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ISSN 1809-0362 72 | Candombá – Revista Virtual, v. 2, n. 2, p. 72–79, jul – dez 2006 OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS EM LIVROS DIDÁTICOS: UM ESTUDO DAS IMAGENS DE ÁTOMOS Vanessa Mendes Leite * Hélder Eterno da Silveira ** Silvano Severino Dias *** * Aluna do curso de graduação em Química, do Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia. E-MAIL: [email protected] ** Doutorando em Educação, UNICAMP; Mestre em Educação, UFU. Professor do Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia. E-MAIL: [email protected] *** Mestre em Educação, UFU. Professor da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais - Universidade Federal de Uberlândia. E- MAIL: [email protected] Resumo: Analisa o conteúdo químico presente em livros didáticos desta Ciência, com foco nas imagens de átomos que são neles apresentados. Tem como marco teórico as idéias de Gaston Bachelard (1884-1962) no tocante aos obstáculos epistemológicos: animista e realista. Mostra que as distorções conceituais em torno das figuras dificultam a aprendizagem científica e colaboram na formação de concepções errôneas da química e do conceito de átomo. Palavras-Chave: obstáculos epistemológicos, livros didáticos, imagens de átomo. Abstract: The contents found on course books of Chemistry are analyzed with emphasis on the images of atoms shown there. The research follows as a theoretical milestone the ideas of Gaston Bachelard (1884-1962) with regard to the epistemological obstacles: the animist and the realistic one. It is proposed that conceptual distortions related to the pictures hamper scientific learning and lead to mistaken concepts in Chemistry and with the notion of the atom. Keywords: epistemological obstacles; course books; images of atoms. O conteúdo químico presente na escolarização desta ciência pode ser apresentado aos discentes de diversas formas. Pesquisas têm apontado, por exemplo, a necessidade de se inserir aspectos da natureza histórica do conhecimento, o que facilitaria a compreensão e apreensão das temáticas científicas (SILVEIRA, 2003). Outras ressaltam a importância da articulação dos níveis científicos nas aulas de Química, ou seja, permitir que os aprendizes tenham contato não apenas com conceitos desvinculados com sua realidade fenomênica, mas possam, a partir dos fenômenos de natureza macroscópica e social, refletir sobre a construção das teorias científicas, abordando igualmente questões representacionais e teóricas no processo ensino-aprendizagem (MACHADO, 1999). Há, ainda, investigações apontando um ensino de ciências que se paute na relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (SANTOS; SCHNETZLER, 1997). A essa abordagem algumas reflexões incluem o Ambiente como um quarto componente indispensável para produção do saber escolar. Tais investigações têm mostrado a necessidade de novas abordagens metodológicas do conhecimento químico na escola, pois consideram que um tratamento tradicional pautado apenas na reprodução dos conceitos presentes nos livros didáticos é insuficiente para a aprendizagem de Ciências.

Obstáculos Epistemológicos em Livros Didáticos

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ISSN 1809-0362

72 | Candombá – Revista Virtual, v. 2, n. 2, p. 72–79, jul – dez 2006

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS EM LIVROS DIDÁTICOS: UM ESTUDO DAS IMAGENS DE ÁTOMOS

Vanessa Mendes Leite* Hélder Eterno da Silveira**

Silvano Severino Dias*** * Aluna do curso de graduação em Química, do Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia. E-MAIL: [email protected] ** Doutorando em Educação, UNICAMP; Mestre em Educação, UFU. Professor do Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia. E-MAIL: [email protected] *** Mestre em Educação, UFU. Professor da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais - Universidade Federal de Uberlândia. E-MAIL: [email protected] Resumo: Analisa o conteúdo químico presente em livros didáticos desta Ciência, com foco nas imagens de átomos que são neles apresentados. Tem como marco teórico as idéias de Gaston Bachelard (1884-1962) no tocante aos obstáculos epistemológicos: animista e realista. Mostra que as distorções conceituais em torno das figuras dificultam a aprendizagem científica e colaboram na formação de concepções errôneas da química e do conceito de átomo. Palavras-Chave: obstáculos epistemológicos, livros didáticos, imagens de átomo.

Abstract: The contents found on course books of Chemistry are analyzed with emphasis on the images of atoms shown there. The research follows as a theoretical milestone the ideas of Gaston Bachelard (1884-1962) with regard to the epistemological obstacles: the animist and the realistic one. It is proposed that conceptual distortions related to the pictures hamper scientific learning and lead to mistaken concepts in Chemistry and with the notion of the atom.

Keywords: epistemological obstacles; course books; images of atoms.

O conteúdo químico presente na escolarização desta ciência pode ser apresentado aos discentes de

diversas formas. Pesquisas têm apontado, por exemplo, a necessidade de se inserir aspectos da natureza

histórica do conhecimento, o que facilitaria a compreensão e apreensão das temáticas científicas

(SILVEIRA, 2003). Outras ressaltam a importância da articulação dos níveis científicos nas aulas de

Química, ou seja, permitir que os aprendizes tenham contato não apenas com conceitos desvinculados

com sua realidade fenomênica, mas possam, a partir dos fenômenos de natureza macroscópica e social,

refletir sobre a construção das teorias científicas, abordando igualmente questões representacionais e

teóricas no processo ensino-aprendizagem (MACHADO, 1999). Há, ainda, investigações apontando um

ensino de ciências que se paute na relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (SANTOS;

SCHNETZLER, 1997). A essa abordagem algumas reflexões incluem o Ambiente como um quarto

componente indispensável para produção do saber escolar.

Tais investigações têm mostrado a necessidade de novas abordagens metodológicas do

conhecimento químico na escola, pois consideram que um tratamento tradicional pautado apenas na

reprodução dos conceitos presentes nos livros didáticos é insuficiente para a aprendizagem de Ciências.

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Sendo um recurso muito utilizado no trabalho docente nas aulas de Química, o livro didático pode

auxiliar no processo ensino-aprendizagem de Ciências ou mesmo reforçar distorções conceituais. Silveira

e Cicillini (2001, p. 136) relatam que lamentavelmente, nas últimas décadas, este recurso foi (e ainda

tem sido) utilizado não como um apoio instrumental para os docentes nas aulas de Ciências, mas como

um guia metodológico de suas ações e de elaboração das propostas curriculares. Isto provoca um

condicionamento da autonomia dos professores em relação ao livro didático, que dita os passos das

atividades escolares, pois é considerado como único recurso possível de ser utilizado na sala de aula.

Sem negar as questões mencionadas acima, todavia considerando o valor do livro didático na

escola, faz-se necessário lançar um olhar mais atento para esses materiais que são utilizados nas aulas de

Ciências, e aqui especificamente a Química, seja no tocante aos conteúdos, às formas metodológicas

propostas, aos experimentos sugeridos ou mesmo às questões ideológicas por detrás dos discursos

construídos dos autores desses materiais. Espera-se que os resultados dessas reflexões possam motivar

os docentes a utilizarem o livro didático de forma mais crítica na busca de um ensino mais efetivo das

ciências.

O objetivo deste artigo é apresentar resultados da análise de conteúdo químico presente em livros

didáticos utilizados pela comunidade escolar da rede pública de ensino de cidades brasileiras. Atemos-nos

ao conteúdo de Modelos Atômicos, enfatizando as imagens dessas representações científicas. Para tanto,

selecionamos os livros didáticos mais utilizados na década de 90, analisando tal conteúdo em questão.

Entendemos que a opção dos autores em abordar os diversos conteúdos científicos inserindo um

número cada vez maior de figuras, imagens e representações, responde a uma exigência sociocultural que

valoriza aspectos da natureza visual. Ou seja, o mundo está cada vez mais imagético, em que a mídia, a

internet, os anúncios de revista e jornal utilizam-se amplamente do recurso visual. Isso provoca um

empobrecimento na prática da leitura escrita, bem como um desinteresse cada vez maior manifestado por

discentes em desenvolverem aprendizagens por este viés. Por outro lado, precisamos motivar nossos

alunos às diversas formas críticas de leitura, seja a escrita ou mesmo a leitura imagética. Isto porque

consideramos que a apreensão e significação dos saberes se dão pela interação dos indivíduos com os

processos de leitura, bem como a socialização desses saberes nos diversos espaços formais e não formais

de aprendizagem.

Nos livros didáticos, por exemplo, além de textos escritos os autores têm optado por exporem

figuras e representações de átomos, moléculas e ligações químicas. Estas podem contribuir na

aprendizagem do conhecimento químico, desde que não sejam vulgarizadas com más analogias ou

distanciamento da representação com os modelos científicos. Dessa forma, minimizaria problemas na

aprendizagem da representação, como, por exemplo, seu animismo e a atribuição de características que

não lhe são próprias.

A esse respeito, Gaston Bachelard (1884-1962) define a distorção do real como obstáculo

epistemológico de aprendizagem. Para ele, um obstáculo epistemológico se incrusta no conhecimento não

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questionado. Nesta vertente a idéia científica usual fica carregada por um concreto psicológico pesado

demais, que reúne inúmeras analogias, imagens, metáforas e perde aos poucos seu vetor de abstração,

sua afiada ponta abstrata.

Metodologia

Analisamos livros didáticos de Química, utilizados no ensino médio da rede pública, no tocante aos

Modelos Atômicos, com ênfase nas imagens e represetações dessa temática. Para isso procedemos uma

análise de conteúdo que visa a transpassar o texto (escrito ou imagético) na busca de sentidos que não se

apresentam diretamente ao leitor com incipiente formação. Investigamos todas as figuras de átomo

apresentadas pelos livros didáticos do primeiro ano do ensino médio, onde aparece a temática “Modelos

Atômicos”. Algumas entrevistas foram realizadas com os discentes no intuito de verificar como eles

concebem sua aprendizagem via imagens presentes no livro didático. Os exemplares dos materiais

investigados são os mais utilizados por professores das escolas visitadas, sendo eles, os responsáveis pela

indicação das obras. Tais foram os livros estudados:

1 - COVRE, J. G. Química: o homem e a natureza. São Paulo: FTD, 2000. v. 1.

2 - CANTO, E. L.; PERUZZO, T. M. Química: na abordagem do cotidiano. São Paulo: Moderna, 1995. v. 1

3 - USBERCO, J.; SALVADOR, E. Química. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1.

4 - HARTWING, D. R. et al. Química geral e inorgânica. São Paulo: Scipione, 1999. v. 1.

Como referencial teórico utilizamos o conceito de obstáculo epistemológico de Gaston Bachelard

(1884-1962) e as implicações de sua contribuição no campo educacional. As reflexões deste autor foram

colocadas em paralelo com os dados levantados da pesquisa para um maior enriquecimento da análise

realizada.

Compreendemos ser tais dados uma amostragem da análise realizada, todavia suficientes para

ilustrar a relação das imagens e figuras presentes nos livros didáticos com a teoria bachelardiana que

sustenta a pesquisa.

Resultados e discussão

Dos quatro livros analisados, todos abordam a temática dos modelos com o uso de figuras e

representações. Nenhum destes materiais faz referências às figuras no transcorrer do texto-base,

apresentando-as isoladamente no livro e sem estabelecer relações diretas com o conteúdo. Desses livros,

dois, em destaque, distorcem essas representações por “caricaturas”. Na sequência são apresentados

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alguns resultados desta investigação, com foco no livro: Hartwing, D. R. et al. Química Geral e Inorgânica.

v. 1, São Paulo: Scipione, 1999. Tal escolha se deu por esta obra ilustrar com mais ênfase a relação das

figuras com a idéia bachelardiana de obstáculos epistemológicos, intento deste artigo. Neste material

observamos que o conteúdo científico é vulgarizado por obstáculos animistas e realistas.

Neste sentido, Bachelard em seu livro A formação do espírito científico (1996) afirma que o

obstáculo animista caracteriza-se por privilegiar o corpo humano e os fenômenos vitais, outorgando-

lhes um valor superior na hierarquia fenomenológica, fazendo a vida transcender ao domínio que lhe é

próprio.

Esta tendência foi verificada na maioria das imagens investigadas do livro didático que apresentou

figuras de átomos como seres vivos, que conversam, se apaixonam, possuem vontades humanas. Como

pode ser observado nas figuras 1 e 2.

Figura 1. Representação animista do átomo. Fonte: Hartwing et al. (Cap. 5, p. 138).

Essa figura mostra um átomo “macho” e uma “fêmea”, com cabelo, olhos, boca e ouvidos. Eles

conversam, têm um relacionamento e são capazes de pensar e sentir, ilustrando a atribuição de animismo

para o inanimado.

O átomo é apresentado como um ser vivente, com sentimentos e vontades próprios dos seres

humanos. Essas distorções geram problemas de aprendizagem de tal modo que os alunos influenciados

pelas figuras são levados a pensar nos modelos de átomos como “pequenos seres” dotados de

características vivas. Daí os alunos terem dificuldades de entenderem o significado científico desta

partícula como formadora da matéria. A esse respeito afirma Bachelard (1996, p.27) que, “com a idéia de

substância e com a idéia de vida, ambas entendidas de modo ingênuo, introduzem-se nas ciências físicas

inúmeras valorizações que prejudicam os verdadeiros valores do pensamento científico”.

Alguns discentes, por exemplo, concluintes do primeiro ano do ensino médio, ao serem abordados

sobre a temática Modelos Atômicos durante a investigação, afirmam que os átomos se reproduzem como

as células, por isso tem vida própria.

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Aluno 1: (...) eu acho que um átomo pode dar outros átomos. Ele pode se reproduzir porque ele é muito pequeno e quando se junta com outro átomo fêmea ele forma átomos menores ainda. Aluno 2: Não tenho certeza se o átomo pode reproduzir. Mas se são formados de células, devem reproduzir, pois as células reproduzem. Mas agora não lembro se o átomo forma a célula ou se a célula forma o átomo. Não sei direito.

Os alunos possuem dificuldades de entender a relação de conceitos científicos e, mais ainda, não

compreendem o próprio conceito. Essas concepções são influenciadas pelo mal-estudo dessas temáticas

em função, principalmente, de distorções conceituais presentes nas aulas de ciências via livro didático ou

mesmo pela omissão docente em discutir melhor tais questões. Nos termos bachelardianos: são feitas

analogias e transposições numa escala tal que provocam as piores confusões. A figura abaixo corrobora

esta assertiva.

Figura 2. Representação animista e realista do átomo. Fonte: Hartwing et al. (Cap. 2, p. 46).

Tal figura mostra a comunicação entre dois átomos, sendo que um deles usa óculos e os dois estão

segurando suas respectivas malas. A imagem apresenta claramente os obstáculos bachelardianos

animista e realista: átomos vivos se comunicando e de posse de objetos com dimensões inadequadas

para o nível atômico. Outrossim, o obstáculo realista pode ser verificado a seguir (Figura 3):

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Figura 3. Representação realista da molécula. Fonte: Hartwing et al. (Cap. 5, p. 171).

Na figura acima, as dimensões da molécula e do homem estão no mesmo patamar, a ponto de um

dos átomos da extremidade molecular ser segurado pelas mãos do sujeito apresentado no desenho. O

obstáculo realista está relacionado com a experiência primeira (impressões prévias no campo concreto

colocadas antes e acima da crítica de determinados assuntos). Esta é de acordo com Bachelard um

dificultador inicial para a cultura científica. A experiência primeira obstaculariza a abstração necessária à

construção da racionalização do fenômeno, sendo que a sobrecarga concreta presente nas imagens do

livro vem ocultar a forma correta, a forma abstrata do fenômeno. Um ensino que priorize a experiência

primeira apresenta-se repleto de imagens; sendo pitoresco, concreto, natural e aparentemente fácil. A

relação do mundo macroscópico, visual, empírico deve levar o aprendiz a construir um pensamento

científico no nível da abstração mais próxima daquela estabelecida pelo meio científico. Quando na figura

o homem segura a molécula, ele traz para o campo empírico-realista uma dimensão conceitual imprópria

àquele campo.

O realismo é, segundo Lopes (1992, p. 258), a supervalorização das impressões tácteis e visuais,

lidando com o objeto com a voracidade do homem faminto frente ao alimento. Dessa forma, nas imagens

analisadas verificamos que o átomo era apresentado na mesma dimensão dos objetos fenomênicos, ou

seja, átomos e moléculas sendo seguradas nas mãos de seres humanos.

Em outra, uma pessoa ao segurar um átomo tenta perfurá-lo com uma furadeira (Figura 4). As

dimensões do átomo e do objeto perfurador estão distantes de seu contexto real e não podem ser

comparadas.

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Figura 4. Representação realista do átomo. Fonte: Hartwing et al. (Cap. 3, p. 59).

Tal figura mostra distorções conceituais e representacionais relativas aos modelos atômicos

cientificamente aceitos. Dessa forma, segundo a figura, esta partícula é de fácil percepção sensorial –

visão, tato – podendo inclusive ser segurada individualmente e ainda perfurada com uma furadeira.

Elementos de dimensões fenomênicas (macroscópicas) e atômicas (teóricas) são colocados na mesma

representação, dando a idéia de uma paridade configuracional. Isso leva a distorções conceituais que

ultrapassam o conteúdo presente no livro e influenciam a aprendizagem discente na construção de fortes

equívocos da racionalização científica.

Alguns alunos1, quando impelidos a explicar a figura 4 presente em seu livro de Química, afirmam

que o átomo pode ser facilmente segurado como sugere a figura. Cerca de 60% dos alunos questionados

concordam com esta afirmação, enquanto que 35% criticam a figura dizendo que ela está incorreta. O

restante não soube afirmar ao certo a distorção presente na figura.

Nas palavras de Bachelard (1996, p. 45), “uma vez entregue ao reino das imagens contraditórias, a

fantasia reúne com facilidade tudo o que há de espantoso, fazendo convergir as possibilidades mais

inesperadas”.

Considerações finais

Tais obstáculos presentes nos livros didáticos são dificultadores do processo de aprendizagem,

gerando distorções conceituais que acompanham o aprendiz ao longo de sua formação, o que gera

concepções errôneas acerca de teorias e conceitos científicos. As imagens e figuras nos livros didáticos

devem ser repensadas para a significação e apreensão dos conceitos, mais do que por meras ilustrações

sem consonância com o saber científico.

1 Foram questionados 30 alunos a respeito das figuras presentes nos livros de Química que utilizavam.

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A teoria bachelardiana colabora na compreensão de alguns problemas de aprendizagem e nos

aponta que é necessário nos debruçarmos sobre os materiais utilizados na escola com criticismo e não

perdendo de vista o conhecimento científico e os reducionismos por que passa tal saber ao ser transposto

para livros escolares.

Referências BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. LOPES, A. R. C. Livros didáticos: obstáculos ao aprendizado da ciência química: obstáculos animistas e realistas. Revista Química Nova, n.15, p. 254-261, jul. 1992. MACHADO, A. Aula de Química: discurso e conhecimento. Ijuí, RS: Ed. UNIJUÍ: 1999. SANTOS, W. L. P.; SCHNETZLER, R. P. Educação em Química: compromisso com a cidadania. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1997. SILVEIRA, H. E. A produção do conhecimento químico em salas de aula: o ensino de modelos atômicos. 2003. 98 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2003. ______; CICILLINI, G. O conhecimento químico em apostilas do Ensino Fundamental. Ensino em Re-vista, Uberlândia, v.9, n.1, p.135-156, jun./jul. 2000/2001.