indeterminao, pelo inacabamento e pela disseminao. Se todo o conhecimento da realidade simblico, se tudo o que conhecemos faz parte de uma cadeia de signos que se distiguem de outros signos para formar um sentido, no h verdadeiramente conhecimento da realidade, mas apenas conhecimento que resulta de experincias simblicas da realidade. Em outra parte esta indecidibilidade do conhecimento e esta disseminao do sentido to marcada como na literatura, que depende de jogos de palavras, de intertextualidade, de associaes simblicas e de repeties. Quanto maior for o grau de indecidibilidade de um texto maior ser a abertura desconstruo do seu sentido, mais facilmente se revelar a impossibilidade de fixar esse sentido e com mais vigor se demonstrar que um texto nunca est totalmente escrito nem totalmente vazio. http://www.edtl.com.pt/?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=422&Itemid=2