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OBSERVATÓRIO DA CIDADANIA 2005

OBSERVATÓRIO DA CIDADANIA 2005 - Social Watch · socieconômico de diversos países, ... National Land Committee (Comitê Nacional da Terra), [email protected] • Albânia ... (Fundo

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OBSERVATÓRIO DA CIDADANIA 2005

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O que é o Observatório da Cidadania?A idéia de estabelecer no âmbito da sociedade civil mecanismos permanentesde monitoramento e avaliação do cumprimento da agenda do Ciclo Socialsurgiu em 1995, entre ONGs que participavam da Conferência da ONU sobreo Desenvolvimento Social, em Copenhague. Foi criado então o Social Watch.Seu objetivo é garantir que o esforço de participação e advocacy – presente napreparação e negociação das conferências – continue na implementação doscompromissos sociais assumidos pelos governos, nacional e internacionalmente.

A articulação internacional de organizações da sociedade civil SocialWatch inspirou a criação da iniciativa brasileira Observatório da Cidadania,animada pelo Ibase. Em 1997, o relatório internacional foi publicado pelaprimeira vez em português, consolidando, assim, um grupo de referêncianacional do qual atualmente participam: Ibase, Fase, Inesc, Rede Dawn,Cfemea, CESeC/Ucam e Criola. A edição brasileira também traz o perfilsocieconômico de diversos países, mas difere das demais por contar comuma seção especial sobre o Brasil. As estatísticas, mostrando avanços eretrocessos dos vários países, em relação às metas de desenvolvimentosocial, estão no CD-ROM que acompanha a publicação.

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OBSERVATÓRIO DA CIDADANIA 2005

Rugidos e Sussurros

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OBSERVATÓRIO DA CIDADANIA

COMITÊ COORDENADOR INTERNACIONALRoberto Bissio (Uruguai, Secretariado), Leonor Briones (Filipinas), John Foster (Canadá), Yao Graham (Gana), Jagadananda (Índia), Patricia Jurewicz (Estados Unidos),Rehema Kerefu Sameji (Tanzânia), Jens Martens (Alemanha), Iara Pietricovsky (Brasil), Ziad Abdel Samad (Líbano), Areli Sandoval (México), El Hassan Sayouty (Marrocos)e Simon Stocker (Bélgica)

O Secretariado Internacional do Social Watch está sediado em Montevidéu, Uruguai, no Instituto do Terceiro Mundo (IteM).

OBSERVATÓRIO DA CIDADANIA – BRASIL

Coordenação executivaFernanda Lopes de Carvalho (Ibase)

Grupo de referênciaCândido Grzybowski e Fernanda L. de Carvalho (Ibase), Iara Pietricovsky (Inesc), Jorge Eduardo Durão (Fase), Sonia Corrêa (Rede Dawn), Guacira Oliveira (Cfemea),Silvia Ramos (CESeC/Ucam) e Lúcia Xavier (Criola)

EQUIPE EDITORIAL

Edição internacionalChefia de redação: Roberto BissioEdição: Jorge SuárezEdição associada: Lucy Gray-Donald e Laura PallaresAssistência editorial: Soledad BervejilloProdução: Ana ZeballosEdição e pesquisa: Gustavo AlzugarayPesquisa de ciências sociais: Karina Batthyány (coordenadora), Daniel Macadar, Graciela Dede, Ignacio Pardo e Mariana Sol CabreraTradução: Richard Manning, Alvaro Queiruga, Clio Bugel, Matilde Prieto e Mercedes UgartePesquisa e edição: Gustavo EspinosaAssistência: Marcelo SingerRevisão de textos: Lucía BeverjilloSuporte técnico: Red Telemática Chasque

Edição brasileiraCoordenação: Fernanda Lopes de CarvalhoAssistente de coordenação: Luciano CerqueiraCoordenação editorial: Iracema DantasEdição: Marcia LisboaRevisão: Marcelo BessaRevisão técnica: Fernanda Lopes de Carvalho e Luciano CerqueiraTradução: Jones de FreitasProdução: Geni MacedoProdução do CD-ROM: Socid – Sociedade Digital

Apoio: Novib (Organização Holandesa de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento)

© Copyright 2005

IteM – Instituto del Tercer MundoJackson, 1.136Montevidéu, 11200, [email protected]: + 598-2-411-9222

Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e EconômicasAv. Rio Branco, 124/8o andar – CentroCEP 20040-916 – Rio de Janeiro – RJ – BrasilTel.: +55-21-2509-0660Fax: [email protected]

O conteúdo desta publicação pode ser reproduzido por organizações não-governamentais para fins não-comerciais (enviem-nos cópia). Qualquer outra forma dereprodução, armazenamento em sistema de recuperação de dados ou transmissão de qualquer forma ou por qualquer meio, com fins comerciais, requer autorização préviado IteM ou do Ibase.

Projeto gráfico: G. Apoyo GráficoDiagramação: Mais Programação VisualFotolitos: Ace Digital Ltda.Impressão: J-Sholna Reproduções Gráficas Ltda.

ISSN: 1679-7035

Pedidos de exemplares e CD-ROMs podem ser feitos ao Ibase.

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A INICIATIVA SOCIAL WATCH ESTÁ SENDO PROMOVIDA E DESENVOLVIDA PELOS SEGUINTES GRUPOS, ORGANIZAÇÕES E PARCEIROS:

África do sul: NLC – National Land Committee (Comitê Nacional da Terra), [email protected] • Albânia: HDPC – Human Development Promotion Centre (Centro de Promoção e DesenvolvimentoHumano), [email protected] • Alemanha: Social Watch Germany (Social Watch da Alemanha), [email protected]; Caritas Alemanha; EED – Church Development Service (Serviçode Desenvolvimento da Igreja); DGB-Bildungswerk e.V.; Diakonisches Werk of the Protestant Church in Germany; Fundação Friedrich-Ebert; ; Pão para o Mundo; Terre des Hommes – Alemanha;Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft (ver.di); Werkstatt Ökonomie; Weed (Economia Mundial, Ecologia e Desenvolvimento) • Angola: Sinprof (Sindicato Nacional dos Professores),[email protected] • Argélia: Associação El Amel para o Desenvolvimento Social, [email protected] • Argentina: Cels-Desc (Centro de Estudos Legais e Sociais – Programa de DireitosEconômicos, Sociais e Culturais), [email protected] • Bangladesh: CDL – Community Development Library (Biblioteca de Desenvolvimento Comunitário), [email protected]; UnnayanShamunnay, [email protected] • Barein: BHRS (Sociedade de Direitos Humanos de Barein), [email protected], [email protected] • Benin: Social Watch Benin (Social Watchde Benin), [email protected] • Birmânia: Burma Lawyers Council (Conselho de Advogados da Birmânia), [email protected], [email protected] • Bolívia: Cedla (Centro deEstudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário), [email protected]; Seção Boliviana de DH, Democracia e Desenvolvimento; Aipe (Associação de Instituições de Promoção eEducação); APDHB (Assembléia Permanente dos Direitos Humanos da Bolívia – CBB); APDH-NAL (Assembléia Permanente dos Direitos Humanos); Área Identidade Mulher e Trabalho daFundação Solón; Assembléia Permanente Direitos Humanos; Associação + Vida; Asofamd (Associação de Familiares de Presos Desaparecidos da Bolívia); Capacitação e Direito Cidadão; CáritasLa Paz; Casa da Mulher; Casdel (Centro de Assessoramento Legal e Desenvolvimento Social); Católicas pelo Direito de Decidir; Ceades (Coletivo de Estudos Aplicados ao Desenvolvimento Social);Cedib (Centro de Documentação e Pesquisa da Bolívia); Cenprotac (Centro de Promoção de Técnicas de Arte e Cultura); Centro Gregoria Apaza; Centro Juana Azurduy; Ceprolai (Centro dePromoção dos Leigos); Cidem (Centro de Informação e Desenvolvimento da Mulher); Cipca NAL (Centro de Pesquisa e Promoção do Campesinato); Cisep (Centro de Pesquisa e Serviço Popular);Cistac (Centro de Pesquisa Social, Tecnologia Apropriada e Capacitação); Coletivo Rebeldia; Comunidade Equidade; Coordenação da Mulher; DNI (Defesa da Criança Internacional); DNI-NAL(Defesa da Criança Internacional); DNI-Regional CBB; Ecam (Equipe Comunicação Alternativa com Mulheres); Escritório Jurídico da Mulher; Fundação La Paz; Fundação Terra; Iffi (Instituto deFormação Feminina Integral); Infante (Promoção Integral da Mulher e Infância); IPTK (Instituto Politécnico Tupac Katari); MEPB (Movimento Educadores Populares da Bolívia); Miamsi (AçãoCatólica Internacional); Prodis Yanapakuna (Programa de Desenvolvimento e Pesquisa Social); Rede Andina de Informação; Unitas (União Nacional de Instituições para o Trabalho de Ação Social)• Brasil: Grupo de Referência: Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, observatorio@ ibase.org.br; Cesec/Ucam – Centro de Estudos de Segurança e Cidadania daUniversidade Candido Mendes; Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria; Criola-Rio; Fase – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional; Inesc – Instituto deEstudos Socioeconômicos; Rede Dawn; Abia – Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids; Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais; ActionAid; Afirma Comunicaçãoe Pesquisa; Agende – Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento; AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras; Articulação de Mulheres Negras Brasileiras; Attac – Ação pela Tributação dasTransações Especulativas em Apoio aos Cidadãos; Caces – Centro de Atividades Culturais, Econômicas e Sociais; Ceap – Centro de Articulação de Populações Marginalizadas; Cebrap – CentroBrasileiro de Análise e Planejamento; Cedec – Centro de Estudos da Cultura Contemporânea; Cedim – Conselho Estadual dos Direitos da Mulher; Cemina – Comunicação, Informação e Educaçãoem Gênero; CEN/Fórum de Mulheres do Piauí; Centro das Mulheres do Cabo; Centro de Cultura Luiz Freire; Centro de Defesa da Criança e do Adolescente/Movimento de Emus; Centro de Defesados Direitos Humanos Bento Rubião; Centro de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Candido Mendes; Centro de Estudos de Defesa do Negro do Pará; Cepia – Cidadania Estudo PesquisaInformação e Ação; Cladem – Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; CPT/Fian – Comissão Pastoral da Terra; Comunidade Baha’í; CUT – Central Única dosTrabalhadores; Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria; Fala Preta; Faor – Fórum da Amazônia Oriental; Fórum de Mulheres de Salvador; Fórum de Mulheres do Rio Grande Norte; Geledés –Instituto da Mulher Negra; Grupo de Mulheres Negras Malunga; Instituto Patrícia Galvão; Ippur/UFRJ – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional; Iser – Instituto de Estudos daReligião; MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos; Nova; Observatório Afro-Brasileiro; Observatório da Cidadania; Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em EstudosSociais; Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano; Rede Mulher de Educação; Rede Saúde; Ser Mulher – Centro de Estudos e Ação da Mulher Urbana e Rural; SOS Corpo; SOS Mata Atlântica;Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero; Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz • Bulgária: BGRF (Fundação de Pesquisa e Gênero da Bulgária),[email protected]; Attac – Bulgária; Bepa – Bulgarian-European Partnership Association (Associação da Parceria Búlgara-Européia); National Trade Union Federation of “Light Industry” (FederaçãoNacional dos Sindicatos da Indústria Leve • Camboja: Silaka, [email protected]; ADD – Action on Disability and Development (Ação com Portadores de Deficiências no Processo deDesenvolvimento); Adhoc (Associação de Direitos Humanos e Desenvolvimento do Camboja); CDPO – Cambodian Disabled People’s Organization (Organização Cambojana dos Portadores deDeficiências); Cepa – Cultural and Environment Preservation Association (Associação pela Preservação Cultural e Ambiental); CHHRA – Cambodian Health and Human Rights Alliance (AliançaCambojana pela Saúde e Direitos Humanos); CLO – Cambodian Labor Organization (Organização Trabalhista Cambojana); CSD – Cambodian Women’s Development Agency (Agência deDesenvolvimento das Mulheres Cambojanas); GAD – Gender and Development Agency (Agência de Gênero e Desenvolvimento); Khraco – Khmer Human Rights and Against Corruption Organization(Organização Khmer pelos Direitos Humanos e contra a Corrupção); KKKHRA – Khmer Kampuchea Krom Human Rights Association (Associação Khmer Kampuchea Krom de Direitos Humanos);KKKHRDA – Khmer Kampuchea Krom Human Rights and Development Association (Associação Khmer Kampuchea Krom de Direitos Humanos e Desenvolvimento); KYA – Khmer Youth Association(Associação da Juventude Khmer); LAC – Legal Aid Association (Associação para Assistência Jurídica); Licadho; Padek – Partnership for Development in Kampuchea (Parceria para o Desenvolvimentono Camboja); UPDF – Urban Poor Development Fund (Fundo de Desenvolvimento para os Pobres Urbanos); UPWD – Urban Poor Development Fund (Fundo de Desenvolvimento para os PobresUrbanos); URC – Urban Resource Center (Centro de Recursos Urbanos); USG – Urban Sector Group (Grupo do Setor Urbano); Vigilance (Vigilância) • Canadá: Social Watch Canada – CanadianCentre for Policy Alternatives/The North–South Institute (Centro Canadense para Alternativas de Políticas Públicas/Instituto Norte–Sul), [email protected] • Cazaquistão: Center for GenderStudies (Centro de Estudos de Gênero), [email protected] • Chile: Activa – Área Cidadania, [email protected]; ACJR (Aliança Chilena por um Comércio Justo e Responsável);Anamuri (Associação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas); CEM (Centro de Estudos da Mulher); Codepu (Corporação para Promoção e Defesa dos Direitos do Povo); Coletivo Con-Spirando;Corporação La Morada; Eduk; Foro, Rede de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos; Fundação para Superação da Pobreza; Fundação Terram; Programa de Cidadania e Gestão Local; SOL(Solidariedade e Organização Local) • China: Network (Research Center) for Combating Domestic Violence of China Law Society – Rede (Centro de Pesquisa) da Sociedade Jurídica da Chinapara Combater a Violência Doméstica, [email protected] • Colômbia: Corporación Región, [email protected]; Plataforma Colombiana de DH, Democracia e Desenvolvimento• Coréia do Sul: CCEJ – Citizen’s Coalition for Economic Justice (Coalizão Cidadã pela Justiça Econômica), [email protected], [email protected] • Costa Rica: Centro de Estudos e PublicaçõesAlforja, [email protected]; Agenda Cantonal de Mulheres Desamparadas; Ames (Associação de Mulheres da Saúde); Associação Nossas Vozes; Centro de Educação Popular de Vizinhos;Coordenação de Bairros; Coordenação Técnica do Conselho Consultivo da Sociedade Civil; Fedeaguas-Guanacaste; Frente de Organizações para a Defesa da Seguridade Social; Limpal (LigaInternacional de Mulheres Pró-Paz e Liberdade); Sebana (Sindicato dos Empregados do Banco Nacional); Sinae (Sindicato de Auxiliares de Enfermaria); Sindicato de Profissionais de CiênciasMédicas • Egito: NAHRD – National Association for Human Rights and Development (Associação Nacional para o Desenvolvimento e Direitos Humanos), [email protected] • El Salvador:Cidep (Associação Intersetorial para o Desenvolvimento Econômico e o Progresso Social), [email protected]; Apsal (Ação pela Saúde em El Salvador); Codefam (Comitê de Familiares deVítimas de Violações dos Direitos Humanos de El Salvador); Fuma (Fundação Maquilishuatl); Las Dignas (Associação de Mulheres pela Dignidade e a Vida) • Equador: CDES (Centro de DireitosEconômicos e Sociais), [email protected] • Espanha: Intermón Oxfam, [email protected]; Cáritas Espanhola; CONGDE – Coordinadora de ONG para el Desarrollo (Coordenadora deONGs para o Desenvolvimento) • Estados Unidos: IATP (Instituto para Políticas Agrícolas e de Comércio), [email protected]; AFL-CIO – American Federation of Labor and Congress of IndustrialOrganizations (Federação Americana do Trabalho e Congresso das Organizações Industriais); Center of Concern/US; Gender and Trade Network (Rede de Comércio e Gênero); Inter-AmericanForum & Global-Links Project (Fórum Interamericano & Projeto de Articulação Global-Local); Wedo – Women’s Environment and Development Organization (Organização de Mulheres para oAmbiente e o Desenvolvimento) • Filipinas: Social Watch Philippines, [email protected]; Accord (Organização Alternativa para o Desenvolvimento Rural Baseado na Comunidade); ACT(Aliança dos Professores Conscientes); AER (Ação para as Reformas Econômicas); Afrim (Fórum Alternativo de Pesquisas em Mindanao); Alagad-Mindanao (Aliança contra a Aids em Mindanao);Alay Kapwa-Social Action Center (Alay Kapwa-Centro de Ação Social); Albay NGO-PO Network (Rede de ONGs e Organizações Populares de Albay); Alliance of Community Development Advocates(Aliança de Defensores do Desenvolvimento Comunitário); Angoc – Asian NGO Coalition for Agrarian Reform and Rural Development (Coalizão de ONGs Asiáticas pela Reforma Agrária e oDesenvolvimento Rural); ATD Fourth World Philippines (Ajuda ao Quarto Mundo Filipinas); Bagasse (Aliança Bisaya para o Crescimento das Comunidades de Reforma Agrária e da EmpresaAçucareira Sustentável); Bangon (Aliança Bohol de Organizações Não-Governamentais); Bantay Katilingban; Banwang Tuburan; Bapaka; Bataan NGO-PO Network (Rede de ONGs e OrganizaçõesPopulares de Bataan); Beijing Score Board (Placar de Pequim); Bind – Broad Initiative for Negros Development (Iniciativa Ampla para o Desenvolvimento de Negros); Caret Inc.; Caucus on PovertyReduction (Caucus para Redução da Pobreza); CCAGG; CCF Reconciliation Center (Centro de Reconciliação); CMA-Phils – Center for Migrant Advocacy Philippines (Centro para a Defesa dosMigrantes – Filipinas); CMLC; Code – NGO – Caucus of Development NGO Networks (Caucus de Redes de ONGs de Desenvolvimento); Compax – Cotabato; Co-Multiversity; Convergence; CPED– Center for Policy and Executive Development (Centro de Políticas Públicas e Desenvolvimento do Poder Executivo); Daluyong Ugnayan ng mga Kababaihan – National Federation of Women’sGroup (Federação Nacional de Grupos de Mulheres); Dawn-Southeast Asia/ Women & Gender Institute (Rede Dawn-Sudeste Asiático/Instituto Mulher & Gênero); Ecpat Philippines; Elac – Cebu;Emancipatory Movement for People’s Empowerment (Movimento Emancipatório pelo Empoderamento do Povo); E-Net – Civil Society Network for Education Reforms (Rede da Sociedade Civilpelas Reformas da Educação); FDC (Coalizão pela Libertação da Dívida); Federation of Senior Citizens Association of the Philippines (Federação das Associações de Idosos das Filipinas); Feed theChildren Philippines (Alimentem as Crianças – Filipinas); Focus on the Global South – Philippine Program (Foco sobre o Sul Global – Programa Filipino); Free the Children Foundation (Fundaçãopela Libertação das Crianças); Government Watch – Ateneo School of Government (Observatório de Governo – Escola de Governo Ateneo); IBASSMADC; IDS-Phils (Serviços de DesenvolvimentoIntegral – Filipinas); IID (Iniciativas para o Diálogo Internacional); Iloilo Code of NGOs; Inam – Indicative Medicine for Alternative Health Care System Phils., Inc. (Medicina Indicativa para umSistema de Atendimento de Saúde Alternativo); IPD (Instituto para a Democracia Popular); Issa – Institute for Social Studies and Action (Instituto de Estudos e Ação Social); Jaro ArchdiocesanSocial Action Center (Centro de Ação Social da Arquidiocese de Jaro); Jihad Al Akbar; JPIC-IDC – Justice for Peace and Integrity of Creation – Integrated Development Center (Justiça pela Paz eIntegridade da Criação – Centro de Desenvolvimento Integrado); Kamam; Kapatiran-Kaunlaran Foundation, Inc.; Kasamakapa – multi-sectoral organization of CSOs for environmental anddevelopment in Marinduque (Organização multissetorial de OSCs pelo ambiente e desenvolvimento em Marinduque); Katinig (Kalipunan ng Maraming Tinig ng Manggagawang Inpormal); KFI(Kasanyagan Foundation Inc.); KIN (Kitanglad Integrated NGOs); Kinayahan Foundation (Fundação Kinayahan); Konpederasyon ng mga Nobo Esihano para sa Kalikasan at Kaayusang Panlipunan;La Liga Policy Institute (Instituto de Políticas Públicas La Liga); Labing Kubos Foundation, Inc. (Fundação Labing Kubos); LRC (Centro de Direitos Legais e Recursos Naturais); Lubong SalaknibanMovement; MAG – Medical Action Group (Grupo de Ação Médica); Midsayap Consortium of NGOs and POs (Consórcio de ONGs e Organizações Populares de Midsayap); Mindanawon Initiativefor Cultural Dialogue (Iniciativa pelo Diálogo Cultural de Mindanao); MLF (Fundação Agrária Mindanao); Mode – Management & Organizational Development for Empowerment (Gestão eDesenvolvimento Organizacional para o Empoderamento); National Anti Poverty Commission Basic Sectors (Setores Básicos da Comissão Nacional Antipobreza); Natripal; NCCP – NationalCouncil of Churches in the Philippines (Conselho Nacional das Igrejas nas Filipinas); NCSD (Conselho Nacional de Desenvolvimento Social); Negronet; NGO-LGU Forum of Camarines Sur; NGO-PO Network of Quezon (Rede ONGs-Organizações Populares de Quezon); NGO-PO of Tobaco City; Niugan (Nagkakaisang Ugnayan ng mga Manggagawa at Magsasaka sa Niyugan); Nocfed(Centro para o Desenvolvimento de Negros Oriental); Outreach Philippines, Inc.; Oxfam Grã-Bretanha; Pafpi – Positive Action Foundation Philippines, Inc. (Fundação Ação Positiva das Filipinas);Pagbag-O (Panaghugpong sa Gagmayng Bayanihang Grupo sa Oriental Negros); Paghiliusa sa Paghidaet-Negros; Pahra (Aliança Filipina dos Defensores de Direitos Humanos); PCPD – PhilippineCenter for Population & Development, Inc. (Centro Filipino de População e Desenvolvimento); PCPS – Philippine Center for Policy Studies (Centro Filipino de Estudos de Políticas Públicas); PeaceAdvocates Network (Rede de Defensores da Paz); Pepe – Popular Education for People’s Empowerment (Educação Popular pelo Empoderamento do Povo); Philippine Human Rights Info Center(Centro de Informações sobre Direitos Humanos das Filipinas); Philippine Partnership for the Development of Human Resources in Rural Areas – Davao (Parceria Filipina para o Desenvolvimentode Recursos Humanos em Áreas Rurais – Davao); Phil-Net Visayas; PhilNet-RDI (Rede Filipina de Institutos de Desenvolvimento Rural); Pinoy Plus Association; Pipuli Foundation, Inc.; PLCPD(Philippine Legislators Committee on Population and Development Foundation (Fundação da Comissão de Legisladores Filipinos sobre População e Desenvolvimento); PPI – Philippine PeasantInstitute (Instituto do Camponês Filipino); Process-Bohol – Participatory Research Organization of Communities and Education towards Struggle for Self Reliance (Organização pela Pesquisa

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Participativa em Comunidades e Educação para a Luta por Autonomia); Provincial NGO Federation of Nueva Vizcaya (Federação Provincial de ONGs de Nueva Vizcaya); PRRM – Alliance ofCommunity Development Advocate (Aliança de Defensores do Desenvolvimento Comunitário); PRRM (Movimento para a Reconstrução Rural das Filipinas); RDISK (Instituto de DesenvolvimentoRural de Sultan Kudarat); Remedios Aids Foundation; Research and Communication for Justice and Peace (Pesquisa e Comunicação pela Justiça e Paz); Eletrificação Rural e Crédito na SociedadeFilipina (Reaps); Samapa (Samahang Manggagawa sa Pangkalusugan); Samapaco; Sarilaya; Save the Children Fund U.K.; Silliman University; Sitmo – Save the Ifugao Terraces Movement(Movimento pela Salvação dos Terraços de Ifugao); Centro de Ação Social de Malaybalay Bukidnon; Tacdrup (Centro de Assistência Técnica para o Desenvolvimento dos Pobres Rurais eUrbanos); Tambuyog Development Center (Centro de Desenvolvimento Tambuyog); Tanggol Kalikasan; Tarbilang Foundation; Tebtebba Foundation, Inc.; TFDP (Força-Tarefa Detentos das Filipinas);The Asia Foundation (Fundação da Ásia); The Community Advocates of Cotabato (Defensores Comunitários de Cotabato); TWSC (Centro de Estudos do Terceiro Mundo); U.S. (Save the Children);UKP (Ugnayan ng mga Kababaihan sa Pulitika); Ulap – Union of Local Authorities of the Philippines (União das Autoridades Locais das Filipinas); U-Lead! (União por Liderança Nova); UP-Cids –UP Center for Integrative and Development Studies (Centro de Estudos Integrados e de Desenvolvimento); Urban Missionaries (Missionários Urbanos); WHCF – Women’s Health Care Foundation(Fundação de Atendimento à Saúde das Mulheres); Womanhealth Philippines (Saúde da Mulher nas Filipinas); Women Alliance Movement for Peace and Progress (Movimento da Aliança dasMulheres pela Paz e o Progresso); Young Moro Professionals (Jovens Profissionais de Moro) • Gana: Third World Network Africa (Rede do Terceiro Mundo África), [email protected];Abantu for Development – Ghana (Abantu pelo Desenvolvimento – Gana); Centre for Democracy and Development (Centro pela Democracia e Desenvolvimento); Christian Council (ConselhoCristão); Civic Response (Resposta Cívica); Consumers Association of Ghana (Associação de Consumidores de Gana); Friends of the Earth (Amigos da Terra); Gender Studies and Human RightsDocumentation Centre (Centro de Documentação de Estudos de Gênero e Direitos Humanos); General Agricultural Workers Union (Sindicato Geral de Trabalhadores Agrícolas); Ghana Associationof the Blind (Associação de Cegos de Gana); Ghana National Association of Teachers (Associação Nacional de Professores de Gana); Ghana Registered Nurses Association (Associação deEnfermeiros Registrados de Gana); Integrated Social Development Centre (Centro para o Desenvolvimento Social Integrado); Islamic Council (Conselho Islâmico); National Union of GhanaStudents (União Nacional dos Estudantes de Gana); Network for Women’s Rights (Rede de Direitos da Mulher); Save the Children Ghana (Salvem as Crianças – Gana); Trades Union Congress(Congresso dos Sindicatos); University of Ghana Students Representative Council (Conselho de Representantes dos Estudantes da Universidade de Gana) • Guatemala: Iniap (Instituto dePesquisa e Autoformação Política), [email protected]; Comitê Pequim; Coordenação “Sim, Vamos Pela Paz” • Holanda: NCDO (Comitê Nacional pela Cooperação Internacional e o DesenvolvimentoSustentável), [email protected]; Novib/Oxfam Netherlands • Honduras: CEM-H (Centro de Estudos da Mulher – Honduras), [email protected]; Cehprodec (Centro Hondurenho de Promoçãodo Desenvolvimento Comunitário); Iniciativa da Marcha Mundial das Mulheres – Seção de Honduras • Iêmen: Yemen NGOs for Children’s Rights (ONGs do Iêmen pelos Direitos das Crianças),[email protected] • Índia: Cysd (Centro para a Juventude e o Desenvolvimento Social), [email protected]; Ncas (Centro Nacional de Estudos Jurídicos); Samarthan • Indonésia:PPSW (Centro de Desenvolvimento de Recursos para a Mulher), [email protected]; Asppuk – Association for Women in Small Business Assistance (Associação para a Assistência às Mulheres dePequenas Empresas); Pekka – Women Headed Household Enpowerment Program (Programa de Empoderamento de Mulheres Chefes de Família) • Iraque: Iraqi Al-Amal Association (AssociaçãoIraquiana El-Amal), [email protected] • Itália: Unimondo, [email protected]; Acli (Associação Católica de Trabalhadores Italianos); Arci (Associação Recreativa e CulturalItaliana); Fundação Cultural Responsabilidade Ética; ManiTese; Movimondo; Sbilanciamoci • Japão: Parc – Pacific Asia Resource Center (Centro de Recursos do Pacífico Asiático), [email protected] • Jordânia: Women Organization to Combat I l l i teracy in Jordan (Organização de Mulheres para Combater o Analfabetismo na Jordânia) • Kosovo: Riinvest,[email protected] • Letônia: Letônia NGO Plataform (Plataforma Latívia de ONGs), [email protected] • Líbano: Annd (Rede de ONGs Árabes para o Desenvolvimento),[email protected]; Coordination of the NGOs working in the Palestinian communities in Lebanon (Coordenação de ONGs que Trabalham na Comunidade Palestina no Líbano); Lebanese DevelopmentForum (Fórum de Desenvolvimento Libanês); Movement Social (Movimento Social) • Lituânia: Kaunas NGO Support Centre (Centro de Apoio a ONGs Kaunas), [email protected] • Malásia:Consumers’ Association of Penang (Associação de Consumidores de Penang), [email protected]; Cini Smallholders’ Network (Rede de Pequenos Proprietários de Cini); Penang InshoreFishermen Welfare Association (Associação pelo Bem-estar dos Pescadores Costeiros de Penang); Sahabat Alam Malaysia (Friends of the Earth, Malaysia); Teras Pengupayaan Melayu; ThirdWorld Network (Rede do Terceiro Mundo) • Malta: Kopin – Koperazzjoni Internazzionali (Cooperação Internacional), [email protected] • Marrocos: Espace Associatif (Espaço Associativo),[email protected] • México: Equipo Pueblo, [email protected]; Cátedra Unesco de Direitos Humanos (Unam); Centro de Análise e Pesquisa Fundar; Centro de DireitosHumanos Econômicos, Sociais e Culturais; Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro-Juárez; Centro de Estudos Sociais e Culturais Antonio de Montesinos; Centro de Reflexão e AçãoTrabalhista; Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos; Deca Equipo Pueblo; Defensoria do Direito à Saúde; Escritório Regional para a América Latina e o Caribe da CoalizãoInternacional do Habitat; Espaço de Coordenação das Organizações Civis sobre os Desc; Liga Mexicana pela Defesa dos Direitos Humanos; Red Nacional Milenio Feminista; Seção Mexicana deFian, Casa e Cidade, membro da Coalizão Habitat México • Nepal: Rural Reconstruction Nepal-RRN (Reconstrução Rural do Nepal), [email protected]; All Nepal Peasant Association (Associaçãode Camponeses de Todo o Nepal); Alliance for Human Rights and Social Justice (Aliança pelos Direitos Humanos e Justiça Social); Centre Nepal: General Federation of Nepalese Trade Union(Centro Nepal: Federação Geral dos Sindicatos Nepaleses); Child Worker Concern; Informal Sector Service Centre (Centro de Serviços do Setor Informal); NGO Federation of Nepal (Federação deONGs do Nepal) • Nicarágua: CCER (Coordenação Civil para a Emergência e a Reconstrução), [email protected] • Nigéria: SRI – Socio Economic Rights Initiative (Iniciativa pelos DireitosSocioeconômicos), [email protected]; Center for Human Rights and Development (Centro de Direitos Humanos e Desenvolvimento); Civil Resources Concern; CP – Concerned Professionals(Profissionais Conscientes); Development Support Initiative (Iniciativa de Apoio ao Desenvolvimento); Devnet; Gender & Human Rights/Social Watch – Nigeria (Gênero e Direitos Humanos/SocialWatch – Nigéria); Ledap – Legal Defence and Assistance Project (Projeto de Defesa e Assistência Jurídica); Legislative and Leadership Project (Projeto Legislativo e de Liderança); NigerianHabitat Coalition (Coalizão Nigeriana do Habitat); Peoples’ Rights Organization (Organização dos Direitos dos Povos); Project Alert for Women’s Rights (Projeto Alerta pelos Direitos da Mulher);Rural Women Empowerment Network (Rede de Empoderamento das Mulheres Rurais); Ruwen – Rural Women of Nigeria (Mulheres Rurais da Nigéria); South East Budget Network (Rede deOrçamento do Sudeste); Transition Monitoring Group (Grupo de Monitoramento da Transição), Lagos State Branch; Uyo Youths Foundation (Fundação de Jovens de Uyo) • Palestina: BisanCenter for Research and Development (Centro Bisan de Pesquisa e Desenvolvimento), [email protected]; Palestinian Non-Governmental Organisations’ Network – PNGO (Rede de ONGsPalestinas) • Panamá: Fundação para o Desenvolvimento da Liberdade Cidadã, seção panamenha da Transparência Internacional, [email protected]; Ceaspa (Centro de Estudos eAção Social Panamenho) • Paquistão: Indus Development Foundation (Fundação de Desenvolvimento de Indus), [email protected] • Paraguai: Decidamos, [email protected];Base-Ecta (Educação, Comunicação e Tecnologia Alternativa); CDE (Centro de Documentação e Estudos); Cepag (Centro de Estudos Paraguaios Antonio Guasch); Equipe de Educação em D. H.;Fé e Alegria Movimento de Educação Popular Integral; Ñemonguetara Programa de Educação e Comunicação Popular; Presencia Projeto de Formação e Capacitação da Mulher para a Vida Cívica;Seas – AR (Serviço de Educação e Apoio Social); Sedupo (Serviço de Educação Popular); Serpaj – PY (Serviço Paz e Justiça do Paraguai); Tarea • Peru: Conades (Comitê de Iniciativa; Grupo deAção Internacional), [email protected]; Ceas (Comissão Episcopal de Ação Social); Cedep (Centro de Estudos para o Desenvolvimento e Participação); Grupo de Economia Solidária eAssociação Nacional de Centros; Grupo Gênero e Economia Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Comitê Peru; Rede Jubileu 2000 • Portugal: Oikos, Cooperação e Desenvolvimento,[email protected] • Quênia: Social Development Network (Rede para o Desenvolvimento Social), [email protected]; Action Aid Kenya; Beacon; CGD (Centro de Governança e Desenvolvimento);Coalition Forum on Justice (Fórum da Coalizão sobre a Justiça); Daraja – Fórum de Iniciativas Cívicas; Econews Africa; Education Rights Forum (Fórum de Direitos Educacionais); Femnet (Redede Comunicação de Mulheres Africanas); Kendren – Kenya Debt Relief Network (Rede de Redução da Dívida do Quênia); Kenya Human Rights Commission (Comissão de Direitos Humanos doQuênia); Kenya Land Alliance (Aliança Queniana pela Terra); Kewwo – Kenya Women Workers Organisation (Organização das Mulheres Trabalhadoras do Quênia); People Against Torture (Povocontra a Tortura); Public Law Institute (Instituto de Direito Público); Release Political Prisoners (Soltem os Presos Políticos); Seatini – Southern and Eastern African Trade Information andNegotiations Initiative (Iniciativa de Informação, Negociação e Comércio do Sul e Sudeste da África); Ujamaa Centre (Centro Ujamaa); Undugu Society (Sociedade Undugu) • República Theca:Ecumenical Academy Prague (Academia Ecumênica de Praga), [email protected] • Romênia: Civil Society Development Foundation (Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil),[email protected] • Senegal: Enda Tiers-Monde, [email protected]; Adesen – Association Pour le Développement Économique Social Environnemental du Nord (Associação pelo DesenvolvimentoEconômico, Social e Ambiental do Norte) • Síria: Environmental Tourism Culture Centre – ETCC (Centro de Cultura do Turismo Ambiental), [email protected] • Sri Lanka: Monlar –Movement for National Land and Agricultural Reform (Movimento pela Reforma Agrária e Agrícola Nacional), [email protected] • Sudão: National Civic Forum (Fórum Cívico Nacional),[email protected] • Suíça: Swiss Coalition of Development Organisations/Coalizão Suíça de Organizações de Desenvolvimento (Bread for All, Caritas, Catholic Lenten Fund, Helvetas,Interchurch Aid, Swissaid), [email protected] • Suriname: Stichting Ultimate Purpose, [email protected]; Cafra Suriname (National Department of Caribbean Association forFeminist Research and Action/Departamento Nacional da Associação Caribenha pela Pesquisa e Ação Feminista) • Tailândia: Focus on the Global South (Foco no Sul Global), [email protected];Arom Pongpangan Foundation (Fundação Arom Pongpangan); Center for Social Development Studies (Centro de Estudos sobre o Desenvolvimento Social); Chulalongkorn University SocialResearch Institute (Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Chulalongkorn); Foundation for Children’s Development (Fundação para o Desenvolvimento da Criança); Foundation forWomen (Fundação para as Mulheres); Frontiers for the Advancement of Women (Fronteiras para o Progresso das Mulheres); Political Economy Center (Centro de Economia Política); ThaiDevelopment Support Committee (Comitê de Apoio ao Desenvolvimento Tailandês) • Tanzânia: WLAC – Women’s Legal Aid Center (Centro de Assistência Jurídica da Mulher), [email protected];Afreda (Ação para a Assistência de Desenvolvimento Emergencial); African Youth Development Alliance, Tanzânia Chapter (Aliança Africana para o desenvolvimento da Juventude, Filial Tanzânia);Anistia Internacional (Tanzânia); APT – Association for the Prevention of Torture (Associação para a Prevenção da Tortura); Center for Social Ethics (Centro de Ética Social); Chawata (Chama chaWalemavu Tanzania); CHRP (Centro para a Promoção dos Direitos Humanos); Dolased; Envirocare – Environment, Human Rights Care and Gender Organization (Organização pelo Ambiente,Direitos Humanos e Gênero); Envirohuro – Environment and Human Rights Organization (Organização do Ambiente e Direitos Humanos); Federation of Women Economists in Tanzânia (Federaçãodas Economistas de Tanzânia); JET – The Journalists’ Environmental Association of Tanzânia (Associação Ambiental dos Jornalistas da Tanzânia); Kagde – Kagera Group for Development (GrupoKagera para o Desenvolvimento); Kiwahato (Kikundi cha Haki za wanawake na Watoto); Kiwashe (Kituo cha Wasaidizi wa Sheria); Koshika Women Group (Grupo de Mulheres Koshika); Kuleana –Center for Children’s Rights (Centro dos Direitos da Criança); Kwieco – Kilimanjaro Women Information Exchange and Consultancy Organization (Organização para o Intercâmbio de Informaçõese Consultoria das Mulheres de Kilimanjaro); LHRC – Legal and Human Rights Center (Centro de Assistência Jurídica e Direitos Humanos); Mbezi Biogas and Environment Conservation (Conservaçãodo Biogás e do Ambiente de Mbezi); Mwanza Women Development Association (Associação pelo Desenvolvimento das Mulheres de Mwanza); NYF – National Youth Forum (Fórum Nacional daJuventude); TWG – Taaluma Women Group (Grupo de Mulheres de Taaluma); Tahea – Tanzania Home Economic Association (Associação de Economia Doméstica de Tanzânia); Tahuret – TanzaniaHuman Rights Education Trust (Fundo para a Educação de Direitos Humanos da Tanzânia); Tamwa – Tanzania Media Women Association (Associação de Mulheres da Mídia de Tanzânia); TangaParalegal Aid Scheme (Plano de Assistência Jurídica de Tanga); Tango; Tanzania Human Rights Association (Associação de Direitos Humanos da Tanzânia); Tawla – Tanzania Women LawyersAssociation (Associação de Advogadas da Tanzânia); Tawova – Tanzania Women Volunteers Association (Associação de Voluntárias da Tanzânia); Tayoa – Tanzania Youth Association (Associaçãoda Juventude da Tanzânia); TCRC – Tanzania Conflict Resolution Center (Centro de Resolução de Conflitos de Tanzânia); TGNP; UNA – United Nations Association (Associação das Nações Unidas);Wamata (Walio katika Mapambano na Ukimwi Tanzania); WAT – Women Advancement Trust (Fundo para o Progresso da Mulher); WiLDAF – Women in Law and Development in África (Mulheres na Lei eno Desenvolvimento na África); Women’s Research and Documentation Project (Projeto de Pesquisa e Documentação da Mulher); Zahura – Zanzibar Human Rights Association (Associação deDireitos Humanos de Zanzibar) • Tunísia: LTDH – Tunisian League for Human Rights (Liga Tunisiana de Direitos Humanos), [email protected] • Uganda: Deniva (Rede de Desenvolvimentoda Associação Voluntária de Indígenas), [email protected]; Action Aid Uganda; Africa 2000 Network (Rede África 2000); Centre for Basic Research (Centro de Pesquisa Básica); Fort Portal(Portal Fort); International Council on Social Welfare (Conselho Internacional do Bem-estar Social); Kabarole Research Centre (Centro de Pesquisa Kabarole); MS Uganda; Nurru; Rural InitiativesDevelopment Foundation (Fundação para o Desenvolvimento de Iniciativas Rurais); Sodann – Soroti District Association of NGOs Network (Associação de Rede de ONGs do Distrito de Soroti); Tororo CivilSociety Network (Rede da Sociedade Civil de Tororo); Uganda Debt Network (Rede da Dívida de Uganda); Uganda Rural Development and Training Programme (Programa de DesenvolvimentoRural e Treinamento de Uganda) • União Européia: Eurostep (Solidariedade Européia para a Participação Igualitária do Povo), [email protected] • Uruguai: CNS Mujeres por Democracia,Equidad y Ciudadania (Comissão Nacional de Seguimento Mulheres pela Democracia, Eqüidade e Cidadania), [email protected] • Venezuela: Frente Continental de Mulheres; Comitêde Base “Juana Ramírez, la Avanzadora”; Rede Popular de Usuárias do Banmujer • Vietnã: Gendcen (Centro de Estudos de Gênero, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), [email protected];Vietnam Women’s Union (Sindicato de Mulheres do Vietnã), [email protected] • Zâmbia: WFC – Women for Change (Mulheres pela Mudança), [email protected]

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Sumário

PrefácioPor Fernanda Lopes de Carvalho ........................................................................................................... 9

ApresentaçãoSussurros não bastamPor Roberto Bissio .................................................................................................................................... 11

INFORMES TEMÁTICOS

Promessas quebradas, metas distantes ......................................................................................... 15

Gênero e pobreza: desigualdades entrelaçadas .......................................................................... 27

PANORAMA BRASILEIRO

Entre a política econômica e a questão socialPor Fernando J. Cardim de Carvalho .................................................................................................. 33

Desenvolvimento subordinado ao modelo exportadorPor Adhemar S. Mineiro .......................................................................................................................... 42

Para além da justiça distributivaPor Amélia Cohn ........................................................................................................................................ 49

A luta continua: o combate ao racismo no Brasil pós-DurbanPor Jurema Werneck ................................................................................................................................ 56

Violência, insegurança e cidadania: reflexões a partir do Rio de JaneiroPor Márcia Pereira Leite .......................................................................................................................... 66

PANORAMA MUNDIAL

AlemanhaMetas de Copenhague ainda muito distantes .................................................................................. 73

ChileMenos pobreza, mais desigualdade .................................................................................................... 76

EquadorBonança petrolífera, escassez de cidadania ..................................................................................... 79

Estados UnidosQuando o bem-estar social não é prioridade ................................................................................... 82

IndonésiaPor uma definição plural de pobreza .................................................................................................. 85

MoçambiqueVulnerabilidade extrema .......................................................................................................................... 88

QuêniaSem recursos para financiar o social ................................................................................................. 91

Fontes e recursos internacionais de informação ........................................................................ 94

ONGs de atuação global ........................................................................................................................ 97

Grupo de referência – Brasil .............................................................................................................. 101

Fontes nacionais de informação ...................................................................................................... 102

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Observatório da Cidadania 2005 / 9

PREFÁCIO

Há dez anos, foram realizadas duas conferências do chamadociclo social da Organização das Nações Unidas (ONU): a Cúpulade Desenvolvimento Social, em Copenhague, e a Conferência daMulher, em Pequim. Naquele mesmo ano, surgiu a rede SocialWatch. Seu objetivo é acompanhar (e cobrar) o cumprimento,por parte dos governos signatários das declarações finaisdessas conferências (e das seguintes), dos compromissosassumidos naqueles documentos. O resultado de tal trabalho demonitoramento e cobrança tem sido apresentado nos relatóriosanuais. Nesta décima edição, de número 9,1 intitulada “Rugidose Sussurros”, damos continuidade a esse esforço deinformação e mobilização em torno das metas sociaisacordadas pela comunidade internacional.

As conferências do ciclo social multiplicaram-se depois de1995, abordando aspectos variados da questão social, maspodemos sintetizar seu espírito na definição de iniciativas nosentido de erradicar a pobreza e promover a eqüidade de gêneroe étnica em todos os países. Essas reuniões buscavam tambémvalorizar a ONU como espaço para o debate livre e pacífico entreas nações em torno de uma agenda de transformação social.

Apesar de a retórica das boas intenções usualmente exibidapor representantes de governos, em reuniões dessa natureza,refletir-se poucas vezes no comprometimento real com as suaspropostas, as conferências sociais tiveram um papel importantena mobilização internacional da sociedade civil nestes dez anos.O trabalho de preparação e acompanhamento das reuniões daONU, muitas vezes com o apoio da própria instituição, permitiuo aumento do grau de articulação internacional entre organizaçõesda sociedade civil de âmbito nacional, contribuindo para abusca de espaços próprios de debate, o que gerou iniciativascomo o Fórum Social Mundial e a Chamada Global para a Açãocontra a Pobreza (GCAP, na sigla em inglês).2

Nesses espaços alternativos, tem sido possível examinar commais profundidade e persistência o desempenho dos governosna concretização das metas sociais apresentadas nasconferências sociais, bem como formular propostas maisavançadas de ataque às causas da pobreza e da desigualdade,em todos os seus aspectos.

Na verdade, jamais foram alimentadas ilusões quanto à eficáciadas conferências. Sempre se soube que elas serviriam, na

melhor das hipóteses, para expor a falta de compromissoefetivo de governos nacionais com a questão social. As boasintenções que cercaram a criação da ONU, em 1945, nuncaforam tão longe a ponto de produzir mecanismos pelos quais asdecisões ali tomadas pudessem ser efetivamenteimplementadas. Com isso, a aplicação de acordos assinados emseu âmbito depende da disposição de cada governo em fazê-lo.

Para muitos governos, as conferências pareceram ser poucomais que a oportunidade de seus e suas representantesexibirem dotes de retórica, enquanto suas políticas sociaispermaneceram, como diz o povo estadunidense, business asusual. Os direitos humanos e o combate à pobreza, àdesigualdade, à discriminação, à exploração entre países edentro deles próprios continuariam, em grande medida, tendopouco peso na formulação de políticas econômicas e sociais.Políticas anti-sociais continuaram sendo promovidas em todo omundo. A busca, por parte dos países pobres, de estratégiasautônomas de desenvolvimento continuou ativamentedesencorajada, de modo especial por países mais avançados.Governos de países em desenvolvimento que, por distração ouingenuidade, considerassem as propostas aceitas nasconferências como compromissos efetivos acabariam porencarar a reprovação ativa de instituições como o FundoMonetário Internacional, cujos poderes jamais foram tocadospor essas conferências.

Desse modo, o balanço das conferências realizadas nesses dezanos não pode deixar de ser severo. No entanto, para quem nãotinha ilusões, é preciso reconhecer que, se governos mostraramfalta de seriedade de seus compromissos com metas sociais,interna e externamente, a sociedade civil soube se valer delaspara criar novos mecanismos de articulação, cobrança epressão política. É nesse espírito que a continuidade dotrabalho da rede Social Watch deve ser vista.

A preparação dos artigos do relatório anual do Observatório daCidadania leva vários meses. Por essa razão, não é incomum queo lançamento de cada edição se dê em contextos políticos, nacionale internacional, imprevisíveis quando da finalização dos textos.O Brasil, neste segundo semestre de 2005, vive uma crise políticade grandes proporções e de desfecho totalmente incerto. A rapidezcom que se desdobra e a incerteza de sua solução impedem quemesmo um balanço provisório de seu impacto possa ser realizadoneste relatório. Vale lembrar que o Observatório da Cidadania,desde sua criação, está voltado para a análise de processos epolíticas de longo prazo, e não para a discussão de conjuntura.

1 O primeiro relatório foi de número 0.

2 Ver <www.chamadacontrapobreza.org.br> ou <www.whiteband.org>.

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Observatório da Cidadania 2005 / 10

3 Encontram-se no CD que acompanha esta publicação.4 A 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e

Intolerâncias Correlatas (CMR) foi realizada em 2001, em Durban, África do Sul.

Os Informes Temáticos tratam das diferentes abordagens dapobreza na Cúpula de Desenvolvimento Social de Copenhague e naDeclaração do Milênio e apresentam os 11 pontos referenciais paraa erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades,elaborados por organizações da sociedade civil de todo omundo e encaminhados ao presidente da Assembléia Geral daONU. Um dos artigos reafirma a necessidade de se considerar aligação intrínseca entre gênero e pobreza nas metodologias deavaliação da pobreza e na elaboração de estratégias para o seuenfrentamento. Essas análises devem ser complementadas coma observação dos dados contidos no CD que acompanha estevolume, apontando os avanços e retrocessos de 181 países nasvárias áreas de desenvolvimento social. O panorama mundialapresenta, ainda, relatórios analíticos da situação de 51 paísespreparados pelas coalizões nacionais do Social Watch.3

No Panorama Brasileiro, são analisados os fatores responsáveispela persistência da pobreza e da desigualdade no país.O primeiro texto, de Fernando J. C. Carvalho, parte da constataçãode que, dez anos após a Conferência de Copenhague, o Brasilpouco avançou na abordagem da questão social. Apesar dehaver prometido, no documento que encaminhou à conferência,que a questão social não mais teria um tratamento residual,mas, ao contrário, informaria todas as ações governamentais, opaís não avançou na superação da dicotomia política econômicae política social e na promoção de mudanças estruturais paraalterar o perfil de distribuição de riqueza e renda. Enquanto, nospaíses desenvolvidos, o Estado foi um instrumento deredistribuição de renda, taxando proporcionalmente mais aparcela rica da população, “no Brasil o Estado tornou-se cadavez mais um Robin Hood às avessas – transfere rendas àsclasses médias e altas sob a forma de pagamento de juros”.

No texto seguinte, Adhemar S. Mineiro questiona a forma deinserção comercial internacional do Brasil, baseada na expansãode importações de produtos de baixo conteúdo tecnológico eintensivos em recursos naturais e ambientais. Essa opção pelaexpansão das exportações estaria inviabilizando um projeto dedesenvolvimento com inclusão social, fundado na expansão domercado interno, além de se constituir numa política decrescimento de curto fôlego.

Amélia Cohn retoma a discussão sobre a dificuldade dearticular políticas sociais e econômicas e a necessidade de asúltimas serem ditadas pelos parâmetros dos direitos sociais.Analisa os programas de transferência de renda comco-responsabilidade das pessoas beneficiárias, alertandopara as distinções entre “nova” e “velha pobreza” e osdesafios de criar redes de proteção social proativas. “Trata-sede introduzir na agenda pública a dimensão do bem-estar e dajustiça social, na ótica do acesso a condições concretas quegarantam uma efetiva qualidade de vida dos indivíduos,dentre elas sua autonomia como cidadãos e cidadãsportadores(as) de direitos, e por conseqüência, suaautonomia frente ao Estado.”

Um elemento central no que se refere ao enfrentamento dapobreza e da desigualdade no Brasil é, sem dúvida, a questãoracial, aqui analisada por Jurema Werneck. A autora inicia otexto lembrando que este é o ano da realização da 1a

Conferência Nacional sobre a Desigualdade no Brasil etambém do início do processo preparatório para aconferência Durban+5, que ocorrerá em 2006, em Santiago(Chile).4 Com esse cenário em vista, faz uma rápida revisão dasituação da população negra, analisa a agenda de reivindicaçõesdo movimento negro e elabora um balanço das açõesgovernamentais nessa área nos últimos dez anos.

Um tema recorrente do Observatório da Cidadania, violência einsegurança nas metrópoles, é abordado por Márcia PereiraLeite. A autora parte de informações de pesquisa qualitativa,baseada em entrevistas com pessoas residentes em favelas,para trazer suas vozes e perspectivas ao debate público sobreviolência e insegurança. A associação intrínseca entre favelas eviolência estigmatiza e criminaliza moradores e moradorasdaquelas áreas, contribui para aprofundar o preconceito emrelação a essa população e cria ambiente favorável ao apoio apolíticas de segurança pública desvinculadas do respeito aosseus direitos civis e ao pleno acesso à cidade.

Fernanda Lopes de CarvalhoCoordenadora da edição brasileira do Social Watch/Observatório da Cidadania

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Observatório da Cidadania 2005 / 11

APRESENTAÇÃOSussurros não bastam

“O povo rugiu, mas o G8 apenas sussurrou.” Essa foi apoderosa metáfora usada por Kumi Naidoo, presidente daChamada Global para a Ação contra a Pobreza1 (GCAP, na siglaem inglês), ao expressar sua desilusão com o resultado dareunião dos oito dirigentes políticos mais poderosos do mundona Escócia, em julho de 2005.

Calcula-se que bilhões de pessoas viram os concertostelevisionados do Live 8, no dia anterior à reunião do G8.Milhares delas enviaram mensagens por correio eletrônico oucelulares, exigindo decisões concretas e práticas do G8 contra apobreza: mais ajuda e de melhor qualidade para odesenvolvimento, o perdão da dívida para os países que nãopodem oferecer serviços sociais básicos a suas populações erelações comerciais mais justas.

As expressões da opinião pública exigindo medidas contra apobreza foram tão impressionantes que os oito dirigentesdecidiram demonstrar seu compromisso com a causa,assinando um comunicado final numa cerimônia pública – algopouco habitual nas reuniões do G8. No entanto, além de osanúncios oficiais não terem atendido plenamente as esperanças,mesmo antes de secar a tinta do comunicado, o representantedos Estados Unidos no encontro (principal assessor dopresidente George W. Bush) negou ter concordado comqualquer aumento da ajuda estadunidense.

Naquele momento, a atenção do mundo estava focalizada nasbombas que explodiram no sistema de transporte de Londres.Assim, pouca gente se deu conta do enorme rugido, caladorapidamente e transformado num sussurro envergonhado.

O relatório de 2005 do Social Watch trata precisamente dadistância que separa as promessas da ação. A pobreza e adiscriminação entre os gêneros literalmente matam, e seria possívelevitar milhares de mortes silenciosas ocorridas diariamente.

Há 60 anos, quando foi criada a Organização das Nações Unidas(ONU), a motivação imediata era “preservar as gerações futurasdo flagelo da guerra”. Porém, as pessoas visionárias queescreveram a Carta da ONU em San Francisco já sentiam que a“segurança coletiva” e a ausência de guerras não bastavam enão podiam ser conquistadas sem “reafirmar a fé nos direitosfundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa

2 No Panorama Mundial deste volume, são apresentados os relatórios de sete países.Os demais estão disponíveis no CD que acompanha a publicação.

humana, na igualdade dos direitos dos homens e das mulherese das nações grandes e pequenas”, juntamente com a resoluçãode “promover o progresso social e [...] elevar o nível de vida,dentro de um conceito mais amplo de liberdade”.

Em 1995, quando o fim da Guerra Fria voltou a despertar asesperanças de que finalmente seriam concretizadas aspromessas daquele documento, grupos de cidadãos e cidadãsde todo o mundo se reuniram e criaram o Social Watch, paraapresentar relatórios anuais independentes sobre como osgovernos cumpriam suas próprias normas e promessas.Naquela época, como agora, a atenção estava concentrada naspromessas solenes que fizeram os chefes de Estado de alcançara igualdade entre os gêneros e erradicar a pobreza, “fazendohistória” às vésperas do século XXI.

Este é o décimo relatório do Social Watch. Seu conceitoessencial não mudou: nossos governantes assumiramcompromissos e os cidadãos e as cidadãs têm o direito e aresponsabilidade de exigir que os governos prestem contas desuas promessas e obrigações legais. O que mudou na últimadécada foram as ferramentas de controle do Social Watch e aamplitude de nossa rede.

O primeiro relatório do Social Watch, de 1996, incluía asconclusões das ONGs de 11 países. O relatório de 2005 reúneas conclusões de mais de 50 coalizões nacionais de todos oscontinentes. Cada informe nacional2 foi composto pororganizações e movimentos que realizam atividades ao longode todo o ano sobre os temas de desenvolvimento social.Eles fazem uma reunião anual para avaliar as ações do governoe seus resultados. Suas conclusões não se propõem apenascomo pesquisas, mas são usadas para interpelar asautoridades e ajudar a desenhar políticas públicas melhoresa favor das pessoas pobres.

Os relatórios do Social Watch não são feitos sob encomenda.O tema específico de cada edição é discutido coletivamente ecada grupo nacional decide suas próprias prioridades e ênfases.Os grupos arrecadam seus próprios recursos, usadosmajoritariamente em consultas aos movimentos sociais, parasolicitar provas e validar suas conclusões. O SecretariadoInternacional tem o papel de processar todas essas informaçõese editar o relatório mundial. O Comitê Coordenador

1 <www.chamadacontrapobreza.org.br>

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Observatório da Cidadania 2005 / 12

Internacional do Social Watch, eleito pelas plataformasnacionais numa assembléia, proporciona orientação e liderançaa essa rede. Uma equipe de pesquisadores(as) sociais, radicadaem Montevidéu, sede do Social Watch, obtém as últimasinformações existentes, nacionais e internacionais, e asprocessa com metodologias formuladas, testadas e analisadas afundo nos últimos dez anos, para apresentar as estatísticas decada país e os resumos mundiais incluídos no CD queacompanha esta publicação.

Também no CD, é apresentado um Índice de CapacidadesBásicas – baseado na metodologia originalmentedesenvolvida pela coalizão das Filipinas para monitorar osgovernos locais – e outro indicador também original: o Índicede Eqüidade de Gênero. As conclusões desses índices sãocompatíveis com as dos informes nacionais e com a análisedetalhada de cada uma das dimensões da pobreza e dadesigualdade (educação, saúde, nutrição e habitação).Infelizmente, conclue-se que, sem uma mudança fundamentalnas tendências atuais, simplesmente não serão cumpridas até

mesmo as metas mínimas solenemente acertadas por chefes degoverno e de Estado, durante a Cúpula do Milênio em 2000.

A reunião do G8 na Escócia não gerou o impulso adicionalnecessário para avançar na direção de um mundo livre dapobreza e com igualdade entre gêneros, raças e etnias. Os líderesmundiais tiveram nova oportunidade este ano, quando sereuniram para celebrar o 60º aniversário da ONU, emsetembro, e terão uma última chance quando enviarem seusministros à reunião da Organização Mundial do Comércio(OMC) em Hong Kong, em dezembro.

Ao demonstrar que as promessas anteriores não foramcumpridas, não fomentamos o ceticismo, porém exigimosações. A história continua evoluindo. Ainda não foram ditas asúltimas palavras, e cidadãos e cidadãs podem, sim, fazerdiferença. O momento de agir contra a pobreza é agora!

Roberto BissioSecretariado Internacional do Social Watch

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INFORMES TEMÁTICOS

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Observatório da Cidadania 2005 / 14

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Observatório da Cidadania 2005 / 15

Promessas quebradas, metas distantes

A menos que sejam feitas mudanças substanciais, os objetivos estabelecidos para 2015 pelos governos durante a Cúpula do

Milênio não serão alcançados. É o que comprovam os resultados apresentados por mais de 50 países. Em todas as áreas –

saúde, nutrição, educação ou provisão de serviços essenciais, como saneamento –, os avanços foram insuficientes e, com

grande freqüência, não houve nenhum progresso.

Equipe de pesquisa do Social Watch*

Nenhuma sociedade pode ser florescente efeliz, se a grande maioria de seus membrosforem pobres e miseráveis.

Adam Smith, A riqueza das nações (1776).

Há quase cinco anos, o maior encontro já visto dechefes de Estado e de governo fez esta promessasolene aos povos do mundo: “Não pouparemosnenhum esforço para libertar nossos semelhantes– homens, mulheres e crianças – das condiçõesabjetas e desumanizadoras da pobreza extrema”.1

Já passaram quase dez anos desde que as lideran-ças mundiais assumiram o compromisso solene emCopenhague com “a meta de erradicar a pobreza domundo, por meio de ações nacionais decisivas eda cooperação internacional, como um imperativoético, social, político e econômico da humanidade”.2

Essa é uma agenda ambiciosa. Tão ambiciosaque foi comparada por muitas lideranças à tarefahistórica da abolição da escravatura no século XIX.Inspirados pela Declaração de Copenhague e pelaPlataforma de Ação de Pequim sobre a igualdadeentre os gêneros,3 grupos de cidadãos e cidadãsde todas as partes do mundo se juntaram paraformar a rede do Social Watch. Desde então, todosanos vem sendo publicado um relatório detalhadopara monitorar o cumprimento dos compromissosinternacionais dos governos.

Os resultados apresentados pelas coalizõesnacionais do Social Watch em mais de 50 paísese a análise dos indicadores disponíveis coincidemnum ponto: em grande medida, as promessas nãoforam cumpridas. A menos que, em breve, sejamfeitas mudanças substanciais, os objetivos esta-belecidos para o ano 2015 não serão alcançados.Em todas as áreas – saúde, nutrição, educaçãoou provisão de serviços essenciais, como sanea-mento –, os avanços foram insuficientes e, com

grande freqüência, simplesmente não houve ne-nhum progresso.

São fatos concretos, inquestionáveis. Dife-rentemente das promessas eleitorais de candida-tos e candidatas – muitas vezes vagas, genéricas edifíceis de serem relacionadas a seu cumprimentoreal –, a maior parte dos objetivos estabelecidoscoletivamente por líderes mundiais durante a Cú-pula do Milênio, em 2000, no que ficou conhecidocomo as Metas de Desenvolvimento do Milênio(MDMs), refere-se a objetivos e indicadores muitoconcretos. Ao avaliar a evolução desses indica-dores, comparando com a posição em que cadapaís deveria estar para cumprir os objetivos fixa-dos para 2015, a conclusão inevitável é que, semuma grande melhoria das tendências atuais, essasmetas não serão alcançadas.

Metas de Desenvolvimento do Milênio

1. Erradicar a pobreza extrema e a fome

2. Atingir o ensino primário universal

3. Promover a igualdade entre os gênerose empoderar as mulheres

4. Reduzir a mortalidade infantil

5. Melhorar a saúde materna

6. Combater o HIV/Aids, a maláriae outras doenças

7. Garantir a sustentabilidade ambiental

8. Estabelecer uma parceria global parao desenvolvimento

O que deu errado? Os objetivos eram exa-geradamente ambiciosos ou irrealistas? JanVandemoortele, que ajudou a estabelecer essesobjetivos quando trabalhou no Fundo das NaçõesUnidas para a Infância (Unicef) e que, agora, é ofuncionário de mais alto nível do Grupo de Desen-volvimento da Organização das Nações Unidas(ONU) encarregado de monitorar as MDMs, nãoconcorda com isso: “Em geral, os objetivos quan-titativos foram estabelecidos com base na pre-missa de que os avanços observados nas décadasde 1970 e 1980, em nível global, seriam manti-dos nos 25 anos seguintes, de 1990 a 2015.Por exemplo, se os avanços na sobrevivênciainfantil tivessem continuado como naquelas dé-cadas, a taxa global de mortalidade infantil em2015 seria dois terços menor do que em 1990”(Vandemoortele, 2005).

Em outras palavras, o fato de o mundo só teravançado a metade do necessário para atingir asMDMs significa que a velocidade do progresso emdesenvolvimento social vem diminuindo desde 1990– a despeito de todas as promessas e declarações.

A coalizão do Social Watch no Quênia desco-briu que os gastos governamentais em serviçossociais básicos tinham declinado de 20% do orça-mento nacional em 1980 para 13% em 1995. Entre1997 e 2001, o país gastou 52% da receita totalgovernamental com pagamentos da dívida.

O número de crianças que morrem antes deseu primeiro aniversário não constitui somente umadas MDMs, mas é também um indicador válido decomo um país se desenvolve. Três de cada quatropaíses para os quais há dados disponíveis tiveramdesempenho pior nos últimos 15 anos do que nasdécadas de 1970 e 1980. Em 80% dos países, amortalidade de crianças menores de 5 anos estavacaindo mais rapidamente antes de 1990.

Uma das metas do milênio é que todas ascrianças estejam na escola aos 5 anos. No entanto,o avanço da escolarização também teve seu ritmoreduzido desde 1990. As regiões que progridemem termos de freqüência às aulas na escola pri-mária são a América Latina e a Europa, que já esta-vam em situação melhor em termos comparativos.Paradoxalmente, nesse mesmo período, a edu-cação universitária cresceu de forma intensa emtodas as regiões do mundo. Isso aponta para ocenário social real da última década: desigual-dade crescente. As elites estão em melhor situa-ção em toda parte. No lugar de vermos a dimi-nuição da pobreza, somos testemunhas de umcrescente hiato social.

Por exemplo, nas Filipinas, a coalizão doSocial Watch informa que a relação entre a rendado quintil mais rico da população e do quintil maispobre era de 13 para um em 1990. Em 2000, essadistância aumentou para 16 para um.

Na Colômbia, que tem a segunda taxa maisalta de desigualdade do continente, depois doBrasil, os 10% mais ricos dos domicílios tiveramuma renda 30 vezes mais alta do que os 10% maispobres. Segundo os grupos locais do SocialWatch, essas disparidades são ainda maiores nasáreas rurais, onde o conflito armado desloca cam-poneses e camponesas de seus lares e terras.

Tanto nos países ricos como nos pobres, osavanços da igualdade entre os gêneros são ainda

* Karina Battyány (coordenadora), Marina Sol Cabrera,Graciela Dede, Daniel Macadar e Ignacio Pardo.

1 Cúpula do Milênio, Nações Unidas, Declaração doMilênio, parágrafo 11. Nova York, setembro de 2000.

2 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social,Declaração de Copenhague sobre DesenvolvimentoSocial, Compromisso 2. Copenhague, março de 1995.

3 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher. Declaração ePlataforma de Ação de Pequim. Pequim, setembro de 1995.

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mais lentos. O sindicato da indústria metalúrgicaalemã, IG Metall, faz referência ao “progresso apasso de cágado”. Observou o relatório nacional doSocial Watch da Alemanha: “Caso os salários dasmulheres na Alemanha Ocidental continuem a seaproximar dos salários dos homens no mesmoritmo dos últimos 40 anos, serão necessários nomínimo outros 40 anos para que as trabalhadorasde atividades administrativas e intelectuais, e muitomais de 70 anos para as que realizam tarefas ma-nuais possam alcançar seus colegas masculinos.”

É um paradoxo clamoroso que os avançosmensuráveis em saúde, educação, saneamento epromoção das mulheres tenham diminuído deritmo imediatamente após o fim da Guerra Fria,quando se esperava um grande “dividendo da paz”e quando as lideranças políticas eram unânimes emexpressar seu compromisso com a luta contra apobreza e também quando o público, talvez comoresultado da expansão das comunicações globais,mostrou sua generosidade, como na impressio-nante “onda de solidariedade” que ocorreu logoapós o trágico tsunami de dezembro de 2004.

Uma campanha internacional pela cidadania,a Chamada Global para Ação contra a Pobreza, foilançada, em janeiro de 2005, para exigir mais ajudaoficial (e de melhor qualidade) a países mais po-bres, justiça nas relações comerciais e cancela-mento das dívidas como requisitos para cumpriras metas que foram acordadas no plano interna-cional. No Reino Unido, a campanha adotou oambicioso lema: “Façamos da pobreza uma coisado passado” (Make Poverty History).

Com a esperança de que o G8 (os oito paísesmais poderosos do mundo cujos governantes sereuniram na Escócia, em julho passado) tomas-sem medidas reais contra a pobreza, milhões depessoas ostentaram faixas brancas, o símbolo dacampanha, e um grupo de celebridades organi-zou a série de concertos “Live8”, televisionadossimultaneamente em todo o mundo, o que podeter resultado na maior audiência da história paraum evento. Em contraste com os concertos simi-lares de “LiveAid” há 20 anos, a intenção não foiarrecadar dinheiro para pessoas pobres, e simmotivar seus governos a criarem condições quepermitam e esses cidadãos e cidadãs e a seuspaíses ganharem a vida de forma digna.

Em anos anteriores, manifestantes contra aglobalização ou “altermondialistes” (para usar suaprópria denominação em francês) procuraramimpedir as reuniões do G8, por acreditarem quenada de bom resultaria de um encontro de homenspoderosos que não prestam contas a ninguém.Algumas das reuniões, terminaram antes do pre-visto, devido a distúrbios causados pelas legiõesque impediam a passagem nas ruas. Este ano, emjulho, nem sequer as bombas que explodiram emLondres alteraram a reunião dos governantes, masas decisões adotadas não chegaram nem pertodas esperanças mais realistas. Poucas horas depoisde assinar o documento que se duplicava a ajudaa África até 2010, o governo dos Estados Unidosnegou ter assumido um novo compromisso para

aumentar sua ajuda ao desenvolvimento, uma dasmais baixas, em termos per capita.

Em setembro de 2005, monarcas, presidentese primeiros-ministros de todo o mundo se reuni-ram novamente, desta vez na sede das NaçõesUnidas em Nova York, para avaliar sua gestão arespeito do cumprimento dos objetivos da Decla-ração do Milênio. Kofi Annan, Secretário Geral daONU, encorajou os líderes mundiais a atuar comaudácia e em três direções: paz e segurança, direi-tos humanos e democracia, e desenvolvimentoe erradicação da pobreza. Infelizmente, os re-sultados da cúpula frustraram mesmo as maismodestas expectativas.

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Pobreza e globalizaçãoO que queremos dizer quando falamos sobre pobreza?

ser vista como privação de capacidades básicas,e não meramente como renda baixa” (Sen, 1999).

O Social Watch demonstrou ser possível usarum índice de capacidades que não inclua a rendapara refletir a situação dos países de forma consis-tente com o Índice de Desenvolvimento Humano(IDH) utilizado pelo Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento (Pnud), tendo a vantagemde permitir o monitoramento por província e muni-cípio. Entretanto, os índices refletem médias e nãopermitem contar as pessoas pobres.

A contagem das pessoas pobresA cifra de 1,3 bilhão de pessoas pobres publi-cada pelo Banco Mundial obteve sucesso instan-tâneo e tem sido citada ad nauseam em qualquerpublicação ou discurso relacionado à pobreza.No entanto, o Banco Mundial tem sido acusado deusar uma metodologia que subestima o númerode pessoas pobres (Reddy e Pogge, 2003), basi-camente porque se baseia no “poder de compraparitário” das moedas locais, que é ajustado deacordo com os preços médios nacionais, e nãosegundo os preços realmente pagos pelas pes-soas que vivem na pobreza.

O indicador de US$ 1 por dia também éinapropriado para muitas regiões do mundo. NaAmérica Latina, a Comissão Econômica para aAmérica Latina e o Caribe (Cepal) usa US$ 2por dia para definir a linha de pobreza extrema.Nos Estados Unidos, esse limiar está em tornode US$ 12 por dia.

Enquanto os termos pobreza “extrema” ou“absoluta” tentam definir um mínimo para a sobre-vivência biológica, o conceito de pobreza real-mente utilizado pelas pessoas e que influenciasuas atitudes e decisões é definido socialmente.Assim, no Reino Unido, a medida “BreadlineBritain” define o domicílio como pobre se a maio-ria das pessoas na Grã-Bretanha, na época dessecálculo, considerava que esse domicílio era pobre.De acordo com tal medida, a pobreza cresceu noReino Unido de 21% para 24% entre 1991 e 2001.Mesmo quando o padrão de vida geral se eleva, apobreza também pode crescer, se a sociedade setornar mais desigual.

Segundo análise preliminar de pesquisadorese pesquisadoras do Social Watch, o uso de defi-nições nacionais de pobreza, no lugar da linha de“pobreza extrema” internacional, resultaria numaumento de pelo menos meio bilhão de pessoaspobres, levando em conta somente países derenda média e alta. Em 2003, havia, nos EstadosUnidos, 35,8 milhões de pessoas consideradasoficialmente pobres (12,5% da população; 1,3

milhão a mais do que em 2002). Na União Euro-péia, cerca de 70 milhões de pessoas eram con-tadas como pobres, das quais 5 milhões viviamabaixo da linha internacional de pobreza. Na Amé-rica Latina, existem mais 200 milhões de pessoasvivendo na pobreza, partindo-se mais das defini-ções nacionais oficiais do que dos critérios interna-cionais. Nos países de renda mais baixa, as defini-ções do Banco Mundial muitas vezes se tornaramas oficiais, principalmente por causa da enormedependência desses países dos empréstimos emcondições favoráveis e doações do Banco, o que,por outro lado, facilmente se traduz em depen-dência da ideologia dessa instituição.

Para piorar as coisas, a maioria dos indica-dores de pobreza, incluindo aqueles não-baseadossomente na renda, mas também na satisfaçãodas necessidades básicas, estão fundados empesquisas domiciliares que consideram a famíliacomo uma unidade e assumem que todos osmembros de um domicílio partilham igualmentea renda e os recursos disponíveis – não impor-tando a idade nem o gênero. O resultado é umasubestimação do número de mulheres que vivemna pobreza, pois muitas delas não conseguemsatisfazer suas necessidades básicas, mesmo vi-vendo em famílias que estão acima da linha depobreza (Batthyány et al., 2004).

Mundo mais rico, pobres mais pobresPrecisamos realmente de uma única definiçãointernacional de renda para a pobreza? Para mobi-lizar a opinião pública e fortalecer a vontade polí-tica requerida na implementação desses compro-missos, os indicadores de progresso são, semdúvida, necessários. Porém, a velocidade da re-dução da pobreza pode ser avaliada e comparadasem que tenhamos de recorrer a uma linha depobreza universal única. O que realmente importaé cada país reduzir a proporção e o número depessoas pobres. Um avanço desse tipo seria coe-rente com o mandato do Pacto Internacional sobreos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, quenão condena o Estado por causa da pobreza deseus cidadãos e suas cidadãs, mas exige clara-mente que “todos os meios apropriados” sejamaplicados, até mesmo a cooperação internacio-nal, “no máximo dos recursos disponíveis, demodo a assegurar progressivamente o plenoexercício” desses direitos.6

De acordo com o Programa de Ação da Cúpulasobre Desenvolvimento Social,

a pobreza tem várias manifestações, dentreelas: a ausência de renda e recursosprodutivos suficientes para assegurar umasubsistência sustentável; fome e desnutrição;saúde precária; acesso limitado ou inexistenteà educação e a outros serviços básicos;crescente morbidade e mortalidade causadaspor doenças; ausência de habitação ouhabitação inadequada; ambientes inseguros;discriminação social e exclusão. Também écaracterizada por falta de participação nosprocessos decisórios e na vida civil, social ecultural. A pobreza ocorre em todos os países:de maneira generalizada, em muitos países emdesenvolvimento; como bolsões no meio dariqueza, em países desenvolvidos; com oresultado da perda dos meios de subsistênciaresultante da recessão econômica; de formasúbita, resultante de desastres ou conflitos;atingindo trabalhadores e trabalhadoras combaixos salários; e levando à total miséria aspessoas que ficaram fora dos sistemas deapoio familiares, das instituições sociais e dasredes de proteção social.4

O Programa de Ação ainda enfatiza que a“pobreza absoluta é uma condição caracterizadapela privação severa das necessidades humanas bá-sicas, incluindo alimentação, água potável, sanea-mento, saúde, habitação, educação e informação.Ela depende não somente da renda, como do aces-so aos serviços sociais”.5

A Declaração do Milênio usa o termo “pobrezaextrema” provavelmente com o mesmo sentidoutilizado pela Cúpula Social, pois as duas declara-ções citam a cifra de “mais de um bilhão” de pes-soas na pobreza absoluta ou extrema. No entanto,as MDMs combinam referências às necessidades(alimentação, água) com os meios (renda) quandoprometem reduzir à metade, até o ano 2015, “aproporção de pessoas cujas rendas são menoresdo que US$ 1 por dia” e “a proporção de pessoasque passam fome”, assim como, até essa mesmadata, reduzir à metade “a proporção de pessoassem acesso sustentável à água potável”.

Ao adotar o indicador popularizado pelo Ban-co Mundial de US$ 1 por dia para definir e medira pobreza, a Declaração do Milênio se afasta dospontos de vista da Cúpula Social, assim como daposição do economista Amartya Sen, ganhadordo Prêmio Nobel, segundo o qual “a pobreza deve

4 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social,Programa de Ação, Capítulo II “Erradicação da pobreza”,parágrafo 19. Copenhague, março de 1995.

5 Idem.6 Nações Unidas, Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2º, parágrafo 1º.

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Na verdade, o principal uso do indicador deUS$ 1 por dia é ideológico e político. Esse indica-dor tem levado pesquisadores e pesquisadoras doBanco Mundial a alegarem que a “globalização estáfuncionando”, pois parece apontar que a proporçãode pessoas no mundo vivendo na pobreza estádeclinando num ritmo que torna alcançável a Meta1 de Desenvolvimento do Milênio (MDM 1).

Quando examinamos os números mais deti-damente, descobrimos que, mesmo de acordocom aquele indicador, a pobreza extrema não vemdeclinando e está até mesmo crescendo na África,na América Latina, no Oriente Médio, na Europado Leste e na maior parte da Ásia, com melhoriasconcentradas no Vietnã, na Índia e na China. Estesdois últimos países tiverem um crescimento eco-nômico alto na última década, porém as ten-dências de longo prazo da pobreza na China sãodifíceis de estabelecer por causa da ausência deséries estatísticas históricas confiáveis, ao passoque na Índia “há boas evidências de que as estima-tivas oficiais de redução da pobreza são otimis-tas demais, especialmente para as áreas rurais”(Kozel e Deaton, 2004).

A alegação de que a “globalização está fun-cionando” cai por terra quando se leva em conta asquestões de eqüidade. De acordo com o professorJames K. Galbraith, diretor do Projeto Desigual-dade da Universidade do Texas,

o ‘elemento global’ da desigualdade internados países foi estável de 1963 até em tornode 1971, declinou durante 1979 e depoiscresceu fortemente e continuamente nos 20anos seguintes. Esse padrão é muitosemelhante ao encontrado por Milanovic paraa desigualdade entre os países. Acreditamosque isso revela uma forte evidência de que asforças macroeconômicas globais e, emparticular, o aumento das taxas de juro, ascrises da dívida, a pressão peladesregulamentação, a privatização e aliberalização a partir de 1980 contribuírampara o aumento generalizado dasdesigualdades econômicas nos países.7

“Este trabalho, conclui Galbraith, “levantainevitavelmente sérias questões sobre o papel dagovernança econômica global no aumento da desi-gualdade e nas dificuldades presentes no processode desenvolvimento”.

Globalização aumenta a pobrezaA Comissão Mundial sobre a Dimensão Social daGlobalização (2004) chegou às mesmas conclusões:

A economia de mercado global temdemonstrado uma grande capacidadeprodutiva. Administrada com sabedoria, podeproduzir um progresso material semprecedentes, gerar empregos maisprodutivos e melhores para todos e contribuirde forma significativa para reduzir a pobrezano mundo. Porém, também podemos

observar quão distantes ainda estamos deconcretizar esse potencial. O atual processode globalização está gerando resultadosdesequilibrados, tanto entre os países comono interior deles. A riqueza está sendocriada, mas um número demasiado grandede países e de pessoas não compartilhaseus benefícios.

O motivo disso já estava claro há 250 anospara Adam Smith. Em seu livro A riqueza das na-ções, ele afirmava: “Em toda parte é sempre muitomais fácil a um rico comerciante obter o privilé-gio de comerciar numa cidade corporativizada doque a um pobre artífice trabalhar nela”. E Smithtambém escreveu: “Menos numerosos, os mestrespodem se unir muito mais facilmente e, além disso,a lei autoriza ou, pelo menos, não proíbe essasuniões – enquanto proíbe as dos trabalhadores.Não temos leis do Parlamento contra uniões pararebaixar o preço do trabalho, porém possuímosmuitas leis contra a união para aumentá-lo”.

Nos últimos 15 anos, durante os quais asdesigualdades cresceram e os avanços sociaisdiminuíram de ritmo, os direitos das corporaçõestransnacionais foram expandidos por acordoscomerciais e de investimentos multilaterais, re-gionais e bilaterais, sem que houvesse qualqueraumento paralelo nas suas obrigações, nos di-reitos dos trabalhadores e trabalhadoras ou dosgovernos dos países em que essas corporaçõesoperam. O capital pode se deslocar muito maisrapidamente do que há dois séculos, mas o mes-mo não ocorre com trabalhadores e trabalha-doras, que são forçados a competir numa “corridaao fundo do poço”,NT enquanto os governos se-dentos por investimentos competem oferecen-do mais concessões e isenções fiscais. Regrasdesequilibradas criam resultados desequilibrados.Isso não deve surpreender economistas neoli-berais, pois é precisamente o que Adam Smithobservou e previu!

Se esse é o diagnóstico, ou se reverte a glo-balização ou alguma forma de governança do bem-estar global é atingida. Uma economia globalizadaque pode garantir uma vida digna para todas aspessoas, mas não o faz, parece fadada a ser inse-gura e politicamente inviável.

O urgente e o necessárioPode-se argumentar que perseguir uma ambi-ciosa agenda de governança global é um projetode longo prazo que não responde às necessi-dades urgentes das pessoas desesperadamentepobres e famintas nos dias de hoje. As MDMs,embora certamente não constituam um resu-mo de todas as conferências da ONU na décadade 1990 e definitivamente não sejam um subs-tituto para elas, podem alegar legitimamente

que são uma expressão das necessidades maisurgentes. No entanto, concretizar as MDMs nãoé somente outra tarefa humanitária para serenfrentada com um aumento da ajuda oficialpara os países mais pobres.

Na verdade, se a ajuda internacional fosseduplicada amanhã, o atual sistema macroeconô-mico não permitiria que ela fosse gasta. O BancoMundial e os bancos de desenvolvimento regio-nais já possuem mais dinheiro disponível do queos países são capazes de absorver, segundo asregras do Fundo Monetário Internacional (FMI), ejá recebem mais dinheiro dos países pobres doque desembolsam para eles!

Por exemplo, no período de 2002–2003,Uganda, que enfrenta uma grave crise de Aids,quase rejeitou uma doação de US$ 52 milhõesdo Fundo Global de Luta contra a Aids, Tuber-culose e Malária porque procurava respeitar asestritas limitações orçamentárias que tinhaacordado manter para poder ter acesso aosempréstimos do FMI.

Na recente Conferência Internacional de Aidsem Bangcoc (julho de 2004), especialistas da ONUexigiram um aumento maciço de financiamentopara os programas de Aids e defenderam queUS$ 20 bilhões fossem fornecidos aos países emdesenvolvimento até 2007. Contudo, o relatóriopublicado em outubro de 2004 por quatro dasmaiores agências humanitárias (ActionAid, 2004)argumenta que as políticas do FMI, buscandomanter a inflação em níveis muito baixos, fazemisso ao custo de bloquear gastos públicos maisaltos para o combate à Aids. Um grande númerode especialistas em economia acha que a infla-ção e os gastos públicos podem ser maiores doque os determinados sistematicamente pelo FMI.Assim, as políticas do Fundo solapam a luta glo-bal contra a Aids.

O relatório também argumenta que as políti-cas do FMI tornam difícil para os países mantertrabalhadores e trabalhadoras da saúde, que sãovitalmente importantes, em conseqüência doslimites impostos pelo Fundo sobre as quantiasque os países podem gastar com pessoal empre-gado do setor de saúde pública.

As metas de inflação baixa estabelecidaspelo FMI levam diretamente a limitações sobreos orçamentos nacionais dos países pobres, o queresulta em tetos para os orçamentos nacionaisde saúde. “A maior parte dos países gostaria deaumentar significativamente seus gastos no com-bate à Aids”, afirma Joanne Carter, diretora legis-lativa do Fundo Educacional Results, um grupode lobby baseado nos Estados Unidos, cuja açãoestá concentrada no combate à tuberculose eoutras “doenças da pobreza” nos países em desen-volvimento. “Porém, eles desistiram de tentarlutar contra o FMI porque sabem que têm de res-peitar as exigências dos empréstimos do Fundo,para manter seu acesso à ajuda externa nos níveisatuais. Se você vai contra o FMI, arrisca ser cor-tado de todas as outras fontes de ajuda externa”(ActionAid, 2004).

7 University of Texas, Inequality Project, LBJ School,acessível em: <http://utip.gov.utexas.edu>.

NT Race to the bottom, no original. Descreve a prática decertas empresas de vender seus produtos pelo menorpreço possível, reduzindo ao máximo os custos demão-de-obra.

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Impostos em debateNa defesa de suas regras, o FMI tem argumen-tado que a ajuda internacional não pode ser con-tada como uma fonte confiável de receita (como,por exemplo, os impostos) para apoiar gastoscorrentes por causa de sua volatilidade e seucaráter não-contratual. Isso coloca a bola devolta ao campo dos países doadores e os desafiaa redefinir os fluxos para os países em desenvol-vimento, de modo que sejam previsíveis, confiá-veis e não-voláteis. Foi exatamente esse o focode mais de cem países, reunidos no dia 20 desetembro de 2004, em Nova York, ao exigirem aanálise de novos mecanismos para financiar aerradicação da pobreza, proposta bloqueada peloveto de um único país.

Confrontados com essas duras restriçõesimpostas externamente a seus orçamentos parao desenvolvimento e para as urgências sociais,os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (do Bra-sil) e Néstor Kirchner (da Argentina) assinaram,em 16 de março de 2004, o Ato de Copacabana,conhecido formalmente como a Declaração sobrea Cooperação para o Crescimento Econômicocom Eqüidade, no qual denunciam uma “contra-dição no atual sistema financeiro internacionalentre o desenvolvimento sustentável e seu finan-ciamento”, pela ausência de “mecanismos ade-quados para a solução de crises”, e estabelecemum vínculo entre finanças e comércio, consi-derado como “crucial” para o crescimento. Paramodificar o sistema, eles concordaram em “ne-gociar com instituições de crédito multilateraisde modo que não prejudique o crescimento egaranta a sustentabilidade da dívida, permitindoos investimentos em infra-estrutura”.

Quando uma corporação privada investe eminfra-estrutura, isso é contabilizado como criaçãode ativos e somente um pequeno percentual doinvestimento total afeta o balanço anual comodepreciação. Porém, as contas nacionais somenteregistram receitas e perdas, e todo o dinheirodespendido é registrado como perda. O FMI impõeum teto aos gastos governamentais para gerar um“superávit primário” e garantir a sustentabilidadeda dívida. A proposta de Kirchner e Lula, depoisendossada por todos os ministros da fazenda sul-americanos, foi proceder da mesma forma que ascorporações privadas: depreciar o investimentopúblico em infra-estrutura ao longo de váriosanos, e não como perda no momento do gasto.

O efeito imediato dessa proposta, que atual-mente está sendo estudada pelo FMI, é natural-mente permitir maiores gastos governamentais.No entanto, as implicações de introduzir o con-ceito de criação de ativos nas contas nacionaistêm grande alcance. Isso poderia levar ao fim daexaustão dos recursos naturais, pois correspon-deria a perdas nas contas de ativos. Na propostaargentina original, a formação de “capital huma-no” deve também ser isenta dos tetos de gastosimpostos pelo FMI. Os gastos com saúde e edu-cação poderiam ser vistos como “investimentos”,do mesmo modo que as despesas com infra-

estrutura. Segundo um grande número de eco-nomistas, esses são investimentos que rendemmelhor, e mais rapidamente, do que os grandesprojetos de desenvolvimento convencionais.

Promessas e mais promessasEssas idéias, juntamente com a exigência de umamaior participação dos países em desenvolvi-mento no processo decisório das instituições deBretton Woods, já estavam presentes nas discus-sões em torno do Consenso de Monterrey, queresultou da Conferência sobre Financiamento doDesenvolvimento (2002). Entretanto, essas pro-messas ainda esperam para serem cumpridas, damesma forma que a promessa feita em Doha deiniciar uma rodada de desenvolvimento a fim detornar as regras do comércio mais favoráveis aospaíses em desenvolvimento. Nenhuma dessaspromessas foi ainda concretizada. Ao contrário,esses países estão sofrendo exigências adicionaisem seus setores de serviços, com implicaçõesdiretas na provisão de serviços básicos para aspessoas pobres, como um “preço” por conces-sões nas áreas agrícolas ou têxteis.

De fato, cada uma das avaliações anuaisdessas promessas que o Social Watch vem reali-zando desde 1996 demonstrou que, em geral, ospaíses em desenvolvimento estiveram mais pertode cumprir seus compromissos do que os paísesdesenvolvidos. Além disso, outras avaliações inde-pendentes mostram que, entre os países desenvol-vidos, os membros do G7 são aqueles que estãomais atrasados no cumprimento das promessas.

A adoção de compromissos, metas e objetivoscom prazos por parte da comunidade internacionalpossibilitou o estabelecimento de referenciais(benchmarks), com os quais governos e governan-tes podem ser julgados objetivamente. Em últimaanálise, é o julgamento da opinião pública que tor-na possíveis as mudanças. No entanto, o processodecisório que fará toda a diferença envolve umamultiplicidade de fóruns e instituições, ministros(as)e funcionários(as) diferentes, com resultados fre-qüentemente contraditórios.

Por exemplo, em 4 de outubro de 2004, oComitê das Nações Unidas sobre os Direitos daCriança recomendou enfaticamente aos países daÁfrica Meridional a garantia de que “os acordosregionais e outros acordos de livre comércio nãotivessem um impacto negativo sobre a implemen-tação dos direitos das crianças”. O acordo comer-cial que está sendo atualmente negociado entre obloco regional e os Estados Unidos poderia “afetara possibilidade de fornecer às crianças e às outrasvítimas do HIV/Aids remédios eficazes de formagratuita ou ao menor preço possível”.

Esse tipo de resolução tem implicações glo-bais, pois os dispositivos do texto preliminar sãocomuns a muitos acordos comerciais bilaterais.Discrepâncias similares entre o direito à vida e osdireitos de propriedade intelectual das corporaçõesfarmacêuticas resultaram em uma declaração emDoha e numa extensão desse acordo antes daReunião Ministerial de Cancún, que teve o efeito

de revisar a aplicação do Acordo sobre Aspectosdos Direitos de Propriedade Intelectual Relacio-nados ao Comércio (Trips).

Não existe um supremo tribunal mundial paradecidir o que deve prevalecer quando há conflitosentre os direitos humanos e as regulamentaçõescomerciais. Os defensores dos acordos de comér-cio e investimento e da OMC tentam fazer pressãopara priorizá-los em relação a outros tratados enormas nos principais fóruns internacionais: a im-plementação da Cúpula de Johannesburgo sobreDesenvolvimento Sustentável, o tratado contra otabaco ou as atuais negociações em torno da pro-teção da diversidade cultural. No momento, só épossível ter coerência em nível de chefes de Estadoe de governo. Isso torna a Segunda Cúpula doMilênio tão importante.

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RecomendaçõesReferências da sociedade civil para a revisão de cinco anosda Declaração do Milênio

A segurança não pode ser garantida pela força.Os conflitos não podem ser resolvidos com armas.Somente poderemos ter esperanças de um futuroestável quando confrontarmos seriamente as desi-gualdades que nos dividem, promovermos a justi-ça social e assegurarmos os direitos humanos detodas as pessoas.

Não se pode subestimar a urgência de realizarisso. A ameaça muito real da destruição da vidahumana na sua forma atual, assim como da florae da fauna, pelo aquecimento global, ainda não foienfrentada de forma adequada. O impacto sobreas pessoas começa a ser sentido, afetando mais ascomunidades marginalizadas. Embora os efeitosdevastadores do tsunami asiático possam não serresultado de mudança climática, eles certamenteenfatizaram a vulnerabilidade das comunidadesquando as forças da natureza são liberadas pormudanças no mundo natural em que vivemos.

Sem dúvida, todos compartilhamos a respon-sabilidade de garantir que as ameaças à vida e àsustentabilidade de nosso planeta sejam superadas,até mesmo pela adoção de estilos de vidas respon-sáveis. No entanto, os governos e as pessoas emposição de poder têm uma responsabilidade parti-cular de assegurar que as práticas promovidas epermitidas por eles sejam coerentes com a susten-tabilidade permanente de nosso meio ambiente.

A destruição colossal causada pelo terremotono oceano Índico e o subseqüente tsunami, junta-mente com suas conseqüências, não somente au-mentaram a consciência da responsabilidade inter-nacional, mas também destacaram as diferentesrealidades de segurança para pessoas que vivemem contextos distintos. Isso pode ser contrastadocom as conseqüências de outras crises, tais comoa de Darfur (Sudão), que teve impacto igual sobreas pessoas diretamente afetadas. Da mesma forma,pode ser contrastado com as mortes silenciosas,porém contínuas, de milhões de pessoas, que po-deriam ser evitadas. Ao menos, o tsunami aguçoua percepção pública da complexidade e da reali-dade, eticamente intolerável, da desigualdadeentre as pessoas muito ricas e as muito pobres.

Esses eventos destacam a natureza interli-gada do mundo em que vivemos, onde as conse-qüências de decisões, ações e acontecimentosocorridos numa parte do mundo cada vez maistêm impacto sobre as pessoas e as comunidadesno plano global. Os eventos também ilustramclaramente as conseqüências das desigualdadesflagrantes existentes hoje, não somente na distri-buição de riqueza e renda, como no acesso àspessoas que tomam decisões e ao poder, assimcomo no acesso aos recursos que sustentam aprópria vida. Tais desigualdades, que contribuem

diretamente para gerar a pobreza e para sua ma-nutenção, são aspectos centrais na geração emanutenção da instabilidade.

A revisão da Declaração do Milênio e as po-sições assumidas pelos governos na preparaçãodessa revisão serão analisadas à luz desseseventos. Em setembro de 2005, e durante as pre-parações para a revisão nos meses precedentes,a comunidade internacional teve a oportunidadede confrontar os desafios cruciais de nosso tempoe estabelecer uma estratégia ambiciosa, necessá-ria para assegurar o futuro do mundo para as pró-ximas gerações. O reconhecimento de todos osdireitos humanos deve ser um princípio diretor.O êxito depende do envolvimento de todas aspartes interessadas.

Pessoas de todo mundo sabem o que está emjogo. Aquelas que viveram a experiência do tsunamiasiático compreendem a fragilidade da vida. Os re-fugiados de Darfur entendem as conseqüênciasda insegurança. As comunidades dizimadas peloHIV/Aids lutam pela sobrevivência. Os agriculto-res e as agricultoras que perderam seus meios desubsistência, dos quais dependiam suas famílias,sabem o que significa a miséria absoluta. Paraessas pessoas, e para milhões como elas, as desi-gualdades do mundo têm conseqüências reais.

Foi com base nesse tipo de experiência que asorganizações da sociedade civil de todo o mundose uniram na Chamada Global para Ação contra aPobreza em torno de reivindicações políticas bá-sicas: mais ajuda e de melhor qualidade para aspessoas pobres, justiça nas relações comerciais,cancelamento da dívida e o estabelecimento deprioridades e políticas na luta contra a pobreza,com prestação de contas à cidadania. Essas idéiaslevaram à criação de um movimento de opiniãode grupos comunitários de todo o mundo, ONGs,sindicatos, indivíduos, grupos religiosos, orga-nizações de mulheres, ativistas dos direitos hu-manos e muitos outros. Celebridades, pessoasque atuam na política, diplomatas e cidadãos(ãs)comuns têm expressado apoio a essas reivindi-cações usando uma pulseira branca, um dos sím-bolos da campanha.

Quando o embaixador Jean Ping, presidenteda Assembléia Geral da ONU, pediu às organiza-ções da sociedade civil visões mais específicas erecomendações para a nova Cúpula do Milênio,centenas de organizações e indivíduos endossaramuma lista detalhada de 11 “referenciais”, listadosa seguir, que resumem essas reivindicações.8

No período de 14 a 16 de setembro de 2005, foiavaliada a implementação da Declaração do Milênioà luz dos desdobramentos ocorridos desde suaadoção no ano 2000. Na época de sua adoção, adeclaração era vista como uma agenda para erra-dicar a pobreza durante esta geração.

A Declaração do Milênio está baseada noscompromissos adotados pela comunidade inter-nacional na década anterior, em uma série de con-ferências e cúpulas, incluindo aquelas que trataramde meio ambiente, direitos humanos, igualdade eeqüidade entre os gêneros, desenvolvimento so-cial, direitos da criança, população, direitos sexuaise reprodutivos, direito à habitação e eliminaçãodo racismo e da discriminação.

Como parte de seus compromissos em 1995,a Cúpula Social da ONU reconheceu que a erradi-cação da pobreza era possível, e adotou uma estra-tégia para alcançar esse objetivo. Tal estratégiase baseou em um conceito de desenvolvimentoque não apenas se pautava na pobreza, mas consi-derava o pleno emprego e a inclusão social as-pectos igualmente importantes. A sociedade civildesempenhou um papel ativo nas conferênciasna década de 1990, cobrando os compromissosadotados pelos governos para promover o desen-volvimento por meio da eliminação da pobreza, oestímulo ao pleno emprego e a redução da exclu-são social. Esse compromisso desencadeou nosurgimento de coalizões em todo o mundo quecontrolam ativamente a implementação dos com-promissos assumidos pelos governos.

Desde a Cúpula do Milênio de 2000, ocorrerameventos críticos que abalaram a comunidade inter-nacional: dos ataques de 2001 contra os EstadosUnidos, e as subseqüentes intervenções militaresno Afeganistão e no Iraque, ao tsunami asiático.

Vem prevalecendo um conceito militar de se-gurança que não está baseado numa noção de segu-rança para todas as pessoas – na segurança huma-na em todas suas dimensões. Ao contrário, promo-ve a segurança para algumas, pela concentração depoder nas mãos de poucas pessoas. Além disso, aoreconhecer publicamente uma doutrina de ação mi-litar preventiva unilateral, indo à guerra sem autori-zação da comunidade internacional, com base numadecisão do Conselho de Segurança da ONU, os Es-tados Unidos e seus aliados solaparam os própriosobjetivos para os quais a organização foi criada.

Uma ordem mundial unipolar está sendocriada. Nela, o poder dominante promove umúnico conjunto de valores que abarcam todos osaspectos da vida: econômicos, políticos, cultu-rais, religiosos e éticos. É inevitável que as dife-renças sejam reforçadas, fortalecendo as divisõese a intolerância geradoras de conflitos.

8 O documento completo e a lista de signatários estãodisponíveis em <www.socialwatch.org>.

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Referencial 1:Da erradicação da pobreza à diminuiçãoda desigualdadeO mundo tem os meios para erradicar a pobreza.E isso pode e deve ser realizado. A fome, a des-nutrição e a condenação a uma vida na pobrezasão afrontas à humanidade e uma negação dosdireitos humanos básicos. Assim, temos a obri-gação de erradicar a pobreza e devemos realizartodos as ações possíveis para garantir que esseobjetivo seja atingido. O que está faltando é avontade política de fazer com que isso aconteça.A comunidade internacional deve não somentereafirmar seu compromisso com a erradicação dapobreza em todo o mundo no menor prazo possí-vel, como cada governo deve reconhecer sua obri-gação individual e coletiva de implementar estra-tégias eficazes para sua erradicação.

A pobreza não é um dado estatístico e nãopode ser definida pela renda de US$ 1 ou US$ 2por dia. Não há benefícios em separar as pessoasmuito pobres daquelas que estão quase nessasituação e as pobres dentre as ricas dos paísesem desenvolvimento das pobres dentre as ricasdos países desenvolvidos. Todas essas situaçõesdevem ser enfrentadas. A pobreza está baseadanuma distribuição de renda radicalmente desigual,mas também na distribuição desigual de bens, noacesso desigual a trabalho, emprego, serviços ebenefícios sociais, na distribuição desigual dopoder político e do acesso à informação e à parti-cipação política. Em grande medida, isso é o re-sultado de desequilíbrios muito bem estabelecidose persistentes no funcionamento da economiaglobal. De acordo com a Comissão Mundial sobrea Dimensão Social da Globalização, esses dese-quilíbrios são “eticamente inaceitáveis e politi-camente insustentáveis”. Com maior freqüência,as mulheres estão entre as pessoas que sofremessas desigualdades.

A desigualdade e a injustiça social são fontesimportantes da instabilidade e dos conflitos nacio-nais e internacionais. Enquanto há pessoas lutan-do em busca de meios de sobrevivência, outraspossuem mais do que o suficiente e, com freqüên-cia, procuram acumular ainda mais. Uma respostaadequada à pobreza somente será encontrada eminiciativas amplas e redistributivas, que confrontemtodos os aspectos da desigualdade, com atençãoparticular à sua dimensão de gênero. Uma ênfaseconcertada no desenvolvimento social constituiuma contribuição fundamental para a erradicaçãoda pobreza, focalizada na provisão de saúde bá-sica, educação fundamental, água e saneamento.Alcançar as MDMs na cronologia acordada é so-mente a parte mais urgente do necessário a fazerpara cumprir essas exigências.

A segurança e a estabilidade só podem seratingidas quando a justiça social for assegurada,quando o direito de todas as pessoas aos meiosde vida – água, saúde, alimento, habitação etc. –for respeitado, e quando todas tiverem acessoaos meios de subsistência para si próprias, suasfamílias e comunidades.

Os governos devem assumir o compromissode erradicar a pobreza e de alcançar a justiça social.

Esse referencial exige:• a reafirmação da convicção de que a pobreza

pode ser erradicada, como foi feito há dezanos em Copenhague;

• o compromisso de erradicar a pobreza emcada um dos países até 2025, com a pobrezasendo definida em cada país com base nasdiferentes realidades nacionais;

• o compromisso de que as estratégias nacio-nais para a erradicação da pobreza sejamdefinidas por cada país até 2007, elaboradasem um processo de consultas transparentes,com o engajamento ativo das pessoas pobres;

• a implementação das políticas dedicadas àredução das desigualdades, incluindo aquelasque garantam acesso universal e a custo aces-sível a serviços sociais públicos essenciaisde qualidade, políticas fiscais redistributivase respeito às normas trabalhistas essenciais;

• a suspensão das políticas de privatização e“liberalização” que levam à concentração dosrecursos em poucas mãos, que, com freqüên-cia, são estrangeiras;

• o fortalecimento das exigências de relató-rios e revisões do Pacto Internacional sobreDireitos Econômicos, Sociais e Culturais, paraassegurar revisões mais freqüentes e com-pletas do cumprimento por parte dos Estadosde suas obrigações de direitos humanos emrelação a seus cidadãos e cidadãs;

• o compromisso de informar com regularidadeao Conselho Econômico e Social da ONU(Ecosoc) sobre os avanços na implementaçãodessas estratégias. Os primeiros relatóriosdevem ser apresentados até o ano 2007.

Referencial 2:Melhores estratégias para odesenvolvimento – o papel das instituiçõesfinanceiras internacionais (IFIs)As estratégias de desenvolvimento de um país de-vem estar informadas pelas experiências de seupovo. Nas últimas décadas, extensas condiçõesmacroeconômicas foram vinculadas ao forneci-mento de ajuda para o desenvolvimento e de em-préstimos, assim como ao cancelamento da dívida,com conseqüências desastrosas para o desenvol-vimento social. As políticas de ajuste estrutural,liberalização e privatização aumentaram as desigual-dades, tendo impacto mais severo sobre as comu-nidades e famílias que tinham menos acesso a tra-balho digno e a meios de subsistência sustentáveis.

Para a maioria das pessoas vivendo na po-breza – entre as quais há um número despropor-cional de mulheres e crianças –, a agricultura e apesca são os únicos meios de subsistência viávelpara si próprias e suas famílias. As reformas eco-nômicas impostas aos países em desenvolvimentotêm promovido a produção para a exportação,especialmente de produtos primários, cujos preçosmundiais vêm declinando de forma dramática,

além de gerarem um maior controle dos interes-ses corporativos sobre a agricultura e a pesca.Isso tem causado um crescente empobrecimentode grandes setores das sociedades dos países emdesenvolvimento, para os quais não há alternativas.

A noção de que as medidas para aumentar ocomércio levariam à erradicação da pobreza nãotem funcionado, como pode ser comprovado porvárias análises estatísticas que cobrem os 20 anosdecorridos desde a imposição de políticas de libe-ralização do comércio e dos modelos de desen-volvimento econômico voltadas para a exportação.Embora os Planos Estratégicos de Redução daPobreza (PRSP, na sigla em inglês)9 do FMI e doBanco Mundial tivessem sido supostamente in-troduzidos para enfrentar esses efeitos negativos,isso não aconteceu.

Em teoria, o objetivo desses planos estraté-gicos de assegurar que as estratégias de desen-volvimento de um país fossem focalizadas adequa-damente na pobreza e que a alocação da ajudapara o desenvolvimento tivesse crescente “con-trole” do país recipiente estava de acordo comespírito da MDM 8 e sua “parceria global para odesenvolvimento”. No entanto, a experiênciamostra que isso continua longe da realidade e quenumerosas condições macroeconômicas sãoainda vinculadas à ajuda.

Os empréstimos do Banco Mundial apóiamprogramas específicos de reformas, que incluemações (condicionalidades) consideradas críticaspara o êxito do programa pelo Banco e pelo FMI.As negociações de empréstimos são ainda condu-zidas a portas fechadas nos ministérios da fazendae nos bancos centrais. As políticas macroeconô-micas fracassadas no passado continuam a serpromovidas. Não é surpreendente que o “controle”das estratégias de desenvolvimento nacional nãotenha correspondido às suas promessas.

A retirada do Estado e a privatização da pro-visão de serviços, como atendimento à saúde,água e educação, nega acesso cada vez mais àspessoas que não podem pagar por algo que cons-titui um direito humano básico. A globalização ea liberalização do comércio, a corporativização daagricultura e outras formas de produção não de-vem ser os marcos de referência da agricultura.Ao contrário, os princípios diretores devem ser:os meios de subsistência locais e sustentáveis, asegurança alimentar, a regeneração ambiental eas preocupações sociais.

Os governos devem promover estratégias dedesenvolvimento baseadas nas necessidades eexperiências das pessoas.

Esse referencial requer:• o fortalecimento da formulação nacional de

políticas públicas, baseadas nas necessidadese prioridades definidas no plano nacional e iden-tificadas por meio de processos participativos.

9 Planos Estratégicos de Redução da Pobreza sãodocumentos de políticas exigidos pelo Banco Mundial e o FMIdos países pobres altamente endividados, como precondiçãopara obter qualquer alívio em suas dívidas externas.

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Isso deve ser definido num marco de referên-cia baseado nos direitos e permitir que os inte-resses autodefinidos dos(as) vendedores(as) derua, trabalhadores(as) industriais, pescadores(as)e trabalhadores(as) do campo sejam clara-mente refletidos nas estratégias nacionais dedesenvolvimento;

• a transparência no processo de estabeleceruma estratégia nacional de desenvolvimentoque apóie a participação efetiva das partesnacionais interessadas na formulação depolíticas públicas nacionais;

• o estabelecimento de PRSPs que digam res-peito à apropriação real (ownership), por meiode um processo decisório definido nacional-mente, com participação efetiva da sociedadecivil e transparência (accountability) peranteos parlamentos nacionais;

• reformas agrária e aquária realizadas paragarantir que agricultores e agricultoras,pescadores(as) e outras comunidades ruraistenham acesso, controlem e administrem osrecursos produtivos. É preciso focalizar espe-cialmente nas mulheres, assegurando a ma-nutenção de seu controle e acesso a recursos,tais como sementes.

Referencial 3:Alcançar a igualdade e a eqüidadeentre os gênerosA redução da pobreza e o empoderamento dasmulheres estão vinculados de muitas maneiras.As mulheres constituem a maioria das pessoaspobres do mundo e muitas vezes suportam a cargasocial e econômica de cuidar dos indivíduos maisvulneráveis da comunidade, como crianças, pes-soas idosas e doentes. As mulheres e as meninasque vivem na pobreza também correm mais riscosde se tornarem vítimas da violência de gênero,têm mais probabilidade de serem infectadas peloHIV/Aids, de morrerem ao nascer ou serem ven-didas como escravas.

As reformas econômicas que desmantelamas obrigações sociais do Estado e privatizam benspúblicos têm um impacto desproporcional sobreas mulheres e aprofundam a desigualdade entre osgêneros, uma vez que as mulheres são pressiona-das a preencher as lacunas deixadas pelo Estado.Ao mesmo tempo, as mulheres constituem agentesativos vitais de qualquer estratégia para erradicara pobreza. Bloquear o acesso pleno e livre das mu-lheres ao setor econômico e ao mercado de traba-lho não é somente uma negação de seus direitoshumanos básicos, mas também prejudica o de-senvolvimento econômico de um país. A pobrezanão pode ser enfrentada com êxito sem assegurara igualdade de acesso aos meios de subsistênciae a eqüidade de oportunidades entre homens emulheres. Embora a igualdade e a eqüidade entreos gêneros sejam objetivos fundamentais em simesmos, também são requisitos essenciais paraa erradicação da pobreza.

Os objetivos das MDMs relacionados ao em-poderamento das mulheres (MDMs 3 e 5) devem

ser alcançados, mas não são suficientes. Para atin-gir a meta de eqüidade entre os gêneros, deve-seentender esse conceito de modo abrangente, nãopodendo ser somente limitado às questões incluí-das nas MDMs. Outros aspectos cruciais, como con-flitos, violência, direitos sexuais e reprodutivos, as-sim como os direitos em geral, também devem serclara e explicitamente enfrentados. É imperativo queas relações entre eqüidade de gênero, erradicaçãoda pobreza e promoção da justiça social sejamamplamente incorporadas às estratégias futuras.

Os governos devem reconhecer plenamentea centralidade da igualdade e da eqüidade entreos gêneros para o êxito de qualquer estratégia dedesenvolvimento.

Esse referencial requer:• ênfase crescente em atingir a igualdade entre

os gêneros na implementação nacional, regio-nal e internacional da estratégia de desen-volvimento, por meio do estabelecimento deobjetivos significativos e de indicadores paramedir seus avanços;

• identificação de medidas explícitas para alcan-çar a igualdade entre os gêneros, no contextoda MDM 8, especialmente para assegurar queseja promovida nos PRSPs e na nova arqui-tetura da ajuda;

• um acordo entre doadores e seus parceirospara alocar 10% dos recursos à promoçãoda igualdade entre os gêneros e apoiar ativi-dades específicas que promovam o empode-ramento das mulheres;

• cada governo deve implementar seus com-promissos de promover a igualdade entre osgêneros assumidos na Convenção sobre aEliminação de Todas as Formas de Discrimi-nação contra a Mulher – Cedaw (1978) e naDeclaração e Plataforma de Ação de Pequim(1995), assim como de adotar um protocolofacultativo à Cedaw.

Referencial 4:Tomar medidas urgentes dianteda mudança climáticaO complexo equilíbrio ecológico de nosso planeta,que é a base da própria vida, enfrenta ameaçassem precedentes, em grande parte como conse-qüência das estratégias de desenvolvimento per-seguidas pela humanidade. Nossa própria sobre-vivência pode depender de ações radicais e ime-diatas para combater as pressões insustentáveis quecriamos. Já podemos verificar crescentes ameaçasàs comunidades em todo o mundo. As pessoasmais afetadas pelas conseqüências imediatas dadegradação ecológica e das mudanças ambientaissão as mais vulneráveis – especialmente as comu-nidades marginalizadas e as que vivem na pobreza.

Muitos aspectos do equilíbrio ecológico domundo precisam ser enfrentados, mas o aqueci-mento e a mudança climática globais representamuma ameaça significativa. As temperaturas maisaltas já aceleraram o ritmo do degelo das geleirasárticas, e estudos científicos recentes apontam queestarão reduzidas em 50% no fim deste século.

Previsões estimam que, até o ano 2050, mais de1 milhão de formas de vida terá sido perdido.

Quando medidas são implementadas, issoocorre de forma lenta e insuficiente, especialmentese considerarmos as possíveis conseqüênciascalamitosas. A relutância de algumas nações,particularmente daquelas desproporcionalmentemais responsáveis pelas emissões que causam oaquecimento global, em assinarem o Protocolode Quioto não deve impedir a execução de açõesurgentes. Com a entrada em vigor do protocolo emfevereiro de 2005, a implementação da reduçãodas emissões e o financiamento dos compromis-sos deveriam continuar em caráter de urgência.Além disso, considerando os indicadores recentessobre o ritmo e a profundidade do aquecimentoglobal, deveriam ser estabelecidas rapidamentenovas e mais estritas taxas de redução dos gasesque causam o efeito estufa.

Os padrões de desenvolvimento aplicadospela humanidade nos últimos três séculos, espe-cialmente nas décadas mais recentes, são a prin-cipal causa das emissões dos gases estufa respon-sáveis pela mudança climática. As nações ricas,pelo estilo de vida de suas populações, têm geradoa maior parte dessas emissões. A ameaça que amudança climática representa para toda a humani-dade exige uma resposta conjunta, com a adoçãode medidas radicais imediatas para reduzir essasemissões e enfrentar suas conseqüências. A res-ponsabilidade primária de tais ações recai sobregrupos que mais se beneficiaram de suas causas.

Como parte da necessidade urgente de açõesradicais, as futuras estratégias de geração de ener-gia devem priorizar fontes seguras, renováveis enão-poluentes. Levando em conta a naturezadessa ameaça, que representa perigo para a vida,os interesses da comunidade global não podemficar reféns daqueles poucos países que não seunem ao esforço comum.

Os governos devem tomar medidas urgen-tes e ousadas para enfrentar a mudança climáticae a degradação ambiental do nosso planeta.

Esse referencial exige:• o reconhecimento explícito da ameaça grave e

imediata representada pela mudança climática;• a implementação imediata das medidas de

redução das emissões incluídas no Proto-colo de Quioto;

• o início urgente das negociações para ime-diata revisão dos compromissos existentese para um acordo sobre as ações de longoprazo, dentro de um marco de referênciaglobal eqüitativo, que evitará os impactosmais perigosos da mudança climática;

• a provisão de recursos financeiros adicionais,por meio de aumento substancial do nível definanciamento do Fundo Global para o MeioAmbiente (GEF, na sigla em inglês), introdu-ção de taxas de usuário relacionadas às emis-sões no espaço aéreo internacional e nosoceanos, introdução de um imposto sobre ocombustível de aviação com o objetivo decompensar os danos climáticos causados

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pelo tráfego aéreo e, ao mesmo tempo, acabarcom o subsídio indireto dado à indústria deaviação, pela isenção de impostos sobre ocombustível de aviação;

• medidas para preparar as comunidades maisvulneráveis diante dos impactos inevitáveis,assim como medidas para proteger a flora ea fauna do mundo;

• o compromisso com o princípio de responsa-bilidade comum, porém diferenciada, como foiacertado na Declaração do Rio, segundo a qualas pessoas e os países pagam os custos deenfrentar a mudança climática em proporçãoà sua contribuição para os efeitos causadores;

• o compromisso com o uso crescente de for-mas renováveis de geração de energia.

Referencial 5:Impedir a militarizaçãoe a proliferação de armasO “dividendo da paz”, que despertou muitas es-peranças no fim da Guerra Fria, nunca se concre-tizou. Surgiram novas formas de militarização, àmedida que os governos, os movimentos de opo-sição e outros grupos buscavam impor sua von-tade por meio da força das armas. Qualquer quefosse a justificativa, as intervenções militares, emquase todas as circunstâncias, não resultaram emestabilidade. Ao contrário, o resultado tem sidomenos estabilidade, como ocorreu no Iraque.Além disso, o fornecimento de ajuda humanitá-ria, que deve estar disponível de forma não-dis-criminatória a pessoas diretamente afetadas pordesastres e conflitos, tem sido cada vez mais asso-ciado a objetivos militares, por causa do uso depessoal militar na distribuição da ajuda.

O comércio global de armas tem um enormeimpacto humano, agravando e sustentando con-flitos, promovendo a insegurança e solapando odesenvolvimento em algumas das regiões maispobres do mundo. A cada minuto, pelo menos umapessoa morre em alguma parte do mundo em vir-tude da violência armada. Em vários países, recur-sos naturais preciosos, como diamantes e cobre,estão sendo explorados em troca de armas utili-zadas para cometer atrocidades terríveis. As mu-lheres e as crianças são especialmente vulnerá-veis: jovens e adultas são estupradas sob a ameaçade armas, enquanto crianças são usadas comosoldados – estima-se que 300 mil lutem em confli-tos em todo o mundo. A proliferação do comérciode armas é um exemplo cruel da incoerência daspolíticas dos doadores internacionais.

Os Estados que mais lucram com esse comér-cio são os cinco membros permanentes do Conse-lho de Segurança da ONU, que juntos controlamcerca de 80% das exportações registradas de ar-mas convencionais. Entre 1998 e 2001, os EstadosUnidos, o Reino Unido e a França ganharam maiscom o comércio de armas do que contribuírampara a ajuda internacional. Além disso, o relaxa-mento dos controles de vendas de armas, depoisdo 11 de Setembro, está levando a uma nova proli-feração de armamentos. As armas continuam a ser

canalizadas para países com um histórico de pre-cário respeito aos direitos humanos e para paísesem desenvolvimento que gastam mais com defesado que com os serviços sociais básicos, desviandorecursos de áreas como saúde e educação.

A comunidade internacional precisa demons-trar coerência com seus próprios compromissosde promover a paz e a estabilidade no mundo.

Os governos devem assumir o compromissode reduzir drasticamente os gastos militares eimplementar controles estritos e legalmente vincu-latórios sobre a venda de armas.

Esse referencial requer:• o compromisso vinculatório de pelo menos re-

duzir à metade os gastos militares de cada paísaté o ano 2015 e utilizar o resultante “dividendoda paz” para finalidades sociais e ambientais;

• o compromisso vinculatório de promover odesarmamento geral e de banir todas as ar-mas nucleares e de destruição em massa;

• a adoção de um tratado sobre o comércio glo-bal de armas, que possa fornecer algumassalvaguardas para o que atualmente é ummercado desregulamentado. Esse tratadoasseguraria que todos os governos contro-lassem as armas de acordo com as mesmasnormas internacionais;

• o compromisso de remover milhões de armasilegais e excedentes que já estão em circulação;

• o compromisso de respeitar a neutralidade ea imparcialidade da ajuda humanitária, tantoem relação à sua distribuição como em relaçãoàs organizações humanitárias encarregadasdessa tarefa.

Referencial 6:O financiamento do desenvolvimentoÉ responsabilidade de todos os governos e daspessoas de toda parte do mundo gerar os recursosfinanceiros necessários para alcançar o desenvol-vimento sustentável, no qual as necessidades bási-cas sejam atendidas e todas as pessoas tenham aoportunidade de viver plenamente. As maioresresponsabilidades cabem às nações, corporaçõese indivíduos mais ricos. Como foi claramente iden-tificado no relatório do Projeto Milênio, os atuaisníveis de financiamento para o desenvolvimentosão insuficientes até mesmo para atingir os obje-tivos mínimos estabelecidos nas MDMs. Alémdisso, muitas formas de financiamentos, supos-tamente fornecidos para o desenvolvimento, narealidade contradizem as metas que promoveriam.Embora reconhecendo a importância crucial docomércio e do investimento na geração dos recur-sos necessários para garantir formas sustentá-veis de desenvolvimento, isso continuará sendoinsuficiente para os países em desenvolvimento,especialmente para aqueles de baixa renda.

Geração do financiamento internacionalpara o desenvolvimentoPara que a comunidade internacional cumpra seuscompromissos e obrigações de erradicar a pobreza,

é necessário que haja um aumento substancialda disponibilidade de financiamento para o de-senvolvimento. Isso somente pode ser atingidoassegurando aumentos reais nas transferênciasde financiamento dos países ricos para os maispobres, especialmente nos seguintes aspectos:

• Aumento da ajudaPara muitos países de baixa renda, a ajuda é afonte mais importante de financiamento visandoo desenvolvimento e também a única fonte realde investimento para a infra-estrutura social bá-sica, vital quando se quer garantir o bem-estar desuas populações e enfrentar a pobreza. A ajudasomente será eficaz quando for sustentável eprevisível, contribuindo para as estratégias dedesenvolvimento definidas pela própria nação.Ela precisa ser livre de vinculações impostas pe-los doadores, que não somente distorcem seuvalor, como prejudicam o compromisso da naçãocom as políticas de desenvolvimento.

Os governos devem garantir que os níveisde ajuda sejam aumentados substancialmente, demodo que as estratégias de desenvolvimento pos-sam ser implementadas.

Em especial, isso exige:• o compromisso com a duplicação imediata

da Ajuda Oficial para o Desenvolvimento(AOD) até 2006 para financiar as MDMs;

• o compromisso de cada governo doador deprover pelo menos 0,7% do seu ProdutoNacional Bruto (PNB) no máximo até 2015;

• cada governo doador que ainda não alcan-çou a meta da ONU deveria ter apresentadoplanos na cúpula de setembro sobre comoatingiria essa meta.

• Cancelamento da dívidaEmbora haja um reconhecimento claro de que,para muitos países em desenvolvimento, as obri-gações do serviço da dívida solapam o desenvolvi-mento, poucas ações foram realizadas para asse-gurar que os níveis da dívida fossem sustentáveis.

Os governos devem adotar medidas que, deuma vez por todas, eliminem os níveis insusten-táveis da dívida para todos os países em desen-volvimento, de renda baixa e média. A sustenta-bilidade da dívida precisa ser medida, entre outrosfatores, em relação à necessidade de os paísesendividados cumprirem as MDMs.

Isso exige, em especial:• cancelar completamente as dívidas nos casos

em que deixar de fazê-lo solaparia a capaci-dade do país de atingir as MDMs;

• promover um cancelamento substancial dedívidas de países de baixa e média renda,além da Iniciativa dos Países Pobres Altamen-te Endividados (HIPC, na sigla em inglês);

• estabelecer imediatamente um procedimentode arbitragem justa e transparente para en-frentar as questões de dívidas insustentáveis,dando o direito de expressão a todas as partesinteressadas, protegendo as necessidades

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básicas dos devedores e instituindo umasuspensão automática do serviço da dívida.Esse procedimento deve estar baseado numorganismo decisório neutro, independentedas instituições financeiras internacionais(IFIs), da OMC e de instituições similares;

• assegurar que o financiamento para o can-celamento da dívida seja adicional à meta dodoador de atingir seu compromisso de for-necer 0,7% do PNB na AOD;

• realizar o cancelamento da dívida sem con-dições impostas à política econômica, taiscomo privatização e liberalização.

• Instituição de impostos internacionaisCada vez mais, tem sido reconhecida a necessi-dade de novas formas de financiamento interna-cional para o desenvolvimento. Agora é necessárioque sejam assumidos compromissos para trans-formar isso em realidade. Muitas das propostasfeitas são justificadas e viáveis. Em muitos casos,a implementação dos impostos propostos nãosomente forneceria recursos adicionais para odesenvolvimento, como cumpriria um papel cons-trutivo na regulamentação de ações que causaminstabilidade nos sistemas econômicos globais outêm impacto negativo sobre o meio ambiente.Esses impostos internacionais precisam tratar douso dos bens comuns globais, de transações finan-ceiras e operações cambiais de curto prazo, e docomércio de itens com impacto internacional ne-gativo (como no equilíbrio ecológico mundial, napromoção de conflitos etc.).

Os governos devem estabelecer mecanismosde taxação internacional que não somente forne-çam recursos financeiros adicionais para o desen-volvimento, como controlem processos insusten-táveis e danosos.

Isso exige, em especial:• o compromisso de estabelecer impostos in-

ternacionais com base em uma ou várias daspropostas atuais, especialmente do impostosobre transações cambiais e o imposto inter-nacional sobre combustível de aviação;

• o compromisso de desenvolver sistemas paracompartilhar informações sobre transferên-cias financeiras ao exterior e melhorar a coor-denação global dos impostos, para aumentaras receitas fiscais e controlar a corrupção;

• o compromisso de adotar medidas que le-varão à abolição imediata de todos os pa-raísos fiscais.

Geração de financiamento nacionalpara o desenvolvimentoTodos os governos têm a obrigação de gerar re-cursos financeiros internos que possam ajudar afinanciar suas estratégias de desenvolvimento.Eles também estão obrigados a usar os recursosfinanceiros da forma mais eficiente possível, alémde prestar contas de seu uso à população demaneira transparente e acessível. A mobilizaçãodo financiamento doméstico é um meio impor-tante de confrontar as desigualdades nacionais,

especialmente por meio de impostos progressi-vos e da taxação das corporações.

É necessário que os governos estabeleçamsistemas fiscais eqüitativos em cada país.

Em especial, devem:• apoiar o fortalecimento de sistemas fiscais

progressivos no plano nacional;• assumir o compromisso da transparência nos

orçamentos e nas contas nacionais, incluindoa integração do orçamento de gênero, paramelhorar a prestação de contas dos governosaos cidadãos e às cidadãs locais em relaçãoao uso dos recursos;

• definir uma convenção internacional para fa-cilitar a recuperação e repatriação de fundosapropriados ilegalmente dos tesouros nacio-nais dos países em desenvolvimento;

• estabelecer um acordo multilateral sobre o com-partilhamento eficaz de informações fiscaisentre os países, para controlar a evasão fiscal.

Referencial 7:Justiça nas relações comerciaisRepete-se enfaticamente que o comércio tem muitomais potencial de financiar o desenvolvimento doque a ajuda oficial. Isso só ocorre quando as regrasdo comércio internacional têm dispositivos efica-zes para proteger os direitos e as necessidadesdos países em desenvolvimento e de seus produ-tores. Atualmente, o comércio é um veículo paraa liberalização indiscriminada das economias dospaíses em desenvolvimento e a imposição de con-dições prejudiciais, em vez de apoiar o desenvol-vimento sustentável, a erradicação da pobreza ea eqüidade entre os gêneros.

As políticas comerciais precisam ser reorien-tadas para promover o comércio justo e o desen-volvimento sustentável. As regras e políticas comer-ciais devem assegurar o direito dos países emdesenvolvimento de perseguir suas próprias agen-das de desenvolvimento, colocando em primeirolugar os interesses de seus povos. Isso inclui medi-das para proteger os serviços públicos da libera-lização e da privatização forçadas, garantindo odireito à alimentação e o acesso a medicamentosessenciais e reforçando a transparência empre-sarial. Os conhecimentos de pessoas que traba-lham na agricultura e as tecnologias indígenas de-vem ser devidamente reconhecidos, e a pesquisaprecisa ser reorientada para incluí-los.

Para muitos países em desenvolvimento, aexportação de um ou mais produtos primárioscontinua a ser a fonte da maior parte de suas re-ceitas de exportação. O declínio dos preços dascommodities tem corroído até 50% de suas recei-tas, agravando a dependência da ajuda e aumen-tando a insustentabilidade de suas dívidas.

Os governos devem assegurar que o siste-ma de comércio global seja justo.

Esse referencial exige:• o fim das condições impostas pelas insti-

tuições financeiras internacionais e outrosdoadores sobre a ajuda e o cancelamento da

dívida, que determinam as políticas comer-ciais dos países em desenvolvimento;

• tratamento especial, efetivo e transparentepara os países em desenvolvimento no sis-tema de comércio global;

• abolição de toda forma de subsídio dos paí-ses ricos que distorcem o comércio;

• mais responsabilidade e transparência dosgovernos e das organizações internacionaisem relação às bases populares na formula-ção das regras do comércio internacional edas políticas nacionais de comércio, assegu-rando a coerência das políticas comerciaiscom o respeito aos direitos de trabalhado-res e trabalhadoras e, mais amplamente,aos direitos humanos;

• mecanismos internacionais eficazes e transpa-rentes para apoiar os preços das commoditiese compensar os países em desenvolvimentopelas flutuações de preço.

Referencial 8:Combate ao HIV/Aidse a outras pandemiasMorte e incapacitação resultantes de doenças sãocatástrofes humanas permanentes e, muitas vezes,evitáveis. Essas catástrofes são comparativamentemuito maiores do que quase todas as outras.Constituem também uma limitação séria para odesenvolvimento, atingindo as comunidades po-bres e marginais de forma desproporcional, espe-cialmente aquelas que têm acesso inadequado aoatendimento à saúde. O HIV/Aids é uma ameaçaespecial. A MDM relacionada ao HIV/Aids é escan-dalosamente modesta e inadequada no seu reco-nhecimento do potencial de prolongamento davida pelo acesso ao tratamento.

Na Assembléia Geral das Nações Unidas de2001 sobre o HIV/Aids, os Estados membros ex-pressaram sua preocupação de que a epidemiaconstituía uma emergência global. Desde essa épo-ca, a situação tem se deteriorado. Na ConferênciaInternacional sobre Aids de 2004, líderes mundiaispresentes ao evento confirmaram que mais de 38milhões de pessoas viviam com Aids no mundo eque a epidemia se espalhava em todas as regiões.

O HIV/Aids afeta os países mais pobres deforma desproporcional. A região mais atingidaé a África Subsaariana, onde quase 40% de todasas mortes são causadas pela Aids. O enormeimpacto do HIV/Aids no capital humano dessespaíses é uma grave ameaça ao desenvolvimento.Pelo seu efeito sobre as pessoas diretamenteatingidas, assim como sobre seus filhos e filhas,parentes e comunidades, a Aids solapa a capaci-dade produtiva presente e futura. Outras doençaspandêmicas tratáveis, como a malária e a tuber-culose, agravam a ameaça à vida e aos meios desubsistência de milhões de pessoas nos paísesem desenvolvimento.

O tratamento das pessoas infectadas é pos-sível e está disponível. Porém, das milhões depessoas que necessitam de tratamento, somente

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algumas centenas de milhares têm acesso a ele.Isso não ocorre apenas em conseqüência de ati-tudes sociais e culturais, pelo estigma associado àdoença e pela relutância dos governos em assumiruma liderança enérgica, mas também pela defe-rência aos privilégios e proteções dados às empre-sas farmacêuticas. Somente a ampla e permanentecampanha da sociedade civil e os projetos inova-dores levaram alguns governos, como o do Brasil,a prover acesso gratuito às pessoas afetadas e aum reconhecimento do direito à saúde por parteda OMC. A vasta maioria de homens e mulheresque precisam de tratamento ainda espera peloreforço dos serviços e dos fundos que evitariamilhares de mortes a cada semana.

Na Conferência Internacional de Bangcoc(2004), líderes mundiais admitiram que não faziamo suficiente para prevenir o avanço do HIV/Aids oupara diminuir seus efeitos. Assim, é necessáriorenovar o compromisso, apoiado na vontade po-lítica, de combater essa epidemia que representaum sério obstáculo ao desenvolvimento global ereduzir seu impacto. Todas as intervenções devemlevar em conta a questão de gênero, pois as esta-tísticas mostram que 60% das pessoas adultasafetadas pelo HIV/Aids na África são mulheres.Isso faz com que o seu empoderamento seja umaquestão vital na luta contra o HIV/Aids.

Deve ser dada ênfase especial ainda às polí-ticas e intervenções que tratem das crianças afe-tadas pelo HIV/Aids, incluindo aquelas que ficaramórfãs por causa da doença. Foi iniciada na Áfricae se espalha ao redor do mundo uma campanhadenominada Free by 5 (Gratuito até 2005)10, paragarantir a todas as pessoas o acesso eqüitativoao tratamento, sem taxa de usuário(a).

Os governos devem reconhecer a luta críticacontra as pandemias que devastam inumeráveiscomunidades e assegurar prioridade adequada aseu enfrentamento.

Este referencial requer:• o aumento radical do apoio financeiro à ini-

ciativa “3 by 5”11 da Organização Mundial daSaúde (OMS), seguida por uma iniciativa “6by 7” (US$ 6 milhões até 2007) para estendero tratamento. Além disso, deve ser assegu-rado um financiamento sustentado e previ-sível para o Fundo Global de Luta contra aAids, Tuberculose e Malária;

• o lançamento de um serviço de emergênciaglobal e o fornecimento do tratamento anti-retroviral gratuito e administrado publica-mente (incluindo a vacinação, caso uma va-cina eficaz seja desenvolvida);

• a renovação do compromisso com a bemconsolidada perspectiva de “saúde para todasas pessoas”, juntamente com aumentossubstanciais dos fundos para reconstruir eexpandir os sistemas de saúde de todos ospaíses em desenvolvimento;

• moratória sobre qualquer nova extensão dostermos de proteção de patentes para medi-camentos e sobre novas cláusulas do Tripsnos acordos comerciais bilaterais e regionais.Nenhum Trips Plus;

• a criação de um mecanismo de respaldo pú-blico à iniciativa de âmbito mundial Free by 5,que garanta acesso ao tratamento gratuito esem discriminações.

Referencial 9:Promoção da responsabilidade socialda empresaAs corporações transnacionais são as principaisprotagonistas e beneficiárias da globalização,porém não são responsabilizadas globalmente.Elas estão permanentemente envolvidas na viola-ção de normas sociais, ambientais e de direitoshumanos. As corporações e os governos têm res-pondido aos impactos negativos da atividadeempresarial, amplamente reconhecidos, por meiode centenas de códigos de conduta por empresae setor, assim como por iniciativas de “parceria”voluntária. O Compacto Global, iniciado pelo se-cretário geral da ONU, é o melhor exemplo de estra-tégia política que visa predominantemente à auto-regulação voluntária da indústria.

Com a ajuda dos exemplos das melhores prá-ticas, espera-se que as empresas envolvidas de-monstrem seu senso de responsabilidade em rela-ção à sociedade. No entanto, a influência da indús-tria e os impactos das atividades corporativastransnacionais vão além desses campos políticossoft. Por trás da cortina das iniciativas de parceriae dos processos de diálogo, muitas corporações eassociações empresariais continuam a perseguirimplacavelmente seus próprios interesses espe-cíficos nas áreas hard da política. Suas atividadesafetam seriamente a segurança humana das pes-soas em todo o mundo. Assim, existe a necessi-dade de instrumentos internacionais legalmentevinculatórios, garantindo que as atividades dastransnacionais sejam coerentes com as conven-ções e normas acordadas internacionalmente.

Na Cúpula de Johannesburgo, em 2002, osgovernos assumiram um claro compromisso de“promover ativamente a responsabilidade empre-sarial e a prestação de contas, baseadas nos Prin-cípios do Rio, incluindo o desenvolvimento plenoe a efetiva implementação de acordos e medidasintergovernamentais [...]”.12 Em 2003, a Subco-missão da ONU sobre Promoção e Proteção dosDireitos Humanos aprovou as “Normas sobre as

Responsabilidades de Empresas Transnacionaise outros Empreendimentos com Relação aos Di-reitos Humanos”.13 Essas normas representam ummarco e são uma reafirmação sucinta, porémabrangente, dos princípios legais internacionaisaplicáveis às empresas com relação aos direitoshumanos, à lei humanitária, à legislação traba-lhista internacional, à legislação ambiental, à legis-lação do consumidor e às leis anticorrupção.

Os governos devem assumir o compromissode fazer com que as empresas transnacionais eoutros empreendimentos comerciais sejam res-ponsáveis perante a comunidade global e as gera-ções futuras.

Esse referencial exige:• o compromisso de apoiar as “Normas sobre

as Responsabilidades de Empresas Transna-cionais e outros Empreendimentos com Rela-ção aos Direitos Humanos” e de tomar medi-das concretas para sua plena implementação;

• um instrumento internacional vinculatório paraaumentar a transparência dos fluxos financei-ros entre as transnacionais, especialmente naindústria extrativa, e os governos, como foiproposto pela campanha internacional “Publi-que o que você paga” (Publish what you pay).

Referencial 10:Democratização da governançainternacionalUm sistema de governança aberto, transparentee acessível é vitalmente necessário para asseguraro desenvolvimento global eqüitativo. Nesse sis-tema, os direitos humanos devem ser observados,e o estado de direito, respeitado. A garantia dissoé primariamente uma responsabilidade das auto-ridades nacionais, num marco legal estabelecidono plano nacional. Esse marco deve ser coerentecom os acordos e obrigações internacionais, espe-cialmente com aqueles que definem os direitoshumanos aceitos internacionalmente. No entanto,a aplicação de leis nacionais não é sempre sufi-ciente para a consecução da justiça e há umanecessidade crescente de fortalecer um marcolegal internacional, de modo que governos, cor-porações e indivíduos possam ser responsabili-zados por atos que violem os direitos humanos eoutros acordos internacionais.

A legitimidade de nosso sistema de gover-nança internacional está em jogo. O poder globaltraz para governos, corporações e até mesmoindivíduos a responsabilidade e a necessidade deprestar contas à comunidade internacional comoum todo. Entretanto, o domínio efetivo de nossasinstituições multilaterais por uma minoria de go-vernos, que utilizam sua posição para promoverseus interesses específicos acima de todos osdemais, não é mais aceitável, especialmente quan-do aqueles mesmos governos deixaram de aderirà vontade da maioria internacional.

10 A Declaração “Free by 5” é uma referência ao projeto“3 by 5“ – Tratar 3 milhões até 2005 – para enfatizar anecessidade de tratamento gratuito a todas as pessoasafetadas pelo HIV/Aids.

11 “Tratar 3 milhões até 2005” (3 by 5) é a iniciativa global daOMS e do Programa Conjunto das Nações Unidas sobreHIV/Aids (Unaids), adotada em 2003, para fornecer, até ofim de 2005, terapia anti-retroviral a 3 milhões depessoas com HIV/Aids nos países em desenvolvimento.

13 Subcomissão da ONU sobre Promoção e Proteção dosDireitos Humanos, resolução 2003/16.

12 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável,Plano de Implementação, parágrafo 49. Johannesburgo,setembro de 2002.

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Há muito tempo é necessária uma reformade nosso sistema internacional de governança.Ele precisa ser reconstruído para incorporar osprincípios de justiça e democracia. As NaçõesUnidas ainda são a instituição mais legítima e re-presentativa para garantir um sistema eficaz degovernança internacional, contudo a administraçãodos enfoques globais das políticas econômicas,monetárias e comerciais está efetivamente fora doâmbito da ONU, e sim nas instituições financeirasinternacionais e na OMC. Essa ausência de cone-xão com a ONU tem levado a desequilíbrios estrutu-rais no sistema de governança global que favore-cem os paradigmas econômicos em detrimentodo desenvolvimento humano, solapando as prio-ridades políticas definidas no marco da ONU.

Isso precisa ser modificado, de modo que aONU retome sua centralidade política global, combase em novos mecanismos que assegurem umprocesso decisório eficaz, democrático, transpa-rente e responsável. O Banco Mundial, o FMI e aOMC devem ser trazidos inteiramente para dentrodo sistema da ONU, com a redefinição de seuspapéis. Suas estruturas de direção também pre-cisam ser reformadas, para refletir as mudançasna economia global.

Os governos devem assumir o compromissode realizar uma reforma radical no sistema multi-lateral de governança e de fortalecer e democra-tizar as Nações Unidas.

Esse referencial requer:• o restabelecimento de um Conselho Econô-

mico e Social da ONU reformado, no qual aparticipação como membro seja baseada nosprincípios de representação, prestação decontas e responsabilidade comum. O novoConselho Econômico e Social deve ser aautoridade legal global de última instânciano que diz respeito a assuntos econômicose sociais e suas decisões devem ser legal-mente aplicáveis;

• a transformação da participação como mem-bro no Conselho de Segurança, de modo quesejam aplicados os mesmos princípios derepresentação, prestação de contas e respon-sabilidade comum;

• a reforma do Banco Mundial, do FMI e deoutras instituições financeiras internacionais,juntamente com a OMC, para que adiram aesses princípios, porém prestando contas emúltima instância ao Conselho Econômico eSocial reformado. Seus papéis devem serredefinidos, de modo que o Banco Mundialseja um banco de desenvolvimento dentrodo sistema da ONU, o mandato do FMI sejafocalizado na salvaguarda da estabilidadefinanceira global e a OMC fique restrita à regu-lamentação do comércio internacional;

• o estabelecimento de revisões parlamentarespúblicas e regulares das políticas e ações dasinstituições econômicas multilaterais e do pa-pel e enfoque assumidos pelos governos na-cionais, com participação da sociedade civil;

• o fortalecimento das instituições jurídicas – aCorte Internacional de Justiça e a Corte Crimi-nal Internacional – responsáveis pela imple-mentação do estado de direito internacional.

Referencial 11:Envolvimento da sociedade civilA participação das partes interessadas é central nasestratégias de desenvolvimento bem-sucedidas.O conceito de apropriação (ownership) pelas partesinteressadas, promovido vigorosamente na Decla-ração do Milênio, nos PRSPs e nas estratégias deajuda ao desenvolvimento, requer um envolvimentodos atores em todos os níveis. Os processos departicipação nacionais devem formar a base doengajamento da sociedade civil na identificação,formulação e implementação das estratégias quetratam das necessidades específicas dos países edo contexto nacional. Os governos precisam facili-tar o engajamento da sociedade civil, para que sejaaberto, transparente e inclusivo. Transformar osgovernos locais em instituições democráticas efi-cazes é vital para que as comunidades possamproteger seus interesses materiais e políticos.Recursos básicos, como a água, podem ser prote-gidos e utilizados de maneira sustentável. Da mes-ma forma, a participação da sociedade civil precisaser facilitada nos planos regional e global.

O processo de revisão da Declaração do Mi-lênio deve refletir o papel crucial da interação dosgovernos com a sociedade civil e dar amplo es-paço para que as organizações da sociedade civilenvolvam-se de forma significativa no processode revisão. Em última análise, para que a Declara-ção do Milênio e as MDMs tenham significadopolítico real, o controle e o apoio da sociedadecivil devem ser fatores vitais na sua promoção.Embora a sociedade civil esteja pronta para esseenvolvimento, os governos que negociam a revi-são da Declaração do Milênio devem ouvi-la eincorporar as preocupações dos cidadãos e dascidadãs. A ONU precisa garantir espaço para queessa interação seja produtiva, num verdadeiroespírito de metas comuns, promovidas de formaaberta, transparente e responsável.

Os governos devem assegurar que o engaja-mento da sociedade civil no processo decisório –nacional, regional e internacional – seja facilitadode forma efetiva.

Esse referencial exige:• o compromisso de assegurar que os proces-

sos nacionais de engajamento sejam trans-parentes, abertos, acessíveis e coerentes;

• o estabelecimento e o fortalecimento de me-canismos de participação para as organiza-ções regionais;

• a implantação de mecanismos no plano dasNações Unidas e outras organizações inter-nacionais que dêem transparência aos pro-cessos de debate e decisões, acesso às agen-das, aos documentos e relatórios, assimcomo às próprias reuniões, mesmo às daAssembléia Geral;

• provisão de instalações de trabalho na pró-pria ONU;

• a implementação da proposta de um fundofiduciário ampliado para apoiar a partici-pação da sociedade civil nos processos daONU, tanto em nível regional como na pró-pria sede da ONU;

• um envolvimento significativo e efetivo comas organizações da sociedade civil na prepa-ração da Cúpula de setembro de 2005, emNova York e durante o evento, reconhecendoa legitimidade e o papel crucial da sociedadecivil em assegurar estratégias e políticas acei-táveis e eficazes, assim como sua implemen-tação (o que, de fato, não ocorreu).

Fim das desculpasChegou a hora de ousar e atuar de forma decisiva.Qualquer outra atitude seria irresponsável. Emsetembro de 2005, líderes mundiais enfrentaramdecisões difíceis. No processo das negociaçõespreparatórias da Cúpula, a pressão de interessespolíticos de curto prazo deveria ter sido equili-brada pelas necessidades de longo prazo descritasanteriormente. Os acordos realizados pela comu-nidade internacional estão cheios de concessõesrecíprocas. Contudo, as ameaças e os desafiosao nosso patrimônio comum são mais urgentesdo que nunca. Os recursos e a tecnologia existem.Chefes de Estado e de governo de todo o mundodeveriam ter mostrado uma vontade política comumde sucesso, não somente assumindo um compro-misso coletivo com uma agenda ousada e radical,mas também perseguindo sua implementação.O fracasso de algumas dessas lideranças em en-frentar esse desafio pode condenar todos e todasnós. Não podemos nos dar ao luxo de falhar.

ReferênciasACTIONAID Internacional EUA et al. Blocking progress: how

the fight against HIV/Aids is being undermined by theWorld Bank and International Monetary Fund. 2004.Disponível em: <www.actionaidusa.org/blockingprogress.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2005.

BATTHYÁNY, Karina; CABRERA, Mariana; MACADAR, Daniel.The gender approach in poverty analysis: conceptualissues. Equipe de Pesquisa de Ciências Sociais, SocialWatch Research Advance, 2004.

COMISSÃO Mundial sobre a Dimensão Social daGlobalização. A fair globalization: creatingopportunities for all. 2004. Disponível em:<www.ilo.org/public/english/fairglobalization/report/index.htm>. Acesso em: 21 ago. 2005.

KOZEL, Valerie; DEATON, Angus. Data and dogma: the greatIndian poverty debate. 2004. Disponível em: <http://povlibrary.worldbank.org/files/15168_deaton_kozel_2004.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2005.

REDDY, Sanjay G.; POGGE, Thomas W. How not to count thepoor, Versão 4.5. 2003. Disponível em: <http://www.columbia.edu/~sr793/count.pdf>.

SEN, Amartya. Development as freedom. Nova York: AlfredA. Knopf, 1999.

VANDERMOORTELE, Jan. Ambition is golden: meeting theMDGs. Development, v. 48, n. 1, 2005.

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* Karina Batthyány (coordenadora), Marina Sol Cabrera,Garciela Dede, Daniel Macadar e Ignacio Pardo.

1 Os exemplos usados neste artigo foram extraídos deuma amostra de relatórios nacionais recebidos até 20de maio de 2005.

NR Todos os relatórios de países citados no texto estãodisponíveis no CD que acompanha esta publicação.O relatório da Alemanha encontra-se também nestaversão impressa.

Gênero e pobreza: desigualdades entrelaçadas

O enfoque de gênero no estudo da pobreza levou à revisão dos métodos mais convencionais de medição e à exploração de

novas formas, dando uma contribuição significativa ao atual debate sobre o tema. As medidas de renda familiar não

capturam as dimensões intrafamiliares da pobreza, porque assumem uma distribuição eqüitativa dos recursos entre seus

membros e consideram que todas as pessoas são igualmente pobres.

Equipe de pesquisa do Social Watch*

Embora a metodologia de medição da pobreza nãopermita que o gênero seja refletido nas estatísti-cas oficiais ou nas estratégias de redução da po-breza, ambos estão inextricavelmente vinculados.A despeito das freqüentes menções ao gênerocomo um tema transversal em muitas estratégias,é um tópico que, na prática, recebe pouca aten-ção nos planos de ação e nos projetos de desen-volvimento específicos. A pobreza afeta homens,mulheres, meninos e meninas, porém essa expe-riência é vivida de forma diferente por pessoas deidades, etnias, papéis familiares e sexos distintos.Por causa da biologia e de seus papéis de gênerosociais e culturais, além da subordinação cultu-ralmente construída, as mulheres enfrentam con-dições desvantajosas, que acumulam e intensifi-cam os já numerosos efeitos da pobreza.

Os relatórios nacionais do Observatório daCidadania/Social Watch 2005 apresentam umasérie de argumentos e evidências sobre o vínculoentre pobreza e gênero, as características dasmulheres pobres e os problemas que enfrentamem relação aos homens pobres. Este texto temdois objetivos: esclarecer os problemas metodo-lógicos de medição da pobreza que escondem asquestões de gênero e mostrar isso por meio de exem-plos retirados dos relatórios nacionais. Não háintenção de que os exemplos sejam representa-tivos, mas somente ilustrativos.1

Os trabalhos sobre a pobreza do ponto de vistado gênero abrem uma nova perspectiva, que vemganhando importância desde a década de 1990.Os estudos realizados dentro desse marco de refe-rência “examinam as diferenças entre os gênerosnos resultados e processos que geram a pobreza,focalizando especialmente as experiências das mu-lheres e verificando se elas formam um contingentedesproporcional e crescente entre as pessoaspobres. Esta ênfase implica uma perspectiva que

destaca duas formas de assimetrias que se cruza-ram: gênero e classe” (Kabeer, 1994).

As pesquisas que confirmam as desigualda-des entre os gêneros, especialmente no acesso eno atendimento das necessidades básicas, dãosuporte à afirmação de que “a pobreza femininanão pode ser incluída no mesmo enfoque conceitualda pobreza masculina” (Kabeer, 1994). Em geral,os indicadores de pobreza são baseados em infor-mações sobre a família, sem levar em conta asgrandes diferenças entre gêneros e gerações quenela existem. Numa perspectiva de gênero, noentanto, é necessário decodificar as situaçõesdentro da família, pois, nesse espaço de coabita-ção, as pessoas mantêm relações assimétricas enele prevalecem os sistemas de autoridade.

Considerando isso, é importante levar emconta os seguintes fatores:• as desigualdades entre os gêneros nos con-

textos familiares, que resultam em acessodiferenciado aos recursos do grupo domés-tico, agravam a pobreza das mulheres, espe-cialmente nas famílias pobres;

• apesar das mudanças atuais, a divisão de tra-balho por sexo dentro das famílias é aindamuito rígida.

“As mulheres têm acesso limitado ao crédito.Como desde o início carecem de empodera-mento financeiro, elas precisam recorrer a ins-tituições de crédito em seus países para finan-ciar suas atividades econômicas. No entanto,tais instituições, quando existem, relutam emprestar serviços às mulheres. Essa relutânciaderiva do preconceito de que a mulher seriauma má administradora de recursos e que nãopagaria o empréstimo. Quando existe a dispo-sição de prestar esses serviços às mulheres,insistem que tenham avalistas masculinos.”

Relatório da NigériaNR

A divisão de trabalho em função do sexo queatribui às mulheres o trabalho doméstico limita suasoportunidades de acesso a recursos materiais esociais e à participação nas decisões políticas,econômicas e sociais. Elas não somente possuembens materiais limitados, como têm bens sociaismais restritos (acesso à renda, bens e serviços pormeio das conexões sociais) e bens culturais (edu-cação formal e conhecimento cultural), o que ascoloca numa situação de maior risco de pobreza.As conseqüências da disparidade persistem du-rante toda a vida da mulher, em diversas formas eem áreas e estruturas sociais diferentes.

A situação descrita no relatório da Zâmbia podeser considerada como um paradigma da reali-dade dos países menos desenvolvidos: “[...] o sis-tema educacional zambiano apresenta dispari-dades entre os gêneros em todos níveis. Emboratais disparidades sejam muito pequenas noensino primário, crescem no nível secundárioe aumentam consideravelmente na educaçãoterciária. Essas disparidades na educação se ma-nifestam depois no mercado de trabalho. A par-cela de mulheres com emprego remuneradocaiu de 39%, em 1990, para 35%, em 2000”.

Relatório da Zâmbia

Por causa das limitações sofridas pelas mu-lheres oriundas da divisão do trabalho em funçãodo sexo e pelas hierarquias sociais baseadas nessadivisão, as mulheres têm acesso desigual às dife-rentes áreas sociais, principalmente aos sistemasestreitamente interligados: o mercado de trabalho,os sistemas de assistência ou proteção social eas estruturas domésticas.

Em termos da dimensão relacional do gênero,que trata das relações entre homens e mulheres,a pobreza das mulheres é analisada levando-seem consideração tanto a família como o ambientesocial. Aplicada às famílias, a perspectiva de gêne-ro melhora o entendimento de como uma famíliafunciona, pois desvela as hierarquias e os padrõesde distribuição de recursos e, assim, questiona aidéia de que os recursos da família são distribuídoseqüitativamente e que todos os seus membrostêm as mesmas necessidades.

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Observatório da Cidadania 2005 / 28

As desigualdades se manifestam em forma debarreiras e limitações invisíveis, como está ilus-trado no relatório da Coréia do Sul. “Embora asociedade sul-coreana tenha fortalecido políti-cas e sistemas para promover a participação dasmulheres na atividade socioeconômica desdea década de 1990, há barreiras informais e bar-reiras invisíveis para as mulheres no mercado detrabalho. Além disso, seus salários são baixos,e 42,2% de todas as mulheres empregadas têmproblemas decorrentes de trabalho irregular,temporário e de tempo parcial. As mulheres tam-bém precisam interromper sua participação notrabalho e na sociedade por causa das responsa-bilidades domésticas, como as do casamento,gravidez, parto, cuidado das crianças e outrosdeveres familiares. O mercado de trabalho nasociedade sul-coreana tem uma estrutura dupla.A parte superior é caracterizada por produtivida-de alta, salários bons e emprego estável; a parteinferior tem como característica produtividadebaixa, salários inferiores e emprego instável.Essa estrutura dupla, com os homens na partesuperior e as mulheres na inferior, separa ossexos em categorias empresariais, posições eníveis salariais diferentes. A discriminação damulher no mercado de trabalho resulta em famí-lias pobres chefiadas por mulheres.”

Relatório da Coréia do Sul

Os efeitos desses processos no mercado tra-balho são visíveis em hiatos de renda mesmonos países desenvolvidos, como a Alemanha.“Caso os salários das mulheres na AlemanhaOcidental continuem a se aproximar dos salá-rios dos homens no mesmo ritmo dos últimos40 anos, serão necessários no mínimo outros40 anos para que as trabalhadoras que exercematividades administrativas e intelectuais e muitomais de 70 anos para que as mulheres que rea-lizam tarefas manuais possam alcançar seuscolegas masculinos. Pela média de todos gruposocupacionais, as mulheres ainda recebem 20%a menos do que seus colegas homens para rea-lizar o mesmo trabalho. No caso das engenhei-ras, essa diferença atinge 30,7%.”

Relatório da Alemanha

O enfoque de gênero no estudo da pobrezadesmascara tanto a discriminação pública comoa familiar ao identificar as relações de poder e a dis-tribuição desigual de recursos nas duas esferas.

A discussão conceitual da pobreza é vital, poissua definição determina que indicadores serão uti-lizados para sua medição, assim como o tipo depolíticas a serem implementadas para combatê-la.Como afirmou Feijoó (2003), “aquilo que não éconceituado também não é medido”.

Como a pobreza é medida de acordo com ascaracterísticas socioeconômicas da família como umtodo, é impossível identificar as diferenças entreos gêneros no que diz respeito ao acesso a neces-sidades básicas dentro da família. As pesquisas

domiciliares também são limitadas de acordo coma maneira pela qual obtêm a informação, pois oúnico recurso considerado é a renda, não sendolevado em conta o tempo dedicado à produçãofamiliar e à reprodução social.

Naila Kabeer (1994) destaca que, para com-pensar as limitações das medições de pobreza, asinformações devem ser desagregadas para levarem conta as diferenças entre “ser” e “fazer” dentroda família. De acordo com a autora, há necessidadede indicadores que reconheçam que as vidas dasmulheres são regidas por restrições sociais, direi-tos e responsabilidades diferentes (algumas vezes,mais complexos do que os dos homens) e que elasvivem, em grande medida, fora da economia formal.

Esse conceito mais amplo da pobreza incluiriadimensões como a autonomia econômica e a vio-lência de gênero, que raramente são levadas emconta nos estudos de pobreza.

As tradições culturais nos diferentes países sãoa origem de outras restrições enfrentadas pelasmulheres. “As normas culturais não somenteimpedem que as mulheres herdem a terra. Tradi-cionalmente, depois da morte do marido, a viú-va perde toda a propriedade do marido, que édistribuída entre os parentes dele do sexo mas-culino. Em 2001, o estado Enugu aprovou umalei que proíbe essa prática. No entanto, a lei nãofoi aplicada, e a prática continua amplamentedisseminada. Outros estados e o governo fede-ral continuam a funcionar como se não soubes-sem da existência dessa tradição.”

Relatório da Nigéria

Sobre esse assunto, o relatório da Índia é tam-bém esclarecedor: “As mulheres também sãomarginalizadas porque não têm poder em dife-rentes atividades econômicas, sociais e políticas.Dispositivos legais e práticas sociais relacionadasà propriedade e à herança prejudicam as mulhe-res, exceto nas poucas áreas em que existemestruturas familiares matrilineares. As estruturassociais, políticas e familiares não incluem asmulheres nos processos de decisão. Isso nãoapenas afeta o lugar da mulher na sociedade,na economia e na família, mas também contribuipara sua baixa auto-estima”.

Relatório da Índia

O relatório do Uruguai nota as diferentes dimen-sões da desigualdade no mercado de trabalho:“As mulheres são especialmente afetadas pelaflexibilidade do mercado de trabalho, a perdade normas trabalhistas claras, medo do desem-prego, segmentação do mercado de trabalhopor gênero, remuneração desigual para o mes-mo trabalho, exclusão das posições de chefiaem virtude de estereótipos de gênero, assédiosexual e um sistema de seguridade social quenão leva em conta o envelhecimento da popu-lação e o mercado de trabalho informal”.

Relatório do Uruguai

A violência de gênero não é normalmente in-cluída nas discussões sobre pobreza, emboraas estatísticas revelem a gravidade da situação.“Atualmente, a cada nove dias uma mulher é víti-ma de violência doméstica no Uruguai. Os abor-tos inseguros tornaram-se a principal causa damortalidade materna. Para as mulheres, espe-cialmente para as pobres, é muito arriscadoromper com os modelos tradicionais de ‘mulher’ou de ‘mulher como mãe’.”

Relatório do Uruguai

O relatório romeno apresenta resultados simi-lares: “[...] uma de cada cinco mulheres sofreabusos do marido ou parceiro [...] e, em geral,a sociedade romena encara essas atitudes comonormais. Outro estudo confirma que pelo me-nos 800 mil mulheres foram vítimas de violênciadoméstica em 2004”.

Relatório da Romênia

Da mesma forma no Nepal, “[...] viúvas jovens,especialmente na comunidade indo-ariana, es-tão sujeitas à violência psicológica e física porcausa de disputas em torno de sua herança.Estima-se que anualmente 12 mil meninas emulheres – aproximadamente 20% com menos16 anos – são traficadas como prostitutas paraa Índia e outros países. A pobreza e o desem-prego, causados pelo declínio progressivo dademanda por serviços dos artesãos das aldeiase pelo empobrecimento dos camponeses resul-tante da divisão das terras, têm forçado famíli-as a venderem suas próprias filhas”.

Relatório do Nepal

Medição da pobreza a partirde uma perspectiva de gêneroA medição da pobreza ajuda a torná-la visível ecumpre um papel importante no desenvolvimen-to e na implementação das políticas públicas.As metodologias de medição são estreitamenteligadas a conceituações específicas da pobreza;portanto, os resultados podem diferir quando setrata de aspectos diferentes da pobreza. Nenhumametodologia é neutra – mesmo aquelas sensíveisao gênero e as consideradas mais precisas eobjetivas. Ao contrário, contêm elementos subje-tivos e arbitrários.

A perspectiva de gênero contribui para am-pliar o conceito de pobreza ao identificar a neces-sidade de medir a pobreza de modo a levar emconta sua complexidade e suas múltiplas dimen-sões. O debate sobre a metodologia da pobrezanão propõe o desenvolvimento de um indicadorúnico que sintetize todas as dimensões da po-breza. Ao contrário, a idéia é explorar propostasde medição diferentes, melhorando as técnicasde medida mais convencionais, observandosuas vantagens e limitações, assim como crian-do novas medidas.

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Observatório da Cidadania 2005 / 29

Medição da pobreza a partirda renda familiarA medição da pobreza de acordo com a renda éatualmente um dos métodos mais amplamenteutilizados, um indicador quantitativo muito bompara identificar as situações de pobreza. No quediz respeito a modelos de medidas monetárias,não há método mais efetivo. Além disso, há maisdisponibilidade de dados por país para mediçãoda pobreza em termos monetários do que parausar outros enfoques, tais como capacidades,exclusão social ou participação. A medição dapobreza pela renda permite comparações entrepaíses e regiões, além da quantificação da pobrezapara o desenvolvimento de políticas públicas.

Um dos aspectos mais controvertidos damedição de renda é sua capacidade ou incapaci-dade de refletir as dimensões múltiplas da pobreza.Analistas argumentam que a medição da rendaenfatiza a dimensão monetária da pobreza e, por-tanto, somente leva em conta seus aspectos mate-riais, ignorando os culturais. Esses aspectos inclu-em as diferenças de poder, que determinam oacesso a recursos, mas, acima de tudo, incorporamo trabalho doméstico não-remunerado, indispen-sável à sobrevivência das famílias, assim como ou-tros indicadores que podem refletir melhor a pobre-za e as diferenças de bem-estar entre os gêneros.

Outra crítica dessa medição da pobreza éque não considera o fato de as pessoas tambémsatisfazerem suas necessidades por meio de recur-sos não-monetários, como redes comunitárias eapoio familiar.

A medição da renda familiar per capita apre-senta sérias limitações para capturar as dimen-sões intrafamiliares da pobreza. Ela falha por serincapaz de levar em conta o fato de homens emulheres experimentarem a pobreza de formadiferente dentro da mesma família. Isso ocorreporque as famílias são tomadas como unidade deanálise e se pressupõe que exista uma distribui-ção eqüitativa dos recursos entre seus membros.De acordo com essa medição, todos os integrantesda família são igualmente pobres.

O método é também limitado pela forma comomede as desigualdades entre os gêneros, pois nãoconsidera como renda o trabalho doméstico não-remunerado desenvolvido na família. O trabalhodoméstico não-remunerado pode fazer diferençaconsiderável na renda da família. As famílias chefia-das por homens têm mais probabilidade de dispordo trabalho doméstico gratuito da esposa e, assim,evitar despesas associadas com a manutenção dacasa. Isso é menos provável de acontecer nas famí-lias chefiadas por mulheres, que geralmente pagamos custos privados de realizar trabalho domésticonão-remunerado. Esses custos incluem ter menostempo para o repouso e o lazer, o que afeta seusníveis de saúde física e mental. Da mesma forma,essas mulheres têm menos tempo para conseguiracesso a melhores oportunidades de emprego emenos tempo para a participação social e política.

Em relação ao uso do tempo ou seus padrões degastos, o método também não mostra diferenças

entre homens e mulheres. Esses aspectos sãocentrais para a caracterização da pobreza a partir deuma perspectiva de gênero. Estudos sobre o uso dotempo confirmam que as mulheres gastam maistempo do que os homens em atividades não-remu-neradas. Isto indica que têm jornadas mais longasem detrimento de sua saúde e níveis nutricionais.

Medição da pobreza em termosde renda, a partir de gêneroComo foi mencionado, a autonomia econômicaou o fato de ter renda para atender às suas ne-cessidades é outra dimensão da pobreza. Paraesse fim, uma medição individual é útil no estudoda pobreza intrafamiliar. Não se trata de substi-tuir uma medição por outra, mas de trabalhar comas duas medições, pois servem a objetivos dis-tintos. As medições de pobreza individual têmvantagens, pois são capazes de identificar situa-ções de pobreza que permaneceriam ocultas emmedições tradicionais (como, por exemplo, pes-soas que vivem em famílias não-pobres, porémsem renda própria), revelando as limitações maio-res enfrentadas pelas mulheres para se tornaremeconomicamente autônomas.

Trabalho não-remuneradoO trabalho não-remunerado é um conceito centralno estudo da pobreza a partir de uma perspectivade gênero. Analistas argumentaram que, emboraessa atividade não seja valorizada monetariamente,ela satisfaz necessidades e possibilita as ativida-des de reprodução social. Há também quem afirmeque existe uma forte relação entre o trabalho não-remunerado e o empobrecimento das mulheres.A necessidade de medir o trabalho da mulher vemsendo destacada e resultou em diversas propos-tas, que sugerem dar um valor monetário ao tra-balho doméstico e incluí-lo nas contas nacionais.A medição do trabalho não-remunerado tambémmostraria uma diferença importante na renda fa-miliar entre as famílias com uma pessoa dedicadaao trabalho e aos cuidados domésticos (famíliaschefiadas por homens) e aquelas famílias semessa pessoa e que devem assumir os custos priva-dos associados a esse tipo de trabalho (famíliaschefiadas por mulheres).

A medição do tempo dedicadoao “trabalho não-remunerado”Outra maneira de medir e visualizar o trabalho não-remunerado é por meio da alocação de tempo.Estão incluídos nesse conceito: o trabalho de sub-sistência (produção de alimentos e vestimentas,consertos de roupas), o trabalho doméstico (com-prar bens e serviços para a casa, cozinhar, lavar aroupa, passar a ferro, fazer a limpeza, realizar ati-vidades relacionadas com a organização da casae com a distribuição de tarefas e fazer encargosexternos como o pagamento de contas etc.), cui-dados com a família (crianças e pessoas idosas)e serviços comunitários ou trabalhos voluntários(serviços realizados por não-familiares por meiode organizações religiosas ou laicas). Levando em

conta o tempo que as mulheres gastam realizandocada uma dessas atividades, elas se tornam visí-veis e reconhecidas, facilitando a percepção dasdesigualdades entre os gêneros nas famílias e nasociedade. Além disso, a alocação de tempo tornapossível calcular o volume total da carga de tra-balho – um conceito que inclui tanto o trabalhoremunerado como o não-remunerado.

Os levantamentos de uso de tempo ajuda-ram a gerar melhores estatísticas sobre trabalhoremunerado e não-remunerado, sendo uma fer-ramenta essencial para desenvolver um maiorconhecimento sobre as diferentes formas de tra-balho e emprego.

O parágrafo 206 da Plataforma de Ação de Pe-quim (1995) recomenda:

“(f) Desenvolver um conhecimento maisabrangente de todas as formas de trabalho eemprego, por meio do:

(i) melhoramento da coleta de dados sobreo trabalho não-remunerado, já incluído no Sis-tema de Contas Nacionais das Nações Unidas,em áreas como a agricultura, especialmente ade subsistência, e em outros tipos de atividadesprodutivas não voltadas ao mercado;

(ii) melhoramento das medições que atual-mente subestimam o desemprego e subem-prego das mulheres no mercado trabalho;

(iii) desenvolvimento de métodos, nosfóruns adequados, para avaliar o valor em ter-mos quantitativos do trabalho não-remunera-do que fica fora das contas nacionais, como ocuidado de dependentes e a preparação de ali-mentos, para que esse valor seja possivelmenterefletido em contas satélite ou outras contasoficiais (que podem ser separadas, porém coe-rentes com as contas nacionais essenciais), naperspectiva de reconhecer a contribuição eco-nômica das mulheres e tornar visível a distri-buição desigual do trabalho remunerado e não-remunerado entre mulheres e homens;

(g) desenvolver uma classificação interna-cional de atividades para estatísticas de uso detempo que seja sensível às diferenças entremulheres e homens no trabalho remunerado enão-remunerado e coletar dados desagregadospor sexo. No plano nacional, condicionado àslimitações nacionais:

(i) realizar estudos de uso do tempo deforma regular para medir em termos quantita-tivos o trabalho não-remunerado, incluindo oregistro daquelas atividades desempenhadassimultaneamente com as atividades remunera-das ou com outras não-remuneradas;

(ii) medir em termos quantitativos o tra-balho não-remunerado que não é incluído nascontas nacionais e trabalhar para melhorar osmétodos de avaliação que reflitam com precisãoo seu valor nas contas satélite e em outras contasoficiais, podendo ser separadas, porém coeren-tes com as contas nacionais essenciais”.

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Observatório da Cidadania 2005 / 30

Há precedentes para esse tipo de estudo sis-temático em países como Canadá, Cuba, França,Itália, México, Nova Zelândia, Espanha eVenezuela.2 Na Itália, “o aumento da participaçãofeminina não foi acompanhado por uma distribui-ção mais justa das atividades familiares. A tarefanão-remunerada de cuidar das crianças e as ativi-dades de reprodução social recaem quase intei-ramente sobre as mulheres, cujo número total dehoras trabalhadas, remuneradas e não-remune-radas é, em média, 28% superior ao dos homens.Dentre estes, 35,2% não dedicam nenhum tempoà atividade de cuidados na família”.

Esforços de outros países, embora não siste-máticos, têm permitido estudos específicos dessasdimensões. É o caso do Uruguai, onde foi reali-zado um levantamento em 2003 sobre o uso dotempo dos homens e das mulheres, com o objetivode gerar indicadores que informassem e mostras-sem as relações assimétricas entre os gêneros nasfamílias (Aguirre, 2004).

ResumoO enfoque de gênero tem dado contribuições con-ceituais e metodológicas valiosas ao estudo dapobreza. Em termos conceituais, fornece umadefinição mais abrangente da pobreza, numa pers-pectiva integrada e dinâmica que reconhece asdimensões múltiplas e os aspectos heterogêneosda pobreza. A perspectiva de gênero critica forte-mente as definições de pobreza baseadas na rendae destaca os componentes materiais, simbólicose culturais como aqueles que influenciam as rela-ções de poder que, por seu lado, determinam oacesso dos gêneros aos recursos materiais, sociaise culturais. É possível sustentar que, sem umaperspectiva de gênero, a pobreza não pode serentendida de forma adequada.

O enfoque de gênero no estudo da pobreza le-vou à revisão dos métodos mais convencionais demedição e a exploração de novos métodos, dandouma contribuição significativa ao atual debate.

As medidas de renda familiar não capturamas dimensões intrafamiliares da pobreza, incluindoas desigualdades entre os gêneros, pois assumemuma distribuição justa dos recursos entre seusmembros, homogeneizando as necessidades decada pessoa e considerando que todas são igual-mente pobres. Esse método tem limitações paramedir a desigualdade entre gêneros porque nãoreconhece, em termos monetários, a contribui-ção para a família do trabalho doméstico não-re-munerado. Finalmente, as medidas de renda sãoincapazes de capturar as diferenças entre gêne-ros em termos dos padrões de uso do tempo e degastos, duas dimensões que contribuem paracaracterizar a pobreza mais completamente e paraformular políticas públicas melhores.

A crítica ao método de medição da renda do-miciliar tem como objetivo introduzir uma pers-pectiva de gênero na medição tradicional da po-breza. Uma questão que precisa ser levantadavigorosamente é a necessidade de atribuir valorao trabalho doméstico não-remunerado, comomaneira de valorizar a contribuição das mulherese reconhecer como trabalho as atividades domés-ticas, pois elas são essenciais para a satisfaçãodas necessidades básicas.

ReferênciasAGUIRRE, Rosario. Trabajo no remunerado y uso del

tiempo: fundamentos conceptuales y avances empíricos– La encuesta Montevideo 2003. Santiago do Chile:Cepal, 2004.

ARAYA, María José. Un acercamiento a las Encuestas sobreel Uso del Tiempo con orientación de género. Santiagodo Chile: Cepal, 2003. (Série Mujer y Desarrollo, n. 50).

FEIJOÓ, María del Carmen. Desafíos conceptuales de lapobreza desde una perspectiva de género. Documentoapresentado na Reunião de Especialistas em Temas dePobreza e Gênero, Cepal/OIT, Santiago do Chile, ago. 2003.

KABEER, Naila. Reversed eealities: gender hierarchies indevelopment thought. Londres: Verso, 1994.

2 Para mais informações sobre esses estudos, verAraya (2003).

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PANORAMA BRASILEIRO

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Observatório da Cidadania 2005 / 32

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Observatório da Cidadania 2005 / 33

Entre a política econômica e a questão social

Passados dez anos da Conferência de Copenhague, não houve mudanças no relacionamento entre a política econômica e

a questão social no Brasil. Lula segue as práticas do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso: coletar impostos

gerados por um sistema regressivo e usá-los para transferir renda às classes média e alta, em uma perversa inversão das

estratégias de redistribuição.

Fernando J. Cardim de Carvalho*

As conferências sociais da Organização das NaçõesUnidas (ONU) na década de 1990, particularmentea de Copenhague, em 1995, perseguiram um obje-tivo ambicioso: a transformação da maneira depensar políticas públicas, até mesmo a políticaeconômica, de modo a explicitar (e, naturalmente,mudar) seu conteúdo social. Propunha-se umamudança cultural, no sentido maior da expressão.Era preciso, em particular, superar a dicotomiaentre políticas econômicas e políticas sociais, pelaqual as primeiras são supostamente formuladassegundo uma visão do que seriam os interessesglobais da nação, cabendo às políticas sociaisamenizar seus efeitos porventura negativos sobregrupos sociais mais vulneráveis.

A política econômica, nesse tipo de raciocí-nio, contrasta com as políticas ditas sociais porduas características centrais: por um lado, ela éformulada de acordo com princípios racionais,técnicos; por outro, é também o campo da peni-tência, do sofrimento inevitável, com o qual secompra um futuro melhor para o país em um hori-zonte de tempo indefinido. As duas faces são naverdade inseparáveis, como os dois pólos de ummagneto. Aprende-se que o sacrifício é necessárioporque é o custo de um futuro melhor. Mas, paraque o sacrifício não seja em vão, a política precisaser determinada por técnicos e técnicas que nãose intimidam com os custos criados por ela nopresente, porque sabem que o prêmio será melhorpara todas as pessoas.

Expressões como “fazer o dever de casa” lem-bram a quem passou pela escola que o tédiomortal das horas de lazer perdidas na adolescênciafoi precisamente o custo pago pelo conhecimentoacumulado que hoje permite a ex-estudantes ga-nharem o seu salário. Outras expressões, de tomquase sadomasoquista, como a necessidade de“cortar na própria carne,” se apóiam nos variadoscomplexos de culpa da civilização montada sobre

a idéia de pecado original para ilustrar a percep-ção de que o sofrimento redime e que o dia doJuízo Final recompensará a virtude.

As políticas sociais são uma descoberta tar-dia das economias de mercado. Na sua origem,são uma conquista sobre a caridade privada típicados primórdios do capitalismo. Seu papel semprefoi o de proteger as pessoas mais fracas, as inca-pazes de resistir aos sacrifícios necessários paraa construção do futuro, as caídas no processo deseleção promovido pelo mercado. A erosão doideário socialdemocrata e socialista no fim doséculo XX deu nova força a essas idéias, que, narealidade, nunca saíram completamente de cena,mesmo no auge do Estado de bem-estar.

Era precisamente o questionamento dessavisão de uma política econômica dominante – por-que tecnicamente desenhada e porque determi-nada de acordo com os interesses da nação,1 emoposição a políticas sociais formuladas em favorde grupos específicos – que, em variadas formas,foi proposto nas conferências sociais das NaçõesUnidas. Em suas manifestações públicas, o go-verno FHC foi grandiloqüente. No relatório brasi-leiro apresentado à Conferência de Copenhague, opresidente Cardoso informava: “O enfrentamento

da questão social não deverá ter caráter residuale subsidiário; ao contrário, todas as ações gover-namentais deverão estar permanentemente infor-madas pelo compromisso de fazer face, de formasistemática, aos problemas sociais do País”. Parauso externo, o Brasil comprometeu-se com a van-guarda da revolução cultural em torno da redefi-nição da natureza das políticas de governo e, emparticular, com a relação entre as políticas eco-nômica e social. A questão social não seria mais“subsidiária”, e sim uma dimensão fundamentalda própria política econômica.

Retórica reformistaEncerrado o ciclo FHC em 2002, certamente pou-cas pessoas se surpreenderam ao constatar, con-tudo, que sua adesão efetiva à nova visão de po-lítica econômica foi menos do que pífia. O caráterclaramente conservador da coalizão de centro-direita liderada pelo presidente Cardoso surpreen-deu mais antigos leitores e leitoras da obra publi-cada do sociólogo Fernando Henrique Cardosoque observadores e observadoras da cena políticabrasileira. A seus leitores e leitoras, segundo seatribuiu na época, o próprio presidente teria seencarregado de pedir que esquecessem o que tinhaescrito em sua outra encarnação.

Assim, a política econômica de Cardoso mos-trou-se, afinal, completamente insensível à suadimensão social, levando à estagnação e ao desem-prego sustentados por oito anos, à vulnerabilidadeexterna, à regressividade 2 na distribuição de renda,ao privilégio do serviço da dívida pública interna,em condições absurdamente favoráveis a credores,em detrimento da produção de bens públicos queservissem à maioria da população.

A seu crédito, inegavelmente, um grandebenefício: a consolidação da estabilização de pre-ços, obtida ainda no governo anterior, presidido porItamar Franco, além de algumas políticas seto-riais, entre as quais se destaca a de saúde, espe-cialmente no combate ao HIV. O balanço, contudo,foi amplamente negativo e se manifestou nas urnas

* Professor titular do Instituto de Economia daUniversidade Federal do Rio de Janeiro([email protected]).

1 Não se deve deixar passar que esses dois argumentos,por exemplo, são os utilizados pelo governo Lula paradefender a independência do Banco Central. Segundo oministro da Fazenda e as pessoas que lhe são próximas,a independência do Banco Central se justifica pelanatureza “técnica” das decisões sobre taxas de juros.O ministro parece acreditar – e, ao que tudo indica, opresidente da República também – que os juros altossão o que a nação precisa. Para o presidente e o seuministro, a política monetária (e a política fiscal que aela fica subordinada quando os gastos do governo sãodeterminados pelo que sobra do orçamento depois daprioridade atribuída ao serviço da dívida pública serrespeitada) beneficia o país, e não, apesar dasaparências, grupos sociais específicos. A proposta deindependência do Banco Central visa garantir que ainstituição seja sempre capaz de tomar essas decisõesque beneficiam o país, seja este qual for. Quem se opõea elas só pode ser tecnicamente incapaz (por nãoconseguir compreender o sacrifício necessário à defesados verdadeiros interesses da nação) ou representantede grupos de interesse (como sindicatos interessadosem manter o nível de emprego, ou empresáriosinteressados em manter seu nível de produção).

2 São chamadas de regressivas as políticas ouiniciativas que acentuam a concentração de renda, emvez de amenizá-la.

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em 2002, quando o candidato apoiado por Cardosofoi inequivocamente batido no segundo turno.3

Muito mais surpreendente que a inabilidadedo governo de centro-direita de Cardoso em levar asério suas próprias palavras no documento envia-do à Conferência de Copenhague, foi certamentea mesma incapacidade demonstrada pela coali-zão que se apresenta como de centro-esquerda,liderada por Luiz Inácio Lula da Silva. Após umdiscurso de posse na presidência em janeiro de2003 marcado pela retórica reformista, iniciadacom a palavra “mudança”, a política econômicaque se seguiu manteve todos os parâmetros dapolítica econômica de Cardoso, agravando mes-mo alguns deles. O governo Lula, tanto quanto ode Cardoso que o precedeu, manteve a naturezabasicamente estagnacionista e concentradora dapolítica econômica, continuou subordinando aprodução de bens públicos ao serviço da dívidapública em termos injustificadamente favoráveisaos credores e, principalmente, manteve o confi-namento das “preocupações sociais” em papelsecundário, isto é, no campo das políticas dedefesa de grupos mais vulneráveis.

A incapacidade (ou indisposição) para pen-sar a política econômica em termos mais amplosse manteve. A política econômica de Lula premiaos mesmos interesses antes contemplados porCardoso e mantém a mesma retórica que reco-menda a quem perde com essas políticas satisfa-zer-se com a vitória sobre a inflação, obtida hámais de dez anos e com o futuro melhor que umdia essa vitória trará. Como o presidente mesmoinsiste, trata-se de “vender otimismo”, cuja funçãoparece ser facilitar a espera de um novo milênioque tarda a chegar.

Ideologia do sofrimento e mercadoMudar a relação entre a política econômica e apolítica social enfrenta oposição em duas frentes.De um lado, o treinamento acadêmico de econo-mistas privilegia a idéia de que “não existe o al-moço grátis”, na famosa expressão de MiltonFriedman. O conceito em si é importante, e, emmuitos debates, o papel de economistas é certa-mente lembrar que quase toda opção em favor deum caminho envolve algum custo em termos depossíveis alternativas. Isso se chama de custo deoportunidade e é uma idéia cara a economistasde todos os matizes. Um grande número de pro-fissionais, no entanto, absolutiza esse conceito ese especializa não apenas em exagerar quaisquercustos de mudança do statu quo, mas tambémimaginar alguns custos que possivelmente nemexistam realmente. Freqüentemente, o ensino de

economia fomenta, mesmo em jovens de incli-nação mais progressista, o ideal de manter acabeça dura, ainda quando o coração é mole.4

Naturalmente, é na segunda frente, dos inte-resses criados ou defendidos pela orientação dapolítica econômica, que se esperará encontrar aresistência mais encarniçada à redefinição deprioridades, mas o avanço rápido e avassaladorda ideologia neoliberal a partir da década de 1980nos ensina que crenças enraizadas não são remo-vidas com facilidade. Quando essas crenças ouideologias se apresentam travestidas de ciência,sob a forma de proposições fraseadas muitas ve-zes em um palavreado ininteligível para muitaspessoas, em esquemas de raciocínios no mínimoincomuns, paradoxalmente, seu poder se tornaainda maior, o encantamento das palavras sobreo público em geral se acentua. Mesmo jovenseconomistas progressistas têm de se esforçar pararesistir à ideologia do sofrimento. Muitas vezessucumbem à síndrome do pai que espanca filhose filhas, mas que diz (e sente) doerem os golpesmais nele que nas crianças.

A segunda frente é mais facilmente compre-endida: são os interesses beneficiados pela con-figuração atual de políticas econômicas e seudomínio sobre todas as outras políticas públicas.O colapso do chamado socialismo real do LesteEuropeu e a perda de prestígio (hoje, contudo, jámais atenuada) dos regimes socialdemocratas,especialmente os escandinavos, tornou a funcio-nalidade de mercado o critério essencial para ojulgamento da validade e da adequação de políti-cas econômicas específicas.

A liberalização financeira doméstica e inter-nacional que se espalhou por quase todo o mundonas décadas de 1980 e 1990 estreitou ainda maisos critérios de escolha de políticas econômicas.As políticas agora devem agradar “ao mercado”.Por mercado, devem-se entender instituições finan-ceiras e investidores em títulos, especialmentetítulos públicos. A predominância desse mercadosobre os outros é resultado de uma evolução com-plexa, que não pode ser explorada aqui. Mas certascaracterísticas do mercado financeiro modernogarantem sua dominância sobre outros segmentos.Em particular, mercados financeiros reagem muitomais rapidamente do que os outros a qualquerinformação que lhes interesse.

Se um governo sai da linha, os detentores detítulos da dívida pública podem colocá-los à vendarapidamente, tornando o financiamento da ativida-de pública imediatamente mais difícil. O mesmo sedá com as firmas que vendem papéis no mercado.Esse poder de reação rápida põe sempre o setorfinanceiro em vantagem quando se trata de avalia-ção de políticas. Por isso mesmo, formuladores(as)de políticas acabam sendo desproporcionalmente

influenciados(as) pelas reações que suas iniciati-vas podem gerar nesse mercado, mais do que nosoutros e, certamente, muito mais do que as rea-ções de eleitores e eleitoras.

De qualquer modo, não há nada de inevitá-vel nessa preeminência. Ela foi construída pelasmudanças institucionais liberalizantes das déca-das de 1980 e 1990, e nada em princípio impedeque uma reavaliação dessas mudanças eventual-mente leve a um balanço de forças diferentes nofuturo. Se a resistência dos mercados for quebrada,a mudança da relação entre políticas econômicae sociais pode ser tecnicamente mais simples doque se pode pensar.

O custo social das decisõesNa verdade, em grande parte, essa mudança jáfoi (ou está sendo) feita em outras áreas. Tome-se, por exemplo, a área ambiental. Atualmente, aformulação de política econômica para a área deenergia já contempla, em grau bastante acentua-do, a preocupação com a preservação do meioambiente. Políticas agrícolas e agrárias tambémlevam em conta, ainda que de forma talvez insufi-ciente, preocupações ambientais.

O caminho para a superação do papel “resi-dual e subsidiário” da questão social perante apolítica econômica é o mesmo. Tecnicamente,basta submeter as decisões de política macroe-conômica – isto é, a política fiscal, a política mone-tária, a política cambial etc. – a critérios de custo/benefício que identifiquem também a incidênciadestes em termos de grupos sociais, superandoa fantasia ideológica de que existe um interesse“nacional” acima do interesse das pessoas queconstituem esta nação.

Nenhuma política é neutra. Qualquer inicia-tiva de governo redistribui a renda (e, possivel-mente, a riqueza) da sociedade em algum grau.Objetivos abstratos podem ser apresentados deforma neutra, mas políticas neutras simplesmentenão existem. Ao objetivo de austeridade fiscal, porexemplo, em que o governo gasta apenas aquiloque arrecada com impostos, podem correspon-der políticas que aumentam impostos sobre aspessoas mais ricas ou as mais pobres, ou quecortam a oferta de bens públicos a um ou a outrodesses dois grupos.

Cada política escolhida distribui esses cus-tos e benefícios de forma diferente. A políticafiscal de FHC e de Lula persegue algum grau deausteridade fiscal, por meio do corte de bens pú-blicos às pessoas mais pobres e de investimen-tos públicos para manter elevada a remuneraçãoda dívida pública, que beneficia classes médias ede altas rendas. A explicitação desses custos ebenefícios permitiria evitar que as políticas so-ciais servissem apenas atenuar o impacto da polí-tica econômica. No momento, no Brasil como emmuitos outros países, a política fiscal é estabele-cida em grande medida pela minimização de es-forço. É bem mais fácil adotar políticas que nãocontrariam (muito pelo contrário) interesses do-minantes do que o oposto.

3 O cumprimento das decisões de Copenhague noprimeiro governo FHC foi discutido detalhadamente noObservatório da Cidadania, de 2000 (Kerstenestzkye Carvalho, 2000). As políticas econômica e sociais deseu segundo mandato foram objeto de vários artigosnos números seguintes do Observatório.

4 Esse é o título (Hard heads, soft hearts) de um livro deAlan Blinder, economista progressista estadunidense,ligado ao Partido Democrata.

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5 Esses princípios, já defendidos em Kerstenetszkye Carvalho (2000), foram também recentementeexplicitados em documento das Nações Unidas, aindaque de forma um pouco mais estreita: “[...] é precisofacilitar a ‘visibilidade’ dos efeitos sociais das políticaseconômicas. Isto exige, entre outras coisas, um exameperiódico por parte das autoridades macroeconômicasdos efeitos esperados de suas políticas sobre oemprego e as rendas dos setores mais pobres; normasque exijam que os projetos de lei de orçamento e dereforma tributária incorporem uma análise dos efeitosdistributivos dos gastos públicos e dos tributos,e a obrigação das entidades públicas encarregadas dapolítica tecnológica, industrial e agropecuária deanalisar regularmente a quem beneficiam os seusprogramas. Este deveria ser o ponto de partida rumo aodesenho de sistemas eficazes de coordenação entre asautoridades econômicas e sociais, para que asprioridades sociais se incorporem no próprio desenhodas política econômica, isto é, da política fiscal,tecnológica ou produtiva” (Nações Unidas, 2005, p. 18).

6 Como no caso, por exemplo, de uma eventual mudançado sistema de impostos brasileiro, que reduza o peso dosimpostos indiretos e aumente os impostos sobre renda,permitindo concentrar o seu peso nos grupos de rendasmais altas (impostos progressivos). Esse instrumentofoi decisivo tanto nas experiências socialdemocrataseuropéias como no caso estadunidense, de Roosevelta Lyndon Johnson, para a redução das desigualdadesde renda. Nem o agrupamento nominalmentesocialdemocrata brasileiro, nem o PT do governo atualparecem sequer cogitar uma mudança desse tipo.

Os impactos (custos) dessa decisão sobreos segmentos da sociedade são ignorados noprocesso de decisão sobre taxa de juros, superá-vits primários, taxa de câmbio etc. Às pessoassacrificadas no processo, por outro lado, oferece-se alguma compensação, sob a forma de bolsas-escola, bolsas-família, cestas básicas etc. A polí-tica social, assim, é um instrumento utilizado aposteriori, de atenuação dos efeitos de uma polí-tica econômica desenhada sem que seus custossobre os diversos segmentos da sociedade se-jam considerados.

Saúde e Educação como protagonistasA solução, portanto, nada tem de “mágica”, pa-lavra predileta do presidente e de seu ministroda Fazenda, nem está além da capacitação téc-nica de funcionários e funcionárias públicos.Ela se baseia exatamente no conceito de custode oportunidade, tão caro a economistas e tãoimportante em sua formação. Tecnicamente, elaenvolve pouco mais do que a mudança de trata-mento de variáveis como o Produto Interno Bruto(PIB), por exemplo, para renda dos diversos seg-mentos sociais.

Com isso, pode-se analisar, por exemplo, atéonde os ganhos esperados da aplicação de umadeterminada política não estarão excessivamenteconcentrados em um grupo social, à exclusão deoutros. É possível que a perda dos segmentosprejudicados supere os benefícios obtidos poroutros, fazendo com que outra política seja pre-ferida. Além disso, a desagregação de custos ebenefícios segundo os grupos sociais atingidospermite a fixação simultânea de metas macroe-conômicas e sociais, favorecendo-se objetivos einstrumentos de políticas econômicas de acordocom seu impacto distributivo.5

Como já observado, em sua dimensão técni-ca, esse procedimento não é essencialmente di-ferente da formulação de uma política de produ-ção agrícola, por exemplo, que leva em conta tam-bém a perda que ela possa implicar em termos decobertura florestal, causada pela expansão da área

de plantio. A consideração simultânea dos doisobjetivos, expandir a produção agrícola e promo-ver a preservação da cobertura florestal, condu-zirá a decisões de política diversas daquelas ori-entadas pelo objetivo exclusivo de produção oumesmo da decisão de expandir a produção infor-mada pelos efeitos potenciais sobre a coberturade florestas (em que a preservação não é, de qual-quer forma, um objetivo de mesma importânciaque a expansão da produção).

Do mesmo modo que o sacrifício de árvoresjá é considerado, quando se trata de política agrí-cola, é preciso considerar os custos para segmen-tos da sociedade, ou seja, o sacrifício de pessoas,quando se determina a política monetária, a polí-tica fiscal ou qualquer outra política econômica.A consideração da dimensão distributiva (atémesmo na decisão de quais bens públicos pro-duzir e como alocá-los) exigiria que o processo dedecisão de política econômica envolvesse direta-mente os ministérios provedores desses bens,como, por exemplo, Saúde e Educação.

Esses ministérios participariam da tomada dedecisão como protagonistas, e não apenas comoassessores, já que cada receita e cada despesateriam de ser analisadas em termos de sua prove-niência (quem paga a receita) e destinação (quemrecebe). Os ministérios de finanças perderiam,com isso, o poder que hoje detêm sobre o restodos governos (e, no Brasil, sobre os própriospresidentes, como nos casos de FHC e de Lula).Em troca, seria obtida uma consideração muitomais equilibrada dos diversos interesses a seremcontemplados no processo de formulação depolítica econômica.

Essa visão certamente seria qualificada depopulista nas críticas de pessoas mais conserva-doras, especialmente as que crêem (ou declaramcrer) na tecnicidade e objetividade da teoria eco-nômica. Contudo, nada há nela de populista. O quese propõe quando se trata de considerar a questãosocial na formulação de política econômica não édistributivismo irresponsável, mas, o que já seriaquase revolucionário, a consideração mais fina decustos e benefícios, diferenciando-se uns e ou-tros pelos segmentos da sociedade atingidos.Não há nada aqui que implique irresponsabili-dade, curto-prazismo (por exemplo, privilegiar oconsumo imediato da renda nacional sem preo-cupação com a necessidade de intensificação deinvestimentos, exportações etc.) ou qualquer outrodesvio de conduta.

Resistência do FMIA análise dos custos e benefícios de qualquermedida deve levar em conta que emergem emdatas distintas, dependendo da política adotada.Uma política de sacrifícios de curto prazo podeter um saldo final favorável quando se pensa maisa longo prazo. O elemento novo a ser conside-rado é apenas a distribuição desses custos e be-nefícios em termos dos diversos segmentos dasociedade, em vez do discurso ideológico do ob-jetivo nacional que, quase sempre, apenas (mal)

disfarça a predominância de interesses de gru-pos bem definidos, como o que ocorreu com apolítica macroeconômica de FHC e Lula.

Por outro lado, essa seria uma mudança pos-sível, mesmo numa perspectiva mais conserva-dora, que buscasse meramente contemplar osimpactos maiores das decisões de governo so-bre a sociedade. Não é necessário que o governoesteja buscando promover mudanças sociais maisamplas (que, na verdade, não estão na agenda deLula, como nunca estiveram na de FHC), como amudança na estrutura de distribuição de renda eriqueza no país.

Esses novos métodos podem ser defendidossimplesmente à base de preocupações com a efi-ciência da política econômica, uma vez que au-mentam a precisão do cálculo de custos e benefí-cios de cada política. Mudanças mais profundas,quando houver governo que as busque, visandoreduzir a extrema desigualdade na distribuição darenda e riqueza brasileiras, não serão justificadaspor fatores de eficiência, mas pela vontade políti-ca de transformação. Mesmo aqui, contudo, osmétodos propostos permitirão que governantesprevejam melhor os efeitos de suas decisões.6

Um foco de resistência importante a iniciati-vas que concretizem o espírito das conferênciassociais está localizado nas instituições financei-ras multilaterais, especialmente o Fundo Monetá-rio Internacional (FMI). O Fundo, em documentopublicado recentemente, analisou o fracasso dasreformas liberais na promoção do crescimento (eda redução da pobreza e das desigualdades so-ciais) na América Latina. Nesse documento, o FMIdefendeu o que vem se tornando há algum tempoo mantra dessas instituições: as reformas libe-rais não fracassaram por serem inadequadas,mas porque não foram implementadas até o fim.Assim, não cabe voltar atrás, mas, ao contrário,intensificar o processo de reforma, atingindo ossetores que, na América Latina, foram aindapouco tocados, como um mercado especial-mente querido pelo Fundo e seus admiradores: omercado de trabalho.

Para o FMI, o obstáculo ao emprego não é acombinação de juros elevados, investimento pú-blico estrangulado, vulnerabilidade externa, vo-latilidade cambial, mas a dificuldade do empresa-riado em demitir trabalhadores e trabalhadorasque viessem a contratar. Assim, o remédio aodesemprego é a maior facilidade em desempre-gar, não a ativação sustentada da economia, não

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7 O Plano Real era, inicialmente, conhecido comoPlano FHC.

8 No segundo semestre de 1994, o dólar chegou avaler R$ 0,80.

o investimento público e privado, não a expan-são da demanda agregada (impedida pela políticade juros altos e superávits fiscais excessivos queo Fundo sugere e os governos brasileiros perse-guem com o entusiasmo fundamentalista dosrecém-convertidos).

Ao contrário do que foi acordado nas confe-rências das Nações Unidas, o Fundo lamenta afalta na América Latina de “procedimentos orça-mentários ‘hierárquicos’ que dêem relativamentemais poder ao executivo que ao Congresso, e aoministério das finanças mais do que aos ministé-rios gastadores” (Singh, 2005, p. 39). O FMI res-salva a experiência do Chile como o país quemais se aproximou de sua concepção de ideal dereformas. Pelo menos no que se refere à domi-nância do Ministério da Fazenda na definição daspolíticas de governo, o Fundo não teria o quelamentar na experiência de FHC, no seu segundomandato, e no de Lula.

As políticas econômica e social de FHCO relatório brasileiro à Conferência de Copenha-gue, citado no início deste texto, falseou inteira-mente o processo de formulação de política eco-nômica no governo FHC. Em nenhum momentode seus dois períodos de governo, a política so-cial deixou de ter caráter “residual e subsidiário”à formulação de política econômica, que, por suavez, seguiu padrões inteiramente ortodoxos,distribuindo suas benesses do modo mais costu-meiro, com o especial favorecimento de rentistas,aqueles cuja riqueza é remunerada pelo paga-mento de juros.

A grande política social de FHC foi, na ver-dade, um subproduto de sua política econômica.O bem-sucedido Plano Real cortou drasticamenteo processo inflacionário que assolava a socie-dade brasileira há mais de 20 anos. Muito emboranão se possa afirmar que a ênfase no controle dainflação fosse resultante da preocupação com acorrosão crescente das rendas reais dos seg-mentos mais pobres da população, já que, aosníveis alcançados por volta de 1993, a inflaçãoameaçava a própria sobrevivência da economiabrasileira, seria mesquinho e inútil não reconhe-cer que o fim da inflação acelerada representouuma enorme e imediata melhoria na qualidade devida daqueles segmentos.

Uma inflação elevada como a vivida no Brasilaté 1994 destruía rapidamente a renda real dequem não tinha acesso a aplicações financeiras,exatamente como é o caso dos segmentos maispobres da população brasileira. Esses indivíduostinham diante de si apenas duas escolhas: ver opoder de compra do seu dinheiro ser violenta-mente diminuído a cada dia ou gastar todo o seusalário no momento em que fosse pago, mesmoque em produtos que não o atraíssem realmente.Era comum naqueles tempos a cena dos super-mercados lotados nos dias de pagamento, commuitos carrinhos cheios de latas de óleo, um pro-duto de vida relativamente longa, fácil de arma-zenar e cujo valor pelo menos acompanhava a

inflação, ao contrário do dinheiro que essas pes-soas tinham na carteira ou no jarro dentro de casa.Ainda assim, esses grupos sempre acabavam omês com uma renda real menor que a anterior,enquanto as classes médias e de altas rendas dei-xavam o seu dinheiro no banco, ganhando jurosdiários com aplicações em dívida pública.

A inflação brasileira até 1994 era um me-canismo extremamente concentrador de rendae seu fim, com o Plano Real, representou umaenorme transferência de renda real para essesgrupos. A eleição em primeiro turno de FernandoHenrique Cardoso, identificado como o inspi-rador da reforma, durante o governo ItamarFranco,7 para presidente em 1994, contra Lula eo PT – que não pareciam ter entendido seja aimportância, seja a lógica do Plano Real –, ao ladode mais alguns candidatos mostrou o que a esta-bilização de preços representou para esses seg-mentos da população.

A consolidação da estabilidade de preçosalcançada com o Plano Real, por outro lado, en-volveu políticas econômicas de conseqüênciassociais muito mais complexas. Se, por um lado,o controle definitivo da inflação (em contraste comas tentativas anteriores de estabilização, como oPlano Cruzado, por exemplo) foi extremamentepositivo em termos sociais, os instrumentos deconsolidação dessa estabilidade foram ampla-mente danosos a vários segmentos da população.A expansão das importações, alimentada pela va-lorização do real – que resultou da manutençãode taxas de juros domésticos elevadas – impediuo ressurgimento da inflação.

A estratégia utilizada era relativamente sim-ples. Tentativas de aumento de preços por parte dosprodutores domésticos de bens encontrariam pelafrente a concorrência de produtos importados apreços mais baixos. A garantia de que os preçosdos importados seriam baixos era dada pela ma-nutenção do real valorizado,8 além das reduçõesde tarifas de importação que ocorreram quando opaís liberalizou seu comércio exterior.

Essa estratégia, no entanto, enfrentaria umproblema: como pagar pelas importações adicio-nais? O mesmo mecanismo que torna as impor-tações mais baratas faz com que seja mais difícilexportar. Comprando mais e vendendo menos, aúnica forma de manter a estratégia antiinflacio-nária funcionando seria tomando dinheiro empres-tado no exterior. Para isso, seria preciso manteras taxas de juros pagas no país elevadas, de modoa interessar os credores a emprestar ao Brasil.Em meado da década de 1990, quando o PlanoReal foi implementado, tomar dinheiro empres-tado no exterior era facilitado pela abundância dedólares no mercado financeiro internacional.

Robin Hood às avessasTanto quanto o combate à inflação era não apenasuma política econômica como também uma polí-tica social, as políticas de consolidação da esta-bilidade eram também políticas sociais, mas denatureza muito mais regressiva. A combinaçãotaxa de juros doméstica elevada e moeda localvalorizada, ao tornar importações mais fáceis,também reduziu em muito a capacidade de con-corrência das firmas nacionais. O resultado dissoforam as falências e o desemprego, especialmenteentre as empresas industriais, atingindo de formaparticularmente forte o proletariado industrial pau-lista, o segmento mais bem remunerado do setorindustrial. Algumas empresas foram vendidas aempresas estrangeiras, até mesmo alguns sím-bolos da indústria brasileira, como a Metaleve.A desnacionalização da economia é uma mudançapermanente. O crescimento do desemprego, porsua vez, também se mostrou durável e, até o pre-sente, continua bastante elevado, em torno de 10%da força de trabalho.

Um segundo aspecto importante foi a manu-tenção de taxas de juros elevadas. Como conse-qüência, mesmo os setores que puderam resistirà concorrência estrangeira não conseguiram ounão tiveram estímulos à expansão, condenando aeconomia brasileira a prosseguir na trajetória deestagnação herdada da década de 1980. Inaugu-rou-se um ciclo conhecido entre economistascomo de stop-and-go, isto é, de pequenos arran-ques, sucedidos por pequenas quedas, tambémconhecido como “vôo de galinha”. Nesse perío-do, cada vez que a economia encontrava algumarazão para se expandir, a situação externa se tor-nava mais frágil (por causa do crescimento dasimportações que normalmente acompanha o cres-cimento da renda nacional): ou aumentavam astaxas de juros para poder atrair capitais de modoa poder pagar pelas importações, ou se esfriava aeconomia para que se importasse menos. Assim,à desnacionalização e ao crescimento do desem-prego, a política econômica de FHC acrescentavaa estagnação e a fragilidade externa.

Finalmente, as altas taxas de juros faziam comque a conta a pagar do governo pela sua dívidapública interna crescesse muito. Na verdade,quanto mais crescia a dívida, mais tinha o gover-no que oferecer aos aplicadores financeiros paraque comprassem os títulos públicos. No primeirogoverno FHC, o pagamento de juros (chamado deserviço da dívida) não sacrificava outros gastosdo governo de forma significativa. Já no segundomandato, depois da crise de 1998, quando a estra-tégia anterior apoiada na combinação juros altos/real valorizado/endividamento externo desmoro-nou, a política fiscal tornou-se também mais acen-tuadamente regressiva.

Com a política econômica brasileira coloca-da sob a tutela do FMI como condição para que ainstituição socorresse o governo, o serviço dadívida teria de ser garantido pela geração doschamados superávits primários, isto é, pelo ex-cesso de receitas sobre os gastos do governo em

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9 As classes médias repartem esses benefíciosprincipalmente sob a forma de retornos sobre fundosde investimento.

10 Políticas que não visam mudar estruturalmente o perfilde distribuição de renda e riqueza, confinando-se atentar impedir que a situação dos grupos maisvulneráveis se deteriore indefinidamente.

11 Isso parece ter sido entendido pelo governo Lula nãoapenas como o respeito a maturidades, termos etc., mastambém à rentabilidade dessas aplicações. O presidente doBanco Central escolhido por Lula, Henrique Meirelles,criticou quem defendia reduções mais acentuadas dataxa de juros para diminuir o serviço da dívida comouma forma de calote, já que os(as) aplicadores(as)compraram títulos na expectativa de ser muito bemremunerados, embora nada no contrato da dívida, como semostrará abaixo, implique a manutenção das taxas nosníveis atuais. Sabe-se, porém, que a ausência de inovaçõesna política econômica do governo Lula não se estendeao campo do discurso e dos conceitos formulados pelopróprio presidente e por seus/suas auxiliares.

12 Por exemplo, ao requerer que o sistema bancárioinvestisse parte de seus recursos líquidos em papéisda dívida pública.

bens e serviços. O governo federal passaria a re-colher mais impostos e/ou cortar gastos em bense serviços para garantir que sobrasse uma parcelasuficiente da receita de impostos para o pagamentodos juros da dívida pública.

Assim, uma terceira dimensão socialmenteperversa da estratégia de estabilização de preçosrevelou-se na regressividade da intervenção dogoverno. Enquanto, em países mais avançados,o Estado foi importante instrumento de redistri-buição de renda para a população mais pobre, aotaxar mais pesadamente a renda das pessoas maisricas, usando-a para suprir bens às mais pobres,como saúde e educação, o Estado brasileiro tor-nou-se cada vez mais um Robin Hood às avessas,dependendo pesadamente dos chamados impostosindiretos (sobre produtos) que incidem, também,sobre produtos de consumo popular, utilizandouma proporção excepcionalmente alta dessas re-ceitas para transferir rendas às classes médias ealtas sob a forma de pagamento de juros.9

Desse modo, além de sua política social ex-plícita que nunca deixou de ser “residual e subsi-diária”, consistindo fundamentalmente na atenua-ção dos efeitos mais perversos de suas políticaseconômicas, a política social mais importante dogoverno FHC foi mesmo aquela implícita em suaestratégia macroeconômica. Ao fim de seu segun-do mandato, a herança de FHC estava realmentebastante próxima da caracterização que Lula lheatribuiu, de herança maldita: desemprego, inca-pacidade de crescimento, juros elevados, vulne-rabilidade externa e política fiscal regressiva doponto de vista redistributivo, apenas atenuadaspor políticas assistenciais voltadas para “susten-tar o fundo do poço”.10

A campanha eleitoral de 2002O caráter do governo Lula, que se iniciou em 1ºde janeiro de 2003, ao que tudo indica, foi deter-minado ainda na campanha eleitoral, quando, nomeado de 2002, o país atravessou período de sériaturbulência no mercado de capitais e na sua fren-te externa. A turbulência resultou da confluênciade dois fatores: o primeiro foi a tentativa do en-tão presidente Cardoso de repetir sua vitoriosaestratégia política de 1998, acenando ao públicocom os riscos que a eleição de Lula poderia acar-retar à economia do país, com a alegação de queseria preferível manter a medíocre trajetória de seugoverno a arriscar-se com uma novidade temidapelos mercados; e o segundo referiu-se aos do-cumentos de campanha publicados pelo PT, masnunca realmente endossados em público pelocandidato Lula, que preconizavam mudanças mais

profundas na orientação da economia – somado aoque se imaginava ser a orientação predominante dopartido, isso serviu para inquietar esses mesmosmercados financeiros. A turbulência que tomouconta deles por volta de maio/junho de 2002 ini-ciou-se com a recusa dos aplicadores financeirosem aceitar títulos da dívida pública com venci-mento posterior à posse de Lula, temerosos de queo novo governo resolvesse repudiar essa dívida(dar um calote, na linguagem mais popular).

Na ausência de oportunidades de aplicaçãofinanceira no país, já que a dívida pública é pratica-mente o único mercado financeiro de fato atraenteno Brasil, os aplicadores promoveram uma fugade capitais que levou a uma desvalorização acen-tuada do real em relação ao dólar. Tal desvalori-zação, por sua vez, aterrorizou as empresas bra-sileiras que haviam tomado dinheiro emprestadono exterior (para evitar pagar as enormes taxas dejuros cobradas no país). Essas empresas resol-veram antecipar o pagamento de suas dívidas,antes que o dólar subisse tanto a ponto de levá-lasà falência. Com isso, o dólar subiu ainda mais, ea situação pareceu virtualmente fora de controleno início do segundo semestre de 2002.

Acuado, o candidato Lula foi levado a repu-diar explicitamente os antigos slogans de cam-panha do PT, por meio de sua famosa Carta aosBrasileiros. Nesse documento, apesar dos seustermos vagos, Lula praticamente comprometeu-se com a continuidade da política econômica deCardoso, eliminando qualquer possibilidade dereorientação de rumos com relação à economia.A expressão-chave da famosa Carta era o “respeitoà santidade dos contratos”, expressão cifrada parao compromisso com a manutenção dos métodosde serviço da dívida praticados até então.11

Essa idéia tem sido utilizada com freqüência(além de outra proposta defendida por Lula e seuministro da Fazenda de que alternativas de políticaeconômica são “mágicas”) para justificar a ausên-cia de iniciativas na política macroeconômica.Explica o presidente, em sua metáfora favorita,que o Estado está limitado pelos mesmos fatoresque uma família (ou um “pai de família”, comoprefere Lula): não pode gastar mais do que ganha,tem de se conformar com os termos dos contratosque assina etc. Administrar o governo como seadministra uma família: essa parece ser a orien-tação básica do governo iniciado em 2003.

Argumentos equivocadosHá muitos problemas com esse raciocínio, quali-ficado certa vez por um economista de “macroe-conomia do lar”, a começar pelo princípio de que aanalogia é simplesmente falsa. Um “pai de família”não tem outras formas de acesso a meios de paga-mento de seus compromissos, senão sua rendacorrente ou a obtenção de crédito de instituiçõesfinanceiras ou agiotas. Sua renda corrente é limita-da por seu salário, cujo valor é normalmente fixo.Governos não têm renda fixa, porque podem fazercrescer seu “salário”, aumentando os impostosque cobra. Todos os cidadãos e as cidadãs con-denam o apelo freqüente ao aumento de impostos,mas o próprio governo Lula tem se valido dissodesde seu início, como os outros antes dele.

Apesar da gritaria que sempre acompanhaaumentos de impostos, especialmente em um paísde estrutura de impostos tão regressiva e irracionalcomo a brasileira, seria concebível um aumento deimpostos que não incidisse sobre as rendas maisbaixas ou sobre gastos de que o país necessita,como, por exemplo, a realização de investimentos.Nada disso é possível ao “pai de família”.

Em segundo lugar, o governo tem a chance(que deve ser usada com muita cautela, é verdade,especialmente em países com a história inflacio-nária do Brasil) de emitir dinheiro para pagar suasdívidas, em casos extremos, como há também apossibilidade de obter recursos por meio de colo-cações compulsórias de dívida pública.12 Nadadisso também é acessível ao “pai de família”.

O que esses argumentos mostram não é,naturalmente, a possibilidade de os governosgastarem o que desejem, mas sim que restriçõese limites à sua atuação nada têm a ver com o queenfrenta um “pai de família” às voltas com as de-mandas de seus “filhos” (como são descritas, nomesmo estilo de retórica, as demandas apresen-tadas pelos vários grupos sociais). Confundir asdimensões é comum, mas governantes deveriamser mais bem informados a respeito das especifi-cidades da ação de governo.

A diferença entre a administração de gover-nos e a administração de famílias também semostra na questão dos contratos de dívida (naverdade, de quaisquer tipos de contratos, nãoapenas os de dívida). O papel do governo aqui émuito mais complexo do que supõem as pessoasque entoam permanentemente a ladainha da “san-tidade dos contratos”. O governo não é apenas“mais um” participante do sistema, preso pelasmesmas regras que prendem os indivíduos. Eleé, na sua acepção mais ampla, quem garante oscontratos, o árbitro de sua validade e aplicabili-dade. Isso não quer dizer, como pode parecer àprimeira vista, que o governo garanta que qual-quer contrato seja cumprido à risca.

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13 Tomemos um exemplo escandaloso: quemdefenderia a santidade dos contratos de compra evenda de escravos e escravas? Esses eram contratos“perfeitos”, como juristas gostam de dizer, e queforam violados quando se resolveu que a escravidãoera inaceitável.

14 Essas três citações foram extraídas da publicação A tracton monetary reform (Keynes, 2000, p. 67 e 68).

15 Mais exatamente de 59,79%.

16 Essa afirmação é falsa porque a taxa de juros afetadois objetivos macroeconômicos simultaneamente,mas em direções diferentes. Uma alta dos juros, emprincípio, deveria reduzir a inflação, o que é positivo,mas reduz também o emprego e o crescimento, o queé negativo para o país. Assim, a fixação da taxa dejuros depende da avaliação de até onde o sacrifíciodo emprego e do crescimento vale a pena parareduzir em algum grau a taxa de inflação. Isso não éum problema técnico, e sim de escolha política,dependente do valor dado, de um lado, à redução dainflação e, de outro, à perda de empregos e defôlego para crescer.

A função de garantidor inclui também a fun-ção de examinar cláusulas contratuais que eventual-mente tenham de ser mudadas diante das circuns-tâncias. A própria teoria econômica reconheceque, quando contratos são assinados, é impossí-vel às pessoas contratantes prever tudo o quepoderá ser relevante no futuro. Novidades acon-tecem e, às vezes, essas novidades exigem areinterpretação ou mesmo a mudança de com-promissos contratuais.13

Lições de KeynesJohn Maynard Keynes, o mais influente econo-mista do século XX, há quase cem anos respondeuàs pessoas que se apoiavam na “intocável santi-dade dos contratos” (a expressão é dele mesmo)para impedir a busca de soluções para a dívidapública européia, que sufocava as economias docontinente: “Nada pode preservar a integridadedos contratos entre indivíduos exceto a autoridadediscricionária do Estado para revisar o que se tor-nou intolerável”. Keynes acrescentou: “Aquelesque insistem que nestas matérias o Estado estáexatamente na mesma posição dos indivíduostornarão impossível, se predominarem, a conti-nuidade de uma sociedade individualista, quedepende da moderação para existir”.

Alguns indivíduos dirão que um Estado as-sim não é confiável. A esses, respondia Keynes:

O Estado não deve nunca negligenciar aimportância de agir em matérias ordinárias demodo a promover a certeza e a segurança dosnegócios. Mas, quando grandes decisões têm deser tomadas, o Estado é um corpo soberanocujo propósito é promover o bem maior para otodo. Quando, portanto, entramos o campo daação do Estado, tudo deve ser considerado epesado em seus méritos.14

Há uma certa ironia em toda essa discussão,porque a questão da dívida pública, que tem seconstituído no principal nó de dificuldades à con-cepção e implementação de políticas econômicasalternativas, de diferente conteúdo social, nem se-quer exige pensar-se em soluções que passempela violação das regras contratuais (ao contráriodo caso argentino, por exemplo, ao qual as obser-vações de Keynes se aplicariam mais fortemente).Quem compra papéis do Tesouro Nacional há mui-to se recusa a investir em títulos remunerados ataxas de juros prefixadas porque, neste país, nuncase sabe o que acontecerá no futuro. A taxa dejuros, hoje aparentemente atraente, pode deixarde sê-lo. Assim, ganhar do Tesouro 19,75% porano, pode parecer muito bom, mas se, no ano

que vem, a taxa de juros subir, por qualquerrazão, para, digamos, 30% ou 40%, os 19,75%de hoje parecerão irrisórios. Por isso, quem apli-ca tem preferido sempre contratos de dívida re-munerados pela taxa de juros de curto prazo, parase beneficiar com cada aumento promovido peloBanco Central.

Em 30 de abril de 2005, cerca de 60% dadívida pública em mãos de investidores e investi-doras era remunerada pela taxa de juros de curtoprazo (taxa Selic). Note-se: a remuneração pelataxa de juros de curto prazo é parte do contrato.Se o governo decidisse reduzir o serviço da dívi-da pública, a fim de ter mais recursos orçamentá-rios para os investimentos ou para o provimentode mais e melhores bens públicos, não seria pre-ciso violar nenhum contrato: bastaria reduzir dras-ticamente a taxa Selic, que remunera quase doisterços dessa dívida!

Assim, apresentar a questão em termos decalote serviu apenas para intimidar, com total su-cesso, um futuro governo Lula ainda durante suacampanha eleitoral. Temeroso de ser tratado comoum caloteiro, o governo aceitou ser imobilizadomesmo com respeito a mudanças que poderiafazer respeitando as cláusulas contratuais entãoem vigor. Vale ressaltar que, ao assumir o novogoverno, em janeiro de 2003, a proporção da dí-vida pública remunerada pela taxa de juros decurto prazo era, como agora, de cerca de 60%.15

As políticas econômicas do governo LulaNo governo Lula, foram mantidas intactas, oumesmo reforçadas, as duas principais caracterís-ticas que marcaram os governos FHC: o isolamentodas políticas econômicas em relação a questões“sociais”; e a natureza basicamente assistencia-lista da política social, voltada para conter a dete-rioração da posição de quem está no fundo dopoço, mais do que transformar estruturas ou ata-car o problema da desigualdade na distribuiçãode riqueza e de renda.

A “blindagem” das decisões de política macro-econômica em relação a influências e demandasda sociedade resultou da independência, para to-dos os efeitos práticos, total concedida ao BancoCentral na fixação da taxa Selic. Repetindo a ale-gação (falsa) de que a fixação da taxa de juros éum problema meramente técnico,16 o governo

abriu mão de reger a política monetária, permitindoao Banco Central desprezar completamente os im-pactos de suas decisões sobre o emprego e a rendada sociedade. A questão social, nesse caso, nãochega sequer ao status de “residual e subsidiária”:ela simplesmente é ignorada por quem tem o po-der de tomar decisões. A nomeação de dirigentesparticularmente de perfil conservador para o BancoCentral tornou a situação ainda mais difícil.

A gravidade dessa opção do governo Lulareside no que economistas chamam de “domi-nância monetária”, isto é, no fato de que a políticamonetária praticada pelo Banco Central dominatodo o processo de decisão de política econô-mica do governo.

Tomemos, por exemplo, a política fiscal. O ob-jetivo maior da política fiscal de Lula é produzir omaior superávit primário possível, cuja única fun-ção é assegurar ao mercado que o governo serácapaz de gerar e reter a proporção necessária dereceitas que permitam pagar as altíssimas taxasde juros que o Banco Central determina.

Nestes quase três anos de governo Lula,mesmo os gastos públicos orçados de forma apossibilitar alcançar a meta de superávit primáriofixada em 4,25% do PIB são reprimidos, alcan-çando o governo (e se congratulando por isso),na prática, valores muito maiores, às custas doestrangulamento de investimentos, da oferta li-mitada de bens públicos, freqüentemente de máqualidade, à população. Assim, a política fiscal édominada pela política monetária, limitando-sefundamentalmente a administrar os resíduos dei-xados no orçamento pelo serviço da dívida, nostermos determinados pelo Banco Central.

A dominância da política monetária se esten-de aos outros campos da política econômica,como a política cambial, por exemplo, como sevê todos os dias nos jornais. O governo se empe-nha, na verdade, em reforçar a blindagem da po-lítica econômica em relação a pressões da socie-dade, como se vê na resistência a demandas deampliação do Conselho Monetário Nacional ouna insistência na proposta de transformação doBanco Central numa instituição independente,mesmo contra a vontade de fração considerável dopróprio partido do presidente, apelando o ministroda Fazenda para manobras como o aliciamentode políticos de outros partidos a fim de patroci-nar a proposta no Congresso.

Afastadas de modo radical dos processosde decisão de política econômica, as questõessociais são relegadas às políticas sociais, cujoespaço, como visto, é residual. Com relação aessas questões sociais, prossegue-se na estraté-gia de “suporte do fundo do poço”, que caracte-rizou o governo anterior. É possível avaliar se osprogramas assistenciais do governo Lula funcio-nam melhor ou se atingem uma camada maior dapopulação “pobre” do país, mas a ausência deiniciativas mais ousadas de mudança estruturalcontinua sendo notável em um país onde umpartido de trabalhadores sucedeu a uma agre-miação socialdemocrata.

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Observatório da Cidadania 2005 / 39

17 Não se pode ignorar que abrir mão da influência sobre apolítica monetária não absolve o governo deresponsabilidade pelo que a diretoria do Banco Centraldecidir, já que a independência que a instituição passoua gozar resultou de uma decisão unilateral do governofederal, não de uma imposição legal.

Altas taxas de juros em ‘tempos de paz’Ainda é cedo, certamente, para avaliar de formadefinitiva o desempenho do governo Lula, mesmose não houver um segundo mandato. Até o mo-mento, a sua trajetória não se distingue essen-cialmente daquela vivida sob os governos FHC.O desemprego permanece elevado, depois de umagravamento acentuado em 2003, em virtude daspolíticas contracionistas implementadas por Lulaem seu primeiro ano, e de uma redução com arecuperação da economia em 2004. A taxa de cres-cimento econômico alcançada em 2004 (4,9%),só foi notável em contraste com os anos ante-riores, marcantes pela continuidade da prolon-gada estagnação que marca a economia brasi-leira desde a década de 1980. Em 2005, já se ame-açava uma nova perda de fôlego mesmo antes doagravamento da situação política em função dedenúncias de corrupção, cujo impacto é sempremuito difícil de avaliar.

O governo também tem sido ajudado pelaconjuntura externa excepcionalmente benigna dosúltimos dois a três anos, quando não houve nenhu-ma crise ou comoção financeira internacional – aeconomia estadunidense voltou a crescer após arecessão do início da década, e a China continuase movendo em ritmo vertiginoso, garantindo aexpansão do comércio internacional –, e pelasexportações brasileiras, fundamentais para a recu-peração de 2004, mas que são insistentementepostas em risco pelas políticas do Banco Central.

Considerando-se a excepcionalmente favo-rável conjuntura externa, o argumento de que astaxas de juros praticadas pelo Banco Central têmsido menores que as taxas médias no períodoFHC perde muito de sua força. Aquele período foimarcado por uma seqüência de choques externosimportantes, que levaram a repetidas altas de ju-ros com o fito de interromper fugas de capitais.Descontado esse efeito, a taxa de juros desde2003 tem se mantido notavelmente elevada paraépocas de relativa calmaria externa. Torna-se, en-tão, inevitável questionar: se o Banco Central tema liberdade de praticar essas taxas em “tempos depaz”, o que não fará ele se (ou, como é mais prová-vel, quando) novos choques externos ocorrerem?

O impacto fundamentalmente regressivo daspolíticas de juros do governo Lula permanece.17

Ele segue praticando a política de FHC em seusegundo governo, que é a de coletar impostosgerados por um sistema regressivo e usá-los paratransferir renda às classes média e de altas ren-das, na exata e perversa inversão das mais bem-sucedidas estratégias de redistribuição aplicadasno século XX.

Dez anos após a Conferência de Copenha-gue, o Brasil encontra-se no mesmo ponto emque estava em 1995. A mudança do relaciona-mento entre política econômica e as questõessociais proposta pelo governo FHC relevou-sepuramente retórica. Nada nos procedimentosefetivos dos governos FHC mudou, apesar dasbelas declarações de boas intenções feitas nopalanque da ONU.18

O governo Lula manteve os mesmo parâme-tros de decisão em política econômica, contri-buindo para isolá-la ainda mais das preocupaçõessociais ou das pressões (legítimas) dos grupossociais. A urgência da questão da pobreza, poroutro lado, obscureceu completamente a questãoda desigualdade e das mudanças estruturais neces-sárias para a promoção de mudanças no perfil dedistribuição de riqueza e de renda.

Notavelmente para partidos que se apresen-tam ou como socialdemocratas ou como à es-querda da socialdemocracia, nada foi feito comrelação à regressividade do regime de impostosvigente na economia brasileira. O tamanho dacarga fiscal, isto é, da relação entre total de im-postos coletados e o produto da economia, domi-na o debate em torno de reformas do regime deimpostos, em detrimento da progressividade queseria desejável imprimir.

Assim, é inevitável concluir que, para alémda retórica descompromissada, o espírito da Con-ferência de Copenhague nunca foi realmente assu-mido no Brasil. Os procedimentos de tomada dedecisão em política econômica não abrem qualquerespaço para a mudança de atitude que o país pro-punha em sua declaração à conferência. O balançodesses dez anos passados, desde 1995, é claro:o choque entre a retórica e a realidade resolveu-sedo modo de sempre, o esquecimento da retórica.

ReferênciasKERSTENETZKY, C.; CARVALHO, F. J. C. Até que ponto o

Brasil honrou os compromissos?. Observatório daCidadania, Rio de Janeiro, Ibase 4, 2000.

KEYNES, J. M. A tract on monetary reform. Amherst:Prometheus Books, 2000.

NAÇÕES UNIDAS. Objetivos de desarrollo del milenio: unamirada desde América Latina y el Caribe. Santiago:Nações Unidas, 2005.

SINGH, A. et al. Stabilization and reform in Latin America: amacroeconomic perspective on the experience since theearly 1990s. Washington: International Monetary Fund,2005. (Occasional Paper 238).

18 Esse ponto, aliás, tem estado, de diversas formas, naraiz das críticas que se avolumam contra a instituição.Critica-se precisamente a falta de poder da organizaçãopara implementar os compromissos assumidos pelospaíses membros. A conferência Financiamento para oDesenvolvimento, por exemplo, teve resultados práticospífios, apesar de toda a retórica de solidariedade quealimentou. Isso também parece ocorrer com muitasoutras das conferências do chamado “ciclo social”.

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Observatório da Cidadania 2005 / 40

Evolução recente da economia brasileira

Há mais de duas décadas, a economia brasileiradeixou de exibir o padrão de crescimento aceleradoque marcou o período que vai do fim da SegundaGuerra Mundial a meado da década de 1970. Desdeentão, o crescimento econômico mal tem sido sufi-ciente para sustentar algum crescimento mais per-sistente na renda per capita (isto é, a renda porhabitante) brasileira. No período que se seguiu àadoção do Plano Real até 1997, a economia bra-sileira pareceu ter recuperado pelo menos partede seu antigo dinamismo. Livre da influênciadesorganizadora da inflação acelerada, cresceu oconsumo e, com ele, aumentou a produção.

Empresários e empresárias que conseguiramresistir à concorrência das importações (auxiliadaspelo real valorizado e pelas baixas taxas de jurosque as empresas estrangeiras tinham de pagar emseus países de origem, comparadas às taxas pagasno Brasil) fizeram investimentos que lhes permiti-ram aumentar a produtividade e melhorar sua posi-ção competitiva. Mas, como visto, o modelo deestabilização adotado aumentou muito a vulnera-bilidade externa da economia brasileira. A partirde 1997, com a sucessão de crises financeiras nospaíses emergentes (incluindo a que atingiu o Brasilno fim de 1998), a economia brasileira perdeunovamente o fôlego e voltou a exibir taxas de cres-cimento que, nos bons tempos, são apenas me-díocres. A tabela 1 e o gráfico abaixo mostram ocomportamento do PIB total e do PIB per capita,em termos reais, desde 1993.

Tabela 1 – Evolução do PIB realTotal e per capita – 1993 = 100ANO PIB PIB PER CAPITA

1993 100 100

1994 106 104

1995 110 107

1996 113 107

1997 117 110

1998 117 108

1999 118 108

2000 123 111

2001 125 111

2002 127 111

2003 128 110

2004 135 114

Fonte: Banco Central do Brasil, séries históricas 1.208; 1.210, (www.bcb.gov.br). Elaboração do autor.

Neste cenário, as taxas de desemprego deramum salto, passando (e se mantendo teimosamentenesses patamares) para os dois dígitos. O InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), respon-sável pelo levantamento das taxas de desemprego,alterou seus procedimentos em 2001, tornandoos dados reportados a partir de então incompará-veis com os anteriores. Por isso, a Tabela 2 mostramédias trimestrais da taxa de desemprego apenasa partir do trimestre outubro/dezembro de 2001.

O baixo crescimento da economia brasileira, espe-cialmente a partir das crises da segunda metadeda década de 1990, aliado à reestruturação pelaqual passou a economia brasileira desde o PlanoReal, com a desnacionalização ou fechamento deempresas, especialmente as industriais, elevou astaxas de desemprego, especialmente na área me-tropolitana de São Paulo, onde se concentra partepreponderante do parque industrial brasileiro.

Tabela 2 – Taxa de desemprego (%)Regiões Metropolitanas – MédiastrimestraisDATA TOTAL SÃO PAULO

out./dez. 01 11,3 12

jan./mar. 02 12,2 13

abr./jun. 02 12 12,8

jul./set. 02 11,7 13,1

out./dez. 02 10,9 12

jan./mar. 03 11,6 13,5

abr./jun. 03 12,7 14,5

jul./set. 03 12,9 14,7

out./dez. 03 12 13,6

jan./mar. 04 12,2 13,7

abr./jun. 04 12,3 13,8

jul./set. 04 11,2 12,3

out./dez. 04 10,2 10,7

jan./mar. 05 10,5 11,4

Fonte: Banco Central do Brasil, séries históricas10.777; 10.782 (www.bcb.gov.br).

Em um mercado de trabalho com essas carac-terísticas, não deveria surpreender o comporta-mento da remuneração real dos trabalhadores e tra-balhadoras, que se mostrou, na melhor das hipó-teses, estagnada durante o mesmo período (pelasmesmas razões explicadas anteriormente, a sériese inicia também em outubro de 2001).

Essas informações ilustram um dos princi-pais argumentos do artigo, qual seja, o de que aprincipal política “social” da seqüência de gover-nos FHC e Lula tem sido, afinal, a política econô-mica que mantém o crescimento do produto me-díocre, o desemprego elevado e a remuneraçãodo trabalho estagnada, quando não declinante.

Evolução do PIB real total e per capita 1993–2004 (1993 = 100)

Fonte: Banco Central do Brasil, séries históricas 1.208; 1.210, (www.bcb.gov.br). Elaboração do autor.

Observação: os picos mostrados, especialmente na remuneração total e dos trabalhadores e trabalhadoras com carteira, devem-se ao pagamento do décimo terceiro salário,concentrado em dezembro de cada ano.

Fonte: BCB, séries 10.790; 10.791; 10.792

Evolução mensal da remuneração real do trabalho

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Observatório da Cidadania 2005 / 41

Praticamente todas as experiências bem-sucedi-das de distribuição de renda no século XX pas-saram pela redistribuição de renda por via fiscal.A coleta de impostos progressivos, pela qual aspessoas ricas pagam proporcionalmente mais im-postos que as pobres, e o direcionamento dessesrecursos para prover bens públicos a estas foram ocanal mais importante e durável de redistribuiçãode renda, não apenas naqueles países em que asocialdemocracia deitou raízes, como nos escan-dinavos, no resto da Europa Ocidental e até mesmonos Estados Unidos, país no qual os presidentesFranklin Roosevelt, na década de 1930, e LyndonJohnson, na década de 1960, implementarampolíticas que alteraram drasticamente o perfil derenda de suas sociedades.19

A experiência brasileira, em contraste, é ca-racterizada pela combinação exatamente oposta:impostos amplamente regressivos financiam gas-tos que transferem renda para as classes média ede renda mais elevada. Essas características nãosão novas. Não foram nem os governos FHC nemLula que as criaram. O notável, no entanto, é que,apesar da intensa retórica em prol da redistribui-ção, nenhum dos dois governos tenha realmentetomado medidas que mudassem a situação.

A estrutura de impostos no Brasil é regressivapor dois aspectos centrais. Por um lado, ela repou-sa primordialmente na coleta de impostos indiretos(sobre produtos ou atividades) em vez de diretos(impostos sobre a renda ou a riqueza do contri-buinte). Segundo a Comissão Econômica para aAmérica Latina e o Caribe (Cepal), em 1999/2000,os impostos diretos representavam 9,4% do PIB;os indiretos, 11,1%; e as contribuições à segu-rança social, mais 12,6%.20 Esse tipo de estruturade impostos responde não apenas a interesses degrupos de renda mais alta, mas também a conve-niências do próprio Estado: impostos indiretos econtribuições são mais fáceis de coletar que impos-tos diretos e, assim, permitem ao governo extrair dasociedade as parcelas da renda nacional que desejarcom mais rapidez e menos fricções.

Impostos indiretos são pagos por quem com-pra bens e serviços, não importa sua renda. Seriapossível dar-lhes uma natureza mais progressiva,se esses impostos incidissem apenas sobre pro-dutos consumidos por grupos de renda mais alta.No entanto, no Brasil, impostos como IPI (sobreprodutos industrializados) ou ICM (sobre circula-ção de mercadorias) incidem sobre praticamente

tudo, até mesmo bens de consumo demandadospraticamente apenas pelas camadas mais pobresda sociedade. É justo reconhecer que, nesse par-ticular, o governo Lula reduziu ou eliminou algunsdesses impostos sobre determinados produtos deconsumo popular. Mas a iniciativa foi limitada emtermos de produtos, não prosseguiu depois dasprimeiras medidas, e o consumo da populaçãomais pobre ainda hoje é uma fonte importante dereceita pública, apesar de sua natureza profunda-mente regressiva.

Por outro lado, os impostos diretos no Brasilsão marcados pela regressividade. As alíquotas sãobaixas e abundam as possibilidades de redução dosimpostos a serem pagos apenas pelas camadasmais ricas da população. Incentivos e deduções ate-nuam amplamente o impacto que alíquotas de im-posto já muito baixas teriam na redução das imen-sas diferenças de renda pessoal que marcam o país.

Se o sistema de impostos têm sido histori-camente regressivo, a estrutura de gastos do go-verno passou a contribuir para a concentração derenda a partir do fim da década de 1990 de formamuito mais intensa que no passado. O perfil degastos é dominado pelo serviço da dívida pública(isto é, pelo pagamento dos juros sobre os títulosda dívida pública emitidos pelo governo) que su-pera todos os outros itens de despesas sociais,como se vê no gráfico a seguir.21

Os gastos com o serviço da dívida pública,inflados pela política monetária do Banco Central,que, ao aumentar a taxa de juros continuamente,faz crescer a conta a pagar pelo governo aos deten-tores e às detentoras dessa dívida, superam qual-quer outro item de gasto social, como educação,saúde e saneamento ou habitação. Além disso, oserviço da dívida flutua intensamente (mas sem-pre em níveis muito altos), o que impede o plane-jamento eficiente das políticas públicas e reduz opotencial de crescimento da economia.

A maioria dos títulos públicos federais (quesão, de longe, a maior parte da dívida pública totalno país) tem sua remuneração determinada pelataxa Selic, fixada pelo Banco Central.22 Assim, todavez que o Banco Central aumenta a taxa de juros,a política do governo se torna mais regressiva,porque significa que uma parte maior dos impos-tos coletados, já por si mesmos de forma regres-siva, será destinada ao pagamento de juros às clas-ses média e de renda alta, sacrificando para issonão apenas despesas sociais, mas também inves-timentos públicos.

Em suma, é na atuação do próprio governoque encontramos a fonte mais imediata de viola-ção dos compromissos de Copenhague. A faltade iniciativa, seja na mudança do perfil de impos-tos, seja no perfil de gastos públicos, dos suces-sivos governos desde 1995 (quando a declaraçãofoi assinada), inviabiliza qualquer mudança maisampla no quadro de desigualdades (e de estag-nação) da sociedade brasileira.

22 Em períodos de turbulência do balanço depagamentos, quando se espera que o valor do dólarvenha a subir muito, crescem também as emissõesde dívida atreladas à moeda dos EUA. Como o valordo dólar vem caindo em 2005, o mercado não quercomprar papéis indexados ao dólar, e a participaçãodesses papéis no total vem caindo, pelo menos atéa próxima crise.

Política fiscal e distribuição de renda

19 As políticas implementadas por Roosevelt eJohnson são detalhadamente descritas no livrosFreedom from fear. the american people in Depressionand War, 1929/1945 (Nova York: Oxford UniversityPress, 1999), de David Kennedy, e Lyndon Johnsonand the great society (Chicago: Ivan R. Dee, 1998),de John Andrew III. Além de um número imenso deobras que tratam do assunto, as políticas deredistribuição da socialdemocracia são analisadas,por exemplo, no número especial da revista OxfordReview of Economic Policy (volume 14, n. 1, 1998).

20 Nações Unidas, 2005, gráfico 1.3, p. 12.

21 Analistas com perfil conservador costumamincluir, entre os gastos sociais, as despesas comaposentadorias, de modo a fazer inflar o total gastoem “políticas sociais”. O sistema de previdênciabrasileiro inclui realmente uma parcela de gastosque poderiam ser classificados de sociais, como opagamento de aposentadorias rurais ou outras quenão envolvam prévia contribuição. O núcleo dosistema de previdência, no entanto, foi criado paraser financiado por contribuições detrabalhadores(as) e empregadores(as), não cabendo,portanto, incluir todos os gastos, nem mesmo suamaior parte, como despesas sociais.

Evolução do gasto público (1995/2004 – itens selecionados)

Fonte: Banco Central e Secretaria do Tesouro Nacional

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Observatório da Cidadania 2005 / 42

Desenvolvimento subordinado ao modelo exportador

A aceleração das discussões sobre comércio internacional, por conta dos encurtamentos de prazos da Rodada Doha da

Organização Mundial do Comércio (OMC), serviu para retomar a discussão sobre os rumos de desenvolvimento no Brasil,

a partir do governo instalado em 2003. Esse debate, no entanto, não vem sendo feito de forma explícita, ao contrário do

que ocorreu durante a construção do programa de governo do candidato Lula. Perduram as indefinições quanto à estratégia

de desenvolvimento, envolvendo uma ativa expansão das exportações do país, e suas conseqüências sociais.

Adhemar S. Mineiro*

O atual governo brasileiro, que recebeu uma he-rança complicada e, ao mesmo tempo, convive comum conjunto contraditório de forças políticas,optou por certo “pragmatismo de curto prazo”, nagestão da política econômica, refletido na priori-zação do ajuste das contas externas em busca deampliação rápida do saldo da balança comercial,em vez de mudanças na regulação e na estruturados fluxos financeiros com o exterior. Ao mesmotempo, procurou grandes superávits primários,superiores até mesmo aos 4,25% outrora compro-metidos com o Fundo Monetário Internacional(FMI), e também constantes no Plano Plurianual(PPA) em curso, ou seja, práticas internalizadasna legislação nacional. O objetivo era sinalizar deforma firme aos credores financeiros do Estadoque seus pagamentos continuariam a ter priori-dade em relação a outros compromissos fiscais.

Esse tipo de estratégia, se, de um lado, evi-tou o enfrentamento com os credores financeirosexternos e internos, além da turbulência que issopoderia causar a curto prazo, por outro, mantéma vulnerabilidade externa potencial pelo aspectofinanceiro. Embora tenha usufruído nos últimosanos de uma bonança financeira e comercial quevem permitindo manter razoável tranqüilidade, opaís fica extremamente dependente da dinâmicacomercial e dos humores financeiros dos merca-dos. Também os limites impostos pela necessi-dade do superávit primário aos investimentossociais e em infra-estrutura esgarçam, de formacrescente, o tecido social e a estrutura física daprodução e circulação de bens e serviços.

Não é intenção deste texto avançar no segun-do aspecto. Entretanto, a estratégia buscada parao ajuste do setor externo, objetivando elevar rapi-damente os saldos comerciais em curto prazo, im-pôs um “desenho” geral de desenvolvimento que,mesmo de forma implícita, é a conseqüência dessaopção pragmática: uma enorme pressão sobre osrecursos naturais do solo e do subsolo do país,onde existe a possibilidade de ampliação rápida da

participação do país no comércio internacional acurto prazo, com geração simultânea de expres-sivo resultado positivo na balança comercial.

Pelo fato de esse pragmatismo do ajuste dascontas externas ser divulgado como uma estratégiade sucesso, com efeitos no crescimento econômi-co e nas possibilidades de desenvolvimento do país,ele impõe, antes de tudo, uma discussão sobre asrelações entre comércio internacional e desenvol-vimento, e, em especial, a respeito dos efeitos quepoderia ter tal estratégia de desenvolvimento sobrea redução da pobreza, apontada permanentementecomo objetivo fundamental do atual governo.

Em seguida, é importante debruçar-se sobre asconseqüências da inserção internacional na estru-tura produtiva e o efeito que pode ter uma estra-tégia de “sucesso” nas negociações comerciaisem curso, especialmente na OMC, para atender àmeta de ampliação dos saldos comerciais, sobreo uso dos recursos e potencialidades do país.

Estratégia de desenvolvimento1

Tratar da proposta de desenvolvimento desenhadapelo conjunto de forças políticas que contribuiu paraa eleição de Lula e para o governo instalado em2003 é tarefa das mais difíceis, não apenas pelaheterogeneidade dessas forças, mas principal-mente pela dinâmica com que se foram movimen-tando, negociando e agregando elementos ao novoprojeto eleitoral e de governo. Para levar adianteessa reflexão, tomamos como base alguns docu-mentos,2 nos quais as idéias são apresentadas.

No documento “Concepção e diretrizes doprograma de governo do PT para o Brasil” sãoexpressas posições mais tradicionais, construídasao longo de várias campanhas pelas forças que,desde 1989, se agruparam em torno da chamadaFrente Brasil Popular, embora amenizadas por um

tom geral, esboçado em uma política de aliançasmais ampla, defendida taticamente como fórmulapara o sucesso eleitoral e a implementação do pro-grama. Desse documento, que apresenta como sub-título “A ruptura necessária”, cabe destacar, logo desaída, que a implementação do programa de go-verno deveria representar uma ruptura, emborajá embutisse algumas importantes ponderaçõesquanto à forma e ao ritmo de levar isso adiante.3

Apesar das ponderações, o documento erasuficientemente claro na sua proposta de rupturacom o modelo econômico baseado na aberturaao livre fluxo de capitais e na dependência externa,e ao confrontar o resgate dos direitos sociais comos limites do chamado “pragmatismo” – do ajustefiscal ou orçamentário –, impostos pela políticaeconômica. Não se conformava, dessa maneira,com os limites da racionalidade baseada em umavisão econômica da hegemonia dos mercadosfinanceiros. Além disso, apresentava como umadas raízes do problema a própria estruturação deum modelo de funcionamento assentado no fluxode capitais externos.4

Como objetivo da necessária ruptura e demaior autonomia em relação aos capitais externose às chamadas “políticas de ajuste”, no documento

* Economista, técnico do Departamento Intersindical deEstatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

1 Para uma discussão mais detalhada sobre algunsaspectos desse ponto, ver Mineiro (2004 a).

2 Os documentos “Concepção e diretrizes do programa degoverno do PT para o Brasil”, “Programa de governo2002” e “Carta ao povo brasileiro” estão disponíveis naárea de documentos do site <www.pt.org.br>, e o Anexo I(“Orientação estratégica de governo”) da Lei 10.933, de11 de agosto de 2004, que dispõe sobre o PlanoPlurianual para o período 2004–2007, está disponívelno site <www.planobrasil.gov.br>.

3 “A implementação de nosso programa de governo parao Brasil, de caráter democrático e popular, representaráuma ruptura com o atual modelo econômico, fundadona abertura e na desregulação radicais da economianacional e na conseqüente subordinação de suadinâmica aos interesses e humores do capital financeiroglobalizado. [...] Será necessário, de igual modo, avaliarcom objetividade as restrições e potencialidades doatual quadro sociopolítico e econômico do país, paraevitar um voluntarismo que poderia frustrar a propostade transformação da economia e da sociedadebrasileiras.” (“Concepção e diretrizes”, item 1)

4 “A dependência de capitais externos e a manutenção deuma taxa de juros extremamente elevada, resultantesdaquelas políticas, tiveram impactos destrutivos sobre asfinanças públicas, produzindo um volumosoendividamento do Estado e transformando os juros noprincipal vetor do déficit público (embora a carga tributáriatenha se expandido bastante no período). As políticasde ajuste adotadas devido aos acordos com o FMI, aoeliminarem a propensão ao endividamento, levaram apriorizar o pagamento dos encargos financeiros dadívida pública, com o sacrifício dos investimentos eminfra-estrutura, em ciência e tecnologia, e dos gastossociais do Estado.” (“Concepção e diretrizes”, item 8)

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Observatório da Cidadania 2005 / 43

“Concepção e diretrizes” estava ainda presenteuma proposta de alteração profunda do modelo,transformando as reformas sociais e a redistri-buição da renda e da riqueza em motor do desen-volvimento, uma forma de reafirmar a estruturaçãode um “mercado de consumo de massas”, aliado aum conjunto de políticas sociais, que daria dina-mismo ao novo modelo de desenvolvimento.

Tomando em consideração o tema da vulnera-bilidade externa, o texto do documento é bastantecrítico em relação a uma inserção internacionaldependente5 e subordinada pelo seu aspecto finan-ceiro. Entretanto, ao pensar alternativas, trata comcuidado a prioridade da abertura comercial, defen-dendo a combinação de políticas claramente ofen-sivas na busca da elevação do saldo comercial6 compolíticas e estratégias defensivas em relação aosefeitos negativos que poderiam advir da amplia-ção da inserção comercial internacional do país.7

Procura ainda reduzir a dependência dos chamados“grandes mercados” (Estados Unidos, União Euro-péia, Canadá e Japão), por meio da ampliação deuma inserção comercial diversificada8 no mundo.

Ênfase produtivistaO “Programa de governo 2002” da candidaturaLula e da frente política que o sustentou na cam-panha apresenta, entretanto, ambigüidades erelativizações quanto à discussão sobre o modelode desenvolvimento para o país, caminhando emvários sentidos no rumo de “suavizar” a idéia deruptura presente no documento anterior e traba-lhando com a perspectiva de alternativa.

Na área do comércio exterior, o texto do “Pro-grama de governo 2002” enfatiza o papel do agro-negócio9 e flexibiliza sutilmente a posição ante oprocesso negociador da Área de Livre Comérciodas Américas (Alca).10 Destaca ainda a necessidade

de uma transição entre a realidade econômicanaquele momento e o quadro no qual pretende im-plementar as políticas alternativas, embora dandoprioridade à necessidade do crescimento econô-mico11 e à busca de alternativas à chamada “âncorafiscal” da estabilidade macroeconômica.

O “Programa de governo 2002” apresentaainda três itens interessantes, que se confrontamparcialmente com a ênfase na estabilidade e nasconcessões aos interesses financeiros (apontadaanteriormente), além de fazerem uma ponte im-portante com a volta de uma visão mais centradana expansão da produção. Eles reforçam a pro-posta de políticas ativas por parte do Estado comocomponente essencial de reformulação da estru-tura produtiva e da viabilização de um novo mo-delo de desenvolvimento, no qual trabalhadorase trabalhadores assalariados e empresárias eempresários produtivos encontram espaço parao seu crescimento. Um desses itens aponta umaidéia a ser retomada, com ênfase, no “Plano Brasilpara todos”, que diz respeito à possibilidade de,pela expansão da produção no mercado interno,serem criadas as bases de ampliação das expor-tações, decorrentes do aumento das escalas deprodução e dos ganhos de produtividade.12

Nesse ambiente de crescimento desenhado,o “Programa de governo 2002” ampliou suas preo-cupações, incluindo as questões ambientais,13

embora não identificasse naquele momento contra-dições entre estas e a expansão das exportações,particularmente da grande agricultura comercial.

Todos os itens do “Programa de governo2002” citados até aqui estão no primeiro capítulo,intitulado “Crescimento, emprego e inclusão so-cial” (p. 12-25). O capítulo seguinte, “Desenvol-vimento, distribuição de renda e estabilidade”(p. 26-40) volta ao tema, tentando combinar a idéiado crescimento do mercado interno de massas edo aumento da competitividade do país.

O desenvolvimento com justiça social implicauma ruptura com duas tendências históricasda sociedade brasileira: a excessivadependência externa e a aguda concentraçãode renda, que gera forte exclusão social.Por isso mesmo, a dimensão social tem de sero eixo do desenvolvimento, e não meroapêndice ou um suposto resultado natural docrescimento econômico. A recuperação dacapacidade de definir e operar políticaseconômicas ativas, a ampliação do mercadointerno de massas, o aumento dacompetitividade brasileira e o impulso àsexportações constituem aspectosindissociáveis do novo estilo dedesenvolvimento, voltado para ofortalecimento da economia nacional.14

No segundo capítulo, é dada ênfase produti-vista e faz-se crítica às aberturas comercial e finan-ceira.15 Entretanto, convém observar no seu item10: “O Brasil é hoje, com poucas exceções, umimportador de bens de elevado conteúdo tecnoló-gico e um exportador de commodities largamenteintensivas em recursos naturais; em alguns casos,intensivas em escala ou capital. [...]”.

E segue a ênfase nos aspectos voltados aoaumento da produção, agora vistos pelo ladodos seus efeitos sobre o emprego e o mercadode trabalho:

O aumento do desemprego e a precarizaçãodo emprego, a estagnação dos níveis de rendae a continuidade de sua má distribuição, oaumento da concentração da propriedade e oencarecimento dos serviços públicosessenciais caracterizam a situação de exclusãosocial produzida pelas políticas liberais queurge corrigir. O sentido geral do nossoprograma é diminuir esses grandesdesequilíbrios, convertendo o social no eixodo novo modelo de desenvolvimento.A constituição do novo modelo priorizará trêsaspectos: (a) o crescimento do emprego; (b) ageração e distribuição de renda; (c) aampliação da infra-estrutura social.16

5 “Ao elevar as necessidades de financiamento externo a níveiscríticos e abolir as restrições ao movimento de capitais, aspolíticas aplicadas transformaram a dependência do capitalestrangeiro em um mecanismo de internalização dainstabilidade do mercado financeiro globalizado e desubordinação do funcionamento da economia nacional àsprioridades e interesses dos credores e investidoresexternos.” (“Concepção e diretrizes”, item 11)

6 “Concepção e diretrizes”, item 47.

7 “Concepção e diretrizes”, item 48.

8 “Concepção e diretrizes”, item 52.

9 “A agroindústria é hoje um dos maiores bens do Brasil edeve ser incentivada, inclusive por seu papel estratégicona obtenção de superávits comerciais.” (“Programa degoverno 2002”, item 23)

10 “A persistirem essas condições, a Alca não será umacordo de livre comércio, mas um processo de anexaçãoeconômica do continente, com gravíssimas conseqüênciaspara a estrutura produtiva de nossos países, especialmentepara o Brasil, que tem uma economia mais complexa.Processos de integração regional exigem mecanismosde compensação que permitam às economias menosestruturadas poder tirar proveito do livre comércio, enão sucumbir com sua adoção. As negociações da Alcanão serão conduzidas em um clima de debateideológico, mas levarão em conta essencialmente ointeresse nacional do Brasil.” (“Programa de governo2002”, item 18) Vale apontar a posição sobre o mesmotema expressa no documento de “Diretrizes”, item 53.

11 “Nosso governo vai iniciar, sem atropelos, umatransição para um novo modelo de crescimentosustentável, com responsabilidade fiscal e compromissosocial. Trabalhará com a noção de que só a volta docrescimento pode levar o País a contar com umequilíbrio fiscal consistente e duradouro.” (“Programade governo 2002”, item 31)

12 “O desenvolvimento de nosso imenso mercado, com acriação de empregos e a geração de renda, revitalizará eimpulsionará o conjunto da economia, oferecendo aindabases sólidas para ampliar as exportações. As açõespara ampliar nosso comércio internacional serãocoordenadas por uma Secretaria Extraordinária deComércio Exterior, subordinada diretamente àPresidência da República e articulada com o trabalho naárea externa desenvolvido pelo Ministério das RelaçõesExteriores.” (“Programa de governo 2002”, item 34)

13 “Nosso governo trabalhará por um novo padrão dedesenvolvimento, com crescimento econômico, inclusãosocial e justiça ambiental, de modo que, resguardado odireito das gerações futuras, todos tenham acesso justoe eqüitativo aos recursos naturais. Na última década, asociedade brasileira foi marcada por baixas taxas decrescimento econômico e altos índices de danossocioambientais. Nosso governo se comprometerá coma melhoria da qualidade ambiental como geradora denovas oportunidades de inclusão social, através de trêsestratégias: (a) adoção de critérios socioambientais desustentabilidade para as políticas públicas, fortalecendoos sistemas nacionais de meio ambiente, recursoshídricos e defesa do consumidor; (b) estabelecimentode metas de melhoria dos indicadores socioambientais –desmatamento, focos de calor, emissão de CO2 e CFC,esgotamento e tratamento sanitário, abastecimento deágua, controle de vetores, resíduos sólidos, qualidadedo ar, acesso aos bens naturais, consumo de energia,tecnologias limpas; (c) controle social por meio daparticipação popular, da educação e da informaçãoambientais, e da valorização das iniciativas dapopulação e da sociedade civil organizada.” (“Programade governo 2002”, item 38)

14 “Programa de governo 2002”, capítulo 2, item 2.

15 “A abertura comercial, por sua forma e velocidade,produziu em muitos casos uma regressão do setorprodutivo, enfraqueceu as cadeias produtivas ecomprometeu nossa competitividade e capacidadeexportadora. Disso resultou uma ampliação docoeficiente importado, sem a contrapartida do aumentodas exportações, implicando perda de participação nomercado internacional, atrofia do mercado interno eredução dos encadeamentos intersetoriais.” (“Programade governo 2002”, capítulo 2, item 9)

16 “Programa de governo 2002”, capítulo 2, item 24.

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Observatório da Cidadania 2005 / 44

Interesses contraditóriosO item 25 do segundo capítulo do programa chamaatenção para a importância de observar não apenaso crescimento, mas o estilo desse crescimento.Isso parecia uma sinalização de que deveria prio-rizar os setores mais intensivos em mão-de-obra,e menos em capital:

O aumento do emprego depende em grandemedida da taxa de crescimento do PIB. Masnão somente. O próprio estilo de crescimento,vale dizer, os setores líderes sobre os quais sefundamenta, também joga um papel relevantena dinâmica da criação de postos de trabalho.Assim, por exemplo, um modelo que enfatiza aampliação da infra-estrutura social, segmentointensivo em construção civil e mão-de-obra,cria mais empregos do que outro centrado naampliação do consumo privado.

O texto reitera a centralidade do mercado in-terno de massas como motor da dinâmica de cres-cimento proposta.17 Já a “Carta ao povo brasileiro”é quase um resumo do “Programa de governo2002”, mas apresenta interessante ênfase em al-guns aspectos relativos à conjuntura de volatili-dade e crise financeira do período eleitoral de2002, durante o qual foi negociado e assinadonovo acordo com o FMI.

Além dessa resposta à conjuntura econô-mica, o documento refletia a adesão de novos se-tores sociais e políticos à candidatura Lula. O graude heterogeneidade revela-se também pela suavealteração da “parceria” proposta aos setores so-ciais, acrescida de um chamado à negociação,mostrando que, além de heterogêneos, os inte-resses somados ao projeto passavam a ser tam-bém contraditórios.18

Ao afirmar posteriormente que o novo mode-lo não poderá ser produto de decisões unilateraisdo governo, nem será implementado por decreto– mas sim “fruto de uma ampla negociação na-cional, que deve conduzir a uma autêntica aliançapelo país, a um novo contrato social, capaz deassegurar o crescimento com estabilidade” –, o

documento parece apontar a negociação comocaminho para permitir a convivência de interes-ses conflitantes em um projeto comum.

A “Carta” segue mostrando sua aderência aomomento de turbulência financeira, mas, ao mes-mo tempo, aproveita para enfatizar o compromissodo futuro governo com a garantia aos merca-dos financeiros, talvez o seu principal objetivo.Os problemas do modelo nas “Diretrizes”, subs-tituídos pelas fragilidades macroeconômicas do“Programa de governo 2002”, foram alteradospara a idéia da falta de confiança dos mercados.19

As mudanças de redação não parecem grandes,mas existem enormes diferenças do ponto de vistadas políticas a serem conduzidas entre alterar omodelo (ou romper com o modelo anterior), cor-rigir as vulnerabilidades macroeconômicas ouganhar a confiança dos mercados. Afinal, a idéiade mudar o modelo, garantidor de rentabilidadeaos mercados financeiros, não parece ser a melhormaneira de ganhar a confiança desses mesmosmercados financeiros.

No âmbito da política de comércio exterior,continua a linha expressa no “Programa de Go-verno 2002” de administrar ao mesmo tempoos interesses (ofensivos comercialmente) doagronegócio com os interesses (defensivos) daagricultura familiar.

Aqui ganha dimensão uma política dirigida avalorizar o agronegócio e a agriculturafamiliar. A reforma tributária, a políticaalfandegária, os investimentos em infra-estrutura e as fontes de financiamentopúblicas devem ser canalizados comabsoluta prioridade para gerar divisas.Nossa política externa deve ser reorientadapara esse imenso desafio de promovernossos interesses comerciais e removergraves obstáculos impostos pelos paísesmais ricos às nações em desenvolvimento.

Finalmente, e mais uma vez, o que talvez sirvapara identificar mais claramente os seus efetivosdestinatários, a “Carta” reafirmava o compromissocom o superávit fiscal primário, para mais umavez tranqüilizar os mercados financeiros:

A questão de fundo é que, para nós, o equilíbriofiscal não é um fim, mas um meio. Queremosequilíbrio fiscal para crescer, e não apenaspara prestar contas aos nossos credores.

Vamos preservar o superávit primário oquanto for necessário para impedir que a

dívida interna aumente e destrua aconfiança na capacidade do governo dehonrar os seus compromissos.

Mas é preciso insistir: só a volta docrescimento pode levar o país a contar comum equilíbrio fiscal consistente e duradouro.A estabilidade, o controle das contas públicase da inflação são hoje um patrimônio de todosos brasileiros. Não são um bem exclusivo doatual governo, pois foram obtidos com umagrande carga de sacrifícios, especialmentedos mais necessitados.

Postura ‘amigável’ diante dos mercadosQuando observamos o Anexo I (“Orientação estra-tégica de governo”) da Lei 10.933, de 11 de agos-to de 2004, podemos notar que permaneceramembutidas no documento aprovado as diferentesvisões que, com ênfases diversas, já vinham cons-tando anteriormente nos documentos discutidos.A grande ressalva é que, ao ser transformada emlei – e, portanto, política de Estado e de governo –,a convivência de visões diferenciadas demandaajustes não apenas de redação, mas de adminis-tração política. Essas três visões seguem presen-tes, sendo aqui abordadas no período de sua pre-valência, correspondente aos primeiros 18 mesesdo governo Lula, anterior à aprovação da lei.

Assim, não é estranho que o debate legis-lativo predominante fosse centrado no superávitprimário, uma vez que esse objetivo estratégicofazia parte do Plano Plurianual apresentado e pre-dominou nos primeiros 18 meses do novo governo– em função do modelo e das turbulências herda-dos da gestão anterior e da conjunção de forçashegemônicas na condução da política econômicado governo Lula. As restrições, que antes deveriamser contornadas, se transformavam em objetivosestratégicos de governo ao longo do PPA (2004–2007), como pode ser observado:

Neste contexto de transição, o planejamentoestratégico das ações de Governo nospróximos anos será essencial paracompatibilizar os objetivos de alcançar omáximo crescimento possível, ampliar ainclusão social, reduzir o desemprego e asdisparidades regionais e fortalecer acidadania com as restrições decorrentes danecessidade de consolidar a estabilidademacroeconômica no País: manutenção doajuste do balanço de pagamentos econseqüente necessidade de harmonizar oritmo de crescimento da demanda com o dacapacidade produtiva doméstica emanutenção de um superávit primárioconsistente com a necessidade definanciamento público ao longo do tempo.20

Apesar dessa prevalência da política econô-mica, segue presente, com força, na Lei 10.933 –e também em discussões que buscam confrontara permanência de taxas de desemprego elevadase um quadro de baixos investimentos –, uma visão

17 “Especificadas as linhas estratégicas do novo modelo,cabe apontar os aspectos gerais da dinâmica decrescimento proposta. O motor básico do sistema é aampliação do emprego e da renda per capita, econseqüentemente da massa salarial que conformará oassim chamado mercado interno de massas. O crescimentosustentado a médio e longo prazo resultará da ampliaçãodos investimentos na infra-estrutura econômica e sociale nos setores capazes de reduzir a vulnerabilidadeexterna, junto com políticas de distribuição de renda.”(“Programa de governo 2002”, item 35)

18 “A crescente adesão à nossa candidatura assume cadavez mais o caráter de um movimento em defesa doBrasil, de nossos direitos e anseios fundamentaisenquanto nação independente. Lideranças populares,intelectuais, artistas e religiosos dos mais variadosmatizes ideológicos declaram espontaneamente seuapoio a um projeto de mudança do Brasil. Prefeitos eparlamentares de partidos não coligados com o PTanunciam seu apoio. Parcelas significativas doempresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se deuma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária,que busca abrir novos horizontes para o país.”

19 “Premissa dessa transição será naturalmente o respeitoaos contratos e obrigações do país. As recentesturbulências do mercado financeiro devem sercompreendidas nesse contexto de fragilidade do atualmodelo e de clamor popular pela sua superação. À partemanobras puramente especulativas, que sem dúvidaexistem, o que há é uma forte preocupação do mercadofinanceiro com o mau desempenho da economia ecom sua fragilidade atual, gerando temores relativos àcapacidade de o país administrar sua dívida interna eexterna. É o enorme endividamento públicoacumulado no governo Fernando Henrique Cardosoque preocupa os investidores.” 20 Lei 10.933, Anexo 1, p. 7-8.

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mais centrada na necessidade de ampliação daprodução, alavancada por uma maior participaçãono mercado externo, aqui assumida com maisênfase do que nos documentos anteriores, comfoco nos dois setores que encabeçam a lista deinvestimentos a serem impulsionados: atividadesagropecuárias e mineração.

O elemento que dá sustentação ao processode crescimento e à contínua ampliação daprodutividade e da competitividade é oinvestimento em expansão de capacidadeprodutiva e em inovações. A taxa de formaçãode capital brasileira se encontra deprimida hámuito tempo, e há necessidade de elevá-la emalguns pontos percentuais do PIB.

O governo fará, por meio do PPA 2004–2007,um grande esforço de coordenação emobilização financeira e empresarial paraimpulsionar os investimentos, nas atividadesagropecuárias, minerais, industriais e deserviços. A ênfase será colocada nosinvestimentos destinados à ampliação dageração de divisas estrangeiras, seja pela viada expansão e diversificação dasexportações, seja pela via da produçãosubstitutiva de importações. Trata-se defórmula indispensável para superar avulnerabilidade externa da economia nacional.Também serão concentrados esforços narecuperação dos hoje deprimidos níveis deinvestimentos em infra-estrutura.

As políticas de investimento nas cadeiasprodutivas exportadoras e competidoras comimportações serão objeto de cuidadosodetalhamento, de acordo com asespecificidades e potencialidades setoriais.A seleção de prioridades terá como critério acapacidade de geração de divisas por meio devantagens comparativas estáticas (setorescom alta competitividade, mas taxa deinvestimento insuficiente diante dosrequisitos de expansão da produção e dasexportações) e de vantagens comparativasdinâmicas (setores de baixa competitividadeatual, mas boas perspectivas decompetitividade a médio e longo prazos).

Um princípio básico ordenador domegaobjetivo de fortalecimento da economianacional é o de que o mero início de um ciclode investimentos em bens comercializáveis,mesmo em segmentos produtivos em que osprazos de maturação são longos, por si só jáconduz a expectativas favoráveis sobre orisco-país, já que aponta para a melhoria dacapacidade de pagamento doscompromissos internacionais.21

Vale ressaltar que, em um quadro de preva-lência da hegemonia dos interesses financeiros,mesmo essa visão mais voltada para a ampliaçãoda produção é apresentada em meio a importan-tes referências do discurso dominante, como seusimpactos sobre o chamado “risco-país” e sua in-fluência sobre a capacidade de pagamento doscompromissos (financeiros) internacionais.

A sedimentada idéia do “mercado de con-sumo de massas” segue presente, cada vez maisreferida como um objetivo estratégico ou de“longo prazo”, mas presente e disputando seuespaço.22 Entretanto, vale ressaltar que, algumasvezes, em documentos anteriores, a idéia do mer-cado de consumo de massas se associava aocrescimento mais rápido dos setores de maisbaixa produtividade da economia brasileira (e,portanto, com efeitos mais rápidos sobre, porexemplo, o nível de emprego). Tal como apresen-tado nessa formulação, a visão do mercado deconsumo de massas tende a se aproximar de umavisão mais centrada no aumento da produção dossetores modernos da economia, sejam indus-triais ou de serviços.

Apesar de os principais elementos terem semantido em todos os documentos, o sentido geralda formulação (e, especialmente, da execução, apartir da posse do novo governo em 2003) foi ode se tornar mais “amigável” aos mercados, espe-cialmente aos mercados financeiros, relativizandomuito fortemente as posturas mais abertamentetransformadoras ou “heterodoxas”. Se isso é maisvisível em relação às questões financeiras, podetambém ser observado na estratégia de ajuste dobalanço de pagamentos, que transita para umaênfase forte na obtenção no curto prazo de saldoscomerciais crescentes, assentada em um cresci-mento muito rápido das exportações.

Desenvolvimento versus ajuste externoSe a estratégia de desenvolvimento não é explí-cita, ou está sujeita a um jogo de forças e interes-ses heterogêneos que compõem a base social epolítica do novo governo, a estratégia implemen-tada para o ajuste das contas externas, ao con-trário, é bastante clara: um vigoroso crescimentodas exportações objetivando ampliar rapida-mente o superávit comercial.

De fato, o saldo comercial praticamente do-bra de 2002 (último ano do governo anterior) para2003 (primeiro ano do novo governo) e seguecrescendo rapidamente, como se pode verificarnos números a seguir.

O saldo da balança comercial cresce quase89% em 2003, em relação ao ano anterior, e voltaa crescer 36% em 2004, em relação ao ano ante-rior. Para sentir ainda mais o impacto do cresci-mento das exportações, basta observar: em 2002e 2003, as importações ficaram aproximadamenteno mesmo patamar (US$ 47,2 bilhões e US$ 48,3bilhões), mas em 2004 cresceram cerca de 30%(para US$ 62,8 bilhões). Entretanto, tomandoapenas em consideração os últimos dois perío-dos, as exportações saltaram de cerca de US$ 73,1bilhões em 2003 para US$ 96,5 bilhões (cresci-mento de 32%).

Esse crescimento geral das exportações em2004 pode ser atribuído basicamente a dois fato-res. De um lado, é preciso lembrar que foi um anode condições extremamente generosas do pontode vista do mercado mundial, com crescimentode preços e também de volumes negociados, emespecial em setores em que o Brasil se destaca,ou em países com os quais tem importantes rela-ções comerciais, sejam antigas (caso da Argentina)ou mais recentes (China). De outro, não é de menorimportância a política extremamente agressiva depromoção do comércio exterior por parte do go-verno Lula, buscando não apenas o crescimentoem mercados já conhecidos, mas também a aber-tura de novos mercados para produtos brasileiros(Oriente Médio, África e Índia).

Ao se analisar a composição das exportaçõesbrasileiras, destacam-se alguns elementos. O paísteve o dinamismo de suas exportações e a expli-cação para o seu saldo comercial expressivo ba-seados em setores de baixa intensidade tecnoló-gica.23 Concentraram-se em produtos primários eindustriais intensivos em recursos naturais, comoos da indústria agroalimentar (intensivos em re-cursos minerais e energéticos). Entre estes, desta-que entre os primários para a soja, o ferro e oalumínio, carnes (bovinos e aves), sucos cítricose manufaturados de ferro e aço.

Embora não exista uma estratégia clara dedesenvolvimento, a que foi adotada, até aqui com

21 Lei 10.933, Anexo 1, p. 32-33.

22 “No longo prazo, objetiva-se, com o PPA 2004–2007,inaugurar um processo de crescimento pela expansãodo mercado de consumo de massa e com base naincorporação progressiva das famílias trabalhadorasao mercado consumidor das empresas modernas.O modelo é viável, já que está inscrito na lógica deoperação da economia brasileira: toda vez que ocorreaumento do poder aquisitivo das famíliastrabalhadoras, o que se amplia é a demanda por bense serviços produzidos pela estrutura produtivamoderna da economia (alimentos processados,vestuário e calçados, artigos de higiene e limpeza,produtos farmacêuticos, equipamentos eletrônicos,eletrodomésticos, materiais de construção,mobiliário, serviços de supermercados, serviços detransporte, de energia elétrica, de telefonia, de culturae entretenimento).” (Lei 10.933, Anexo 1, p. 8)

23 De acordo com estudo do Instituto de Estudos para oDesenvolvimento Industrial (Iedi), “O país é grandeexportador de produtos de baixa e média-baixaintensidade tecnológica (que representam 78% denossas exportações), enquanto, do lado dasimportações, é grande comprador de produtos de alto emédio-alto conteúdo tecnológico (45% dasimportações)” (Iedi, 2005).

Balanço de pagamentos brasileiros –2002/2004Indicadores selecionados (em US$ milhões)

ANO BALANÇA BALANÇA SALDO EM CONTA DECOMERCIAL DE SERVIÇOS TRANSAÇÕES CAPITAIS E

CORRENTES FINANCEIRA

2002 13.121 -23.147 -7.718 8.856

2003 24.825 -23.627 4.051 5.543

2004 33.693 -25.293 11.669 -7.310

Fonte: Banco Central do Brasil.

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sucesso, para ajuste das contas externas vemesboçando uma rota de crescimento, na qual algunssetores, pela capacidade rápida de resposta quepodem ter no resultado positivo das exportações,são incentivados e crescem mais do que outros.Isso tem um impacto sobre o desenho futuro daeconomia e da sociedade brasileira, que está lon-ge de ser neutro.

Comércio externo e redução da pobreza24

A discussão recente nos processos de negocia-ções comerciais – como as da OMC, da Alca, doMercosul e da União Européia – e aquelas sobredesenvolvimento levadas adiante por instituiçõesfinanceiras internacionais, como o Banco Mundiale o FMI, têm enfatizado a chamada coerência en-tre políticas de liberalização comercial, liberaliza-ção financeira e estratégias de desenvolvimento.Discute-se ainda como as instituições financei-ras podem ajudar a integração econômica e o cres-cimento dos fluxos comerciais e, por outro lado,como estes podem ser uma via importante para aobtenção de divisas a fim de arcar com os com-promissos financeiros.

O pensamento econômico liberal hegemônicoreafirma permanentemente a convicção de que olivre comércio e o livre fluxo de capitais podem,juntos, gerar um ambiente econômico capaz deestimular o desenvolvimento e responder às de-mandas sociais. No entanto, não costuma respon-der à análise de que o comércio não pode ser livrepara países que precisam enfrentar o peso dosencargos da dívida externa e das remessas rela-cionadas à liberalização dos fluxos financeiros,obrigando-os à geração de enormes superávitscomerciais. Para esses países, o comércio interna-cional aparece como uma obrigação, e não comouma estratégia possível, uma opção.

Em geral, a pressão sobre os países menosdesenvolvidos é feita no sentido de que se inte-grem mais no fluxo internacional de comércio,para tornar possíveis as transferências financei-ras relacionadas aos pagamentos de dívidas eoutros passivos externos. A opção dada a essespaíses é a integração nos fluxos do comércio in-ternacional pela produção de commodities, prin-cipalmente, produtos primários agrícolas e mine-rais. No caso dos primeiros, surgem problemascom aqueles produtos que podem afetar interes-ses de produtores em economias hegemônicas,como o algodão nos Estados Unidos ou o açúcarna Europa, por exemplo. Normalmente, a produ-ção dessas mercadorias é intensiva quanto ao usode área e recursos naturais, e especialmente agres-siva ao ambiente. Além disso, a defesa da con-centração de países mais pobres nessas produ-ções representa um retorno de quase 50 anos nodebate econômico, uma volta à velha discussãosobre os termos de troca.

As commodities têm seus preços determina-dos pelo chamado mercado internacional, isto é,pelos grandes consumidores e pelos controlado-res do circuito de comercialização (em sua maioria,corporações transnacionais, com a exceção deuma ou outra commodity, como o petróleo). Poroutro lado, a concentração de sua produção nes-ses bens faz com que esses países se tornemimportadores de outros bens industriais, além dosserviços a eles associados (assistência, desen-volvimento tecnológico, design, propaganda eoutros), fornecidos por empresas (de novo, cor-porações transnacionais), que podem fixar seuspreços, dado o controle exercido sobre a tecno-logia, a mídia, o poder financeiro e outras vanta-gens. Trata-se de uma velha e bem conhecida dis-cussão, com uma roupagem nova.

No caso de bens agrícolas, a situação é ain-da mais complicada. Os produtores procuramdisputar o mesmo mercado já intensivo em con-sumo e saturado, qual seja, o norte da Europa, oCanadá, o Japão e os Estados Unidos. Enquantoisso, as grandes populações, para as quais con-sumir os alimentos pode ser a diferença entre avida e a morte, ficam fora da possibilidade deconsumo ou dependem de caridade – por falta depoder de compra, seja pela renda, pelo crédito oupelas políticas sociais. Tal modelo, ao mesmotempo em que resulta em fome para as popula-ções de nações mais pobres, provoca uma dis-puta árdua pelos mercados de alguns poucospaíses, que não afeta apenas os produtores lo-cais, mas principalmente os produtores de ou-tros exportadores.

Isso gera uma pressão permanente para adeterioração dos preços agrícolas. Essas pressõespodem ser momentaneamente contrabalançadas,por exemplo, com a entrada da China como grandepaís comprador, mas permanecerão estrutural-mente e voltarão a se manifestar.

A barganha da Rodada DohaApesar dessas aparentes contradições – espe-cialmente em um país onde, de um lado, crescemas exportações de produtos agrícolas ou agroin-dustriais vinculados à alimentação, e, de outro,destaca-se um programa nacional de combate àfome –, o governo segue na sua estratégia inter-nacional de busca de mercados. Nas várias nego-ciações comerciais em curso, particularmente nasda OMC, que dominam este ano de 2005, grandeênfase é dada nas posições ofensivas agrícolas,na tentativa de abrir cada vez mais os mercadosinternacionais aos produtos da grande agriculturacomercial brasileira.

Em outros processos negociadores, a raiz doimpasse normalmente foi mais o fato de que osparceiros relutaram quanto ao caráter ofensivo dasposições brasileiras quanto a seus mercados, emenos por posturas defensivas do Brasil em rela-ção a ameaças potenciais que pudessem repre-sentar para um projeto de desenvolvimento nacio-nal as concessões que o Brasil estaria disposto afazer em outras áreas a fim de obter concessões

potenciais de mercados agrícolas, como foi o casodo processo negociador entre o Mercosul e aUnião Européia.

No caso específico da OMC, a grande barga-nha deste momento da Rodada Doha envolve aber-tura de mercados agrícolas, em troca, fundamen-talmente, de concessões em bens industriais (co-nhecidos como Nama, sigla em inglês de Non-Agricultural Market Access, Acesso a Mercadosde Não-Agrícolas), serviços (que rebateriam emnovas atualizações do General Agreement on Tradein Services – Gats, Acordo Geral sobre Comérciode Serviços) e propriedade intelectual (atualiza-ção do acordo Trips – Trade-Related Aspects ofIntellectual Property Rights, Acordo sobre Aspec-tos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacio-nados a Comércio).

Em linhas gerais, um acordo dessa natureza,se levado adiante, poderia implicar que, em trocada abertura para a exportação de produtos agrí-colas, processados ou não, o país tivesse de fa-zer concessões que limitariam sua capacidade defazer política industrial, apoiando setores indus-triais com proteções tarifárias, e tivesse que ex-por mais o seu setor industrial à concorrência.Isso teria eventuais efeitos sobre o nível de em-prego, por exemplo, ou demandaria recursos pararedução de custos, entre os quais os de mão-de-obra, gerando demissões e/ou reduções dos pa-tamares de remuneração.

Seriam necessárias também concessões naárea de serviços, que, além de impactos sobre oemprego e/ou a remuneração do setor, ou à pró-pria sobrevivência das empresas, poderiam pro-vocar duas complicações para o país: uma denatureza macroeconômica e outra relacionada aoconceito de cidadania. A primeira ocorreria por-que, paralelamente ao aumento na importação deserviços, as empresas internacionais que entras-sem no setor passariam a remeter divisas ao ex-terior, pressionando, dessa forma, o balanço depagamentos. A segunda complicação se justificapelo fato de alguns serviços, em geral públicos,serem tratados como “direitos”, isto é, todas aspessoas deveriam ter garantido esse acesso, en-quanto, nas negociações internacionais de co-mércio, eles aparecem como “mercadorias”, ouseja, o acesso a tais serviços está limitado poruma disponibilidade de renda.

Na área de propriedade intelectual, essabarganha pode significar ainda concessões dereconhecimento de propriedade intelectual agrandes empresas da área de fármacos, reco-nhecendo patentes e evitando medidas paracontornar a sua existência, o que poderia cau-sar problemas de acesso a medicamentos, oumaiores custos para seu uso. Tal medida seriatambém muito complicada para países com pro-gramas de saúde contingenciados por defini-ções orçamentárias, além de poder representarvida ou morte para muitas pessoas doentes –ou seja, um direito garantido de forma superlati-va em negociações comerciais estaria se sobre-pondo ao direito à vida.24 Baseado em Mineiro (2004 b).

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Entre exportações e carência alimentarComo visto anteriormente, a ênfase no comérciointernacional – e, mais do que isso, em áreas des-se comércio nas quais é aparentemente possívelseguir obtendo ganhos no curto prazo – podedeterminar um desenho de projeto de desenvol-vimento econômico, mesmo quando não estejaclaramente esboçado. A partir dessa percepção,surgem três grandes perguntas: qual a naturezade um processo de funcionamento da economiaderivado desse tipo de alavancagem? Quais osefeitos desse processo no longo prazo sobre asociedade brasileira? Que fôlego pode ter tal pro-cesso em um país como o Brasil?

Provavelmente, não há resposta segura a to-das essas indagações. Entretanto, cabe considerarelementos que podem ajudar a refletir um pouco,especialmente sobre os efeitos sociais. Algunsdeles já foram tangenciados ao longo deste texto.O primeiro, e importante, é a contradição entre aprodução de um saldo exportável de produtos deconsumo alimentar e uma população com carên-cias alimentares. Não estamos aqui falando deuma cesta de produtos exportáveis composta defrutas exóticas, vinhos ou carnes nobres, mas deprodutos básicos de alimentação, como soja, mi-lho, carne bovina e de aves, cítricos e outros.

Ou seja, existe em algum grau contradiçãoentre a expansão da exportação dessa cesta deprodutos básicos de alimentação e a expansãoda renda da população mais pobre, seja pelo cres-cimento econômico puro e simples, seja pela re-distribuição de renda. No curto prazo, políticasde crescimento que acelerassem o incremento darenda da população de mais baixa renda, permi-tindo a elevação de seus padrões alimentares,poderiam ter como conseqüência a redução deexcedentes exportáveis, para atender a esse au-mento da demanda interna.

Por outro lado, a transformação da quasetotalidade da grande produção agrícola comercialem commodities exportáveis provoca uma vincu-lação entre preços (em moeda nacional) no mer-cado interno e preços (em divisas) no mercadointernacional. Isso faz com que variações positi-vas de preços no mercado internacional, comimpacto positivo sobre a receita das importações,tenham impacto negativo sobre a renda real dapopulação mais pobre, que vê seu poder de con-sumo diminuir nesses casos.

Outro efeito, que decorre da inserção inter-nacional baseada em produtos de baixo conteú-do tecnológico, é a pressão por uma “espiral” deredução dos custos da mão-de-obra, que podeser a remuneração ou outras conquistas e/oudireitos legais da classe trabalhadora, vistosapenas como custo. Se, em uma economia menosdependente da dinâmica do comércio internacio-nal e menos exposta aos movimentos desse co-mércio, incrementos de renda de trabalhadores etrabalhadoras são transformados dinamicamenteem aumento do volume de vendas – gerando au-mento da produção em uma trajetória virtuosa –,em uma economia exposta às exportações de

outros países e dependente de uma dinâmica ex-portadora, aumentos de renda de trabalhadores etrabalhadoras e/ou de seus direitos e conquistaspassam a ser vistos principalmente como novosaumentos de custos, que dificultam a capacidadede competição das empresas.

O que pode parecer uma complicada discus-são de economistas é traduzida na linguagemempresarial sobre o aumento do “custo Brasil”como mais um argumento contra conquistas daclasse trabalhadora. Em um país com os padrõesdesastrosos de concentração da renda nacionalcomo o Brasil, curiosamente a inserção interna-cional pela ampliação dos fluxos de comércio in-troduz mais um elemento contrário à melhoria daremuneração da população trabalhadora em gerale à obtenção de conquistas nos setores mais orga-nizados, que têm poder de negociação – ou seja,a redução da chamada “competitividade” de nos-sos produtos, especialmente aqueles de mais baixoconteúdo tecnológico, em virtude do impacto docusto da mão-de-obra no valor final dos produtos.

Competitividade perversaÉ preciso considerar, ainda, a questão ambientale os efeitos da estratégia exportadora sobre osrecursos naturais do país. Parte dessa estratégiaestá baseada na possibilidade de uso intensivodos recursos naturais do país. Grande extensãode terras potencialmente agricultáveis, disponi-bilidade de extensões territoriais a baixo custo,abundância de água em grande parte do territó-rio, sol durante todo o ano e pouca ou nenhumaocorrência de catástrofes naturais são inegáveisvantagens competitivas do país, além da ocorrên-cia de recursos minerais que a própria extensãoterritorial torna possível.

Porém, o uso intensivo visando ao comérciointernacional de parte importante dessa potencia-lidade competitiva implica degradar, em curto es-paço de tempo, uma situação peculiar que pode-ria permitir tranqüilidade às gerações futuras emum mundo onde esses recursos terão cada vezmais valor. Ao exportar recursos minerais ou pro-dutos agrícolas, estamos exportando tambémesses recursos naturais, já que muito dessa pro-dução exportável embute água, terra e recursosenergéticos fornecidos a preços baixos para via-bilizar a capacidade dinâmica das exportações.

Os efeitos destrutivos da construção de bar-ragens para a produção de energia mais barata ea exploração mineral em grandes extensões terri-toriais do Brasil são apenas um exemplo. Talvez omais gritante no período recente seja a expansãoda grande agricultura comercial sobre as áreasde parques e florestas, sobre as formas de produ-ção e de viver mais tradicionais no interior brasi-leiro, impulsionadas pelo dinamismo do padrão deinserção comercial internacional do país, espe-cialmente em produtos como soja, algodão ebovinocultura. Tais produtos provocam aspectosnegativos do ponto de vista ambiental e da segu-rança pública, com o aumento da violência cau-sado pela expansão dessas culturas na fronteira

agrícola no Norte, Centro-Oeste e Nordeste do país,sem contar com o efeito de longo prazo que a ex-pansão da grande agricultura comercial tem sobre aconcentração de terra e o agravamento dos proble-mas sociais e de violência no campo brasileiro.

A tentativa oficial de coordenar, em um pro-jeto de desenvolvimento, os interesses expansi-vos e ofensivos da grande agricultura comercialde exportação com um modelo que torne, aomesmo tempo, viável e dinâmica a agricultura fa-miliar é muitas vezes inviabilizada pelo própriodinamismo econômico da grande agricultura co-mercial voltada às exportações, tão importantepara a estratégia de geração de grandes superá-vits comerciais de curto prazo.

A insistência em uma inserção exportadorade baixo conteúdo tecnológico deve ser vistatambém pelos efeitos que pode ter sobre as prio-ridades da educação e do impulso ao desenvol-vimento de geração de tecnologia e conheci-mentos no país. Efetivamente, se pode ser vistacomo uma estratégia, é de natureza absolutamenteperversa do ponto de vista de pensar as priori-dades e a definição de uma estratégia de educa-ção para o país. É perversa porque esse tipo deopção de crescimento depende pouco da popula-ção com maior escolaridade – não se pretendedesenvolver uma capacidade própria intensiva degeração de conhecimento e tecnologia, já que essetipo de estratégia gera pouquíssimas demandasnessa área e parte dos “pacotes” tecnológicos éimportada. E também porque sua própria dinâ-mica tem baixa capacidade de inclusão da popu-lação nacional no sistema educacional formal,o que não significa que não possa ser feito poruma decisão política.

Para além dessa questão, a baixa prioridadeà pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologianesse padrão de inserção internacional requerpoucos investimentos nessas áreas, gerandopoucas oportunidades de trabalho em uma áreapotencialmente nobre que seria a de desenvolvi-mento de tecnologia e ciência.

A insistência em uma estratégia comercialinternacional ofensiva nos fóruns internacionaisde discussão, a exemplo da OMC, como parte daestratégia de ajuste do setor externo nacional ede tentativa de contornar os estrangulamentos davulnerabilidade externa da economia brasileira, sede um lado configura a definição de uma estratégiade desenvolvimento, por outro se baseia em ele-mentos do que poderíamos chamar de uma com-petitividade perversa pelos seus efeitos sociais,ambientais e no mundo do trabalho no país.

Opção pela estratégia exportadoraComo já apontado neste texto, as discussões decomércio internacional e da estratégia exportadoranacional envolvem questões que vão muito alémda agricultura. Dizem respeito à própria discussãosobre estratégias de desenvolvimento em geral,o que inclui o debate acerca do papel reservado àagricultura nesse processo e o tipo de agriculturasobre a qual estamos falando.

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Observatório da Cidadania 2005 / 48

As opções tomadas nos processos de nego-ciação em que o Brasil está envolvido (sendo aAlca um dos mais importantes) e que privilegiamos interesses do agronegócio vinculam-se, aomenos passivamente, a uma estratégia possívelde integração que reforça a manutenção da subor-dinação aos centros econômicos hegemônicos eàs empresas a eles vinculadas. Tais opções difi-cultam, se não inviabilizam, estratégias alternati-vas de desenvolvimento que têm como objetivoou motor o combate à exclusão social e o atendi-mento de demandas da maior parte da sociedade:a população trabalhadora.

A partir do governo Lula, entretanto, essa es-tratégia que mantém o privilégio dos interessesdo agronegócio não ocorre sem conflitos, umavez que o novo governo procura contemplar, noconjunto de interesses a serem levados em con-sideração no processo negociador, as possibili-dades de obter margem de manobra para maiorautonomia da política nacional de desenvolvimen-to e a incorporação de alguns dos interesses daagricultura familiar visando à integração interna-cional. A incorporação desses novos elementos àspreocupações dos negociadores brasileiros ampliaas contradições, mas ao mesmo tempo estendeos argumentos e dá maior mobilidade a essa estra-tégia negociadora, em um cenário de múltiplos esimultâneos processos de negociação.

A escolha da via exportadora como a opçãode contornar as restrições externas pode não serdefinitivamente uma estratégia de desenvolvi-mento, mas vai esboçando efetivamente um de-senho de política de crescimento, que pode terfôlego curto em um país das dimensões do Brasil,mas que, quando levada adiante, tem importanteinfluência nas definições sobre as posições nego-ciadoras brasileiras nos processos em que o paísestá envolvido, particularmente as da OMC nesteano de 2005. Cristalizadas na forma de acordos,podem ter efeitos de longo prazo sobre os dese-nhos da economia e da sociedade brasileira.

Conforme tentamos argumentar anterior-mente, as conseqüências seriam bastante com-plicadas do ponto de vista de pensar uma socie-dade e uma economia menos desigual e maisjusta. O mesmo ocorreria em relação aos efeitosque podem ser imaginados sobre o futuro de in-dicadores ambientais, educacionais, de padrões deremuneração e relações de trabalho e de saúdeno país, entre outros.

Pragmatismo impostoO dinamismo de uma inserção comercial interna-cional baseada em produtos de baixo conteúdotecnológico e intensivo em recursos naturais eambientais é contraditório com a definição de umprojeto de desenvolvimento que se queira capazde gerar um dinamismo próprio, baseado na ex-pansão do mercado interno e na ampliação dainclusão social. Esses são elementos fundamen-tais sobre os quais deveríamos nos debruçar, poisnem sempre ficam claros, quer para uma socie-dade que às vezes parece ansiosa por uma busca

de dinamismo econômico a qualquer preço, querpara um bloco de forças políticas que chega aopoder e tem de governar com estratégias de desen-volvimento em disputa.

Exatamente nesse último ponto reside o pe-rigo de, pelo pragmatismo de decisões tomadaspor um elemento que deveria ser apenas um doscomponentes da estratégia geral de desenvolvi-mento, se possa desenhá-la com todos os riscosembutidos. Ou seja, a parte está definindo o todoe condicionando, a partir da postura de inserçãocomercial, todos os elementos de mudança deuma sociedade. Dessa forma, mais uma vez asforças que buscam a transformação social e eco-nômica são domadas pela imposição de supos-tas necessidades pragmáticas.

Apontar esse perigo permite recompor a ca-pacidade de colocar na ordem do dia novamentea discussão clara e explícita acerca do projeto dedesenvolvimento que se quer construir. Permiteainda pôr a questão do comércio internacional e asdefinições macroeconômicas ou diplomáticas quesobre ele são feitas dentro dos marcos de umprojeto mais geral de país, do qual ela é apenasparte, e, como tal, deve ser pensada em relação aoconjunto da estratégia de desenvolvimento.

Pensar dessa forma permite identificar gravesproblemas potenciais nas definições feitas hoje nosprocessos negociadores nos quais o país está en-volvido, particularmente a OMC, e nas dramáticasconseqüências que tudo isso pode ter sobre o futurodo país e seus indicadores de desenvolvimento.

Essa estratégia, se é para ser vista como tal,aparenta conter fortíssimas contradições comuma agenda social explícita do governo Lula.Por isso, é necessário recolocar as questõesdessa agenda como centro das preocupações, ea inserção comercial internacional como com-ponente que permita, no futuro, efetivar – e nãoinviabilizar – essa agenda social.

ReferênciasIEDI. O comércio exterior brasileiro em 2004. 2005.

Disponível em: <http://www.iedi.org.br/admin/pdf/20050214_comex.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2005.

MINEIRO, A. Participação popular, estratégia dedesenvolvimento e política de ajuste: limitações doprocesso de discussão do PPA 2004–2007. Textoapresentado ao seminário “O desenvolvimento quetemos. O desenvolvimento que queremos”, Inter-Redes,São Paulo, nov. 2004 a. Não publicado.

. Da “Alca light” ao impasse de Puebla: Alca,agricultura e contradições. In: REBRIP. Negociaçõescomerciais internacionais na era Lula: criação do G-20 eembates entre o agronegócio e a agricultura familiar. Riode Janeiro: Rebrip, 2004 b, p. 65-76.

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Para além da justiça distributiva

A pobreza e a desigualdade social são estruturais na nossa economia, seja qual for a maneira como se manifestam em

termos da questão social ao longo da história brasileira. Apesar dos avanços nos últimos anos, persiste um vazio no debate

sobre o que seja desenvolvimento sustentado com inclusão social. O desafio atual tem sido o de articular políticas sociais e

econômicas, de forma que estas últimas também sejam ditadas pelos parâmetros dos direitos sociais. No centro dos problemas

enfrentados pelos programas recentes de transferência de renda com co-responsabilidade das pessoas beneficiárias, está a

autonomia de cidadãos e cidadãs em situação de extrema pobreza ante a presença normatizadora do Estado.

Amélia Cohn*

É consenso entre pesquisadores e pesquisado-ras da área social que, independentemente dasformas como aparece na sociedade, a pobrezano Brasil segue uma trajetória particular comoproblema social a ser enfrentado pelo Estado.Conhecer seus traços essenciais é importantepara que se entendam as complexas questõesenfrentadas pela sociedade brasileira nos últi-mos anos, para tentar dar conta da “nova” e da“velha pobreza”. O primeiro problema é o daassociação entre políticas de combate à pobrezae políticas de promoção da cidadania. O temalevanta a relação entre a lógica da igualdade ea da emancipação, ou seja, de um lado as polí-ticas de combate à pobreza que buscam dimi-nuir a desigualdade social no país e de outroas políticas sociais para a construção da cida-dania. Isso significa que tais políticas precisamenfrentar nossa dupla tradição: um traço assis-tencialista (que nega os direitos sociais) e, aomesmo tempo, um traço clientelista e contro-lador das pessoas pobres.

Desde Getulio Vargas, em 1930, a pobrezatornou-se um tema de políticas específicas doEstado na regulação das relações entre capital etrabalho, formuladas a partir da ótica da constru-ção de um Estado nacional e de um projeto deindustrialização. Desse período data a fundaçãodo nosso sistema de proteção social, estreita-mente articulado com a legislação trabalhista esindical, formando-se o famoso tripé (Estadonacional, industrialização e leis trabalhistas)que permitiu, no processo de modernização dopaís, incorporar determinados interesses dasclasses assalariadas – as pessoas pobres de

então, reconhecidas como tais – de modo subal-terno aos interesses do capital e filtrados a partirde um projeto nacional.

As décadas sucessivas de crescimento e de-senvolvimento econômico via substituição de im-portações vieram acompanhadas de políticas queinstituíram no país a “cidadania regulada” (ver San-tos, 1971), isto é, um padrão de extensão de direi-tos sociais vinculado à condição de assalariados(as),configurando-se, em conseqüência, como privi-légios de determinados segmentos dessa classede trabalhadores e trabalhadoras, que têm acesso aesses direitos por meio de um sistema contribu-tivo compulsório, cujo pré-requisito é a inserçãono mercado de trabalho.

No decorrer das décadas do período desen-volvimentista, que se esgotou no início da décadade 1980, a questão social não foi identificadacomo relativa à pobreza, uma vez que era inerente àprópria concepção daquele modelo a interpreta-ção de que o desenvolvimento social se daria auto-maticamente com o desenvolvimento econômico,pela incorporação à economia das pessoas excluí-das do mercado formal de trabalho. Nesse período,o crescimento econômico vinha acompanhado dapromessa da mobilidade social dos indivíduos,constituindo a política econômica um antídoto àmarginalidade social.

A carteira de trabalho significava o passaportepara o acesso ao sistema de proteção social bra-sileiro, cabendo à filantropia ou a serviços resi-duais do Estado a cobertura de direitos mínimosa quem era extremamente pobre. A pobreza nãose configurava como um fenômeno estrutural danossa sociedade, e o papel estabelecido para aspolíticas sociais consistia em criar condições aodesenvolvimento da economia. Daí, por exemplo,a prioridade atribuída à educação e à saúde, naperspectiva de gerar um contingente de pessoasqualificadas para o mercado de trabalho para de-sempenhar funções no novo padrão tecnológicode produção que estava sendo montado, em par-ticular, no parque industrial brasileiro.

Um estudo recente, feito por Guilherme CostaDelgado (2004), sobre a gênese e a reprodução

da economia de subsistência no Brasil1 mostracomo, em apenas meio século (1930–1980) decrescimento industrial do país, ocorreu um pro-cesso de urbanização do conjunto da sociedadebrasileira, absorvendo nas metrópoles e nas cida-des de médio porte um imenso contingente demo-gráfico do chamado setor de subsistência rural.Delgado chama a atenção, no entanto, para o fatode que essa transposição demográfica da popu-lação agrícola para o meio urbano não se traduziutão-somente num crescimento da massa assala-riada do setor urbano, mas também num enormecontingente de trabalhadores e trabalhadoras semvínculo com a economia formal.

A análise reforça o que outros estudos igual-mente recentes sobre a pobreza no Brasil vêmdemonstrando: tanto ela quanto a desigualdadesocial, independentemente de como se manifestamem termos da questão social ao longo da nossa his-tória, são estruturais na nossa economia (Rocha,2003; Pochmann e Amorim, 2003), delas fazendoparte a informalidade, a economia de subsistên-cia, o desemprego e inúmeras formas de estraté-gias de sobrevivência. Não é de se espantar, por-tanto, que durante a década de 1970, já estandocompleto aquele ciclo de crescimento industrialde meio século calcado no modelo desenvolvi-mentista, verifica-se uma extensão de determi-nados direitos previdenciários desvinculados domercado formal de trabalho, até mesmo da con-tribuição compulsória, como no caso dos traba-lhadores e das trabalhadoras rurais.

Espaço recente na agenda públicaNo início da década de 1990, surgiu uma expres-são mais contundente da pobreza: as pessoas po-bres passaram a ser denominadas “descamisadas”

* Docente do Departamento de Medicina Preventiva daFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo(FMUSP), pesquisadora do Centro de Estudos deCultura Contemporânea (Cedec), professoracolaboradora do Mestrado em Saúde Coletiva daUniversidade Católica de Santos (Unisantos).

1 Segundo o autor, caracteriza-se por um “conjunto deatividades econômicas e relações de trabalho quepropiciam meios de subsistência e/ou ocupação para umaparte expressiva da população, mas tais relações não sãoreguladas pelo contrato monetário de trabalho assalariado,nem visam primordialmente à produção de mercadorias oude serviços mercantis com fins lucrativos” (p.22).

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pelo presidente eleito, Fernando Collor de Mello,que trouxe ao discurso político oficial os segmen-tos miseráveis da população, mas sem que issose traduzisse numa agenda pública de ação doEstado. Só nos governos posteriores a pobrezavoltou a ganhar importância na agenda pública,mais particularmente a partir do primeiro mandatode Fernando Henrique Cardoso, com o ProgramaComunidade Solidária.

Portanto, apenas a partir do fim da primeirametade da década de 1990, as políticas sociaispassaram a ser formuladas levando-se em contaa pobreza como questão social. Não se pode deixarde registrar, no entanto, que isso foi antecedidopor uma série de experiências de governos muni-cipais em toda a área social (entre elas saúde,educação e assistência social) e programas detransferência de renda que precederam progra-mas federais similares, como o Bolsa Escola, oBolsa Alimentação e outros.

A partir de 2003, acentuou-se a tendência dea questão social assumir um papel de maior cen-tralidade na agenda pública, no que se refere àspolíticas macroeconômicas, à busca de metodo-logias de diagnósticos e medidas da pobreza e dadesigualdade social ou ao debate sobre os pro-gramas de combate à pobreza implementados pelogoverno Lula, como o Fome Zero e o Bolsa Família.Apesar dos avanços nessa área, vem ocorrendoum enorme vazio em relação às discussões acercado desenvolvimento social, no contexto atual –ou, em outras palavras, do desenvolvimento sus-tentado com inclusão social.

Paradoxalmente, isso não significa que, doponto de vista teórico-conceitual, a pobreza e adesigualdade social não continuem a ser objeto depreocupação de estudiosos e estudiosas (Rocha,2003; Henriques, 2000; Schwartzman, 2004; Cam-pos et al., 2003; Kerstenetzky, 2001). Ao contrário,a literatura brasileira é cada vez mais rica nessaárea e, atualmente, tende a se desdobrar em duasgrandes linhas, presentes na formulação das polí-ticas sociais do atual governo. A primeira delas temcomo principal preocupação os desafios para men-surar a pobreza de maneira precisa, gerando, emconseqüência, formulações de políticas e progra-mas de combate orientados pela ótica da precisãoem atingir seu público-alvo – as pessoas pobrese as extremamente pobres –, com baixo custo egrande eficiência operacional. A segunda enfatizaa dimensão da cidadania e da conquista dos di-reitos sociais por parte dos segmentos pobres dapopulação, acentuando o caráter público de taispolíticas e programas. A partir da ênfase nessaspolíticas, será feito a seguir o balanço das políticasde combate à pobreza desse período mais recente.

‘Díades contraditórias’É também consenso entre especialistas da áreasocial que o período mais recente vem apresen-tando uma melhoria significativa de determinadosindicadores sociais, principalmente saúde e edu-cação. É necessário fazer um esforço não só emtermos conceituais sobre pobreza, desigualdade

e condições para seu enfrentamento, mas tambémem relação à conformação de um conjunto depolíticas sociais que desenhem uma rede de pro-teção social para superar os brutais patamaresde pobreza e de desigualdade vigentes.

Não é de se espantar, portanto, a existênciade uma profusão de estudos e debates sobre aconfiguração da pobreza na realidade brasileira,mais recentemente enriquecida pela incorporaçãode estudos e reflexões sobre a parcela rica nopaís.2 Dentre essa produção, pode-se destacar, porexemplo, a de Campos, Pochmann, Amorim e Silva(2003), que enfatiza o capitalismo brasileiro de 1960a 1980 como portador de um “grande charme”explicitado no fenômeno da mobilidade social queocultou um “violento processo de crescimento nadesigualdade de renda e a incapacidade de banira velha exclusão social”.

Os autores enfatizam como esse padrãomudou radicalmente entre as décadas de 1980 e2000, quando a evolução da exclusão social pas-sou a combinar baixa expansão das atividadeseconômicas com avanços significativos no proces-so de democratização política do país (Camposet al., 2003). Temos, então, no país, segundo osautores, dois períodos distintos na trajetória daarticulação entre economia e política, que deno-minam “díades contraditórias”: o primeiro (de 1960a 1980) caracterizou-se pela acentuada expansãoeconômica e um regime político autoritário; e osegundo (de 1980 a 2000) promoveu baixa ex-pansão econômica e avanços significativos noregime político democrático.

A presença dessas “díades contraditórias”no cenário brasileiro, por sua vez, trouxe grandesimplicações para os processos de exclusão e dedesigualdade sociais. No primeiro período, am-pliaram-se as desigualdades socioeconômicas, aomesmo tempo que, paradoxalmente, ocorreu umamelhoria dos indicadores sociais e prevaleceu odiscurso da impossibilidade de se promover umadistribuição mais justa da renda. Já o segundoperíodo foi marcado por um avanço acelerado da“nova” exclusão social, fruto da ausência de umcrescimento econômico sustentado, ao mesmotempo em que se retomou o regime democráticoe se fortaleceu a organização dos distintos seto-res da sociedade.

É importante frisar que esses 40 anos forammarcados por um mesmo fenômeno: a diminuiçãosignificativa do percentual da renda do trabalho

no total da renda nacional, acompanhada de umaqueda acentuada do poder de compra do saláriomínimo e do aumento da concentração de rendano país. Segundo dados dos Censos Demográficosdo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), o percentual da renda do trabalho no totalda renda nacional passou de 55,5%, em 1960, para50,0%, em 1980, e para 37,2%, em 2000. O índicedo poder de compra do salário mínimo caiu de 100,3para 61,78 e 32,71 nesses mesmos anos. Já arelação entre a renda média per capita da parcelados 10% mais ricos e a dos 40% mais pobresapresentou comportamento inverso, passando de13,5 para 20,3 e 21,2, conforme a tabela abaixo.

1960 1980 2000

% da renda do trabalho/renda nacional 55,5 50,0 37,2

% do emprego formal/total da ocupação 19,6 45,4 42,7

Índice do poder de comprado salário mínimo 100,3 61,78 31,71

10% + ricos / 40% + pobres 13,5 20,3 21,2

Fonte: IBGE (apud Campos et al., 2003, p. 39).

Para não ficarem fadadas ao âmbito circuns-crito da assistência social ou do alívio imediatoda pobreza, as políticas sociais têm de assumir,na atual conjuntura, duas funções. Uma delas é opapel clássico de regulação social, vale dizer, dediminuição dos conflitos sociais que a desigual-dade e a pobreza produzem. A outra é de seremefetivamente redistributivas, quer do ponto devista da riqueza produzida socialmente, quer daperspectiva de criarem mecanismos para que osindivíduos em situação de pobreza e de vulnera-bilidade social tenham condições de suplantaremessa situação, uma vez que não contem mais compolíticas sociais estatais de suporte para suasobrevivência imediata.

Exclusão e vulnerabilidadeA pobreza, durante o período de 1960 a 1980, eraconcebida fundamentalmente como sinônimo decarência de determinados segmentos sociais, noque diz respeito ao acesso a patamares de rendacondizentes com a satisfação de um conjunto denecessidades sociais básicas e também a deter-minados serviços sociais básicos, em particular,educação e saúde. Na década de 1980 e, maisacentuadamente, na de 1990, tanto na literaturasobre o tema como nos próprios discursos oficiais,verifica-se a presença crescente do conceito denova pobreza, destinado a caracterizar a situaçãodaqueles setores que sofreram um processo deempobrecimento mais recente, em contraposição àpobreza estrutural, característica daquele “charme”do nosso capitalismo, antes referido.

Ao conceito da nova pobreza associam-seoutros dois – o de exclusão social e o de vulnera-bilidade social –, tendo em vista as configuraçõessociais mais recentes da questão social no Brasil,embora esse fenômeno não seja estritamente

2 Quanto à profusão de debates sobre o tema dapobreza e da desigualdade social, registre-se o FórumNacional, promovido pelo Instituto Nacional de AltosEstudos (Inae) em setembro de 2004 sobre o tema, epara o qual redigi um artigo que serve de base paraeste texto. Quanto aos estudos sobre as pessoas ricasno país, além dos trabalhos publicados por Elisa Reissobre como as nossas elites percebem a pobreza e adesigualdade (ver, por exemplo, Reis, 2000) e darecente publicação de Campos et al. (2004) sobre o“atlas dos ricos no país”, há textos publicados peloIpea, como o de Medeiros (2004).

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brasileiro ou latino-americano. Na perspectiva daexclusão social, a pobreza é entendida como umfenômeno de marginalização de determinadossegmentos sociais do processo de crescimentoeconômico, que geralmente atinge pobres combaixo nível de escolaridade, negros(as) e mulheres.

Já o conceito de nova exclusão social refere-se ao processo de marginalização social que vematingindo os segmentos sociais até então incluídossocialmente e relativamente protegidos de cair nasituação de pobreza. A exclusão social torna-se umfenômeno mais abrangente, envolvendo as esferaseconômica, política, cultural e social da rede desociabilidade dos indivíduos. A partir dessa ampli-ação, o conceito de exclusão social remete-se aode vulnerabilidade social, ou de grupos social-mente vulneráveis, ou, ainda, de grupos em situ-ação de risco (Cohn, 2003).

Quanto às necessidades sociais básicas, veri-fica-se um processo de naturalização da desigual-dade social, que deriva, em países periféricos demodernização recente, como é o caso do Brasil,na produção de subcidadãos e subcidadãs. Essefenômeno de massa tem duas interpretações: umavê suas raízes na herança pré-moderna da nossasociedade e a outra o percebe como conseqüênciado processo de modernização de grandes propor-ções pelo qual passou o país.

No último caso, que coincide com a análiseaqui feita, a representação social e política sobrea exclusão social estaria vinculada aos valores eàs instituições modernas prevalecentes no mundo,e por nós importados, nos quais se destaca a im-pessoalidade. Isso torna difícil a sua percepçãona vida cotidiana e traz sérios obstáculos – desdeos orçamentários e estritamente técnicos aos pro-venientes de nossa tradição política clientelista epatrimonialista – à tarefa de definir e implementarpolíticas sociais de combate à pobreza e de eman-cipação dos segmentos socialmente vulneráveis.

Conforme observa Jessé de Souza, “para quehaja eficácia legal da regra de igualdade, é neces-sário que a percepção da igualdade na dimensãoda vida cotidiana esteja efetivamente internalizada”(2004, p. 87, grifo nosso). Em geral, isso nãoocorre nos países periféricos. Embora o autoresteja tratando das políticas públicas e das formasde regulação social por meio de redes de proteçãosocial, essa perspectiva ajuda a entender como, nocaso brasileiro, a definição que vem norteando aspolíticas sociais foi e continua sendo regida pelaótica da satisfação de níveis mínimos de necessi-dades sociais. Assim, em vez de promover maioresgraus de igualdade social, gera uma enorme dife-rença quanto ao acesso aos serviços sociais bási-cos de qualidade a favor da parcela rica da popu-lação, em detrimento da pobre (Souza, 2004).

Daí a importância de todo e qualquer projetode desenvolvimento sustentado com inclusãosocial incorporar, como núcleo central, a dimensãoda esfera pública. Numa sociedade na qual a tra-dição histórica é caracterizada por políticas clien-telistas e assistencialistas, a consolidação de es-paços que fortaleçam a presença dos segmentos

sociais e do controle exercido por cidadãos e ci-dadãs sobre as políticas públicas, e neste casoem particular sobre as políticas sociais, torna-sefundamental para a constituição de um sistemade proteção social mais justo e ativo.

Políticas de longo prazoÉ necessário refundar o que se entende por desen-volvimento social. No período desenvolvimentista,o termo “questão social” denominava os problemasoriundos das condições sociais da populaçãopobre, num contexto em que o desenvolvimentoeconômico a incorporaria ao mercado formal oumesmo informal da economia. Hoje, o termo“questão social” tende a designar uma concep-ção particular que, quando referida ao âmbitoeconômico teórico, segue o modelo neoclássico,e, quando referida ao âmbito de como organizar asociedade, adota o modelo neoliberal, no qualo mercado e a liberdade individual passam aocupar um lugar central.

Por sua vez, porém, essa concepção vemsendo construída no âmbito de um projeto dereorganização integral da sociedade, que Laurell(2000) identifica como o assim denominado“modelo neoliberal”. Para ele, existem duas va-riantes dessa nova noção de desenvolvimentosocial: a ortodoxa, na qual prevalece a idéia decombate à pobreza com programas específicos,e a do desenvolvimento humano e de inversão nocapital humano, centrada na função do desen-volvimento social como um conjunto de meca-nismos gerador de condições de igualdade deoportunidades para a competição dos indivíduosdo mercado. A partir das duas últimas décadas,prevalece a definição de questão social como pro-blemas advindos das condições de vida da popu-lação, em especial aqueles gerados pelas gravescondições de pobreza e pela falta de acesso aum mínimo de proteção social para a satisfaçãodas necessidades humanas desses segmentos dapopulação pobre.

Não se trata, porém, de qualquer pobreza,mas de uma extrema e massificada (Campos,2000). Esse fenômeno não pode ser confundidocom a desigualdade social. Nos países latino-americanos, não se vislumbram taxas de cresci-mento sustentado que permitam por si sós, pelavia do emprego, combater a pobreza extrema.Embora importante, não é suficiente “atenuar aomáximo a transmissão intergeracional da pobre-za”, como propalam especialistas em políticassociais filiados à corrente ortodoxa de desen-volvimento social.

No centro da questão, uma vez mais, está aforma de definir um conjunto de programas depolítica social de Estado inspirados numa visãode longo prazo, mas que também apresente re-sultados a curto e médio prazos. É nesse sentidoque as políticas sociais não se constituem tão-somente em um conjunto de políticas específi-cas, no qual cada uma responde isoladamente auma necessidade social identificada (no geral, porespecialistas em cada uma das áreas setoriais),

mas sim em um conjunto de ações e programasapresentando uma matriz básica que articule in-clusão e emancipação social.

Não por acaso, na literatura a respeito dotema, sobretudo nos textos mais recentes, sãoidentificados três regimes de políticas sociais: oliberal clássico (e sua variante atual, o neoliberal),o conservador corporativo e o social democrata.Cada um deles apresenta uma relação e uma arti-culação distinta entre as três instituições sociaisenvolvidas nessas políticas – o Estado, o mercadoe a família –, identificadas por vários autores comoo “triângulo do bem-estar social” porque estãosempre presentes em qualquer regime, variandoapenas o peso da presença de cada uma e a arti-culação entre elas.

Independentemente de cada concepção depolítica de desenvolvimento social, nas econo-mias capitalistas, ela possui um mecanismo decompensação e/ou de superação da pobreza, sem,no entanto, poder dispensar a criação de empre-gos, envolvendo, desse modo, políticas de cres-cimento econômico. Exatamente nesse ponto,verifica-se que a diferença entre o aumento dodesemprego e o crescimento da desigualdade eda pobreza é explicado pelo marco institucionalda presença ou não de uma rede de proteçãosocial para as vítimas dos ciclos econômicos,incluindo, no nosso caso, as vítimas das medidasde ajuste estrutural da economia.

Direitos sociais e co-responsabilidadeOutro elemento fundamental quando se pensa aquestão social da pobreza e da exclusão social daperspectiva do desenvolvimento social é a suadimensão política propriamente dita, exatamenteporque esse conceito, por ser amplo o suficientepara comportar vários significados, traduzindodistintas conotações econômicas, jurídicas esociais, traz sempre consigo uma associaçãonatural com o tema da pobreza.

Apesar disso, a literatura sobre o tema reveladivergências radicais quando se busca determinarse as pessoas são pobres por não terem habilida-des suficientes para superarem sua condição, ouporque, mesmo as possuindo, enfrentam umaorganização social cuja estrutura não apresentacanais que possibilitem sua mobilidade socialascendente. Se, no primeiro caso, o foco privile-giado de ação passaria a ser o sistema educacio-nal, no segundo, está em jogo um redesenho daestrutura produtiva e da execução de políticaspúblicas promotoras de uma mobilidade socialascendente, vale dizer, do que podem ser deno-minadas políticas de bem-estar.

Dessa forma, a satisfação das necessidadessociais da população (em particular, a das pessoasque estão em um contexto de pobreza massifi-cada) e a promoção do desenvolvimento socialpassam a estar estreitamente associadas à capa-cidade de o sistema econômico gerar riqueza. Essacapacidade pode ser de dois tipos: a que enfatizaa capacidade individual, o assim denominadocapital humano (sendo a educação um de seus

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principais pilares); e a que destaca a capacidadetecnológica do próprio sistema econômico, envol-vendo mudanças significativas, no que diz respeitoaos meios de produção e ao capital.

Nesse ponto, a questão social da pobreza eda exclusão social assume um papel importante,uma vez que as pessoas pobres não têm habili-dades suficientes para o exercício da cidadania,para se comportarem como agentes econômicoseficazes no mercado, e tampouco detêm conhe-cimentos para alcançar um entorno vital com ele-vada qualidade de vida. É exatamente por isso quea tradução imediata da pobreza passa a ser a exclu-são social, traduzida também como exclusão daprática dos direitos de cidadania, da participaçãonos processos geradores e redistributivos de benseconômicos, além das distintas instâncias e dosespaços deliberativos das sociedades, que deman-dam determinados níveis de educação e de infor-mação para se efetivar.

Daí a importância da idéia de políticas sociaisassociadas à construção da cidadania como umprocesso de habilitação substantiva ao desenvol-vimento das capacidades dos indivíduos, para seorganizarem tanto na defesa e na representaçãode seus interesses de forma efetiva e eficientecomo na produção de bens econômicos, sendocapazes de aproveitar possíveis acessos a formassustentadas de geração de renda e, ainda, de parti-cipar das esferas e das redes societárias. Só assim,em sociedades com alto grau de desigualdade,como a brasileira, os direitos reconhecidos legale juridicamente podem transformar-se em direitosefetivos, compondo, de forma articulada, as polí-ticas sociais, desde que pautadas pela promoçãodo bem-estar social, de forma igualitária, paratodos os membros da sociedade.

Nessa perspectiva, programas e políticassociais com a co-responsabilização de benefi-ciários e beneficiárias (as assim denominadascondicionalidades) podem vir a constituir um pilarfundamental na construção de um sistema de pro-teção social voltado ao bem-estar da sociedade,mas desde que articulem de forma criativa e virtuo-sa Estado, mercado e família (ver boxe na página54). Para tanto, uma primeira condição funda-mental é que não fiquem restritos à necessidade,tão bem exercitada pela econometria. Se assim for,eles tendem a reforçar tão-somente a dimensãodo direito individual, em detrimento do direitosocial. Isso explica o imperativo de que sejamregidos por outros parâmetros, referentes à jus-tiça distributiva, transformando-se num sistemade proteção social ativo que atua sobre as relaçõessocioeconômicas quando um dos pilares centraisdos Estados de Bem-Estar Social, a relação depleno emprego, não está mais presente no cenáriodas economias capitalistas.

Apenas dessa forma, esse conjunto de polí-ticas poderá ter êxito quanto à sua capacidade deatuar sobre a superação da pobreza, uma vez queterá de dar ênfase às denominadas “portas desaída”, isto é, às políticas complementares volta-das ao aumento da habilidade e da capacidade dos

indivíduos para aproveitarem possíveis acessosa fontes de renda autônomas e sustentadas, contri-buindo assim para a construção de sua autonomiaem relação ao Estado e aos benefícios sociais vin-culados aos programas de transferência de renda.

Quanto às condicionalidades, em geral, elasse concentram em associar o acesso aos benefí-cios e serviços ao cumprimento de determinadoscompromissos, tais como: a freqüência escolar eaos serviços de saúde para crianças e gestantesda família, e a retirada de filhos e filhas de ativi-dades de trabalho. No caso brasileiro, existe aindaa vantagem de essa vinculação estar associadaao acesso a direitos universais inscritos na Cons-tituição de 1988. No entanto, se de um lado isso

fortalece o acesso da população pobre à saúde eà educação (pelo menos nos níveis básicos), talprocesso não está livre de contradições, no quediz respeito à valorização da dimensão política davida cotidiana (ver boxe abaixo).

Da igualdade à emancipaçãoAs políticas sociais têm que considerar uma rea-lidade na qual não se trata simplesmente da ques-tão da pobreza, e sim de uma pobreza extremamassificada. Entre as políticas sociais desenvol-vidas nos últimos dois anos, os programas detransferência de renda assumem um lugar deespecial importância para o seu enfrentamento.No entanto, deve-se indagar se eles vêm partindo

Não resta dúvida de que a expectativa dos(as)beneficiários(as), ao contrário do que se afirmacorrentemente, é o acesso a uma atividade quelhes garanta uma fonte de renda regular e sus-tentável, sempre referida como “trabalho”. De fato,pesquisa realizada com beneficiários(as) do Pro-grama Renda Mínima do município de São Paulo(Cohn et al., 2003) revela que, para essas pessoas,o benefício é bem-vindo, porém o ideal seria umapolítica que criasse emprego, porque: “O traba-lho dignifica o homem, e não é porque ele nãotrabalha que não merece respeito, mas sem trabalhoele fica fora da sociedade”. Mas só o trabalhonão resolve, porque não se trata de qualquer um,pois: “É muito diferente uma pessoa que tem car-teira assinada e outra que não tem; se você vaifazer uma compra, chega no lugar e não tem car-teira assinada, tudo é mais difícil”.

Ao mesmo tempo, seja no caso do recebi-mento de benefício em renda ou do acesso a ser-viços essenciais, isso é um direito quando valepara todas as pessoas “necessitadas”: “Se a Pre-feitura fez esse benefício para toda a comunidade,eu acho que é um direito do cidadão, desde queele precise. Todos precisam, mas aqueles que têma prova de que precisam [...]”. Também chamaatenção a importância da escola e das lides do-mésticas na ocupação dos indivíduos e na pers-pectiva de ser “socialmente útil”. A escola é vistacomo espaço que protege as crianças dos perigosda rua, e a escolaridade, como algo necessáriopara que “os filhos não tenham o mesmo desti-no dos pais”.

Por fim, merecem destaque as condiciona-lidades que, se trazem a dimensão da co-respon-sabilidade, também carregam um lado sombrio,que pode reforçar nossa cultura social autoritáriae punitiva. Tomando como exemplo o ProgramaBolsa Família, são freqüentes os casos em que amãe, sabendo da obrigatoriedade da freqüênciaescolar, conta: “Segunda-feira mesmo, ele disseque não ia para a escola. Queria soltar pipa. Foipreciso apanhar para ir à escola...”.

A perspectiva de beneficiários e beneficiárias

Verifica-se o perigo da extrapolação da pre-sença do Estado no espaço privado, normati-zando-o a partir de uma racionalidade pública emdetrimento das estratégias de sobrevivência es-colhidas pelos indivíduos e, também, de sua redede solidariedades. Exemplo disso foi uma denún-cia anônima (grifo nosso), a partir da qual umamãe de família recebeu a visita de uma assistentesocial, funcionária municipal, que a teria obrigadoa deixar de trabalhar nos fins de semana paranão deixar os filhos sozinhos. A mãe teve de “es-colher entre o trabalho e os filhos”. Diante daameaça da perda da guarda destes, desistiu dotrabalho dos fins de semana, perdendo, assim, aúnica fonte de renda relativamente estável que afamília possuía. “O jeito é eu ficar dentro de casa,enquanto [fulano, o marido] procura serviço parafichar. Porque, por enquanto, ele não é fichado,trabalha só fazendo bico”.

Outra face do ponto de vista de beneficiáriose beneficiárias do programa pode ser observada,no entanto, quando uma mãe de família de ummunicípio pernambucano afirma que sua vidamudou muito com o Programa Bolsa Família, por-que, além de ter o cartão que lhe dá acesso aobanco, ele lhe traz a dignidade de poder comprar acomida para sua família, e com isso ela não precisa“agradecer e dizer ‘muito obrigada’ por um pratode comida de arroz com palha e feijão bichado”.

Aqui se torna oportuna a análise de Nogueira(2001) quando advoga a tese da necessidade doresgate da dimensão política propriamente ditana implementação das políticas públicas, uma vezque a dimensão burocrático-administrativa vemavançando em detrimento daquela, o que faz comque prevaleçam análises e padrões de definiçãode prioridades pautados por questões opera-cionais, restringindo-se aos estreitos limites daequação custo/efetividade, no lugar de negocia-ções entre interesses divergentes ou diferencia-dos, traduzindo-se, assim, no que o autor designacomo sendo a predominância da “política dostécnicos” em vez da “política dos cidadãos”. ■

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do princípio de não se constituírem num fim emsi, em que pese seu traço de alívio imediato dapobreza, mas num instrumento particularmentevalioso, por suas implicações econômicas esociais, para combater, de forma conseqüente, asuperação da pobreza em nossa sociedade.

A promoção do desenvolvimento social exigepolíticas intersetoriais e capacidade do Estado deremodelar seus sistemas de proteção social e suaprática histórica de ação na área social, que sem-pre se caracterizou por dois traços fundamentais:do ponto de vista da gestão, por ações segmen-tadas e setorializadas, o que torna as políticas eos programas sociais competitivos entre si e sem-pre resultando na superposição dos públicos-alvo;e, do ponto de vista político, pelo seu traço clien-telista, mesmo naqueles casos em que a descen-tralização das políticas sociais avançou, comoocorre no setor da saúde, que reproduzem a subor-dinação dos segmentos pobres da população àvontade das elites e sua dependência em relaçãoao Estado, na condição de clientela.

Sendo políticas que devam contemplar tantoa dimensão do alívio imediato da pobreza comoa sua superação, os programas de transferênciade renda com condicionalidades não devem serconcebidos como um fim em si mesmos, mas comoinstrumentos ou estratégias de um conjunto depolíticas que permitam o enfrentamento conse-qüente da questão social da pobreza. E de outrolado, não devem ter caráter impositivo e punitivo,mas permitir o acesso a bens e serviços essenciais,de caráter universal, que possibilite a transforma-ção dessas pessoas de meros beneficiários(as)em cidadãos e cidadãs.

Não se trata de conceber as políticas de trans-ferência de renda como panacéia para a questãosocial da pobreza, da desigualdade e da exclusãosociais, muito menos de substituir o padrão clás-sico de inserção dos indivíduos na sociedade viatrabalho, mas, sim, assumi-las pelo que são: polí-ticas e programas que, apesar de terem um caráterredistributivo, trazem consigo a possibilidade dese transformarem em medidas estruturantes deum novo padrão de relações socioeconômicas.Nesse ponto específico, ganha especial relevo asua articulação com um conjunto de programas epolíticas das outras esferas do Estado, que respon-dam ao desafio maior de como incorporar a igual-dade para além da justiça distributiva impressanas políticas sociais até então conformadas pelasituação de pleno emprego.

Aqui se frisa que o parâmetro a reger as polí-ticas e os programas de transferência de rendanão deve ser a lógica da igualdade, por não con-templar a justiça distributiva e reduzi-la à neces-sidade (ou ao grau de carência dos indivíduos), masa lógica da emancipação. Como conseqüência,perde sentido a freqüente dicotomia entre polí-ticas econômicas e políticas sociais, já que estassempre apresentam um forte componente eco-nômico e aquelas um forte componente social.Perde também sentido entender as políticas so-ciais como compensatórias das desigualdades

geradas pelo mercado. O desafio atual consisteexatamente em como articulá-las, imprimindo àspolíticas econômicas um novo sentido, devendoelas também ser ditadas pela ótica dos parâme-tros dos direitos sociais.

Contradições e ambigüidadesO conjunto de iniciativas do governo Lula no com-bate à pobreza e à desigualdade social não signi-fica necessariamente que se tenha avançado demodo substancial no que se diz respeito a forjarum perfil do modelo de proteção social brasileiro.A construção de um novo espectro de ação públicado Estado na área social não está livre de contra-dições e ambigüidades, sobretudo quando seobserva nossa tradição nessa área, marcada nãosó por uma setorialidade competitiva como porum forte traço clientelista, patrimonialista e cor-porativista, que a tornou incapaz de enfrentar adinâmica reprodutiva da pobreza em nosso país,num contexto de agudas desigualdades sociais.

Entre essas contradições e ambigüidades, aprimeira, e mais óbvia, reside no fato de o ambienteeconômico não se constituir num bom parceironesse processo, pois, mesmo que se registremcurvas de crescimento da economia, elas não setraduzem na atualidade em geração de emprego erenda nos moldes clássicos da sociedade salarial,como antigamente era o caso de o emprego seconfigurar como um passaporte para o direito àsaúde e à previdência social. Além disso, poucosentre esses programas estão relativamente ilesosà política de superávit fiscal, como o Bolsa Família(PBF), que conta com um “contingenciamentopositivo” a seu favor, em virtude do contrato deempréstimo com o Banco Mundial.

A segunda contradição diz respeito à neces-sidade de se reverter a lógica de articulação dasdiferentes políticas de seguridade social, com-posta por uma vertente voltada ao mercado detrabalho (as pessoas incluídas) e outra à popula-ção excluída, funcionando como um espelho domercado de trabalho e, assim, reforçando os direi-tos individuais em detrimento dos direitos sociais.O desafio aqui é como enfrentar esse traço, bus-cando uma nova articulação entre o sistema deprevidência social e de proteção social – calcadonos direitos sociais e institucionalizado pela Cons-tituição de 1988 – e a construção de novos direi-tos sociais a partir de políticas como o PBF, quenão encontram respaldo imediato no contratosocial vigente para se configurarem plenamentecomo políticas de direitos sociais, tema que vaimuito além do seu caráter contributivo ou não.

Uma questão importante suscitada pela ênfasena promoção da construção da autonomia dossujeitos sociais, por meio de políticas sociais, é atendência verificada hoje na América Latina, e noBrasil em particular, de se implantar programassociais que busquem sua clientela (como no casodo Programa Saúde da Família/PSF) e associem oacesso ao benefício ao cumprimento de determi-nadas condicionalidades voltadas à capacitaçãosocial de beneficiários e beneficiárias. Isso pode

interferir no modo como cidadãos e cidadãs serelacionam com o Estado, pois acaba misturando aesfera pública e a privada. De fato, não é despre-zível a capilaridade social de programas como o PSFe o PBF, que trazem consigo um enorme potencialde levar o poder público a controlar e normatizara vida privada dos indivíduos. Fica, assim, com-prometida a qualidade da esfera pública como umespaço de construção de identidades autônomascom relação ao Estado.

O ponto aqui consiste num desafio bem pre-ciso, que se traduz na questão fundamental: comotransformar essas políticas e programas sociais eminstrumentos de construção de novas identidadessociais que não comprometam, nesse processo,a autonomia dos sujeitos sociais? Se desconsi-derarmos a ponderação de Amartya Sen, no sen-tido de que a falta de liberdade econômica, naforma da extrema pobreza, torna a pessoa presafácil de outros tipos de violação da sua liberdade,o problema está em como torná-la autônoma naconstrução de sua identidade ante a capilaridadeda presença normatizadora do Estado que essaspolíticas e programas trazem consigo.

Como são programas voltados aos segmentosmais pobres da população, na sua maioria abso-luta à margem do mercado de trabalho formal ouinformal, essas políticas constituem-se, inicial-mente, em paralelo à sociedade do mercado detrabalho. Torna-se necessário, portanto, buscarmecanismos de inserção desses segmentos so-ciais a formas de acesso a fontes de renda, reme-tendo ao desafio de promover políticas econômi-cas ditadas pelos parâmetros dos direitos a umpadrão digno de vida.

Daí porque não é suficiente fazer bons pro-gramas sociais de transferência de renda, saúde,educação, habitação, saneamento, emprego, entreoutros, do ponto de vista de sua gestão, emboraisso seja de fundamental importância, se o obje-tivo é o combate à pobreza da perspectiva de suasuperação. Essa boa gestão – responsabilidadepública inerente ao Estado – deve estar necessa-riamente acompanhada da construção de umaesfera pública consolidada e favorecer a criaçãode espaços de construção de diferentes identida-des e redes de solidariedades a partir da possi-bilidade que esses programas trazem consigo noestabelecimento de novos contratos de civilidade(Zaluar, 1997). Isso requer que se esteja atentopara a configuração da cidadania para além doseu sentido universal e abstrato, buscando des-velar suas possibilidades e ambigüidades inscri-tas no próprio tecido social.

Redes de proteção proativasAssociar políticas sociais com desenvolvimentosocial, ou pensar a questão social da pobreza e dadesigualdade articulada a um projeto de desen-volvimento social, demanda necessariamente quese pense o desenvolvimento como a ampliaçãoda capacidade dos indivíduos, tal como afirma Sen(2004), para realizarem atividades livremente elei-tas e valorizadas que lhes permitam exercer suas

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Bolsa Família – Criado em outubro de 2003, oPrograma Bolsa Família (PBF) unificou os progra-mas não-constitucionais de transferência derenda até então vigentes: Bolsa Escola, BolsaAlimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação.Atualmente é entendido pelo Executivo federalcomo um dos programas que fazem parte do FomeZero. Consiste na transferência de renda comcondicionalidades (freqüência escolar e cartão devacinação completo das crianças, nas idadesrespectivas, e acompanhamento pré-natal dasgestantes) e na transferência de um valor fixo deR$ 50 e um variável de R$ 15 por criança de até15 anos, num total de até três crianças. As famíliascom renda per capita de até R$ 50 recebem ovalor fixo e o valor variável correspondente; as quepossuem renda per capita entre esse valor e R$100 recebem somente o valor variável, segundoas mesmas regras.

O PBF resgata uma das características dosprogramas anteriores similares: o benefício variá-vel por número de crianças da família, no total deaté três. No entanto, inova quando elege a famíliacomo beneficiária, e não cada um de seus mem-bros isoladamente, como nos casos anteriores doBolsa Escola e do Bolsa Alimentação. Inova tambémao não estipular quotas de número de bolsas paracada município, já que é meta do governo atingiraté dezembro de 2006 todo o universo dos 11,2milhões de famílias pobres, segundo a PesquisaNacional por Amostragem de Domicílios (Pnad)de 2001, revisada pelo Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea).3

Para a família ingressar no programa, é neces-sário que esteja cadastrada no CadÚnico – sistemade cadastramento único para programas sociais dogoverno –, criado em 2001. Mas o fato de a famí-lia estar cadastrada não significa participar neces-sariamente do programa, e cabe ao município a res-ponsabilidade pelo cadastramento das famílias,arcando com esse custo. O excedente de indiví-duos cadastrados acaba representando um ônuspolítico e financeiro para os governos locais, agra-vado pelo fato de até muito recentemente os mu-nicípios não terem acesso ao programa.

A proposta atual é que o CadÚnico se torneum instrumento efetivo para a formulação e im-plementação das políticas públicas, passível de serutilizado pelas distintas esferas de governo. Alémdisso, nesse banco de dados, a cada membro dafamília é atribuído um número de identificaçãosocial (NIS), que permitirá maior discernimentopor parte do Estado sobre o público-alvo de suasmúltiplas ações e programas, podendo, assim,identificar duplicidades e buscar convergênciasentre as políticas implementadas. Mais importante:procura-se, com isso, infundir-lhes um caráterrepublicano, isto é, o predomínio de critérios uni-versais para a concessão do benefício, o que secontrapõe ao traço clientelista que vêm marcandoas políticas ao longo da nossa história, em parti-cular quando voltadas aos segmentos mais po-bres da população.

Ao contrário da forma como vem sendo im-plementado o processo de descentralização naárea social, a proposta do PBF apresenta umacaracterística que favorece a possibilidade de seconformar como um programa matricial para aarticulação com os programas e ações sociaisdas demais esferas de governo: a denominadadescentralização pactuada. Isso significa que ogoverno federal busca realizar pactos com esta-dos e municípios na implementação do programade tal forma que estes, uma vez tendo programaspróprios de transferência de renda, os articu-lem com o programa federal e promovam pro-gramas complementares.

Procura-se, com isso, uma articulação naárea social que seja horizontal entre as distintasesferas de governo, sempre com prioridade parao público-alvo dos programas de transferênciacomo foco de articulação das distintas políticasem desenvolvimento. Tal proposta implica que osgovernos das distintas esferas da federação pro-movam simultaneamente um olhar para dentro desi mesmos e para fora, isto é, para os demaisentes federados, tidos como parceiros de fato numprocesso maior de remodelação do padrão clás-sico de ação do Estado na área social.

Na sua formulação, o PBF tinha como pres-suposto original que não se trataria de um pro-grama de transferência de renda com condicio-nalidades como um fim em si, mas, para ter êxito,precisaria obedecer a duas premissas básicas:a primeira, ao responder ao tempo do governo,criando raízes que o vinculem às políticas de

Os programas sociais no governo Lula

funcionalidades, promovendo-se, assim, um desen-volvimento social que os torne cidadãos e cidadãsindependentes do Estado, e não clientes deste.Para isso, só buscando uma nova equação entreas políticas dos políticos, as políticas de técnicose técnicas e as políticas dos cidadãos e cidadãs.Ou, como aponta uma vez mais Sen, tomar comoeixo da concepção de desenvolvimento social ainterdependência entre qualidade de vida e pro-dutividade econômica para que se supere a dico-tomia entre bem-estar e acumulação acelerada.

Isso não nos exime de apontar os desafios ea complexidade da implementação de programase políticas sociais com capilaridade social e vincu-lados a condicionalidades. Dentre eles, destacam-se, sobretudo no caso do Brasil, a questão fede-rativa, no que diz respeito às políticas comple-mentares, e principalmente as questões relativasà dimensão da esfera pública. É um desafio for-mular um projeto de desenvolvimento social quese traduza num sistema e numa rede de proteçãosocial proativa e seja capaz de enfrentar o con-junto dos problemas sociais que conformam a

questão social hoje no país, a partir de suas raízes,e não exclusivamente de sua manifestação final.

Esse projeto, a nosso ver, está ainda no âm-bito das intenções inspiradoras de várias das polí-ticas e dos programas sociais que vêm sendo imple-mentados, mas certamente ainda não se logrou aformulação de uma proposta articulada para queas iniciativas estatais na área social não continuemfortemente demarcadas pelos limites estreitos daracionalização dos gastos estatais.

Para tanto, é preciso permanentemente ques-tionar a racionalização das ações do Estado nãocomo um fim em si, mas como um meio para seatingir um objetivo, o que extrapola em muito oslimites da mera busca da racionalidade custo/efe-tividade impressa na teoria do capital humano.Trata-se de introduzir na agenda pública a dimen-são do bem-estar e da justiça social da ótica doacesso a condições concretas que garantam umaefetiva qualidade de vida dos indivíduos, entre elassua autonomia como cidadãos e cidadãs porta-dores de direitos e, por conseqüência, sua auto-nomia perante o Estado.

Se as políticas sociais e de transferência derenda não serão capazes, a curto prazo, de enfren-tar a questão da desigualdade e da injustiça social,certamente, por serem um instrumento fundamen-tal nesse processo, não poderão perder de vistaessa dimensão. Caso contrário, ficarão sempre de-terminadas pelas políticas macroeconômicas, numcontexto em que os sistemas de proteção socialcomo mecanismos compensatórios das desigual-dades geradas pelo mercado numa sociedade sa-larial já estão superados pela própria história.

No entanto, em grande medida, é dessa formaque o Estado brasileiro continua atuando na áreasocial, haja vista a extrema vulnerabilidade doorçamento social do governo à lógica dos ajustesmacroeconômicos. Com isso, a possibilidade de opaís enfrentar de forma conseqüente a pobreza e asdesigualdades sociais vê-se postergada, deixandoo gosto amargo da perda de uma oportunidadehistórica única para a construção de uma socie-dade mais justa e democrática. É esse o salto dequalidade, ou o “pulo-do-gato”, não vislumbradoaté o momento, que tanto nos frustra.

3 Em abril de 2005, o PBF atingiu aproximadamente66% dessa meta.

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inserção social, seja no que diz respeito a polí-ticas de geração de ocupação e renda, seja notocante a políticas setoriais na área social, levan-do em conta a integração territorial da população;e a segunda, que se tornasse parceiro num pro-cesso mais amplo de transformar as políticaspúblicas virtuosas entre si, ao contrário do ve-lho padrão competitivo, em relação aos respec-tivos públicos-alvo ou às fontes orçamentárias.Tratava-se, assim, de traduzir as políticas públi-cas em mecanismos transformadores e promo-tores do desenvolvimento social no Brasil a partirda heterogeneidade dos seus problemas e dassuas potencialidades.

Saúde da Família – Já por demais estudadose divulgados, desde o início da década de 1990,quando começaram a ser implantados, os progra-mas Saúde da Família (PSF) e Agentes Comunitá-rios de Saúde têm hoje aproximadamente 21.475equipes e estão presentes em 4.800 municípios.Para seu controle e funcionamento, contam comum sistema de dados do Datasus, especialmente oSistema de Informações da Atenção Básica (Siab),ainda não articulado à base de dados do CadÚnico.O PSF é, juntamente com o controle dos dadossobre educação, aquele que mais perto estaria dosprogramas de transferência de renda, dadas ascondicionalidades destes. São os programas commaior capilaridade social, no que diz respeito aadentrar na vida privada dos indivíduos.

Ao PSF juntam-se outros programas detransferência de renda, entre eles o Benefício dePrestação Continuada (BPC) – não como um pro-grama de governo, mas como direito asseguradopela Constituição brasileira, beneficiando 5,8 mi-lhões de pessoas em abril de 2005. Por outro lado,o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

(Peti) atende quase 1 milhão de crianças e ado-lescentes e está presente em mais da metade dosmunicípios brasileiros.

Outros investimentos governamentais – Secontinuarmos a trabalhar em termos do que deno-mino de “gincana dos números”, isto é, ver qualgoverno investiu mais na área social, não restadúvida de que, nos últimos dois anos, o Brasilsofreu uma injeção significativa de recursos naárea social, boa parte deles repassados diretamenteà sociedade, por meio de programas de transfe-rência de renda. A novidade desses programasreside exatamente nisto: as transferências de rendarealizadas por tais programas não encontram in-termediação dos governos estaduais e municipais,como é o caso das transferências de recursos emsaúde e educação, por exemplo.

Em conseqüência, quando se tem orçado sóno Ministério do Desenvolvimento Social R$ 16,9bilhões com esses programas, isso significa quetal volume de recursos passa a circular nas eco-nomias locais, representando, em vários municí-pios, em média 50% dos recursos repassados pormeio dos Fundos de Participação Municipal (FPM).Para as regiões Norte e Nordeste, isso significa18,4% e 30,5% do valor equivalente ao FPM.O potencial dinamizador das atividades econômi-cas locais e regionais com esses recursos adicio-nais não é desprezível, mas necessitaria de umapolítica articulada de desenvolvimento sustentá-vel que possibilitasse novas formas de inserçãosocial das famílias contempladas para superaremsua situação de pobreza.

Tampouco é desprezível o volume de re-cursos destinados à agricultura familiar (R$ 5,6bilhões em 2004, associados a programas degarantia de safra, regularização fundiária, de

aquisição de alimentos pelo Programa Fome Zeroetc.), ao saneamento básico, aos programashabitacionais, que, ao transferirem recursos paraesses fins, acabam não só dinamizando as eco-nomias locais, mas também gerando empregosou ocupações. Ao lado desses, existem progra-mas que dizem respeito aos serviços essenciais àsatisfação das necessidades básicas da popula-ção, como saúde, educação e assistência social.Nesses casos, verifica-se uma tendência a se terum pouco “mais do mesmo”, isto é, um aumentoligeiro dos recursos alocados em tais setores, tri-lhando as mesmas prioridades do período anterior.Nada contra, não fosse a possibilidade de se ino-var nessas áreas, que já contam com uma largaexperiência dos governos municipais.

Aliás, foi o que o governo federal fez nos ca-sos dos programas de transferência de renda:aproveitou-se das experiências dos programaslocais para formular os nacionais. O mesmo, noentanto, não se verifica nas áreas de saúde e edu-cação. No caso da saúde, teve continuidade aênfase na atenção básica, com a criação do pro-grama Farmácia Popular, e na assistência odon-tológica, com o programa Brasil Sorridente, atual-mente contando com aproximadamente 2.800novas equipes de saúde bucal. Na área da educa-ção, registra-se a presença de programas de alfa-betização de pessoas adultas, de educação de jo-vens, do Fundo de Desenvolvimento da EducaçãoBásica (Fundeb) – em substituição do Fundef,restrito à educação fundamental –, voltado tam-bém ao ensino médio e à permanência dos jovensna escola, além do Programa Universidade paraTodos (ProUni), destinando bolsas ao ensinosuperior em instituições privadas de ensino, quetanta polêmica vem causando. ■

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A luta continua: o combate ao racismo no Brasil pós-Durban

A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial significou um reconhecimento das deman-

das apresentadas pela população negra, inscrevendo o combate ao racismo na agenda governamental. No entanto, o

conjunto de ações desenvolvidas pelos governos FHC e Lula mostra que pouco foi feito para reverter a brutal distância

entre pessoas negras e brancas no Brasil. Quase cinco anos após a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, realizada

em Durban, na África do Sul, em 2001, o país ainda carece de políticas que fomentem a justiça social, estabelecendo a

dignidade da população negra.

Jurema Werneck*

E para que pudesse se concretizar o ideal dedemocratização do Brasil implicaria que osque lutam pela democracia e pela liberdadeassumissem também a luta em favor daigualdade racial.

Fernando Henrique Cardoso, discurso derecepção da Marcha Zumbi dos Palmares, 20de novembro de 1995.

A superação do racismo requer políticaspúblicas e ações afirmativas concretas.

Luiz Inácio Lula da Silva, instalação daSecretaria Especial de Políticas de Promoçãoda Igualdade Racial, 21 de março de 2003.

Qual o impacto da 3ª Conferência Mundial contrao Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia eas Intolerâncias Correlatas (CMR) cinco anosdepois? De que modo seus processos e acordosinfluenciam o desenvolvimento de ações para apromoção da igualdade racial no Brasil? É possí-vel afirmar que estamos numa nova era da lutapela igualdade racial no país?

A partir de que marcos é possível avaliar osesforços da sociedade brasileira para romper comas diferentes formas de privilégio desenvolvidospela população branca no país ou dirigidos a ela?Quais os ganhos? Quais as derrotas? Que cami-nhos estão postos no cenário?

Essa é uma pequena amostra de uma sériede perguntas que estão sendo feitas e que semultiplicarão em virtude da existência de múlti-plos atores envolvidos na luta contra o racismo.No Brasil, tais perguntas, mais do que se referi-rem à agenda governamental ou à da Organizaçãodas Nações Unidas, buscam fundamentar as es-tratégias de preparação da Marcha Zumbi dosPalmares + 10, reedição da ação empreendida em1995 pelo movimento negro. Naquela marcha,milhares de ativistas foram a Brasília demandardo governo federal o desenvolvimento de ações

para combater o racismo e a desigualdade racial.Dez anos depois, novamente nos preparamospara confrontar o Estado brasileiro, exigir res-postas e compromissos.

Escrito às vésperas da realização da Confe-rência Nacional de Promoção da Igualdade Racial(Conapir), este texto é uma tentativa de analisaros resultados do processo de Durban, fazendoreferências aos pressupostos que nortearam a par-ticipação das organizações negras, bem como asexpectativas envolvidas no processo. A conferên-cia foi convocada pelo governo federal como partede sua agenda de consultas sociais, mas tem sidoignorada por grande parte da sociedade.

Aproximando-se da marca de dois terços domandato governamental, cabe indagar até ondeo processo de consultas nacionais, promovidonessa gestão, é capaz de conduzir as demandasda população. Temos elementos suficientes paraafirmar que o governo Lula desperdiçou as opor-tunidades que a mobilização social lhe ofereceupara fazer as mudanças necessárias ao país e quemarcaram a sua eleição.

Vivemos um impasse, mas há setores da so-ciedade que não desistiram nem se confundiramcom o abandono do segmento da esquerda quechegou ao poder. Uma parte substancial da socie-dade organizada não sucumbiu à traição de algunspartidos. Grande parte das organizações negrasse coloca nessa posição.

Contra o silêncioDepois da queda do mito da democracia racialno Brasil, graças a uma intensa mobilização eação política das organizações anti-racistas noúltimo século, o momento agora exige a derru-bada de outra crença recorrente: a que afirma sero silêncio um mecanismo fundamental de manu-tenção e propagação do racismo. O silêncio se-ria, segundo essa visão, uma potente ferramentapara tornar invisível a violência racial em suasdiferentes formas, responsável pela baixa per-cepção das pessoas brancas quanto à estruturade privilégios raciais em que se movimentam nasociedade brasileira.

Ao contrário, a denúncia do racismo e suasconseqüências – bem como a oferta de propos-tas das mais variadas para seu enfrentamento ea promoção da igualdade racial – foram combus-tível na mobilização de uma das principais arti-culações políticas ao longo do século XX. Essaarticulação política, identificada genericamentecomo movimento negro, representa a reunião dediferentes movimentos sociais conduzidos pormulheres e homens negros, com diferentes pro-postas e formas de atuação ao longo do tempo,mas cujo território comum advoga o anti-racismocomo ação estatal, capaz de alterar estruturaspolíticas e produtivas, e também de envolvertoda a sociedade na proposição de novas formasde inserção da população negra na sociedadebrasileira, com base em princípios de eqüidade,justiça e dignidade.

A partir do momento da assunção nos dis-cursos hegemônicos nacionais do conceito deraça – e, principalmente, do racismo – como umadas mais pesadas âncoras do modelo de hie-rarquização social em fins do século XIX e iníciodo século seguinte, o anti-racismo articuladopela população negra se posiciona como seu prin-cipal interpelador.

Aquilo que se tem denominado de silênciodeve ser compreendido como efeito de um conjun-to de políticas estatais, discursos, práticas coti-dianas de representação e produção de discrimi-nação negativa e violência contra negras e negros.Tais efeitos abarcam, ainda, a ignorância dosmecanismos de resistência empreendidos pornós, população negra, ao longo dos tempos.

Na outra face, esse silêncio tem significadoum mecanismo redutor para descrever e princi-palmente desqualificar a intensa luta política con-traposta pelas organizações negras, contrária àspropostas e práticas de aniquilamento dos movi-mentos anti-racistas e suas resistências, e tam-bém à estrutura racista do país. Ou seja, trata-seinicialmente de afirmar a perspectiva ruidosa doracismo e suas conseqüências. E fundamental-mente de reconhecer o anti-racismo como vetor deluta política empreendida por parte significativa* Médica e coordenadora da ONG Criola.

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da população negra, que se desenvolveu ao longode todo um século e que vem se propagando erenovando nos dias atuais.

Por outro lado, é preciso destacar uma dasprincipais estratégias explicitadas nos diferen-tes momentos desta luta: o reconhecimento dopapel do Estado como principal agente promotorda igualdade racial. Esse reconhecimento é ex-presso na demanda continuada da reversão daação dos aparelhos do Estado comprometidacom o racismo e de engajamento ativo de modoa possibilitar o desenvolvimento de políticas pú-blicas capazes de instaurar um ciclo virtuosode justiça e dignidade.

Não há milagre nem remédio caseiro no hori-zonte do combate ao racismo e à desigualdaderacial. Essa é a compreensão que emerge da lutaanti-racista. Ela reivindica um Estado forte e iguali-tário, capaz de romper com as oligarquias brancasque o controlam, com alguma alternância de cor-rentes, desde a fundação, e criar novos pactossociais que incluam os demais grupos presentesna sociedade. Ou, para dizê-lo nas palavras daextraordinária ativista Lúcia Xavier, um Estadocapaz de “trair o racismo” em nome da justiça.

2005: avaliação dos resultadosJá temos elementos para constatar que a socie-dade brasileira tem produzido ao longo de suahistória, em especial nos anos recentes, consen-sos suficientes capazes de legitimar iniciativas deampla magnitude para a reversão dos padrõesracistas em vigor. Tais consensos têm penetradoo Estado e produzido ações, em especial a partirda década de 1980, conforme assinala o pes-quisador Marcelo Paixão em documento produ-zido como contribuição ao processo da Conapir(Paixão et al., 2004).

No entanto, é possível constatar também aimensa distância que separa esses consensos daimplementação de soluções estatais e sociais quesignifiquem a produção de políticas públicas delongo prazo, de efetivação de direitos e confrontodo racismo. Essas soluções devem ser capazes dealterar a vida cotidiana de negras e negros (e debrancas e brancos), sem negligenciar a mobiliza-ção social, em especial a do movimento negro.

Tais elementos precisam impregnar o mo-mento atual. Sendo 2005 definido como Ano daPromoção da Igualdade Racial, por iniciativa dogoverno federal,1 foi convocada neste ano a Conapir,que integra o ciclo de consultas sociais empreen-didas pelo governo Lula desde o início do man-dato. O processo desse encontro envolveu a reali-zação de 27 conferências estaduais e uma reuniãonacional com cerca de 1.500 delegados(as) econvidados(as) na capital federal, realizada de 30de junho a 3 de julho.

O ano de 2005 deflagrou também o processode avaliação dos resultados da Conferência dasAméricas e da Conferência Mundial contra o Racis-mo, uma vez que o próximo ano, 2006, marcaráo quinto ano da celebração de seus acordos emSantiago (Chile) e Durban (África do Sul).

Do ponto de vista da sociedade civil e domovimento negro, este é um momento interessantede análises e avaliações das iniciativas nacionaise locais, bem como a revisão dos passos já dados.Ainda assim, cabe assinalar que mobilização dessamagnitude ainda não está suficientemente presentena agenda do conjunto de movimentos que lutampor transformação social.

Indicadores apontam distânciaUma profusão de dados tem permitido quantifi-car a extensão das desigualdades entre pessoasnegras e brancas, mulheres e homens. Essas in-formações serão repetidas aqui como forma dereiterar as urgências que justificam este texto etoda e qualquer forma de atuação efetiva no con-fronto com o racismo.

Entre os dados mais recentes, destacamosaqueles contidos em duas coletâneas: o Atlas ra-cial brasileiro (2004), uma realização do Progra-ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento(Pnud), com o Centro de Desenvolvimento e Pla-nejamento Regional (Cedeplar) da Universidade

Federal de Minas Gerais, e o Radar social (2005),do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea). As duas publicações formam uma ex-tensa reunião de dados que dá visibilidade adiferentes aspectos das desigualdades raciais.Entre eles, destacamos:

Diferenciais de pobrezaTem sido uma constante nas disputas ideológicasentre o movimento negro e os demais movimentossociais – e entre as organizações anti-racistas deum lado e o Estado e a academia de outro – atentativa de redução das desigualdades raciais àcategoria (aparentemente mais aceitável paramuitas pessoas) de desigualdades sociais. Os da-dos disponibilizados pelo Pnud contradizem essamanobra (ver gráfico 1).

Afirma a equipe de pesquisa do Atlas racialbrasileiro:

Não se verifica nenhum avanço na diminuiçãodos diferenciais entre negros(as) ebrancos(as) pobres. A proporção denegros(as) abaixo da linha de pobreza no totalda população negra no Brasil é de 50%,enquanto a de brancos(as) no conjunto dapopulação branca é de 25% desde 1995.

Quando nos debruçamos sobre a pobrezaextrema, também definida como indigência, a si-tuação é similar (ver gráfico 2).

1 Decreto assinado pelo presidente e pelo ministro daCultura em 30 de dezembro de 2004.

Gráfico 1 – Proporção da população abaixo da linha de pobreza, por raça, no Brasil

Pnud/Cedeplar. Atlas racial brasileiro, 2004.

Gráfico 2 – Proporção da população abaixo da linha de indigência, por raça, no Brasil

Pnud/Cedeplar. Atlas racial brasileiro, 2004.

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A proporção de indigência no total da popu-lação negra, segundo a equipe de pesquisa, é de25%, enquanto, na população branca, essa pro-porção equivale a 10%.

Cálculos apresentados pelo Radar social assi-nalam que o Brasil possuía, em 2003, 53,9 milhõesde habitantes vivendo na pobreza. Ou seja, 31,75%da população vivia com renda domiciliar de até meiosalário mínimo per capita. Segundo os cálculospara indigentes, ou seja, a parcela da populaçãocom renda domiciliar per capita de até um quartodo salário mínimo, tínhamos 21,9 milhões de pes-soas, equivalendo a 12,9% da população total.

Entre as pessoas situadas abaixo da linha depobreza, a maioria é composta de negros e negras(quase 36 milhões). Considerando-se que a popu-lação negra equivale a 47,3% da população brasi-leira (80 milhões), é visível a sobre-representaçãode pessoas negras entre as pobres. Temos umcontingente expressivo de pessoas negras, vivendocotidianamente situações no limite da sobrevivên-cia material. Por outro lado, a população negra estásub-representada entre o grupo 1% mais rico dapopulação, no qual somente 13,2% são negros(as),segundo dados da Pesquina Nacional por Amos-tra de Domicílios (Pnad) de 2003.

Ao incluirmos aqui os gráficos publicadosno Atlas racial brasileiro, a intenção principal édeixar bem explícita a extensão da desigualdaderacial no Brasil, expressa de forma gritante noparalelismo das linhas que indicam a situação denegros(as) e brancos(as), há décadas. As linhasparalelas delineiam um retrato do passado e dopresente e informam uma desigualdade inaba-lável ao longo do tempo, que se pode contar emanos, como se vê no gráfico, décadas ou séculos.E apontam, mais ainda, para mecanismos de perpe-tuação da desigualdade no futuro, na perspectivade continuidade inscrita nas paralelas, por defini-ção incapazes de se encontrarem.

É preciso insistir: as linhas paralelas afirmamque, até o momento, as estruturas que produzema desigualdade projetam uma ordenação futura.Mesmo com algumas inflexões, as distâncias têmse mantido. De forma categórica, tal situação exigemedidas efetivas capazes de romper essa tendên-cia de continuidade das injustiças e violências queatingem mulheres e homens negros.

Desigualdade na educaçãoAo acompanhar os dados relativos ao acesso àeducação para negros(as) e brancos(as) ao longoda última década do século XX, pesquisadores(as)do Ipea apontaram o paralelismo da desigualdadeentre a população negra e a branca (Shicasho,2002), apesar de o acesso à educação descrevertrajetória ascendente nos dois grupos raciais,conforme vê-se no gráfico 3.

Segundo dados do Radar social, a taxa deanalfabetismo no Brasil, para a população com15 anos ou mais, em 2003, era de 11,6%. Entreas pessoas negras, no entanto, havia 12,9% anal-fabetas, ao passo que, entre as brancas, a taxaera de 7,1%. A média do tempo de estudo das

pessoas brancas com 25 anos ou mais era de 6,76anos, ao passo que a média desse mesmo indica-dor entre as negras era de 4,66 anos.

A escolaridade média de 6,4 anos de estudopara o conjunto da população brasileira traduztambém taxas de freqüência no ensino médio esuperior ainda muito baixas. Entre jovens de 18a 24 anos de idade, 46,4% dos(as) brancos(as)freqüentam o curso superior, enquanto entre jo-vens negros(as) esse número é somente de14,1%. Nessa faixa etária, 30,9% de estudantesnegros(as) ainda estão freqüentando o ensinofundamental, segundo dados da Pnad de 2003.

Ao manter a desigualdade de acesso e per-manência no sistema educacional entre negros(as)e brancos(as), o que está posto é a continuidadeda desigualdade racial e da pobreza da populaçãonegra no futuro do país. Ou seja, por meio dosdiferenciais de educação, a desigualdade racial ea violação dos direitos de cidadania de negrasnegros se perpetuam.

Desigualdade ao nascer, adoecer e morrerUma série de indicadores de saúde tem sido utili-zada para avaliar as condições de vida da popula-ção e, mais recentemente, a extensão das desi-gualdades raciais e da ação do racismo nessecampo. Esperança de vida ao nascer, taxas demortalidade infantil, materna e de pessoas adultas,entre outros, permitem visualizar condições devida que incluem precário acesso a serviços públi-cos de saúde (profissionais e instalações) de qua-lidade e saneamento básico etc. Esses númerospermitem, de forma indireta, apontar a crueldadedo racismo, na limitação de vidas e produção desofrimento. Vejamos:

Esperança de vida ao nascer – trata-se deum indicador que estima quantos anos umacriança nascida em determinada data poderáviver em média. Esse indicador é sensível àsdesigualdades raciais e de gênero, conforme severifica no gráfico 4.

Gráfico 3 – Média de anos de estudo de pessoas com 25 anos ou mais por raça no Brasil

Shicasho, S.Tiê (org). Desigualdade racial: indicadores socioeconômicos 2003.

Gráfico 4 – Brasil: esperança de vida ao nascer, por sexo e cor/raça 1980, 1991, 2000

Pnud/Cedeplar. Atlas racial brasileiro, 2004.

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Segundo a equipe de pesquisa do Atlas raci-al brasileiro: “Se o ritmo de crescimento da espe-rança de vida dos homens negros permanecero mesmo daquele observado entre 1991 e 2000,ainda levarão cerca de 20 anos para alcançar ataxa das mulheres brancas em 2000, que erade 73,8 anos”.

Apesar da evolução positiva da esperança devida ao nascer no Brasil para toda a população, asdesigualdades entre populações brancas e negrasvêm aumentando. A distância entre as mulheresbrancas e negras cresceu entre 1980 e 2000 de2,85 para 4,28 anos. Entre os homens, a diferençacresceu de 1,73, em 1980, para 4,97 anos, em 2000.Assim, apesar do ganho em esperança de vidapara todos os grupos, a desigualdade aumentou.

Taxa de mortalidade infantil – reflete direta-mente o impacto das condições de vida. A morta-lidade infantil vem decrescendo no país, porémainda permanece alta, a despeito das iniciativasde longo prazo em desenvolvimento.

Um dado importante para a compreensãodos diferenciais entre pessoas negras e brancasproduzidos pela presença do racismo na socie-dade e na condução das políticas públicas foiapontado por Estela Cunha, em estudo compara-tivo desenvolvido em 2001 (Brasil, 2004). Ao ana-lisar os impactos das políticas universalistas deredução da mortalidade infantil no país, a pesqui-sadora apontou que, de 1980 a 2000, a diferençaentre os níveis de mortalidade infantil de pessoasnegras e brancas menores de um ano passou de21% para 40%, ou seja, praticamente dobrou adiferença entre os dois grupos.

Taxa de mortalidade materna – capta a exis-tência de outros determinantes para além de fa-tores biológicos e fisiológicos, capazes de alte-rar as expectativas sobre gravidez e parto, alémde retratar, de modo enfático, a conseqüênciadas desigualdades.

Dados coletados por Luís Eduardo Batista esua equipe (Brasil, 2004) apontavam que “em2000, a taxa de mortalidade das mulheres negrasde 10 a 49 anos, por complicações de gravidez,parto e puerpério, foi 2,9 vezes maior que a apre-sentada para as mulheres brancas”. Esse resulta-do complementa as pesquisas empreendidas porAlaerte Martins (Brasil, 2004) no estado do Paraná,que já haviam constatado ser o risco relativo demorte materna 7,4 vezes maior para as negras,entre 1993 e 1998.

O principal fator por trás dos diferenciais demortalidade apresentados refere-se a causas evitá-veis relacionadas ao acompanhamento pré-natale à assistência ao parto de modo adequado, quedemandariam medidas para a superação do racis-mo embutido nas relações entre profissionais desaúde e as mulheres negras pacientes, bem comomedidas capazes de melhorar o acesso das mulhe-res negras a serviços de saúde em seus diferentesgraus de complexidade.

Taxa de mortalidade de adultos(as) – expressacomo as condições de vida influem, de modo con-tundente, na determinação da forma da morte.

A taxa de mortalidade por Aids é,atualmente, maior na população negra doque na branca. Segundo indicadoreslevantados por Luís Eduardo Batista eequipe, com base nos dados do Sistema deInformações sobre Mortalidade do Banco deDados do Sistema Único de Saúde (SIM/Datasus), a taxa de mortalidade causada porHIV/Aids foi de 10,6 mortes em 100 milmulheres brancas, enquanto para as negraseste indicador foi de 21,5 mortes por 100 mil.Entre os homens brancos, a razão demortalidade por HIV/Aids foi de 22,77 por 100mil, ao passo que para os homens negroseste indicador foi de 41,75 por 100 mil.(Paixão et al., 2004, p. 64)

Ao lado dos agravos à saúde da populaçãonegra ou à sua falta de acesso ao sistema de saúde,um dos principais fatores das altas taxas de mor-talidade de pessoas adultas no país está vinculadoao tema da violência e segurança pública. Estudode Gláucio Soares, pesquisador do Instituto Univer-sitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj),da Universidade Candido Mendes (Ucam), apon-tou que a taxa de morte por homicídios entre aspessoas brancas, em 2000, foi de 20,1 por 100mil habitantes, enquanto, para as pessoas negras,chegou a 34,6 (Soares e Borges, 2004).

Soares observou, ainda, durante o seminárioViolência e Racismo, promovido pela Ucam eocorrido em setembro de 2002:

• com base nas taxas por 100 mil habitantes,em 2001, para cada cem pessoas brancasassassinadas havia 170 negras (soma de“pretas” e “pardas”);

• se negros(as) e brancos(as) tivessem taxaidêntica de homicídios, 5.647 pessoas ne-gras não teriam sido assassinadas no Brasil,em um único ano;

• as taxas homicídios de pessoas “pretas” e“pardas” são estatisticamente diferentes.As “pretas” em 2000 tiveram taxa devitimização por homicídios 24% mais alta doque as “pardas”, indicando que a cor da peleinfluenciou o risco de ser assassinada e que,quanto mais preta, são maiores as chancesde morrer dessa forma.

Desigualdade no mercado de trabalhoA presença negra no Brasil está vinculada, deforma intensa, ao mundo do trabalho do períodoescravista à República. Ele tem sido local privile-giado de produção e afirmação da diferença e dadesigualdade entre brancos(as) e negros(as).Isso ocorre não apenas na hierarquização de posi-ções, mas também na elaboração de acessoscapazes de garantir a manutenção dessa desigual-dade no longo prazo.

O gráfico 5, elaborado por Marcelo Paixão,exemplifica tais desigualdades.

Entre os diferenciais apresentados no merca-do de trabalho, destaca-se a maior precariedade dainserção de negros(as). Tal situação repercute nãoapenas na vida cotidiana, no que se refere a dife-renciais de renda e pobreza, mas também, a longoprazo, no acesso diferenciado à previdência sociale, conseqüentemente, no maior grau de pobrezae indigência entre idosas e idosos negros em rela-ção a brancos e brancas na mesma faixa etária.

Paixão, Marcelo et al., Conferência pela promoção da igualdade racial, 2004, p. 56.

Gráfico 5 – Distribuição percentual da população ocupada de 16 anos ou mais de idadepor posição na ocupação, segundo a cor ou a raça, Brasil 2001

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Políticas públicas para reverter o quadroEm diferentes momentos da história do Brasil, oEstado definiu políticas voltadas à populaçãonegra. Na maior parte das vezes, elas se dirigi-ram à contenção e ao controle da população, pormeio de ações envolvendo fundamentalmente osaparelhos repressores do estado.

Entre as ações voltadas para a populaçãonegra ou que a envolviam prioritariamente, estão:a instituição e a extinção do tráfico transatlânticode africanos(as); a libertação de grupos espe-ciais de escravos(as), como crianças e idosos(as);e o combate acirrado às diferentes formas de orga-nização negra durante e depois da escravidão – noqual se inclui não apenas as expedições militarespara destruição de quilombos, como a proibiçãoàs organizações urbanas e rurais de cunho étnico,cultural ou religioso.

A implantação da República explicitou um viésde controle populacional para esse segmento, mar-cadamente influenciado por teorias darwinistas eeugenistas surgidas no século XIX. A presençade tais teorias no Brasil buscava dar substância aum projeto republicano que valorizava a branqui-tude e a “pureza” racial, manifestando desejos delimitação ou extinção da população negra, para aprodução de um país branco (“belo e puro”, comoafirmou Silvio Romero).

Nesse capítulo, incluem-se iniciativas que vãodesde a importação e o estímulo ao desenvolvi-mento econômico e ao enraizamento cultural depessoas brancas européias (ou quase brancas,como as japonesas, judias, árabes, entre outras)às ações de eliminação física de negros(as), pormeio do controle da capacidade de procriaçãodas mulheres, da indisponibilidade ou disponibi-lidade precária e insuficiente de mecanismos decontenção de epidemias e outros agravos, comosubnutrição, doenças diversas e miséria. Soma-se a esses danos, o assassinato maciço de ho-mens negros, para além das altas taxas de mor-talidade infantil.

É preciso ressaltar, ainda, outro forte viés dapolítica de controle da população negra: o livreacesso das polícias a suas casas e comunidades,de modo violento e muitas vezes letal. Além disso,esse contingente é sistematicamente excluído doacesso às demais políticas e serviços disponibili-zados pelo Estado ao restante da população (no-tadamente, as pessoas brancas).

De fato, o que se afirma aqui é a desigualdaderacial como fruto de políticas estatais intensivas,que têm atacado mulheres e homens negros aolongo dos séculos no Brasil, na maior parte doscasos, com a conivência dos demais segmentossociais. A apropriação do Estado por grupos espe-cíficos tem significado a produção de políticasadequadas aos desejos e às necessidades de bran-cos e brancas (em que pese a força do sexismo).Essa apropriação tem sido o motor e a garantiados privilégios desses segmentos, não impor-tando os regimes políticos em voga.

Assim, visto a partir de sua capacidade deproduzir condições adequadas de sobrevivência

a determinados grupos, o Estado brasileiro é reco-nhecido como capaz de atender a necessidadesditas específicas. Esse reconhecimento abre cami-nho para a construção de um conceito de univer-salidade e de caráter público das políticas, fun-dado no empreendimento de ações diferenciadasvoltadas para necessidades diversas de gruposespecíficos, mas buscando atender ao princípioconstitucional da isonomia.

Cabe ressaltar que a construção do conceitode políticas públicas como direito de todas aspessoas, formalizado na Constituição de 1988,em muito se beneficia dos debates e da mobili-zação criada pela luta anti-racista e das propos-tas de promoção de igualdade racial. No entanto,o pleno significado de universalização que daíemerge não está disponível até o momento àpopulação negra.

Ações afirmativasAs iniciativas de promoção da igualdade racial viapolíticas públicas, a rigor, deveriam debruçar-sesobre diferentes aspectos, considerando a multi-plicidade de mecanismos racistas presentes nasmais variadas esferas, dentro e fora das políticaspúblicas. Para muitos desses aspectos, dados têmsido produzidos e apresentados, capazes de fun-damentar estratégias e políticas capazes de rever-são da condição de desvantagem com que a popu-lação negra participa da sociedade brasileira e doacesso aos bens produzidos.

Uma perspectiva importante, porém não ex-clusiva, é a que aponta como condição o desen-volvimento de ações afirmativas, consideradoprincípio constitucional em 2001 pelo SupremoTribunal Federal. Conforme fartamente divulgado,tem o objetivo de tratar desigualmente os desi-guais, como forma de superar desvantagens epossibilitar a igualdade.

Entre as diferentes ações necessárias paraconfrontar as desigualdades raciais, por meio depolíticas públicas, nós, ativistas, apontamos:

• redistribuição e integração dos recursos definanciamento, de infra-estrutura e pessoalenvolvidos na formulação e implementaçãodas políticas, de modo a contemplar, priori-tária e adequadamente, aquelas capazes dereverter as desigualdades;

• desenvolvimento de processos educativoscapazes de levar em conta a necessidade desuperação do racismo no sistema educacio-nal, em seus mecanismos de desenvolvi-mento e nas relações sociais como um todo,até mesmo com a implementação de açõesafirmativas voltadas à população negra;

• estabelecimento de condições igualitáriasde acesso à saúde, pelo reforço ao SistemaÚnico de Saúde (SUS) e pelo preparo conti-nuado deste para atender adequadamenteaos agravos mais comuns entre a populaçãonegra, além de fomentar, de modo perma-nente, mecanismos de enfrentamento doracismo institucional;

• definição de medidas de eqüidade, visandoà distribuição não-racial das oportunidadesde trabalho, no campo da macroeconomia,combinadas a ações de superação do acessodesigual ao mercado de trabalho;

• acesso a infra-estrutura, incluindo habitação,saneamento, transporte, direito à terra urbanae rural, entre outros, de modo a possibilitarpatamares aceitáveis para o desenvolvimentoeconômico e social das comunidades negras;

• acesso à justiça, considerando o enfrenta-mento do racismo entranhado nos meca-nismos judiciários, traduzido na presençamajoritária de negros e negras em prisões,com penas mais extensas, comparativa-mente à reclusão e à condenação de brancos ebrancas pelos mesmos crimes. Ao mesmotempo, negras e negros têm tido bloqueadoseu acesso às medidas reparatórias das vio-lações de seus direitos;

• ampliação ou redefinição do conceito de de-mocracia, para além do jogo político que atéo momento privilegia brancos e brancas. Issoimplica não apenas a definição de políticascapazes de atuar na reversão das desigual-dades raciais, mas também a efetiva partici-pação da população negra como interlocu-tora, formuladora e gestora dessas políticas;

• aprofundamento do diagnóstico das dispari-dades e da extensão do racismo. Apesar dadisponibilidade crescente de dados sobre asdesigualdades raciais, serão necessáriasnovas modalidades de investigação que pos-sibilitem o aprofundamento das análises,para além da profusão de dados. O racismoe a extensão de seus impactos individuais ecoletivos sobre pessoas negras, brancas edemais grupos da sociedade ainda demandamestudos capazes de substanciar medidas dereparação e superação;

• monitoramento e análise dos impactos daspolíticas públicas no enfrentamento das desi-gualdades raciais, via produção de indica-dores específicos, de modo que os resultadossejam compatíveis com os compromissos derealização de direitos;

• realização de campanhas de mídia e outrasde reeducação da sociedade, com o objetivode confrontar o racismo nas esferas simbóli-cas e na produção de um ambiente compro-metido com a superação das desigualdades;

• incremento da cooperação internacional, re-conhecendo-se que o racismo e as iniciativasde sua superação não se restringem a umúnico Estado nacional. O diálogo e a açãocooperativa entre Estados e sociedades éfundamental para a produção de novos pata-mares de atuação criativa.É importante salientar que as políticas devem

incorporar a perspectiva da transversalidade docombate ao racismo e o princípio de ação afirmativacomo parte da gestão. Ou seja, as administrações

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públicas nos diferentes níveis devem criar meca-nismos de incorporação de negras e negros emseus quadros, incluindo os cargos de chefia.

Outra necessidade é a produção de informa-ções e a divulgação contínua de dados, relatóriose elementos capazes de explicitar para gestoras egestores públicos e a população o compromissopermanente do Estado com o combate às desi-gualdades raciais.

O que foi feito nos últimos dez anosÉ preciso reconhecer que datas, eventos e efe-mérides não são suficientes para a ação contun-dente no enfrentamento do racismo. Trata-se,portanto, de reconhecer e destacar o carátersistêmico e continuado da luta contra o racismo.É a partir dessa perspectiva que empreendemosa análise dos efeitos da 3ª CMR no Brasil.

A convocação da 3ª CMR significou umaoportunidade inédita de mobilização do Estadobrasileiro e da sociedade civil em torno dos temasrelacionados ao racismo, permitindo não só umaobservação de sua incidência no país, mas tam-bém um olhar sobre a diáspora africana, em espe-cial na América Latina e no Caribe. As análisescompartilhadas por diferentes vertentes do mo-vimento de mulheres negras e do movimentonegro apontavam para uma oportunidade únicade confronto do racismo, por meio da mobili-zação maciça em torno do Estado e dos demaissegmentos da sociedade civil, para a produçãode ações efetivas capazes de alterar a vida dapopulação negra. Na compreensão de muitaspessoas, era dar o passo adiante dos resultadosproduzidos pela Marcha Zumbi dos Palmares, em1995, e demandar do Estado soluções mais efeti-vas de combate ao racismo.

Desde então, organizações de mulheres ehomens negros passaram a delinear uma agendaintensa para a participação expressiva do país –governo e sociedade – na conferência, passo im-portante para a produção de resultados nacionais.Uma estratégia definida por setores das organi-zações negras que também deve ser destacadafoi a de incluir no processo a mobilização da po-pulação branca, suas organizações e outros movi-mentos sociais até então ausentes ou que tiverampresença limitada na luta anti-racismo.

Diferentes setores avaliam que, de fato, o pro-cesso e os acordos da 3ª CMR vieram a significar,antes de tudo, a ampliação dos espaços de dis-puta contra o racismo, bem como a mobilizaçãode novos atores e a inserção em novas estruturasestatais. Para analisar os passos dados desdeDurban até aqui, é interessante debruçarmo-nossobre dois diferentes aspectos da ação: o quese refere às políticas estatais e o relacionado àsociedade civil.

No campo das políticas públicas, o processode Durban e seus acordos abarcam os governosde Fernando Henrique Cardoso e de Luiz InácioLula da Silva. O governo FHC participou efetiva-mente da conferência na África do Sul, tendo ne-gociado e ratificado as propostas apresentadas.

Em 1995, FHC já afirmava, em seu discurso deposse, o reconhecimento da vigência de problemasespecíficos enfrentados pela população negra nasociedade brasileira.

Confrontado diretamente pela mobilizaçãoprovocada pela Marcha Zumbi dos Palmares, ogoverno FHC tomou, no período entre 1995 e2002, uma série de medidas para a produção derespostas estatais à desigualdade racial. Entreelas, devemos assinalar a criação do Grupo deTrabalho Interministerial (GTI) para Valorização daPopulação Negra, vinculado ao Ministério da Jus-tiça, formado por oito representantes de diferentesministérios e oito da sociedade civil. Esse grupo,lançado em 20 de novembro de 1995 e instalado

em fevereiro de 1996, teve como atribuição desen-volver propostas de ação para a igualdade racial.2

Também no período, o poder judiciário em-preendeu medidas relativas a ações afirmativasna contratação de serviços de terceiros, com cotade 20% para negros e negras (Tribunal Superior doTrabalho e Superior Tribunal Federal). Além disso,

2 Suas atividades foram organizadas em subgrupos para otrabalho em 16 áreas: informação (quesito cor); trabalhoe emprego; comunicação; educação; relaçõesinternacionais; terra (remanescentes de quilombo);políticas de ação afirmativa; mulher negra; racismo eviolência; saúde; religião; cultura negra; esportes;legislação; estudos e pesquisas; e assuntos estratégicos.

Levantamento empreendido por Marcelo Paixãoe colaboradoras (2004, p. 93-96) aponta 41medidas no âmbito do poder executivo, duranteo governo FHC, distribuídas por nove ministé-rios – Educação, Relações Exteriores, Cultura,Saúde, Justiça, Desenvolvimento Agrário, Plane-jamento, Orçamento e Gestão, Trabalho e Em-prego – e a Secretaria de Comunicação da Presi-dência da República.

Entre as medidas empreendidas durante ogoverno FHC, resultantes ou não da elaboraçãodo GTI, cabe destacar as seguintes:

• criação de Parâmetros Curriculares Nacionaispara o ensino fundamental, considerando anecessidade de valorização da população negra;

• criação do Programa Diversidade na Univer-sidade, para a promoção do acesso ao ensinosuperior de grupos excluídos, em particularas populações negras e índias;

• concessão de bolsas de estudo a negras e ne-gros para curso preparatório do Instituto RioBranco, destinado à carreira diplomática;

• articulação entre o Ministério da Cultura e o Ins-tituto Nacional de Colonização e Reforma Agrá-ria (Incra) para titulação de terras quilombolas;

• programas de ações afirmativas nos Ministé-rios da Cultura, da Justiça e do Desenvolvi-mento Agrário, com reserva de 20% de cargosde direção e assessoramento superior (DAS)para negros(as) e de contratação de serviçosde terceiros. No ano 2002, foi criado o Progra-ma Nacional de Ações Afirmativas, que abrangetoda a administração pública federal;

• elaboração de proposta de política de saúdeda população negra, que tem entre seus itens:a efetivação do Programa de AnemiaFalciforme – doença sangüínea hereditária queatinge principalmente afrodescendentes –, oapoio a pesquisas sobre o tema e o treina-mento de profissionais;

• elaboração do Manual de doenças mais im-portantes por razões étnicas na populaçãobrasileira afrodescendente;

• inclusão do quesito raça/cor nos formuláriosde Declaração de Nascidos Vivos e de Decla-ração de Óbitos;

• elaboração do Programa de Direitos Humanos,com um capítulo dirigido à população negra;

• criação de núcleo de estudo sobre raça egênero e seus impactos sobre a reformaagrária, no âmbito do Ministério do Desen-volvimento Agrário;

• estabelecimento de uma linha de estudos epesquisas sobre desigualdades raciais, discri-minação e políticas públicas entre o Pnud eo Ministério do Planejamento, Orçamento eGestão, por meio do Ipea;

• implementação de ações afirmativas no âm-bito da publicidade do governo federal e defi-nição de orientações básicas antidiscrimina-tórias na publicidade contratada;

• implementação do Programa Brasil Gêneroe Raça – Todos Unidos pela Igualdade deOportunidades, no âmbito do Ministério doTrabalho e Emprego;

• criação do Grupo de Trabalho para Eliminaçãoda Discriminação no Emprego e na Ocupação;

• inclusão do quesito raça/cor nos formuláriosde informação sobre emprego e desemprego(Relação Anual de Informações Sociais – Rais;Cadastro de Empregados e Desempregados;Plano de Qualificação Profissional – Planfor);

• assinatura de protocolo de cooperação entreo Ministério do Trabalho e Emprego e o Minis-tério da Justiça/Secretaria Nacional de DireitosHumanos, para a promoção da igualdade raciale étnica no trabalho.

Medidas adotadas nos governos FHC

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todas as instâncias judiciárias comprometeram-sea fazer cumprir os dispositivos constitucionais elegais que vedam a discriminação racial.

A característica principal do conjunto demedidas desencadeadas nesse período é a frag-mentação e sua incapacidade de produzir mudan-ças estruturais tanto no racismo institucional, queimpregna as políticas e seus diferentes órgãosexecutores, como na melhoria das condições devida da população negra. Não deixa de ser emble-mático o fato de o GTI e grande parte das medidaselencadas jamais terem sido extintos, ainda quesua operacionalidade tenha sido esvaziada aolongo dos anos de governo FHC, sem continui-dade no governo Lula.

No entanto, é preciso assinalar que as medidaspartiam de proposições elaboradas e inseridas naagenda federal pela mobilização política negra, apartir de ações que contaram com pouco – ounenhum – respaldo dos demais setores da socie-dade civil interessados em transformação.

Secretaria especialAo governo Lula, empossado em 2003, coube avantagem de assumir a direção da política nacio-nal imediatamente após a 3ª CMR e da implan-tação de diferentes iniciativas no plano federal,tendo encontrado um ambiente propício à tomadade decisões para o aprofundamento do anti-racis-mo no Brasil. Nessa época, resultados de iniciativasempreendidas no governo anterior, principalmenteestudos e pesquisas, forneciam ao governo federaluma profusão crescente de dados para fundamen-tação das ações que lhe caberiam desenvolver.Isso sem falar da intensa mobilização social, emespecial a do movimento de mulheres negras edo movimento negro, intensificada pela produçãode uma agenda capaz de permitir a eleição de umcandidato não-branco, nordestino e de baixa esco-laridade para a liderança da nação.

Nesse contexto, em março de 2003, foi cria-da, por medida provisória, a Secretaria Especialde Políticas de Promoção da Igualdade Racial(Seppir), vinculada à Presidência da República eque dá status de ministra à sua secretária, aindaque o órgão não tenha a estrutura (tampouco oorçamento) de um ministério.

Transformada na Lei 10.678, de 23 de maiode 2003, as atribuições da Seppir estão assimdefinidas:

Art. 2o - À Secretaria Especial de Políticas dePromoção da Igualdade Racial competeassessorar direta e imediatamente oPresidente da República na formulação,coordenação e articulação de políticas ediretrizes para a promoção da igualdaderacial, na formulação, coordenação eavaliação das políticas públicas afirmativas depromoção da igualdade e da proteção dosdireitos de indivíduos e grupos raciais eétnicos, com ênfase na população negra,afetados por discriminação racial e demaisformas de intolerância [...].

Os objetivos da Seppir incluem:

• promover a igualdade e a proteção dos direitosde indivíduos e grupos raciais e étnicos afeta-dos pela discriminação e demais formas deintolerância com ênfase na população negra;

• acompanhar e coordenar políticas de diferen-tes ministérios e outros órgãos do governobrasileiro para a promoção da igualdade racial;

• articular, promover e acompanhar a execu-ção de diversos programas de cooperaçãocom organismos públicos e privados, nacio-nais e internacionais;

• promover e acompanhar o cumprimento deacordos e convenções internacionais assina-dos pelo Brasil, que digam respeito à pro-moção da igualdade e ao combate à discri-minação racial ou étnica;

• auxiliar o Ministério das Relações Exteriores naspolíticas internacionais, no que se refere à apro-ximação de nações do continente africano.

Em 20 de novembro de 2003, data que marcao Dia Nacional da Consciência Negra, a Presi-dência da República instituiu, por decreto, a Polí-tica Nacional de Promoção da Igualdade Racial(PNPIR), cujo objetivo é:

Redução das desigualdades raciais no Brasil,com ênfase na população negra, mediante arealização de ações exeqüíveis a longo, médioe curto prazos, com reconhecimento dasdemandas mais imediatas, bem como dasáreas de atuação prioritária.

Tal objetivo, ainda segundo o decreto pre-sidencial, deveria ser alcançado mediante a rea-lização de objetivos específicos de defesa dedireitos, ação afirmativa e articulação temáticade raça e gênero.

Propostas da SeppirAs ações definidas pela Presidência a serem em-preendidas pela Seppir, em parceria com os demaisórgãos da administração federal e com base noorçamento já vinculado a esses órgãos, eram:

• implementação de modelo de gestão da po-lítica de promoção da igualdade racial, quecompreenda conjunto de ações relativas àqualificação de servidores e gestores públicos,representantes de órgãos estaduais e muni-cipais e de lideranças da sociedade civil;

• criação de rede de promoção da igualdaderacial, envolvendo diferentes entes federati-vos e organizações de defesa de direitos;

• fortalecimento institucional da promoção daigualdade racial;

• criação do Sistema Nacional de Promoção daIgualdade Racial:

- aperfeiçoamento dos marcos legais;

• apoio às comunidades remanescentes dequilombos;

• incentivo ao protagonismo da juventudequilombola:

- apoio aos projetos de etnodesenvolvimentodas comunidades quilombolas;

- desenvolvimento institucional em comuni-dades remanescentes de quilombos;

- apoio sociocultural a crianças e adoles-centes quilombolas;

• incentivo à adoção de políticas de cotas nasuniversidades e no mercado de trabalho;

• incentivo à formação de mulheres jovensnegras para atuação no setor de serviços;

• incentivo à adoção de programas de diversi-dade racial nas empresas;

• apoio aos projetos de saúde da populaçãonegra;

• capacitação de professores e professoraspara atuar na promoção da igualdade racial;

• implementação da política de transversali-dade nos programas de governo;

• ênfase à população negra nos programas dedesenvolvimento regional;

• ênfase à população negra nos programas deurbanização e moradia;

• incentivo à capacitação e aos créditos es-peciais para apoio ao(à) empreendedor(a)negro(a);

• celebração de acordos de cooperação no âm-bito da Área de Livre Comércio das Américas(Alca) e do Mercado Comum do Sul (Mercosul);

• incentivo à participação do Brasil nos fórunsinternacionais de defesa dos direitos humanos;

• celebração de acordos bilaterais com oCaribe, países africanos e outros de alto con-tingente populacional de afrodescendentes;

• realização de censo de servidores(as)públicos(as) negros(as);

• identificação do Índice de DesenvolvimentoHumano da população negra;

• construção do mapa da cidadania da popu-lação negra no Brasil.No documento de apresentação dessa polí-

tica nacional de promoção da igualdade racial, aSeppir afiança que:

[...] a despeito das experiências registradasanteriormente, localizadas, dispersas eprovisórias, institui-se agora, para além deuma política de governo, uma política deEstado, uma política perene que inscreve apromoção da igualdade racial como umadas prioridades da agenda política doEstado brasileiro.

Como passo adiante da Política de Promoçãoda Igualdade Racial, foi convocada uma conferên-cia nacional (Conapir), com a atribuição de estabe-lecer diretrizes a um Plano Nacional de Promoçãoda Igualdade Racial.

As ações empreendidas pela Seppir no pri-meiro ano de governo (2003–2004) são apre-sentadas no quadro a seguir, preparado segundolevantamento de Marcelo Paixão e sua equipe(2004, p. 97-98).

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Ações do governo federal para a promoção da igualdade racial, 2003–2004

AÇÕES ATIVIDADES

Apoio às comunidades remanescentes • Projeto Juventude Quilombola: Ampliando Horizontes, parceria da Seppir com a Organizaçãode quilombolas Internacional do Trabalho (OIT).

• Programa Petrobras Fome Zero, desenvolvido em dez comunidades prioritárias.

• Programa Fome Zero, em 150 comunidades.

• Programa Comunidades Quilombolas no estado de Alagoas.

• Ação Kalunga.

• Regularização fundiária, em 116 comunidades.

• Eletrificação rural, em 29 comunidades.

• Abastecimento de água e saneamento básico, em 13 comunidades.

• Programa Nacional de Agricultura Familiar, em dez comunidades.

• Projetos de desenvolvimento sustentável e geração de renda para 11 comunidades.

Inclusão e desenvolvimento econômico: • Programa de Ações Afirmativas do Instituto Rio Branco: relançamento do programatrabalho, emprego e renda para a de concessão de bolsas a candidatos(as) afrodescendentes para o curso preparatóriopopulação negra da carreira de diplomacia.

• Programa Primeiro Emprego e Projeto Empreendedores Afro-brasileiros.

• Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero e Raça, Erradicaçãoda Pobreza e Geração de Emprego. Foram firmados convênios com a região do grande ABC paulista,o estado da Bahia, o Vale do Jequitinhonha e o município de São Paulo.

• Projeto Desenvolvimento de uma Política Nacional para Eliminar a Discriminação no Empregoe na Ocupação e Promover a Igualdade Racial no Brasil.

Cultura negra e combate à intolerância religiosa • Campanhas educativas de combate ao preconceito e à discriminação: Campanha Ação Afirmativa– Atitude Positiva, em parceria com o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap)e Projeto Identidade e Resistência – 90 anos e Arte de Abdias do Nascimento.

• Projeto História e Cultura Afro-Brasileira.

• Projeto Cantando História.

• Projeto Sergipe Igual para Todos – Semear.

• Projeto A Cor da Cultura.

Produção do conhecimento • Apoio à pesquisa “Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil”, realizada pela FundaçãoPerseu Abramo.

Inclusão da população negra no sistema educacional • Programa de Inclusão da População Negra na Educação Brasileira.

• Implementação da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, referente ao ensino de história da Áfricano ensino público.

• Ações voltadas à capacitação de professores(as), tendo em vista a aplicação da Lei 10.639.

• Convênio com o Programa Diversidade na Universidade.

• Elaboração de Projeto de Lei, pela Seppir em parceria com o MEC, voltado para garantir o sistemade reserva de vagas para pessoas negras e indígenas nas instituições de ensino superior.

• Apoio à implantação, na Universidade de Brasília (UnB), do curso de pós-graduação lato sensu“Culturas negras no Atlântico”.

Saúde da população negra • Assinatura do termo de compromisso com o Ministério da Saúde para implantação da PolíticaNacional de Saúde da População Negra.

• Apoio à realização da 12ª Conferência Nacional de Saúde.

• Apoio à realização do seminário “Saúde da população negra no plano nacional de saúde: açõesafirmativas para avançar na eqüidade”.

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Poucos avançosA Seppir foi a promessa governamental do desen-volvimento de ações aprofundadas contra a discri-minação racial e a desigualdade (apesar de passarao largo, em seus textos oficiais, do confrontoideológico em torno do racismo). No entanto, jáalcançada a metade do mandato governamentalde Lula, é possível afirmar que os objetivos defi-nidos não foram e não serão alcançados, excetoparcialmente e de forma fragmentária.

O Congresso Nacional tem em tramitação,desde o ano 2000, o Projeto de Lei 3.198, apre-sentado pelo então deputado Paulo Paim, que“institui o Estatuto da Igualdade Racial, em defe-sa dos que sofrem preconceito ou discriminaçãoem função de sua etnia, raça e/ou cor, e dá outrasprovidências”. Esse projeto, atualmente com umsubstitutivo, dispõe-se a garantir novo arcabouçolegal para ações de enfrentamento da desigual-dade racial em diferentes áreas (saúde, educação,cultura, esporte, lazer, religião, mercado de traba-lho e sistema de cotas), mas até o momento nãofoi votado em definitivo. Isso apesar de o governofederal, tanto na gestão de FHC como na de Lula,ter tido maioria suficiente no legislativo capaz devotar ações para o combater as desigualdades, ea despeito de o próprio Congresso ter instituídouma frente parlamentar para tratar desses temas.

De acordo com o texto-base da 1ª Conapir,

desde a abolição da escravatura, em 1888, atéos dias de hoje, pela primeira vez, o governofederal propõe à sociedade brasileira o debatepúblico em torno da construção de umapolítica de Estado voltada para a erradicaçãodas desigualdades raciais [...]. (Brasil, 2005)

Apesar de o governo federal estar dando maiordestaque à questão racial, é preciso assinalar oexagero da afirmação e o não-reconhecimento doscréditos devidos ao movimento negro, uma vez queo debate, inaugural e abrangente, tem sido tarefaexercida por tal movimento, com exclusividade.

Não há novidade na tentativa de apagamentodas lutas sociais e na autopromoção, mas a afir-mativa feita anteriormente ocorre numa gestãoque se define como tributária e parceira da socie-dade civil. Essa desvalorização do movimentonegro marcou não só os governos FHC, como temsido característica do governo Lula, e precisaser desmascarada.

No que se refere à ação governamental pro-priamente dita para o confronto do racismo esuas conseqüências, pelos resultados apresen-tados até o momento, a palavra-chave empre-endida é a retórica.

O racismo e a produção da inferioridade degrupos populacionais baseados em critériosdifusos (fenotípicos e/ou culturais) não são novi-dade no mundo. Conforme já observamos nestetexto, eles têm sido ferramenta fundamental naconstrução das diferentes fases da repúblicabrasileira. E vêm se beneficiando de diferentesestruturas e sistemas de administração estatal,penetrando nos distintos territórios da vida so-cial, econômica e política. Como uma das bases

fundamentais para a implantação e disseminaçãodo capitalismo no mundo, o racismo estrutura amodernidade capitalista brasileira, em sua auto-afirmação democrática.

Apenas experiências-pilotoAs mudanças recentes no mundo, definidas comoglobalização ou neoliberalismo, tiveram nos gover-nos FHC e Lula aliados potentes. Fórmulas gene-ralistas e perniciosas disseminadas pelo BancoMundial e pelo Fundo Monetário Internacionalforam produzindo um quadro de privilégio do sis-tema financeiro, em detrimento de toda a socie-dade, com sacrifícios e violações de direitos inten-sificados contra os grupos populacionais subor-dinados. No Brasil e fora daqui, a população negraencabeça a lista dos mais espoliados. A regra daacumulação implica desde sempre espoliação(que outras correntes de pensamento chamavamde mais-valia), e a vantagem neoliberal é fazer issoa partir de comandos transmitidos eletronica-mente, distantes do contato face a face.

Vale recordar que essa implementação neo-liberal – dita modernizante – tem sido denuncia-da e atacada desde então por diferentes setores,até mesmo pelo movimento social anti-racista.Suas principais conseqüências são: a ampliaçãodas disparidades e a redução do espaço público eda ação do Estado. Isso ocorre por meio da reti-rada maciça dos recursos destinados às políticaspúblicas, transferindo-os de forma perniciosa parao setor financeiro, sob o eufemismo de superávitprimário, pagamento de dívida e coisas do tipo.

Se a desigualdade racial se estabelece e semantém pela distribuição seletiva dos bens públi-cos, fica visível que a manutenção das formaseconômicas que privilegiam os setores financeirosnacionais e internacionais e o aprofundamento depolíticas redutoras da esfera pública e social nospadrões das últimas décadas inviabilizam qualquerobjetivo de “redução das desigualdades raciaisno Brasil”, como se dispôs o governo Lula.

Ora, a ação estatal é o eixo fundamental noenfrentamento do racismo e da desigualdaderacial. Isso tem sido afirmado há décadas pelasorganizações negras. À medida que governosagem para a redução da esfera estatal, a partirdas fórmulas neoliberais de Estado mínimo, dimi-nuem as possibilidades de esse Estado se tornaragente de justiça e cidadania. Retrato disso sãoas reduções sistemáticas do orçamento desti-nado às políticas sociais, os contingenciamentosdas verbas e as iniciativas débeis de confronto àdesigualdade racial.

Ainda assim, é preciso reconhecer que a cria-ção de estruturas como o GTI e a Seppir significamum reconhecimento das demandas apresentadaspela população negra, bem como suas ações par-tem de proposições elaboradas pelo movimentosocial e satisfazem a alguns aspectos da luta.

Por outro lado, o conjunto de políticas em-preendidas pelos governos ao mesmo tempodesautoriza seu alegado compromisso anti-racistae pela eqüidade. Serão sempre experiências-piloto

3 Por heterossexismo, entende-se a crença de que aheterossexualidade é o único modelo possível para asrelações românticas ou sexuais.

que nunca se desdobram, iniciativas de curto es-pectro, incapazes de impactar a vida da nação, defomentar a justiça social, restabelecer a digni-dade da população negra, independentemente daretórica que utilizem.

Os desafios de DurbanA 3ª CMR é afirmada pelo movimento anti-racistacomo fundamental para o processo de alarga-mento de agendas e de aprofundamento das ações.No entanto, ela tem sido considerada apenas pornós, ativistas no Brasil e em outros países daAmérica Latina.

O neoliberalismo tem confrontado as NaçõesUnidas, como forma de desqualificar os resultados(parcos) de sua agenda social. Estão sob ataqueos direitos humanos, o desenvolvimento, os direi-tos das mulheres e das crianças e o combate aoracismo. Dirigentes das nações têm subordinadosuas agendas aos interesses dos fluxos de capi-tais instáveis, velozes, monopolizados, ao passoque países como os Estados Unidos subordinamsuas agendas militares e políticas (na verdade, aprimeira substitui a segunda) aos interesses ime-diatos das empresas.

Imediatamente ao fim da conferência deDurban, houve o ataque em Nova York, por ativistasda Al Qaeda, e muitas nações não hesitaram emtrair seus acordos recém-pactuados em nome deuma guerra de civilizações. Neste contexto, quan-tos se comprometeram com o anti-racismo?

Ao que parece, a resposta possível é a de quea sociedade não desistiu, principalmente o movi-mento de mulheres negras, o movimento negro ealguns outros movimentos sociais que, por dife-rentes maneiras, advogam o anti-racismo comoparte das ações de justiça, de eqüidade e trans-formação social. Ao mesmo tempo, continuamfazendo pressão sobre o Estado com suas deman-das, no sentido da manutenção e ampliação dosespaços já conquistados.

O maior impacto de Durban, de fato, está naação política da sociedade organizada, principal-mente no Brasil. Afinal, são poucas as agendas que,ao advogarem as lutas de transformação social,ainda resistem em incorporar o anti-racismo (ao ladodo anti-heterossexismo3) como fundamento da ação.

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer queo processo da conferência permitiu tensionar umpouco mais governos dos diferentes níveis, apesarde suas respostas serem ainda pífias. A sociedadecivil não-negra também necessita ir além e radi-calizar nas ações adequadas aos compromissosassumidos. No entanto, novas alianças nos apa-relhos de Estado, bem como na sociedade, têmsido realizadas, possibilitando a ampliação doambiente comprometido com a ação de mudança.Além disso, deve-se à movimentação de Durban a

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potencialização de propostas de ações afirmativas,que, neste momento, impactam as universidadesbrasileiras e reduzem um pouco a margem de atu-ação das pessoas privilegiadas.

Aproxima-se a reunião das Nações Unidaspara a análise dos ganhos produzidos pelos acor-dos da 3ª CMR. A participação do Brasil deveráser desenvolvida com cuidados por parte da socie-dade civil, em razão da simples constatação deque, se acompanharmos o comportamento dosindicadores socioeconômicos da população negradesde Durban até hoje, é possível dizer que suasituação se manteve estável ou piorou.

No entanto, na perspectiva do simbólico, aexistência da Seppir (com seu quadro majorita-riamente negro), o reatamento das relações como continente africano, o perdão pela escravidão eoutras medidas do atual governo fazem parecerque algo está sendo feito. E está. Contudo, a aná-lise dos números, tão ao gosto da facção econo-micista da gestão federal, exige muito mais doque gestos simbólicos.

A desigualdade racial ocorre em ambos osplanos, material e simbólico, é verdade. Mas é nocampo da sobrevivência material que se está pro-duzindo a maior quantidade de mortes e maissofrimento. Portanto, a conivência com a retóricagovernamental deve ser fortemente desautorizadapor todas e todos.

E mais, quando se avizinha a Marcha Zumbidos Palmares + 10, ou seja, a intensificação damobilização das organizações negras em direção àcapital federal, de forma maciça, é preciso que ojoio seja separado do trigo. É o que estamos fa-zendo. A marcha é e será uma resposta às mano-bras diversionistas e à retórica governamental paraencobrir a traição das causas sociais e da causaanti-racista em particular. Mais uma vez, e comosempre, a população negra seguirá em busca deum novo pacto. O lado de lá que se prepare.

ReferênciasBRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos de textos básicos

do Seminário Nacional de Saúde da População Negra.Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Seppir. Estado e sociedade: promovendo aigualdade racial. 2005. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/seppir/conferencia_base.pdf>.Acesso em: 25 set. 2005.

IPEA. Radar social. 2005. Disponível em:<www.ipea.gov.br/Destaques/livroradar.htm>. Acessoem: 25 set. 2005.

PAIXÃO, Marcelo et al. Conferência pela promoção daigualdade racial. 2004. Disponível em: <http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0339.pdf>. Acessoem: 25 set. 2005.

PNUD; CEDEPLAR. Atlas racial brasileiro. 2004. Disponívelem: <http://www.pnud.org.br/publicacoes/atlas_racial/index.php>. Acesso em: 25 set. 2005.

SHICASHO, Sônia Tiê (Org.). Desigualdade racial:indicadores socioeconômicos, Brasil 1992–2001.Brasília: Ipea, 2002

SOARES, G. A. D. ; BORGES, D. A cor da morte. CiênciaHoje, Rio de Janeiro, v. 35, n. 209, p. 26-31, 2004.

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Violência, insegurança e cidadania: reflexões a partirdo Rio de Janeiro

Particularismo e intolerância vêm marcando a percepção social sobre os direitos de cidadania e estimulando uma crescente

segmentação do território urbano. No caso da cidade do Rio de Janeiro, a atribuição de um vínculo social e moral entre

moradores(as) de favelas e o crime violento reedita o tema das “classes perigosas”, renovando e aprofundando velhos

estigmas, e altera significativamente o lugar das favelas e das pessoas que habitam a cidade.

Márcia Pereira Leite*

Desde meado da década de 1980, a violência asso-ciada ao tráfico de drogas vem crescendo emfreqüência e intensidade nas grandes cidades bra-sileiras. Assaltos, roubos, seqüestros, tiroteios ebalas perdidas somam-se a homicídios de jovens,1

rebeliões em presídios e instituições de jovensinfratores(as), paralisações do comércio, escolase serviços públicos por ordens de bandidos, mui-tas vezes emitidas do interior de prisões de “altasegurança”. Experimentados diretamente pelapopulação ou compartilhados pela mídia, essesatos geram a percepção e o sentimento de que,doravante, a vida nas metrópoles só será possí-vel sob o domínio do medo, o cerceamento dasociabilidade, o controle dos territórios e o enco-lhimento do espaço público,2 produzindo estadosde opinião que encontram tradução nas metáfo-ras de guerra e de cidades partidas, amplamentedifundidas nas referências à violência urbanaem nosso país.

No Rio de Janeiro da década de 1980, os ele-vados índices de violência expressavam o novoperfil do tráfico de drogas, que se conectara aoscartéis internacionais para promover a entrada decocaína em larga escala no mercado brasileiro.Desde então, o tráfico de drogas tornou-se umnegócio oligopolizado que movimenta bilhões de

* Socióloga e professora da Universidade do Estado doRio de Janeiro (Uerj).

1 “Educação de jovens em situação de risco”, pesquisarealizada pelo Viva Rio com base nas estatísticasoficiais, revelou que, em 2001, 65% das mortes derapazes de 15 a 19 anos, na cidade do Rio de Janeiro,foram provocadas por armas de fogo. O risco de umjovem dessa faixa etária ser assassinado no Rio équatro vezes maior do que na média do conjunto demoradores e moradoras, especialmente se pobre, negroou mestiço, morador de favela e com algumaproximidade das redes de tráfico, como indicou apesquisa pioneira de Soares e colaboradores (1996).

2 Ver, por exemplo, os artigos reunidos no excelentevolume organizado por Ribeiro (2004) e o balançoefetuado por Lago (2005).

dólares e envolve sofisticados circuitos de comer-cialização no atacado e de lavagem de dinheiro,além de se articular ao tráfico de armas. Com aalta lucratividade da distribuição de drogas, osconfrontos armados entre quadrilhas rivais pelospontos de venda e os embates desses bandoscom a polícia tornaram-se freqüentes, levando-osa desenvolverem estratégias de controle cadavez mais estrito sobre os territórios onde essaponta de distribuição se concentrou – favelas,conjuntos habitacionais, loteamentos clandes-tinos, bairros pobres e periféricos – e sobre suapopulação residente.

As razões dessa concentração vão desde ascondições morfológicas – no caso das favelascariocas, seus traçados de ruas labirínticos, dedifícil acesso às partes mais internas ou elevadase, quando situadas em morros, sua excelentevisibilidade das ruas (Silva, 2002) – até sua con-dição de territórios quase desérticos de insti-tuições estatais e serviços públicos que mate-rializem um efetivo acesso de seus moradorese moradoras à cidade.3

Neste cenário, o medo do crime violento as-sociou-se ao aumento do preconceito e da discri-minação em relação à população que vive nessesterritórios, gerando apoios, mais ou menos explí-citos, de consideráveis segmentos das camadasmédias e abastadas e setores da mídia, a políti-cas repressivas de segurança pública, que pres-supõem a incompatibilidade entre resultados efi-cientes no combate à violência urbana e respeitoaos direitos civis de moradores e moradoras dosterritórios favelados. Assim, vêm se renovando eaprofundando as barreiras para seu pleno direitoà cidade e à cidadania.

3 Essa questão parece ser hoje – mais do que a dapropriedade, que é muito diversa nas próprias favelas– um dos principais elementos a definir na percepçãosocial uma mesma condição que aproxima, naqualidade de territórios favelados (como adiante merefiro indistintamente a esses locais), conjuntoshabitacionais, loteamentos clandestinos, bairrospobres e periféricos e favelas.

É sobre este tema que me detenho nesteartigo. Analiso o lugar das favelas e de seushabitantes no Rio de Janeiro, demonstrando suaestreita vinculação ao particularismo e à intole-rância que vêm marcando a percepção social sobreos direitos de cidadania e à crescente segmen-tação do território urbano. Examino algumas for-mulações de moradores(as) de favelas e dirigen-tes de suas organizações comunitárias (igrejas,associações, grupos de mulheres e de direitoshumanos) sobre suas experiências com as diver-sas modalidades de violência em seus locais demoradia, isto é, com o terror e a violência pratica-dos tanto por quadrilhas de traficantes de drogascomo por grupos policiais em tese dedicados aseu combate. Por fim, indico muito brevementealguns cursos de ação que esse contexto tornavirtualmente possíveis, considerando-os comodesafios para uma democratização substantivada vida social.

O foco no Rio de Janeiro deve-se não só arazões de tempo e espaço, conforme é usualalegar em textos desse tipo, mas à minha escolhapor realizar pesquisas qualitativas que, ouvindoa população mais vulnerável à violência – mo-radores e moradoras dos territórios favelados –,4

possa trazer outras vozes ao debate público sobreviolência e insegurança. E ainda ao rendimentoanalìtico de tomar a cidade como caso exemplar,sem deixar de considerar alguns estudos queanalisam, com profundidade e consistência, dinâ-micas correlatas em outras metrópoles brasilei-ras. Entretanto, pela visibilidade e ressonância quea criminalidade violenta alcançou no Rio de Janeiro,a cidade representa hoje uma espécie de labo-ratório de políticas relacionadas aos conflitos urba-nos e à segurança pública no país.

4 Refiro-me aos depoimentos recolhidos nas pesquisassobre violência, cidadania e ação coletiva que venhorealizando desde 1999: entrevistas com cerca de 80moradores(as) e lideranças de favelas, registros desuas falas em diversas reuniões, fóruns demovimentos sociais e atos públicos, bem comoentrevistas em jornais e sites de ONGs e demovimentos sociais

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Entre medos e metáforasAs favelas são um fenômeno antigo na cidade doRio de Janeiro. As primeiras surgiram no fim doséculo XIX, quando a população de baixa renda,que não tinha condições de pagar aluguéis nossubúrbios, nem o transporte cotidiano para o tra-balho, começou a ocupar os morros próximos àsfábricas, ao comércio e/ou às habitações das ca-madas médias e abastadas, em busca de emprego.Cronistas, reformadores sociais e administradorespúblicos foram os primeiros a produzirem relatossobre as favelas, construindo uma imagem nega-tiva que até hoje perpassa pelo imaginário dacidade. Elas foram representadas como locus dapobreza e da marginalidade. Os relatos enfatiza-vam a degradação sanitária do local, associando-aàs características das pessoas que as habitam.Argumentavam que só se adaptariam àquele am-biente pessoas moralmente degradadas, ou seja,malandros, prostitutas, indivíduos que recusavamo trabalho honesto, não aceitavam as normassociais, desafiavam as leis e as autoridades pú-blicas. Envolveriam, portanto, um potencial deviolência e ruptura passível de ser atualizado aqualquer conflito (Valladares, 2000).

Mesmo consideradas um problema social eestético, estigmatizadas, proibidas e, algumasvezes, removidas, as favelas expandiram-se emnúmero de unidades, domicílios e população resi-dente. De 1940 a 1980, quando o país experimen-tou o “ciclo de ouro” de sua industrialização, o cres-cimento das favelas estava fortemente associado àmigração interna.5 As favelas eram praticamentea única alternativa de moradia para a populaçãorural que chegava à cidade sem possibilidade dese inserir em seu mercado formal de habitação.Migrantes ocupavam uma área ainda pouco habita-da, alugavam “barracos” ou moravam de favor nacasa de familiares instalados em favelas maisconsolidadas. Já na década de 1990, com o esgota-mento desse modelo, o crescimento do número defavelas e de sua população residente desvinculou-se do êxodo rural, encontrando sua dinâmica nasaltas taxas de desemprego6 e no empobrecimento

5 As políticas de modernização capitalista promovidaspelo Estado brasileiro, no período, estimularam umaforte corrente migratória das regiões Norte e Nordeste parao Sul e o Sudeste (grandes e médias cidades), oferecendoaos(às) migrantes o sonho de acesso aos benefícios deuma sociedade desenvolvida pelo trabalho árduo e apossibilidade de mobilidade social para os(as)descendentes que se integrassem ao sistema educacional.A participação de migrantes na população das favelas dacidade alcançou 62% em 1950, declinando para 53%em 1960 e 48% em 1970 (Leite, 2001; Ribeiro, 1996).

6 Em 2001, a taxa de desemprego no estado do Rio deJaneiro atingiu 12,2% contra 9,4% da média nacional,incidindo particularmente sobre mulheres,afrodescendentes, jovens e pessoas menosescolarizadas: 16% da população economicamente ativa(PEA) feminina, 14,4% da PEA negra e 25% do universode jovens entre 15 a 24 anos. A média de anos deestudo de desempregados(as) é inferior a oito anos(ensino fundamental incompleto) (Iets, 2002).

da população urbana.7 Atualmente, cerca de 20%dos 5.858 mil da cidade do Rio de Janeiro moramem suas 752 favelas.8

Políticas de urbanização das favelas vêm sen-do desenvolvidas, de modo intermitente, desde adécada de 1980.9 Ainda hoje, entretanto, os equi-pamentos e serviços urbanos não foram universa-lizados nas favelas e sua qualidade é consideravel-mente inferior à proporcionada nas áreas formais(bairros) do Rio de Janeiro. Além disso, seu fun-cionamento, sua generalização e/ou sua expan-são ainda estão, muitas vezes, condicionados apolíticas clientelísticas tradicionais no país (Silva,1967). A população residente em favelas é consti-tuída, em sua maioria e apesar de sua conhecidaheterogeneidade (Preteceille e Valladares, 1999),de trabalhadores e trabalhadoras pobres e semqualificação profissional, analfabetos(as) ou compoucos anos de estudo, cuja fragilidade no mer-cado de trabalho revela-se nas altas taxas dedesemprego e em sua inserção marginal e/outemporária no trabalho informal, com baixos sa-lários/renda, sem proteção legal e sem acessoaos direitos sociais.

Sua cidadania é precária: não lhes são ga-rantidos os direitos à habitação, ao saneamento,ao lazer e à cultura, nem o pleno acesso à justiça.À urbanização deficiente nesses locais soma-se ainexistência do reconhecimento e da proteção deseus direitos civis,10 uma vez que não há umsistema permanente e eficiente de segurançanas favelas que reconheça sua dignidade comopessoas e se volte para a proteção de suas vidas,liberdades e posses.

Essa função foi delegada pelo Estado, emmeado do século passado, às associações demoradores; a polícia no máximo permanecia naentrada das favelas com o claro objetivo de pro-teger os bairros das favelas. Hoje, não se trata dedizer que o Estado esteja ausente das favelas.Mas sua presença caracteriza-se pela prestação

7 Dados de 2001 revelam que 23% da população doestado do Rio de Janeiro tem renda familiar per capitaabaixo da linha de pobreza, isto é, inferior aonível mínimo necessário à satisfação das necessidadesbásicas; enquanto cerca de 8% se encontram abaixo dalinha de indigência, pois sua renda é inferior ao custode uma cesta básica suficiente para as necessidades deconsumo calórico mínimo de um indivíduo. Quanto àconcentração de renda, mostram que, no estado do Rio,os 40% mais pobres retêm cerca de 9% da renda, aopasso que os 10% mais ricos apropriam-se deaproximadamente 46% da renda total (Iets, 2002).

8 Dados do Cadastro de Favelas do Instituto PereiraPassos, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

9 Sobre o tema, ver a excelente análise de Burgos (1998).

10 Refiro-me às liberdades e aos direitos civis instituídospela Constituição brasileira de 1988, que foramsintetizados no relatório da pesquisa Lei, Justiça eCidadania como consistindo nos direitos “àinviolabilidade do lar, ao ressarcimento de danosinfligidos à pessoa, à honra e à propriedade, liberdadede circular em paz, direito ao tratamento respeitoso porparte das autoridades e de outros cidadãos, à igualdadeperante a lei e a uma justiça rápida e acessível”(Carvalho et al., 1997, p. 4).

de serviços de baixa qualidade, pela cooptaçãodas lideranças de favelas, pelo clientelismo e ine-ficiência das instituições estatais, pela brutali-dade policial e desrespeito aos direitos civis deseus habitantes, que não têm reconhecido e ga-rantido seu estatuto de cidadania (Miranda eMagalhães, 2004; Silva, 2002).

Tráfico de drogas, violência e estigmaAté o fim da década de 1980, a representaçãonegativa das favelas como locais da pobreza e damarginalidade era contrabalançada por sua valo-rização como berço do samba, do carnaval e dacultura popular. A partir da década de 1990, entre-tanto, quando as favelas passaram a ser temati-zadas sobretudo pela violência e pela inseguran-ça que trariam aos bairros, adensaram-se os es-tigmas sobre seus moradores e suas moradoras.O aumento do número de habitantes nesses lo-cais e mesmo seu trânsito pelas áreas em tornoforam recebidos como ameaças de favelização dacidade. Criminalizada por nelas residir, a popula-ção favelada foi aproximada dos bandidos em umalógica que considera sua convivência forçada combandos de narcotraficantes como sintoma de co-nivência. A submissão à lei do tráfico foi percebi-da na forma de uma escolha entre esta e a lei dopaís, como uma opção por um estilo de vida querejeitaria as normas e os valores da ordem socialem uma reatualização das formulações do iníciodo século passado.11

Essa interpretação desconhece ou naturalizao despotismo do tráfico sobre a população resi-dente nas favelas, tematizando a violência na/dacidade como “os conflitos do morro chegando aoasfalto”, especialmente a ocorrência de crimes, osconfrontos entre a polícia e os bandidos e a inci-dência das “balas perdidas” nas ruas dos bairros.Por isso mesmo, as soluções propostas usual-mente restringem-se a exigir “mais segurança”.Esse é um eufemismo que se traduz não só emreforma e reaparelhamento da polícia, mas na rejei-ção a políticas de direitos humanos e no apoio apolíticas repressivas de segurança pública quepressupõem a incompatibilidade entre resultadoseficientes e respeito aos direitos civis dos(as) habi-tantes das favelas, o que é muitas vezes referidocomo políticas “mais duras” para criminosos(as)e suspeitos(as) em geral.

Além disso, demandam o reforço às frontei-ras territoriais, sociais e morais entre esses doisespaços, seja pela renovação das propostas deremoção das favelas das áreas “nobres” da cidade,seja pela alocação de grandes efetivos policiaisnas entradas dos territórios favelados e formasdiversas de vigilância e limitação do trânsito de

11 Embora eventualmente recorram a mecanismos de favor,ajudando moradores e moradoras das favelas em suasnecessidades mais prementes, os chefes das quadrilhasexercem um poder despótico sobre essa população,designado como a lei do tráfico: dirimem conflitos detodo tipo, impõem-lhes o silêncio sobre suas atividadese a obediência incondicional.

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seus(suas) moradores(as) pelos bairros, ou aindapela privatização de espaços públicos como formade evitar contato com essa população.12

A representação das favelas como territóriosda ilegalidade e do crime propicia ainda a legiti-mação da política dos órgãos de segurança pú-blica do Rio de Janeiro no sentido de promoveruma “guerra” contra as favelas (e não simples-mente às quadrilhas de traficantes ali sediadas,nem mesmo ao narcotráfico em seu conjunto).Tal política caracteriza-se pela corrupção e bruta-lidade policiais, além de se traduzir em desres-peito sistemático aos direitos daquela população.Isso é usualmente explicado pelas autoridadespúblicas como “excessos”, lamentáveis, mas ine-vitáveis em uma “situação de guerra”.13

Outro lado da atividade policial é o extermí-nio de bandidos, meninos(as) de rua e de jovensfavelados(as) tomados(as) como suspeitos(as) deenvolvimento em redes de droga. Grande parte des-ses crimes permanece impune, a despeito dos es-forços de muitos de seus familiares que se mobi-lizam, protestando contra a violência policial, de-nunciando presumíveis culpados(as) e exigindojustiça.14 Para além da ineficiência e corrupção doaparato policial e da lentidão do judiciário, a im-punidade prospera com a diferença de tratamentoe repercussão dos episódios violentos ocorridoscom moradores(as) das favelas e com moradores(as)dos bairros no restante da cidade.

Como pude verificar em pesquisas anterio-res (2001; 2004), são bastante diversos: o des-taque que lhes confere a mídia, a indignação epostulação por justiça que despertam, a solida-riedade às vítimas e/ou aos familiares que envol-vem, o compromisso e empenho dos poderespúblicos com a apuração e a punição dos respon-sáveis que acarretam, e as mobilizações sociaisque suscitam.15 As vítimas e as pessoas de suafamília, quando provenientes dos territóriosfavelados, encontram na criminalização préviada população ali residente o viés que marca elimita a atuação da burocracia do Estado emrelação a suas queixas e exigências quanto ainquéritos, procedimentos e reparações, usual-mente respondidas com indiferença, desrespeito

12 Sobre os pontos destacados, ver os estudos de Caldeira(2000), para o caso de São Paulo, e de Leite (2001),Mello (2001) e Ribeiro (2003), para o Rio de Janeiro.

13 Para a análise de alguns casos, ver Leite (1995; 2001).O número de mortos em confrontos com as políciasmilitar e civil subiu de 397 (em 1998) para 834 (em 2002),evidenciando o que há muito se sabe: a polícia do Rio éuma das que mais matam no Brasil, pois o confrontodireto é a estratégia privilegiada para combater acriminalidade. Dados do Anuário Estatístico do Núcleode Pesquisa e Análise Criminal da Secretaria deSegurança Pública do Estado do Rio de Janeiro,divulgados pelo Jornal do Brasil em 30 de dezembro de2002. Para a apresentação e discussão das estatísticasrelativas a homicídios no Brasil e no estado, ver Cano(2003) e Ramos e Lemgruber (2004).

14 Consultar sobre o tema os artigos reunidos emBirman e Leite (2004) e os casos descritos em JustiçaGlobal (2004).

e descompromisso, na certeza de que se tratamde demandas espúrias de pessoas praticamentetidas como não-cidadãs.

A visão de quem vive nas favelasA população que vive nas favelas ressente-se doslimites (sociais, simbólicos, mas também impos-tos pelas forças policiais) à sua circulação na ci-dade (como o impedimento de freqüentar deter-minadas praias, ruas, praças, shoppings etc.) e àconvivência com moradores e moradoras dosbairros.16 Critica, sobretudo, o estigma e os pre-conceitos que inspira e a criminalização de suasações coletivas daí decorrentes. Reconhece queas quadrilhas de traficantes de drogas fizeram dasfavelas um território privilegiado da violência,mas recusa-se a deixar que as favelas sejam re-sumidas pela violência e pelo tráfico de drogas.A polícia, que sobe os morros para combateras quadrilhas sem o cuidado de proteger quemlá vive e/ou que se associa ao tráfico e recebesuas propinas, é apresentada como um dos pro-dutores de violência.

Essas práticas tornam corriqueira a formu-lação que ouvi de inúmeros(as) moradores(as)de favelas: “Não é que a gente goste dos trafican-tes, mas a gente não confia na polícia”. A banali-zação da frase não deve ocultar a simplicidadebrutal do diagnóstico que realizam sobre seulugar na cidade e na sociedade em que vivem.Não podem confiar em uma política de segu-rança que não os(as) contempla, em agentesdo Estado que neles(as) não reconhecem qual-quer dignidade humana, não consideram nem

15 Várias pesquisas, realizadas nas duas últimas décadas,revelam a relação entre o crescimento da violência e dainsegurança e a emergência de um pensamento que,distanciando-se dos temas da solidariedade e da justiçasocial que presidiram a ampliação da cidadania nassociedades modernas, é refratário à garantia da cidadaniada população favelada quando se coloca em questão, realou retoricamente, o combate à violência. O caso do Rio deJaneiro – ver Leite (2001) – encontra correspondência emoutras grandes cidades brasileiras como São Paulo,conforme demonstram os estudos realizados por Caldeira(2000), Pierucci (1987) e Zaluar (1995). Os resultadosda pesquisa Lei, Justiça e Cidadania são elucidativos aesse respeito, ao mostrarem como coexistem, na RegiãoMetropolitana do Rio de Janeiro, o desconhecimentopor parte dos(as) cidadãos(ãs) de seus direitos e dasgarantias legais e uma percepção dos direitos dasoutras pessoas que admite a violação dos direitos civissob o argumento do controle da criminalidade: 63,4%dos(as) entrevistados(as) concordam totalmente (e 6,9%tendem a concordar) que os bandidos não devem terdireitos respeitados; 51,8% toleram linchamentos,mesmo quando consideram errado esse tipo deviolência civil (40,6%). Por fim, 40,4% justificam o usode métodos violentos para confissão de suspeitos(as)em alguns casos, ao passo que 4,1% justificam semprea violência policial. Esses dados indicam “um fortecompromisso com uma idéia mínima de direito civil (aintegridade física de pessoas sob a guarda do Estado)”(Carvalho et al.,1997, p. 44).

16 Para exemplos desses processos no Rio de Janeiro, emSão Paulo e em Belo Horizonte, além da bibliografiaanteriormente indicada, consultar respectivamente Leite(2001), Ferreira (2004) e Andrade (2004).

protegem sua cidadania e cuja presença no terri-tório, eventual e agressiva, se faz sempre contraos(as) moradores(as).

Criticando as teses da convivência dos(as)habitantes de favelas com a criminalidade violenta,muitas pessoas entrevistadas, especialmente diri-gentes das associações de moradores ou de outrasorganizações comunitárias, revelam sua fragili-dade diante do poder dos traficantes de drogasem seus locais de moradia e ponderam que, diantedos confrontos entre narcotraficantes e polícia oudas guerras de facção entre os primeiros, suaúnica alternativa é a neutralidade. A situação deconfrontos entre quadrilhas é considerada aindamais difícil, pois qualquer gesto pode ser inter-pretado como uma tomada de posição e cobradoem um momento posterior por um dos lados emconflito ou pela própria polícia.

Entretanto, mesmo em tempos de relativa paznas favelas, o convívio com esses bandos arma-dos nas favelas leva dirigentes das associaçõesde moradores a se equilibrarem em um fio denavalha. É impossível alguém permanecer nadireção de uma associação de moradores contraa vontade expressa das quadrilhas de traficantes,que se manifesta com imposição de renúncia,expulsão da favela, ameaças de morte e/ou as-sassinatos. Dirigir uma associação de moradorese/ou outra organização comunitária, no entanto,não significa necessariamente contar com talapoio, ainda que, muitas vezes, essas entidadesbusquem interferir diretamente em suas ativi-dades. Um líder de favelas relatou-me um poucode sua experiência com essa delicada e perigosarelação, envolvendo a conquista do respeito dosgrupos de tráfico por um trabalho que estariarevertendo em benefício da comunidade, manten-do-se à distância deles e utilizando-se da políciacomo um contrapoder ao “tráfico”: uma outraexplicação para a sua necessária neutralidadeentre ambos.

Elemento complicador dessa relação é, semdúvida, o recurso de muitos(as) moradores(as)de recorrer aos chefes das quadrilhas de tráficode drogas para, por exemplo, resolver problemaspessoais e arbitrar conflitos com vizinhos(as), emdetrimento da mediação que lhes pode oferecer aassociação de moradores, pelo fato de não teremacesso à justiça para a solução desses conflitos.Esse procedimento termina por legitimar o poderdas quadrilhas de traficantes de drogas nesseslocais, propiciando um forte argumento às tesesde “conivência” com base na escolha da lei dotráfico em vez da lei da nação como fundamentoda sociabilidade nas favelas.

A esse respeito, contudo, vale lembrar que orecurso ao poder do tráfico nos territórios favela-dos decorre da própria modalidade de presença doEstado nesses locais, onde, como ressaltam Silva ecolaboradores, “não há qualquer institucionalida-de acessível e confiável para regular as relaçõescotidianas da comunidade”. Refletindo sobre essascircunstâncias, os autores lançam a mesma ques-tão para quem vive fora das favelas:

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[...] não é incomum que variados grupos esetores da própria formação brasileira nãorecorram aos trâmites legais e às instituiçõespertinentes para a resolução de seus problemasindividuais ou coletivos. Se falta a expectativa deque podemos recorrer às instâncias formais paradirimir conflitos ou satisfazer precariedades, oque dizer de esferas de sociabilidade que nãocontam com a presença efetiva dainstitucionalidade estatal ou pública? Quemrecorre ao tráfico nas favelas repete umprocedimento lamentavelmente usual noconjunto da sociedade: remete-se àsinstâncias de poder que são “acessíveis”. Não sedeve fazer do reconhecimento deste fato o elogiode uma razão cínica, que transforma o vícioem virtude. Mas não se pode negar a existênciadeste dispositivo de reprodução cotidiana depessoas cercadas por todos os fogos.A insegurança pessoal e o medo correspondentesão características fundamentais da vidacotidiana nas favelas cariocas. (2005, p. 5)

Do ponto de vista das pessoas que entrevis-tei, a questão central desse debate é: se a violên-cia tem sido uma das faces das favelas, nem elaestá só nesses locais, nem as favelas são só vio-lência, como freqüentemente supõem moradorese moradoras dos bairros. Em relação ao primeiroponto, destacam especialmente as conexões dotráfico de drogas fora das favelas e os limites dapolítica de segurança pública quanto ao seu com-bate. Já ao se referirem ao segundo ponto, nãoaludem a uma compreensão intelectual da questão.Ao contrário, reconhecem que a maioria dos(as)moradores(as) dos bairros é capaz de, em tese,discriminar entre a gente boa e honesta que morano morro e os bandidos e traficantes.

Entretanto, ao entrarem em contato com os(as)moradores(as) das favelas, fazem-no a partir dofantasma da violência e com base no estigma asso-ciado às favelas: serão criminosos(as), traficantes?Assim, quando dizem que as favelas não são sóviolência, o que reivindicam os(as) entrevistados(as)é não serem abordados(as) e tratados(as) comofavelados(as), mas sim serem reconhecidos(as)como moradores e moradoras da cidade, cidadãose cidadãs, seres humanos.

De outro ângulo, destacam e criticam o poderdespótico que os traficantes detêm nas favelas eque exercem sobre (e contra) as pessoas que aliresidem, em especial, dirigentes comunitários(as).Sustentam, contudo, que falar publicamente con-tra o despotismo do tráfico, expondo-se a retalia-ções e ameaças, é uma alternativa disponível ape-nas para as lideranças mais antigas e prestigiadasde favelas, conhecidas e respeitadas por mora-dores e moradoras que representam, por quemvive em outras favelas e/ou quem integra ou apóiao movimento de organização de base em favelas.E, mesmo assim, dentro de certos limites. Ou seja,depende de reconhecimento e apoio social dentroe fora dos territórios favelados.

Crime violento e direito à cidadeDecerto há críticas à estigmatização das favelas ede quem lá vive, especialmente por parte de inte-lectuais, militantes de movimentos de direitos

humanos, contra a violência e pela cidadania, líde-res de movimentos de organização de base emfavelas e dirigentes de suas organizações comu-nitárias. Entretanto, elas pouco têm sido ouvidas,diluídas pelo discurso da “guerra” ou desqualifica-das como uma opção pelos “direitos dos bandidos”em detrimento dos direitos (à vida, à propriedade,à liberdade de ir e vir) das “pessoas de bem”.

Protestos e ações coletivas nas/das favelas,particularmente aqueles contra a violência policial,são respondidos com a criminalização de quem alivive: representantes do Estado usualmente argu-mentam que as vítimas da violência policial per-tencem a quadrilhas de traficantes e que estes or-ganizariam os protestos, submetendo dirigentes dasassociações de moradores de favelas à sua políti-ca. Dessa forma, eximem-se de reconhecer comolegítimas as demandas pelo respeito aos direitoscivis de moradores e moradoras de favelas e esva-ziam suas críticas à banalização da violência nes-ses locais pela ação de policiais e traficantes.17

Nesse contexto, ganham importância as crí-ticas da Igreja Católica, um ator que tradicional-mente tem legitimidade perante o Estado e a socie-dade para falar no espaço público por seu “reba-nho”.18 Representantes da hierarquia da Igreja emilitantes católicos(as) têm se pronunciado publi-camente a respeito das intimidações praticadaspor quadrilhas de traficantes sobre a populaçãoresidente em favelas, pondo em destaque o des-potismo do tráfico e relativizando a possibilidadede resistir a ele sem a proteção permanente e eficazdas forças de segurança pública.19 Dom FelipeSantoro, bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio deJaneiro, por exemplo, ao denunciar que traficantesescondem armas e drogas em igrejas situadas nasfavelas, ponderou que, apesar de alertar os padres

17 Essa foi, por exemplo, a reação das autoridades desegurança pública do estado do Rio de Janeiro àsmanifestações do Movimento Popular de Favelas (MPF),organizado em 2000 e congregando cerca de 60dirigentes de associações de moradores e organizaçõescomunitárias das favelas. Ao esvaziarem politicamente oMPF, que reivindicava cidadania plena paramoradores(as) de favelas, tendo por eixo a luta contra aviolência da polícia e do tráfico de drogas, asautoridades públicas solaparam uma importante rupturacom a posição usual desses segmentos de nãoconfrontar traficantes (Leite, 2003 b).

18 Ainda que, com as recentes mudanças no campo religiosobrasileiro e, especialmente, com o crescimento das igrejasevangélicas, essa posição não seja mais monopólio daIgreja Católica. Ver a respeito Birman e Leite (2004).

19 A defesa dos direitos humanos tem sido, desde aditadura (1964–1984), uma linha de atuação importanteda Igreja Católica no Brasil, comprometendo não só achamada Igreja da Libertação, mas também setores dahierarquia católica tradicional. Vale notar que seu eixofoi se deslocando desde então e à proporção que sealteraram os grupos especialmente vulneráveis à açãoviolenta e autocrática dos aparatos de Estado: do focoem presos(as) políticos(as) durante a ditadura apresos(as) comuns, bandidos (muitas vezessumariamente executados pela polícia) e, maisrecentemente, moradores(as) de favelas.

para não serem coniventes com a criminalida-de violenta, reconhecia não ser possível entrar“em conflito com o poder dos bandidos” e ar-gumentava: “O tráfico é a coroa de espinhos nacabeça do povo”.20

De fato, tal como os padres, moradores(as)e líderes de favela andam em uma corda bamba,entre dois fogos: não confiam em policiais, mas tam-bém não podem se opor frontalmente a trafican-tes, nem denunciá-los à polícia. Espancamentos,humilhações diversas, castigos, estupros, assas-sinatos e casos de expulsão de suas casas fazemparte do repertório de respostas dos bandos ar-mados àquelas pessoas que ousam lhes resistir.Em decorrência, são intensos os deslocamentos dequem se opõe a traficantes, até mesmo de muitos(as)dirigentes de associações de moradores e de ou-tras organizações comunitárias forçados(as) amigrar para outras favelas. Durante muitos anos,entretanto, esses deslocamentos eram tão inten-sos quanto invisíveis, pois, em virtude da confi-guração que examinamos, não eram percebidoscomo uma das modalidades de violência que otráfico de drogas impõe à cidade.21

Vários depoimentos que recolhi também re-latam ameaças e perseguições de policiais a líderesde favelas e dirigentes de organizações comuni-tárias com todas as suas conseqüências em termosde isolamento e vulnerabilidade. São efeitos dedifícil alteração, sem acesso ao espaço público,sem apoio da mídia e/ou de outros atores e movi-mentos sociais. Esses casos, quando noticiados,não lograram cobertura na imprensa similar à quefoi dada à violência produzida pelas mesmas qua-drilhas sobre moradores(as) dos bairros.

O deslocamento forçado, porém, não é umamodalidade de violência produzida apenas pornarcotraficantes. Muitos(as) moradores(as), líde-res de favelas e dirigentes de suas organizaçõescomunitárias também vêm sendo expulsos(as) deseus locais de moradia por policiais quando nãose submetem a suas práticas corriqueiras deextorsão, brutalidade e desrespeito aos direitoshumanos e/ou quando as denunciam. Em todasas situações, a expulsão é um golpe terrível navida dessas pessoas. Obrigadas a abandonar seuslocais de moradia, perdem a posse das casas(logo ocupadas pelo tráfico) e de seus bens, suasredes de sociabilidade e suas referências terri-toriais, bases de sua identidade de morador(a).Além disso, muitas vezes perdem também seuspequenos negócios nas favelas e, assim, suasalternativas de sobrevivência.

20 “Tráfico tenta até esconder armas e drogas em igrejas.Bispo diz que padres precisam pedir licença paraprocissão”, O Globo, 22 de junho de 2002.

21 Além dos muitos casos que chegaram a meuconhecimento por relatos de terceiros(as), doispresidentes de associações de moradores queentrevistei foram assassinados e mais de uma dezena deoutros líderes foi obrigada a se afastar das associaçõese/ou de seus locais de moradia. Sobre o tema, ver Leite(2001) e Miranda e Magalhães (2004).

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Desafios da ação coletivaNo caso específico dos(as) dirigentes comuni-tários(as), a expulsão também representa sua des-qualificação política. As associações de moradoresde favelas são representações territoriais. Pertencera um território favelado, conviver com os(as) mora-dores(as), submeter-se às mesmas condições devida e moradia, participar de suas lutas e projetos,enfim, das experiências do cotidiano em uma deter-minada territorialidade é a base da condição derepresentação. Ser cria do morro, ser morador(a)antigo(a) que conhece os seus problemas e sabe assoluções possíveis é usualmente percebido comouma das condições para bem representar o con-junto de moradores e moradoras desses territórios.

Entretanto, ameaçados(as) pelas quadrilhasde traficantes de drogas ou pela polícia, dirigen-tes das associações de moradores de favelas sãoobrigados(as) a renunciar a seus cargos, afastan-do-se de suas entidades e/ou forçados(as) a aban-donarem as favelas, abrindo mão não só de suamoradia, mas também da condição que fundamentae legitima sua atividade política.22 Isso cria proble-mas a essas lideranças, à organização de base emfavelas e aos movimentos sociais a elas vinculados.O que fazer para enfrentar o medo e dar continui-dade à atividade política tanto nos territórios fave-lados como no espaço público? Como reverter asperdas territoriais, identitárias e políticas e recons-tituir de outro lugar na cidade sua relação commoradores(as) e ativistas das favelas?

Violência, insegurança e medo não são prerro-gativas dos(as) habitantes do “asfalto” na cidadedo Rio de Janeiro, mas fazem parte do cotidianode muitos(as) moradores(as) de favelas. Se quemmora nos bairros tenta se proteger da violênciacom aparatos de segurança, controlando horáriose itinerários e evitando os espaços públicos, asalternativas para quem vive nas favelas parecemse encontrar em outro campo. É verdade que osilêncio em relação à violência policial e de trafi-cantes de drogas ainda é amplamente dominantenesses territórios, mas já parece ser possível, emcertas circunstâncias, decerto ainda muito restritase protegidas, enunciar e denunciar a criminalidadeviolenta. Por outro lado, é preciso ressaltar que,em muitas de suas ações coletivas, moradores e

22 De acordo com os dados de pesquisa realizada pelaComissão de Direitos Humanos e Justiça da AssembléiaLegislativa do Estado do Rio de Janeiro, divulgados pelodeputado Carlos Minc em diversos pronunciamentospúblicos, no período compreendido entre 1992 e 2001,mais de 800 líderes comunitários(as) da RegiãoMetropolitana do Rio de Janeiro foram assassinados(as),expulsos(as) ou cooptados(as) por traficantes. Desse total,metade estaria associada ou submetida às quadrilhas denarcotraficantes sediadas nos territórios favelados; 300teriam sido expulsos(as) de seus locais de moradia e, pelomenos, cem teriam sido mortos(as) por traficantes (O Globo,20 de junho de 2002). Esses dados têm sido usados pelamídia sobretudo como argumento relativo à tese daconivência da população favelada com a criminalidadeviolenta. Assim, no mínimo se desconhece a dimensão deresistência/confrontação que o número das expulsões emortes indica. A respeito disso, ver Leite (2003 a).

moradoras de favelas também vêm procurando darvisibilidade às modalidades de violência que sofremnesses locais e, ao mesmo tempo, legitimar suasdemandas por segurança e justiça como direitosde cidadania que também lhes concernem.23

Trazendo esses temas para o debate público,buscam conquistar apoio e produzir alianças, pro-curando fazer com que suas reivindicações sejamincorporadas às estratégias de ação coletiva deatores e movimentos sociais pela paz e pela cida-dania no Rio de Janeiro e, sobretudo, atendidas peloaparato estatal. Reivindicam, assim, uma paz queos(as) inclua, confrontando a criminalização sofri-da e criticando a concepção restritiva de cidada-nia, o medo e a insegurança correlatos. Se forembem-sucedidos(as), incidirão vigorosamente sobrea sociabilidade que se tece nesta cidade. O desafioque enfrentam é o de ampliar, democratizando-o,o direito à cidade no Rio de Janeiro.

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23 Refiro-me, entre outros, aos movimentos “Posso meidentificar?”, “Mães do Rio” e “Rede de Comunidades eMovimentos Sociais contra a Violência”. Para umaprimeira leitura a respeito desses movimentos, consultarBirman e Leite (2004) e Farias (2005).

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PANORAMA MUNDIAL

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Metas de Copenhague ainda muito distantes

ALEMANHA

O fato de a Alemanha ser um dos países mais industrializados do mundo não evitou o crescimentoininterrupto do número de pessoas vivendo em situação de risco de pobreza, a redução no poderde compra dos trabalhadores e trabalhadoras e maior desigualdade na distribuição de renda.As mulheres continuam a receber salários 20% menores do que os dos homens pelo mesmo tipode trabalho, e a ajuda para o desenvolvimento ficou estacionada em 0,28% da renda nacionalbruta em 2004.

Observatório da Cidadania da AlemanhaCúpula do Fórum Social MundialUwe Kerkow

“Lucros crescem fortemente, salários estagnados”foi a manchete de um dos principais jornais diá-rios da Alemanha no início de 2005. O texto infor-mava que, somente em 2004, a renda nacionaltinha crescido 3%, atingindo 1.616 trilhão deeuros (US$ 2.006 trilhões). No entanto, há gran-des hiatos na distribuição dessa renda. Enquantoa assistência governamental às pessoas necessi-tadas e os salários estavam estagnados em 1.132trilhão de euros (US$ 1.405 trilhão), “houve umaumento substancial, de 10,4%, na renda geradapelas atividades empresariais e pelos ativos decapitais, atingindo atualmente 484 bilhões deeuros (US$ 601 bilhões)”.1

Essa notícia não foi surpresa, pois, um mêsantes, o governo federal tinha publicado uma ver-são preliminar do Segundo Relatório sobre Pobrezae Riqueza, intitulado Situações de vida na Alema-nha. O documento revelava que o crescimentouniforme do índice de risco de pobreza2 entre 1983e 1998 havia continuado nos cinco anos subse-qüentes. Em 2003, 13,5% das pessoas residentesna Alemanha corriam alto risco de pobreza, aopasso que esse percentual era de 12,1% em 1998.3

O relatório também destacava muitas dasdebilidades das políticas sociais: os índices maisaltos de risco de pobreza4 afetam crianças menores

de 15 anos (atualmente 15%, em comparação com13,8% em 1998), adolescentes e jovens adultos(as)(19,1%, em comparação com 14,9% em 1998) edesempregados(as) (40,9%, em comparação com33,1% em 1998). Pessoas solteiras com filhos(as),na maioria mulheres, são especialmente atingidas:seu risco de pobreza tem se mantido sem altera-ções em 35,4%, desde 1998.

Tendo em vista o alto índice de pobreza in-fantil, Jürgen Gohde, presidente da DiakonischesWerk, a organização da Igreja Protestante alemã paratrabalho social e de assistência, exigiu que o gover-no federal adotasse medidas especiais em políticasda família, quando falava numa conferência de im-prensa organizada pelo Observatório da Cidadaniada Alemanha, no dia 11 de março de 2005. “O índi-ce mais alto de dependência da assistência socialestá entre menores de 3 anos”, afirmou Gohde,5 eesse é o motivo da urgência de adotar uma “rendabásica para as crianças”. O compromisso 2 da De-claração de Copenhague obrigava os Estados sig-natários a “reduzirem substancialmente a pobrezano menor tempo possível”. “Em muitas áreas”, dis-se Gohde, “ainda temos que percorrer um longocaminho para alcançar as metas de Copenhague”.

A causa principal do crescimento do risco depobreza na Alemanha é o fato de que cada vez umnúmero maior de pessoas depende da assistênciagovernamental de forma permanente.6 Contudo,sem contar o fato de que cada vez mais um númeromenor de pessoas têm emprego adequado, o cres-cimento das rendas de salários também indica umfalta de equilíbrio financeiro. Isso fica claro ao exa-minarmos as tendências salariais nos anos recen-tes: em 2001, a Confederação Alemã de Sindicatos

calculava7 que o poder de compra dos trabalha-dores tinha diminuído “numa média anual de 0,7%”entre 1991 e 2000. “No total, houve uma quedade 5,9% no poder de compra, desde 1991”.8

Famílias endividadasEm vista desses acontecimentos, não é nenhumasurpresa que exista um hiato crescente na distribui-ção da riqueza privada da Alemanha, estimada em5 trilhões de euros (US$ 6,44 trilhões). Enquantoas famílias da metade inferior da escala de rendas“possuem menos de 4% da riqueza líquida total,as 10% famílias mais ricas [...] são proprietáriasde cerca de 47%. A proporção do que as 10%pessoas mais ricas detinham aumentou uns 2%,entre 1998 e 2003”, observava o Segundo Rela-tório sobre Pobreza e Riqueza.9

A crescente desigualdade fica clara no au-mento da dívida de muitas famílias. O relatórioobservava que “o número total de famílias muitoendividadas aumentou 13% entre 1999 e 2002 –de 2,77 milhões para 3,13 milhões”.10 Enquanto1.634 consumidores e consumidoras declararamfalência em 1999, esse número disparou para 9.070em 2001. Em 2003, 32.131 pessoas fizeram soli-citações de certidões formais de insolvência.

O índice de risco de pobreza para as mulhe-res cresceu de 13,3% para 14,4%, entre 1998 e2002. Não representa nenhum consolo saber queas estatísticas para os homens estão atualmentese aproximando dos dados das mulheres, em virtu-de do aumento do percentual de homens em riscode pobreza. Enquanto 13,3% das mulheres e

1 Süddeutsche Zeitung, 14 jan. 2005, p. 19.

2 Lebenslagen in Deutschland. Der 2. Armuts - undReichtumsbericht der Bundesregierung [Situações devida na Alemanha. Segundo Relatório sobre Pobreza eRiqueza do governo federal], versão preliminar de 14 dedezembro de 2004. Infelizmente, o relatório não mede apobreza relativa. No lugar disso, utilizando complexosmétodos estocásticos, calcula o número de pessoas quecorrem o risco de se tornarem relativamente pobres.Isso mostra que o risco de pobreza é especialmente altopara as pessoas que têm menos de 60% do valormediano da renda disponível da família média, ponderadade acordo com a nova escala da Organização para aCooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

3 Ibidem, p. 15.

4 Ibidem, p. 17.

5 A conferência de imprensa marcou o décimo aniversárioda Declaração de Copenhague, adotada na CúpulaMundial sobre Desenvolvimento Social, em 1995.

6 Lebenslagen in Deutschland, op. cit., p. 54. Em 1980,esse número era inferior a 1 milhão de pessoas; em1990, era um pouco menos de 2 milhões e, desde 2000,esse número tem permanecido em torno de 3 milhões,incluindo 2 milhões de cidadãos e cidadãs alemães.

7 “Zur Einkommensentwicklung in Deutschland:Arbeitnehmerkaufkraft seit 1991 stetig gesunken”[Tendências da renda na Alemanha: o poder de comprados trabalhadores cai continuamente desde 1991],Executiva Nacional da DGB, 06/01, 18 de setembro de2001, p. 5. Disponível em: <www.igmetall.de/download/>.

8 Não foi possível mudar essa tendência recentemente,como fica claro no primeiro parágrafo deste relatório.

9 Lebenslagen in Deutschland, op. cit., p. 24.

10 Ibidem, p. 26.

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10,7% dos homens corriam alto risco de pobrezaem 1998, esses percentuais subiram quatro anosdepois para 14,4% e 12,6% das mulheres e doshomens, respectivamente.11

A Alemanha ainda tem um considerável ca-minho a percorrer em relação à distribuição derenda de acordo com os gêneros. O sindicato daindústria metalúrgica, IG Metall, faz referência ao“progresso a passo de cágado”. “Caso os saláriosdas mulheres na Alemanha Ocidental continuema se aproximar dos salários dos homens no mes-mo ritmo dos últimos 40 anos, serão necessáriosno mínimo outros 40 anos para que as trabalha-doras de atividades administrativas e intelectuaise muito mais de 70 anos para as mulheres querealizam tarefas manuais possam alcançar seuscolegas masculinos”.12 Pela média de todos gru-pos ocupacionais, as mulheres ainda recebem20% a menos do que seus colegas homens pararealizar o mesmo trabalho. No caso das enge-nheiras, essa diferença atinge 30,7%.

Acesso desigual à educaçãoNos últimos anos, falhas importantes foram iden-tificadas no sistema educacional da Alemanha.Em especial, de acordo com o Programa para aAvaliação Internacional de Estudantes (Pisa, nasigla em inglês) da Organização para a Cooperaçãoe o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a quali-dade do ensino de matemática somente chega àmédia dos países da OCDE. A Alemanha está clas-sificada abaixo da Coréia do Sul, de Hong Kong eMacau, e seu desempenho medíocre desencadeouum debate público no país.13

No entanto, um escândalo muito maior emtermos de políticas sociais tem sido, em grandeparte, ignorado: em praticamente nenhum outropaís da OCDE os resultados educacionais e onível de escolaridade (assim como a educaçãouniversitária) são tão dependentes do statussocioeconômico dos pais quanto na Alemanha.14

As perspectivas educacionais das crianças filhasde imigrantes ou de famílias socialmente neces-sitadas são muito piores do que as de criançasde famílias abastadas. De acordo com o SegundoRelatório sobre Pobreza e Riqueza do governofederal, 81% das crianças de famílias com statussocioeconômico mais alto atingiram um nível edu-cacional que lhes dá direito a entrar na universi-dade. O percentual para as crianças de grupospopulacionais classificados como de baixo statussocial era somente de 11%.15 Taxas universitáriasestão sendo atualmente cobradas em muitos es-tados, uma tendência que provavelmente aumen-tará ainda mais essas desigualdades.

Um vislumbre de esperança numa visão ge-ral sombria das tendências sociais e políticas dosúltimos anos é a forte queda no número das pes-soas sem teto. Em 1998, cerca de 530 mil esta-vam registradas como sem moradia, incluindoaquelas em risco direto de se tornarem sem-teto(emergências habitacionais). Em 2002, esse nú-mero tinha caído 38%, para cerca de 330 mil, inclu-indo 75 mil mulheres (23% do total) e 72 mil crian-ças e adolescentes (22% do total).16

Ajuda para o desenvolvimento estagnada“Hoje, política de desenvolvimento é política estru-tural global, que tem como objetivo melhorar ascondições econômicas, sociais, ambientais e políti-cas nos países em desenvolvimento. É orientada,entre outras coisas, pela visão do desenvolvi-mento global sustentável”, diz o acordo da coalizãoentre o Partido Socialdemocrata e a Aliança 90/Partido Verde, que está no poder desde outubrode 1998.17

Infelizmente, essa nova orientação políticanão foi acompanhada de compromissos financei-ros adequados. Ao contrário, enquanto a AjudaOficial para o Desenvolvimento (AOD) represen-tava 0,42% da renda bruta nacional em 1990, essepercentual caía para 0,26% em 1998. Desde aquelaépoca, o financiamento para o desenvolvimentoestagnou-se em nível baixo. Em 2000, a AOD repre-sentava 0,27% da renda bruta nacional e teve umpequeno aumento para 0,28%, em 2003.18

Em 2004, a política de desenvolvimento ale-mã também estava estagnada em termos finan-ceiros, com a AOD ainda representando somente

0,28% da renda bruta nacional.19 Em 2002, o go-verno federal prometeu formalmente aumentar osgastos com a AOD para 0,33% da renda brutanacional até 2006. O ministro do Desenvolvimento,Heidemarie Wieczorek-Zeul, comentou, de formaautocrítica, que o governo federal “ainda precisarealizar um considerável esforço” para atingir essameta imposta a si próprio.20

O governo federal teve de engolir críticasigualmente fortes das ONGs que trabalham na áreade desenvolvimento. Em março de 2005, PeterMucke, diretor executivo do Terre des Hommes,resumiu as reivindicações principais de muitasONGs de desenvolvimento ao governo federal.21

Ele exortava o governo federal a:• adotar um programa passo a passo para atin-

gir a meta de 0,7% da renda bruta nacionalem gastos para o desenvolvimento até 2010;

• dar apoio ao lançamento de um Fundo deFinanciamento Internacional (IFF, na sigla eminglês) como um marco temporário, com aintrodução de impostos internacionais sobrea aviação internacional e a especulação commoedas, como forma de refinanciar o IFF;

• assumir o compromisso de trabalhar de for-ma proativa para conseguir substanciaismedidas adicionais de alívio da dívida e porum processo justo e transparente de media-ção para os países endividados. Isso deveser baseado num conceito mais amplo desustentabilidade da dívida, que também le-varia em conta indicadores de desenvolvi-mento social;

• comprometer-se com uma iniciativa articu-lada para eliminar progressivamente os sub-sídios europeus às exportações agrícolas;

• usar sua influência para democratizar os pro-cessos de decisão do Fundo Monetário Inter-nacional (FMI) e do Banco Mundial e para es-tabelecer um órgão de alto nível responsávelpelos temas econômicos e financeiros inter-nacionais, no marco das Nações Unidas.

Novas fontesHouve algum avanço na posição do governo ale-mão durante a preparação da Cúpula do Milênio+5,que foi realizada em setembro de 2005. Embora ogoverno tivesse rejeitado por anos a idéia de umprograma obrigatório de passo a passo para atingir

11 Ibidem, p. 17.

12 Ver <www.igmetall.de/daten_fakten_grafiken/direkt/einkommen/index.html>. Em 3 de março de 2004, oEscritório Federal de Estatística (StatistischesBundesamt, Destatis) publicou os resultados de suacomparação das rendas de homens e mulheres em2003. O documento afirmava que a renda média dasmulheres em 2003 tinha sido 30% inferior à rendamédia dos homens (ver o texto “New evidence ongender wage gap and low pay”, disponível em<www.eiro.eurofound.eu.int/2004/04/feature/de0404205f.html>).

13 Programa para a Avaliação Internacional de Estudantesda OCDE. First Results from PISA 2003, ExecutiveSummary. Paris, 2003. Disponível em:<www.pisa.oecd.org>.

14 Ibidem, p. 20-23.

15 Lebenslagen in Deutschland, op. cit., p. 84 e 88.

16 Ibidem, p. 46.

17 Ver, por exemplo, <www.bmz.de/de/service/infothek/fach/spezial/spezial42/spezial042_1.html>.

18 Ver as edições de 2001 a 2004 do relatório doSocial Watch.

19 Comunicado de imprensa da BMZ n. 35/2005, 11 abr.2005, disponível em: <www.bmz.de/de/presse/pm/presse200504111.html>.

20 Ibidem.

21 Conferência de imprensa do Observatório da Cidadaniada Alemanha, 11 de março de 2005.

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a meta de 0,7%, os ministros de Relações Exteri-ores e de Desenvolvimento agora têm defendidoessa posição publicamente.22

Até recentemente, impostos internacionaiseram um assunto tabu para o chanceler e seuministro da Fazenda, porém no Fórum EconômicoMundial de Davos (janeiro de 2005) e na reuniãoda primavera do FMI e do Banco Mundial, em abrilde 2005, eles expressaram publicamente seuapoio à introdução desses impostos. Um com-promisso de vários anos com o financiamentopara o desenvolvimento foi rejeitado pelo ministroda Fazenda, alegando as regras da legislação orça-mentária alemã, porém isso parece não constituirmais um problema para financiar o IFF.

Um sinal público dessa mudança de políticafoi a entrada da Alemanha no “Grupo do Lula” –composto pelo Brasil, França, Chile e Espanha –,depois de uma reunião entre o chanceler GerhardSchröder e o presidente Luiz Inácio Lula da Silvano Fórum Econômico Mundial de Davos. EsseGrupo trabalha ativamente para identificar fontesinovadoras de financiamento para o desenvolvi-mento, especialmente impostos coordenados noplano internacional.23

Um show de solidariedadeO desastre causado pelo tsunami na Ásia Meridio-nal e no Sudeste Asiático deslanchou uma res-posta sem precedentes na Alemanha. Em parte,isso pode ter acontecido pelo fato de o desastreter atingido diretamente turistas alemães que es-tavam de férias no sul da Tailândia e em Sri Lanka.Nas primeiras semanas após o desastre e suasconseqüências, houve uma cobertura detalhada,especialmente na mídia eletrônica. Durante os pri-meiros dois meses depois do tsunami, foramcoletados mais de 500 milhões de euros (US$ 621milhões) em doações privadas. O governo federalprometeu formalmente mais 500 milhões de eurosde ajuda, distribuída ao longo de cinco anos, alémdos fundos já propostos no orçamento.24

No entanto, o cumprimento dessas promes-sas deve ser rigorosamente monitorado, pois, nosúltimos anos, “em geral não mais do que 40%

22 Reforma da ONU: declaração feita pelo embaixador dr.Gunter Pleuger no debate da AG sobre o relatório dosecretário geral “In Larger Freedom”, 7 de abril de 2005.

23 Declaração conjunta adotada em Brasília em 11 defevereiro de 2005 pelo Brasil, Chile, França, Alemanhae Espanha. UN Doc. A/59/719 de 1º de março de2005, Apêndice.

24 No total, o governo federal proveu 84,6 milhões deeuros (US$ 105 milhões) em ajuda emergencial.Ver <www.bmz.de/de/presse/aktuelleMeldungen/20050322_Tsunami/index.html>.

dos fundos formalmente prometidos têm sido defato aprovados; e, mesmo nesses casos, somen-te na forma de empréstimos”.25 É também questio-nável a adequação de algumas formas de ajuda,como a doação aos países atingidos pelo tsunamide barcos pesqueiros que estavam fora de serviçona União Européia.26

Entretanto, o que merece ser notado é o graude solidariedade internacional manifestado pela po-pulação alemã, em seguida ao desastre. Este povoemitiu um claro sinal que o governo faria bem emconsiderar em sua política de desenvolvimento.

25 REESE, Niklas. Breakwater? Tsunami-inspiredreflections on the politics of development. Asia HouseGermany, jan. 2005. Disponível em:<www.asienhaus.de/public/archiv/breakwater.pdf>. Apóso terremoto na cidade iraniana de Bam, de um total deUS$ 1 bilhão de ajuda formalmente prometido, somenteUS$ 17 milhões foram de fato aprovados.

26 REESE, Niklas. Business as usual. Asia House Germany,mar. 2005. Disponível em: <www.asienhaus.org/flut/nachdemtsunami.pdf>.

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Menos pobreza, mais desigualdade

CHILE

No Chile, a incorporação de políticas de governo para a eqüidade entre os gêneros se dá em umritmo lento. Ainda é baixa a participação feminina tanto no mercado de trabalho como nosespaços públicos e de decisão. Ao mesmo tempo, a desigualdade na distribuição da renda gerasegmentação e frustração social, mesmo quando a pobreza diminui.

Centro de Estudos para o Desenvolvimento daMulher (Cedem)1

Fundação Terram

Pamela Caro / Marco Kremerman

No início do século XXI, as transformações vivi-das pela sociedade chilena configuram um cená-rio tanto de possibilidades como de obstáculosao desenvolvimento das mulheres e à eqüidadeentre os gêneros (Caro e Valdés, 2000). A 4ª Con-ferência Mundial sobre a Mulher (Pequim) e aCúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social(Copenhague), ambas realizadas em 1995, foramcaracterizadas pela presença ativa da sociedadecivil, que teve a capacidade de dar visibilidade atemas ausentes das agendas oficiais e de influirnas resoluções, por meio de estratégias de pres-são e lobby. A importância da participação dasorganizações cidadãs foi assinalada na Plataformade Ação de Pequim, que deu à sociedade civil omandato de envolver-se ativamente na sua imple-mentação e no seu monitoramento, embora con-siderando a limitação de não ter força vinculatória.

Embora tenha havido avanços na consecu-ção dos compromissos relativos ao gênero, pormeio da formulação e implementação de políticasespecíficas, ainda falta o cumprimento de muitosacordos e a incorporação de diversas propostas.Entre outras, destaca-se a necessidade de instalarmecanismos de acompanhamento e avaliação quepermitam a cidadãos e cidadãs exigir das autori-dades de governo a prestação de contas de suasações (Valdés et al., 2005, p. 8).

O discurso sobre a igualdade de oportunida-des tem permeado certos estratos da sociedade.No entanto, ainda existe uma distância entre osavanços lentos nas instituições e as mudançasresultantes de novas práticas sociais. A incorpo-ração da eqüidade entre os gêneros pelo Estadoé ainda débil, tanto do ponto de vista progra-mático e de institucionalização como em relaçãoà provisão de recursos. Há vários obstáculos para

o cumprimento das disposições legais, a fim deampliar a cobertura e aprofundar os programassociais, incorporando a dimensão de gênero àspolíticas e à gestão das entidades governamen-tais. Ainda persistem imagens sociais e compor-tamentos estereotipados em relação ao papel dasmulheres que condicionam a vontade política dequem formula e aplica as leis e as políticas públicas(Corporación La Morada, 2003, p. 13).

De acordo com o último censo (2002), so-mente 35,6% da população economicamenteativa do sexo feminino participava da força detrabalho (Caro e Cruz, 2004, p. 3). Não participardo mercado de trabalho, como ocorre com agrande maioria das mulheres, além de ter im-pactos econômicos negativos no lar, constituium fator de dependência e subordinação noespaço privado, sobretudo quando analisamosas relações de poder.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Ca-racterização Socioeconômica (Casen, na sigla emespanhol) de 2003, a renda média das mulheresque viviam em áreas urbanas correspondia a77,2% da renda dos homens no mesmo ano(Valdés et al., 2005, p. 32). A pesquisa Casen 2000dá informações indicando que, quanto mais anosde escolaridade, maior a distância entre os salá-rios de homens e mulheres em igual posição nomercado de trabalho. Uma mulher que tem entrezero e três anos de estudos ganha 18,6% a me-nos que um homem com o mesmo nível educa-cional, porém uma mulher com 13 ou mais anos deformação ganha 35,7% a menos do que o homemde igual nível (Caro e Cruz, 2004). Ao mesmotempo, a proteção à maternidade, conforme esta-belecida no Código do Trabalho, está limitada aum setor restrito de trabalhadoras.

Espaços públicos de decisãoDiferentemente de outros países da região, noChile os direitos sexuais e reprodutivos não sãoreconhecidos no plano constitucional ou legal.2

Como conseqüência, falta acesso à informação, àeducação e aos serviços de saúde sexual e repro-dutiva. Um exemplo claro é a oferta limitada demétodos anticoncepcionais, especialmente dosemergenciais. Também existem dificuldades deacesso à esterilização feminina e masculina nosistema de saúde pública (Corporación La Mora-da, 2003, p. 119).

Um avanço legislativo posterior a Pequim éa norma legal que garante às jovens grávidas e àsmães o direito de continuar estudando. Essa nor-ma tem grande importância, pois a gravidez e amaternidade são a primeira causa de evasão es-colar entre as adolescentes (Maturana, 2004).

Vem aumentando o número de mulheres emaltos cargos dos poderes executivo e legislativo,em governos regionais e locais e nos partidospolíticos. Em 1990, 283 mulheres ocupavam es-sas posições em todo o país. Quinze anos depois,esse número foi duplicado, atingindo 620 mulhe-res. No entanto, tal presença é insuficiente se acompararmos ao número total de cargos exerci-dos nesse espaço de poder, que alcançavam 3.116em 2005. Em outras palavras, somente 19,9% doscargos públicos disponíveis estão ocupados pormulheres.3 Além disso, a participação é desigual,de acordo com o tipo e a qualidade do espaço depoder ocupado – quanto menos poder, maior aparticipação feminina, como fica revelado pelamaior proporção de mulheres nos governos mu-nicipais, regionais e nas subsecretarias do poderexecutivo, em contraste com a menor proporçãode prefeitas, administradoras e ministras.

O aumento da participação política femininaé maior no poder executivo do que em cargos derepresentação popular. Enquanto em 2005 a par-ticipação das mulheres no poder executivo oscilaentre 17% no gabinete ministerial e 27% nassubsecretarias, no Parlamento, as mulheres re-presentam 5% no Senado e 13% na Câmara de

1 O Cedem integra o Grupo Iniciativa Mulheres e aRed Puentes Latinoamericana en ResponsabilidadeSocial Empresarial.

2 Existe um projeto de lei sobre direitos sexuais ereprodutivos cuja tramitação parlamentar está paralisada.

3 Ver Hardy (2005), com base nos dados da pesquisa emcurso na Fundação Chile 21 sobre a participação dasmulheres no mercado de trabalho e na política do Chile.

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Deputados. Nos governos locais, há 12% de mu-lheres nas prefeituras e 21% nas câmaras devereadores (Hardy, 2005).

Dois Chiles num mesmo territórioAtingir a paridade no número de representantesfemininos e masculinos permitirá uma redistri-buição progressiva do poder social e político edesafiará as instituições a tomarem consciênciada proposta ética e política da democracia, comosistema de relações e representação.

A geração de oportunidades iguais é funda-mental para a incorporação plena das mulheresao trabalho produtivo. Porém, isso requer umainfra-estrutura maior para o cuidado das criançase a melhor divisão das tarefas no lar. O país preci-sa avançar na implementação de uma política deeqüidade salarial.

A Plataforma de Ação Mundial de Pequimcontinua sendo uma meta a ser atingida. No en-tanto, não é menos importante a ratificação doprotocolo facultativo à Convenção sobre a Elimi-nação de Todas as Formas de Discriminação con-tra a Mulher (Cedaw, na sigla em inglês).4

O Chile se transformou num caso paradig-mático entre os países latino-americanos e aseconomias emergentes, pois apresenta indica-dores macroeconômicos excelentes: inflaçãobaixa, risco-país baixo, taxa de crescimento mé-dio anual do PIB próxima a 5,5% nos últimos 15anos, contas fiscais ordenadas, liderança nasclassificações internacionais de liberdade econô-mica e contexto institucional e político favorávelao investimento estrangeiro.

No entanto, essa fachada sólida da econo-mia coexiste com uma realidade muito diferente.O país é, hoje, fragmentado, com desigualdadesenormes na distribuição do poder e das oportuni-dades e, conseqüentemente, da renda. A despeitoda modernização, há um clima de desconfiança edescontentamento na população.

No Chile, não há problemas graves de subnu-trição, nem de doenças como a malária e a tuber-culose. A maior parte da população tem acesso aosserviços básicos, mas cerca de 2% do total dehabitantes vive com menos de US$ 1 por dia.

Menos pobrezaEm relação à situação da pobreza, foram obser-vados avanços importantes, de acordo com ospadrões nacionais. Enquanto 38,6% dos chilenose chilenas viviam abaixo da linha de pobreza em1990,5 havia, em 2003, 18,8% nessa situação –cerca de 3 milhões de pessoas. Nesse mesmoperíodo, foi constatada uma diminuição da indi-gência de 12,9% para 4,7%. Embora a situaçãotenha melhorado, esse percentual equivale a maisde 720 mil chilenos e chilenas vivendo na pobre-za mais extrema (Chile, 2004 a).

O plano Chile Solidário é uma iniciativa im-portante do governo para combater a pobrezaextrema, atendendo as 225 mil famílias mais po-bres do país. Tem como finalidade igualar as ca-pacidades básicas, garantir os direitos sociais,econômicos e culturais, desenvolver um sistemaintegrado de benefícios sociais, combinar assis-tência com promoção e, além disso, intervir maissobre a família do que sobre os indivíduos.

Em termos de saúde, acaba-se de implemen-tar a reforma que pretende assegurar qualidade,acesso e proteção financeira para tratar 56 doen-ças vinculadas aos maiores índices de mortalida-de nacional. Na política de habitação, o programaChile Bairro pretende erradicar os assentamentosprecários em todo o país.

Um mal ocultoO país sofre de outra enfermidade crônica que,embora tenha sido historicamente ocultada por umgrande setor da esfera política, veio à tona nosúltimos meses por causa de pressões geradas poralguns informes internacionais. Trata-se da desi-gualdade, originada há mais de dois séculos numprocesso de divisão desigual de ativos, no qual aelite acumulou grande parte da riqueza e influiu nasdecisões políticas e na conformação das institui-ções. O processo é hoje evidente nos principaisgrupos econômicos, que controlam cerca de 80%da produção nacional (Fundação Terram, 2004).

No Chile, existe uma matriz cultural da desi-gualdade que, tanto tácita como explicitamente,reconhece a existência de cidadãos e cidadãs declasse A e de classe B com acesso a um conjuntode serviços sociais e instâncias democráticastotalmente diferente e segmentado.

O poder é distribuído desigualmente, e osarranjos institucionais reproduzem esse cenário.

4 O Chile ratificou a Convenção sobre a Eliminação deTodas as Formas de Discriminação contra a Mulher em1989, porém ainda não ratificou seu protocolofacultativo. Esse é o instrumento que estabelecemecanismos para tornar exigíveis os direitosconsagrados pela Convenção, quando o país que aratificou não garante esses direitos. A Convenção serefere aos direitos civis e à condição jurídica e socialdas mulheres, assim como à reprodução e a fatoresculturais que condicionam as relações entre os sexos.

NR Salários, pensões, rendas e juros.

5 A linha nacional da pobreza corresponde a US$ 72,80mensais para os setores urbanos e US$ 49,10 para osrurais. A linha de indigência (pobreza extrema) equivalea US$ 36,40 e US$ 28,10 mensais, respectivamente.

Tabela 1 - Distribuição da renda autônomaNR, 1990–2003

DECIL 1990 2003

RENDA AUTÔNOMA RENDA AUTÔNOMA% DA RENDA % DA RENDA POR DOMICÍLIO 2003 TAMANHO MÉDIO PER CAPITA 2003

TOTAL TOTAL (EM PESOS) DO DOMICÍLIO (EM PESOS)

I 1,4 1,2 63.866 4,31 14.818

II 2,7 2,7 144.442 4,42 32.679

III 3,6 3,6 191.812 4,20 45.670

IV 4,5 4,7 250.284 4,18 59.877

V 5,4 5,5 291.995 3,85 75.843

VI 6,9 6,6 348.773 3,66 95.293

VII 7,8 8,3 437.417 3,57 122.526

VIII 10,3 10,8 568.279 3,43 165.679

IX 15,2 15,3 810.931 3,19 254.210

X 42,2 41,2 2.177.245 2,83 769.345

Total 100,0 100,0 528.507 3,76 140.560

Índice 20/20 14,0 14,5

Índice 10/10 30,1 34,3

US$ 1 equivale a cerca de 600 pesos chilenos.Fonte: Fundação Terram, a partir de dados da pesquisa Casen 2003, do Ministério do Planejamento e da Cooperação.

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Como resultado lógico, há uma péssima distri-buição de renda. De acordo com o Informe sobreo Desenvolvimento Humano de 2004, a economiachilena é uma das dez economias sobre as quaisexistem dados disponíveis que tem pior distribui-ção de renda. Os 10% mais ricos detém 41,2% darenda total, e os 10% mais pobres ficam somentecom 1,2% – uma distância maior do que a obser-vada em 1990, e equivalente a 35 vezes.

Além disso, um domicílio pertencente aos10% mais pobres da população tem uma rendaper capita equivalente a US$ 25 mensais. Por outrolado, num domicílio pertencente ao decil mais rico,a renda mensal por pessoa alcança US$ 1.282.Em 60% dos domicílios, a renda mensal por pes-soa não ultrapassa US$ 160, ou seja, US$ 5,3 pordia. Isso é um valor bastante baixo para um paísque, em 2004, registrou um produto interno percapita (ajustado pela paridade do poder de com-pra) de US$ 11 mil.

Fragmentação socialEsses níveis extremos de desigualdade fazem comque as pessoas pobres se sintam mais pobres egerem problemas de anomia, desconfiança e faltade coesão social. O aumento dos índices de delin-qüência é parte desses sintomas. Uma de cadatrês pessoas no Chile foi vítima de delitos em 2003e 2004 (Chile, 2004 b).

O Banco Mundial tem afirmado que, além deser negativo em si mesmo, um alto nível de desi-gualdade dificulta o trabalho de reduzir a pobreza edesacelera o crescimento econômico nos países(Banco Mundial, 2003). Esse ponto de vista – e nãoum imperativo ético ou de justiça social – fez o Chilecomeçar recentemente a reagir a esse problema.

Outra dimensão da desigualdade tem oca-sionado que a maioria das políticas públicas nãoesteja conseguindo um impacto real na popula-ção, ao se chocar com uma barreira cultural e ins-titucional que conforma sistemas absolutamentesegmentados no plano educacional, de saúde e nomercado de trabalho, segundo o poder aquisitivode cada pessoa no Chile. Enquanto não foremabordadas as causas da desigualdade, este pano-rama será mantido, a despeito das promessasfeitas em períodos eleitorais.

ReferênciasBANCO MUNDIAL. Desigualdad en América Latina y el

Caribe: ¿Ruptura con la Historia?. 2003.

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HARDY, Clarisa. Mujeres y poder. El Mostrador, 8 mar. 2005.

MATURANA, Camila. El monitoreo como práctica de controlciudadano: monitoreo del programa de acción de laConferencia Internacional sobre Población y Desarrollo,El Cairo, 1994. Chile: Fórum-Rede de Saúde e DireitosSexuais e Reprodutivos, 2004.

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Bonança petrolífera, escassez de cidadania

EQUADOR

As mobilizações da cidadania que culminaram com a destituição do presidente Lucio Gutiérrez,em abril de 2005, manifestaram a repulsa popular a uma política econômica que pouco fez paradistribuir eqüitativamente as receitas excedentes recebidas pelo Equador depois do aumento dopreço do petróleo e que, paradoxalmente, aumentaram sua dívida externa. O novo governo ex-pressou sua intenção de priorizar as necessidades dos setores mais vulneráveis. Se isso for concre-tizado, é possível que haja avanços na direção da inclusão social.

Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES)

Martha Moncada / Juana Sotomayor

A inserção do Equador no mercado internacio-nal tem sido caracterizada pela exportação dematérias-primas. O modelo econômico imperanteestá baseado na exploração intensiva dos recursosnaturais. Embora tenham sido feitas tentativas dediversificar as exportações, a geração de divi-sas concentra-se na atividade petrolífera desdea década de 1970.

No período de 1995 a 2004, a contribuição dopetróleo ao Orçamento Geral do Estado atingiu amédia anual de 34,5%, como informa publicaçãodo Banco Central do Equador (2005). Segundo ojornal El Comercio (2004), estima-se que esseaporte será de 23% em 2005. Com o objetivo deobter um fluxo maior de divisas, o governo propi-ciou a ampliação e a intensificação da exploraçãopetrolífera e a construção de um novo oleoduto.

Acatando com rigor os postulados neoliberais,a política governamental foi dirigida ao pagamentoda dívida externa e interna, no lugar de cumprir suasobrigações constitucionais com os direitos funda-mentais da população, numa concordância clara comas orientações econômicas, comerciais, sociais epolíticas da década de 1980 e início da década de1990, do chamado Consenso de Washington.

Diversos fatores internacionais determinaramum aumento sem precedentes do preço do petró-leo nos últimos anos, gerando receitas para oscofres públicos que superaram as previsões maisotimistas. Por exemplo, em 2003, na elaboraçãodo orçamento nacional foi considerado o preçode US$ 18 por barril de petróleo, porém as receitasadicionais atingiram US$ 74,6 milhões, com opreço médio do barril em US$ 25,66, segundo oboletim da Secretaria Técnica do Observatório daPolítica Fiscal (OPF) (2004 c). Em 2004, o preçoprevisto no orçamento foi de US$ 18, quando, narealidade, atingiu a média de US$ 32, segundodados do boletim do OPF (2005 b).

O preço subestimado do petróleo não podeser entendido como resultado de má previsão eco-nômica. Ao contrário, a decisão de formular o or-çamento governamental sem levar em conta a ten-

dência de aumento dos preços internacionais doshidrocarbonetos revela uma clara intenção deprivilegiar o pagamento da dívida, assim comooutros gastos desvinculados dos serviços sociais.

Com os excedentes obtidos com o aumentodos preços, o governo criou o Fundo Petroleirode Estabilização para o financiamento da polícianacional (10%), investiu na construção da rodo-via-tronco amazônica (35%) e no atendimento àsprovíncias de Esmeraldas, Loja, Carchi, El Oro eGalápagos (10%). Os restantes 45% formaramo Fundo de Estabilização, Investimento Social eProdutivo e Redução do Endividamento Público(Feirep), cujos recursos se destinam a recompraros títulos da dívida pública (70%) e a criar umfundo de estabilização das receitas petrolíferas(20%) – deixando apenas os restantes 10% paraos investimentos sociais.

Exclusão maior para mulheresEm conseqüência, o aumento dos volumes e dospreços do petróleo não impediu que a pobrezacontinuasse a se aprofundar. Para a grande maio-ria da população, a satisfação mínima de direitoscomo habitação, acesso à saúde pública de qua-lidade, à educação universal e gratuita e à seguran-ça alimentar se converteu em ilusão inalcançável.

Os dados do Sistema Integrado de Indica-dores Sociais do Equador relativos ao consumoindicam que 61,3% da população enfrenta situa-ções de pobreza. Dessa parcela, 31,9% vivem naindigência, com diferenças significativas entre acidade e o campo, onde existem carências mate-riais de vários tipos, assim como distâncias maisprofundas dos setores indígenas e afrodescen-dentes, se comparados à população mestiça.

Segundo o Índice de Desenvolvimento Hu-mano, o país teve um retrocesso. Se, em 1999, oEquador ocupava a 69a posição entre 175 paísesdo mundo para os quais havia informações dis-poníveis, em 2003 passou para a 97a posição e,em 2004, para a centésima.1

O impacto desproporcional e diferenciadoda deterioração das condições de vida é aindamais crítico nos setores vulneráveis, entre osquais se destacam a população indígena, as crian-ças e adolescentes, as mulheres e pessoas idosas.Não se tem feito um esforço sistemático e opor-tuno no país para coletar informações que refli-tam as iniqüidades entre os gêneros, desconhe-cendo-se os compromissos assumidos na 4a

Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim,1995) e outros instrumentos internacionais dedireitos humanos.

No entanto, as pesquisas conduzidas pororganizações sociais e alguns departamentos degoverno chamam a atenção para os impactos nega-tivos, com características especialmente gravespara as mulheres.

O analfabetismo afeta quase dez de cadacem mulheres, enquanto entre os homens repre-senta 7% (Pnud, 2004). As diferenças são aindamais significativas nas áreas rurais. Em 2003, osubemprego feminino era de 50% e, entre os ho-mens, 25%, enquanto os dados do desempregoeram de 11% e 6,5%, respectivamente (LarreaMaldonado, 2004).

A exclusão e as práticas discriminatórias so-fridas pelas mulheres estão evidenciadas na re-muneração menor pela realização de atividadessimilares, se comparada à dos homens (ConselhoNacional das Mulheres, 2005).2 Além disso, nota-seuma crescente precarização do emprego, especial-mente do feminino, e limitações no exercício dosdireitos relacionados à maternidade e à saúde re-produtiva. Por outro lado, muitas atividades desen-volvidas pelas mulheres não são remuneradas.

Em termos da propriedade da habitação, so-mente 68% das mulheres chefes de família dis-põem de casa própria ou ainda a estão pagando.

1 Ver as edições de 1999, 2003 e 2004 do Informe deDesarrollo Humano, publicação do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

2 Em 2003, a renda média mensal das mulheres nas áreasurbanas era de US$ 167, enquanto a dos homensatingia US$ 249. A situação é mais grave no campo,onde as mulheres recebem mensalmente US$ 126,enquanto a renda média dos homens é US$ 192 e acesta básica familiar está em torno de US$ 350.

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Levando em conta que há uma tendência cres-cente ao aumento do número de famílias chefiadaspor mulheres, pela emigração de seus companhei-ros ou pelo aumento do número de divórcios, osimpactos diferenciados sofridos por esse setorafetam com força inusitada o conjunto da socie-dade, especialmente crianças e pessoas idosasque estão sob seus cuidados (Conselho Nacionaldas Mulheres, 2005).

A estreiteza das políticas sociaisDiante da situação de risco enfrentada pelos seto-res majoritários do país, o Estado equatoriano temdemonstrado uma total falta de eqüidade na formu-lação e na execução de suas políticas públicas,tanto fiscais como sociais. Além disso, não ex-pressou a vontade política de enfrentar as formastradicionais de discriminação em função da ida-de e do gênero. Diversas estimativas3 indicam queo investimento público social no país reflete umdos índices mais baixos em relação a outros paí-ses da região, com percentuais que só represen-taram 4,5% do PIB em 2003.

Apesar da maior disponibilidade de receitasfiscais provenientes das exportações de petróleoe do processo de aprofundamento da pobreza, apolítica fiscal equatoriana continua a diminuir osrecursos destinados a investimentos sociais, aoponto em que o país não pôde sequer recuperaros níveis desses investimentos de mais de umadécada passada. Em 1992, os investimentos so-ciais representavam 5,2% do PIB; 11 anos antes,em 1981, alcançavam 6,3%, segundo dados daSecretaria Técnica do OPF (2004 a).

No contexto internacional, a população equa-toriana, cuja maioria tem até 25 anos, recebe umaparcela muito limitada de recursos para a satisfa-ção de seus direitos básicos, tais como dez anosde educação gratuita e universal, acesso a serviçosde saúde (com prioridade para mulheres grávidas,crianças menores de 5 anos e pessoas idosas), sa-neamento básico, habitação e emprego. Segundodados de 2001, o investimento público em saúdeatingiu somente US$ 16 por habitante ao ano,sendo o mais baixo entre os 18 países da região eobrigando as famílias a assumirem diretamente48,6% do total desse gasto, como informa a Se-cretaria Técnica do OPF (2005 a).

Em 2001, o Equador investiu US$ 45 anuaispor habitante em educação, ficando em penúltimolugar entre os países da região quanto aos gastos

nesta área, superando apenas a Nicarágua, queinvestiu US$ 28. Como conseqüência desse baixoinvestimento, cerca de 700 mil crianças e adoles-centes, entre 6 e 17 anos, não puderam ingressarno sistema educacional em 2004, assim aponta aSecretaria Técnica do OPF (2004 b). Embora essainformação não esteja disponível com dados desa-gregados por sexo, certamente são as mulheresas mais excluídas da sala de aula.

Além de alocar migalhas para o investimentosocial, os programas governamentais, seguindoa linha imposta pelo Banco Mundial e pelo FundoMonetário Internacional (FMI), foram caracterizadospor respostas imediatistas e assistencialistas, nãocontribuindo para a criação de capacidades e opor-tunidades, não promovendo a sustentabilidade enem levando em conta na sua formulação e apli-cação de aspectos essenciais como o gênero, aruralidade, a idade e a cultura.

As intervenções do Estado estão dirigidas aoalívio temporário e pontual de algumas carênciasmateriais básicas, como a falta ou insuficiênciade alimentos para mulheres grávidas e criançaspequenas, e outros casos. Essas políticas con-sistiram numa transferência limitada de recur-sos a setores em situação de pobreza extrema.Por exemplo, o chamado “bônus solidário”, que,com enfoque de caridade pública, não permitesuperar as precárias condições de vida doshomens e das mulheres que recebem esse sub-sídio. Como podem essas pessoas superar apobreza se recebem mensalmente US$ 15 porserem mulheres que chefiam famílias ou US$11 por serem idosas?

A intervenção governamental no âmbito so-cial não pretende afetar as causas estruturais dapobreza e tem dado pouca ou nenhuma impor-tância à iniqüidade na distribuição de riquezas nopaís. Enquanto 20% da população se apropria de58% da riqueza, no outro extremo os 20% maispobres têm acesso a somente 3,3% (Pnud, 2004).Também não foram feitos esforços para reativar aprodução de pequenos agricultores e agricultorase de camponeses e camponesas, responsáveispelo abastecimento de alimentos ao mercado in-terno, e para melhorar as condições de saúde eeducação da população.

Nesse contexto, é difícil prever que os direi-tos econômicos, sociais e culturais consagradosna Constituição serão garantidos na realidade.Se forem mantidas as prioridades que põem emprimeiro lugar os avanços macroeconômicos, nemserá possível cumprir as Metas de Desenvolvi-mento do Milênio aprovadas pela Organização dasNações Unidas (ONU) em 2000. Essas metas,apesar de suas limitações em termos de direitoshumanos, constituem uma oportunidade de melho-ria para a grande maioria da população.

É possível reorientar as prioridades?Se em tempos de bonança, com os altos preçosdo petróleo, a pobreza continua se aprofundandoe o pagamento da dívida externa tem prioridadesobre as políticas públicas sociais, então, quandopoderemos esperar mudanças?

O aspecto paradoxal do modelo econômicoé evidenciar que a superação da pobreza e a garan-tia do pleno exercício dos direitos da populaçãoequatoriana não têm relação diretamente propor-cional com a disponibilidade de mais recursoseconômicos. Essa afirmativa não desconhece aimportância da dimensão econômica na cons-trução do desenvolvimento. No entanto, questio-na a relação linear e causal entre receitas maiorese a melhoria da qualidade de vida da população,num contexto no qual os setores sociais maisvulneráveis carecem de poder efetivo para influirnas decisões fiscais e orçamentárias – o que fariauma diferença real para garantir seus direitoseconômicos sociais.

O exemplo equatoriano é eloqüente a esserespeito. Embora nos últimos 35 anos o país tenharecebido grandes volumes de divisas pelas ven-das do petróleo, isso não se refletiu na melhoriadas condições de vida de sua população. Parado-xalmente, o aumento das receitas públicas duranteo chamado “boom petroleiro” (1972–1982) deuinício a um processo surpreendente de endivi-damento externo.

A alta polarização social no país e a poucacapacidade de organização, influência e partici-pação da sociedade civil nas decisões sobre polí-ticas públicas são fatores que limitaram a dis-cussão de novas prioridades que, entre outroselementos, subordinasse o pagamento da dívidaexterna à solução dos problemas que afetam amaior parte da população.

Num contexto de crescente liberalização docomércio, a possibilidade de a produção nacionalter posições vantajosas no mercado internacio-nal dependerá, além da qualidade dos bens deexportação, do acesso a fatores competitivos.Lamentavelmente, com taxas de inflação maisaltas em relação ao contexto internacional, assimcomo taxas de juros internas pouco atrativas paraos investimentos, a possibilidade de reduzir oscustos está quase exclusivamente na diminuiçãodos salários, na flexibilização trabalhista e na con-seqüente perda de benefícios para trabalhadorese trabalhadoras. Além disso, há uma precariza-ção do trabalho cada vez maior, até mesmo como crescimento da inserção de crianças, jovens emulheres camponesas e indígenas nos setores deprodução e de serviços.

Por outro lado, o aprofundamento da libera-lização econômica ameaça aumentar os níveis deiniqüidade e a perda dos meios de subsistência

3 Ver Badillo (2001) e os dados fornecidos pelo SistemaIntegrado de Indicadores Sociais do Equador e peloObservatório da Política Fiscal.

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de populações tradicionais que vivem em áreasonde atualmente se realizam atividades produ-tivas destinadas às exportações.

Inaugurado com a destituição, em abril desteano, do presidente Lucio Gutiérrez (depois de umainusitada mobilização da cidadania que recla-mava a restituição e a vigência dos mecanismosdemocráticos como base para uma nova relaçãocom o poder), o atual cenário político do país podeser um momento propício para acolher as reivin-dicações da cidadania e rever a forma como setem distribuído os excedentes do petróleo quealimentam o Feirep.

O atual ministro da Economia, Rafael Correa,propõe alocar 40% dos recursos desse fundo àreativação econômica – especialmente paracamponeses(as) e pequenos(as) produtores(as)–, 30% a investimentos sociais, 10% à ciência etecnologia e 20% a contingências. Essa propostamodifica as prioridades de investimento e os gas-tos dos recursos governamentais em benefíciodos setores mais vulneráveis da população.

Se for concretizada, tal proposta poderá abrircaminho para o cumprimento dos direitos sociaise culturais da população equatoriana em seu con-junto e dos grupos tradicionalmente excluídosem função de gênero, idade e etnia. Além disso,poderá ser a base para mudar as ações governa-mentais focalizadas e desarticuladas e universali-zar as políticas sociais, superando o caráter restritodas soluções de “remendos”, que impossibilitamos grupos mais pobres de escapar dos círculosperversos da pobreza.

ReferênciasBADILLO, Daniel. La inversión social pública ecuatoriana en

el contexto latinoamericano. Ajuste con Rostro Humano,Quito, Unicef, n. 8, 2001.

BANCO CENTRAL DO EQUADOR. Información estadísticamensual, Quito, n. 1.836, 28 fev. 2005.

CONSELHO NACIONAL DAS MULHERES. Beijing +10 – Losderechos humanos de las mujeres ecuatorianas 10 añosdespués. Quito, 2005.

EL GASTO de 2005 con más fondos. El Comercio, Quito, 1dez. 2004.

LARREA MALDONADO, Carlos. Pobreza, dolarización ycrisis en el Ecuador. Quito: Abya-Yala, 2004.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVI-MENTO (PNUD). Informe de Desarrollo Humano 2004.

. Informe de Desarrollo Humano 2003.

. Informe de Desarrollo Humano 1999.

SECRETARIA TÉCNICA DO OBSERVATÓRIO DA POLÍTICAFISCAL (OPF). Boletim, Quito, n. 19, fev. 2005 b.

. Cartilla educativa sobre macroeconomía, Quito, n.7, jan. 2005 a.

. Boletim, Quito, n. 8, mar. 2004 c.

. Cartilla educativa sobre macroeconomía, Quito, n.6, out. 2004 b.

. Cartilla educativa sobre macroeconomía, Quito, n.2, jun. 2004 a.

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Quando o bem-estar social não é prioridade

ESTADOS UNIDOS

Um corte no orçamento federal de US$ 143 bilhões nos programas de desenvolvimento socialpara compensar um déficit que pode ainda crescer, causado pelo aumento dos gastos militares dequase US$ 200 bilhões, põe em risco a rede de seguridade social, como o tíquete-alimentação,empréstimos a estudantes e serviços médicos públicos. Segundo muitas pessoas, o emprego não ésuficiente para escapar da pobreza. Além disso, a discriminação sexual e a racial continuam areduzir as rendas das mulheres e da população negra.

Instituto de Agricultura e Políticas ComerciaisCentro de Consciência Social (Center of Concern) /Rede de Gênero e Comércio dos Estados UnidosFórum Interamericano & Projeto de VínculosGlobais-LocaisFederação Americana do Trabalho e Congresso dasOrganizações Industriais (AFL-CIO)

Patricia Jurewicz / Kristin Dawkins / Alexandra /Spieldoch / Tanya Dawkins / Thea Lee

Os Estados Unidos estão longe de alcançar seuscompromissos de erradicação da pobreza e deinclusão social, especialmente para as mulheres,conforme foi acordado há dez anos na CúpulaMundial sobre Desenvolvimento Social (Copen-hague, 1995) e na 4a Conferência Mundial sobrea Mulher (Pequim, 1995). Em 2004, uma de cadaoito mulheres adultas no país vivia na pobreza,como informa publicação da Organização deMulheres para o Meio Ambiente e o Desenvol-vimento (Women’s Environment & DevelopmentOrganization, 2005, p. 162). Em conseqüência dacrescente pressão para acabar com a assistênciagovernamental às mães de baixa renda, maismulheres pobres têm empregos, porém suas vidase as de suas famílias não melhoraram. O custo devida nos Estados Unidos tem aumentado conti-nuamente, sem aumentos correspondentes desalários. O atendimento médico básico ficou de-masiado caro, e as mulheres têm menos tempopara ficar em casa.

A pobreza e a exclusão social não são somen-te problemas das mulheres, mas afetam todas asfamílias e comunidades. Diariamente, mais de 6milhões de crianças ficam sozinhas em casa de-pois da escola nos Estados Unidos. Quase 900mil são vítimas de abuso ou abandono a cada anoe aproximadamente uma criança ou adolescentemorre em virtude de arma de fogo a cada trêshoras, segundo comunicado de imprensa doFundo de Defesa da Criança (Children’s DefenseFund, 2005). Até o governo dos Estados Unidosreconhecer que 13 milhões de crianças vivemem dolorosa pobreza dentro de suas fronteiras etomem medidas corretivas, a segurança e obem-estar estão ameaçados no país.

Para um grande e crescente número de famí-lias estadunidenses, o fato de terem um trabalho

não é suficiente para livrá-las da pobreza. Embora arenda real per capita tenha crescido 66% entre 1973e 2000, o percentual de famílias empobrecidaspermaneceu no mesmo nível – pouco acima de11% (Mishel, Bernstein e Allegretto, 2005, p. 12).Em parte, a pobreza persiste porque os preçosdas necessidades básicas, como alimentação, mo-radia e transporte, crescem mais rapidamente doque os salários. Em 2004, a maior parte dos salá-rios de trabalhadores e trabalhadoras, descon-tada a inflação, permaneceu no mesmo nível oudecresceu, enquanto somente 5% da população queganha mais teve a renda aumentada (Greenhouse,2005). Trabalhadores e trabalhadoras que rece-bem o salário mínimo federal (US$ 5,15/hora) nãotiveram aumentos desde 1997. Como a lei nãoindexa o salário mínimo à inflação, seu valor écorroído com o passar do tempo.

Trabalhadores e trabalhadoras que hoje ga-nham salário mínimo recebem um terço do salário-hora médio considerado pelo governo federalnecessário para manter uma família de quatropessoas livre da pobreza (um déficit de US$ 8 milna renda anual). Segundo dados da FederaçãoAmericana do Trabalho e Congresso das Organi-zações Industriais (AFL-CIO, 2005), 15 estadosaprovaram leis com salário mínimo mais alto, ecinco deles exigem um mínimo de US$ 7/hora,valor ainda insuficiente para que uma família dequatro pessoas fique acima da linha de pobreza.

O número de pessoas de famílias pobres quetrabalham tem crescido significativamente naúltima década. A reforma realizada pelo presi-dente Clinton no programa de assistência social(welfare) em 1996, considerada um sucesso porter reduzido à metade o número de pessoas querecebem assistência social do governo, empur-rou ex-beneficiários(as) da assistência social paraempregos denominados de workfareNT – postosde trabalho sem benefícios de seguro-saúde e comsalários tão baixos que mantinham trabalhadores

e trabalhadoras na pobreza. Em 2003, as medi-das de reforma da assistência social haviam dei-xado 35,9 milhões de cidadãos e cidadãs estadu-nidenses e residentes abaixo da linha nacional depobreza, segundo publicação do Departamento doCenso dos Estados Unidos (2004, p. 9).

Distância entre gêneros e entre raçasPor três anos seguidos, vem aumentando o nú-mero de mulheres abaixo do limiar de pobreza.Atualmente, 13,8 milhões de mulheres adultas –uma de cada oito – vivem na pobreza nos EstadosUnidos. Para mães solteiras não-brancas, a situ-ação é muito pior: aproximadamente uma de cadaquatro vive na pobreza por causa da discrimina-ção racial, segregação ocupacional, diminuiçãodo acesso à educação de qualidade e níveis despro-porcionalmente altos de desemprego, como infor-ma o Instituto de Pesquisa de Políticas da Mulher(Institute for Women’s Policy Research, 2004, p. 31).

O programa federal de seguridade social éa única fonte de renda de uma de cada quatromulheres idosas, e duas de cada três mulheresrecebiam pelo menos a metade de sua renda daseguridade social (Lee e Shaw, 2003, p. 23-24).Estudos prevêem que, sem esse benefício, doisterços das mulheres não-casadas com mais de65 anos que vivem sozinhas estariam na pobreza(Lee e Shaw, 2003, p. iii).

Há uma década, os Estados Unidos aceita-ram a Convenção sobre a Eliminação de Todas asFormas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw)e assumiram o compromisso de atingir a igualda-de entre mulheres e homens. No entanto, hoje,as mulheres ganham em média somente US$ 0,76para cada US$ 1 recebido pelos homens. Em 1995,eram US$ 0,71, como indica o Departamento doCenso dos Estados Unidos (2004, p. 34). Entreas minorias, a distância salarial é ainda maior,quando comparada aos salários do homem brancoem 1999. As mulheres afro-americanas ganhavam62,5%, as indígenas recebiam 57,8% e as hispâ-nicas, 52,5% do salário médio pago ao homembranco (Institute for Women’s Policy Research,2004, p. 20). A discriminação racial, combinadacom a segregação ocupacional, cria barreiras

NT Workfare (welfare to work programs) eramprogramas de assistência social que trocavambenefícios por trabalho.

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tremendas ao emprego, às promoções e a rendasmais altas. As mulheres não-brancas estão aindaflagrantemente sub-representadas em muitosempregos de alta remuneração. A discriminaçãoem função do sexo e da raça continua a reduzir arenda das mulheres (Institute for Women’s PolicyResearch, 2004, p. 22).

Existem leis contra a iniqüidade salarial e degênero desde a década de 1960, porém elas nãosão aplicadas de forma adequada. A administraçãodo presidente George W. Bush tem cortado inicia-tivas para financiar a aplicação de leis contra adiscriminação salarial e está deixando de coletardados sobre as trabalhadoras, chegando ao pontode retirar informações sobre a distância salarialentre os gêneros do website do Departamento doTrabalho (Women’s Environment & DevelopmentOrganization, 2005, p. 156 e 161). A desigualdadee a discriminação continuarão a ocorrer se nãoforem gerados os dados desagregados por sexonecessários para uma análise de gênero.

O peso da Wal-Mart para a sociedadeA rede de supermercados Wal-Mart tem sido pro-cessada com mais freqüência do que qualqueroutra empresa privada dos Estados Unidos. Em1991, seis mulheres iniciaram um dos mais conhe-cidos processos contra a Wal-Mart, que se trans-formou numa das maiores ações populares dedireitos civis da história, envolvendo mais de 1milhão de mulheres acusando a empresa de discri-minação sistemática nos salários e nas promoções.Atualmente, menos de 15% dos gerentes de lojassão mulheres, embora elas constituam dois terçosda força de trabalho da companhia.

Como a maior empregadora da nação, comaproximadamente 1,3 milhão de empregados(as),a Wal-Mart mudou o cenário varejista dos EstadosUnidos, fazendo grandes esforços para evitar aorganização sindical dos empregados e empre-gadas, reduzindo seus planos de saúde e pagandosalários abaixo da linha de pobreza. A empresaexige que funcionários e funcionárias assinemformulários concordando em não entrar em sin-dicatos, numa violação flagrante das leis traba-lhistas do país (Featherstone, 2004). Comparadaa outros varejistas, a Wal-Mart possui um per-centual maior de empregados(as) sem cober-tura de plano de saúde.

Em todo o país, 66% de todos os trabalha-dores e trabalhadoras recebem benefícios desaúde de seu empregador ou de sua empregadora,porém menos de 46% dos empregados e empre-gadas da Wal-Mart têm cobertura do seguro-saúde (Miller, 2004). O Departamento de Pessoaldessa rede de supermercados distribui materialescrito explicando como solicitar o tíquete-alimen-tação do governo e o seguro de saúde pública

(Featherstone, 2005). Um estudo da Comissão deEducação e Trabalho da Câmara Federal determi-nou que, em 2004, os empregados e empregadasda Wal-Mart tiveram direito a US$ 2,7 bilhões emassistência federal (Miller, 2004). Em essência,os(as) contribuintes dos Estados Unidos estãosubsidiando os lucros da empresa.

A promoção da insegurançaA proposta de orçamento federal para 2006 dopresidente George W. Bush corta US$ 143 bilhõesem gastos opcionais nos próximos cinco anos,eliminando 150 programas nacionais. Ela tambémelimina US$ 30 bilhões de vários programas cujofinanciamento é obrigatório por lei – os chamadosprogramas de direitos a benefícios sociais (Horney,2005). Esses cortes draconianos não somenteprejudicam as escolas, o desenvolvimento comu-nitário, o transporte, a pesquisa científica e o meioambiente, como também solapam programas deproteção social de larga data, entre eles o tíquete-alimentação, empréstimos estudantis e o progra-ma de reembolso de despesas médicas (Medicaid).NT

Mais de 45 milhões de pessoas não possuemseguro-saúde. O programa de reembolso dedespesas médicas, que já tem 40 anos e oferecebenefícios médicos a 35 milhões de pessoas, seráalvo de um corte de US$ 45 bilhões nos próxi-mos dez anos. Os estados já prevêem serem for-çados a terminar seus programas de reembolsode despesas médicas por causa da falta de fundos.Quase a metade dos imigrantes sem cidadaniaestadunidense (45,3%) não tem seguro-saúde,enquanto a média nacional de pessoas nessasituação é de 15,6% (Departamento do Censo dosEstados Unidos, 2004, p. 17). O Instituto de Me-dicina estima que a falta de cobertura de seguro-saúde causa aproximadamente 18 mil mortesdesnecessárias anualmente e custa de US$ 65bilhões a US$ 130 bilhões por ano em perdas derecursos, segundo comunicado de imprensa doInstituto de Medicina (2004).

Esses cortes nos programas de desenvolvi-mento social foram propostos para compensar odéficit orçamentário de mais de US$ 400 bilhõescriado em somente quatro anos, a despeito deum superávit de mais de US$ 200 bilhões no ano2000. No entanto, mesmo com a eliminação des-ses programas, espera-se que o déficit cresça emUS$ 168 bilhões nos próximos cinco anos porcausa do aumento dos gastos militares de quaseUS$ 200 bilhões, dos cortes de impostos para osricos de US$ 106 bilhões e dos US$ 36 bilhõesgastos com os juros da dívida interna.

Mais da metade das reduções de impostosvai beneficiar famílias com rendas anuais acimade US$ 1 milhão (0,2% das famílias), e quase 80%dos cortes de impostos beneficiarão 3,1% dasfamílias que ganham mais de US$ 200 mil porano (Instituto de Medicina, 2004). Como conse-qüência direta desses cortes e dos anteriores, asreceitas federais, como uma parcela da economia,estão no nível mais baixo desde a década de 1950.Se os cortes propostos se estenderem, reduzirãoas receitas governamentais em US$ 2,1 trilhõesaté 2015 (Friedman, Carlitz e Kamin, 2005).

Crianças deixadas para trásReduções severas do apoio federal à populaçãopobre agravaram os problemas enfrentados pelos50 estados, que têm a obrigação de assistir quempassa fome e não tem moradia. Trinta e um estadosregistraram despesas superiores às previstas nosseus orçamentos de 2005. Em relação ao orça-mento federal proposto para 2006, a ConferênciaNacional dos Legislativos Estaduais identificoupelo menos US$ 30 bilhões de custos transferi-dos do governo federal aos governos estaduais,incluindo um corte geral de 1% no orçamento doDepartamento de Educação.1

A legislação conhecida como “Nenhuma crian-ça deixada para trás” (NCLB, na sigla em inglês)do presidente Bush exige que todas as criançasdas escolas primária e secundária alcancem umapontuação anual em testes nacionais padronizados.Se essas metas não forem atingidas, a escola so-fre conseqüências na forma de “reestruturação”,“perda de financiamento” ou “ação corretiva”.

Legisladores e legisladoras estaduais, profes-sores e professoras e defensores e defensoras dosdireitos das crianças têm pedido ajustes na legis-lação. Solicitam que o governo federal elimine ométodo de medição igual, reconhecendo os desa-fios especiais enfrentados pelas crianças porta-doras de deficiências e/ou que não falam o inglêscomo idioma nativo. Também pedem a remoçãodos obstáculos que sufocam as inovações dosestados e o financiamento integral do programa.2

No caso das escolas primárias, estima-se queocorra um déficit de financiamento de pelo menosUS$ 12 bilhões em 2006, sendo o déficit cumula-tivo de quase US$ 40 bilhões desde que a lei foiaprovada, em 2002.3

NT Benefícios de saúde fornecidos pelo Estado para aspessoas mais pobres.

1 Ver o texto “States still struggling to keep budgetsbalanced” (2005), disponível no site da ConferênciaNacional dos Legislativos Estaduais.

2 Ver o texto “State legislators offer formula for improvingno child left behind act” (2005), disponível no site daConferência Nacional dos Legislativos Estaduais.

3 Ver o texto “Deep cuts in the President’s budget;Committees ready to act” (2005), disponível no site daCoalition on Human Needs.

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Observatório da Cidadania 2005 / 84

Além disso, o governo Bush tem cortado nu-merosos programas que envolvem atividades forada escola, o que afeta a capacidade de aprendi-zagem dos alunos e alunas. Por exemplo, o orça-mento de 2006 elimina recursos a 25 mil criançasdo programa “Começar Cedo” (dirigido à primeirainfância) e 300 mil crianças deixarão de ser aten-didas em creches até 2009.

Em 2002, cerca de 7% da população brancana faixa etária de 16 a 24 anos não havia comple-tado a escola secundária, em comparação com12% das pessoas negras e 26% das hispânicas.4

Estudos têm comprovado que adultos e adultasjovens com baixo desempenho educacional ouque não completaram seus estudos secundáriostêm mais probabilidade de viver na pobreza, re-ceber assistência governamental e se envolvercom a criminalidade.

Cumprindo a promessa de um futuro dignoNos últimos anos, os Estados Unidos têm vividoa maior perda de empregos desde a Grande De-pressão (1930–1939). De janeiro de 2001 a marçode 2005, mais de 2,7 milhões de pessoas perde-ram seus empregos na indústria manufatureira eoutras 850 mil ficaram sem trabalho nos setoresde serviços profissionais e da informação (Women’sEnvironment & Development Organization, 2005,p. 161). As pequenas empresas foram levadas àfalência pelas corporações transnacionais, quetêm maiores economias de escala e a capacidadede vender produtos abaixo do custo em merca-dos estratégicos.

Os sindicatos perderam filiados e filiadas epoder nos contratos coletivos à medida que ascorporações multinacionais reduziam salários,transferindo empregos para fora do país ou amea-çando se mudar para outros países. Em escalanacional, os novos empregos pagam em média21% a menos do que os antigos. Ao tentaremcompetir com a Wal-Mart, os supermercados rivaisalegam que não podem mais cobrir os custosde seguro médico.

Tradicionalmente, a população estadunidensepôde atender a suas necessidades básicas comuma combinação dos benefícios fornecidos porseus empregadores e empregadoras e os saláriosque lhes permitiam assegurar suas necessidadesfundamentais. Em situações calamitosas, o go-verno ajudava seus cidadãos e cidadãs a se recu-perarem. Infelizmente, nem o governo nem ascorporações estão fornecendo benefícios, saláriosou programas que muitas famílias e mulheres,especialmente em comunidades não-brancas, pre-cisam ter, hoje, para não dormirem com fome.

Há várias ações imediatas que o governodeve realizar para cumprir seus compromissos dedesenvolvimento humano feitos dez anos atrás.A primeira e mais importante é o governo reco-meçar a coleta de dados desagregados por sexoem todos os níveis. Sem uma análise de gênero,é impossível formular um pacote de políticas pú-blicas que enfrente as necessidades específicasdas pessoas pobres, forneça um conjunto de ser-viços ao público em geral e assegure que o setorprivado faça sua parte. Por exemplo, políticas quetratem da licença-maternidade remunerada, cre-ches e necessidades ergonômicas específicas nãopodem ser desenvolvidas sem, primeiramente,termos dados que reflitam o grau de discriminaçãonos locais de trabalho.

O governo federal deve fazer cumprir as leis deoportunidade igual e aumentar o salário mínimo.Os legisladores e as legisladoras federais e esta-duais devem reforçar seus compromissos com ahabitação de baixo custo e o seguro-saúde público,além de minimizar a escalada de aumentos doscustos com a saúde. Também devem alocar fundossuficientes para creches que atendam mães traba-lhadoras de baixa renda e garantir que todas as cri-anças tenham acesso à educação de alta qualidade.As políticas de assistência pública devem enfrentara redução da pobreza com benefícios integralmentefinanciados, levando em conta a inflação.

Finalmente, as corporações devem pagar sa-lários acima da linha de pobreza, fornecer seguro-saúde de baixo custo, incluindo o atendimentopré-natal, oferecer benefícios de aposentadoriasuficientes para todos os empregados e empre-gadas, até mesmo às mães que trabalham em regi-me parcial, e treinar as mulheres para que possamassumir posições gerenciais. Se tratarem seustrabalhadores e trabalhadoras de forma adequada,as grandes empresas possibilitarão que o governoajude quem realmente necessita. Só então, pode-remos dizer que somos uma nação de mulheres,homens e crianças com vida segura e digna.

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WOMEN’S ENVIRONMENT & DEVELOPMENTORGANIZATION. Beijing Betrayed. 2005. Disponível em:<http://www.wedo.org/library.aspx?ResourceID=31>.Acesso em: 25 ago. 2005.

4 Ver o texto “High school dropout rates”, disponível nosite Child Trends DataBank.

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Observatório da Cidadania 2005 / 85

Por uma definição plural de pobreza

INDONÉSIA

Os programas de redução da pobreza devem levar em conta as disparidades regionais e incluirmetodologias e estratégias sensíveis ao gênero, assim como permitir a participação e a contribui-ção das organizações civis das mulheres. Além disso, o governo precisa implementar medidasespecíficas para cumprir as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs) e aplicar mecanismosque busquem reduzir a corrupção e a burocracia.1

Programa de Empoderamento das Famílias Chefiadaspor Mulheres (Pekka)

Nani Zulminarni2

Em 2004, a população da Indonésia era estimadaem 210 milhões de pessoas, a metade delas cons-tituída de mulheres. Calcula-se que 55,6% vivemem áreas rurais e 65,6% estão na faixa etária pro-dutiva (15–64 anos de idade). Dados oficiais reve-lam que a renda per capita média anual é US$ 621e que 18,4% dos indonésios e indonésias vivemabaixo da linha de pobreza, com menos de US$ 1por dia. No entanto, o bem-estar da população tam-bém pode ser medido pelos gastos mensais comnecessidades básicas. Segundo esse critério, osgastos médios mensais de mais de 49% da popu-lação são inferiores a 200 mil rupias indonésias(US$ 21) – ou seja, menos de US$ 1 por dia. Issoindicaria a existência de um número maior depessoas vivendo abaixo da linha de pobreza doque o registrado pelos dados oficiais.

Estatísticas de 1993 mostram níveis de po-breza muito inferiores, com somente 4,3% dasfamílias, ou 10% da população vivendo abaixo dalinha de pobreza. Esses dados parecem confirma-dos pelo Informe de 2004 do Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento (Pnud), cujo Índicede Desenvolvimento Humano (IDH) classifica aIndonésia na 111a posição entre 177 países (em2001, ocupava a posição 112a entre 175 países).

Alguns indicadores revelam que as mulheresestão em situação pior do que os homens. A taxade mortalidade materna é ainda alta, de 373 paracada 100 mil crianças nascidas vivas, enquanto ataxa de mortalidade infantil é 40 para cada milcrianças nascidas vivas. A educação é outro indi-cador revelador, pois mostra que o número demulheres analfabetas ou com pouca educação éduas vezes maior do que o dos homens. Dados de2002 estimam que 12,79% das mulheres e 5,85%dos homens não sabem ler nem escrever.

Entretanto, a contribuição das mulheres paraa economia não pode ser ignorada. Cerca de33,5% realizam trabalho não-remunerado paraassegurar a sobrevivência de suas famílias e trêsvezes mais mulheres do que homens trabalhamno exterior, em países como Arábia Saudita,Malásia, Cingapura, Brunei e Coréia do Sul, e emHong Kong. Essas trabalhadoras migrantes nãorecebem praticamente nenhuma proteção do paíshospedeiro ou do governo indonésio durante seuperíodo no exterior e todos os anos são relatadoscasos de violência contra elas.

Outro fenômeno na Indonésia é o númerocrescente de mulheres chefiando famílias, incluin-do viúvas e solteiras. Dados de 1993 mostravamque 10% das famílias eram chefiadas por mulhe-res. Em 2003, esse percentual havia crescido para13,19%, embora o número real pudesse ser maisalto do que a estimativa oficial. Conflitos perma-nentes em algumas regiões do país e pobrezaextrema em outras (na Indonésia Oriental) causa-ram a migração dos homens em busca de umavida melhor. Com freqüência, os homens deixampara trás suas mulheres. As famílias chefiadas pormulheres são em geral relativamente mais pobres,se comparadas com aquelas chefiadas por ho-mens. Estatísticas de 1999 em diante mostramque o número de famílias chefiadas por mulheresvivendo abaixo da linha de pobreza está aumen-tando, ao passo que diminui entre aquelas che-fiadas por homens.

A renda média diária das famílias chefiadaspor mulheres está em torno de 7 mil rupias indo-nésias (US$ 0,73). Elas têm, em média, três depen-dentes e muitas vivem em áreas rurais e remotas.O nível educacional das pessoas dessas famíliasé muito baixo. Mais da metade tem somente edu-cação primária. Seus membros trabalham princi-palmente nos setores informal, como pequenos(as)comerciantes, trabalhadores(as) diaristas empequenas plantações de arroz ou comopequenos(as) agricultores(as).3

Esforços ineficazes para reduzir pobrezaNos últimos dez anos, houve muitas estratégiasde redução da pobreza, programas e atividadesrealizadas por meio de vários projetos de alívioda pobreza desenvolvidos pelo governo e porONGs. Entre os exemplos, estão incluídos o Pro-jeto Presidencial de Aldeias Subdesenvolvidas,criado pelo regime da Nova Ordem,NT assim comoprojetos de geração de renda organizados porONGs. Um programa emergencial para pessoaspobres, similar às redes de proteção social, foitambém desenvolvido antes da crise econômicade 1997, juntamente com o Programa de Recu-peração Comunitária estabelecido pelo governo.Apesar do aumento da renda das famílias pobrese da satisfação das necessidades básicas duranteo período do projeto, não foi notado um impactomais amplo na eliminação da pobreza.

As ONGs desenvolveram vários programas deempoderamento comunitário para organizar homense mulheres e formar redes de pessoas pobres, taiscomo o Consórcio de Pobres Urbanos, a Rede deMulheres de Pequenas Empresas, a Associaçãode Agricultores Indonésios, a Associação de Traba-lhadores Indonésios e a Organização de Mulhe-res Chefes de Família. Embora essas tentativastenham aumentado a conscientização e permitidoque as pessoas defendessem seus direitos, nãoforam capazes de produzir grandes mudanças oude reduzir a pobreza.

O último esforço governamental foi desen-volver o Plano Estratégico de Redução da Pobreza(Perp), como diretriz para eliminar a pobreza naIndonésia, cumprindo exigências de instituiçõesdoadoras. Entretanto, o conceito do Perp aindaignora a questão de gênero, e o envolvimento degrupos de mulheres na revisão do plano, no senti-do de incluir uma perspectiva de gênero, encontrouforte resistência de parte da equipe de trabalho,dominada por homens. Além disso, o governotambém assumiu o compromisso de implemen-tar as MDMs, para complementar suas obrigações

1 Este relatório adota os últimos dados da PesquisaSocioeconômica Nacional realizada em 2002 e dados dorelatório de 2000.

2 Coordenadora nacional do Pekka. 3 Dados obtidos pelo Pekka em 200 aldeias em 2003. NT Governo do general Suharto.

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internacionais. As MDMs focalizam o tema dapobreza e aspectos a ela relacionados. No entanto,as medidas estratégicas para transformar asMDMs em políticas públicas concretas ainda nãose tornaram claras, e a opinião pública sequer temconhecimento da existência dessas metas.

No marco de um mundo injustoHá muitos fatores interligados que explicam a si-tuação da Indonésia.

Políticas socioeconômicas centralizadase insensíveis ao gêneroOs dados nacionais nem sempre refletem a situa-ção regional e local da população, pois a Indoné-sia é um arquipélago com grandes diferenças deuma região para outra. Uma política de desenvol-vimento muito centralizada e injusta, focalizadasomente nas áreas próximas à capital, tem levadoa que algumas áreas permaneçam menos desen-volvidas do que outras, especialmente na parteoriental do país. A proporção de pessoas vivendoabaixo da linha de pobreza é muito maior nessasáreas do que o indicado pelos dados nacionais.Portanto, essas informações não podem ser usa-das para retratar a condição real de todas as áreas,nem para desenvolver uma estratégia nacional deredução da pobreza.

A discriminação entre os gêneros não é com-preendida nem levada em conta pelos formula-dores de políticas públicas. Isso é ilustrado pelaatenção mínima dada aos problemas de recursossociais e humanos que afetam o desenvolvimento,tais como saúde e educação, duas áreas problemá-ticas para as mulheres. A alocação orçamentáriapara os dois programas é inferior a 5% do PIB.

Além disso, a política macroeconômica foca-lizada no aumento da taxa de crescimento econô-mico pela industrialização, por salários baixos,pela exploração dos recursos naturais e pela esta-bilidade política tem ignorado os impactos negati-vos do desenvolvimento econômico. A migraçãodos homens para as cidades deixa as mulherescom uma sobrecarga duplicada, pois precisamtrabalhar por salários baixos e ainda enfrentar astarefas de chefe de família.

O papel reprodutivo das mulheres é vistocomo obstáculo à sua atuação no setor produtivo.As mulheres também precisam lutar para provarque suas qualificações são iguais às dos homensna economia e na política. Isso está refletido nabaixa presença das mulheres em empregos de altovalor econômico e nos processos decisórios emdiferentes níveis.

Burocracia e corrupção no governoO principal problema de muitos dos programasde desenvolvimento implementados, incluindo os

programas de redução da pobreza, é a dispersãodos recursos antes que atinjam as pessoas pobres.Um sistema burocrático ineficiente e a corrupçãoem todos os níveis é parte integrante do sistema.Como conseqüência, as pessoas pobres não sãobeneficiadas por muitos dos programas de de-senvolvimento, e a distância destas para as ricascontinua a crescer.

Uma ideologia patriarcal dominanteA ideologia patriarcal predominante leva as mu-lheres a terem baixa autonomia pessoal e poucopoder social na sua vida cotidiana. A autonomiadas mulheres se refere à autoridade que têm sobresi próprias em comparação com os homens, en-quanto o poder social é a autoridade que possuem(ou não) sobre as outras pessoas da família, assimcomo na sociedade. Vários indicadores mostramque as mulheres pobres não têm nenhuma auto-nomia ou poder social. Quando o trabalho é distri-buído em função do gênero e o papel primário damulher é na família, ela é duplamente sobrecarre-gada ao ser forçada a trabalhar fora de casa parasuperar a pobreza da família. Além disso, os baixosníveis educacionais resultam na pequena partici-pação das mulheres nos processos decisórios,tanto na família como na sociedade.

Conflitos em cursoO conflito que atingiu a Indonésia em 1998 resul-tou num país em situação de pobreza crônica,com muitas pessoas perdendo seus meios de sub-sistência ou tendo de interromper seus estudos.Outras pessoas terminaram em campos derefugiados(as), e a morte de muitos homens sig-nificou que mulheres tiveram de assumir a chefiada família em condições muito duras. As ativi-dades econômicas ficaram paralisadas e o sen-timento de segurança se perdeu, prejudicandoprincipalmente mulheres e crianças.

Desastres naturaisA Indonésia está situada num continente muitofrágil, com alto potencial de grandes desastresnaturais, como tsunamis, terremotos, erupçõesvulcânicas e tufões. A ausência de sistemas dealerta tem causado mortes e perda de propriedadepara muitas pessoas. Por exemplo, o terremotoseguido de um tsunami que atingiu a parte norte dailha de Sumatra no fim de 2004 matou centenas demilhares de pessoas e transformou outras centenasde milhares em deslocadas. O tsunami causouuma devastação completa em algumas áreas e sãonecessários muitos recursos para a reconstrução.Além disso, uma longa estação seca, causada pormudanças climáticas, fez com que agricultores(as),especialmente na parte oriental do país, perdes-sem suas fontes de produção. E trouxe a fome.

Dependência dos países doadores e dasinstituições financeiras internacionaisCom uma dívida total de US$ 144 bilhões, a In-donésia é um dos países mais endividados domundo. Quase a metade do orçamento nacional éabsorvida pelos pagamentos de juros da dívida.Em conseqüência, o governo indonésio dependemuito dos países doadores e não tem indepen-dência para desenvolver suas políticas sociais.

Sob pressão dos doadores, o governo adotouos programas de ajuste estrutural para integrarsuas políticas ao sistema de mercado e à economiaglobal. Isso ocorreu em detrimento dos direitossociais das pessoas, que, entre outras perdas, tive-ram sacrificado seu acesso a serviços de saúde.A dependência da Indonésia dos empréstimosestrangeiros também causou sofrimentos econô-micos. O país teve dificuldade de se recuperar dacrise econômica que atingiu a região asiáticaem 1997. O crescimento econômico atingiu seuponto mais baixo em 1998, e a taxa de câmbio darupia em relação ao dólar dos Estados Unidosficou abaixo de 25%.

O impacto da globalizaçãoComo membro da Organização Mundial do Co-mércio (OMC), a Indonésia está presa à econo-mia globalizada, e isso é muito prejudicial ao país.Sua posição e seu status desiguais, se compa-rados aos dos países desenvolvidos, põem aeconomia nacional sob o controle de agenteseconômicos globais, como as corporações mul-tinacionais. Isso pode ser observado pelo acele-rado crescimento dos hipermercados, o rápidofluxo de produtos importados e pela criação dezonas de livre comércio e de zonas industriaislivres em várias regiões. A presença dos agenteseconômicos globais no mercado local tem causa-do a falência das pequenas empresas e microem-presas, que davam emprego a muitas mulherese pessoas pobres.

A abertura para o mercado global também temcausado a privatização de serviços sociais, comoeducação e saúde, mesmo quando são de respon-sabilidade do governo. Isso tem criado uma dis-tância ainda maior entre pessoas ricas e pobres.Outro efeito da globalização é o aumento da explo-ração das mulheres, como trabalhadoras do sexo.Pobres e muito jovens, elas são enganadas compromessas de um futuro melhor e recrutadas pelotráfico sexual para trabalhar como “acompanhan-tes” de trabalhadores em regiões industriais eem outros países.

Para avançarNas circunstâncias atuais, não existe uma maneiraúnica de eliminar a pobreza e a injustiça. Estraté-gias múltiplas em níveis diferentes precisam ser

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desenvolvidas e aplicadas, assim como váriasorganizações e países precisam ser envolvidos.• Em termos econômicos, a pobreza está ligada

a problemas de renda. No entanto, é precisoaplicar uma definição plural de pobreza, poiso conceito baseado na renda não podeexplicá-la plenamente, especialmente nasáreas rurais, onde as pessoas são pobres emtermos materiais e estão debilitadas fisica-mente, isoladas, vulneráveis e indefesas.

• Metodologias, estratégias e abordagens base-adas no gênero devem ser aplicadas paradesenvolver os programas de redução dapobreza. O marco de referência e a Declaraçãode Pequim continuam válidos e relevantes,devendo ser utilizados como diretriz no desen-volvimento de uma política nacional de redu-ção da pobreza.

• É preciso ter enfoques descentralizados naspolíticas e estratégias de desenvolvimento,para enfrentar melhor as particularidades re-gionais. Deve-se dar atenção especial às áreasde conflito, regiões remotas e isoladas, assimcomo às áreas menos desenvolvidas.

• Um sistema de governo transparente deve serpromovido e desenvolvido, por meio da apli-cação das leis contra a corrupção, levando ajulgamento todos os casos e punindo os(as)culpados(as).

• Todas as leis, regulamentos e práticas admi-nistrativas devem ser revistos, para assegurardireitos e acesso iguais aos recursos econô-micos às pessoas pobres, especialmente asmulheres. A abordagem baseada nos direitos,no marco de “justiça para todos e todas”,precisa ser integrada a todas as leis, às polí-ticas públicas e aos regulamentos.

• Devem ser construídas alianças com pessoasde diferentes níveis, para melhorar seus meiosde subsistência, sua capacidade de liderança ea habilidade para defender seus direitos.

• Precisam ser desenvolvidas forças regionaise internacionais para combater a globaliza-ção econômica e o domínio das corporaçõesmultinacionais e pressionar contra a intro-dução das políticas da OMC que prejudicamos países pobres.

• É necessário fortalecer a cooperação entreos países pequenos e pobres, tanto em nívelde governos como no plano das sociedadescivis, para diminuir o domínio das superpo-tências e também para pressionar instituiçõese países doadores pela redução da dívida.

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Vulnerabilidade extrema

MOÇAMBIQUE

Com somente três décadas de independência, 16 anos de guerra devastadora até 1992 e indicadoresque o classificam como um dos países mais desfavorecidos do mundo, Moçambique tem urgênciaem atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio. Uma governança transparente é essencialnesse esforço.

Direitos Humanos e Desenvolvimento Comunitário

Custódio Dumas

Em 2005, Moçambique comemora seu 30o ani-versário como um país independente da domina-ção colonial portuguesa. Sua população supera19,4 milhões (INE, 2005 a), sendo composta pornumerosas etnias, originárias do tronco banto.A maioria da população urbana é cristã ou mu-çulmana, a qual predomina no norte.

Em 2004, o país adotou uma nova Constitui-ção que substituiu a de 1990. O marco mais im-portante dessas Constituições são os princípiosdo multipartidarismo e da liberdade de expres-são, que possibilitam a participação ativa depessoas de diversas opiniões na construção dademocracia. Esses princípios estavam ausentesda primeira constituição do país, que foi adotada,sob a ideologia marxista, em 1975, ano da inde-pendência nacional.1 A nova constituição ampliaas garantias de respeito pleno aos direitos e àsliberdades da cidadania, criando mais órgãos desoberania e mecanismos de aplicação (artigos 56,73 e 133) (ver Moçambique, 2004 a).

Moçambique é um dos países menos desen-volvidos do mundo. De acordo com o Índice deDesenvolvimento Humano (IDH), está na posição171 num total de 177 países, com um índice de0,354 (Pnud, 2004).

Cerca de 70% das pessoas que moram nasáreas suburbanas e rurais mantêm uma econo-mia doméstica, baseada na agricultura de subsis-tência. A insegurança alimentar continua a ser um

problema grave em várias regiões por causa dasvariações climáticas. Mais da metade da popu-lação (53%) sofre de desnutrição e 26% das crian-ças menores de 5 anos têm peso baixo para suaidade (Pnud, 2004).

A proporção de pessoas que vivem abaixoda linha de pobreza nacional atinge 69,4%. Commenos de US$ 1 diário, vivem 37,9% da popula-ção, enquanto 78,4% vivem com menos de US$2 por dia (Pnud, 2004). Em 2002, o PIB cresceuquase 8%. A renda per capita anual de 2002 foicalculada em US$ 230 (Moçambique, 2004 b).O orçamento do governo continua extremamentedependente da ajuda externa.

Para enfrentar a pobreza extrema, o governoadotou como objetivo central em 2001 o Planode Ação para a Redução da Pobreza Absoluta, coma meta de promover o desenvolvimento humanoe criar um ambiente favorável ao crescimento rá-pido, inclusivo e amplo (Moçambique, 2001).Suas áreas de ação fundamentais são: educação,saúde, agricultura e desenvolvimento rural, infra-estrutura, boa governança e gestão macroeconô-mica e financeira. Esse programa, além de sertotalmente desconhecido pela população do país,na sua maioria analfabeta, não atende à realidadee deixou clara a omissão do Estado em sua fun-ção de provedor de serviços básicos.

O novo governo, eleito no fim de 2004, as-sumiu o compromisso de radicalizar o combate àpobreza absoluta e de expandir a rede de sanea-mento e de escolas, com base numa governançaparticipativa. Isso está declarado no seu PlanoQüinqüenal, que, no entanto, não descreve açõesconcretas (Moçambique, 2005). Até agora, osesforços para melhorar a qualidade de vida dapopulação pela redução da pobreza têm sidoofuscados pelo alto nível de corrupção em quevive o país, o que distancia ainda mais o governodas metas públicas propostas.

Graves riscosEm 2002, 44% dos moçambicanos e moçambi-canas tinham menos de 15 anos, o que torna ur-gente e prioritária a abordagem dos problemasque afetam a infância no país (INE, 2005 b).

Também requerem atenção especial as ques-tões ligadas ao gênero, pois as mulheres são umsetor majoritário da população e estão em situaçãomuito vulnerável. Tanto os índices de pobrezacomo os de analfabetismo são muito altos entreas mulheres. De acordo com o Fundo das NaçõesUnidas para a Infância (Unicef), a alfabetizaçãoatingia 60% dos homens em 2000, mas somente29% das mulheres (Unicef, 2005). Para aqueleano, a mortalidade materna era calculada em milpara cada 100 mil nascidos vivos.

O desemprego afeta quase 60% da popula-ção economicamente ativa2 e é apontado comouma das causas da pobreza e da criminalidade.Deve-se somar a isso o aumento do custo de vida,a instabilidade da moeda nacional diante daaltíssima inflação, o acesso difícil aos serviçospúblicos e o consumo de drogas.

A distribuição desigual de infra-estrutura, depessoal qualificado e da riqueza favorece a regiãosul em prejuízo do norte do país. Por exemplo, decerca de 300 advogados existentes no país, me-nos de 15 trabalham no norte, onde vivem quase8 milhões de habitantes (Moçambique, 2004 b).

A falta de alimentos e de infra-estrutura viá-ria, estradas e pontes dificulta muito a vida decidadãos e cidadãs. Em algumas localidades, ohospital ou a escola mais próximos localizam-sede 20 a 50 quilômetros de distância.3

Sem acesso à água potável, mais de 65% dapopulação usa água de rios, açudes e poços casei-ros no consumo diário. O saneamento precário ea falta de habitação adequada tornam as pessoasvulneráveis a catástrofes e epidemias. A epide-mia principal e mais freqüente é a da malária.

Mais da metade de pessoas analfabetasEntre as pessoas com mais de 15 anos, 53,5% eramanalfabetas em 2002 (Pnud, 2004). Das alfabeti-zadas, somente 4% têm formação universitária e,na maioria, moram na capital, Maputo.

1 Em 1975, a Frente de Libertação de Moçambique(Frelimo) declarou a independência e, dois anos depois,adotou o marxismo-leninismo como orientaçãoideológica. Em 1990, o governo iniciou negociaçõescom a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo),facilitadas pela Constituição promulgada naquele ano,que admitia um sistema multipartidário. A Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) se envolveu em 1992 com umPlano de Paz, e, nas eleições de 1994, o candidato dopartido Frelimo e presidente desde 1986, JoaquimChissano, obteve mais de 53% dos votos. Chissano foireeleito em 1999. Em 2005, assumiu a presidênciaArmando Guebuza, empresário da Frelimo.

2 www.ine.gov.mz/publicacoes. Acesso em: 3 set 2005.

3 Segundo dados da Organização para o DesenvolvimentoComunitário referentes à pesquisa realizada em 2003 naprovíncia de Manica, nos distritos de Macossa e Tambara.

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Os serviços educacionais são ineficientes,principalmente para quem vive nas zonas rurais.A falta de material escolar (livros, caderno e esfe-rográficas), a ausência de professores(as) e a in-suficiência de escolas tornam impossível o aces-so à educação. Embora o ensino primário básicotenha sido declarado gratuito, tem havido cobran-ças de taxas com o pretexto da manutenção e daação social da escola. Como resultado, quase ametade das crianças em idade escolar está forado sistema de educação nacional. Em 2004, 60%das crianças ingressaram no ensino primário,porém somente 52% delas chegaram à quintasérie (Pnud, 2004).

Atendimento precário à saúdeO atendimento à saúde também é deficiente.Segundo o Pnud, havia dois médicos para cada100 mil habitantes em 2003 e, em 2002, somente44% dos partos foram atendidos por pessoal qua-lificado. Em 2002, a vacinação contra o sarampoatingiu 58% das crianças menores de 1 ano, amortalidade infantil alcançou 125 para cada milnascidos vivos e a mortalidade de menores de 5anos chegou a 197.

O índice de prevalência do HIV/Aids conti-nua preocupante. A doença afeta cerca de 16%da população adulta4 e a esperança de vida baixoupara 38,1 anos. Se não tivessem sido afetadospela pandemia, moçambicanos e moçambicanasteriam uma esperança de vida de 64 anos, coe-rente com a média de crescimento global.

Depois da malária, a Aids é a principal causade mortalidade. Além disso, o número de crian-ças órfãs e de famílias mantidas por menoresde idade vem crescendo nos últimos dez anos.Em 2001, havia 418 mil crianças órfãs de pais emães por causa do HIV/Aids. Estima-se que ummilhão de crianças foram diretamente afetadaspela doença, segundo notícia divulgada, em 2005,no site Stop. A pandemia causa, além disso, aperda dos poucos quadros técnicos existentes.Isso representa um obstáculo para o desenvolvi-mento e um dos motivos da redução gradual darenda per capita nacional, de 0,3% a 1% no perío-do de 1997 a 2010, segundo dados da pesquisa“Pobreza e bem-estar em Moçambique: segundaavaliação nacional” (2004).

Segundo dados do governo, 58% das pes-soas que vivem com o HIV/Aids são mulheres ejovens e 75% das pessoas infetadas entre 15 e24 anos são mulheres (Moçambique e INE,2002). Ainda que 44% das mulheres e 60% dos

homens conheçam pelo menos duas maneiras deprevenir o HIV/Aids, somente 6% das mulherese 12% dos homens declaram ter usado preser-vativo na última relação sexual (Moçambiquee INE, 2002).

Altos níveis de corrupçãoDepois da assinatura dos acordos de paz em Roma(1992), entre o partido da Frente de Libertaçãode Moçambique (Frelimo) e a Resistência Nacio-nal Moçambicana (Renamo), que puseram fim auma guerra de quase 16 anos, há um crescenteclima de paz, favorecendo o crescimento social,econômico e cultural. No entanto, a gravidade dacorrupção na administração pública e a fragilidadedo sistema judicial são fatores que retardam odesenvolvimento socioeconômico.5

Na província de Inhambane, a corrupção foiidentificada como maior obstáculo ao desenvolvi-mento econômico. Nessa localidade, as empresasgastam em média 9,5% de seus lucros líquidosem comissões ilegais (Mosse, 2005).

Em 2003, o relatório do Fórum EconômicoMundial sobre competitividade na África colocouMoçambique na 19a posição, entre 21 países, emtermos de subornos ilegais em operações deimportação e exportação; na 17a posição quantoao suborno de altos funcionários governamentais;e também na 17a quando se tratava da falta deindependência do aparato judicial (Fórum Econô-mico Mundial, 2005).

Em outubro de 2003, a Assembléia da Repú-blica aprovou a Lei Contra a Corrupção, que pre-tende conter a corrupção nos gabinetes de go-verno, polícia, hospitais e escolas.

A fragilidade do sistema judicial é causadaprincipalmente pela falta de juízes formados, poismuitos tribunais funcionam com pessoal sem for-mação universitária. Além disso, o número de de-fensores públicos não consegue atender à deman-da da população (STJ, 2005). O país tem menosde 200 juízes. Há dois sistemas complementares

de justiça formal: o sistema civil e penal e osistema militar. O Supremo Tribunal de Justiçaadministra o sistema civil e penal, e o Ministé-rio da Defesa Nacional comanda os tribunaismilitares (STJ, 2005).

Como existe uma forte penetração da Frelimonos tribunais e no aparato estatal, o abuso depoder e a impunidade dos infratores tornamcada vez mais difícil o combate à corrupção e àmá governança.

Entre 2000 e 2004, cresceu bastante o índicede criminalidade. Alguns agentes da polícia eoutros funcionários públicos operam como mem-bros ou cúmplices do crime organizado. A cor-rupção estendeu-se a todos níveis, e a polícia, malremunerada e sem profissionalismo, utiliza a vio-lência e as prisões para intimidar as pessoas,impedindo a denúncia dos abusos e extorquindoos vendedores de rua (Mosse, 2005).

Crise nas prisõesAs condições das prisões são extremamente du-ras e ameaçam a vida humana. Duas DireçõesNacionais de Prisões (DNP), uma sob a tutela doMinistério da Justiça e outra do Ministério do In-terior, dirigem as prisões em todas as capitaisprovinciais. As DNPs também enviam alguns pri-sioneiros para uma penitenciária agrícola emMabalane e para penitenciárias industriais emNampula e Maputo. A maior parte dos presos re-cebe somente uma refeição por dia, compostade feijão com farinha de mandioca. As famíliascostumam levar comida para os prisioneiros,porém existem alguns relatos de guardas exigin-do propina para autorizar esse tipo de entrega(Moçambique, 2004 b).

Há um grande número de mortes dentro dasprisões, em sua grande maioria causadas pordoenças. Em 2005, alguns presos morreram deum suposto envenenamento.

As instalações carcerárias estão superlotadase geralmente abrigam de duas a seis vezes suacapacidade máxima. Em 2001, a organização não-governamental Associação Nacional de Apoio eProteção aos Prisioneiros realizou uma pesquisasobre as cadeias do país e verificou que, entreoutras, a Prisão Central de Beira alojava 705 re-clusos em um recinto previsto para 400 pessoas.Em Nampula, havia 724 pessoas em uma prisãoconstruída para cem, e a Prisão Central de Maputo,prevista para 800 pessoas, alojava 2.450.

Em contraste, a Prisão de Segurança Máxi-ma de Machava, em Maputo, com capacidade para600 presos, tinha um número consideravelmentemenor de reclusos. Cerca de 7.180 pessoas esta-vam detidas em prisões administradas pelo Mi-nistério da Justiça (Moçambique, 2004 b).

5 Ver a reportagem “Polícia e Justiça, os piores noRelatório sobre Corrupção e Governança”, de 3 de junhode 2005, no site Stop (www.stop.co.mz/news).A pesquisa sobre corrupção e governança realizada pelaAustral Consultores revelou que 60,8% dosfuncionários públicos afirmam que a corrupção nosetor público é “grave” ou “muito grave”, 34,9%consideram o pagamento de suborno como umaprática comum, 33,3% das empresas pagaramsubornos a serviços públicos, 20% dos usuáriosdisseram haver pago subornos a serviços públicos,12% das pessoas entrevistadas declararam que haviamviolado as regras dos concursos públicos e 11%revelam terem desviado fundos.

4 Em Moçambique, cerca de 700 pessoas são infectadasdiariamente.

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UrgênciaAs Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs),acordadas na esfera da ONU, são uma ferramentaválida e essencial para promover os avançossocioeconômicos num país que atravessa tantasdificuldades como Moçambique. Há necessidadesextremas em todos setores e é urgente atendê-las.Como objetivos primários, as MDMs somentepoderão ser atingidas se forem instalados meca-nismos que assegurem a prestação de contas doEstado, especialmente do sistema judicial. Os altosníveis de corrupção na administração pública eprivada tornam a transparência um objetivo impe-rioso na realidade moçambicana.

Além disso, espera-se que o perdão da dívidade 18 países pobres, inclusive Moçambique, anun-ciado em julho de 2005 pelos sete países maisindustrializados e a Rússia (G-8), incentive inves-timentos maiores na saúde, na educação e nocombate à corrupção.

ReferênciasDIREÇÃO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO et

al. Pobreza e bem-estar em Moçambique: segundaavaliação nacional. 2004. Disponível em:<www.sarpn.org.za/documents/d0000777/P880-Mozambique_P_042004.pdf>. Acesso em: 3 set. 2005.

FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. African CompetitivenessReport 2003. 20 jul. 2005. Disponível em:<www.weforum.org/pdf/Global_Competitiveness_Reports/Reports/ACR_2003_2004/Index_Calculations.pdf>.Acesso em: 3 set 2005.

FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (Unicef).Panorama Mozambique. 2005. Disponível em: <http://www.zambeze.co.mz/zambeze/artigo.asp?cod_artigo=165380>. Acesso em: 3 set. 2005.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (INE). O país. 19jun. 2005 a. Disponível em: <www.ine.gov.mz/o_pais>.Acesso em: 3 set. 2005.

. População. 19 jun. 2005 b. Disponível em:<www.ine.gov.mz/populacao>. Acesso em: 3 set. 2005.

MOÇAMBIQUE. Plano de ação para a redução da pobrezaabsoluta. 2001. Disponível em: <www.govmoz.gov.mz/parpa>. Acesso em: 3 set. 2005.

. Ministério da Saúde; INE. Impacto demográfico doHIV/Aids em Moçambique. 2002.

. Ministério da Democracia, Direitos Humanos eTrabalho. Relatório sobre práticas de direitos humanos.2004 b. Disponível em: <www.usembassy-maputo.gov.mz/direitoshuman.htm>. Acesso em: 5 set. 2005.

. Constituição da República. 2004 a. Disponível em:<http://www.zambezia.co.mz/index.php?option=com_docman&task=docclick&Itemid=45&bid=22&limitstart=0&limit=5>. Acesso em: 3 set. 2005.

. Plano Qüinqüenal do Governo. Zambeze, 4 abr. 2005.Disponível em: <http://www.zambeze.co.mz/zambeze/artigo.asp?cod_artigo=165380>. Acesso em: 3 set 2005.

MOSSE, Marcelo. Corrupção em Moçambique. ZambésiaOnline, 20 jul. 2005. Disponível em:<www.zambezia.co.mz/content/view/329/1/>. Acessoem: 3 set. 2005.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVI-MENTO (Pnud). Human Development Report 2004:Cultural liberty in today’s diverse world. 2004.Disponível em: <http://.hdr.undp.org/reports/global/2004/>. Acesso em: 3 set. 2005.

SIDA afecta um milhão de crianças moçambicanas. Stop, 16jun. 2005. Disponível em: <http://www.stop.co.mz/news/new.php?idnew=5421&idt=&page= &searchstr=crian%E7as+infectadas&tipo=>. Acesso em: 5 set. 2005.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Novo presidentedo STJ empossado em 7 de abril. 8 abr. 2005.Disponível em: <www.stj.pt/not_files/not02.html#08Abr2005>. Acesso em: 3 set 2005.

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Sem recursos para financiar o social

QUÊNIA

Embora tenha implementado os mecanismos de políticas públicas para cumprir as Metas deDesenvolvimento do Milênio (MDMs), o Quênia gasta atualmente uma parcela desproporcionalde suas receitas no serviço da dívida. Isso deixa poucos recursos para a redução da pobreza, apromoção de educação e saúde. O país conclama as nações industrializadas a cumprirem suasmetas de doadores e a atenderem aos interesses comerciais dos Estados em desenvolvimento –duas ações que ajudariam a provisão de fundos para os serviços sociais básicos.

Coalizão do Observatório da Cidadania do Quênia

Edward Oyugi – Rede de DesenvolvimentoSocial (Sodnet)

Oduor Ong’wen – Iniciativa do Quênia sobreInformações e Negociações Comerciais na ÁfricaMeridional e Oriental (Seatini)

Lumunba Odenda – Aliança da Terra do Quênia

Njuki Githethwa – Rede Queniana para a Redução daDívida (Kendren)

Wahu Kaara da Campanha MDM da Kendren

Andiwo Obondo – Daraja

Alloys Opiyo – Sociedade Undugu do Quênia

Em setembro de 2000, foi adotada a Declaraçãodo Milênio das Nações Unidas, juntamente comsuas oito MDMs, tendo como foco a redução dapobreza à metade até 2015. Essas metas repre-sentavam a aspiração de melhoria humana ex-pressa em um conjunto de 18 objetivos numéri-cos e com prazo para serem atingidos, que tam-bém incluem 48 indicadores.

Porém, com a sobrecarga do serviço da dívi-da e a desregulamentação do comércio, investi-mentos e finanças – aspectos importantes daglobalização –, o esforço feito pelos países emdesenvolvimento, como o Quênia, para atingiressas metas e objetivos é o mesmo que “correratrás de uma miragem”.

O Quênia vai deixar de cumprir por largamargem os dois objetivos da MDM 1 – reduzir àmetade até 2015 o número de pessoas vivendo commenos de US$ 1 por dia e daquelas que passamfome – em virtude do desvio de recursos dos ser-viços sociais básicos e da criação de emprego parao serviço da dívida externa. Até junho de 2004, oestoque total da dívida do Quênia era de 643,4bilhões de xelins quenianos (US$ 8,5 bilhões).

Contra o pano de fundo de receitas anuaisde 237,4 bilhões de xelins (US$ 3,1 bilhões) eum PIB de 1 trilhão de xelins (US$ 13,3 bilhões),a dívida do país está em cerca de 65% do PIB erepresenta mais de 300% das receitas anuais.O estoque da dívida interna alcança 290,4 bilhõesde xelins (US$ 3,8 bilhões) da dívida total. Emjulho de 2004, a composição da dívida do Quêniaera: 57% multilateral, 35% bilateral e 8% relacio-nados a créditos comerciais e de exportação.

O serviço da dívida tem pressionado exces-sivamente a capacidade de o governo investir emserviços sociais básicos, como saúde, educação,água, saneamento e habitação de baixo custo.Entre 1997 e 2001, o país gastou 490 bilhões dexelins quenianos (US$ 34 bilhões) em pagamentosda dívida. Isso equivale a 52% do total de receitasgovernamentais no período, que totalizaram 936bilhões de xelins (US$ 12,4 bilhões).

Também o serviço da dívida vem desvalori-zando as receitas de exportação a um ponto em queos agricultores do Quênia produzem e exportambasicamente para pagar o serviço dos emprésti-mos. No período entre 1997 e 2001, era de 16%a relação entre o serviço da dívida externa e asexportações. Isso significa que, para cada US$ 10de exportações, quase US$ 2 ia para o paga-mento da dívida ou para agências de crédito paraexportação (Cadec, 2003).

Em 2003, as exportações totais de bens eserviços não-atribuídos a fatores1 atingiram 183,2bilhões de xelins (US$ 2,4 bilhões) (ver Quênia,2004). O montante gasto no serviço da dívidanaquele ano foi de mais de US$ 500 milhões.O Quênia é um país onde 7 milhões de pessoas,numa população total de 30 milhões, subsistemcom menos de US$ 1 por dia (Pnud, 2004). Seriapossível eliminar a pobreza no país, se o que égasto com o serviço da dívida fosse investido emprogramas de erradicação da pobreza. No perío-do 2001–2002, o governo gastou 80 bilhões dexelins (US$ 1 bilhão) no serviço da dívida e alocousomente 16 bilhões de xelins (US$ 212 milhões)para a saúde e 57 bilhões de xelins (US$ 755 mi-lhões) para a educação.

Política de saúdeOs objetivos2 das MDMs 4, 5 e 6 requerem políticaspúblicas eficazes e melhor alocação de recursos.Em 1994, o governo desenvolveu um Marco deReferência para Políticas de Saúde no Quênia, afim de “promover e melhorar as condições desaúde da população, por meio de uma cuidadosareestruturação do setor de saúde, para tornartodos os serviços de saúde mais eficientes, aces-síveis e de baixo custo até 2010”. O Marco deReferência estabelece seis imperativos estraté-gicos para melhorar o acesso eqüitativo à saúdee ao atendimento médico:• alocação eqüitativa de recursos governamen-

tais, para reduzir as disparidades nas condi-ções de saúde;

• melhoria da eficiência na alocação e no usode recursos;

• administração do crescimento populacional;

• melhoria do papel regulatório do governoem todos os aspectos da provisão do aten-dimento à saúde;

• criação de um ambiente favorável a um cres-cente envolvimento do setor privado e dacomunidade na provisão e financiamento dosserviços de saúde;

• aumento e diversificação dos fluxos de finan-ciamento per capita para o setor de saúde.Um Plano Estratégico Nacional do Setor de

Saúde para o período 1999–2004 foi tambémdesenvolvido pelo Ministério da Saúde com a metade prover “pacotes [de saúde] essenciais, quesejam aceitáveis, de baixo custo e acessíveis aquenianos e quenianas em todos os níveis, en-quanto é criado um ambiente favorável a fim deque outras partes interessadas possam contribuir

1 A Organização para Cooperação o DesenvolvimentoEconômico (OCDE) define os serviços não-atribuídos afatores como serviços de transporte, viagem,comunicações, construção, seguros, financeiros,serviços computacionais e de informação, royalties etaxas de licenças e outros serviços empresariais,assim como serviços pessoais, culturais, recreativose governamentais.

2 “Entre 1990 e 2015, reduzir em dois terços a taxa demortalidade das crianças menores de 5 anos”, “Entre1990 e 2015, reduzir em três quartos a taxa demortalidade materna”, “Até 2015, cessar adisseminação do HIV/Aids, a incidência da malária ede outras doenças principais e iniciar sua reversão”,respectivamente.

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para a redução do ônus das doenças e das neces-sidades não atendidas”. O Plano Estratégico temos seguintes objetivos e metas:• 90% de cobertura de todas as vacinas, quan-

do atualmente essa cobertura é de 63% em85% dos distritos;

• 30% de redução da desnutrição entre crian-ças menores de 5 anos;

• redução de 30% nas taxas de morbidade emortalidade causada pela malária;

• redução de 10% na prevalência do HIV/Aidse de 50% na prevalência das doenças sexual-mente transmissíveis (DSTs);

• aumento da cobertura dos serviços de saú-de reprodutiva e planejamento familiar de60% para 75%;

• redução de 70% para 40% da morbidade dascrianças menores de 5 anos atribuída a sa-rampo, pneumonia, diarréia e desnutrição;

• aumento de 30% na provisão de água potá-vel e saneamento nas áreas rurais.Os dois documentos citados constituem os

instrumentos políticos e operacionais necessáriospara perseguir até 2015 as metas de redução dedois terços da taxa de mortalidade das criançasmenores de 5 anos, conter a disseminação do HIV/Aids e reverter a incidência da malária e de outrasdoenças principais.

O governo desenvolveu o Plano NacionalEstratégico de HIV/Aids para o período de 2000 a2005, cuja meta era conter a epidemia e reduzirseu impacto, pela diminuição entre 20% e 30%da prevalência do HIV até o fim deste ano, na faixaetária de 15 a 24 anos, aumentando o acesso aoatendimento médico e o apoio às pessoas infec-tadas e afetadas pelo HIV/Aids, além de refor-çar a capacidade de resposta e coordenação emtodos os níveis.

Apesar do trabalho mencionado, a mortali-dade infantil, que teve grande queda no períodode 1960 a 1990, voltou a crescer. De mais de 190mortes para cada mil nascidos vivos na décadade 1960, a média de crianças mortas menores de5 anos diminuiu para menos de cem por mil, nadécada de 1990, porém aumentou outra vez para123 por mil nascidos vivos em 2003 (Unicef,2005). A redução substancial no período de 1960a 1990 foi atribuída às políticas governamen-tais de controle da malária, da tuberculose, dosarampo, da cólera e de outras doenças alta-mente transmissíveis, assim como à política deatendimento médico gratuito.

Com a adoção dos Programas de Ajuste Es-trutural (PAEs), o governo reduziu seus investi-mentos nas medidas de controle das doenças trans-missíveis e começou a cobrar taxas de usuário.O número de pessoas vivendo abaixo da linha de

pobreza continua a crescer: de menos de 40%durante a década de 1980 para 57% em 2003.Atualmente, pelo menos 12 crianças de cada cemnascidas vivas não chegam ao quinto aniversário(Unicef, 2005).

Recentemente, o governo propôs o PlanoNacional de Seguro de Saúde Social, que garantiriaa cada cidadão e cidadã o acesso a serviços desaúde pública e a tratamento médico. No entanto,o presidente Emilio Mwai Kibaki negou-se a trans-formar o plano em lei, em parte por causa da inter-venção do Fundo Monetário Internacional (FMI) edas pressões das grandes empresas.

Política educacionalNo manifesto das eleições de 1963, o governo daUnião Africana Nacional do Quênia assumiu ocompromisso de oferecer um mínimo de sete anosde educação primária gratuita. Isso foi reiteradoem subseqüentes manifestos e planos de desen-volvimento nacional. Entre 1974 e 1978, houvetentativas de cumprir esse compromisso com aabolição das taxas e impostos escolares em todasas escolas primárias públicas. Esses avanços fo-ram paralisados quando os PAEs impuseram taxasde usuário e o congelamento da contratação denovos(as) professores(as).

Enquanto na década anterior ao ajuste es-trutural (1972–1982), a matrícula na escola pri-mária cresceu 8,2%, ela diminuiu de ritmo parasomente 2,7% durante a primeira década do ajuste(1982–1992) e declinou 6,3% na década seguinte(1992–2002). A matrícula na escola secundáriaapresentou a mesma tendência, crescendo 9,1%durante o período 1972–1982 e declinando para3,2% durante os anos 1982–1992. O declínio tam-bém foi refletido na matrícula dos cursos de prepa-ração de professores(as), nos quais tinha havidoum aumento contínuo de 8.683 candidatos(as)ao magistério em 1972 para 21.011 em 1990,seguido de um declínio para 19.154 em 1992 –uma queda que o próprio governo atribui aosPAEs. Sem dúvida, isso conspirou contra a metade garantir que meninos e meninas completas-sem o ensino primário até 2015, eliminando a dis-paridade entre os gêneros nas escolas primáriase secundárias, de preferência até 2005 e, no maistardar, até 2015.

Em 1998, o Ministério da Educação, Ciênciae Tecnologia (Mest, na sigla em inglês) publicouo Plano Diretor de Educação e Treinamento (Mpet,na sigla em inglês) para 1997–2010. O Planonacionaliza os resultados das ConferênciasMundiais sobre Educação para Todos realiza-das em Jomtien, Tailândia (1990) e em Dacar,Senegal (2000), assim como do Marco de Refe-rência para a Ação da Educação para Todos naÁfrica Subsaariana (1999).

O objetivo do Mpet é cessar e inverter o de-clínio da matrícula escolar, diminuir as taxas deevasão e aumentar a participação, independentede gênero, região, nível de renda familiar ou defi-ciência. Esse plano enfatiza a qualidade da edu-cação e apresenta diretrizes de políticas públicase estratégias para melhorar o acesso e a partici-pação, assim como a qualidade, a relevância e agestão do sistema educacional. As duas estraté-gias principais do plano são: desenvolver progra-mas educacionais e de treinamento que estejamracionalmente ajustados às políticas fiscais emnível micro, com normas claras de responsabili-dade e sustentabilidade; e desenvolver novas abor-dagens para melhorar a coordenação central dasfunções profissional e orçamentária, tornandomais eficiente a infra-estrutura administrativa egerencial e descentralizando a responsabilidadepara instituições e comunidades locais.

Como conseqüência desse plano, o Mestdesenvolveu o Guia Nacional sobre Educação paraTodos – Ano 2000 e Além, que esboça um pro-grama abrangente de desenvolvimento da primeirainfância, especialmente voltado a crianças vulne-ráveis e desprivilegiadas. Está também focaliza-do na melhoria da qualidade da educação, paraque todas as crianças alcancem resultados deaprendizado reconhecidos e mensuráveis, espe-cialmente na alfabetização, cálculos numéricos ehabilidades vitais. Além disso, busca assegurar quea necessidade do aprendizado de jovens e pessoasadultas seja atendida pelo acesso eqüitativo a pro-gramas de aprendizado e de habilidades vitais.O guia também inclui os seguintes objetivos:• assegurar que, até 2015, todas as crianças,

especialmente as meninas, em circunstân-cias difíceis e aquelas que pertencem a mi-norias étnicas, tenham acesso à educaçãoprimária obrigatória, gratuita, completa ede boa qualidade;

• eliminar, até 2015, as disparidades entre osgêneros na escola primária e secundária;

• alcançar, até 2015, uma melhoria de 50%na alfabetização de adultos(as) em todosos níveis, assim como o acesso eqüitativoà educação básica e continuada, especial-mente das mulheres.Os gastos reais no setor social vêm decli-

nando continuamente nos últimos dez anos, ten-do havido uma redução do investimento percapita. Um estudo realizado pelo governo sobreserviços sociais básicos em 1998 concluiu quehouve um declínio geral nos gastos públicos comserviços sociais básicos. Em 1995, caíram parasomente 13% dos gastos públicos, enquanto re-presentavam 20% em 1980. No ano fiscal de2003–2004, o governo gastou 0,4% em serviços

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sociais básicos. Isso foi uma melhoria em rela-ção ao 0,3% gasto em 2002–2003 e a somente0,1% no ano fiscal de 2001–2002. Com gastoscombinados de somente 1,2% em habitação,água e saneamento, os objetivos da MDM 73 tam-bém ficarão longe de ser alcançados.

60:40 – solução ou fantasia?A implementação plena do orçamento do Marcode Gastos de Médio Prazo requer adesão estritaàs prioridades de redução da pobreza identifi-cadas no processo de consultas do Plano Estra-tégico de Redução da Pobreza. Embora essa sejaa maneira mais sensata de demonstrar o compro-metimento do país com a redução da pobreza, narealidade, os compromissos assumidos antesdesse processo ainda são legalmente vincula-tórios. Portanto, o governo não pode simples-mente abandonar aqueles compromissos por umnovo sistema, sem correr o risco de enfrentarbatalhas legais com empreiteiras e provedores deserviços aos quais deve grandes somas.

Para chegar a um acordo com concessõesmútuas, foi introduzida a fórmula dos “60:40”,pela qual 60% do orçamento era baseado em con-siderações históricas e incrementais, ao passo queos restantes 40% eram alocados de acordo comas prioridades de redução da pobreza.

Uma análise preliminar do orçamento mostraque essa fórmula nunca foi implementada. O deslo-camento dos 40% nunca ocorreu. Ao contrário,desde 2001, somente uma parcela decepcionantede 10% a 15% foi utilizada para as prioridades deredução da pobreza.

A derrocada da fórmula ocorreu quando foidecidido designar fundos de acordo com o histó-rico de gastos, pelo qual 86% das despesas eramfeitas na capital e somente 14% nos distritos. Essadecisão entregou um poder substancial de aloca-ção de recursos à capital, tornando impossívelaplicar a fórmula dos 60:40 às prioridades de re-dução da pobreza nos distritos.

Parceria para o desenvolvimentoA Meta 8 dos Objetivos do Milênio espera que osgovernos dos países desenvolvidos forjem parce-rias para o desenvolvimento voltadas ao cumpri-mento das outras sete MDMs. Entretanto, essespaíses poderosos e as instituições globais con-troladas por eles, tais como as entidades finan-ceiras internacionais e a Organização Mundial do

Comércio (OMC), têm tornado impossível aospaíses pobres implementar políticas e instituiçõesde desenvolvimento autônomas.

Apesar das promessas de realização de umarodada sobre desenvolvimento nas negociaçõessobre o comércio, nada foi concretizado para atrairpaíses pobres, como o Quênia, ao sistema de co-mércio multilateral. Como os interesses dos paísesem desenvolvimento parecem contraditórios emrelação à agenda dos governos dos países desen-volvidos e das grandes empresas, a estratégia dospaíses desenvolvidos tem sido a de ignorar, deixarde lado, fazer oposição, adiar, chantagear ou evitarao máximo que os países em desenvolvimentoevoluam com a ajuda do comércio.

Os últimos anos foram caracterizados por pra-zos perdidos e promessas quebradas. As matériasde interesse dos países pobres – reforma da agri-cultura, avaliação da liberalização dos serviços,acesso a remédios essenciais e o tratamento espe-cial e diferencial – têm sido deixadas de lado pelospaíses poderosos. Ao contrário, as potências comer-ciais vêm perseguindo uma agenda de liberalizaçãocomercial, privatização e desregulamentação dosinvestimentos nos países pobres, pela expansão dosatuais acordos da OMC, tais como o Acordo Geralsobre o Comércio de Serviços, e pela criação denovos acordos, como os temas de Cingapura.4

Os países industrializados podem facilitar ocumprimento das MDMs ao alcançar o objetivode 0,7% de ajuda, assumir o compromisso de can-celar dívidas, controlar as corporações transna-cionais, reduzir ainda mais as emissões de gasesestufa e respeitar o espaço político africano. Deoutra forma, os mercadores não vão se retirar dotemplo. Atualmente, eles estão ocupados 24 horaspor dia nos caixas automáticos.

ReferênciasABAGI, O. Status of education in Kenya: indicators for

planning and policy formulation. Nairóbi: Ipar, 1997.

CANCEL THE DEBT FOR THE CHILD CAMPAIGN (Cadec). Liftthe yoke, cancel Kenya’s debt. Nairóbi: The Chambers ofJustice, 2003.

CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DA AIDS. KenyaNational HIV/Aids Strategic Plan, 2000–2005. Nairóbi:Imprensa Governamental, 2000.

FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (Unicef).The State of the World’s Children. 2005. Disponível em:<www.unicef.org/sowc05>. Acesso em: 3 set. 2005.

4 Os temas de Cingapura são: comércio e investimento,políticas de concorrência, transparência nas aquisiçõesgovernamentais e facilitação do comércio.

3 “Até 2020, reduzir à metade a proporção de pessoassem acesso sustentável à água potável e conseguirmelhorias significativas na vida de pelo menos 100milhões de moradores de favelas.”

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ODESENVOLVIMENTO (Pnud). Human DevelopmentReport 2004: cultural liberty in today’s diverse world.2004. Disponível em: <http://hdr.undp.org/reports/global/2004/pdf/hdr04_overiew.pdf>. Acesso em: 3 set.2005.

. Kenya Human Development Report 2001:addressing social and economic disparities. 2002.

QUÊNIA. Ministério do Planejamento e DesenvolvimentoNacional. Economic survey 2004. Nairóbi: ImpresaGovernamental, 2004.

. Multiple Indicator Cluster Survey (MICS) 2000.Nairóbi: Imprensa Governamental, 2000.

QUÊNIA. Ministério do Planejamento e DesenvolvimentoNacional; NAÇÕES UNIDAS. Millennium DevelopmentGoals: progress report for Kenya 2003.

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Observatório da Cidadania 2005 / 94

Banco Mundial

O Banco publica anualmente o Relatório do Desen-volvimento Mundial.O Relatório do Desenvolvimento Mundial de 2006trata da eqüidade não somente como um fim emsi mesma, mas como incentivo a maiores investi-mentos, mais produtividade e, por conseqüência,a um crescimento mais rápido. O relatório mostraabismos de desigualdades na riqueza e na opor-tunidade, no interior dos países e entre eles.Propõe políticas que corrijam as desigualdadesde oportunidades, tais como: investimento naspessoas, mediante maior acesso a serviços desaúde e educação e redes de proteção social;expansão do acesso à justiça, terra e infra-estru-tura econômica; e promoção de eqüidade nos mer-cados financeiros, trabalhista e de produtos.

O relatório está disponível em: <www.bancomundial.org.br>.

World Development Indicators (WDI) – Indicado-res do Desenvolvimento Mundial – é uma compi-lação anual de dados sobre o desenvolvimento.O WDI 2003 inclui aproximadamente 800 indica-dores em 87 tabelas organizadas em seis seções:Panorama do Mundo, Gente, Meio Ambiente, Eco-nomia, Estados e Mercados e Vínculos Globais.A versão impressa do WDI 2003 oferece dadosatualizados dos últimos anos. Para séries de dadosde 1960 em diante, consulte a versão do WDI emCD-ROM ou on-line em: <www.worldbank.org/data/onlinedatabases/onlinedatabases.html>.

CEA(Comissão Econômica das Nações Unidaspara a África)

E-mail: [email protected]: www.uneca.org

Ceap(Comissão Econômica das Nações Unidaspara a Ásia e o Pacífico)

E-mail: [email protected]: www.unescap.org

Cepal(Comissão Econômica para a América Latinae o Caribe)

E-mail: [email protected]: www.cepal.org

Coleção de Tratados das Nações Unidas

Base de dados na Internet elaborada e atualizadade forma regular pela Seção de Tratados do Escritó-rio de Assuntos Jurídicos da ONU. Oferece acesso amais de 40 mil tratados e acordos internacionais.

E-mail: [email protected]: untreaty.un.org

Fontes e recursos internacionais de informação

DAW(Divisão para o Progresso da Mulher)

Como parte do Departamento de Assuntos Eco-nômicos e Sociais (Desa, na sigla em inglês) doSecretariado da ONU e com base na concepçãode igualdade da Carta das Nações Unidas, a DAWpromove a melhoria do status das mulheres e suaigualdade com os homens. Seu objetivo é garantira participação das mulheres em todos os aspectosda atividade humana, em condições de igualdadecom os homens. A DAW promove as mulherescomo participantes e beneficiárias eqüitativas dodesenvolvimento sustentável, da paz e segurança,do governo e dos direitos humanos. Também lutapara estimular a inclusão de uma perspectiva degênero dentro e fora do sistema das Nações Unidas.

E-mail: [email protected]: www.un.org/womenwatch/daw

Divisão das Nações Unidas para PolíticaSocial e Desenvolvimento

Seu principal objetivo é fortalecer a cooperaçãointernacional para o desenvolvimento social, espe-cialmente em três temas fundamentais – erradica-ção da pobreza, geração de emprego e integraçãosocial – para a construção de sociedades seguras,justas, livres e harmoniosas, visando a uma me-lhor qualidade de vida para todas as pessoas.

E-mail: [email protected]: www.un.org/esa/socdev/dspd.htm

Divisão de Estatísticas da ONU

Reúne estatísticas de inúmeras fontes internacio-nais e elabora atualizações mundiais, entre as quaiso Statistical Yearbook (Anuário estatístico), WorldStatistics Pocketbook (Estatísticas mundiais emlivro de bolso) e anuários de áreas estatísticasespecializadas. Também oferece especificações,por país, dos melhores métodos para compilarinformações de modo que dados de fontes dife-rentes possam ser comparados com facilidade.

E-mail: [email protected]: unstats.un.org/unsd

The World’s Women 2000: Trends and Statistics(As mulheres do mundo 2000: tendências e esta-tísticas) é uma série, na terceira edição, que tratada situação da mulher pela perspectiva dos dadose das análises estatísticas. É um texto de referênciaestatística que oferece uma análise integral da situ-ação das mulheres em diferentes partes do planeta.Destaca as principais conclusões das análisesestatísticas sobre a situação das mulheres no mun-do em comparação com a dos homens, em umagrande variedade de esferas, como família, saúde,educação, trabalho, direitos humanos e política.

E-mail: [email protected]: unstats.un.org/unsd/demographic/ww2000

Escritório do alto-comissárioda ONU para direitos humanos

O alto-comissário é o principal responsável pelosdireitos humanos na ONU e presta contas ao se-cretário geral. Seu mandato provém da Carta daONU, da Declaração Universal dos Direitos Hu-manos e seus instrumentos subseqüentes e daDeclaração e Programa de Ação de Viena (1993).A missão do alto-comissário é promover a ratifi-cação e implementação universal dos tratados dedireitos humanos. Presta apoio aos órgãos dedireitos humanos e aos organismos de supervisãodos tratados no marco do sistema da ONU.

E-mail: [email protected]: www.unhchr.ch

FAO(Organização das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação)

Fundada em 1945, com o mandato de elevar osíndices de nutrição e de vida, incrementar a pro-dutividade agrícola e melhorar as condições dapopulação rural. Atualmente, é uma das maioresagências especializadas do sistema da ONU e aprincipal organização dedicada à agricultura, àsilvicultura, à pesca e ao desenvolvimento rural.

E-mail: [email protected]: www.fao.org

A Faostat é uma base de dados integrada on-lineque contém mais de 1 milhão de séries anuais demais de 210 países e territórios, com estatísticasde população, agricultura, nutrição, produtos depesca, produtos florestais, ajuda alimentar, apro-veitamento de terras e irrigação.

E-mail: [email protected]: www.apps.fao.org

El Estado de la Inseguridad Alimentaria en el Mundo(A situação da insegurança alimentar no mundo)é um informe sobre os esforços realizados nomundo para alcançar o objetivo estabelecido pelaCúpula Mundial da Alimentação em 1996: reduzirà metade o número de pessoas subnutridas nomundo até 2015. A publicação recorre ao trabalhoque a FAO e seus parceiros internacionais reali-zam de acompanhamento da situação nutricionale de análise da vulnerabilidade que sofrem aspopulações de todo o mundo. O texto representauma parte da contribuição da FAO à iniciativa in-terinstitucional Sistema de Informação e Carto-grafia sobre a Insegurança Alimentar e a Vulnera-bilidade (Siciav). Para mais informações sobre oinforme, consulte: <www.fao.org/sof/sofi>.

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Observatório da Cidadania 2005 / 95

Financiamento para o desenvolvimento

A Conferência Internacional sobre o Financiamen-to do Desenvolvimento foi realizada de 18 a 22de março de 2002, em Monterrey, México. Essaprimeira conferência patrocinada pela ONU paraabordar temas decisivos das finanças e do de-senvolvimento atraiu 50 chefes de Estado e degoverno e mais de 200 ministros(as), assim comodirigentes do setor privado e da sociedade civil,altos(as) funcionários(as) de todas as principaisorganizações intergovernamentais financeiras, co-merciais, econômicas e monetárias. Foi o primeirointercâmbio quadripartido de opiniões entre go-vernos, sociedade civil, comunidade empresariale partes interessadas institucionais sobre temaseconômicos mundiais, reunindo mais de 800 par-ticipantes em 12 mesas-redondas.

E-mail: [email protected]: www.un.org/esa/ffd

OCDE(Organização para a Cooperaçãoe o Desenvolvimento Econômico)

Produz instrumentos, decisões e recomendaçõesacordadas internacionalmente para fomentar asregras do jogo nas quais os acordos multilateraissão necessários para que os países avancem naeconomia globalizada.

O Comitê de Assistência ao Desenvolvimento(CAD) é um dos principais foros da OCDE, ondeos principais doadores bilaterais cooperam paraaumentar a eficácia de seus esforços conjuntos deapoio ao desenvolvimento sustentável. As ativi-dades do CAD estão centradas em como a coope-ração internacional para o desenvolvimento con-tribui para melhorar a participação dos países emdesenvolvimento na economia mundial e na capa-cidade de as pessoas superarem a pobreza eparticiparem integralmente nas suas sociedades.Os indicadores estão disponíveis e atualizados naInternet em: <www.oecd.org/department>.

E-mail: [email protected]

OIT(Organização Internacional do Trabalho)

Desde sua criação em 1919, tem atribuído parti-cular importância às atividades de estabelecimentode normas. Suas 174 convenções e 181 recomen-dações abrangem áreas que incluem os direitoshumanos básicos, emprego, políticas sociais, rela-ções trabalhistas, administração sindical, condiçõesde trabalho e proteção social.

E-mail: [email protected]: www.ilo.org/ilolex/index.htm

A Ilolex é uma base de dados trilíngüe (inglês,espanhol e francês) que contém os acordos e asrecomendações da OIT, ratificações, comentáriosda Comissão de Especialistas e do Comitê deLiberdade Sindical, reclamações, interpretações,estudos e numerosos documentos relacionadosa essas questões.

E-mail: [email protected]: www.ilo.org/ilolex

O World Labour Report 2000 (Relatório Mundialdo Trabalho 2000) examina o papel fundamentalda proteção social em apoiar, complementar esubstituir a renda do mercado, no caso de pessoasaposentadas, incapacitadas para o trabalho, de-sempregados ou cuidando e educando filhos efilhas. Também inclui o atendimento à saúde, semo qual muitas pessoas no mundo em desenvolvi-mento não podem ganhar a vida.

Site: www-ilo-mirror.cornell.edu/public/english/protection/socsec/pol/publ/wlrblurb.htm

OMS(Organização Mundial da Saúde)

Dirige e coordena a esfera da saúde internacional.Seu objetivo é o de “que todas as pessoas atin-jam o nível mais alto possível de saúde”. Desdesua fundação em 1948, a OMS deu grandes con-tribuições para um mundo mais saudável.

E-mail: [email protected]: www.who.int

O Atlas mundial das doenças infecciosas reúne,para análise e comparação, dados e estatísticaspadronizados sobre doenças infecciosas em nívelnacional, regional e internacional. O atlas reco-nhece especificamente a extensa variedade dedeterminantes que influenciam os padrões detransmissão das doenças infecciosas.

Site: www.who.int/GlobalAtlas

ONU(Organização das Nações Unidas)

Disponibiliza na Internet informações gerais sobreo sistema da ONU, sua estrutura e missão. Tambémestão acessíveis bases de dados, estatísticas,documentos, notícias e comunicados de imprensa.

Site: www.un.org

A partir de 1990, as Nações Unidas realizaram umasérie de conferências e cúpulas internacionais.A Declaração e o Programa de Ação da CúpulaMundial sobre Desenvolvimento Social (CMDS) ea Declaração e a Plataforma de Ação da 4a Conferên-cia Mundial sobre a Mulher, ocorrida em Pequim,estão disponíveis em: <www.socialwatch.org>.

Pnud(Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento)

Desde 1990, publica anualmente o Relatório doDesenvolvimento Humano, com o Índice de Desen-volvimento Humano (IDH). O índice mede o pro-gresso socioeconômico relativo das nações.

O Relatório do Desenvolvimento Humano 2003oferece uma análise única dos avanços mundiaisna direção das ambiciosas Metas de Desenvolvi-mento do Milênio (MDMs) e apresenta um plano deação novo e detalhado para atingir essas metas:o Pacto de Desenvolvimento do Milênio. Além dis-so, inclui uma classificação de 173 países deacordo com seu nível de desenvolvimento huma-no e identifica 59 países “prioritários”, que preci-sarão de mais esforços para alcançar as MDMs.Em 31 desses países, os avanços na direção dasmetas estão estagnados ou, ainda pior, começa-ram a ser revertidos.

Site: www.undp.org/hdr2003

As informações gerais do Pnud, como os docu-mentos das conferências da ONU, estão disponí-veis na Internet em: <www.undp.org>.

Popin(Rede de Informação sobre População)

Fundada em maio de 1979, a rede – que integra aDivisão de População/Departamento de AssuntosEconômicos e Sociais da ONU – oferece à comu-nidade internacional as informações sobre a po-pulação mundial, regional e nacional, especial-mente as informações que estão disponíveis nasfontes da ONU.

E-mail: [email protected]: www.un.org/popin

Uma de suas publicações é World PopulationProspects: The 2002 Revision (Perspectivas daPopulação Mundial: a revisão de 2002), que apre-senta a 18a rodada de cálculos e projeções demo-gráficos internacionais realizados pela Divisão dePopulação desde 1950.

As informações estão também disponíveis na basede dados da Popin na Internet: <esa.un.org/unpp>.

SLNG(Serviço de Ligação da ONU comas Organizações Não-governamentais)

Com escritórios em Genebra e Nova York, o SLNGé um programa interagências que foi criado em 1975para fortalecer o diálogo e a cooperação entre aONU e as ONGs nas áreas de educação para odesenvolvimento, informação e políticas de pro-moção do desenvolvimento sustentável global.

E-mail: [email protected], [email protected]: www.un-ngls.org

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Observatório da Cidadania 2005 / 96

Unaids(Programa Conjunto das Nações Unidassobre o HIV/Aids)

Principal promotor da ação global contra o HIV/Aids, dirige, consolida e apóia uma ampla respostavoltada para a prevenção da transmissão do HIV,proporcionando cuidados e ajuda, reduzindo avulnerabilidade de indivíduos e comunidades aoHIV/Aids e aliviando o impacto da epidemia.

E-mail: [email protected]: www.unaids.org

Unesco(Organização das Nações Unidaspara Educação, Ciência e Cultura)

Em março de 1990, a comunidade internacionalcolocou o tema da educação na agenda globaldurante a Conferência Mundial sobre a Educaçãopara Todos (EPT), quando os governos adotaramo desafio de atingir a universalização do ensinoprimário até o ano 2000.

A Unesco publica o Education for All GlobalMonitoring Report 2003/4: Gender and Educationfor All – The Leap to Equality (Relatório de Acom-panhamento sobre a Educação para Todos 2003/4: Gênero e Educação para Todos – O Salto para aIgualdade). Esse relatório é considerado a pes-quisa mais completa do mundo sobre tendênciaseducacionais, medindo os esforços para matri-cular mais meninas nas escolas em todo o mundo.Também inclui um índice de desenvolvimento daEPT, que dá um panorama geral dos avanços reali-zados pelos países para cumprir as quatro metasde Dacar que são mais facilmente mensuráveis:educação primária universal, alfabetização da po-pulação adulta, qualidade da educação (permanên-cia até a quinta série) e paridade entre os gêneros.

E-mail: [email protected]

O relatório está disponível na Internet em:<www.efareport.unesco.org>.

O Instituto de Estatísticas da Unesco, com sede naUniversidade de Montreal (Canadá), elabora umabase de dados com indicadores selecionados.Disponível na Internet em: <www.uis.unesco.org>.

Unicef(Fundo das Nações Unidas para a Infância)

A Cúpula sobre a Infância, realizada em Nova Yorkem 1990, produziu um programa de ação deimpacto com objetivos muito concretos paramelhorar a situação das crianças nos países emdesenvolvimento. O Unicef publica informesanuais sobre os avanços de cada país na imple-mentação dos acordos.

O Estado Mundial da Infância 2004 é dedicadoà educação das meninas e seus vínculos comoutras metas de desenvolvimento e com a campa-nha Educação para Todos. A publicação defendeque o investimento na educação das meninaspermite assegurar os direitos dos meninos e me-ninas e impulsionar o programa de desenvolvi-mento de qualquer país. O resumo feito para aInternet apresenta os pontos gerais do texto com-pleto e oferece uma sinopse dos programas quese mostraram eficazes.

O informe completo, incluindo informações deapoio e estatísticas, pode ser pedido ao Unicef:

E-mail: [email protected]: www.unicef.org/sowc04

A base de dados estatísticos do Unicef contéminformações detalhadas por país, utilizadas paraas estimativas do fim da década. Análises globaise regionais resumidas, assim como apresenta-ções gráficas dos principais avanços durante adécada, podem ser consultadas no site, além deum conjunto completo de ferramentas técnicaspara realizar pesquisas por agrupamento de indi-cadores múltiplos.

E-mail: [email protected]: www.childinfo.org

Unifem(Fundo de Desenvolvimento das NaçõesUnidas para a Mulher)

Promove o empoderamento das mulheres e aigualdade entre os gêneros, trabalhando paragarantir a participação das mulheres em todas asesferas do planejamento e da prática do desen-volvimento. O Unifem age como um catalisadorno sistema da ONU, apoiando esforços que vin-culem as necessidades e preocupações das mu-lheres a todas as questões críticas nas agendasnacionais, regionais e global.

E-mail: [email protected]: www.unifem.org

Unrisd(Instituto de Pesquisa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento Social)

Agência de pesquisa independente subsidiadapor governos, organizações de desenvolvimentoe outras organizações. Por meio da pesquisa, oinstituto estimula o diálogo e contribui com osdebates das políticas sobre os temas principaisdo desenvolvimento social, dentro e fora do sis-tema da ONU.

E-mail: [email protected]: www.unrisd.org

Women Watch(Observatório da Mulher)

É um portal da Internet com informações e recur-sos para a promoção da igualdade entre os gêne-ros e o empoderamento das mulheres em todo omundo, por meio do sistema da ONU. Foi criadoem 1997 pela DAW, Unifem e o Instituto Interna-cional de Pesquisa e Formação para o Progressoda Mulher (Instraw), para monitorar os resulta-dos da 4a Conferência Mundial sobre a Mulher,ocorrida em Pequim, em 1995.

E-mail: [email protected]: www.un.org/womenwatch

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Observatório da Cidadania 2005 / 97

Anistia Internacional

A Anistia Internacional é um movimento mundialde pessoas que atuam com a convicção de queos governos não devem negar aos indivíduos seusdireitos humanos básicos. Publica informes anuaispor país, disponíveis em seu site.

E-mail: [email protected]: www.amnesty.org

A Anistia Internacional promove uma campanhaque divulga informações sobre as atividades dosórgãos de controle dos tratados e estimula ONGse indivíduos a participarem do seu trabalho. O siteinclui apresentação geral de suas principais fun-ções, avaliação dos informes dos Estados-partese das reclamações individuais e uma seção sobreo papel das ONGs no trabalho dos órgãos de con-trole dos tratados.

E-mail: [email protected]: www.amnesty.org/contacts/engindex

Arab NGO Network for Development(Rede Árabe de ONGs parao Desenvolvimento)

Organização democrática, voluntária, civil, inde-pendente, não-sectária e laica, composta porONGs árabes e redes nacionais ativas nas áreasde desenvolvimento social, direitos humanos,gênero e meio ambiente. É integrada por 30 ONGse nove redes nacionais de 12 países árabes.

E-mail: [email protected]: www.annd.org

ATD Fourth World(Ajuda ao Quarto Mundo)

Dedicada à superação da pobreza extrema, suameta é explorar todas as possibilidades de parce-rias com famílias que vivem na pobreza crônica eestimular que mais cidadãos(ãs) e funcionários(as)participem desse esforço.

E-mail: [email protected]: www.atd-quartmonde.org

Canadian Centre for Policy Alternatives(Centro Canadense de Políticas Alternativas)

Oferece uma alternativa à idéia de que não temosnenhuma escolha sobre as políticas que afetamnossas vidas. Realiza e promove pesquisas sobreproblemas de justiça social e econômica. Produzrelatórios de pesquisa, livros, folhetos e outraspublicações, incluindo The Monitor, um resumomensal da pesquisa e opinião progressistas.

E-mail: [email protected]: www.policyalternatives.ca

ONGs de atuação global

Choike

Portal destinado a aumentar a visibilidade do tra-balho das ONGs do Sul. Fornece acesso a diversasfontes de informações, organizadas a partir daperspectiva da sociedade civil. O portal oferece:

• lista de ONGs do Sul organizada por temas, alémde sites úteis e relevantes;

• ferramenta de busca que permite localizar in-formações nos sites das ONGs. Por meio dopróprio portal, as ONGs que desejarem podemincorporar essa ferramenta de busca a seu site;

• trabalhos produzidos pelas ONGs, informes,notícias e recursos de informação relevantespara a sociedade civil;

• informes especiais;• difusão das ações e campanhas das ONGs.

Choike, uma ONG independente, é um projetodo Instituto do Terceiro Mundo, com sede emMontevidéu.

E-mail: [email protected]: www.choike.org

Cidse(Cooperação Internacional para oDesenvolvimento e a Solidariedade)

Aliança de 15 organizações católicas da Europa,América do Norte e Nova Zelândia que trabalhamcom o tema do desenvolvimento. Desde 1968,compartilham uma estratégia para projetos e pro-gramas de desenvolvimento, educação para odesenvolvimento e advocacy.

E-mail: [email protected]: www.cidse.org

CIOSL(Confederação Internacionalde Sindicatos Livres)

Reúne centrais sindicais de diferentes países, cadauma delas congregando os sindicatos de seu país,e aceita filiações de organizações sindicais de boa-fé, independentes de influência externa e comestrutura democrática.

E-mail: [email protected]: www.icftu.org

Citizens’ Network on Essential Services(Rede Cidadã sobre Serviços Essenciais)

Tem como finalidade democratizar a governançanacional e global, com apoio a grupos cidadãosnos países em transição e em desenvolvimentoque estejam comprometidos em influenciar asdecisões sobre políticas de serviços essenciais:água, energia, educação e atendimento à saúde.

A rede defende que cidadãos(ãs) e representanteseleitos(as) devem explorar alternativas políticassubstanciais para decidir que tipo de prestaçãode serviços cumpre melhor os objetivos sociais,ambientais e de desenvolvimento.

E-mail: [email protected]: www.servicesforall.org

Cladem(Comitê da América Latina e Caribede Defesa dos Direitos da Mulher)

Rede de mulheres e de organizações de mulheresda América Latina e Caribe, com o objetivo de jun-tar esforços para uma defesa efetiva dos direitosdas mulheres na região.

E-mail: [email protected]: www.cladem.org

Cohre(Centro sobre o Direito à Habitaçãoe os Despejos)

Fomenta e protege o direito à habitação para todasas pessoas, em todos os lugares. Seu trabalhoenvolve a capacitação sobre os direitos à habita-ção; pesquisa e publicações; monitoramento, im-pedimento e documentação de despejos forçados;missões de investigação; habitação e restituiçãode bens imóveis; direitos das mulheres à habita-ção; participação ativa e advocacy na ONU e nosorganismos regionais de direitos humanos; e ati-vidades em todas as regiões do Sul.

E-mail: [email protected]: www.cohre.org

Conselho Mundial das Igrejas

Associação de 342 igrejas em mais de 120 paísesde todos os continentes, envolvendo praticamentetodas as tradições cristãs.

E-mail: [email protected]: www.wcc-coe.org

Corporate Accountability(Responsabilidade Social Empresarial)

Dedica-se a facilitar o fluxo de informações entreas ONGs e os movimentos sociais que acreditamque seus governos, o setor privado e a sociedadecivil devem se esforçar mais para assegurar queempresas e indústrias, especialmente empresasmultinacionais, sejam responsáveis perante a so-ciedade. Oferece informações sobre as campanhasda sociedade civil relacionadas à responsabilidadeempresarial e sobre ONGs e sindicatos que atuamnessa esfera. Fornece materiais completos sobre oscódigos de conduta, iniciativas interinstitucionaise processos intergovernamentais, assim como ca-sos de melhores e piores práticas de condutaempresarial. No seu site, há documentos e publica-ções sobre responsabilidade empresarial e links parainstitutos de pesquisa relevantes e bases de dados.

E-mail: [email protected]: www.corporate-accountability.org

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Observatório da Cidadania 2005 / 98

Dawn(Alternativas de Desenvolvimento com asMulheres para uma Nova Era)

Rede de mulheres especialistas e ativistas do Sulque se dedica à pesquisa e à análise feminista docontexto global, com o compromisso de traba-lhar pela justiça econômica e a democracia.

E-mail: [email protected]: www.dawn.org.fj

Dignity International(Dignidade Internacional)

Criada pela Campanha da Globalização sem Po-breza do Conselho da Europa em 1998–2000.Em janeiro de 2003, a Dignidade Internacionalestabeleceu-se como ONG independente. Seuobjetivo é trabalhar com pessoas pobres e comu-nidades marginalizadas de todo o mundo, comprogramas de educação e capacitação (capacita-ção em direitos humanos) centrados nos direitoseconômicos, sociais e culturais, no contexto deseu trabalho de promoção e defesa de todos osdireitos humanos para todos os indivíduos.

E-mail: [email protected]: www.dignityinternational.org

Eurodad(Rede Européia sobre Dívidae Desenvolvimento)

Rede de 48 ONGs de 15 países europeus que traba-lham com o tema do desenvolvimento e as políticasfinanceiras nacionais e internacionais, para erra-dicar a pobreza e empoderar as pessoas pobres.

E-mail: [email protected]: www.eurodad.org

Eurostep(Solidariedade Européia para a ParticipaçãoIgualitária das Pessoas)

Rede de ONGs européias autônomas que traba-lham pela paz, justiça e igualdade num mundosem pobreza. Seus integrantes, enraizados em suaspróprias sociedades, cooperam para influir nopapel da Europa no mundo, especialmente paraerradicar a injustiça e a pobreza. Defende a modi-ficação de políticas e práticas européias, com baseem perspectivas derivadas de experiências diretase participação ativa de seus integrantes e parcei-ros no desenvolvimento de mais de cem países.

E-mail: [email protected]: www.eurostep.org

Fórum Social Mundial

Sob o lema “Outro mundo é possível”, o FórumSocial Mundial (FSM) é um espaço internacionalde reflexão e organização de todas as pessoas einstituições que se opõem às políticas neoliberaise buscam construir alternativas para priorizar odesenvolvimento humano e a separação dos mer-cados em cada país e nas relações internacionais.

Desde 2001, já houve quatro edições do Fórumem Porto Alegre (Brasil) e uma em Mumbai (Índia).O FSM sempre é realizado na mesma época doFórum Econômico Mundial, que se reúne em Davos,Suíça, no fim de janeiro. Nos próximos anos, o FSMterá um caráter mais descentralizado, promovendoencontros simultaneamente em vários países.

E-mail: [email protected]: www.forumsocialmundial.org.br

Guia do Mundo

Obra de referência atualizada a cada dois anos,incluindo a história, mapas e estatísticas de todosos países e regiões do mundo. O Guia do Mundo2003–2004 inclui um panorama dos principaistemas globais, como terrorismo, aquecimentoglobal, escravidão nos dias de hoje, democracia,usura e islamismo. Inclui ainda informações sobre238 países e estatísticas sobre saúde infantil, alfa-betização, acesso à água potável, uso do solo etc.A versão impressa do Guia do Mundo está dispo-nível em espanhol, inglês, português e italiano.A versão em CD-ROM, em espanhol, inglês e ita-liano, contém os relatórios nacionais do SocialWatch e da Anistia Internacional, em inglês e es-panhol. Está também disponível a edição dina-marquesa em CD-ROM e na Internet.

E-mail: [email protected]: www.guiadelmundo.org.uy

A publicação em espanhol é atualizada regular-mente on-line em: <www.guiadelmundo.org.uy>.

HIC(Coalizão Internacional do Habitat)

É um movimento independente internacional, semfins lucrativos, com cerca de 400 organizações eindivíduos que trabalham na área dos assenta-mentos humanos. Entre seus integrantes, estãoONGs, organizações comunitárias, instituiçõesacadêmicas e de pesquisa, organizações da socie-dade civil e pessoas com formas similares de pen-sar de 80 países do Norte e do Sul. Os objetivoscomuns dão coesão e forma ao compromisso daHIC com as comunidades que trabalham para con-seguir habitação e melhorar suas condições dehabitat. Para mais informações sobre os objeti-vos, membros e atividades da HIC, consulte a Redede Direitos à Habitação e à Terra da HIC, OrienteMédio e África do Norte em: <www.hic-mena.org>.

E-mail: [email protected]

Para informações sobre a Secretaria Latino-ame-ricana da HIC, acessar: <www.hic-al.org>.

E-mail: [email protected]

Human Rights Watch(Observatório dos Direitos Humanos)

Dedica-se a proteger e defender os direitos huma-nos das pessoas em todo o planeta. Publicaçõespodem ser solicitadas por e-mail.

E-mail: [email protected]: www.hrw.org

ICSW(Conselho Internacional do Bem-Estar Social)

ONG internacional que trabalha pela causa do bem-estar social, justiça e desenvolvimento. Publica arevista Social Development Review (Revista deDesenvolvimento Social), que se ocupa do monito-ramento das ações governamentais e não-gover-namentais relacionadas à Cúpula Mundial sobreDesenvolvimento Social.

E-mail: [email protected]: www.icsw.org

IDS(Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento)

Fundado em 1966, é um conhecido centro inter-nacional de pesquisa e ensino sobre temas dodesenvolvimento. O IDS abriga também muitosserviços inovadores de informações e gestãodo conhecimento.

E-mail: [email protected]: www.ids.ac.uk/ids

IHRIP(Programa Internacional de Estagiáriosem Direitos Humanos)

Trabalha para fortalecer o movimento de direitoshumanos ao facilitar o intercâmbio de informa-ções e experiências entre as organizações de direi-tos humanos. O IHRIP apóia os projetos profis-sionais de desenvolvimento e intercâmbio desti-nados a integrantes de organizações de direitoshumanos e ativistas em países do Sul, assim comona Europa do Leste e Central e nas repúblicas daex-União Soviética. Aproveitando as experiênciasde ativistas de todo mundo, o Programa tambémdesenvolveu numerosos recursos de informação ecapacitação e, mais recentemente, recursos sobredireitos econômicos, sociais e culturais.

E-mail: [email protected]: www.iie.org

Imposto Tobin

Proposta de taxar as transações financeiras nosmercados de câmbio estrangeiros, por meio decooperação multilateral, e utilizar as receitas paraatender às necessidades ambientais e humanas.Um imposto desse tipo moderaria a volatilidade dosmercados financeiros e restauraria a soberaniaeconômica nacional. (O nome vem de James Tobin,um economista que ganhou o prêmio Nobel.)

Tobin Tax Initiative, Ceed/IirpE-mail: [email protected]: www.ceedweb.org/iirp

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Observatório da Cidadania 2005 / 99

IPS(Inter Press Service)

Principal agência de notícias da sociedade civil, éuma voz independente baseada no Sul que defendeo desenvolvimento, aprofundando os temas daglobalização. O serviço IPS procura manter osobjetivos da antiga cooperativa de jornalistas econtinuar a defender seus ideais. É organizaçãode interesse público, e seu objetivo principal écontribuir para o desenvolvimento, mediante apromoção da liberdade das comunicações e aformação de uma corrente profissional de informa-ções que reforce a cooperação técnica e econô-mica entre os países em desenvolvimento.

E-mail: [email protected]: www.ips.org

Jubileu+

Programa da New Economics Foundation, de Lon-dres, que capitaliza as conquistas da Coalizão Ju-bileu 2000 do Reino Unido e apóia as campanhasmundiais pela justiça econômica.

E-mail: [email protected]: www.jubileeplus.org

Kairos(Iniciativas Canadenses Ecumênicas pela Justiça)

Reúne diferentes igrejas e organizações religiosasnuma resposta ecumênica ao chamado de “fazerjustiça, amar a bondade e caminhar humildementecom Deus” (Micah 6:8). Kairos discute temas queinteressam a todos os indivíduos, defende asmudanças sociais e coopera com as pessoas de fée boa vontade que atuam na transformação social.

E-mail: [email protected]: www.kairoscanada.org

Mani Tese

ONG que opera em âmbito nacional e internacio-nal, buscando promover justiça, solidariedade erespeito entre os povos.

E-mail: [email protected]: www.manitese.it

ODI(Instituto sobre Desenvolvimento no Exterior)

Instituto britânico reconhecido como think tankem temas de desenvolvimento internacional equestões humanitárias. Sua missão é inspirar einformar sobre políticas e práticas de redução dapobreza, alívio do sofrimento e a conquista de umavida digna nos países em desenvolvimento.

E-mail: [email protected]: www.odi.org.uk

Oxfam Internacional

Confederação de 12 organizações que trabalhamcom 3 mil organizações locais em mais de cempaíses para encontrar soluções definitivas para apobreza, o sofrimento e a injustiça.Secretariado Internacional da Oxfam

E-mail: [email protected]: www.oxfaminternational.org

Oxfam Internacional AdvocacyE-mail: [email protected]: www.oxfaminternational.org

Public Citizen (Cidadão Público)

Fundada em 1971 por Ralph Nader, é uma organiza-ção nacional sem fins lucrativos de defesa de con-sumidores e consumidoras. Procura representar osinteresses do público consumidor no Congresso,no Executivo e no Judiciário dos Estados Unidos.Luta pela transparência e responsabilidade de-mocrática no governo; pelo direito de o públicoconsumidor buscar compensação nos tribunais; porfontes de energia limpas, seguras e sustentáveis;pela justiça social e econômica nas políticas comer-ciais; por uma saúde forte, segurança e proteção domeio ambiente; e por medicamentos e atendimentomédico seguros, eficazes e de custo acessível.

E-mail: [email protected]: www.citizen.org

Realidade da Ajuda

Promove políticas nacionais e internacionais quecontribuam para uma estratégia inovadora e eficazde erradicação da pobreza, baseada na solidarie-dade e eqüidade.

No Informe Realidade da Ajuda 2002, elaboradopor ONGs de todos continentes, o compromissodos(as) chefes de estado de construir uma ordemglobal mais segura pode ser comparado com en-foques financeiros globais, interesses políticos enecessidades humanas.

E-mail: [email protected]: www.realityofaid.org

Rede Desc(Rede Internacional para os DireitosEconômicos, Sociais e Culturais)

Nova iniciativa de cooperação, é formada por gru-pos de todo o mundo que trabalham para garantirjustiça econômica e social. Seu objetivo é promo-ver o reconhecimento de todos os direitos, enfa-tizando os direitos econômicos, sociais e cultu-rais (Desc). Por meio da Rede Desc, os diversosgrupos e indivíduos podem fazer intercâmbio deinformações, desenvolver uma voz coletiva, am-pliar suas ações, demonstrar a vantagem concretade aplicar um enfoque orientado para os Desc notrabalho de eliminação da pobreza, assim como pro-mover e defender políticas e práticas econômicas,sociais e culturais justas em todos os níveis.

E-mail: [email protected]: www.escr-net.org

Rede do Terceiro Mundo (TWN)

É uma rede internacional independente e sem finslucrativos de organizações e indivíduos envol-vidos com questões de desenvolvimento e temasNorte–Sul. Seus objetivos são realizar pesquisassobre temas econômicos, sociais e ambientaisrelacionados com o Sul; publicar livros e revistas;organizar e participar de seminários; e ofereceruma plataforma que represente amplamente osinteresses e as perspectivas do Sul nos fórunsinternacionais, como conferências e processos daONU. Entre suas atividades estão a publicação doboletim diário Suns, a publicação Third WorldEconomics, a revista Third World Resurgence, apublicação do Third World Network Features, livrossobre questões econômicas e ambientais, orga-nização de diversos seminários e oficinas, e a parti-cipação em diversos processos internacionais.A sede do Secretariado Internacional da Rede doTerceiro Mundo está em Penang (Malásia) e temescritórios em Montevidéu (Uruguai), Genebra(Suíça) e Acra (Gana).

E-mail: [email protected]: www.twnside.org.sg

Rede do Terceiro Mundo na América Latina

Publica a Revista del Sur e Tercer Mundo Económico.E-mail: [email protected]: www.revistadelsur.org.uy ewww.tercermundoeconomico.org.uy

Os artigos da rede estão disponíveis na Internetem: <www.redtercermundo.org.uy>.

Rede do Terceiro Mundo na África(TWN Africa)

Publica Africa Agenda.E-mail: [email protected]: www.twnafrica.org

Rede pela Justiça Fiscal

Rede mundial surgida das reuniões do FórumSocial Europeu de 2002, em Florença, Itália, e doFórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em2003. É uma resposta às tendências negativas nosistema fiscal global, que ameaçam a capacidadede os Estados tributarem os ricos beneficiáriosda globalização.

E-mail: [email protected]: www.taxjustice.net

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Observatório da Cidadania 2005 / 100

Repem(Rede de Educação Popular entre Mulheresda América Latina e Caribe)

Espaço regional de organizações latino-americanase caribenhas dedicado a articulações estratégicassobre gênero, educação e economia. Entre outrasatividades, monitora as conferências e cúpulas deCopenhague, Pequim e Hamburgo. Repem é osecretariado da rede Dawn para América Latina eCaribe e é a sede do Conselho Internacional deEducação de Adultos.

E-mail: [email protected]: www.repem.org.uy

Saprin(Rede Internacional de Revisão Participativado Ajuste Estrutural)

Dedica-se a aumentar e legitimar o papel da socie-dade civil na política econômica e a fortalecer aresistência organizada aos programas de ajusteestrutural por parte de cidadãos e cidadãs de todoo planeta. A rede trabalha com uma grande varie-dade de grupos cidadãos em diversos países paraorganizar processos públicos de avaliação doimpacto real dos programas de reforma econô-mica apoiados pelo Banco Mundial e pelo FundoMonetário Internacional (FMI), além de traçar umnovo rumo para o futuro.

E-mail: [email protected]: www.saprin.org

Suns(Monitor do Desenvolvimento Norte–Sul)

É uma fonte única de informações e análises sobretemas de desenvolvimento internacional, com ên-fase especial nas negociações Norte–Sul e Sul–Sul.Ao longo dos anos, o Suns proporcionou cober-tura em profundidade das atividades dos paísesnão-alinhados, do Grupo dos 77 e de outros gru-pos regionais e inter-regionais do Sul e das ONGs.Com a perspectiva do Sul, o Suns tem sido umafonte importante de informações sobre os pro-cessos de negociações formais e informais doAcordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt) e daRodada do Uruguai, Processo de Revisão de MédioPrazo, Sessão Ministerial de Bruxelas e, desdeentão, das conferências da Unctad e dos debatese diálogos sobre temas ambientais e de desen-volvimento, a Cúpula da Terra e outras impor-tantes conferências da ONU, assim como sobreseus acompanhamentos.

E-mail: [email protected]: www.sunsonline.org

Ajude o Social Watch a identificaroutras fontes relevantes.

Escreva para:Social Watch c/o IteMJuan D. Jackson 113611200 Montevidéu, UruguaiFax: +598-2-411-9222

E-mail: [email protected]: www.socialwatch.org

No Brasil, envie para Observatório daCidadania, escrevendo para o Ibase:Av. Rio Branco, 124/8o andar – CentroCEP 20040-916 – Rio de Janeiro – RJFax: +55-21-3852-3517

E-mail: [email protected]: www.ibase.br

Trade Observatory(Observatório do Comércio)

Projeto conjunto do Instituto para a Agricultura ePolíticas Comerciais (IATP), do Amigos da TerraInternacional e do Centro pela Defesa da Lei Am-biental Internacional, que fazem o acompanha-mento das atividades da OMC em Genebra, cons-tituindo um esforço para facilitar o trabalho deadvocacy dos atores da sociedade civil e reverteras assimetrias no sistema de comércio mundial.O Observatório da OMC juntou-se ao Observatóriodo Comércio do IATP para fornecer uma compila-ção profunda e exaustiva dos recursos de infor-mação relacionados ao comércio, globalização edesenvolvimento sustentável.

E-mail: [email protected]: www.tradeobservatory.org

Transparência Internacional

Única ONG em escala mundial que se dedica acombater a corrupção e que reúne a sociedadecivil, setor privado e governos, numa vasta coalizãoglobal. Por meio de suas mais de 85 seções nacio-nais no mundo e de seu secretariado internacional,a ONG aborda as diferentes facetas da corrupção.

E-mail: [email protected]: www.transparency.org

Wedo(Organização de Mulheres para o Ambientee o Desenvolvimento)

Organização internacional de advocacy, que buscaaumentar o poder das mulheres no mundo comoresponsáveis pela formulação de políticas em todasas esferas governamentais, instituições e fóruns,com o objetivo de atingir a justiça econômica esocial, um planeta pacífico e saudável, além dedireitos humanos para todos os indivíduos.

E-mail: [email protected]: www.wedo.org

Women, Peace and Security(Mulheres, Paz e Segurança)

Um portal da Internet criado pelo Fundo de Desen-volvimento das Nações Unidas para a Mulher(Unifem), com informações úteis e atualizaçõesregulares sobre o impacto dos conflitos armadosnas mulheres e o papel que elas têm na constru-ção da paz. Seu objetivo é coletar e analisar infor-mações de forma sistemática e pô-las à dispo-sição de governantes, provocando uma respostamelhor às experiências das mulheres com a guerrae a construção da paz. É uma das contribuiçõesdo Unifem à implementação da Resolução 1.325do Conselho de Segurança sobre as Mulheres, Paze Segurança, aprovada por unanimidade em ou-tubro de 2000. Essa resolução, sem precedentes,assinala explicitamente a “necessidade de conso-lidar dados sobre o impacto dos conflitos armadosnas mulheres e meninas”.

E-mail: [email protected]: www.womenwarpeace.org

World Watch Institute

Organização de pesquisa de políticas públicas,dedicada a informar sobre problemas e tendênciasglobais emergentes e os complexos vínculos entrea economia mundial e seus sistemas de apoioambiental. O World Watch Institute publica Stateof the World. A publicação The State of the World2004 Special Focus: The Consumer Society ana-lisa como consumimos, por que consumimos eque impacto têm nossas decisões de consumosobre o planeta e nossos semelhantes. O State ofthe World 2004 Report está disponível em: <www.worldwatch.org/pubs/sow/2004/>.

E-mail: [email protected]: www.worldwatch.org

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Observatório da Cidadania 2005 / 101

CESeC(Centro de Estudos de Segurança e Cidadania)

Ligado à Universidade Candido Mendes, o CESeCrealiza pesquisas aplicadas, consultorias, cursose eventos nas áreas de segurança pública, justiçae cidadania. Criado em abril de 2000, reunindouma equipe de especialistas com experiência detrabalho acadêmico, de atuação em movimentossociais e de formulação e execução de políticaspúblicas, tem como principal compromisso con-tribuir para a modernização e a democratizaçãodo sistema de justiça criminal brasileiro, visandoao estabelecimento de uma cultura participativade segurança pública no país.

Rua da Assembléia, 10, sala 810 – CentroCEP 20011-901 – Rio de Janeiro – RJTelefax: +55-21-2531-2033E-mail: [email protected]: www.cesec.ucam.edu.br

Cfemea(Centro Feminista de Estudos e Assessoria)

ONG, fundada em Brasília em 1989, de caráter pú-blico e sem fins lucrativos. Luta, de forma autô-noma e suprapartidária, pela cidadania das mu-lheres, pela igualdade de gênero e por uma socie-dade e um Estado justos e democráticos. Tem comocompromissos: defesa e ampliação da democra-cia; busca da superação das desigualdades e dis-criminações de gênero e raça/etnia; e afirmaçãoda diversidade, liberdade, solidariedade e auto-nomia como valores centrais da sociedade.

SCS, Quadra 2, Bloco C, Sala 602Edifício GoiásCEP 70317-900 – Brasília – DFTelefax: +55-61-3224-1791E-mail: [email protected]: www.cfemea.org.br

Criola

Instituição da sociedade civil sem fins lucrativos,fundada em 2 de setembro de 1992. É conduzidapor mulheres negras de diferentes formações, vol-tada para o trabalho em diversas comunidadesno Rio de Janeiro. A missão da instituição é ins-trumentalizar mulheres, adolescentes e meninasnegras para o desenvolvimento de ações para ocombate ao racismo, ao sexismo e à homofobia epara a melhoria das condições de vida da popula-ção negra. Visa à inserção das mulheres negrascomo agentes de transformação, contribuindopara a elaboração de uma sociedade fundada emvalores de justiça, eqüidade e solidariedade, naqual a presença e a contribuição da mulher negrasejam acolhidas como um bem da humanidade.

Av. Presidente Vargas, 482 – sobreloja 203– CentroCEP 20071-000 – Rio de Janeiro – RJTelefax: +55-21-2518-6194E-mail: [email protected]: www.criola.org.br

Grupo de referência – Brasil

Fase(Federação de Órgãos para Assistência Sociale Educacional)

ONG que atua em escala local, regional, nacionale internacional. Sua missão é: contribuir para aconstrução de uma alternativa de desenvolvimentofundada na democracia, na justiça social, no desen-volvimento sustentável e na ampliação da esferapública; apoiar, com visão e atuação próprias, aconstrução, o fortalecimento e a articulação desujeitos coletivos do desenvolvimento, por meiode ações educativas e projetos demonstrativos.

Rua das Palmeiras, 90 – BotafogoCEP 22270-070 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55-21-2536-7374Fax: +55-21-2536-7379E-mail: [email protected]: www.fase.org.br

Ibase(Instituto Brasileiro de Análises Sociaise Econômicas)

Responsável pela coordenação da iniciativa Ob-servatório da Cidadania no Brasil, é uma entidadepública a serviço da cidadania e da democracia.Como entidade autônoma, o Ibase se assumecomo ator social pautado por princípios e valoreséticos de liberdade, igualdade, diversidade, soli-dariedade e participação cidadã. Visa contribuirestrategicamente para o desenvolvimento da de-mocracia em sua plena radicalidade, tanto de di-reitos, instituições e práticas políticas como deestruturas, relações e processos econômicos,sociais e culturais democráticos. Participa e apóiainiciativas que tenham como escopo a defesa e apromoção dos direitos humanos, da justiça e dobem-estar social. Engaja-se na viabilização de pro-postas que visam à erradicação das condições ge-radoras de fome, miséria e pobreza, bem como nocombate sistemático a quaisquer formas de desi-gualdade e exclusão social. Desde o ano 2000, oIbase faz parte do Comitê Organizador do FórumSocial Mundial.

Av. Rio Branco, 124/ 8o andar – CentroCEP 20040-916 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55-21-2509-0660Fax: +55-21-3852-3517E-mail: [email protected]: www.ibase.br

Inesc(Instituto de Estudos Socioeconômicos)

Sediado em Brasília, o instituto tem como mis-são o lobby para o movimento popular no Con-gresso Nacional, além de articulação, assessoriae educação política voltadas para as políticas pú-blicas. Suas principais áreas temáticas são: crian-ças e adolescentes; questões agrária/agrícola eambiental/ecológica; direitos humanos, povos in-dígenas, relações de gênero, comunicação e orça-mento público federal. O trabalho do Inesc abran-ge ainda as áreas de segurança alimentar, gestãopública, política internacional e política ambiental.Seu principal foco de atuação é a educação, pres-são e mobilização da sociedade para o acompa-nhamento de temas de interesse no CongressoNacional, já que a lei é um importante instrumentopara a luta das organizações populares para al-cançar seus direitos e reivindicações.

SCS – Quadra 8 – Bloco B-50, salas 431/441Edifício Venâncio 2000CEP 70333-970 – Brasília – DFTel.: +55-61-3212-0200Fax: +55-61-3212-0216E-mail: [email protected]: www.inesc.org.br

Rede Dawn(Alternativas de Desenvolvimento com asMulheres para uma Nova Era)

Rede de mulheres dos países que integram o “SulEconômico” criada em 1984. Desde então, a rededesenvolve pesquisas e análises feministas sobreo contexto global, comprometidas com a justiçaeconômica e de gênero e a democracia. A RedeDawn trabalha em âmbito global e local e atua naÁfrica, Ásia, América Latina, no Caribe e Pacífico.Suas análises têm se concentrado nas seguintesáreas: economia política globalizada; saúde e di-reitos reprodutivos e sexuais; e reforma política etransformação social. A Dawn articula-se tambémcom outras redes globais e regionais que estejamoperando nesses campos.

E-mail: [email protected]: www.dawn.org.br

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Observatório da Cidadania 2005 / 102

Abep(Associação Brasileira de EstudosPopulacionais)

Promove o intercâmbio científico na área de demo-grafia e o conhecimento da realidade demográficanacional. É uma sociedade civil, de direito privado,de cunho nacional, de interesse coletivo e carátertécnico-científico, sem fins lucrativos, com autono-mia financeira, aberta a todos e todas com inte-resse nos estudos e investigações populacionais.

Nepo – Universidade Estadual de CampinasCaixa Postal 6.166CEP 13083-970 – Campinas – SPTel.: +55-19-3788-5910Fax: +55-19-3788-5900E-mail: [email protected]: www.abep.org.br

Abong(Associação Brasileira de ONGs)

Fundada em agosto de 1991, representa e pro-move o intercâmbio entre as ONGs empenhadasno fortalecimento da cidadania, na expansão dosdireitos fundamentais e na consolidação da demo-cracia. Nesse sentido, busca servir de veículo deexpressão, em âmbito nacional e internacional, deopiniões, contribuições, propostas e alternativasdas ONGs diante da problemática do desenvolvi-mento da sociedade brasileira.

Rua General Jardim, 660, 7º andar –Vila BuarqueCEP 01223-010 – São Paulo – SPTelefax: +55-11-3237-2122E-mail: [email protected]: www.abong.org.br

Ação Educativa

Apóia e propõe projetos educativos e de juven-tude, visando à promoção da justiça e ao forta-lecimento da democracia participativa no Brasil.Fundada em 1994, realiza atividades de asses-soria, pesquisa, informação e formação, além deproduzir e divulgar materiais de subsídio a pro-fissionais de educação, jovens e outros agentessociais. Coordena a Campanha Nacional pelo Di-reito à Educação.

Rua General Jardim, 660 – Vila BuarqueCEP 01223-010 – São Paulo – SPTelefax:+55-11-3151-2333E-mail: [email protected]: www.acaoeducativa.org.br

Fontes nacionais de informação

Afirma Comunicação e Pesquisa

Sua missão é a produção e a democratização deinformação e dados relevantes para a promoçãodos direitos humanos e de maior igualdade e di-versidade racial e de gênero. Afirma Comunica-ção e Pesquisa nasceu de uma experiência pio-neira de mídia eletrônica, a Afirma Revista NegraOnline, criada em fevereiro de 2000, uma referên-cia sobre o trabalho e a reflexão de ONGs epesquisadores(as) negros(as) e não-negros(as)no Brasil e no exterior.

Rua Miguel Couto, 131 – 12º andar – CentroCEP 20070-030 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55-21-2223-0362Telefax: +55-21-2203-0035E-mail: [email protected]: www.afirma.inf.br

Biblioteca Virtual da Mulher

Site especializado no tema mulher e relações degênero. Reúne informações nacionais e interna-cionais sobre saúde, violência, cultura, trabalho,direitos e cidadania, educação, poder e participa-ção política. É um projeto do Conselho Estadualdos Direitos da Mulher (Cedim/RJ) em parceriacom o Programa Prossiga – Informação e Comu-nicação para a Ciência e Tecnologia/Ibict/MCTe conta com apoio da Fundação Carlos ChagasFilho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio deJaneiro (Faperj).

Rua Camerino, 51 – CentroCEP 20080-011 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55-21-2299-2008E-mail: [email protected]: www.prossiga.br/bvmulher/cedim/

CCR(Comissão de Cidadania e Reprodução)

Congrega um grupo de profissionais compro-metidos(as) com o exercício da cidadania e buscamonitorar e influenciar a mídia, a legislação, aspolíticas públicas e a agenda de saúde, direitossexuais e reprodutivos no Brasil. Também procurao diálogo permanente e dinâmico com diversossetores da sociedade organizada. A CCR mantémum banco de dados com mais de 13 mil registrosde matérias sobre saúde reprodutiva e sexualidade,além de produzir publicações próprias.

R. Morgado de Mateus, 615CEP 04015-902 – São Paulo – SPTel.: +55-11-5574-0399Fax: +55-11-5575-7372E-mail: [email protected]: www.ccr.org.br

Datasus(Departamento de Informática do SistemaÚnico de Saúde)

Órgão de informática de âmbito nacional, repre-senta papel importante como centro tecnológico desuporte técnico e normativo para a montagem dossistemas de informática e informação da saúde.Suas extensões regionais constituem a linha defrente no suporte técnico às secretarias estaduaise municipais de saúde. Sua missão é prover osórgãos do SUS de sistemas de informação e su-porte de informática necessários ao processo deplanejamento, operação e controle do sistema,pela manutenção de bases de dados nacionais,apoio e consultoria na implantação de sistemas ecoordenação das atividades de informática ine-rentes ao funcionamento integrado dos órgãosque fazem parte do SUS.

Ministério da SaúdeEsplanada dos MinistériosCEP 70058-900 – Brasília – DFTel.: +55-61-3315-2254E-mail: [email protected]: www.datasus.gov.br

Rua México, 128 – CentroCEP 20031-142 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55-21-3974-7171E-mail: [email protected]

Dieese(Departamento Intersindical de Estatísticae Estudos Socioeconômicos)

Entidade civil sem fins lucrativos, mantida pelacontribuição das entidades sindicais filiadas, naqual estão representadas todas as correntes domovimento sindical brasileiro. O Dieese foi criadopelo movimento sindical há 40 anos e desenvolveatividades de pesquisa, assessoria, educação ecomunicação nos temas relacionados ao mundodo trabalho. É hoje uma importante instituição naárea de informação, análise e levantamento dedados no país. Em parceria com a Central Únicados Trabalhadores (CUT), a Confederação Geraldos Trabalhadores (CGT) e a Força Sindical, publi-cou o Mapa das Questões de Gênero e, mais recen-temente, o Mapa da População Negra no Mercadode Trabalho, em parceria com o Centro de Solida-riedade da Federação Americana para o Trabalhoe Congresso das Organizações Industriais (AFL-CIO)e o Instituto Sindical Interamericano pela Igual-dade Racial (Inspir).

Escritório NacionalR. Ministro Godói, 310 – Pq. Água Branca– PerdizesCEP 05001 900 – São Paulo – SPTel.: +55-11-3874-5366Fax: +55-11-3874-5394E-mail: [email protected]: www.dieese.org.br

AFL-CIO815 16th St., N. W. Washington – D.C. – 20006E-mail: www.aflcio.org/siteguides/contactus.cfmSite: www.aflcio.org

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Observatório da Cidadania 2005 / 103

Faor(Fórum da Amazônia Oriental)

Dedica-se à aglutinação, articulação, comunica-ção, mobilização social e ao intercâmbio das en-tidades, movimentos sociais, redes, comitês e or-ganizações não-governamentais que atuam naAmazônia Oriental brasileira, compreendendo osestados do Pará, Amapá, Tocantins e Maranhão.Seu objetivo é fomentar políticas públicas de de-senvolvimento sustentável para a Amazônia. Atual-mente, o Faor envolve cerca de 80 entidades edesenvolve atividades relacionadas à educaçãoambiental, à Agenda 21 e ao fortalecimento dosmovimentos por meio do Observatório da Cida-dania. Publica o Observatório da Cidadania Pará,que trata de temas que vão dos direitos dos povosindígenas, das pessoas negras, de crianças emulheres à avaliação do desempenho de parla-mentares da região.

Fórum da Amazônia OrientalAv. Senador Lemos, 557 – UmarizalCEP 66050-000 – Belém – PATelefax: +55-91-3261-4334 e 3261-4260E-mail: [email protected]: www.faor.org.br

Fundação Carlos Chagas

Entidade de direito privado, sem fins lucrativos,reconhecida como de utilidade pública, que possuium departamento de pesquisa com vários projetosem andamento na área de educação e relações degênero, a partir dos quais desenvolveu um bancode dados bastante amplo sobre o trabalho dasmulheres no Brasil.

Av. Prof. Francisco Morato, 1.565 –Jardim GuedalaCEP 05513-900 – São Paulo – SPTel.: +55-11-3723-3000Fax: +55-11-3721-1059E-mail: Não tem (usar formulário“Fale Conosco”)Site: www.fcc.org.br

Geledés(Instituto da Mulher Negra)

Organização política de mulheres negras cuja mis-são institucional é o combate ao racismo e aosexismo, a valorização e promoção das mulheresnegras em particular e da comunidade em geral.A organização tem como estratégia dar visibilidadeao problema racial do Brasil. Participou de todasas conferências mundiais convocadas pela ONUna década de 1990, a fim de sensibilizar governos ea sociedade civil e incentivá-los a discutir o proces-so crescente de exclusão das populações pobrese discriminadas no mundo.

Rua Santa Isabel, 137 – 4º andar –Vila BuarqueCEP 01221-000 – São Paulo-SPTel.: +55-11-3333-3444Fax: +55-11-3331-1592E-mail: [email protected]: www.geledes.org.br

IBGE(Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística)

Tem por finalidade básica produção, análise, pes-quisa e disseminação de informações de naturezaestatística (demográfica, social e econômica),geográfica, cartográfica, geodésica e ambiental,com vistas ao conhecimento da realidade física,humana, social e econômica do país. É o principalórgão de estatística demográfica no Brasil. Peloseu site, é possível consultar todas as áreas depesquisa do instituto.

Agência Rio de Janeiro / CentroAv. Rio Branco 135, salas 301 a 304CEP 20040-006 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55-21-2242-6916

Agência BrasíliaSDS CONIC – Bloco H – Ed. Venâncio II –sala 116CEP 70393-900 – Brasília – DFTel.: +55-61-3319-2137E-mail: [email protected]: www.ibge.gov.br

Ipea(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)

Fundação pública vinculada ao Ministério do Pla-nejamento, Orçamento e Gestão, visa auxiliar naelaboração e no acompanhamento da política eco-nômica e prover atividades de pesquisa econô-mica aplicada nas áreas fiscal, financeira, externae de desenvolvimento setorial. Publica regular-mente relatórios de análise da conjuntura social eeconômica do país, que podem ser conhecidosem seu site.

Ipea – SedeSBS – Quadra 1 – Bloco J – Ed. BNDES – TérreoCEP 70076-900 – Brasília – DFTel.: +55-61-3315-5000Fax: +55-61-3321-1597

Ipea – Rio de JaneiroAv. Presidente Antônio Carlos, 51 – 13º andarCEP 20020-010 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55 21-3804-8000Fax: +55 21-2240-1920E-mail: [email protected]: www.ipea.gov.br

Nead(Núcleo de Estudos Agráriose Desenvolvimento Rural)

Tem como objetivo promover e realizar estudossobre reforma agrária e agricultura familiar, demo-cratizando informações, experiências e projetos.Além de estar implantando uma memória dinâmicasobre a reforma agrária, o Nead desenvolve dis-cussões, seminários, workshops e conferências,em parceria com organizações governamentais,não-governamentais e organismos internacionais.

SCN – Quadra 1 – Bloco C – Ed. Trade Center– Sala 506CEP 70711-901 – Brasília – DFTelefax: +55-61-3328-8661E-mail: [email protected]: www.nead.org.br/

Observatório Afrobrasileiro

Baseado no sistemático estudo de indicadoreseconômicos, demográficos e sociais da popula-ção brasileira, o Observatório Afrobrasileiro é umcentro de referência de pesquisa, assessoria eformulação de propostas de políticas públicas,visando à promoção da cidadania da populaçãonegra (homens e mulheres) e à superação dasdesigualdades sociorraciais existentes no Brasil.O Observatório Afrobrasileiro é produto da parceriade duas ONGs vinculadas ao movimento negro(Instituto Palmares de Direitos Humanos/IPDH eFala Preta – Organização de Mulheres Negras) edo Instituto de Economia da Universidade Federaldo Rio de Janeiro.

Av. Mem de Sá, 39 – Arcos da LapaCEP 22230-150 – Rio de Janeiro – RJFax: +55-21-22321731E-mail:[email protected]: www.observatorioafrobrasileiro.org

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Observatório de Políticas Urbanase Gestão Municipal

Constitui-se em um instrumento sistemático deestudo, pesquisa, organização e difusão de conhe-cimentos sobre os novos padrões de desigualda-des e exclusão social surgidos na cidade do Riode Janeiro com a crise e a reestruturação econô-mica. Interessa-se também pelos novos modelosde políticas públicas urbanas e gestão local. É umprojeto realizado pelo Instituto de Pesquisa e Pla-nejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ,em parceria com a Fase.

Prédio da Reitoria, sala 543 – CidadeUniversitária, Ilha do FundãoCEP 21941-590 – Rio de Janeiro – RJTel.: +55-21-2598-1676 e 2598-1927Fax: +55-21-2598-1923E-mail: [email protected]: www.ippur.ufrj.br/observatorio/

Rede Brasil sobre Instituições FinanceirasMultilaterais

Articula organizações da sociedade civil brasileira,cujo objetivo comum seja acompanhar e intervir emquestões relativas às ações de instituições finan-ceiras multilaterais (IFMs) no Brasil, entre elas oBanco Mundial e o Fundo Monetário Internacional(FMI). O objetivo principal da Rede Brasil é a de-mocratização de informações e a materializaçãode um espaço de articulação e discussão sobre aspolíticas e os projetos das IFMs, para interven-ção no governo brasileiro e no poder legislativo,em âmbito local, regional e nacional.

SCS – Quadra 8 – Bloco 50 – Sala 417 – Ed.Venâncio 2.000CEP 70333-970 – Brasília – DFTel.: +55-61-3321-6108Fax: +55-61-3321-2766E-mail: [email protected]: www.rbrasil.org.br

Rede Saúde(Rede Nacional Feminista de Saúdee Direitos Reprodutivos)

Articulação do movimento de mulheres do Brasil,com 11 anos de existência. Reúne hoje 110 insti-tuições filiadas – entre grupos feministas, orga-nizações não-governamentais, núcleos de pesqui-sa, organizações sindicais/profissionais e conse-lhos de direitos das mulheres –, além de profissio-nais de saúde e ativistas feministas, que desen-volvem trabalhos políticos e de pesquisa nas áreasde saúde das mulheres e de direitos reprodutivos.É integrada por nove regionais – organizadas noDistrito Federal e nos estados do Pará, Paraíba,Pernambuco, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro,São Paulo e Rio Grande do Sul – coordenadaspoliticamente por um conselho diretor e por umasecretaria executiva, com sede em São Paulo.Publica semestralmente uma revista, edita dossiêstemáticos sobre saúde da mulher e veicula quin-zenalmente dois informativos eletrônicos. No seusite, é possível encontrar todas essas publicações,bem como outros dados e informações sobresaúde da mulher.

Secretaria ExecutivaRua Hermílio Alves, 34 – 2º andar – Santa TeresaCEP 31010-070 – Belo Horizonte – MGTel.: +55-31-3213-9097 e 3213-6940Fax: +55-31-3212-9257E-mail: [email protected]: www.redesaude.org.br/