iiFICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH -
UNICAMP Ttulo em ingls: Odysseus and the Abyss: Roger Bastide, the
African religions, and race relations in Brazil. Palavras-chave em
ingls (keywords) : rea de Concentrao: Pensamento Social Brasileiro
Titulao: Doutorado em Sociologia Banca examinadora: Data da defesa:
12 de dezembro de 2006. Programa de Ps-Graduao: Sociologia
Sociology - Brazil Intellectuals - History Race relations
Afro-Brazilian cults Prof Dr Elide Rugai Bastos (orientadora) Prof.
Dr. Renato Pinto Ortiz Prof. Dr. Glaucia Villas Bas Prof. Dr.
Roberto Mauro Cortez Motta Prof. Dr. Fernando Antonio Loureno
Nucci, Priscila N883o Odisseu e o abismo : / Roger Bastide, as
religies de origem africana e as relaes raciais no Brasil /
Priscila Nucci. - Campinas, SP : [s. n.], 2006. Orientador: Elide
Rugai Bastos. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. 1. Bastide, Roger,
1898-1974 Crtica e interpretao. 2. Sociologia - Brasil. 3.
Intelectuais Histria. 4. Relaes raciais. 5. Cultos
afro-brasileiros. I. Bastos, Elide Rugai. I. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
III.Ttulo.
iii Resumo Neste trabalho analisaram-se as formas como o
socilogo francs Roger Bastide (1898-1974) articulou os termos raa/
religio em sua obra e, a partir disso, elaborou reflexes peculiares
sobre o preconceito e as relaes raciais no Brasil. Para isso, a
anlise centrou-se em recortes especficos de sua obra, nos quais se
pde perseguir a formulao que deu aos debates da aculturao/
interpenetrao cultural, das religies de origem africana no pas, e
das relaes raciais. O candombl de rito nag apresentou-se, em seus
textos, como caso sui generis de integrao e parece se constituir em
chave para o entendimento das razes pelas quais o autor elaborou
determinado tipo de imagem e anlises acerca da populao
afro-descendente em dado contexto. Outras chaves seriam: a polmica
em torno das reportagens da Paris Match e de O Cruzeiro, referentes
a rituais secretos do candombl e os usos possveis que o autor fez
do surrealismo e da histria nas narrativas de O candombl da Bahia e
em As religies africanas no Brasil. Todas estas frentes auxiliam a
matizar e redimensionar as funes e intenes de alguns dos principais
textos de Roger Bastide, para o tempo em que foram escritos.
iv Abstract In this thesis we analysed how the French
sociologist Roger Bastide (1898-1974) articulated the terms
race/religion in this thought, and how, from this uses he
elaborated a very peculiar reflections about prejudice and race
relations in Brazil. Our analysis focused in specifics aspects of
Bastides texts, in which we can search his formulation to the
debate of acculturation, cultural interpenetration, afro-brazilian
religions and race relations. The candombl from the nag rite is
showed in his texts as a sui generis case of integration and seems
to be the key for understanding the reasons through which the
author elaborated a certain kind of image and analysis about the
afro-descendent population in this context. The others keys are:
the polemic around the reportages published in Paris Match and O
Cruzeiro about the secret rituals of the candombl and the possible
uses that the author did for the surrealism and the history in O
Candombl da Bahia and As Religies Africanas no Brasil. All those
directions contributes to a complex analysis and suggests new
functions and intentions for some of most importants texts of Roger
Bastide, considering the time in which the were written. Keywords:
Sociology Brazil, Intellectuals History, Race relations,
Afro-Brazilian cults.
v Rsum Dans cette thse sa analys les formes pour lesquelles le
sociologue franais Roger Bastide (1898-1974) a articul les termes
race/religion dans son uvre et comment il a construit une pense
singulier sur le prjug et les relations raciales au Brsil. Lanalyse
a privilgi quelques aspects spcifiques de sa pense, dans lesquelles
on a pu suivre la formulation partir des dbats sur lacculturation
et linterpntration culturelle, des religions dorigine africaine au
pays, et des relations raciales. Le candombl de rite nag sa prsent,
dans ces textes, comme un cas sui generis dintgration et semble se
construire comme une cl qui permettre lentendement des raisons de
lauteur dans llaboration dun dtermin type dimage et des analyses
sur la population des descendants africains, dans ce contexte. Des
autres cls seraient : la polmique autour des reportages au Paris
Match et au O Cruzeiro, rfrents aux rituels secrts du candombl et
des possibles usages qui lauteur a fait du surralisme et de
lhistoire dans les narratives dans Le Candombl de Bahia et Les
religions africaines au Brsil. Ces questions nous aident faire une
analyse que prendre en compte la complexit et mettre aussi dans
nouvelles dimensions les fonctions et intentions de quelques des
principaux textes de Roger Bastide, lpoque de son criture. Mots-cl:
Roger Bastide, Sociologie, histoire intellectuelle, relations
raciales, religions afro-brsiliennes.
vii Para meus pais, Eliane e Luis.
ix Agradecimentos Expresso, primeiramente, meu reconhecimento e
admirao Profa. Dra. Elide Rugai Bastos pela orientao inspirada e
delicada durante o doutorado em Sociologia no Instituto de
Filosofia e Cincias Humanas da Unicamp. Agradeo igualmente ao Prof.
Dr. Fernando Antonio Loureno a amizade e o apoio fundamentais dados
durante as fases de elaborao do projeto de pesquisa e durante o
doutorado. Agradeo as sugestes e crticas, e a possibilidade de
interlocues importantes propiciadas pelos membros da banca de
qualificao: Prof. Dr. Omar Ribeiro Thomaz e Profa. Dra. Mariza
Corra, e aos membros da comisso julgadora de minha tese. Expresso
meus agradecimentos a todas as pessoas que, de alguma forma,
estiveram presentes e me ajudaram ao longo deste trabalho: aos meus
pais, Luis e Eliane, aos meus irmos, Angela e Rafael, pelo carinho
e apoio constantes, assim como ao Pepo; em especial, agradeo
Angela, pelas indicaes dos textos referentes ao surrealismo; aos
amigos: Sheila Matsuoka Cal, Jnatas Rossetto e D. Germnia agradeo a
ajuda fundamental durante a pesquisa em Salvador; Endrica Geraldo,
Jefferson Cano, Renata Senna Garrafoni, Simone Meucci e Mrio
Augusto Medeiros da Silva agradeo a amizade, as leituras e sugestes
feitas s verses do texto da tese; agradeo, igualmente, Eliana
Rovere, Magda de Mariolani, Flvio Ferro, Raquel Stoiani, Cristiano
Pedreira, Arlindo Sales, Thereza Sales e Cntia Vieira da Silva, que
foram presenas marcantes ao longo deste perodo, assim como Mariana
Ide Sales, que de longe no deixou de oferecer a rara amizade e a
possibilidade de outras vises sobre a vida, alm da ajuda com as
leituras do texto da tese e com as tradues.
xAgradeo, tambm, as possibilidades de dilogo propiciadas no XI
e XII Congressos da Sociedade Brasileira de Sociologia e nos
encontros do CEB, realizados nos ltimos anos, alm das interlocues
com os Professores Doutores Glaucia Villas Bas, Andr Pereira
Botelho, Maria Lcia de Santana Braga, Alexandro Dantas Trindade,
Fernando de Tacca e Carlos Gileno e aos colegas de ps-graduao
Tatiana Martins, Iara Rolim, Cintya Costa Rodrigues e Jos Benevides
Queiroz. Agradeo, especialmente, Simone Meucci, Joo Francisco Simes
e Mariana Chaguri pela amizade, coragem, apoio e profissionalismo
mostrados durante a organizao do Seminrio Gilberto Freyre e durante
nossa convivncia no Centro de Estudos Brasileiros - IFCH/Unicamp.
Agradeo, tambm a Fernando Silva, pela ajuda providencial. Agradeo o
importante trabalho de : Bete, Gil e Christina, funcionrias das
secretarias do IFCH; dos funcionrios das bibliotecas da USP e do
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, do Instituto de Estudos
da Linguagem, da Faculdade de Educao, da Biblioteca Central da
UNICAMP; dos funcionrios do Instituto de Estudos Brasileiros da
USP, da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e da Fundao Pierre
Verger, em Salvador. Deixo aqui meus agradecimentos especiais direo
e aos funcionrios e amigos do Arquivo Edgar Leuenroth IFCH -
Unicamp, Mrio Martins de Lima, Ema Franzoni e aos que sempre me
auxiliaram com seu trabalho, desde as pesquisas da graduao. Agradeo
a rara competncia e diligncia, demonstradas em seu trabalho, e o
respeito e reconhecimento que sempre tiveram quanto aos
pesquisadores e suas pesquisas. Por fim, gostaria de agradecer o
financiamento da pesquisa por parte do CNPq, durante o perodo de
abril a outubro de 2002, e o apoio financeiro da FAPESP, concedido
de novembro de 2002 a novembro de 2005, os quais foram essenciais
para a realizao desta tese.
xi Pero en esto la sociologa no es para nada muy diferente de
la filosofia: debemos comprender incluso los textos famosos como um
campo de fuerzas; debemos descubrir, por debajo de la superficie de
doctrinas aparentemente coincidentes, las fuerzas que se enfrentam
mutuamente, y que luego son reunidas em formas ms o menos
sistematizadas o en formulaciones definitivas. (Porm a sociologia
no muito diferente da filosofia: devemos compreender inclusive os
textos famosos como um campo de foras; devemos descobrir, sob a
superfcie de doutrinas aparentemente coincidentes, as foras que se
enfrentam mutuamente, e que ento so reunidas em formas mais ou
menos sistematizadas ou em formulaes definitivas.) (Theodor Adorno.
Introduccin a la Sociologia (1968). Barcelona, Gedisa, 2000, p.20).
On mavait defini jadis: celui qui tourne autour de tous les
gouffres, pour sentir la sduction de leurs vertiges, mais qui
sattache bien au mt du navire ; il veut couter les Sirnes, mas pas
se noyer. (J havia me definido: aquele que gira em torno de todos
os abismos, para sentir a seduo de suas vertigens, mas que se
amarra bem ao mastro do navio; deseja-se ouvir as sereias, mas no
se afogar.) (Roger Bastide. Rflexions sur une agitacion). Toda a
cincia uma reconstruo da realidade. Substitui-se a imagem confusa
do mundo, dada pelos sentidos ou pela experincia ntima, por uma
imagem total, fruto do trabalho intelectual. A sociologia no uma
exceo regra. Ela um sistema de relaes lgicas. (Roger Bastide. A
propsito da poesia como mtodo sociolgico).
xiii Sumrio Introduo 1 Captulo 1 Um mapeamento: o autor e
algumas das vises de sua obra 9 Captulo 2 Encruzilhadas e espelhos:
as interlocues obrigatrias de Bastide com Arthur Ramos e Gilberto
Freyre 49 Captulo 3 Inflexo no percurso: alguns debates em torno
das relaes raciais e do preconceito em So Paulo 105 Captulo 4
Vertigem e abismo: pobreza ocultada, rituais expostos e uma
evidncia interessante 169 Captulo 5 Histria, astcia 237 Consideraes
finais 271 Referncias bibliogrficas e acervos consultados 283
1Introduo Inicialmente, o objetivo desta tese era pensar as
relaes entre a produo acerca das religies africanas e a produo
acerca do preconceito no Brasil, mobilizada, principalmente atravs
da obra de Bastide, Arthur Ramos, Donald Pierson, dison Carneiro e
Pierre Verger. Com o decorrer da pesquisa, que sempre implica em
dilogos, sugestes, rearranjos, crises e, por vezes, insights
importantes que nos colocam na pista de possveis interpretaes sobre
nossos problemas, deparei-me com algumas opes. Uma delas era
continuar com o objetivo inicialmente proposto, o que me permitiria
apresentar uma viso panormica do processo de elaborao dos estudos
sobre o preconceito, mas conseqentemente diluir a figura
intelectual de Bastide entre muitas interlocues, que se
multiplicavam com o avano das leituras e trabalho nos arquivos.
Estas interlocues, embora importantes, poderiam tirar o foco de um
autor e de uma obra que foram essenciais para a elaborao do projeto
de pesquisa apresentado na seleo do programa de ps-graduao em
Cincias Sociais, ao final do ano de 2001. Outra opo era centrar o
foco em Bastide e em sua obra, e realizar uma anlise interna de
seus textos, atravs de temas especficos, nos quais eu poderia ainda
mobilizar interlocues essenciais no corpus de sua obra, sem, no
entanto, perder de vista o problema da constituio do tema do
preconceito racial. A opo foi por uma mudana de direo, de ajuste no
foco: no pensei mais na constituio do tema no campo, mas passei a
perseguir o tema na obra de Roger Bastide, mostrando algumas das
muitas sutilezas e especificidades presentes em seu pensamento
acerca da chave religio/ raa. As minhas questes, portanto,
referem-se a algumas das formas de constituio do tema do
preconceito contra a populao de origem africana na obra de Bastide,
e por que este tema se mostrou de uma determinada maneira. A partir
desta mudana, que deslocou meu olhar e a anlise para algo alm do
que Bastide poderia ter incorporado ou modificado nos dilogos com
as
2vertentes intelectuais brasileiras, pude entrar em contato
mais profundo com as sutilezas de seu pensamento. Passei, portanto,
de uma fase da pesquisa em que os textos de Bastide tinham uma funo
de remeter a vrios dilogos e autores, os quais eu percorri durante
certo tempo para uma fase em que me detive sobre questes especficas
de sua obra. Mudando o contexto, pode-se sugerir que inverti a
luneta ao meu modo, - como o prprio autor disse uma vez, ao
explicar que via certos problemas atravs do caso das civilizaes
africanas, invertendo o foco da civilizao brasileira, presente em
Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Ambos os caminhos
tinham como ponto de partida a obra de Bastide, mas o que se
modificou foi a conscincia quanto ao objeto e s suas
peculiaridades. Bastide possui uma obra complexa, longa e variada
em temas, interlocues e abordagens. No foi difcil me perder durante
um tempo relativamente longo em questes e desvios traioeiros, em
caminhos de pesquisa que apesar de terem um ponto de partida em
seus textos me distanciaram da questo do preconceito. A opo que se
me apresentou foi a vigilncia, foi olhar mais para seus textos e
bem menos para o de seus interlocutores. Isso tornou necessrios
certos cortes e opes. Por outro lado, mantive e mobilizei algumas
interlocues que talvez possam ser consideradas inusitadas. Elas se
justificam pelo prprio movimento do trabalho de pesquisa, que ao se
centrar em questes como a assimilao, a aculturao e a mestiagem deu
uma nova face ao que eu percebia como o debate acerca do
preconceito num determinado contexto intelectual. Neste sentido,
meu olhar se aprofundou em certas dobras empoeiradas da histria,
nas quais reencontrei uma importante contribuio de Emilio Willems
ao problema do preconceito racial e das relaes raciais. Ele um dos
autores fundamentais da poca, no s porque ajudou na formao de
outras geraes de intelectuais, mas tambm porque tratou de temas
como a presena de imigrantes no pas e das relaes entre brancos e
negros, em contribuies que so contrapontos importantes para a
poca.
3A integrao, a assimilao e a aculturao so alguns dos temas que
atravessam a obra de Bastide. Apesar de variveis, conforme o local
de enunciao, eles apontam para ligaes profundas entre as preocupaes
governamentais brasileiras, intelectuais e populares quanto
identidade e formao tnica ou racial da nao. Mas apontam, tambm,
para conceitos comuns s vertentes de estudos do preconceito e das
religies afro-brasileiras. A obra do socilogo francs permite o
acesso, para o entendimento de uma parcela do processo de
constituio do tema do preconceito e das relaes raciais e das
imagens sobre os negros, no pas. Algumas das fontes selecionadas
durante a pesquisa, que em geral recebem ateno marginal nas
anlises, so os artigos de revistas e jornais. Neles encontrei
alguns dos principais insights da pesquisa, algumas das chaves
possveis para propor hipteses acerca do relacionamento do autor com
os temas da religio e da raa, e para indicar a possibilidade de
outras vises sobre as interpretaes de Bastide. Em certo sentido,
eles me permitiram um contraponto de bastidores aos textos
principais de Bastide, e ao mesmo tempo, uma contextualizao de
poca, que pode nuanar e, espero, contrabalanar, em parte, alguns
dos limites de uma anlise interna dos textos. Textos, conceitos,
idias, contextos, modos de negociao intelectual so, ao fim, os
materiais de anlise desta tese. Uma ltima palavra sobre algo caro a
mim: a histria. Caro, pois a minha formao em histria, e porque ao
longo do trabalho de pesquisa pude perceber, mais detalhadamente,
algumas das peculiaridades das relaes de Bastide com este tema,
atravs da sua amizade e do contato com historiadores franceses,
como Lucien Febvre (o que mereceria uma outra pesquisa), seja
atravs das dimenses que a narrativa histrica toma em seu texto, ou
do modo como o autor a utiliza como instrumento. Se as relaes do
autor com a narrativa histrica nem sempre foram isentas de
problemas, o que eu tentarei mostrar ao longo de um dos captulos, a
forma que essa mobilizao toma essencial para entendermos certos
desdobramentos da obra de Bastide sobre a religio e o
preconceito.
4Este foi meu itinerrio, ou pelo menos, o que eu consegui
transformar em narrativa mais ou menos racionalizada, embora saiba
dos limites que cercam tais tentativas. Sabe-se que a justificao
dos autores nunca isenta de uma vontade de organizar, de dar
racionalidade para um quadro do qual eles nunca podero ter
conscincia ou domnio completos.1 Os processos da escolha de um
tema, de pesquisa e escrita so atravessados por uma srie de
imponderveis que fazem parte do trabalho intelectual e da prpria
vida: interlocues, leituras, relaes, influncias, debates, dvidas,
questionamentos, insights e, talvez o mais importante, nosso
presente. Um dos motivos que me levou a escrever este trabalho foi
o encantamento com a forma e os movimentos que os debates entre os
intelectuais podiam tomar no passado, o que se mostra de forma
peculiar nos textos de Bastide. Outro motivo estava ligado ao
contraste que percebi entre as concepes contemporneas acerca do
candombl e de seus adeptos e as apresentadas nos trabalhos de
Bastide. Apesar de o autor reproduzir em seus textos alguns termos
da poca como sangue negro,2 que lido como termo preconceituoso nos
dias atuais , suas formulaes oferecem ao cenrio intelectual uma
contribuio muito valiosa, no que diz respeito criao de outras vises
e identidades para a populao negra. Quis mostrar, enfim, este ato
de poder inscrito no texto do autor, e outros, que no decorrer da
pesquisa evidenciaram faces diversas do seu trabalho intelectual.
Agora, apresento o desenho da tese. No captulo 1 fao algumas
consideraes sobre Roger Bastide e as especificidades de sua produo
intelectual, e apresento uma parte importante da crtica a sua obra,
na busca de um mapeamento do objeto. As diversas vises sobre sua
produo mostram algumas das mobilizaes possveis de suas anlises, no
que diz respeito aos temas do preconceito e das religies, e alguns
problemas relacionados. 1 Dominick LaCapra. Rethinking Intellectual
history and reading texts In: Rethinking Intellectual History. New
York, Cambridge Press, 1989. 2 Roger Bastide. A poesia
afro-brasileira (1943). Estudos afro-brasileiros. So Paulo,
Perspectiva, 1983, p. 42, 100.
5No captulo 2 analiso o debate de Roger Bastide com os
representantes de tradies intelectuais antagnicas no cenrio
brasileiro das dcadas de 1930 e 1940, Gilberto Freyre e Arthur
Ramos, e a emergncia de novas imagens sobre o negro e suas prticas
religiosas. Por meio da mobilizao dos conceitos comuns aos autores
mostro a especificidade da formulao da reflexo de Bastide, e o jogo
intelectual em torno do tema negro brasileiro". 3 No Captulo 3
ocorre uma mudana importante de foco, que visa outra faceta do
processo de elaborao das temticas do preconceito e das relaes
raciais no pas. A obra de Bastide apresenta-se, novamente, como
acesso a interlocues e inflexes essenciais no cenrio intelectual
brasileiro, vistas atravs dos debates presentes em So Paulo, na
Universidade de So Paulo (USP) e na Escola Livre de Sociologia e
Poltica (ELSP). A USP foi o local onde Bastide exerceu sua atuao
docente universitria, onde outros professores estrangeiros elaboram
suas reflexes sobre os temas locais e nacionais, e onde o processo
de institucionalizao das Cincias Sociais se apresentou de forma
bastante visvel.4 Os desenvolvimentos da temtica do negro
brasileiro nesse cenrio tomam tons peculiares. A pesquisa da UNESCO
expressa um movimento de transformao nas Cincias Sociais
brasileiras, no qual se acentua uma especializao maior da
Antropologia e da Sociologia, e no qual se mostra a redefinio de
imagens sobre a populao afro-descendente. Tal passagem marca um
momento importante da constituio das Cincias Sociais no Brasil,5 e
apresenta-se de forma peculiar na 3 Segundo Maria Lcia de Santana
Braga Bastide, ao tratar do pensamento de Gurvitch, mostra suas
afinidades e seu interesse em fazer uma sociologia que primasse
pela pesquisa das convergncias entre os vrios pensadores e no pela
disputa entre as escolas de pensamento rivais. Maria Lcia de
Santana Braga. Entre o esquecimento e a consagrao: o estilo Roger
Bastide nas Cincias Sociais. Braslia, Tese Sociologia UnB, 2002, p.
80. 4 Srgio Miceli (org.). Histria das Cincias Sociais no Brasil.
Vol. I. So Paulo, Ed. Vrtice, 1989; ____. Histria das Cincias
Sociais no Brasil. Vol. II. So Paulo, IDESP/ FAPESP, 1995;
____(org.) O que ler na Cincia Social Brasileira (1970-1995). Vol.
I Antropologia. So Paulo, Ed. Sumar, ANPOCS, CAPES, 1999; ____
(org.). O que ler na Cincia Social Brasileira (19701995). Vol. II
Sociologia. So Paulo, Ed. Sumar, ANPOCS, CAPES, 1999; Glaucia
Villas Bas. A vocao das cincias sociais (1945/1964): um estudo da
sua produo em livro. So Paulo: Tese de doutoramento- USP, 1992. 5
Ver Marcos Chor Maio. A Histria do Projeto UNESCO: estudos raciais
e Cincias Sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado -
IUPERJ, 1997, p. 3; Roger Bastide. Les relations raciales au Brsil.
In: Bulletin International des Sciences Sociales. Vol. IX, no. 4,
1957, p. 525-543.
6obra do autor. Isso marca uma inflexo na obra de Bastide, mas
no exclui as reflexes advindas do contato com os autores
nordestinos. As relaes raciais, em sua forma mais harmnica, so
localizadas nos terreiros de candombl da Bahia e Nordeste, o que
aponta para um uso da religio como acesso privilegiado para a
interpretao da sociedade brasileira. No Captulo 4 outro foco se
apresenta para complementar o exerccio metodolgico dos projetores
convergentes.6 Atravs da anlise de textos e fotografias elaborados
entre as dcadas de 1930-60, pelos intelectuais estrangeiros Roger
Bastide, Ruth Landes, Pierre Verger e Henri-Georges Clouzot
apresento algumas reflexes sobre os modos e formas utilizados para
analisar e definir imagens e conhecimentos acerca dos candombls
baianos e da populao afro-descendente. A conformao dessa rede de
significados e imagens variadas indica elementos importantes para o
entendimento da recepo e circulao das leituras e imagens sobre os
candombls e a populao afro-descendente. Roger Bastide teve uma
atuao constante na imprensa brasileira, e se manifestou
publicamente contra a exposio dos segredos rituais da iniciao do
candombl. Ao contrrio de outros momentos de sua produo, Bastide
explicita uma possibilidade negada h dcadas por intelectuais de
renome, o conflito entre raas e culturas no interior da formao
social brasileira. A atuao deste e de outros intelectuais na
imprensa mostra a fluidez da conformao das reflexes acerca das
relaes raciais, e a mobilizao de um tema-chave, as religies de
origem africana. Alis, de um tema potencialmente perigoso,7 que nem
sempre esteve isento das polmicas mais acirradas. 6 Para apreender
a riqueza social em toda a sua farta complexidade, precisamos
recorrer aos mais variados mtodos, mesmo ao mtodo potico, caso seja
necessrio. aquilo que j denominei ... princpio dos projetores
convergentes que iluminam o objeto estudado, como num teatro a
danarina aprisionada nos mltiplos fachos luminosos que jorram de
todos os cantos da sala. Roger Bastide. Roger Bastide: Sociologia,
(Org. da coletnea: Maria I. P. de Queiroz). So Paulo, tica, 1983,
p. 84. 7 Como as investidas da Universal do Reino de Deus contra as
religies de origem africana no deixam de mostrar. A porcentagem de
fiis do candombl no Brasil pode chegar a 0.3% da populao
brasileira, ndice que demonstra a desproporo que os preconceitos e
atitudes discriminatrias contra essa minoria tomam. Ver Srgio
Amaral Silva. No ritmo dos tambores In: Valor econmico, 22.04.2005.
Sobre as condies atuais do candombl no Brasil e os atritos e
perseguies a que a religio est sujeita ver: Reginaldo Prandi.
Segredos Guardados. So Paulo,
7No captulo 5, que fecha a tese, reflito acerca de alguns usos
que o autor faz da histria em sua obra, no que diz respeito ao tema
dos estudos sobre o preconceito e as relaes raciais no Brasil. Para
isso, tomo o texto de As religies africanas no Brasil (1971
[1960]), e, inusitadamente,8 o de O Candombl da Bahia (2001[1958]),
nos quais se apresentam vrios tempos e relaes sociais especficos,
os quais indicam como o pensamento de Bastide organizou e recriou
de uma determinada forma as relaes raciais brasileiras e a sua
histria. Os candombls tomam, assim, um lugar essencial na sua
reflexo acerca das relaes raciais, ao serem dimensionados como
elementos inusitados e poderosos no processo de mudana social. O
que, a propsito, anunciado no incio de As religies africanas no
Brasil, quando o autor prope que as superestruturas trazidas pelos
escravos africanos (re)criam as infra-estruturas no Brasil. Essa
uma das muitas inverses presentes em sua obra, as quais tm como um
dos efeitos, tentarem explodir e recriar a viso das relaes entre
homens e mulheres em determinadas sociedades e tempos. Inverses que
anunciam, talvez, uma pincelada sutil de surrealismo, mas que tem
suas implicaes fortes nos usos da histria. Nas consideraes finais
retomo as pistas e reflexes feitas ao longo dos outros captulos
para refletir a propsito da questo da elaborao do tema do
preconceito na obra de Bastide. Cia. das Letras, 2005. Ver tambm:
Vagner Gonalves da Silva (Org.). Intolerncia religiosa. Impactos do
neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. So Paulo,
EDUSP, 2006. 8 Isso, porque este um livro no qual o autor afirma
que estudaria o candombl como realidade autnoma, sem referncia
histria ou ao transplante de culturas de uma para outra parte do
mundo. Roger Bastide. O candombl da Bahia: rito nag. So Paulo, Cia.
das Letras, 2001, p. 24. Apesar disso, podem-se notar algumas
intruses da histria em seu texto, o que pretendo explicitar mais
adiante, no captulo 5.
9Captulo 1 Um mapeamento: o autor e algumas das vises de sua
obra No texto introdutrio do livro Roger Bastide ou le Rjouissement
de labme, Philippe Laburthe-Tolra cita um trecho de texto indito do
socilogo Roger Bastide (1898-1974) acerca dos eventos de 1968.
Nele, o autor francs indica sua atrao pelos temas perigosos como
abismos e, ao mesmo tempo, o compromisso com a racionalidade, ponto
de apoio necessrio para evitar um mergulho fatal, atitude
aparentada com a do Odisseu de Homero ao se deparar com as sereias:
J havia me definido: aquele que gira em torno de todos os abismos,
para sentir a seduo de suas vertigens, mas que se amarra bem ao
mastro do navio; deseja-se ouvir as sereias, mas no se afogar.1 Ao
longo de sua longa trajetria intelectual Roger Bastide demonstrou
esse gosto pela vertigem, pelos abismos, ao se envolver com temas
variados, apresentados, principalmente, durante a sua vivncia no
Brasil.2 Transe, 1 On mavait defini jadis: celui qui tourne autour
de tous les gouffres, pour sentir la sduction de leurs vertiges,
mais qui sattache bien au mt du navire ; il veut couter les Sirnes,
mas pas se noyer. Roger Bastide. Rflexions sur une agitacion (texto
indito) apud Philippe Laburthe-Tolra, Le Rjouissement de LAbme In:
Philippe Laburthe-Tolra (dir.). Roger Bastide ou Le Rjouissement de
LAbme : chos du colloque Cerisy-la-Salle du 7 au 14 septembre 1992.
Paris, dtions LHarmattan, 1994, p. 7. [trad. minha] 2 Ver Franoise
Morin. Les indits et la correspondance de Roger Bastide In:
Philippe Laburthe-Tolra (dir.). Roger Bastide ou Le Rjouissement de
LAbme, p. 25. Segundo a autora, a atrao pela vertigem de certos
temas no estaria isenta dos limites da razo, ou at do medo da perda
da razo: Para Bastide, a seduo dos abismos seria antes de tudo o
estudo do transe, do sonho e do misticismo politesta. Em 1965, numa
entrevista concedida ao jornal Combat, ele confidenciou a Jacques
Delpeyrou: Em minha busca apaixonada de experincias msticas eu
sempre tive medo de me tornar louco. Sua paixo pelo misticismo que
preside elaborao de sua primeira obra em 1931 sobre Les problemes
de la vie mystique faz com que ele pressinta que para estabelecer
as leis da vida mstica somente o mtodo comparativo permitiria a ele
multiplicar as experimentaes nos meios os mais diversos, nos pases
os mais longnquos. Ns sabemos que esta pesquisa comparativa o
trouxe at a Bahia, onde a seduo dos abismos, o apelo dos deuses
fizeram dele um filho de Xang... Mas por medo de se afogar, Bastide
resistir ao canto das Sereias, agarrar-se- ao mastro da razo e no
prosseguir com esta iniciao. [trad. minha]. (Pour Bastide, la
10candombl nag, candombls de caboclo, macumba, messianismo,
poesia, arte, literatura, relaes raciais, movimentos negros, e
outros temas atravessam seus escritos. Sua obra busca esse encontro
com elementos, por vezes considerados irracionais, como a religio,
a magia, a poesia, a arte, e constri propostas metodolgicas e
formas de narrativa adaptadas a esse encontro. A produo de Bastide,
acerca do Brasil e seus temas, apresenta uma narrativa peculiar,
diversa de escritos posteriores, em que se apresenta uma narrativa
mais tcnica, mais racional e em que desaparecem parte de seus traos
poticos.3 A diferena do modo de narrativa flagrante, quando o
objeto no se refere aos temas brasileiros. O prprio autor reconhece
essa diversidade de abordagens, dependentes dos objetos em causa. 4
Entretanto, se o trecho citado anuncia a atrao e o cuidado pelo
perigo da vertigem por certos assuntos, no evidencia as
descontinuidades e fraturas desse processo. Embora nem todos estes
tpicos sejam tratados nesta tese, acredito que a sua obra acerca
das religies de origem africana e as relaes raciais, mostra uma
srie de temas internos imbricados: a elaborao de reas especficas de
estudos, de vrias temticas intelectuais, as relaes de poder entre
ele e seus pares, a realidade do pas e de seus grupos humanos se
infiltrando nos textos, marcando-os. Bastide primou pela produo de
um corpus de textos que evidencia a riqueza e diversidade de seu
pensamento. Se os textos publicados em jornais mostram o recurso a
uma forma de narrativa mais superficial, a reflexes mais ligeiras
sobre temas cotidianos, igualmente mostram reflexes acerca de
sduction des gouffres, ctait avant tout ltude de la transe, du rve,
et du mysticisme polythiste. En 1965, dans un entretien accord au
journal Combat, il confiait Jacques Delpeyrou : Dans ma qute
passionne des expriences mystiques jai toujours eu peur de devenir
fou. Sa passion pour le mysticisme qui prsida l'laboration de son
premier ouvrage en 1931 sur Les problmes de Ia vie mystique lui
faisait pressentir que pour tablir les lois de la vie mystique
seule la mthode comparative lui permettrait de multiplier les coups
de sonde dans les milieux les plus divers, dans les pays les plus
loigns. Nous savons que cette qute comparative l'amena jusqu' Bahia
o la sduction des gouffres, I'appel des dieux feront de lui un fils
de Shango ... Mais par crainte sans doute de se noyer, Bastide
rsistera au chant des Sirnes, s'accrochera au mt de la raison et ne
poursuivra pas cette initiation...). Idem. 3 Ver, por exemplo,
Roger Bastide. Antropologia Aplicada. So Paulo, Editora
Perspectiva, 1979 [1 edio francesa: 1971]. 4 Roger Bastide.
Introduo. Estudos afro-brasileiros. So Paulo, Editora Perspectiva,
1983, p. X-XII.
11temticas mais definidas e constantes em sua obra, vista como
um todo. Ao lado disso, os textos dos livros e artigos de revistas
cientficas auxiliam na montagem de um quadro em que os temas das
relaes entre brancos e negros, da cultura negra, das religies de
origem africana, da magia e da democracia racial aparecem em
contextos diversos, atravs de reflexes que possuem um estilo
diferenciado.5 O pensamento de Bastide apresenta-se de forma
fragmentria e inacabada em muitos dos textos selecionados, sempre
buscando novas possibilidades de expressar as vrias dimenses do
real, as vrias vozes envolvidas no jogo entre os grupos sociais que
analisa. O ponto de vista do pesquisador confunde-se com o dos
objetos, dos sujeitos sobre os quais reflete, alterna vozes, oscila
entre extremos, entre contrastes, ao mesmo tempo em que busca no
detalhe do outro lado da luneta 6 as consonncias. Decifrar o
pensamento e a narrativa de Bastide sobre os temas relacionados
populao negra brasileira uma tarefa quase sem fim. A multiplicidade
de temticas e de seus inter-relacionamentos razoavelmente extensa.
Definir os limites de uma pesquisa como esta difcil, pois os
materiais se multiplicam a cada passo num arquivo diferente. As
obras de Bastide podem nos remeter a variados contextos
intelectuais, a vrios debates e embates acadmicos e a uma longa
lista de relaes entre temas vizinhos. Se isso tambm acontece com
outros autores, no corpus da obra de Bastide esse procedimento
complicado pela grande quantidade de materiais e pela recursividade
presente nos textos. Um fato complica este cenrio: Bastide um autor
central no pensamento social brasileiro, cuja obra condensa outros
debates e dilogos com autores importantes para diversas pocas, que
explicitam elementos sobre a constituio 5 Para uma anlise do estilo
bastideano ver: Maria Lcia de Santana Braga. Entre o esquecimento e
a consagrao: o estilo Roger Bastide nas Cincias Sociais. Braslia,
Tese - Sociologia, 2002. 6 Gilberto Freyre estudou bem em Casa
Grande & Senzala esses diversos fenmenos, mas estudou-os do
ponto de vista da civilizao brasileira, e no do ponto de vista, que
aqui nos preocupa, das civilizaes africanas. Precisamos, pois,
retomar a questo, examinando-a, se se nos permite a expresso, pela
outra extremidade da luneta. Roger Bastide. As religies africanas
no Brasil: contribuio a uma sociologia das interpenetraes de
civilizaes, vol. I. So Paulo, Livraria Pioneira Editora; EDUSP,
1971 [1960], p. 103.
12intelectual do tema do preconceito e das relaes raciais no
Brasil, mesmo que de maneiras descontnuas e fragmentadas. No quadro
de autores que estudaram as religies afro-brasileiras, Bastide se
sobressai pela abordagem, pela sntese sui generis de uma longa
produo contempornea, pelas concluses, pela relao especfica com o
objeto e com o grupo intelectual interessado no caso do negro
brasileiro ou de suas manifestaes religiosas.7 Isso se constituir
em fraqueza e fora de sua obra, em alguns momentos objeto de
crticas enfticas quanto a sua metodologia, em outros, objeto nico
de resgate da histria das Cincias Sociais brasileiras. Vindo da
Frana para o Brasil em 1938, para ser o substituto de Claude
Lvy-Strauss na cadeira de Sociologia da USP, Bastide veio com a
inteno de estudar o transe nas religies de origem africana.8 Seu
repertrio para tratar 7 Manterei a nomenclatura de poca usada pelos
autores, como preto, negro, branco, mulato e relaes raciais. Estes
termos so circunscritos e marcados historicamente por seus usos, e
sero utilizados com ressalvas. Neste sentido, marca-se a diferena
deles com termos mais recentes, como afro-descendente. Os primeiros
termos representam imagens e valores diferenciados, conforme o
tempo, mas indicam tambm uma naturalizao da cor que se estende at
os dias de hoje. A esse respeito ver: Yvonne Maggie. A iluso do
concreto: anlise do sistema de classificao racial no Brasil. Rio de
Janeiro, Tese Cincias Sociais - UFRJ, 1991; Florestan Fernandes. A
integrao do negro na sociedade de classes, vol I. So Paulo,
Dominus; Ed. da Universidade de So Paulo, 1965, p. XIV. Sobre os
debates em torno dos usos do termo raa, ver, entre outros: Yvonne
Maggie e Claudia Barcellos Rezende (org.). Raa como retrica: a
construo da diferena. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2001;
Clia M. M. Azevedo. Cota racial e Estado: abolio do racismo ou
direitos de raa?. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, p. 213-239,
jan./abr. 2004; Antonio Srgio A. Guimares. Classes, Raas e
Democracia. So Paulo, FUSP/Editora 34, 2002; ____. Racismo e
anti-racismo no Brasil. So Paulo, Editora 34, 1999. 8 ...Assim,
esboou-se em meu esprito (e a leitura de Mauss s fortaleceu meu
projeto) a idia de conduzir paralelamente pesquisa que eu fazia
sobre a sociologia do sonho, uma outra pesquisa que levaria a esta
sobre a sociologia do transe. Minha partida para o Brasil, onde eu
pretendia estudar as crises afro-americanas de possesso, no tiveram
outra finalidade. [trad. minha]. (...Ainsi sbauchait em mon esprit
(et la lecture de Mauss ne pouvait que fortifier mon projet) lide
de conduire, paralllement lenqute que je menais sur la sociologie
du rve, une autre enqute qui porterait celle-ci sur la sociologie
de la transe. Mon dpart pour le Brsil, o je comptais tudier les
crises de possession afro-amricaines, navait pas dautre finalit.
Roger Bastide. Le Rve, la Transe et la Folie. Paris, Flammarion,
1972, p. 55. Uma outra verso encontrada em um artigo de Claude
Ravelet, no qual citado um trecho de carta de Bastide sua famlia,
datada de 11 de junho de 1938, quando o socilogo j se encontrava no
Brasil: O tipo de interesse que tenho pelas pesquisas sociolgicas:
no tanto conhecer as estruturas sociais quanto penetrar no mago da
alma humana. Ora, esse mago s se revela em perodos de crise como os
acarretados pelo contacto brutal de duas religies situadas em nveis
diferentes. Foi o que me atraiu aqui. A idia de estudar os negros e
a alma africana em contacto com a civilizao portuguesa. Claude
Ravelet. Roger Bastide e o Brasil. In: Roberto Motta (org.). Roger
Bastide Hoje: raa, religio, saudade e literatura. Recife, Bagao,
2005, p. 180-181. Deve-se perceber que esses interesses de Bastide
por temas como o sonho, o transe e as religies de origem africana
eram compartilhados por outros intelectuais franceses e que a
13temas como a mstica, a religio e a magia, e a alteridade
inclua autores como Durkheim, Lvy-Bruhl, Halbwachs, Mauss,
Gurvitch, Marx, quadro este enriquecido ao longo do tempo pela
leitura dos especialistas brasileiros, como Arthur Ramos, Gilberto
Freyre, Manoel Querino, dison Carneiro, e pelo conhecimento da
produo estrangeira de Melville J. Herskovits, Donald Pierson, Ruth
Landes, Marcel Griaule e outros. 9 Bastide um, dentre os muitos
intelectuais da poca, que trabalhou com o tema do negro. Antes
dele, Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Gilberto Freyre, Oliveira
Vianna, Euclides da Cunha, e uma longa linhagem da intelectualidade
brasileira j se preocupavam com a participao do grupo populacional
de ex-escravos de origem africana na construo de uma nao e na
identidade de um povo. A questo da identidade nacional permeia a
obra de Bastide atravs de seus debates com tais autores, mas em
muitos casos, o tratamento que o socilogo d ao tema o diferencia e
o separa da produo especfica sobre as religies de origem africana.
Ele se afasta de fases das obras de Arthur Ramos e Nina Rodrigues,
por exemplo, ao no seguir uma abordagem mdico-psiquitrica que
visava indicar a desigualdade inata do negro brasileiro, no caso de
Nina, ou a desigualdade de nvel psicolgico ou cultural, no caso de
Ramos. Mas no deixa de incorporar elementos destas anlises, como o
foco preferencial na religio nag e na pureza religiosa do candombl
baiano.10 Assim, embora discorde de etnografia e o surrealismo
desenvolviam-se em estreita proximidade nas dcadas de 1920 e 1930
nesse pas. Para uma anlise de tais relaes ver: James Clifford,
Sobre o surrealismo etnogrfico e Poder e dilogo na etnografia: a
iniciao de Marcel Griaule In: ____. A experincia etnogrfica.
Antropologia e Literatura no sculo XX. Rio de Janeiro, Ed. da UFRJ,
2002, p. 132-226. 9 Maria Isaura Pereira de Queiroz, Introduo -
Nostalgia do Outro e do Alhures: a obra sociolgica de Roger Bastide
In: Roger Bastide: Sociologia. (Org. da coletnea: Maria I. P.
Queiroz). S.Paulo, tica, 1983, p. 8-9, 12-13; Roberto Motta.
L'Expansion et la Rinvention des Religions Afro-Brsiliennes:
Renchantement et Dcomposition. Archives de Sciences sociales des
Religions, Paris, n. 117, p. 113-125, 2002. Para um detalhamento da
trajetria intelectual de Bastide na Frana e no Brasil ver: Maria
Lcia de Santana Braga. Roger Bastide: morte e ressurreio de um
paradigma. In: Roberto Motta (org.). Roger Bastide Hoje: raa,
religio, saudade e literatura, p. 49-110. 10 Segundo Beatriz Gis
Dantas Os estudos sobre as chamadas religies afro-brasileiras,
particularmente sobre o Candombl, tm privilegiado como campo de
anlise os contedos culturais e as especificidades desses contedos,
quando no a procura de suas origens. Isso tem remetido
constantemente frica, e essa busca incessante de africanismos,
iniciada no sculo passado com Nina Rodrigues, tem tomado feies
diversas, desde o cotejo mecnico e simples de traos culturais cuja
semelhana com congneres africanos apresentada como prova de
14pressupostos de Ramos, h um interesse compartilhado pela
psicanlise, e leituras comuns aos dois autores. H uma aproximao da
obra de Bastide com a interpretao de Gilberto Freyre do Brasil como
pas mestio, de relaes raciais harmoniosas. Entretanto, em outros
momentos, Bastide inverte algumas das concluses do socilogo
brasileiro sobre o papel do negro na histria brasileira, e indica a
especificidade de parcelas desse grupo, como o baiano, que vivia
num enclave religioso dentro da sociedade maior. Pureza e mestiagem
culturais so traos recorrentes em seus textos, assim como uma
tentativa de sintetizar as concluses de autores das mais diversas
filiaes nas suas prprias interpretaes do Brasil. Se a abordagem de
Bastide parte de sua vivncia intelectual francesa e da sntese de
autores brasileiros, h tambm uma valorizao da religio
afro-brasileira, vista como religio com metafsica, com rituais
complexos, detentora de controle social, organizadora do novo mundo
dos escravos africanos e de seus descendentes no Brasil.11 Ele quer
demonstrar que o pensamento africano um pensamento culto.12 Seus
trabalhos de campo representam uma virada na abordagem da
religiosidade negra no Brasil, embora sejam relativamente escassos:
...Apesar de ter chegado ao Brasil em 1938, somente no incio de
1944 Bastide realizou sua primeira viagem, de durao de um ms, pelo
Nordeste, passando rapidamente por Salvador, Recife e Joo Pessoa.
Mesmo tendo ficado um curto perodo em Salvador, Bastide teve
contato suficiente com o universo do candombl. Ele viu uma
confirmao de og na casa de Cotinha e uma sada de ia em um terreiro
de nao angola, e sobrevivncias at os estudos que tentam mostrar a
persistncia dos traos culturais como parte de um sistema religioso
africano alternativo e funcional, ou ainda como expresso de um
verdadeiro pensamento africano. Dessa busca da frica emerge a
valorizao da pureza dos candombls. Paralelamente, a tradio nag
(crenas e prticas rituais atravs das quais se pretende estabelecer
vinculao de certos candombls s tradies religiosas de grupos
africanos procedentes do Daom e da Nigria) elevada s culminncias de
africanidade e apresentada como modelo de culto de resistncia no
qual a manuteno da tradio da frica e dos valores africanos
permitiria uma forma alternativa de ser. Beatriz Gis Dantas. Vov
Nag e Papai Branco. Rio de Janeiro, Graal, 1988, p. 19-20. 11 Roger
Bastide. Imagens do Nordeste Mstico em branco e preto. Rio de
Janeiro, O Cruzeiro, 1945, p. 88, 90, 134; ____. As Religies
Africanas no Brasil. Vol. I e II., p. 82, 308, 414; ____. O
Candombl da Bahia: rito nag. (Nova edio revista e ampliada).So
Paulo, Cia. das Letras, 2001. 12 Roger Bastide. O Candombl da
Bahia, p. 24.
15esteve na casa do pai-de-santo Joozinho da Gomia. (...)
Contrrio impresso causada pelas suas inmeras publicaes sobre a
temtica das religies afro-brasileiras e sua insero na sociedade
brasileira, sugerindo um perodo extenso de pesquisa de campo, foram
poucas as vezes que Bastide retornou Bahia depois dessa primeira
viagem: deram-se somente em janeiro/ fevereiro de 1949 e em agosto
de 1951, enquanto ainda estava ligado Universidade de So Paulo. Aps
o seu retorno Frana, ele voltou outras duas vezes ao Brasil,
aproveitando a sua estada para visitar tambm os amigos na Bahia: em
setembro de 1962 e em agosto de 1973, poucos meses antes de sua
morte, no dia 10 de abril de 1974.13 H nas anlises do candombl nag
efetuadas por Bastide valorizaes relativas, como a descrio potica
dos rituais pblicos,14 o afastamento do transe 13 Angela Lhning.
Introduo. In: Pierre Verger. Verger-Bastide: dimenses de uma
amizade. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002, p. 9-10.
Entretanto, o prprio Bastide diria que sua tese se fundamenta numa
longa observao etnogrfica de vrios anos. Roger Bastide. As Religies
Africanas no Brasil, vol. I., p. 42. Pode se configurar aqui uma
diferena entre as concepes de pesquisa do presente e do passado, as
quais implicam em diferentes metodologias, possibilidades de
financiamento e formas de atuao intelectual. Roberto Motta chama a
ateno para algumas destas questes. Motta acentua que Bastide foi um
sistematizador das obras de seus predecessores brasileiros acerca
das religies de origem africana, e o carter secundrio das pesquisas
de campo em sua trajetria intelectual. Entretanto, aponta para as
caractersticas que as pesquisas de campo tomavam na poca.: ...
Bastide, embora executando essa tarefa com uma originalidade em
nada diminuda por seu ecletismo terico, foi, acima de tudo, um
compilador e organizador. Seus trabalhos sobre as religies
afro-brasileiras so essencialmente baseados em dados secundrios,
isto , nos trabalhos de seus predecessores, sobretudo brasileiros.
Mas no podemos tambm subestimar o que recebeu de Pierre Verger,
que, sendo, nesta matria, il gran maestro di color che sanno...
Bastide no chegava a ser o que se chama de um pesquisador de campo.
Ele admite, em O Candombl da Bahia, um total de nove meses de
enqute personnelle, de investigao pessoal, no Brasil cinco dos
quais na Bahia , dispersos, esses nove meses, dentro de um perodo
de sete anos... Ainda por cima, tudo leva a crer que, na linguagem
de Bastide, enqute personnelle tivesse, em primeiro lugar, o
sentido de contactos com outros estudiosos, residentes nos lugares
que visitava. No precisamos ter preconceitos. Franz Boas, muitas
vezes considerado como prottipo do field worker no teria dedicado
muito mais tempo do que Bastide ao trabalho de campo, enquanto
outros, conhecidos por suas muitas viagens e pelo que sobre elas
escreveram, no teriam ido muito alm dos gestos e das palavras.
Roberto Motta. Memria, Rito Nag e Terreiros Bantos: Roger Bastide e
alguns de seus predecessores no estudo do candombl. In: Roberto
Motta (org.). Roger Bastide Hoje: raa, religio, saudade e
literatura, p. 317-318. Outra verso do artigo encontra-se em
Roberto Motta. Lapport brsilien dans loeuvre de Roger Bastide sur
le Candombl de Bahia. In: Philippe Laburthe-Tolra (dir.). Roger
Bastide ou Le Rjouissement de LAbme, p. 169-178. 14 Em dois artigos
de 1946, Bastide defende a poesia como mtodo a ser utilizado pela
sociologia, idia que ecoa at seus ltimos trabalhos. Entre as idias
presentes nos textos, h a indicao da necessidade da leitura de
romances para o trabalho sociolgico, em especial os que nos prope
mtodos de trabalho, habituam-nos a certas maneiras em geral por ns
pouco utilizadas para pensar o social; o uso da intuio potica,
atravs da qual o socilogo se colocaria dentro da experincia social,
vivendo-a como seus agentes, no totalmente, ... mas nos aproximando
deles pelo menos por um esforo de simpatia, por uma espcie de
naturalidade instintiva. Trata-se de uma transfuso da alma...
preciso, ... transcender nossa personalidade para aderir alma que
est ligada ao fato a ser estudado. Segundo Bastide, a expresso
potica seria mais apropriada que qualquer outra forma para forar o
leitor a viver na experincia comunitria, juntando assim
16de conotaes sexuais,15 e o seu afastamento de manifestaes
psicopatolgicas. As descries e imagens elaboradas pelo autor,
embora permeadas por uma narrativa literria, so feitas no terreno
da sociologia acadmica, local de legitimao cientfica. O autor
mostra sua originalidade, tambm, ao tratar das questes presentes na
obra de Freyre, como a da africanizao do branco e da desafricanizao
do negro, a partir da perspectiva das civilizaes africanas, a outra
extremidade da luneta.16 A anlise de tais processos tomar dimenses
novas no cenrio das Cincias Sociais do Brasil, a partir do estudo
das religies afro-brasileiras, que ser visto atravs de conceitos e
teorias que tomam tons prprios na anlise do socilogo francs. A
conexo estabelecida com os candombls, os informantes privilegiados
a que teve acesso17 do o tom de uma obra diferenciada no conjunto
brasileiro. Seus contatos com mes e pais-de-santo, com fiis, sua
participao em alguns rituais e a ligao afetiva profunda com o
candombl nag imprimem uma reverncia e respeito pelo objeto de
pesquisa que j lhe valeram crticas da compreenso lgica, que alcana
a sua inteligncia, um sentimento direto, uma compreenso mais ntima,
e isto porque no h sociedade sem representaes coletivas, sem um
certo paideuma, uma certa configurao espiritual e no sei no s como
me aproximar disso, como tambm express-la sem recorrer a alguma
coisa que se parece com a poesia. Roger Bastide. A propsito da
poesia como mtodo sociolgico In: Dirio de S. Paulo, 8 e 22/02/1946.
Republicados em Roger Bastide. Roger Bastide: Sociologia. (Org.:
Maria I. P. Queiroz). So Paulo, tica, 1983, p. 82-6. 15 Este
afastamento do transe quanto s conotaes sexuais (que realizada
atravs da descrio, por parte do autor, do controle ou da nfase na
inexistncia da sexualidade), ou, como diria Peter Fry, esse
erotismo dirigido (Peter Fry, Gallus Africanus est, ou, como Roger
Bastide se tornou africano no Brasil In: Olga de Moraes von Simson
(org.), Revisitando a terra de contrastes: a atualidade da obra de
Roger Bastide. So Paulo, FFLCH/CERU, 1986, p. 31-32), tpica na obra
de Bastide e funciona como contraposio s descries de vrios
escritores e estudiosos brasileiros. Estes enfatizariam a
sensualidade das mulheres negras e mulatas durante o transe, por
exemplo (ver as citaes de descries, feitas por diversos autores,
sobre o candombl, em Arthur Ramos. O Negro Brasileiro, etnografia
religiosa e psicanlise. Recife, Fundao Joaquim Nabuco/Ed.
Massangana, 1988. [2. Ed. 1940], p. 150-7). De certa forma, pode-se
dizer que Bastide tambm inventa outras imagens sobre o candombl, ao
enfatizar o controle ou a inexistncia da sexualidade. Ver, por
exemplo, Roger Bastide. O Candombl da Bahia, p. 188-189. 16 Roger
Bastide. As religies africanas no Brasil, vol. I, p. 103. Cf.
Ricardo Benzaquen de Arajo. Guerra e Paz: Casa-Grande & Senzala
e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro, Ed. 34,
1994; Elide Rugai Bastos. As criaturas de Prometeu: Gilberto Freyre
e a formao da sociedade brasileira. So Paulo, Global, 2006. 17
Reginaldo Prandi. Os Candombls de So Paulo: a velha magia na
metrpole nova. So Paulo, Hucitec/ EDUSP, 1991, p.16; Angela Lhning.
Introduo. In: Pierre Verger. Verger-Bastide: dimenses de uma
amizade, p. 9-10, 17-9.
17antropologia e da sociologia da religio no Brasil. Branco,
estrangeiro, protestante, ele percorreu a experincia intelectual de
identificao e mergulho no objeto de pesquisa. Mas esta experincia
do africanus sum (sou africano) de Bastide, e da entrada no
universo dos candombls e de babalas e ialorixs impossvel de ser
repetida, nos mesmos termos ditados por aquele tempo, pelos
antroplogos e socilogos atuais18 gerou anlises e imagens que fazem
eco at hoje na crtica das Cincias Sociais e na perpetuao de algumas
imagens do candombl e de outras vertentes religiosas de origem
africana. Todos estes elementos e a configurao da produo
intelectual de Bastide, elaborada na Frana e no Brasil, e pontuada
por temas e teorias diversos, torna difcil uma viso de conjunto de
seu pensamento. Qualquer recorte do objeto sempre ser uma escolha
que excluir muitos temas, dilogos e argumentos. A isso, somam-se
outros problemas: limitado o acesso parte de seus escritos menos
conhecidos, em geral, publicados na imprensa diria de So Paulo, Rio
de Janeiro e Salvador, os quais mostram as mais variadas temticas o
negro, religies, democracia, a II Guerra Mundial, literatura,
poesia, arte, folclore, sociologia, etc. assim como as formas
seminais de algumas de suas principais reflexes acerca do tema do
negro brasileiro. Bastide e outros autores so citados em alguns
trabalhos recentes sobre as religies de origem africana no Brasil,
mas recebem em vrias anlises um tratamento duplo: so considerados
pioneiros na rea, mas so, em geral, criticados por certas limitaes
e, em parte das vezes, perdem algo de sua historicidade. Como todo
trabalho intelectual, as obras mais recentes assim como as obras
dos autores os quais comentam respondem a necessidades 18 Sobre a
pesquisa participante ver: James Clifford. Sobre a autoridade
etnogrfica. In: ____. A experincia etnogrfica: antropologia e
literatura no sculo XX. 2. edio. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2002, p.
17-62; Vagner Gonalves da Silva. Na encruzilhada, com os
antroplogos. In:
http://www.iser.org.br/publique/media/RS24-2_artigo_vagner_da_silva.pdf
(captado em 12.07.2006); ____. O antroplogo e sua magia: trabalho
de campo e texto etnogrfico nas pesquisas antropolgicas sobre
religies afro-brasileiras. So Paulo, Edusp, 2000.
18contemporneas, e embora representem muitas vezes avanos
analticos importantes, nem sempre estabelecem dilogos sem problemas
com o passado.19 Os textos de Bastide responderam s necessidades e
questionamentos de determinados perodos, e cristalizam facetas de
embates intelectuais, polticos e sociais mais amplos.20 Neste
sentido, no so somente textos sobre religio ou cultura, mas apontam
para a elaborao de discusses mais complexas sobre o preconceito,
relevantes para a poca. Bastide um dos autores que recriam as
imagens e saberes sobre os negros brasileiros, deslocando-os da
categoria de cultura ou de raa inferior para a de criadores de uma
cultura superior e parte essencial da sociedade brasileira. Esse
processo de deslocamento tem um carter especial nestas obras sobre
a religiosidade de origem africana, que merece uma anlise mais
atenta. Redefinir os cultos negros como afro-brasileiros ou os
negros como descendentes de africanos, como fizeram alguns de seus
textos sobre religio, toma no somente a forma da busca de traos de
uma origem cultural, mas tambm a da valorizao sui generis desta
origem. A afirmao do africanus sum (sou africano), 21 o fato de
Bastide participar em alguns momentos de rituais do 19 Parte desta
bibliografia ser comentada adiante, nesta introduo. 20
Paralelamente, cada poca constri mentalmente a sua representao do
passado histrico... Com os materiais de que dispe e por isso, um
elemento de progresso pode insinuar-se no trabalho da histria. Mais
fatos, mais diversos e mais bem controlados: no se pode
negligenciar o lucro Mas nem s os materiais contam. H tambm os
dons, que variam, as qualidades de esprito e os mtodos
intelectuais; h, sobretudo, a curiosidade e os centros de
interesse, to rpidos na transformao e que projetam a ateno dos
homens de uma poca sobre determinados aspectos do passado, deixados
muito tempo na sombra, e que amanh, as trevas, de novo, recobriro.
Lucien Febvre. O Problema da Descrena no sculo XVI: a Religio de
Rabelais. Lisboa, Editorial Incio, 1972, p. 12. 21 Roger Bastide.
As Religies Africanas no Brasil. Vol. I, p. 43-4: ...Somente no
Brasil, por motivos que examinaremos, h uma dissociao entre a
cultura e a raa. Encontram-se, no candombl, espanholas
filhas-de-santo, membros franceses e suos, com ttulos diversos da
hierarquia sacerdotal (no falo, naturalmente, de estrangeiros que
tm ttulos honorficos sem iniciao prvia); basta aceitar de corao a
lei africana; a partir desse momento, no obstante ser-se branco, a
pessoa tomada pelas participaes msticas, pelos tabus, pela
permeabilidade vingana mgica. o que faz com que se possa ser negro
no Brasil sem ser africano e, reciprocamente, ao mesmo tempo,
branco e africano. Posso, por conseguinte, dizer no incio desta
tese, africanus sum [sou africano], na medida em que fui aceito por
uma dessas seitas religiosas, considerado por ela como um irmo na
f, com os mesmos deveres e os mesmos privilgios que os outros do
mesmo grau. A experincia que daremos ser uma experincia vivida.
Esta colocao de Bastide d-se no contexto de um debate com Guerreiro
Ramos, o qual indicava a necessidade de se partir da experincia da
negritude (niger sum [sou negro]) para analisar as
19candombl e a sua escolha por objetos de estudo como o
preconceito contra os negros em So Paulo, ou as religies de origem
africana no Brasil, o tornam parte de uma tendncia intelectual
preocupada com o preconceito, o racismo22 e o etnocentrismo, mas
tambm com as possibilidades de apresentar outras identidades para
os negros. A retomada dos textos do autor tambm oferece pistas
importantes de como os debates intelectuais que tm como temas os
preconceitos e racismos escolheram os negros como objetos
preferenciais e sobre os seus mtodos de embate cientfico e poltico.
Note-se que numa poca de em que se apresentavam manifestaes
preconceituosas e discriminatrias contra judeus, japoneses, alemes
e afro-brasileiros, a maior parte dos intelectuais presentes no
Brasil escolheu uma determinada forma de expresso do preconceito e
uma parte da populao para estudar, em detrimento de outros
contingentes populacionais. Depara-se, portanto, com perodos
distintos de redefinies que marcam a constituio de vrios debates
sobre os negros, que se estendem da dcada de 1930 at 1960. Nesse
perodo presenciam-se mudanas sociais e polticas profundas, tanto no
Brasil como no exterior: o longo governo de Vargas, a II Guerra
Mundial e o Holocausto, e o perodo de industrializao e de
modernizao no pas, os quais indicam entonaes e direes distintas do
discurso intelectual no Brasil. Os problemas da raa e da identidade
nacional tomam caractersticas prprias na dcada de 1930: Gilberto
Freyre surge com a tese da democracia relaes raciais brasileiras e
criticava a vertente estrangeira em nossas Cincias Sociais. Para
maiores detalhes ver: Roger Bastide, Carta Aberta a Guerreiro Ramos
In: Anhembi, So Paulo, vol. 12, no. 36, nov. de 1953, p. 521-8;
Alberto Guerreiro Ramos. Introduo Crtica Sociologia Brasileira. Rio
de Janeiro, Editora UFRJ, 1995. Segundo Mariza Corra essa idia
estaria presente em outros autores brasileiros, como Nina
Rodrigues, mas tomando outra forma. Nina Rodrigues afirmaria que
todas as classes estariam aptas a se tornarem negras na Bahia. Ver
Mariza Corra. As iluses da liberdade: a Escola Nina Rodrigues e a
antropologia no Brasil. 2. Edio revista. Bragana Paulista, Ed. da
Universidade So Francisco, 2001, p.p. 135-6. 22 Para uma anlise dos
conceitos de preconceito de cor, raa, classe e racismo ver: Antonio
Srgio Alfredo Guimares. Preconceito de cor e racismo no Brasil.
Revista de Antropologia. vol. 47 no.1. So Paulo, 2004. (Acessado em
24.08.2006 no endereo:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-7012004000100001&lng=en&nrm=iso).
Segundo o autor, existiriam problemas no uso de noes, como a de
racismo, a qual teria se tornado imprecisa e ampla demais, pois sob
o rtulo de racismo, so tratados objetos to distintos quanto os
sistemas de classificao racial, o preconceito racial ou de cor, as
formas de carisma (para usar o conceito de Elias), que podem ser
observadas em diversas instituies e comunidades, a discriminao
racial nos mais distintos mercados, e as desigualdades raciais e
sua reproduo. Idem.
20social e tnica, Oliveira Vianna tem seu livro Raa e Assimilao
reeditado, ao mesmo tempo em que Arthur Ramos publica as obras de
Nina Rodrigues e suas prprias contribuies. As vrias imagens de
negros que surgem nestas obras tentam responder as questes da
suposta inferioridade da populao brasileira, da mestiagem, da
identidade nacional e sugerem solues variadas. A dcada de 1940
apresenta-se como perodo da definio das Cincias Sociais
brasileiras. Entre outros, os intelectuais da Universidade de So
Paulo e da Escola Livre de Sociologia e Poltica demarcam os limites
de suas disciplinas, estabelecem as metodologias cientficas de
pesquisa e ensino e excluem da rea em formao das Cincias Sociais
outros intelectuais e mtodos.23 O tema da raa aparece freqentemente
nesta produo, agora atravs dos estudos de assimilao e aculturao ou
da crtica ao racismo. Donald Pierson, cuja obra sobre os negros da
Bahia fora publicada inicialmente nos Estados Unidos24 e Emilio
Willems,25 considerado por alguns como um dos pioneiros da
sociologia cientfica no Brasil, representam tal entonao atravs de
revistas, jornais e de sua atuao docente. Arthur Ramos publica uma
srie de trabalhos de sistematizao. Paralelamente, o contexto da II
Guerra Mundial recoloca o problema da discusso racial, do
preconceito ou do racismo. A dcada de 1950, por sua vez, presencia
um perodo de mudanas importantes, como a modernizao, a urbanizao e
a industrializao, com a conseqente proletarizao de vrios segmentos
da sociedade brasileira. A discusso desenvolvimentista surge com
fora. A pesquisa da UNESCO-Anhembi sobre a situao racial brasileira
abre uma vertente que no mais se fechar. 23 Ver Srgio Miceli
(org.). Histria das Cincias Sociais no Brasil. Vol. I e II;
Priscila Nucci. Os intelectuais diante do racismo antinipnico no
Brasil: textos e silncios. Campinas, IFCH-UNICAMP/ Dissertao de
Mestrado, 2000. 24 Donald Pierson. Negroes in Brazil. A study of
race contact at Bahia. Southern Illinois University Press, 1967
[1942]. Publicado no Brasil como ____. Brancos e Pretos na Bahia
(estudo de contato racial). 2. Edio. So Paulo, Cia. Ed. Nacional,
1971 [1. ed. bras.1945]. 25 Emlio Willems tratar, principalmente,
do tema da aculturao alem e japonesa no Brasil. Ver Emlio Willems.
A Aculturao dos Alemes no Brasil: estudo antropolgico dos
imigrantes alemes e seus descendentes no Brasil. So Paulo/Braslia,
Cia. Ed. Nacional/INL, 1980 [1946]; ____. Assimilao e Populaes
Marginais no Brasil: estudo sociolgico dos imigrantes germnicos e
seus descendentes. So Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1940; ____.
Aspectos da Aculturao dos Japoneses no Estado de So Paulo. So
Paulo, FFCL-USP/ Boletim LXXXII - Antropologia no 3, 1948.
21Florestan Fernandes, os intelectuais da USP e do ISEB26
surgem como os intrpretes da sociedade brasileira do momento.27
Bastide participa do processo de formao das Cincias Sociais
brasileiras, ao dialogar com diversas tendncias sociolgicas e
antropolgicas. A partir de sua vinda ao Brasil, desenvolveu uma
srie de pesquisas sobre a populao de origem africana no pas, at
1954, ano em que retornou Frana, e participou do inqurito sobre as
relaes raciais em So Paulo, patrocinado pela UNESCO e publicado em
1955. Durante o perodo de permanncia no pas, tomou contato com as
obras sobre as religies afro-brasileiras e pesquisou o candombl e a
macumba em diversas localidades.28 Neste longo perodo sobressaem a
sua atuao como professor da cadeira de Sociologia na USP, a sua
produo acadmica, vista em livros e peridicos cientficos brasileiros
e estrangeiros, e sua presena constante nos peridicos brasileiros,
como os jornais paulistanos e cariocas, atravs de artigos sobre uma
gama variada de temas arte, poesia, literatura, religio,
sociologia, poltica, guerra, etc. O seu contato com vrios temas,
obras, tendncias e com os intelectuais no Brasil visvel nos seus
textos.29 O recorte espacial da tese incluiu os locais de pesquisa,
produo e circulao da maior parte destas obras: So Paulo, Bahia e
Rio de Janeiro. O recorte cronolgico, por sua vez foi dos anos de
1930 at 1960, perodo heterogneo e de vrias transformaes importantes
no cenrio intelectual e social no Brasil e no mundo. O marco
inicial justifica-se por uma srie de 26 Sobre o ISEB - Instituto
Superior de Estudos Brasileiros - ver: Renato Ortiz. Cultura
brasileira e identidade nacional. 5 ed., So Paulo, Brasiliense,
1994; Alberto Guerreiro Ramos. Mito e verdade da revoluo
brasileira. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1963; Caio Navarro de
Toledo. ISEB: fbrica de ideologias. 2 ed., So Paulo, tica, 1982;
___. Teoria e ideologia na perspectiva do ISEB. In: Reginaldo
Moraes; Ricardo Antunes e Vera B. Ferrante (org.). Inteligncia
brasileira. So Paulo, Brasiliense, 1986, p. 224-56; ___.
Intelectuais do ISEB, esquerda e marxismo. In: Joo Quartim de
Moraes (org.). Histria do marxismo no Brasil. Teorias.
Interpretaes, v.III. Campinas, Unicamp, 1998, p. 245-274. 27 Para
uma anlise do contexto intelectual e cultural paulistano ver: Maria
Arminda do Nascimento Arruda. Metrpole e Cultura, So Paulo no meio
do sculo XX. Bauru, EDUSC, 2001. 28 Lsias Nogueira Negro. Roger
Bastide: do Candombl Umbanda In: Olga de Moraes von Simson (org.),
Revisitando a terra de contrastes: a atualidade da obra de Roger
Bastide, p. 50. 29 Maria Isaura Pereira de Queiroz. Introduo -
Nostalgia do Outro e do Alhures: a obra sociolgica de Roger Bastide
In: Roger Bastide. Roger Bastide: Sociologia, p.13, 18; Claude
Ravelet (org.). Bibliographie de Roger Bastide. Bastidiana,
3:7-110, 1993.
22elementos relacionados, como o momento da vinda dos
intelectuais estrangeiros para a USP e para a ELSP, pela produo ou
reedio e circulao de textos sobre o tema das religies
afro-brasileiras e que positivam a presena negra ou africana no
Brasil. Ao mesmo tempo, a dcada de 1930 representa um momento de
reavivamento de racismos no mundo e no Brasil, seja atravs das
discusses parlamentares, seja atravs da difuso de livros como Raa e
Assimilao de Oliveira Vianna ou de setores racistas do governo
Getlio Vargas, que tomar matizes e desenvolvimentos diferenciados
nas dcadas de 1940 e 1950. A escolha tambm leva em conta a maior
concentrao de textos e artigos de Bastide em tal perodo. O marco
final de 1960 representa um momento em que se avizinham mudanas
estruturais nos estudos sobre o negro brasileiro e acerca do
preconceito, com a ascenso dos estudos da Escola de So Paulo e de
outras vertentes intelectuais. Ocorre uma mudana substancial nas
preocupaes e mtodos das novas abordagens sobre a temtica do negro
brasileiro, com uma nfase na categoria de classe, por parte de
intelectuais como Florestan Fernandes e Luiz Aguiar da Costa Pinto,
por exemplo. Ao mesmo tempo, Roger Bastide escreve suas obras de
maior envergadura sobre as religies afro-brasileiras na dcada de
1960 na Frana, retomando temas e dilogos intelectuais presentes nas
dcadas de 1930 a 1950, no Brasil. 30 Considero a leitura cruzada
dos textos de Roger Bastide sobre preconceito, relaes raciais e
religies afro-brasileiras como central. Entre outros motivos, esta
centralidade devida sua importncia no cenrio intelectual da poca, e
pela tentativa de modificar as imagens da populao de origem
africana para o resto da sociedade, seja atravs da percepo das
manifestaes preconceituosas, seja pela sua anlise sui generis
acerca do candombl, no que destoa de seus pares. Tal leitura
recupera os objetivos e mtodos de Bastide e explicita o fato do
autor ser um foco atravs do qual se recuperam os debates com seus
contemporneos acerca do negro brasileiro e do preconceito no
Brasil, por participar de momentos distintos da institucionalizao
das Cincias Sociais 30 Ver Fernanda Peixoto. Dilogos brasileiros:
uma anlise da obra de Roger Bastide. So Paulo, Ed. da Universidade
de So Paulo, 2000, p. 93-156.
23brasileiras e por fazer de sua obra uma discusso recorrente
com vrios tempos e temas. Em Bastide, esse processo intelectual
representa uma forma de sistematizao recursiva, uma forma de
guardar em seus textos camadas de significaes e de debates que se
reatualizam a cada vez que se colocam.31 Diante da crtica A
listagem de autores que citam Bastide bastante extensa, e inclui
vertentes muito diferenciadas. 32 Pode-se dizer que h uma gama
variada de contribuies sobre o autor e sua obra, nas reas de
pensamento social, antropologia e sociologia da religio, o que
mostra a pluralidade de temas existente na obra do socilogo francs,
e um interesse, que sempre esteve presente no cenrio das Cincias
Sociais. O que varia com o tempo, a insero e a leitura da obra do
autor. Se at a dcada de 1950 Bastide era um grande referencial para
a Sociologia brasileira, nas dcadas seguintes ser um contraponto
central, principalmente para a Antropologia, embora a Sociologia
nunca tenha perdido de vista o autor, e a importncia de sua produo
relacionada ao tema das relaes raciais. H um interesse pelo estudo
de sua obra, mais 31 Um exemplo dessa recursividade dado por
Fernanda Peixoto: ... possvel dizer que Gilberto Freyre, sobretudo
a sua obra dos anos 30, est presente explcita e implicitamente
durante toda a primeira parte do estudo de Roger Bastide sobre as
religies africanas no Brasil. Bastide constri a sua explicao no
primeiro volume por meio de um dilogo cerrado com Casa grande &
senzala (1933) e Sobrados e mucambos (1936), e no geral, endossa
trinta anos depois o amplo painel da sociedade brasileira pintado
pelo socilogo pernambucano. Idem, p. 136. 32 Entre os autores que
comentaram a produo de Bastide pode-se citar Maria Isaura Pereira
de Queiroz, Charles Beylier, Claude Ravelet, Henri Desroche,
Franoise Morin, Roberto Motta, Fernanda Aras Peixoto, Maria Lcia S.
Braga, Astrid Reuter, Yvonne Maggie Alves Velho, Renato Ortiz,
Peter Fry, Marco Aurlio Luz, Paula Montero, Mariza Corra, Beatriz
Gis Dantas, Patrcia Birman, Liana Trindade, Gisele Binon-Cossard,
Marcio Goldman, Lsias Nogueira Negro, Reginaldo Prandi, Vagner
Gonalves da Silva e Maria Jos de Campos, entre outros. Ver, tambm:
Roberto Motta (org.). Roger Bastide Hoje: raa, religio, saudade e
literatura. Recife, Bagao, 2005; Lilia M. Schwarcz. Questo racial e
etnicidade In: Srgio Miceli (org.), O que ler na Cincia Social
Brasileira (19701995). Vol. I Antropologia. So Paulo, Ed. Sumar,
ANPOCS, CAPES, 1999, p. 265-325; Paula Montero, Religies e dilemas
da sociedade brasileira In: MICELI, Srgio (org.), O que ler na
Cincia Social Brasileira (19701995). Vol. I Antropologia. So Paulo,
Ed. Sumar, ANPOCS, CAPES, 1999, p.327-367.
24recentemente, tanto na Frana como no Brasil, mas algo que se
sobressai no conjunto de comentadores a crtica a uma parte de sua
produo, a referente s religies de origem africana, a qual mobiliza
um grande conjunto de autores. Segundo Maria Lcia de Santana Braga
a obra de Bastide poderia ser vista atravs de algumas fases de
maior ou menor visibilidade no Brasil. A fase de esquecimento ou
menor visibilidade estaria localizada entre os anos posteriores sua
sada do pas (1954) e a redescoberta do autor por um grupo
intelectual franco-brasileiro interessado em recuperar e analisar
sua obra, na dcada de 1990.33 Acredito que, se Bastide se torna uma
figura mais ou menos marginalizada aps a sua sada do pas, essa
marginalizao no implica em esquecimento de sua obra. Os estudos
elaborados por antroplogos e socilogos preocupados em estudar
manifestaes religiosas como os candombls e a umbanda nunca deixaram
de ter parte da obra de Bastide como contraponto obrigatrio s suas
anlises, assim como alguns estudos preocupados com o tema das
relaes raciais. Essa resistncia ao silncio representada por esses
estudos ps-1970 sintomtica, mesmo que por vezes represente uma
manuteno de dilogos com partes desconexas da obra do autor. Bastide
e os estudiosos das religies de origem africana no Brasil, 34
Arthur Ramos, dison Carneiro, Ruth Landes, Donald Pierson so
citados nessas obras. A produo que se desenvolveu desde a dcada de
1970 variada e apresenta diferenas substanciais quanto aos mtodos,
objetos e abordagens. Alguns dos autores inscritos no campo da
antropologia e da sociologia da religio rompem com os paradigmas de
pesquisa anteriores e estabelecem outros temas 33 Maria Lcia de
Santana Braga. Entre o esquecimento e a consagrao: o estilo Roger
Bastide nas Cincias Sociais, p. 179-204. 34 Estes autores foram
denominados, muitas vezes, com o termo africanistas. Entretanto, o
termo exige algumas ressalvas, e no ser utilizado. Deve-se notar
que o termo referia-se, originalmente, aos estudiosos que faziam
pesquisas na frica, sendo apropriado como denominao por alguns
intelectuais brasileiros. James Clifford nota que, no contexto
francs, as primeiras trs dcadas do sculo, a frica negra estava se
tornando o centro das atenes, separada do Maghreb oriental. Por
volta de 1931, quando o Journal de la Socit des Africanistes foi
fundado, tornara-se possvel falar de um campo chamado africanismo
(modelado a partir de uma disciplina mais antiga e sinttica, o
orientalismo). A moda da art ngre e da msica negra contribuiu para
a formao de um objeto cultural, uma civilisation sobre a qual
declaraes sintticas podiam ser feitas. James Clifford, Poder e
dilogo na etnografia: a iniciao de Marcel Griaule. In: ____. A
experincia etnogrfica. Antropologia e Literatura no sculo XX. Rio
de Janeiro, Ed. da UFRJ, 2002, p. 179-226.
25preferenciais, como a umbanda e a macumba, ao invs do
candombl;35 em alguns casos escolhem como tema o conflito,
invertendo o antigo modelo das 35 As denominaes religiosas
afro-brasileiras so bastante variadas regionalmente (candombl nag,
ketu, jeje, angola, de caboclo, xang, tambor-de-mina, batuque,
macumba, umbanda, espiritismo de umbanda, etc.) e receberam anlises
diversas desde o trabalho de 1900, de Nina Rodrigues.
Esquematicamente, pode-se localizar um interesse macio no estudo do
chamado candombl nag, iorub ou ketu, localizado em Salvador, entre
1900-1960. Nessas dcadas se desenvolvem os trabalhos de Roger
Bastide, Arthur Ramos, dison Carneiro, Ruth Landes e outros
autores. Outras formas de religiosidade afro-brasileira, como o
candombl banto (ou angola), a macumba e a umbanda recebem ateno
marginal nesses trabalhos, sendo consideradas, em certos casos,
como formas corrompidas do candombl nag, eleito como exemplar da
continuidade da tradio iorub, oriunda da frica (Nigria e Benin). A
dcada de 1970 marca a ascenso de novas anlises das Cincias Sociais
acerca das religies de origem ou influncia africana, com uma nfase
nas formas marginalizadas pelos estudos anteriores, como a macumba
e a umbanda, o que ser visto adiante. A seguir, indico de forma
esquemtica para os leitores menos familiarizados com essa
terminologia, os significados de alguns termos que se repetem ao
longo da tese. Candombl nag: religio que cultua divindades chamadas
de orixs, que seriam incorporados pelos iniciados em transe. A tais
entidades seriam atribudas vestes rituais, danas e cantos
especficos, os quais seriam visveis em cerimnias pblicas e
privadas. Por meio da leitura de um jogo divinatrio (jogo de bzios,
que consiste na combinao das formas de cada de 16 bzios), a
sacerdotisa ou o sacerdote (me ou pai-de-santo) indica os orixs que
regem a vida de determinada pessoa e as obrigaes rituais que devem
ser obedecidas. H uma hierarquia interna nos candombls, e funes
especializadas para cada um de seus membros, que dependem de
fatores diversos, como a capacidade de entrar em transe mstico, da
senioridade na casa de culto, dos conhecimentos adquiridos, etc. No
entrarei na definio das diferenas entre as naes de candombl, como a
jeje-nag e angola, pois isso extrapola os objetivos dessa tese.
Entretanto, deve-se notar que o termo nao, nesse contexto, expressa
uma modalidade de rito em que, apesar dos sincretismos, perdas e
adoes que se deram no Brasil, e mesmo na frica, de onde procediam
os negros, um tronco lingstico e elementos culturais de alguma
etnia vieram a prevalecer (Reginaldo Prandi. Os candombls de So
Paulo, p. 16). Umbanda: religio resultante do sincretismo de
elementos de cultos afro-brasileiros, indgenas, catlicos e
espritas. As correntes de umbanda variam conforme sua aproximao
maior ou menor com o espiritismo kardecista e com o candombl. um
culto de possesso, no qual os praticantes (mdiuns) podem entrar em
transe e incorporar uma srie de entidades (orixs, caboclos
(espritos de ndios), preto-velhos (espritos de escravos), baianos,
ciganos, pomba-giras, exus, etc.) que vem para aconselhar e ajudar
os fiis a resolverem seus problemas. Existem sete linhas chefiadas
por orixs e subdivididas em falanges. As cerimnias so realizadas
semanalmente, em terreiros ou outros locais, e as incorporaes
seguem uma estrita codificao corporal, gestual e verbal, muitas
vezes realada por roupas caractersticas, objetos, comidas, bebidas,
tabaco, etc. Sua presena [das entidades] na terra no tem por
finalidade, como no Candombl, oferecer-se aos homens como objeto de
culto, mas trabalhar a seu favor, ajudar a resolver seus males e,
cumprindo essa misso, elevar-se espiritualmente at chegar a um grau
em que j no precisem incorporar . (Fernando G. Brumana e Elda G.
Martinez. Marginlia Sagrada. Campinas, Ed. da Unicamp, 1991, p.
62-3). Para uma reflexo mais detida sobre o assunto ver, tambm:
Roberto Motta. Roger Bastide e as hesitaes da modernidade. In:
Roberto Motta (org.). Roger Bastide Hoje: raa, religio, saudade e
literatura, p. 147-176; ____. La Gestion Sociologique du Religieux:
la formation de la thologie afro-bresilienne. In: MOST,Journal on
Multicultural Societies, Paris, v. 1, n. 2, 1999; ____. Ethnicit,
Nationalit et Syncrtisme dans les Religions Populaires Brsiliennes.
Social Compass, Londres, v. 41, n. 1, p. 67-78, 1994; ____.
Catimbs, Xangs e Umbandas na Regio do Recife. In: Roberto Motta
(org.) Os Afro-Brasileiros. (Anais do III Congresso
Afro-Brasileiro).Recife, Massangana, 1985, p. 109-123.
26relaes harmoniosas da religio negra, ou mostram atravs de
suas pesquisas as novas funes tomadas pelo candombl ou a umbanda em
nossa sociedade.36 Segundo Paula Montero, a literatura acerca das
religies de origem africana ainda seria marcada por um debate
recorrente acerca do sincretismo: A acepo bastidiana de
sincretismo, embora tenha sido sistematicamente criticada em
trabalhos recentes, estabeleceu um esquema interpretativo das
religies afras que ainda no foi inteiramente superado. Pode-se
perceber que grande parte da literatura sobre as religies
afro-brasileiras est at Macumba: Atualmente referida como
Quimbanda, segundo Lsias N. Negro (Entre a cruz e a encruzilhada.
So Paulo, Edusp, 1996, p. 29), tambm chamada de umbanda de linha
negra. Segundo Brumana e Martnez (1991) o termo macumba tem vrios
significados: o de sistema religioso: o culto umbandista em geral;
mais amplamente, o conjunto das religies de possesso; de forma
intermediria, somente a Umbanda e o Candombl... De qualquer modo,
bastante freqente que os umbandistas falem entre eles de seu culto
como macumba, embora tambm possa ser usado por muitos deles
justamente como o que eles no fazem: como sinnimo de feitiaria, de
trabalhos de esquerda, de quimbanda, o extremo maligno que a
Umbanda em sua pretenso de legitimao social pretende segregar de
si. (Fernando G. Brumana e Elda G. Martinez. Marginlia Sagrada.
Campinas, Ed. da Unicamp, 1991, p. 345-6). um culto em que se
sincretizam elementos africanos, indgenas, espritas e catlicos. O
seu culto caracteriza-se pela utilizao de prticas mgicas cujo
objetivo prejudicar outras pessoas, atravs da manipulao de
entidades consideradas como espritos inferiores (exus, pomba-giras,
etc.). (Grande Enciclopdia Larousse Cultural. Nova Cultural, 1998,
verbete quimbanda, vol. 20, p. 4872). Ver tambm: Roger Bastide. A
macumba paulista (1946). In: ____. Estudos afro-brasileiros. So
Paulo, Perspectiva, 1983, p. 193-247. 36 Entretanto, deve-se notar
que as concepes de Bastide acerca da umbanda modificam-se ao final
de sua vida. Isso foi evidenciado por Renato Ortiz em A morte
branca do feiticeiro negro (1999 [1978]) que a publicao de sua tese
de doutorado, orientada por Roger Bastide na cole des Hautes tudes
en Sciences Sociales, e defendida em 1975. Ortiz escreve:
...divergimos da anlise feita por Roger Bastide em seu livro As
religies africanas no Brasil, onde ele considera a Umbanda como uma
religio negra, resultante da integrao do homem de cor na sociedade
brasileira. necessrio porm assinalar que o pensamento de Roger
Bastide havia consideravelmente evoludo nestes ltimos anos. J em
1972 ele insiste sobre o carter nacional da Umbanda, comparando-a a
outras experincias religiosas que tentaram, sua maneira, formar um
catolicismo brasileiro... Entretanto, depois de sua ltima viagem ao
Brasil, seu julgamento torna-se mais claro; opondo Umbanda, macumba
e candombl, ele dir: o candombl e a macumba so considerados e se
consideram como religies africanas. J o espiritismo de Umbanda se
considera uma religio nacional do Brasil. A grande maioria dos
chefes das tendas so mulatos ou brancos de classe mdia, tendo
portanto uma cultura branca e uma mentalidade mais luso-brasileira
do que afro-brasileira. Eles leram desde os textos esotricos de
Annie Besant, espritas de Allan Kardec, at os livros de antroplogos
e africanistas. Isto vai lhes permitir passar de um sincretismo
espontneo a um sincretismo refletido, e tentar uma sntese coerente
das diversas religies que se afrontam no Brasil. O carter de sntese
e de brasilidade da Umbanda desta forma confirmado e reforado.
Renato Ortiz. A morte branca do feiticeiro negro: Umbanda e
sociedade brasileira. So Paulo, Brasiliense, 1999, p. 17. Os textos
de Bastide, aos quais o autor faz meno so: Roger Bastide. LUmbanda
en revision. In: Archives des Sciences Sociales des Religions, no.
49, 1975 (h uma verso publicada em Recueil d'tudes offertes J.
Lambert (coll), Cujas, 1974, p. 45-52); ____. La rencontre des
dieux et des esprits indiens. In: Archives de Sciences Sociales des
Religions, n 38, 1974, p. 19-28. (reeditado em Afro-Asia, Bahia, n
12, 1976, p. 31-45).
27hoje presa a um debate que chamado a sopesar os vcios e as
virtudes do sincretismo. Censurou-se nas anlises de Bastide, de
inspirao durkheimiana, sua incompreenso de cultos mais
abrasileirados, como a umbanda, que foram tratados como degradao da
pureza africana ... A valorizao positiva dos africanismos no Brasil
deixara pouca margem para os intrpretes da cultura brasileira: do
ponto de vista poltico, a nfase africanista ensejava pensar a
cultura africana, e os terreiros, como forma de resistncia cujo
instrumento ltimo seria o isolamento e enquistamento do negro; do
ponto de vista sociolgico, se a industrializao e a urbanizao
representavam a excluso social das camadas negras, a adaptao aos
valores da modernizao representaria uma renncia cultural sem
retorno. Procurando superar o ardil sobre o qual se construa essa
dupla equao (arcasmo: resistncia/ enquistamento::
modernizao:degradao/ integrao), os estudos sobre a umbanda foram
buscar em Weber o antdoto contra Durkheim. 37 A obra do socilogo
francs recebeu uma ateno diferenciada nas obras de Maria Isaura
Pereira de Queiroz, Fernanda Peixoto, Maria Lcia de Santana Braga e
outros autores,38 sendo analisada atravs de questes que visavam
alcanar anlises mais detalhadas e profundas das suas contribuies e
da sua atuao. Alm destes trabalhos mais especficos, nota-se a
existncia de uma presena constante de reflexes sobre Bastide na
produo acerca das religies afro-brasileiras. Embora o autor seja
citado em muitas obras pela sua participao no projeto da UNESCO, o
que sobressai nas dcadas de 1970-90 uma nfase em sua produo sobre
as religies africanas. A antropologia e a sociologia da religio
mantm um dilogo vivo com a obra do autor francs, atravs de questes
37 Paula Montero. Religies e dilemas da sociedade brasileira,
p.345-6. 38 Para outras contribuies ver: revista Bastidiana
(cahiers d tudes Bastidiennes) - 1993 -2005; Charles Beylier. L
oeuvre brsilienne de Roger Bastide. Paris, cole des Hautes tudes en
Sciences Sociales de Paris, 2 Tomes / Thse de Doctorat de 3e Cycle,
1977 ; Roberto Motta (org.). Roger Bastide Hoje: raa, religio,
saudade e literatura. Recife, Bagao, 2005; Philippe Laburthe-Tolra
(dir.). Roger Bastide ou Le Rjouissement de LAbme: chos du colloque
Cerisy-la-Salle du 7 au 14 septembre 1992. Paris, dtions
LHarmattan, 1994; Claude Ravelet. (direction). tudes sur Roger
Bastide de l acculturation la psychiatrie sociale. Paris, L
Harmattan, 1996; ____. Phnomnologie du sacr: essai sur l
Anthropologie interculturelle de Roger Bastide. Thse de 3e Cycle.
Paris, (mimeo), 1978. Um mapeamento da importncia do Centre dtudes
Bastidiennes e da Revista Bastidiana realizado por Maria Lcia de
Santana Braga. Ver: Maria Lcia de Santana Braga. Entre o
esquecimento e a consagrao: o estilo Roger Bastide nas Cincias
Sociais. Braslia, Tese - Sociologia, 2002; ____. Roger Bastide:
morte e ressurreio de um paradigma. In: Roberto Motta (org.). Roger
Bastide Hoje: raa, religio, saudade e literatura, p. 80-88.
28essenciais para se compreender algumas das vises e
classificaes sobre sua obra.39 Yvonne Maggie Alves Velho, em seu
livro pioneiro Guerra de Orix comenta que se sentiu impressionada
pela continuidade de certos temas na rea de estudo das religies
afro-brasileiras, assim como dos problemas e interpretaes.
Relaciona estas continuidades s determinaes ideolgicas, o que a
levaria a fazer uma crtica da ideologia subjacente s afirmaes dos
autores... para tentar colocar novas perguntas que levassem a
respostas novas 40. Segundo Fernanda Peixoto, esse estudo de caso
indicaria o rompimento com os estudos anteriores, na medida em que
eles evitariam uma anlise apurada do sincretismo, optando pela
busca da origem dos traos culturais.41 Yvonne Maggie faz parte de
uma vertente de estudos sobre as religies de origem africana no
Brasil, a qual tambm inclui Peter Fry e Patricia Birman, que rompe
com a nfase na pureza nag, e influencia o desenvolvimento de
estudos posteriores, que aprofundam algumas de suas reflexes, como
os de Beatriz Gis Dantas.42 Uma das crticas de Yvonne Maggie incide
no fato das chamadas religies afro-brasileiras serem vistas como
fenmeno de sincretismo religioso, seja de 39 Para outros comentrios
feitos a parte desta produo intelectual ver: Fernanda Peixoto.
Dilogos Brasileiros, p. 124-127; Maria Lcia de Santana Braga.
Candombl et modernit. Roger Bastide: points et contrepoints.
Bastidiana, no. 45-46, janvier-Juin 2004, p. 223-241. 40 Yvonne
Maggie Alves Velho. Guerra de Orix: um estudo de ritual e conflito.
2a ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1977 [1975], p. 11. 41
Fernanda Peixoto. Dilogos Brasileiros, p. 124. 42 Beatriz Gis
Dantas. Vov Nag e Papai Branco, p. 21-2. Para outros trabalhos
relevantes sobre a umbanda e a macumba ver: Cndido Procpio Ferreira
de Camargo. Kardecismo e umbanda: uma interpretao sociolgica. So
Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1961; Marco Aurlio Luz e Georges
Lapassade. O segredo da macumba. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972;
Renato Ortiz. A morte branca do feiticeiro negro. Petrpolis, Vozes,
1978; Paula Montero. Da