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Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

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Instigante ensaio sobre os paradigmas entre arte e loucura através da análise de Ademir Demarchi sobre a obra de Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina e Violeta, figuras que personificam o inconsciente popular e rompem nossas certezas acerca da lucidez. É antes de mais nada uma reflexão sobre a sociedade em que vivemos, seus valores e seu incrível “reino das coisas inúteis.

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OBRAS CADÁVERES

Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina, Violeta e o Deus do Reino das

Coisas Inúteis

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© Ademir Demarchi

Capa, projeto gráfico, diagramação e editoração:Márcio Barreto

Demarchi, Ademir

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Obras Cadáveres / Ademir Demarchi – São Vicente: Edições Caiçaras, 2011.

44p. 1.Ensaio I. TítuloImpresso no Brasil

2011Edições Caiçaras

Rua Benedito Calixto, 139 / 71 – CentroSão Vicente - SP - 11320-070

[email protected]

13-34674387 / 13-91746212

Ademir Demarchi

Obras Cadáveres

Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina, Violeta e o Deus do Reino das

Coisas Inúteis

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Edições Caiçaras São Vicente /SP

Dezembro de 2011

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A presente edição é inspirada nos trabalhos desenvolvidos na América Latina através de Sereia Ca(n)tadora (São Vicente, Santos – Brasil), Dulcinéia Catadora (São Paulo – Brasil), Eloisa Cartonera (Argentina), Sarita Cartonera (Peru), YiYi-Jambo (Paraguai), Yerba Mala (Bolívia), Animita (Chile) e La Cartonera (México).

Edições Caiçaras é uma realização do Instituto Ocanoa, Projeto Canoa e Imaginário Coletivo de Arte.

Capa feita a mão com material reciclado.

Contato:

[email protected]

13-9174621213-34674387

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para Marcelo Ariel e Juliano Garcia Pessanha

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Homem algum pode viver sem um barco (1)

Estátuas humanas

Em afinidade com a

prática de assemblages na obra de Arthur Bispo do

Rosário, poderia-se começar a tratar dele aqui por meio de

uma assemblage textual, através das palavras iniciais do

romance Nome de Guerra, de Almada Negreiros, para

cujo narrador

"Cada um tem o destino universal de fazer

consigo mesmo o modelo de mais uma estátua humana. E

esta fabrica-se apenas com íntimo pessoal. O nosso íntimo

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pessoal é inatingível por outrem. E é este o fundamento

de toda a humanidade, de toda a Arte e de toda a Religião.

O nosso íntimo pessoal é de ordem humana, estética e

sagrada. Serve apenas o próprio. É o seu único caminho.

O melhor que se pode fazer em favor de qualquer é ajudá-

lo a entregar-se a si mesmo. Com o seu íntimo pessoal

cada um poderá estar em toda a parte, sejam quais forem

as condições sociais, as mais favoráveis e as mais

adversas. Sem ele, nem para fazer número se aproveita

ninguém (2).

Pode-se sugerir com isso

que o melhor que se fez a Arthur Bispo do Rosário, tendo ele

sido recolhido a um hospício psiquiátrico, foi ajudá-lo a

entregar-se a si mesmo, permitindo que, numa tentativa de

controlar a loucura, ainda que não se livrasse dela, fizesse o

gesto espontâneo de adesão a um sistema de ordem e, com

isso, firmasse uma subjetividade possível, considerando a

precariedade a que estava submetido. Tal adesão remete à

observação freudiana de que a repressão aos instintos,

exacerbados com a loucura, se conseguida possibilita alguma

forma de inserção social, compreensão essa que somente foi

possível graças às mudanças então em curso na psiquiatria,

que “inventou” a arte dos pacientes como elemento de estudo

da psicose (3). Assim, uma das características mais evidentes

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da obra realizada por Arthur Bispo do Rosário, tendo

conseguido “aderir a um sistema de ordem”, é justamente a

das representações de ordenamentos que incluem divisões do

exército com os soldados alinhados, tabuleiros de xadrez,

parques de diversão e utensílios domésticos como canecas. A

obsessividade ordenatória ultrapassa a mera reunião de objetos

para abranger também textos com nomes, datas, lugares,

pesos, medidas, regiões, países, cidades, ruas, bairros, casas,

igrejas, navios de guerra, caravelas, regatas, ofícios e

profissões, brinquedos infantis, marcas, símbolos, sinais,

códigos, bandeiras, corpo diplomático, jogos e festas e

misses, conforme discriminação feita por Frederico

Morais. Morais, além de ser um dos primeiros estudiosos

da obra de Arthur Bispo do Rosário, foi o curador da sua

primeira exposição, uma coletiva com trabalhos de

doentes mentais, presidiários, velhos e crianças, realizada

no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1982.

Foi, também, o curador da primeira exposição individual,

em outubro de 1989, quatro meses após a morte de Bispo

do Rosário, realizada na Escola de Artes Visuais do

Parque Lage, exposição essa que percorreria diversas

cidades brasileiras como Belo Horizonte e São Paulo,

promovendo a incorporação dele ao cânone da arte

brasileira (4).

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Assim, é provável que a

prática de ordenamentos tenha se configurado graças à

vivência de Arthur Bispo do Rosário na Marinha, onde o

sentido de ordem é uma regra. Essa vivência foi longa,

durou quase nove anos no Corpo de Marinheiros

Nacionais, no Rio de Janeiro. Mas, ainda que assim fosse,

Bispo do Rosário não se enquadrava totalmente à caserna,

tornando-se um lutador de boxe pela Marinha, da qual se

afastou após ter sido punido diversas vezes com prisão,

acusado de insubordinação.

Rosebud, beija-flores e loucos pairando no ar

Sendo tomado por

esquizofrenia paranóide e internado definitivamente na

Colônia Juliano Moreira, a busca de superação da loucura por

Arthur Bispo do Rosário acaba por ser motivada pelo interesse

e paixão por uma estagiária de psicologia, Rosângela, cujo

nome ele inscreve em vários objetos, como barco, abajur e até

nome de rua. Rosângela passa a ser como a Rosebud de

Cidadão Kane, uma palavra-chave que abre sua memória e

passa a ser estampada, inscrita, bordada, em objetos que ele

cata do lixo elaborando essa obra que depois viríamos a

conhecer. Sua cela, com o acúmulo de objetos que se

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relacionam com sua memória, se transfigurou numa Xanadu

concentratória de signos e em suspensão na imaginação onde,

balbuciando a palavra Deus e sua rosângela-rosebud, ele

também pairava – “os doentes mentais são como beija-flores,

nunca pousam, ficam a dois metros do chão” (5).

Essa paixão, somada à

experiência de vida sob a ordem da caserna, sendo possível

essa hipótese, acabou sendo útil para a busca de ordenamento

e sentido para uma existência esvaziada dele. Construir sua

Xanadu, um paraíso em que viveria com sua amada,

organizar a memória, a experiência de uma vida que se

perde com o tempo que passa, consubstancia-se, assim,

numa forma de narrar que vai delineando um mundo, logo

nominado por Rosário como Reino. O que conhecemos

como sua obra artística, os “Registros de minha passagem

pela Terra”, já incorporados com ele ao sistema cultural

brasileiro, não tinham em sua feitura a intenção estética,

mas antes um caráter messiânico, que orientava a

construção do Reino em que se daria sua redenção. A

ordenação de objetos e de todas as coisas estava, assim,

submetida à idéia desse Reino em que haveria um Deus

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no topo, num trono, que se confundia com o próprio

Arthur Bispo do Rosário.

Não deixam de ser

curiosas as associações passíveis disso, de um bispo, um

bispo popular, bispo do rosário, profano, que seria

entronado como Deus. Ordenar esse Reino, portanto, seria

ordenar a si próprio, e, num outro sentido da palavra,

ordenar-se a si mesmo Deus, encontrar um lugar no

mundo onde fizesse sentido existir, encontrar-se a si

mesmo em sua subjetividade e tornar-se, segundo aquela

boutade de Almada Negreiros, “modelo de mais uma estátua

humana”.

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Loucos guiados por cadáveres

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É interessante notar

também a negatividade que orientava a ação de Arthur

Bispo do Rosário, certamente uma característica que

possibilitou depois seu reconhecimento como artista.

Refiro-me à negatividade que se exige de todo artista e

que o pensamento de Cioran bem definiu como necessária

para realizar um ato de barbárie de forma que não se

tenha dúvida de que a morte está presente e não se pode

negá-la, nem ocultá-la, estabelecendo-se um combate com

o senso comum e com a sociedade de consumo que

buscam sublimar a finitude e vender em cada produto a

vida eterna (6).

Assim, Bispo do Rosário

dizia que “o louco é guiado por um cadáver. E só fica

bom quando se livra desse morto” o que, na prática,

poderia significar que antes que ele mesmo se tornasse

um morto, era preciso transformar aquela sombra que

guia o louco numa obra-cadáver ofertada à sociedade. A

idéia de finitude se espalhava por sua obra, desde aquelas

serializações em que elencava os nomes dos pracinhas

que tombaram mortos na guerra, nas faixas de misses

esvaziadas dos belos corpos dos quais fariam parte, já comidos

pelo tempo, até os carrinhos-fichários, eles mesmos

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serializados, com uma imensidão de nomes engolidos pelo

tempo, chegando à obra narrativa do Manto e da Nave que é

ao mesmo tempo esquife, leito nupcial, navio e continente, em

que se misturam desejo sexual, anseio de poder, conhecimento

e salvação divina (7).

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O partido das coisas

Aquele entregar-se a si

mesmo e buscar nos objetos inúteis uma forma de

expressão poderiam traduzir-se, de tão cabíveis, nas

seguintes palavras deste poema de Francis Ponge:

“Por muito tempo eu me

fiz as perguntas mais difíceis. Aplico-me atualmente às

coisas mais simples. Trata-se para mim de fazer falar as

coisas, pois eu mesmo não consegui falar, isto é,

justificar-me por meio de definições e de provérbios.

Tratarei, pois, de formar as coisas em noções práticas.

Mas práticas em quê? Para a conversa mais terra-a-terra.

Desistindo de modificar-me a mim mesmo, nem,

aliás, as coisas, - desistindo igualmente de conhecer-me a

mim mesmo, a não ser aplicando-me às coisas.

Formando-me do mundo uma imagem, noções práticas.

Não me conhecerão, não terão uma idéia de mim senão

através de minha concha, de minha morada, de minhas

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coleções; ou antes, pois são armas, de minhas panóplias.

Através do acento de minha representação do mundo” (8).

A singeleza expressional

de um se corresponde com o ato expressional presente na obra

do outro.

Internado na Colônia

Juliano Moreira, Arthur Bispo do Rosário como que repete

pela arte o percurso de Francis Ponge: passou a colecionar e

classificar objetos inúteis do meio circundante, fazendo sua

incorporação a um sistema psíquico, um mundo imaginário,

no qual ele mesmo se inclui e a que esses objetos dão sentido,

tornando-os parte de sua vivência. A experiência,

impossibilitada no meio social normal, anulada no mundo

contemporâneo, que já não a valorizava e isolava o louco por

dele destoar, poderia ser realizável apenas no estado de

loucura, motivo mesmo da separação, tornando-se somente

possível, nesse caso, através de objetos do lixo, mercadorias já

espúrias, inutilizadas pelo sistema de consumo.

Há aí uma identidade entre

lixo e louco, uma associação potencializadora e redentora, que

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dá novo uso aos objetos descartados no lixo, e ao louco,

descartado numa instituição psiquiátrica, os quais se

transformam em arte e artista, como que sendo recuperados e

novamente incorporados ao sistema que os separou para a

zona fantasma dos dejetos inúteis. Reciclados graças à

acumulação simbólica de sentidos que lhes dão o status

de arte e artista, ambos passam para outro campo de

circulação onde a estranheza é aceita como valor positivo

e, renovadamente negociáveis, geram novos valores e

lucros, ainda que meramente simbólicos.

A obra de Arthur Bispo

do Rosário se consolida sobre o paradoxo de que só há

vida psíquica reconhecível, aceita socialmente, se ela

estabelecer relação, estender-se, aos objetos. Tal situação

é tida como natural na sociedade de consumo, onde

pessoas têm sentido e valor se associadas a objetos

adquiridos também por seu sentido e valor. No caso de

um louco, a condição socialmente aceita, via relação com

as coisas, é, porém ironicamente tornada natural por seu

sentido especular negativo. Ou seja, um indivíduo como

Arthur Bispo do Rosário, fora do sistema de consumo,

que aproveita os objetos já esvaziados de valor, também

eles fora do sistema de consumo, os recoloca em

circulação já não para serem usados individualmente para

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o que foram criados, mas faz isso para serem olhados,

admirados, interrogados e vistos como imagem da

sociedade que se mira neles e vê em si mesma todo seu

sentido de inutilidade e morte.

O sentido de humanidade,

assim, somente é recuperável se passar pelas coisas inúteis e

descartadas. Ponge, insatisfeito com o humanismo apodrecido

de sua época, destruído por duas guerras mundiais, chegou à

descoberta das coisas que se apresentaram sob seu olhar como

que imantadas, fascinando e exercendo forte atração sobre

esse que passava a olhá-las para enveredar pela linguagem.

Foi, assim, sob a necessidade de redefinir o sentido de humano

que Ponge descobriu os objetos. Em sua obra, a primazia

desse olhar sobre o objeto busca afastá-lo de sua função

primária, de uso, e enfatiza, com isso, sua forma,

possibilitando uma experiência estética renovada que, em

consequência, afasta o sujeito da forma dominante de

ideologia, permitindo, com isso, sua crítica. O objeto, por sua

própria condição de não-humano, por ser uma projeção

idealizada do humano, leva ao encontro de um outro humano

desvendado pela linguagem.

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De lixo a peça de museu

Ainda que os artistas

busquem e o consigam, essa parece ser uma ação que

combina muito melhor com os loucos. Se algum outro

artista fizesse as mesmas obras que Arthur Bispo do

Rosário, talvez não atingisse a potencialização de sentidos

por ele conseguida – isso ocorre porque temos em sua

obra uma afinidade de homem e meio produzindo

sentidos a partir dele, com raros objetos estranhos a ele,

como as cartolinas com que montou uma obra/cavalete.

É realmente

extraordinário que ele tenha conseguido o que conseguiu

estando numa instituição psiquiátrica: sobreviver,

construir uma obra (ou, antes, para ele, um conjunto de

coisas que lhe desse uma identidade, o qual, somente

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Page 24: Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

depois passou a ser chamada “obra”) com a qual obteve

efeitos estéticos, sobretudo a partir da precariedade.

Estar numa instituição

psiquiátrica (em que o sentido de normalidade está em

jogo e para quem, para ser aceito socialmente mas

também para encontrar sentido na existência, necessita de

um grande esforço de ordenamento da razão), expressar-se a

partir de objetos precários, encontrados no ambiente em que se

vive, definir um método (ele o tinha), elaborar um discurso

narrativo e procurar desentranhar a memória pessoal

relacionando-a com o mundo em que vivia (militarismo,

história, religião, geografia...), dão a noção da importância

desse conjunto de obras de Arthur Bispo do Rosário.

Num dos artigos do

Catálogo da exposição Ordenação e Vertigem feita pelo

Centro Cultural Banco do Brasil, Renato Janine Ribeiro

perguntava-se como quem viveu desvalido vira, depois, peça

de museu, obra em galeria, valor agregado, apropriado? Diga-

se que foi um longo percurso, pois Arthur Bispo do Rosário,

negando que o que fazia era arte, pois na verdade sua obra

tinha para ele outro sentido, passou por uma fase no meio

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artístico em que era questionado se era artista ou louco,

equação que se resolveu com o tempo na junção das duas

coisas: não é porque ele era artista que fez arte, mas porque

fez arte que se tornou artista, sendo incorporado com sua carga

simbólica ao sistema, independentemente de sua

intencionalidade.

Tudo o que é imaginário existe, e é, e tem

Como Cidadão Kane,

portanto, Arthur Bispo do Rosário é um homem que

balbucia palavras através de sua coleção. A experiência

passa pela coleta, acúmulo e escolha de objetos, gerando

um processo em que se constrói um passado imaginário

situado sobre o contexto do fetiche da mercadoria pela

sociedade de consumo, consubstanciando um outro

fetiche, agora sentimental, projetado no objeto, logo

depois fetichizado como arte.

O Reino por ele

imaginado, portanto, está aí oferecido para nós, narrado

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em seus objetos e, tal como disse uma outra louca, “sabia

que tudo o que é imaginário existe, e é, e tem?”, é um

perfeito registro do mundo em que vivemos, estabelecido

sob consumo e sobre lixo, imantado pela sombra da

morte.

A autora da frase acima,

por sua vez, é Estamira Gomes de Souza, salva do

descarte feito pela sociedade de consumo através do

fotógrafo carioca Marcos Prado, que, por uma década, a

acompanhou fotografando-a e ao cotidiano dos catadores de

lixo do aterro Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, no Rio

de Janeiro onde são depositadas as sete toneladas de lixo que

os cariocas produzem diariamente. A partir desse trabalho

Prado fez o livro Jardim Gramacho, publicado pela editora

Argumento, e o transformou num filme focado na história de

vida dessa catadora de lixo que lá era conhecida como a

“Bruxa do Lixão” (9).

Como Arthur Bispo do

Rosário, “Estamira não tem nada de comum”, observa-nos a

reportagem. A história de certa forma se repete, pois temos

novamente a descoberta de uma pessoa com problemas

mentais que, apesar disso, apresenta uma espécie de lucidez

que atrai os normais que estão bem integrados ao meio social.

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A vida regrada e esvaziada de significação imposta pela

sociedade acaba por dar um sentido peculiar aos loucos e ao

que eles dizem porque as regras consensualmente aceitas

deixam de ter importância para eles. Alheios a esse

ordenamento social, apresentando um comportamento atípico,

passam a interessar estudiosos da sociedade, artistas e críticos

que se esforçam por entendê-los e incorporá-los aos seus

trabalhos como crítica e como ânimo artístico.

Loucura parangolérica

Assim, do mesmo modo

que Arthur Bispo do Rosário despertou interesse por sua

obra e Estamira chama a atenção por suas tiradas de

cunho filosófico, uma outra louca de nome Jardelina

chamava a atenção no interior do Paraná por se comportar

como uma top model da marginalidade. Morando numa

cidade cercada por campos de soja, Bela Vista do Paraíso,

cuja denominação curiosamente se ligava às suas

fantasias messiânicas, logo as teve associadas a uma

“energia solar, glauberiana, parangolérica” que “remete

imediatamente ao Bispo do Rosário”, com “uma missão

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indiscutível, a mando de entidades que não pode

controlar, ela costura cuidadosamente incríveis vestidos

com estampas coloridas, saias de folhas de samambaia,

camisas de tonalidades berrantes, adornadas com fitas,

lantejoulas, luvas fosforescentes, colares e contas. Uma

estilista de moda, um Alexandre Herchcovitch parido do

ventre do inconsciente popular” (10).

Aspectos como o aspecto

messiânico e a idéia do Reino presentes em Arthur Bispo

do Rosário de certa forma também estão em Jardelina

assim como naquela mulher de 60 anos, Estamira, que “perdeu

a fé completamente” logo que apareceram os primeiros sinais

de insanidade e que diz que “a minha missão, além de ser a

Estamira, é revelar a verdade, somente a verdade”, sendo essa

uma de tantas outras frases “estranhas e muitas vezes

impressionantes que se ouve ao longo do filme” “e torna

espantosas certas declarações, de uma profundidade que

intriga”, conforme diz a repórter e também o fotógrafo, para

quem “aquele linguajar não é comum”.

Ela, ao seu modo, também

se filiou ao “partido das coisas” como catadora de lixo para

reciclagem, pois “trabalhar no lixão, seguramente o pior lugar

da sociedade civilizada, foi o que devolveu certa dignidade a

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Page 29: Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

Estamira, depois de um período em que ela mendigou nas

ruas”.

“Não é lixo, caramba!”

Em julho de 2006,

quando se deu a primeira escrita deste texto, tivemos

outro episódio que aproximava louco e lixo, no que se

poderia dizer ser uma imensa instalação artística que em

muito seria associável às cracas gigantes feitas por Nuno

Ramos(11). Flagrada com toneladas de entulho em casa,

Violeta Martinez Rodriguez explicou a uma delegada que

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“só coleciona coisas bonitas”. Conforme se noticiou, ela

ficou famosa depois de ir parar na cadeia, denunciada por

vizinhos incomodados, por juntar 250 toneladas de lixo

no sobrado de dois andares e quatro quartos onde então

morava, no Itaim Bibi – “bairro nobre paulistano”,

destaca-se numa reportagem... “Em meio a tanto lixo,

ficou impossível passar de um cômodo a outro – e a dona

da casa só conseguia se movimentar por túneis e frestas

abertos entre as camadas de detritos”.

Violeta Martinez

Rodriguez acumulou uma quantidade realmente

impressionante de lixo: “da garagem que começa no

portão de acesso à rua até à sala de estar, por exemplo,

havia uma picada de 20 centímetros. Da sala até a cozinha

ou até a escada que leva ao andar de cima, duas outras

passagens. Da escada até os quartos, mais um pequeno beco”.

Eis sua explicação para isso: "Dizer que pego lixo é mentira...

Não gosto é de ver coisas boas jogadas na rua. Cresci na

guerra civil espanhola, passei fome na infância, cheguei a

comer grama. Me dói o coração ver frutas no chão depois da

feira, vou lá pego e lavo. Também levei umas cadeiras bonitas,

umas caixas, uns papéis para casa. Mas dizer que é lixo... não

é verdade. Vieram aqui e jogaram tudo fora. Perdi um óculos,

uma mala de blusas, um exame médico" (12).

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Page 31: Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

Visto de modo diverso,

porém, teríamos aqui uma outra experiência que, se é

inconsciente para o louco, para nós que estamos fora dela e a

constatamos e a incorporamos como fato social, passa a ter

sentido deliberadamente estético. Assim, sendo um fato

estético ao nosso olhar, que logo se transforma em discurso

num evento performático textual, a instalação de Violeta pode,

neste momento, ser colocada em similaridade, para além da

obra de Nuno Ramos, com a obra de outra artista, Rachel

Whiteread. As obras dessa britânica são criadas pelo negativo

das casas ou instituições, ou seja, seu interior é preenchido por

concreto e a casa ou instituição, sua casca de tijolos e teto,

retirada, restando apenas o interior exposto, preenchido pelo

concreto, transmitindo sensação de inacessibilidade. Uma de

suas mais importantes obras é a do Memorial do

Holocausto, na Judenplatz, em Viena, realizada em 2000,

que é se constitui no molde do interior, em tamanho natural,

de uma biblioteca destruída, estilizado como mausoléu.

interior exposto, preenchido pelo concreto, transmitindo

sensação de inacessibilidade. Uma de suas mais importantes

obras é a do Memorial do Holocausto, na Judenplatz, em

Viena, realizada em 2000, que é se constitui no molde do

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interior, em tamanho natural, de uma biblioteca destruída,

estilizado como mausoléu (13).

Essa associação por

similaridade entre o ato de Violeta e a arte de Rachel

potencializa os sentidos do ato simbólico de acumular lixo

numa sociedade de consumo e de segregação, sugerindo

que, se tirássemos os invólucros da casa de Violeta teríamos

a mesma massa que não respira, pelo contrário, retira o ar de

quem a olha expondo de modo visceral a claustrofobia da

sociedade tal como ela é, baseada sobre irracionalismo e

acúmulo de coisas inúteis, ou em desuso, e lixo.

O Deus Lixo do Reino das Coisas Inúteis

Depois de todas essas

observações, há uma constatação ainda a ser feita, que me

parece das mais sugestivas que podemos ler na narrativa de

Arthur Bispo do Rosário: em meio aos ordenamentos e

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Page 33: Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

associações conseguidos por ele, talvez uma das mais

instigantes tenha sido a de associar Deus à mercadoria,

imaginando um Deus profano que rege o Reino das Coisas

Inúteis, um Deus pária, oposto àquele outro Deus da

Mercadoria prevalecente na sociedade de consumo.

É possível que haja nele

uma nostalgia de um mundo ordenado por um Deus, num

Reino em que o indivíduo tenha segurança e sentido, daí sua

tentativa de reordená-lo a partir do lixo em que o humano se

perdeu. Porém, para nós que o olhamos de fora, sua utopia

está mesmo na subversão de sugerir que não há dois mundos,

o de Deus e o do Capital, mas apenas um, com divisões de

circulação e deposição de humanos e de objetos, tal como

sinonímias que se associam a lixo, cujas condições, que se

confundem, de definhamento, finitude e uso descartável são

dissimuladas por uma mistificação divinizada que ainda vende

um Deus e nele um outro lugar que não esse em que lixo e

humanos se espelham.

Para nós, assim como para

Arthur Bispo do Rosário, a idéia de um deus, assim como

sua própria concretização imaginária, somente é possível no

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Reino das Coisas Inúteis, onde sua máxima potencialização

de inutilidade enfim se configuraria como plausível.

Santos, julho-agosto/2006; agosto/2009; outubro/2010

Notas

1 “Homem algum pode viver sem um barco. O homem que não tiver um barco estará perdido” – dito comum de Arthur Bispo do Rosário, cf. MORAIS, Frederico, “Uma história de amor”, in: Registros de minha passagem pela Terra – Arthur Bispo do Rosário – Catálogo da exposição realizada na Escola de Artes Visuais – Parque Lage, de 18 de outubro a 5 de novembro de 1989.

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2 NEGREIROS, Almada. Nome de guerra. In: Obra Completa. Org. Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. (O trecho citado está à p. 254).

3 SEVCENKO, Nicolau, “A ordem e o ‘sinistro’, p. 46 e AQUINO, Ricardo, “Arthur Bispo do Rosário: artista”, p. 77. Aquino menciona a idéia de invenção da arte dos pacientes pela psiquiatria com base no estudo de Mc GREGOR, John M. The discovery of the art of the insane. Princeton/New Jersey, Princeton University Press, 1992, p. 164. In: Ordenação e vertigem, catálogo da exposição realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, com curadoria geral de Jane de Almeida e Jorge Anthonio e Silva, de agosto a outubro de 2003, volume “Ideias/Palestras”.

4 MORAIS, Frederico. Registros de minha passagem pela Terra – Arthur Bispo do Rosário – Catálogo da exposição realizada na Escola de Artes Visuais – Parque Lage, de 18 de outubro a 5 de novembro de 1989; “A reconstrução do universo segundo Arthur Bispo do Rosário”, in: Registros de minha passagem pela Terra, Catálogo da exposição do MAC – Museu de Arte Contemporânea da USP, realizada de 8 de março a 22 de abril de 1990; “Bispo do Rosário conjuga arte e loucura”, in: O Estado de São Paulo, Caderno 2, sábado, 4 de fevereiro de 1996, p. D-12.

5 Arthur Bispo do Rosário, citado por MORAIS, Frederico, “A reconstrução do universo segundo Arthur Bispo do Rosário”, in: Registros de minha passagem pela Terra – Arthur Bispo do Rosário – Catálogo da exposição realizada na Escola de Artes Visuais – Parque Lage, de 18 de outubro a 5 de novembro de 1989.

6 CIORAN, E. M. Breviário de decomposição. Trad. José Thomaz Brum, Rio de Janeiro: Rocco, 1989.

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7 Estas últimas observações sobre a Nave devo a Ana Mae Barbosa, presentes no Catálogo da exposição do MAC – Museu de Arte Contemporânea da USP, realizada de 8 de março a 22 de abril de 1990.

8 PONGE, Francis. O partido das coisas. Org. Ignacio Antonio Neis e Michel Peterson. São Paulo: Iluminuras, 2000. O trecho citado é do poema “Introdução ao partido das coisas” (no livro, à p. 39), traduzido pelos organizadores.

9 A história de Estamira foi assunto da reportagem “Uma mulher de peito”, na revista TPM n.º 56, de agosto/2006, escrita por Micheline Alves a propósito do lançamento do filme documentário sobre ela dirigido por Marcos Prado. In: http://revistatpm.uol.com.br/56/estamira/home.htm

10 PILEGGI, Rubens. “Rabo-de-sangue, mourão-de-ferro, marabá: Jardelina, muito prazer!”, in: Medusa – Revista de Poesia e Arte, Ano 1, n.º 1, Curitiba, novembro de 1998, pp. 26-9. Jardelina faleceu neste ano de 2006. Ricardo Corona, que editou a revista Medusa, onde se publicou esses comentários sobre Jardelina, incorporou os ditos dela num

poema e num espetáculo nominado por uma expressão dela, “Tá viva a letra!”, apresentado pelo país.

11 “Craca”, 1995, apresentada na XLVI Biennale Internazionale D´Arte, Veneza, Itália; Bienal de Gravura de Curitiba, Curitiba, Brasil; Contrastes e Confrontos, Londrina, Brasil. In: http://www.fortesvilaca.com.br/artistas/nuno_ramos/cur_02.html

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12 SANTA CRUZ, Angélica. “Não é lixo, caramba!” – Reportagem em que se registra entrevista feita com Violeta Martinez Rodriguez, in: O Estado de São Paulo, Caderno Aliás, Domingo, 16 julho de 2006.

13 Rachel Whiteread teve exposição de parte de sua obra no MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, na Grande Sala, de 18 de março a 2 de maio de 2004. No catálogo da exposição Ann Gallagher observa que “ao utilizar a técnica tradicional da moldagem, ela dá um sentido inovador à escultura moldando o espaço negativo entre os objetos; o espaço debaixo de uma cadeira ou uma mesa, o vazio debaixo de uma escada, o interior de uma sala ou quarto. Suas esculturas derivam dos objetos básicos que nos rodeiam na vida e até na morte – banheiras, estantes de livros, camas, lajes mortuárias”.

SUMÁRIO

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Estátuas humanas 07

Rosebud, beija-flores e loucos pairando no ar 10

Loucos guiados por cadáveres 13

O partido das coisas 15

De lixo a peça de museu 19

Tudo o que é imaginário existe, e é, e tem 21

Loucura parangolérica 23

“Não é lixo, caramba!” 25

O Deus Lixo do Reino das Coisas Inúteis 28

Notas 30

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Ademir Demarchi nasceu em Maringá-PR, em 1960, e reside

em Santos-SP. Formado em Letras/Francês, com Mestrado

(UFSC-1991) e Doutorado (USP-1997) em Literatura

Brasileira, é editor das revistas BABEL, de poesia, crítica e

tradução, e Babel Poética (1.° lugar no Programa Cultura e

Pensamento 2009/2010) e da editora cartonera Sereia

Ca(n)tadora. Éscritor, autor de Os mortos na sala de jantar

(Realejo Livros, 2007); Passeios na floresta (Editora Éblis,

2008); Do sereno que enche o Ganges (Dulcineia Catadora,

2007); O amor é lindo (Sereia Ca(n)tadora, 2011) entre

outros.

Contato com o autor: [email protected]

EDIÇÕES CAIÇARAS

São Vicente Brasil

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A Edições Caiçaras é uma pequena editora

independente artesanal inspirada nas cartoneras da América

Latina, principalmente na Sereia Cantadora de Santos e na

Dulcinéia Catadora de São Paulo. Nasceu pela dificuldade

homérica e labiríntica em publicar meus livros em uma

editora convencional. É uma forma de reavivar o ideal punk

do “faça você mesmo”, incentivando a auto-gestão e o uso

da habilidade manual , algo que está se perdendo em nossa

sociedade tecnocrata. Assim, de fato, começa a tomar forma

a filosofia da Edições Caiçaras, mais do que um caráter

social, nos interessa, ousar na forma e no conteúdo. Na

forma é um aprimoramento das técnicas das cartoneras - os

livros são feitos com capa dura, costurados com sisal e

presos com detalhes em bambu, e no conteúdo, priorizamos

um diálogo profundo com a Internet e com as literaturas

locais do Brasil.

Márcio Barreto

CATÁLOGO COMENTADO

O Novo em Folha (poesia)

Márcio Barreto

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“Pode-se ler O novo em folha, de Márcio Barreto, como parte de um todo maior relacionado à Arte Contemporânea Caiçara, proposta que relaciona imagens, palavras e sonoridades numa ótica que mescla fontes da literatura, música e filosofia, sustentando o diálogo entre o ancestral e o contemporâneo. Também é possível ler cada volume como uma manifestação artística dentro das experiências no Brasil e no exterior de realizar obras únicas com capas feitas à mão e com material reciclado. Ressalta-se assim o valor do artífice na construção de cada livro que chega às nossas mãos. No entanto, talvez o mais fascinante esteja em deixar um pouco de lado esses dois fatores e mergulhar numa poesia que tem como principal característica justamente uma provocação permanente. As palavras se articulam para gerar indagações constantes no sentido de não aceitar saberes instituídos, estabelecendo dúvidas. O poema”Quando o mar” (“Vivamos/Que a vida passa/Célere como a onda// Que faz do recuo seu avanço”) encerra, por exemplo, uma poesia que traz o novo em folhas de papel, mas amparado por uma concepção da realidade que se propõe a sempre oferecer surpresas.

(Oscar D’Ambrosio) - doutorando em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Mackenzie, é mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp. Integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA-Seção Brasil).

Atro Coração (dramaturgia)

Márcio Barreto

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Page 42: Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

“Um retrato do amor que mistura os textos Romeu e

Julieta e Otelo (Shakespeare), Lua na Sarjeta (David

Goodis) e partes dos filmes O Colecionador (baseado na

obra de John Fowles) e Cenas de um Casamento (Ingmar

Bergman). Assim é Atro Coração, peça escrita por Márcio

Barreto que coloca dois personagens míticos em uma

situação limite: Lilith após ser expulsa do paraíso invade os

sonhos do anjo Gabriel e o seduz. Para puni-los Deus os

lança a Terra como homem e mulher. Destituídos de suas

memórias vagam separados até que o acaso os une

novamente. De um lado o amor não correspondido, do outro

o amor que nasce do medo da morte. Uma peça que discute

os limites do amor através das relações de medo, desejo,

sonho, posse, loucura e realidade. Uma história que nos faz

pensar que não importa o que é o amor, mas o que fazemos

com ele.”

(O Autor)

Nietszche ou do que é feito o arco dos violinos (poesia) -

Márcio Barreto

"A loucura, não em seu contexto patológico, mas

como um campo propício para novas inspirações e idéias,

onde valores e costumes são facilmente rompidos e a

genialidade e a sabedoria misturam-se com universos muita

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Page 43: Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

vezes desconhecidos. Nietzsche, importante filósofo alemão

do séc. XIX, possuía grande paixão pela música, como vemos

em O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música, O Caso

Wagner, um Problema para e Nietzsche contra Wagner

(dezembro 1888). De certo modo, a filosofia encontra na

música um riquíssimo campo para reflexão. Poderíamos

comparar, como faz a física quântica, a gênese do universo às

cordas do violino quando vibram tocadas pelo arco. Acredita-

se que as menores partes do universo agem assim, vibrando e

criando a sua volta. Nietzsche enlouqueceu em janeiro de

1889, em Turim, quando seus olhos enevoados pela miopia se

chocaram com o espancamento de um cavalo. Aos prantos

deixou-se ficar abraçado comovido com seu sofrimento.

Nunca mais esteve lúcido. O arco do violino é feito da crina

do cavalo; antes da loucura Nietzsche era veemente contra a

compaixão."

(O Autor)

Pequena Cartografia da Poesia Brasileira

Contemporânea (poesia) - Marcelo Ariel (Org.)

"O mais interessante é que este livro é uma obra em

processo, saber que ele nasceu na Internet e foi incorporado

aos processos artesanais de fabricação de livros, através da

reciclagem de matérias, é uma coisa importante. O

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Page 44: Obras Cadáveres - Ademir Demarchi

pensamento por trás da própria criação da rede há uma

grande teia artesanal de compartilhamento e irradiação de

informação e conhecimento. Este é para mim, o paradigma

que deu origem, não só a idéia deste livro, isto está no cerne

das questões da poética contemporânea. Quem ler o livro,

perceberá isso, é uma espécie de viagem até os poemas, o

livro está conectado a um site e o site por sua vez, é ele

mesmo, uma obra do artesanato mental. Não explico muita

coisa, mas ao abrir o livro, as coisas podem ficar mais

nítidas e menos enevoadas. Se produz poesia de qualidade

nos dias de hoje e isso passa ao largo do chamado mercado

editorial, mas não é ignorado pelas revistas eletrônicas de

cultura, que cada uma delas se torne um livro, é uma idéia

interessante, que espero, ajudar a disseminar com esta

edição artesanal de textos e poemas anteriormente

publicados no blog-revista.”

(Marcelo Ariel)

IMAGINÁRIO COLETIVO

O Imaginário Coletivo de Arte agrega artistas do litoral paulista em suas diferentes linguagens e tem como proposta fortalecer e propagar a “Arte Contemporânea Caiçara”, valorizando nossas raízes e misturando-as à contemporaneidade. Formado em fevereiro de 2011, é

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resultado de anos de pesquisas desenvolvidas em diferentes áreas que culminaram na busca de uma nova sintaxe através da reflexão sobre os processos criativos na Arte Contemporânea Caiçara.

Seus integrantes convergem da dança, eutonia, teatro, circo, música, literatura, história, jornalismo, filosofia e artes visuais. Estão diretamente ligados à experimentação através de núcleos de pesquisas desenvolvidos no grupo Percutindo Mundos – música contemporânea caiçara (2008), no Grupo de Câmara Quatro Quartos (2010), Núcleo de Pesquisa do Movimento - dança contemporânea (2011), no Espaço de Consciência Corporal Célia Faustino - eutonia (2003), na Cia. Etra de Dança Contemporânea (2001), no Projeto Canoa e Instituto Ocanoa – pesquisa da Cultura Caiçara (2007).

Em seu repertório constam, além de “Ácidos Trópicos”, os seguintes trabalhos: “Atro Coração – uma livre adaptação sobre o amor” (teatro), “Homo Ludens – fluxos, lugares e imprevisibilidades” (dança contemporânea), “Percutindo Mundos – universo em Gentileza” (música), “Quatro Quartos - Chuva no Mar” (música de câmara), Rota Literária (teatro), “Mantramar” (música) e “Trio Kaanoa – pontes e praias” (música).

Ao longo do tempo  realizou encontros, oficinas e palestras, tais como o "Sarau Caiçara" - Pinacoteca Benedito

Calixto - Santos /SP, "Mostra de Arte Contemporânea Caiçara" - Casa da Frontaria Azulejada - Santos/SP, "Itinerâncias - Encontros Caiçaras" - Casa da Cultura de Paraty - Paraty /RJ, "Sarau Filosófico" - SESC Santos - Santos /SP e "Virada Caiçara" - São Vicente /SP.

Seu trabalho está presente em universidades, escolas públicas e instituições de cultura através de cursos,

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apresentações e palestras, além de inserir sua proposta artística  em espaços públicos.

www.edicoescaicaras.blogspot.com

www.youtube.com/projetocanoa

www.percutindomundos.blogspot.com

www.myspace.com/percutindomundos

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Obras Cadáveres foi impresso sobre papel reciclado 75g/m²

(miolo). A capa foi composta a partir de papelão e sacolas

de papel.

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