Octavio Ianni a Nova Divisao Internacional Do Trabalho

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    o M ,undo do TrabalhoOctavia lannl

    A nova divisao internaclonal do trabalho

    o que caracteriza 0mundo do trabalho no fim do seculoXX, quando se anuncia 0 seculo XXI, e que este tornou-serealmente global. Na mesma escala em queocorre a globali-za~ii.o do capitalismo, verifica-se a globalizacao do mundodo rrabalho, No ambito da fabrica global criada com a novadivisao internacional do trabalho e prodm;ao - au seja, atransicao do fordisrno ao toyotismo e a dinamizacao do mer-cado rnundial, amplamente favorecidas-pelas tecnologias ele-tronicas - colocam-se novas fonnas e novas significadosdo trabalho, Sao mudancas quantitativase qualitativas queafetam nao s6 as arranjos e a dinsmica das forcas prodnti-vas, mas tarnbem a composicao e a dinarnica da classe ope-raria. A propria estrutura social. em esc ala nacional, regionale mundial, e atingida pelas mudancas. Na medida em que aglobalizacao do capitalismo, considerada inclusive comoprocesso civilizatorio, implica a formacao da sociedade glo-bal, rompem-se os quadros socials e rnentais de referenciaestabelecidos com base no emblem a ail, sociedade nacional.

    Octavio Ianni - Sociolcgo. Professor do Departamento de Sociologia daUNICAMP.Autor de A Soeiedade Global, entre OUl/OS.

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    A globalizacao do mundo abre ourros horizontes sociaise mentais para indivfduos, grupos, classes e coletividades;nacdes e nacionalidades: movimentos sociais e partidospoliticos; correntes de opiniao publica e estilos de pensamen-to. As condicoes e as possibilidades da cultura e da cons-ciencia ja envolvem tam bern a sociedade global. Tudo 0quecontinua a ser local, provinciano, nacional e regional -compreendendo identidades e diversidades, desigualdades eantagonismos - adquire novos significados, a partir doshorizontes abertos pela emergencia da sociedade global.

    Se aceitamos que 0 capitalismo globalizou-se, nao s6pelos desenvol vimentos da nova divisao intemacional do tra-balbo, mas tambern por sua penetracao nas econornias dosparses que compreendiam 0mundo socialista, entao e possi-vel afirmar que 0 mundo do trabalho tornou-se realmenteglobal. Sob as mais diversas formas sociais e tecnicas deorganizacao, 0processo de trabalho e producao passou a estarsubsumido aos movimentos do capital em todo 0 mundo,Antes da desagregacao do bloco sovietico, simbolizada pelaqueda do MUIo de Berlim em 1989,ja havia algurna ou muitainfluencia do capitalismo em diversos pafses socialistas.'A agressividade e a.expansividade das forcas sociais, eco-nomic as , polfticas e culturais do capitalismo afetavam dura-mente 0mundo socialista tome um todo, Alias a desagre-ga!(3.odo bloco sovietico foi provocada, em certa medida,tambern por essa agressividade e expansividade; 0 que naosignifica esquecer ou minimizar os desacertos internos.A realidade e que no fim do seculo XX, quando ja se anun-cia 0XXI, a globalizacao do capitalismo carrega consigo aglobalizaeao do mundo do trabalho, compreendendo a ques-tao social e 0movimenro operatic.

    Ainda que incipiente, esse mundo do trabalho eo con-sequente movimento operario apresentam caracterfsticasmundiais: sao desiguais, disperses pelo mundo atravessan-do nacoes e nacionalidades, implicando diversidades e desi-

    1. FROBEL. F.: HEINRICHS,]. eKREYE. b.The Ne'!I Imemational Division of.{.nJmur[Structural Unemplnymenr in Industrialised Countries and Industrialisation InDeveloping Countries), trad, de.Pete Burgess, Cambridge, Cambridge UniversityPress, 1980.

    KOVES, A. "Socialist eccnorny Rod the world-economy". Review, vol .V, 0 .1 ,1981, p.1I3133.

    KURZ. R. 0 Cotapso do Modernizofiio, trad. de Karen Elsabe Barbosa. Sao Paulo.paz e Terra. 1992.

    2. MUSIl., J, "New social contracts: responses of the state and ibe social partners 10the challenges 0f restructuring and prj vatisation.' Labour and Society. Geneva,v.16, .0.4, 1991, p.381-399; cit a .. o da p.39~.

    Consultar tambern:MANDEL, D. ''The rebirth of the soviet labor movement: the coalminers 'strike of

    July L989". Politics &. Society. Madison, v. IS. 0.3, 1990, p .381-404 .FRIEOGDT, T. eSIEGELBA UM, L."Perestroika from below: the sovietrniners stri keand its aftermath", New Lef t Review. Londre s. n.181, 1990. p .5 -32.

    Slio Pallia em Perspective, 8(1):2-12, janeiro/marco 1994

    gualdades sociais, economicas, polfticas, culturais, religio-sas, lingulsticas, raciais e outras. Inclusive apresentam aspeculiaridades de cada lugar, pais 00 regiao, par suas carac-terfsticas hisroricas, geograficas e outr:as. Entretanto, barelacoes, processos e estruturas de alcance global que cons-tituem 0mundo do trabalho e estabelecem as condicoes domovimento operario.

    Nao se deve esquecer que nos pafses que pertenciam aobloco sovietico e ao mundo socialista como um todo a pre-senca do trabalhadorassalariado em geral e a db operarioem particular sao excepcionalmente irnportantes. Trata-sede uma categoria numerosa, diversificada e experimentadapoliticarnente, em pafses nos quais as classes medias forma-ram-se apegadas a s burocracias governamentais; e as burgue-sias nascentes comecam a formar-se, Dentre os varies dilemasenfrentados nesses pafses, em transicao do "planejamentocentralizado" a "economia de rnercado", esta precisamenteo estabelecimenro das "novas" formas de organizacao doprocesso de trabalbo, das relacoes trabalhistas, das ccndi-yOes jurfdico-polfticas de organizacao do movimento opera-rio. "A reducao e 0possfvel fecbamento de ramos industrialstradicionais, com alta concentracao de empregados (minas,usinas sidenirgicas, fabricas), nos quais em geral havia tam-bern sindicatos razoave1mente fortes, a reducao do tamanhodasernpresas, 0carater temporario dos empregos e a maiormobilidade dos empregados, sinergeticarnente provocarao,nas sociedades pos-comunistas, mudancas nas relacoesentre as .instituicoes vigentes - principalmente entre os sin-dicatos e as empresas, os sindicatos e os partidos politicos- mas tambern entre empregadores e empregados indivi-dualmente; no futuro sera. bern diffcil chegar-se a princfpiose acordos aceitaveis e aplicaveis em geral".2

    Esse e 0 contexte em que se colocam as novas formas eos atuais significados do trabalho. Nao se trata de afinnarque ocapitalismo global nada tern a ver com 0 capitalismonacional, ou que ciscapitalismos competitive, monopolfsticoe deestado estao superados pelo global.

    E claro que ha segmentos, instiruicoes e estruturas deuns e outrosern muitos lugares, de permeio ao global.o desenvolvirnento capitalista tern sido sempre desigual econtraditorio, inclusive provocando articulacoes e tens6esde tempos e espacos, conternporaneidades e nao-contem-poraneidades. Porern.cabe reconhecer que nao j a e realida-de 0 capitalismo global, implicando novas for:mas sociais enovos significados do trabalho.

    "Se, globalmente, pode-se definir a revolucao industrialdo seculo XVIII pela passagem da .ferramenta a maquina-

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    ferramenra, a automacae designaria a passagem da maqui-na-ferramentaao sistema de maquinas auto-reguladas -o que implica a capacidade das instalaeoes automatizadasde substituir nao somente a m a o humana, mas tambem asfuncdes cerebrais requisitadas pela vigilaueia das maquinas-ferramenta. Poder-se-ia definir; pois, a automacao pela auto-regulacao das maquinas em 'circuito fechado'. Noutras pa-lavras, a maquina se vigia e se regula a si rnesma,

    "No entanto, e em oposicao absoluta ao mito da 'fabricasem homens', a intervencao human a estalonge de desapa-recer, Muito ao contrario.ela nunca foi tao importante. Re-dnzida a apendice da maquina- ferramenta durante a revolucaoindustrial, 0 homem, a partir de agora e irrversamente aoslugares-cornuns, deveexercer na automacao funcoes muitornais abstratas, muito mais iutelectuais. Nao lhe compete,como anteriormente, alimentar a rnaquina, vigia-la passiva-mente: compete-the controla-la, prevenir defeitos e, sobre-tudo, otimizar 0 seu funcionamento. A distancia entre aengenheiro e 0operario que manipula os sistemas auromati-zados tende a desaparecer OU, pelo menos devera diminuir,se se quiser utilizar eflcazmente tais sistemas. Assim, novasconvergencias surgem entre a concepcao, a manutencao e~ . .. .uma producao material que cada vez menos implies traba-lho manual e exige cada vez mais, em troca, a manipulac;:aos imbolica" , 3

    A flexibilizacao dos processos de trabalho e de produ-~ao irnplica urnaacentuada e generalizada potenciaea , 1 ; 1capacidadeprodutiva da forca de trabalho, As rnesrnas eon-dic;:oes organizatorias e tecnicas da producao flexibilizadapermitem a dinamizacao quantitativa e qualitativa da forcaprodutiva do trabalho. No lugar da racionalidade caracterfs-tica dos padroes manchesteriano, taylorista, fordista ousthakanovista, adota-se a racionalidade mais intensa, geral epluralizada da organizacao toyotista ou flexfvel db trabalhoe p roducao,

    "A acumulaciio flexivel, como you chama-Ia, e marcadapor um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela seap6ia na flexibilidade dos processes de trabalho, dos rnerca-dos de trabalho, des produtos e padroes de consume ..Carac-teriza-se pelo surgimento de setores de producao inteirarnentenovos, novas maneiras de fomecimento de services finan-

    3. LOJKJNE. J. A Ciasse Operaria gil< M,ltroroes. trad. de Jose Paulo Neue. Belo.Horizonte, Oficina de Livros, 1990, p..l8.

    4. HARVEY. D. t;:Qndiji50 Pos-Moderna (uma pesquisa sobre as origeus da.rnudancacultural) , trad, de Adall Ubirajara Sebrat e Maria Stela Goncalves, Sao Paulo,Edi~oesLoyola, 1992, p,I4Q-143.

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    ceiros, novos mercados e, sebretudo, taxas altamente inten-sificadasde inovacao comercial, tecnologica e organizacio-nal, A acumulacao flexivel envolve rapidas mudancas despadroes do desenvolvimento desigual, tanto entre setorescomo entre regioes geograficas, criando, par exemplo, urnvasto movimento no emprego no chamado 'setor de servi-fOS', bern como conjuntos industrials completamente novosem regioes ate entao subdesenvolvidas (tais como a "Iercei-ra Italia", Flandres, os varies vales e gargantas do silfcio,para nao falar da vasta profusao de atividades dos pafsesrecem-indusrrializados). Ela tambem envolve urn novo mo-vimento que chamarei de. 'compressao do espaco-ternpo' nomundo capitalista - os horizontes temporals da tomada dedecisoes pri vada epiiblicase estreitaram, enquanto a cornu-nicacao viasatelite e a queda dos custos de transporte possi-bilitaram cada vez maisa difusao imediata dessas decisoesnum espaeocada vez mais arnplo e variegado.

    "Esses poderes aumenrados de flexibilidade e mobilida-de permitem que os ernpregadores exercam pressees rnaisfortes de controle do trabalho sobre uma forca detrabalhode qualquer maneira enfraquecida por dois surtos selvagensde defla~ao, forca que viu a desemprego aumeutar nos paf-ses capitalistas avancados (salvo talvez no Japao) para nf-veis sem precedentes no pos-guerra. 0 trabalho organizadofoi solapado pela reconstrucao de foeos de acumulacao fle-xfvel em regi6es que careciam de tradiceesindustriais ante-riores e pela reimportacao para os centres mais antigos dasnormas e praticas regressivas estabelecidas ness as novasareas. A acurnulacao flexfvel parece irnplicar nlveis relati-varnente altos de desemprego 'estrutural' (em oposicao a'friccianal '), rapida destruicao e reconatrucao de habilida-des, ganhos modestos (quando hoi) de salaries reais e .0 re-trocesso do podersindical- uma das colunas polfticas doregime fordista. 0mercado de trabalho, por exemplo, pas-soupor uma radical reestruturacao, Diante da forte vola-tilidade do mercado, do aurnento dacornpeticao e doestreitamento d.as margens de lucro, Q .S patrfies tiraram pro-veito do enfraquecimento do pcder sindical eda grande quan-tidade de ruao-de-obra excedente (desempregadosousubernpregados) para impor regimes e contratos de trabalhomais flexfveis"."

    Esta emcurso a "revolucao" rnicroeletronica, envolvendonovas forrnas de autcmacao e rob6tica. Multiplicarn-se eintensificam-se as possibilidades de racionalizacao do pro-cesso prodntivo ..Criarn-se novas especializacoes e akerarn-se as condicoes de articulacao entre as forcas prado tivas, berncomo do trabalho intelectual e manual. 0 operario, 0 tecni-

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    coe 0engenheiro sao postos em novas relaeoes reciprocas econunuas, diversificadas e inovadoras, no ambito do pro-cesso produtivo. "Diferentemente das megatecnologias doperfodo induatrialista, que se tomavam obstaculo ao desenvol-vimento descentralizado, enraizadas em suas comunidades debase,a automacao e ela mesma socialmente ambivalente,Enquanto as megatecnologias erarn tecnologias-rfgidas, amicroeletrcnica e nma tecnologia-encruzilhada: nao "impe-de nem impoe urn tipo de desenvolvimente. Diferentemeoteda eletronuclear ou da industria espaeial, eia pode servir tantoa hipercentralizacao como a autogestao, ou a centralizacaoaurogestionada" .5o padrao flextvel de organizac;ao da producao modifiesas condicees sociais e as tecnicas de crganizacao do traba-lho, toma 0 trabalhador polivalente, abre perspectivas demobilidade social vertical e horizontal, acima e abaixo, mastambemintensifica a tecnificacao da forca produtiva do tra-balho, potenciando-a. 0 trabalhador e levado a ajustar-se a snovas exigencies da producao de mercadoria e excedente,lucre ou mais-valia, Em ultima instancia, 0 que comanda aflexibiliza~ao do trabalho e do trabalhador e urn novo pa-drao de racionalidade do processo de reproducao ampliadado capital, lancado em escala global.

    "Nan e , pais, de admirar que, desde as comecos da de-cada de 70 em diante, a diversificacao dos mercados, asmaioresflnrnacoes des nfveis de demanda e os indices deprotesto organizado e espontfineo de trabalhadores levaramos dirigentes empresariais a experimentar formas alternati-vas aos metodos tradieionais de montagern, Na Europa Oci-dental enos Esrados Unidos estes experimentos Imam muitasvezes acompanhados de (algumas vezes sinceras) especula-~5es sobre as compensacees da humanizacao do trabalho:criacao deernpregos menos rotinizados, pela cornbinacaode tarefas anreriormenreseparadas (valorizacao da ativida-de); ou, permitindo aostrabalhadores circular de um posto a

    5. GORZ, A. us Chem ins du Paradis (L' Agonie du Capital). Paris, Edition. G3mee,1963,p.6'].

    6. SABEL, C:1'. Work and Polit ics (The Div ision . o f Labor in Industry) . Cambridge,Cambridge U"h'et,ity Press, p . 213.

    7. idem. ibidem, p.213.8. DOHSE, K.; JURGENS. U. eMAl~CH. T. "From fordism to toyo tisrn? Thesocia l

    organiza tion of the laborproeess in the japanese automobi le industry" . Politics&: S

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    A despeito das barreiras e preconceitos sociais, raciais, po-liticos, culturais, religiosos, lingnfsricos e outros, cresce 0movimento de trabalhadores em escalas regional, continen-tal e rnundial. Alias, uma parte importante dos movimentosde trabalhadores no interior de cada sociedade nacional eprovocada pela mundializacao dos mercados. Multiplicam-se as direcoes dos movimentos migratorios, em funcao domercado de forca de trabalho, da progressiva dissolucao domundo agrario, da crescente urbanizacao do mundo, da for-macae da fabrica global.

    A partir do momenta em que 0capiralismo ingressa emnovo cicio de desenvolvimento intensive e extensive pelosquatro cantos do mundo, intensifica-se e generaliza-se tam-bern 0movimento mundial de trabalhadores. "0 movimen-to do trabalho inrernacioualizou-se ate certo ponto, muitoembora ainda regulamentado, em cada pars, pela ac;:iiogo-vernamentai na tentativa de conforma-lo a s necessidades na-cionais do capital. Assim, a Europa Ocidental e os EstadosUnidos agora dispcern de um vasto reservatorio que seestende por ampla regiao da india e Paquistao no leste, pas-sando pelo norte da Africa e extrema sul da Europa, por todoo Caribe e outras partes da America Latina no Oeidente.Trabalhadores hindus, paquistaneses, turcos, gregos, italia-nos, africanos, espanh6is, das Indias Orientals e outros suple-mentam a subclasse indigena na Europa SetentrionaL econstituem seus estraros mais baixos, Nos Estados Unidos,o mesmo papel e desempenhado pelos trabalhadores porto-riquenhos, mexicanos e outros da America Latina, que fo-ram acrescenrados ao reservatorio de trabalbo mais mal pagoconstituldo sobretudo de negros" .10

    Assim como 0 capitale a tecnologia, a forca de traba-lho e a divisao do trabalho tambern tecem 0 novo mapa domundo. Mesclam-se racas, culturas e civilizacoes, nosmovimentos migratorios que atravessarn fronteiras geogra-ficas e polfticas, articulando nacoes e continentes, ilhas earquipelagos, mares e oceanos. Muitos sao os que se dester-

    10. BRAVERMAN, H. Trabalho e Capitel Monopot issa (A Degrad89ao do Trabalhono Sccul0 XX).lrlld. de Nathanael C . Caixciru. Rio de Janeiro, Zahar Editcres ,1977, p.325326.

    1 L. FROBEL, F.; HEINRlCHS, J. e KREYE, O. Op, ch., p,34.Consuuar tambem:SCHILLER, N.G.; BASCH. 1 . . . c BLANC-SZ.>\NTON, C. (Editors). Towards a

    Transnational Perspective onMigration (Race, Class, Ethnicity and NationalismReconsidered), Annals of the New York Academy of Science. New York,v.645, 1992.

    1.2. MARX. K. 1 Capital. 3 LOmOS, t rad. de Wencesluo Roces, Mexico, Fondo deCulrura Economica, 1946-1947.

    ___ ' 1.IIIe",os Fundamentales para la Criilca de I" Economia Paliticll(1857.1858). Mexico. 3 vols., trud, de Jose Arico, Miguel Munnis e PedroScardn, Sign Veintiune Editorcs, 1971-1976.

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    ritorializam, buscando outros espacos e horizontes, re-territorializando-se aquem e alem do fim do mundo, Agorao exercito industrial de trabalhadores atinge dimens5esmundiais, mesclando, sob novas modalidades, racas, idades,sexes, religioes, lfnguas, tradicoes, reivindicacoes, lutas,expectativas e ilusoes,

    "0 desenvolvimento de urn reserva:t6rio rnundial de for-ca de trabalho potencial: este reservatorio e praticamenteinexaunvel.ja que 0capital pode mobilizar varias centenasde milhoes de trabalhadores potenciais, principalmente naAsia, Africa e America Latina, e tambern, emoutro sentido,nos pafses 'socialistas'. A maier parte desta forca de traba-lho consiste da superpopulacao laterite em areas rurais que,devido ao emprego do capiral.na agricultura ('Revolw;:ao Ver-de', etc.) provoca run fluxo constante de indivfduos para a r e a surbanas e favelas, em busca de empregos e ganho, de tal modoque constitui urn snprimento praticamente inexaurfvel de.tra-balho. Outre setor e composto peLos trabalhadores integra-dos no processo produtivo do capital, por meio de contratosem parses 'socialistas', em favor de empresas capitalistas.Urn. exercito industrial de reserva foi revelado pelo desenvol-vimento das tecnologias de transporte e cornunicacoes, bemcomo pela crescente suodivisao do processo de trabalho.Assim, pais, todos estes trabalhadores potenciais agora po-dem competir 'com exilo' no mercado de trabalho mundialcom trabalhadores dos pafses industrializados tradicionais"."

    Cabe reconhecer que a flexibilizacao do processo de tra-balho e producao envolve a emergencia de urn novo traba-Ihador coletivo. Agora, mais do que em qualquer epocaanterior, 0 trabalhador coletivo e uma categoria universal.o seu trahalho, enquanto trabalho social, geral e abstrato,realiza-se em ambito mundiaL E no mereado mundial queas trocas permltem a realizacao da mercadoria, excedente,Luera ou mais-valia. Isto significa que todo trabalho indivi-dual, concreto e privado passa a subsurnir-se ao trabalho so-cial, geral e abstrato que se expressa nas trocas rnundiais, nojogo das forcas produtivas em esca1a global. l2E claro que continuam a rnanifestar-se as rnais divers asformas sociais e tecnicas de trabalho, no campo e na cidade,nos setores prirnario, secundario e terciario, au na producaode bens de producao e de consumo. Inclusive todas essasform as de trabalho guardam caracrerfsticas socio-culturaispr6prias de cada trabalhador e Iugar, de cada grupo social emeio social, em diferentes nacoes e continentes, ilhas e ar-quipelagos. Isto significa que os trabalhadores continuam aser mulheres e hornens, criancas, adolescentes, adultos evelhos, negros, Indios, brancos e asiaticos, orientais e oci-

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    dentais, manuais e intelectuais, mantendo e recriando diver-sidades e desiguatdades, Inclusive continuam, reiterarn-seau mesmo aprofundarn-se as desigualdades, as intoleran-cias, os preconceitos de base racial, religiosa, Iingufstica, desexo e idade. As mais diversas caracterfsticas, ou determi-na~5es socio-culturais, polfticas ou ideologicas, prevalecerne permanecem, reiteram-se e desenvolvem-se,

    A despeito dessa diversidade e precisarnente por issomesmoe que todas as formas singulares e particulares detrabalho sao subsumidaspelo trabalho social, geral e abstratoque se express a no ambito do capitalismo mundial, realizan-do-se af. Da mesma maneira que as mais diferentes formassingulares e particulates do capital sao levadas a subsumir-se ao capital. em geral, que se expressa no ambito do mercadomundial, algo sernelhante ocorre com as mais diversas formase significados do trabalho. E no ambito da sociedade globalque as rnuitas singularidades e particularidades passaram aadquirir uma parte essencial da sua forrrra e significado.

    AglobaUza.~a() da questao socialo mesmo processo de amplas proporcoes que expressa

    a globalizacao do capitalismo expressa tarnbem a globaliza-f3U da questao social. E clare que os problemas sociais con-tinuam e continuarao a manifestar-se em formas locais,provincianas, nacionais e regionais, mas tarnbern ja IS evi-dente que se manifestam em escala mundial. A dinamica danova divisao internacional do trabalho, compreendendo a di-nfunica das forcas produtivas e a universalizacso das insri-tuicoes que sintetizarn as relacoes capitalistas de producao,tern recriado diferentes aspectos da questao social e, simul-taneamente, engendrado novas. Estes podem ser considera-dos, em sfntese, alguns dos aspectos rnais evidentes daquestao social presents na sociedade global: desempregocfclico e estrutural; erescirnento de contingentes situados nacondicao de subclasse; superexploracao da forca de traba-lho; discriminacao racial, sexual, de idade, po1ftica, religio-sa; migracoes de indivfduos, farnflias, grupos e coletividadesem todas as direcoes, atraves de paises, regioes, continentese arquipelagos: ressurgencia de movirnentos raciais, nacio-nalistas, religiosos, separatistas, xen6fobos, racistas funda-

    13. NACIONES UNIDAS. Eqllid"d)' Transformaclon Productive: l in .~nloqlle inte-grado. Santi .ago de Chi le , 199'2, p.474g .

    14. APPY. R. "Desemprego vira maior problem. mundial", 0 Estado deS.Prlll/a. s~ oPaulo. 29 de setembro de 1993. p.B,Silo Paulo '"'' Perspective, 8( J J:2-12, janeiro/marco 1994

    mentalistas; rmiltiplas manifestacoes de pauperizacao abso-Iuta e relativa, rnuitas vezes verbalizadas em termos de "po-breza", "rniseria" e "feme".

    Essese outros aspectos da questao social, vista em esca-la rnundial, apresentam-se frequentemente mesclados, com-binados e reciprocamente dlnamizados. Conforme 0contextesocial em causa, podem predominar estes ou aqueles aspec-tos. Hi conrextos socials em que 0 aspecto racial se revelaagucado, preponderante, mas sern prejutzo de outras impli-cacoes tambem presentes, em outros pede ser tessaltadooaspecto religiose. Em todos as cases, no entanto, esui pre-serite 0 elemento baslco da questao social envolvida na dis-sociacao entre trabalho e produto do trabalho, producao eapropriacao, ou simplesmente alienacao, 'A globalizacao eurn aspecto de urn fenomeno mats ample, que afeta todas asdlmensoes da condicao humana: a demografia, a pobreza, 0ernprego, as doencas endemicas, 0' comercio de drogas e 0meio arnbiente, entre outras. Assim, muitos aspectos. da rea-lidade economics adquiriram urn carater marcadamente trans-nacionalvem grande medida devido ao enorme auge dastecnologias de informacao", LJo modo pelo qual. diversos aspectos da questao socialpodem mesclar-se e dinamizar-se, seja atenuando seja agra-Yanda' tensoes, logo se evidencia no fendrneno do desem-prego. Este pede ser cfclico e estrutural, envolvendo nag5es,regioes e 0mundo como urn todo. Ainda que as suas rnani-festacoes ocorrarn desigualrnente, as relaeoes e as redes quearticularn a ecorromia e a t sociedade em escala mundial fa-zern corn que algumas dessas manifestac;5es revelem-se ti -picas da nova divisiio intemacional do trabalho. Ocorre quea transicao do fordisrno ao toyotismo, QUa flexibilizacao,amplamente dinamizada pelas tecnologras elerrfmicas einforrnaticas, parece acentuar e generalizer 0 desempregoestrutural, Sao trabalhadores com reduzidas ou nulas possi-bilidades de empregar-se e movern-se de urn lugar para DU-tro, por difererues cidades, provtncias, nacoes e regioes,tecendo 0 seu mapa do mundo.

    Em seu discurso de abertura da 48' Assembleia Annaldo Fundo Monetario Internacional/Banco Mundial, rea-lizadaem setembro de 1993, 0 diretor do FMI, MichelCorndessus, "apontou 0desemprego como 0maier proble-ma a serenfrentado pelos pafses industrializados. EIe ciroua existencia de 32 rnilboes de pessoas, tres milhoes a maisdo que ha dez anos, gem emprego no mundo rico"." Helaraque no "rnundo pobre" e mais aceotuado 0fenomeno do de-semprega, na maioria dos casos agravado pela carencia oudeficiencia dos meios de protecao social. Nao se deve es-

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    quecer que 0 desemprego estrutural, nos pafses subdesen-volvidos ou em desenvolvimento, e provocado, em geral,pelas polfticas adotadas pelas matrizes das transnacionais,Silo decisoes sabre as quais osestados oaciooais possuemescassa ou nula influencia,

    As exigencies da reprodncao ampliada do capital, envol-venda sempre a concentracao e a centralizacao de capitais,bern como 0 desenvolvirnento desigual e combinado, atra-vessam fronteiras e soberanias. Todos os pafses, ainda queem diferentes gradacoes, estao sendo alcancados pelo de-semprego estrutural decorrente da automacao, robotizacaoe microeletronica, bern como dos processos de flexibiliza-c;:Iiogeneralizada. "Urn mirnero surpreendentemente eleva-do daqueles que perderam seu empregos jamais os tera devolta, disse nurn discurso recente 0 secretario do Trabalhodos Estados Unidos, Robert Reich, A economia esta produ-zindo tanto quanta antes, au mais, com muito menos mao-de-obra Gracas ao usc de novas tecnologias, baseadas I'Iaeletronica, e aalteracao das fonnas de trabalho, houve urnnotavel ganho de produtividade em poucos anos ... Enquan-to polfticos e sindicalistas discutem, as empresas cortarn" ,IS

    Esse e 0contexte do agravamento da condicao operaria,da reduc;:ao dos salaries e da superexploracao da forca de tra-balho. "A existencia de urn grande contingente de trabalha-dores desernpregados (separados dos meios de producao,como resultado da generalizacao das relacoes capitalistas deproducao), bern como a simultanea existencia de pobrezaacentuada em paises ern desenvolvimento, forca 0 desem-pregado a trabalhar virtualmente a qualquer preco (isto e , aqualquer salario). No ambito da econornia mundial integra-da, a forca de trabalho desempregada dos pafses em desen-volvimento constitui urn exercito industrial de reserva quepode ser mobilizado a qualquer momento. Q tarnanho totaldo exercito de reserva nos pafses em desenvolvimento ...excede facilmente 0total dos empregados na manufatura naEuropa Ocidental, Estados Unidos e Japao"." Simultanea-mente, acentua-se a exploracao da forca de trabalho empre-gada nos pafses em desenvolvimento. Fica evidente que a

    L5. KUNTZ. R. "Mundo rico tern mais desemprego" ..O Estado de S.Paulo. Sao Paulo,29 de agosto de 1993. p.6.

    16. FROBEL, F.; HEiNRICHS, J. e KREYE, O. Op. c it . p. 341-17. Idem, ibidem, p. 359.18. DICKEN. P.Global Shift(Thdntemationalization of Economic Activity]. London.

    Paul Chapman Publishing, 1992, p.425426.19. HEISLER. B.S. "A comparative perspective on the underclass: questions of urban

    poverty. race and cltizenship", Theory and Society, v. 20, 0.4. 1991. p. 455-483; cjla~iio dap. 455.

    20. Idem, ibidem. p. 455.

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    utilizacao da forca de trabalho realiza-se em condicoes desuperexploracao: salaries fnfirnos.Iongas jornadas de traba-lbo "legitimadas" pelo institute das horas extras, aceleracaodo ritmo de trabalho pela emulacao do grupo de trabalho epela rnanipulacao da velocidade das maquinas e equiparnen-tos produtivos, ausencia ou escassez de protecao ao traba-lhador em ambientes de trabalho e inseguranca social.Superexploracao, nesse contexte, significa que "nao e ga-rantida ou realizada arecuperacao ffsica e mental, bern comoa reproducao da forca de trabalho gasta no processo de tra-balho. Em muitos casos, os salaries nao sao suficientes paragarantir 0mfnirno da subsistencia flsica",17

    Varies aspectos da questao social convergern no feno-rneno do desernprego, 0 que pode acentuar a gravidade daquestao social e das t ensoes que a constituem. Ai aparecemproblemas re la tiv os a os preconceitos de rac;:a, id.ade e sexo,tanto quanta os referentes a religiao e lingua, cultura e civili-zacao. "A perda db emprego e urn processo seletivo. A propo-sito disto, colocam-se dois aspectos. Primeiro, diferentes grupossociais experienciam diferentes nfveis de desemprego. Se-gundo, 0 desemprego tende a set geograficamente desigualno Interior dos pafses, No que se refere aos grupos sociais,as pessoas menos sujeitas ao desemprego sao homens entre25 e 54 anos, com boa educacao ou boa formacao profissio-nal, Ist a deixa vulneravel ao desernprego grande mimero depessoas: mulheres, jovens, velhos, minorias. Muitos destessao trabalbadores nao-qualificados ou semiqualificados" .1 .8o desemprego estrutural pode implicar a formacao dasubclasse, uma manifestacao particularmente agud.a da ques-tao social. Mais uma vez, 0fenomeno da subclasse-s- comoexpressao do desemprego prolongado, bern como de trans-formacoes socials rnais amplas na organizacao da sociedade- revela varies aspectos da questao social: pauperismo,desorganizacao familiar, preconceito racial, guetizacao decoletividades em bairros das grandes cidades, preconceitosexual e de idade, e desenvolvimento de uma especie desubcultura de coletividades segregadas, 0 tenno subcl.asseexpressa "a cristalizacao de urn segmento identificavel dapopulaeao na parte inferior, ou sob a parte inferior, da estru-tura de classes"." Estas sao algumas das caracterfsticas dasubclasse: "minorias raciais, desemprego por longo tempo,falta de especializacao e treinamento profissionais, longadependencia do assistencialismo, lares chefiados por mulhe-res, falta de uma etica do trabalho, droga, alcoolismo" .20"A subclasse diz respeito a urn fenomeno social observadono seculo xx em sociedades capitalistas avancadas ...indicando uma crescente desigualdade e a emergencia de

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    nma nova fronteira separando urn segmenta da populacaodo resto da estrutura de classe"."

    Junto com a subclasse, au em concomirancia com ela,tem ocorrido uma especie de "terceiromundializacao" degrandes cidades de pafses do "Primeiro Mundo", maioresbeneficiaries da globalizacao do capitalismo. Esse fenome-no e bern uma expressao das transformacoessociais, econo-micas, politicas e culturais que acompanham a globalizacao.Mostra como asdesigualdades que se encontravarn, ou pa-reciam, represadas no "Terceiro Mundo" lago se manifesta-ram tambem no "Primeiro Mundo". Sob certos aspectos, avitoria do capitalismo contra a "comunismo", a desagrega-

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    etnicismos, tacismos e fundamentalismos. A rnanipulacdode meios de comunicacao, particularmente da mfdia impressae eletronica, pode promover a criminalizacao dos hnrnilha-dos e of endidos, desempregados e subempregados, membrosde subclasses, habitantes de guetos, migrantes de rodos oslugares tecendo 0 seu mapa do mundo. Mais uma vez, est aem curso urn processo que pode sec denominado de as meta-morfoses da multidao. As mais diversas manifestacoesde xenofobia, etnicismo, racismo e fundamentalisrno saoprogressivamente apresenradas it opiniao pub] ica mundialde modo a criminalizar os desempregados e subemprega-dos, membros de subclasses, habitantes de guetos e perife-rias, trabalhadores em Iuta pOl' outras condicoes de vida e detrabalho.

    Sob os mais diversos aspectos, inclusive em terrnos pou-cos conhecidos apresentando caracterfsticas novas junto comantigas.a questao social revela-se produto e ingrediente daglobalizacao do capitalismo.

    Cultura e eonsciencia de cIasse

    Na epoca da globalizacao do capitalisrno, as condicdesde formacao da consciencia social do trabalhador, em geral,e do operario, em particular, podem ser decisivamente in-fluenciadas pelcs horizontes da globalizacao, Alem das con-dicoes peculiares a cada situacao de vida e de trabaJho, emamhitos local, nacional e regional, contam-se as que se for-mam noambito da sociedade global, em suas configuracoese em seus movimentos, Na medida em que a sociedade glo-bal pode ser concebida como uma totalidade complexa,dinamica e contraditoria, evidentemente pode abrir perspec-tivas originais para individuos, grupos, classes, coletivida-des e povos. Na mesma medida em que as realidades locais,nacionais e regionais influenciam a realidade mundial, in-cutindo-lhe caracterfsticas e rnovirnentos, tambern se podeafirmar que a sociedade global institui algumas condicoes epossibilidades de vida e trabalho, consciencia e visao da rea-lidade, por parte de indivfduos, grupos, classes, coletivida-des e povos. Mas e importante reconhecer (ao menoscomohipotese para reflexao sobre as implicacoes da globalizacao)que as configuracoes e os movimentos da sociedade globalcoostituem condicoes e possibilidades sem as quais ja naose pede compreender as formas e os horizontes da conscien-cia do trabalhador, em geral, e do operario, em particular.

    Na epoca da globalizacao do capitalismo, 0 mundo dotrabalho torna-se real mente mundial, deixando de ser uma10

    rnetafora, Agora, ele se dinamiza segundo 0jogo dasforcassociais que constituern, organizam, rnovimentam e tensionama sociedade global. Agora, 0mundo do trabalho esta decisi-vamente influenciado pelo jogo das forcas produtivas e re-lacoes de producao em atividade no ambito do capitalismocomo urn modo de producao propriarnente global.

    Esse e 0 horizonte em que se formam as condicoes e aspossibilidades de consciencia social e de visao da realidadenao s6 do trabalhador e do operario, mas de todos: indivf-duos, famflias, grupos socials, classes sociais e coletivida-des, nacoes e uacionalidades, mulheres e hornens, jovens eadultos, negros, indios, asiaticos e brancos, orientais e oci-dentais, Em alguma medida, todas as categorias sociais saopastas diante das influencias e dos horizontescriados com aformacao da sociedade global. Hi hri alga de cosmopolita emcada urn e em todos, oos mais diversos cantos e recantos domundo.E 6bvio que a globalizacao do mundo do trabalho torn amais cornplexas as condicoes de formacao da conscienciasocial do operario. Alguns aspectos dessas condicoes podemser Iocalizados de modo breve.

    Primeiro, 0 trabalho entra como a forca produtivafundamental na reproducao arnpliada do capital, tornado emescala global. Devido a globalizacao do capitalismo - com-preendendo a nova divisao internacional do trabalho -, atransicao do fordismo ao toyotismo, a formacao da fabric aglobal e a desterritorializacao de centros decis6rios e de es-truturas de poder - amplamente dinamizadas pela eletroni-ca e pela informatica -, todo operario passa a ser parte damao-de-obra, au forca de trabalho, de carater global. Emalguma medida, as suas condicdes de vida e de trabaIho pas-sam a ser deterrninadas pelas relacoes, processos e estrutu-ras de apropriacao economica e dominacao polftica queoperam em escala global. Alem das injuncoes locais, nacio-nais e regionais, contam-se tambem; muitas vezes de for-ma decisiva com as mundiais. 0 jogo das forcas econornicase sociais, em escala mundial, influencia em alguma medidaa modo pelo qual se organiza 0 processo de trabalho e ascondicees materiais e espirituais de vida [las .mais diversasIoca1idades, nacoes e regioes.o segundo aspecto refere-se ao fato de a passagem dofordismo ao toyotismo, ou a organizacao flexivel da produ-c;:ao,ser simuLtanea a passagem da economia naciooal a glo-bal. Tantoe assim que a ernergencia das cidades globaisexpressa a emergencia de novos e rnais abrangentes centresde poder, frequentemente sobrepondo-se it soberania doestado-nacao, A nova divisao internacional do trabalho,

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    transformando 0mundo em uma fabrica global, rompe fron-teiras polfticas e culturais de todos os tipos. As bases cultu-rais nacionais do capitalismo keynesiano, no qual floresceuo fordismo, ja nao sao suficientes para servir de base para 0capitalismo global, que envolve as mais diversas culturasecivilizacoes, convivendo com elas, modificando-as e atemesmo provocando ressurgencias.

    As tradicoes socioculturais e politic as de cada pais, berncomo as suas diversas formas de organizacao da vida e dotrabalho, sao levadas a combinar-se com outros padroessocioculturais e politicos, correspondentes a racionalidadeembutida na organizacao flexfvel da producao e do traba-lho, envolvendo a dimensao mundial da nova divisao do tra-balho, Simulraaeamenre, chegam a cada local, na~ao e regifiopadrfies oriundos dos centres dominantes, das cidades glo-bais, instituindo parametres. modas e sistemas de referen-cia. Isto signifiea que a condicao operaria, em cada lugar eem todos 0$ Iugares, passa a ser influenciada por padr6ese valores socioculturais, politicos e outros dinamizados apartir das cidades globais que articulam 0desenho do oovomapa do mundo.o terceiro aspectoa ser ressaltado diz respeito a possi-vel multiplicacao, no ambito da fabrica global, das diver-sidades, desigualdades e tensoes envolvendo raca, sexo eidade, enquanto determinacoes socioculturais atravessandorelacoes, processes e estruturas, No mercado mundial, emque as forcas produtivas parecem dinamizar-se e potenciar-se, pode intensificar-se 0movimento de trabalhadores cir-culando par nacoes e continentes, ilhas e arquipelagos.Os fluxos migrat6rios expressarn boa parte do funcionamentodo mercado mundial de forca de trabalho, do exercito indus-trial de trabalhadores ativos e de reserva. Esse e 0 ambitodas multiplicidades, diversidades, desigualdades e tensoesque envolvem raca, sexo e idade.

    Pode-se, ainda, focalizarum quarto aspecto, No ambitodo capitalismo global, as metamorfoses da forca de trabalhorealizam-se em esc ala diferente das que ocorriam no capita-lismo nacional. Agora 0 trabalhador coletivo adquire di-mensae e significado mundiais. Os imirneros trabalhadoresindividuals distribufdos pelos mais diferentes lug ares donovo mapa do mundo podern sintetizar-se no trabalhadorcoletivo fonnado no ambito da economia global. 0 contra-ponte singular, particular e geral, que artieula capital, tee-nologia e divisao dotrabalho, articula tambem a forca detrabalho, isto e , 0 operario. Este deixa de ser apenas local,nacional e regional, adquirindo tambem a conotacao global.Juntarnente com a mercadoria, que e a primeira a adquirirSao Paulo em Perspectiva, 8(1 ):2-12. janeiro/marco 1994

    cidadania mundial, vern 0operario, que se torna cidadao domundo antes de tamar plenaconsciencia dis to. A despeitoda sua singularidade, ou da peculiaridade das condicoes devida e de trabalho em que se insere imediatamente, .0 opera-rio ja se tornou tambem componente do operario coletivo,do operario em geral, desterritorializado, coustituindo 0tra-balho social, abstrato e geral que fundamenta a reproducaoampliada do capital em escala global.

    Sendo assim, a c1asse operaria se constitui como cate-goria sirnultaneamente nacional e mundial. Em muitos ca-sos, as condicoes de vida e de trabalho predominantes nasociedade nacional prevalecem no seu horizonte, nas condi-c;:oese possibilidades de formacao da sua consciencia, Mes-mo nesses casos, no entanto, sempre estao presentes relacoese implicacoes da sociedade global, do modo pelo qual ope-ram os fatores do mercado, as forcas sociais em jogo, oshorizontes e as injuncoes materiais e espirituais presentesno mundo.

    Finalmente, 0quinto aspecto refere-se ao faro de a socie-dade global em formacao com a mundializacao do capitalis-mo envolver necessariamente 0desenvolvimento da culturaem escala tambem mundial. Alem de tudo 0que tern ocorri-do no passado distaote e recente - em termos de intema-cionalizacao da cultura, formacao de correntes de pensa-mento, interpretacoes da realidade social em sentido lato,emergencia e generalizacao de estilos artfsticos e visoes domnndo filosoficas e cientfficas -, com a emergencia da so-ciedade global, ocorre novo e ample SUTtode mundi alizacaode padr6es e valores socioculturais, politicos, religiosos eoutros.o catolicismo ingressa em novo projeto decatequese domundo, por intermedio do Lumen 2.000. Tambem 0protes-tantismo e 0islamismo sao dinamizados por todos os meios.Multiplicarn-se e cruzam-se fundamentalismos religiosos eculturais. 0marketing global encarrega-se de popularizermercadorias e ideais, modas e modos, signos e sfmbolos,novidades e consumismos, em todos os pafses, culturas eci vilizacfies,

    Em boa medida, a mundializacao cultural, principal-mente no que se refere a culture de massa, e grandementerealizada e orquestrada pela mfdia impressa e eletr6nica. Elase organiza numa industria cultural, inclusive como setor pro-dutivo alta mente Iucrativo, de alcance mundial, Chega nosmais distantes lugarescantos e recantos. Combinada com 0marketing global, com 0qual convive e confunde-se rnuitasvezes, difunde e reitera continuarnente padr6es e val ores pre-valecenres nos centres domi nantes , irradiados desde as

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    cidades globais, teeendo mercadoria e ideologia, coracoes ementes, nostalgias e utopias."

    Para avaliar urn pouco mais precisamenre 0 significadoda mfdia impressa e eletronica no ambito da cultura e da for-macae das mentalidades em geral, cabe reconhecer que elatrabalha eficazmente com varias "linguagens '. Em ofvel maisgeral, estao a palavra, 0 som, a cor, a forma e a imagem.Siio recursos expressivos da maior importancia, que a rnfdiaopera com eficacia na noticia e analise relativas aos maisdiversos assuntos da vida das sociedades local, nacional,regional e global, d o norte ao sul, do ocidente ao oriente, dorelevante ao frivolo. Talvez se possa dizer que 0que predo-mina na mfdia mundial, no fim do seculo XX, e a imagem.Com frequencia, as outras "Iinguagens" aparecem de rna-neira complementar, assessoria, ou propriamente subordinadaIi imagem, Tanto assim que amfdia apresenta aspectos e frag-mentos das configuracoes e movimentos da sociedade glo-bal como se fosse urn vasto espetaculo de video-clip. Sirn,esta parece ser a "multimfdia' mais frequente, caracterizan-do urn aspecto fundamental da oultura de rnassa na epoca daglobalizacao. Ao lade da montagem, colagem, bricolagem,sirnulacroe virtualidade, muitas vezes combinando tudoisso, a mfdia parece priorizar oespetaculo video-clip. Tantoe assim que guerras e genocidios parecem festivals pop, de-partamentos do shopping center global, cenas da disneylandiamundial, Os mais graves e drarnaticos acontecimentos da vidade indivfduos e coletividades aparecem, em geral, como urnvideo-clip eletronico informatico, desterrirorializado entre-tenimento de todo 0rnundo.

    Observada nessa perspectiva, a midia constitni-se nointelectual organico dos grup6s, classes ou centros de poderdorninantes na sociedade global. Desde que alcancou enver-gadura mundial, a midia impressa e eletronica passou a mo-nopolizar on a influenciar decisivamente grande parte dasinformacoes e interpretacoes sobre 0 que oeorre em to docanto e recanto do novo mapa do mundo. Isto significa queela pode operar de modo seletivo: localizando, priorizando,desprezando, enfatizando ou interpretando fatos, situacoes,configuracoes, movimentos, entendimentos, conjunturas,rupturas. Nada the escapa, mas nem tudo ela passa, Devidoaos limites de espa