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OFICINA DA PESQUISA Prof. Msc. Carlos José Giudice dos Santos [email protected] www.oficinadapesquisa.com.br APOSTILA 1 ENGENHARIA E PROFISSÃO Belo Horizonte 2015

OFICINA DA PESQUISA · fermentação de sucos vegetais, curtição de peles, tingimento e vitrificação. Existe a possibilidade de ... Uchchaihshravas (Relincho Alto); a pérola

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OFICINA DA PESQUISA

Prof. Msc. Carlos José Giudice dos Santos

[email protected]

www.oficinadapesquisa.com.br

APOSTILA 1

ENGENHARIA E PROFISSÃO

Belo Horizonte

2015

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Introdução à engenharia [1]

Olhe o mundo à sua volta. Se você estiver em uma áreaurbana, provavelmente você estará vendo ruas, casas,edifícios, construções diversas e veículos. Se fornoite, você verá iluminação das vias públicas.

Entre agora em alguma construção (residência, loja,escola, fábrica, etc). Continue a olhar. Provavelmentevocê perceberá a existência de um mobiliário (móveis)e equipamentos elétricos ou eletrônicos.

Vamos fazer agora um exercício de pensamento. O quetudo isso que você viu tem em comum? Váriasrespostas são possíveis. Proponho duas respostas:

•Todas estas coisas foram feitas pelo homem;

•Todas estas coisas, antes de existirem no mundoreal, existiram como um pensamento na cabeça dealguém. Para que estes pensamentos virassemrealidade, muito provavelmente foi necessária aparticipação de uma ou mais técnicas de engenharia.

Assim, uma simples caneta esferográfica que vocêesteja usando é resultado de diversas técnicas, porexemplo:

• As partes feitas de plástico são resultado dosesforços de engenheiros de petróleo (extração) eengenheiros químicos (refino);

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Introdução à engenharia [2]

• A tinta da caneta é feita de pigmentos e solvente,que são geralmente derivados do petróleo;

• A esfera de metal é geralmente feita detungstênio, o que resulta em esforços deengenheiros de minas (extração) e engenheirosmetalúrgicos (processos para se chegar ao metalem um determinado grau de pureza);

• As canetas são produzidas em fábricas, o que vaiexigir um planejamento elaborado por engenheirosde produção;

• Fábricas devem ser construídas, o que exigetécnicas de engenharia civil;

• Fábricas gastam energia, o que envolve aparticipação de engenheiros eletricistas;

• As máquinas que produzem são resultado dosesforços de engenheiros mecânicos, eletrônicos ede automação;

• Para a caneta chegar à sua mão, ela foitransportada por máquinas, projetadas econstruídas por engenheiros mecânicos.

Deu para perceber, neste simples exercício depensamento, qual é a importância da engenharia para omundo atual?

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Áreas do Conhecimento [1]Se você for visitar uma aldeia de índios no meio damata e perguntar para uma criança indígena de seisanos o que é uma árvore, provavelmente essa criançavai lhe falar nomes de mais de trinta tipos de árvoresdiferentes, mostrando e diferenciando cada umadelas. Além disso, vai especificar a utilidade que essasárvores possuem para a sua comunidade. Se essamesma pergunta for feita a uma criança urbana, umaresposta possível será um desenho básico com raiz,caule, folhas e frutos, especificando que se trata deum ser vivo pertencente ao reino dos vegetais.O que se percebe na situação descrita anteriormenteé que estamos diante de dois tipos diferentes deconhecimento: o primeiro, eminentemente prático,diretamente relacionado à sobrevivência, passado degeração em geração pela tradição oral; o segundo,teórico, sistematizado, com o objetivo de informar,passado por intermédio de livros, revistas,documentários de televisão e até mesmo umprofessor, quando a criança consegue prestar atenção.A partir dessa situação, coloco um desafio ao leitor:qual dos dois tipos de conhecimento pode serconsiderado melhor?A pergunta anterior é muito interessante para umfórum de discussão. Antes que o caro leitor sinta-setentado a respondê-la, devemos ter em mente quetodo e qualquer conhecimento é válido.

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Áreas do Conhecimento [2]Para ilustrar a importância de todo e qualquer tipo deconhecimento, vejamos o exemplo a seguir:Um raizeiro (pessoa que vende raízes de plantas)possui um conhecimento prático de ervas que pode sermuito útil. O chá de camomila como relaxante, o cháde boldo para problemas de fígado e o chá de erva-baleeira como anti-inflamatório são alguns exemplosque demonstram a utilidade prática desse tipo deconhecimento informal. Invariavelmente, muitos dosprincípios ativos pesquisados nessas plantasmedicinais acabam virando fármacos (remédios)avalizados pela medicina (conhecimento formal).Ao longo da história da humanidade, iremos distinguirquatro tipos ou quatro grandes áreas doconhecimento: o conhecimento popular ou sensocomum, o conhecimento religioso, o conhecimentofilosófico e o conhecimento científico. Veremostambém que não existe um conhecimento que sejamelhor do que outro; eles são diferentes, comcaracterísticas próprias e cada um deles, dentro deseu escopo, possui o mesmo objetivo: responder àsnossas perguntas.Entretanto, podemos falar de uma área doconhecimento mais adequada à resolução dedeterminadas dúvidas. Neste sentido, o conhecimentocientífico é o mais importante para a engenharia.

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Conhecimento Popular ou Senso Comum [1]É um conhecimento que existe desde a época doshomens das cavernas. É um conhecimento passado degeração em geração, e que, de certa forma, deuorigem a todos os outros tipos de conhecimento. Agrande maioria dos fatos do nosso cotidiano atualtiveram origem no senso comum, e muitas vezes, pormero acaso.A descoberta do fogo, por exemplo, foi um dosmaiores saltos tecnológicos experimentados peloshomens daquela época. O homem deve ter conhecido ofogo por acaso, mas a partir do momento que dominoua arte fazer o fogo, passou a ter, pela primeira vez,uma possibilidade de dominar a natureza. Chassot(2004) acredita que a cocção de alimentos foi umaprovável consequência da descoberta do fogo.Cozinhar alimentos exigiu a utilização de utensíliosimpermeáveis e resistentes ao fogo (cerâmicas). Apartir dessa necessidade, foram surgindo outrasutilizações, que levaram aos processos defermentação de sucos vegetais, curtição de peles,tingimento e vitrificação. Existe a possibilidade deque até mesmo a metalurgia tenha surgido por puroacaso:

Por volta de 4000 a.C., o homem usava metais.Inicialmente usava o ouro e o cobre apenas no fabrico deobjetos de adorno, por serem esses metais encontradoslivres na natureza. (continua...)

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Conhecimento Popular ou Senso Comum [2]A disponibilidade de cobre aumentou muito quando foidescoberto que se podia obtê-lo, sem muita dificuldade,a partir do aquecimento de pedras azuladas. Foi talvezum acontecimento acidental que deu origem à metalurgia,quando humanos surpreenderam-se ao ver bolasbrilhantes de cobre, quando faziam fogo em um terrenoonde havia malaquita ou azurita (minérios de cobre)(CHASSOT, 2004, p. 18).

A época certa de se semear e colher determinadostipos de cereais é também um exemplo deconhecimento muito antigo, que foi passado degeração em geração. Muitos camponeses de nossosdias, mesmo iletrados e desprovidos de outrosconhecimentos, sabem o momento certo da semeadura,a época da colheita, a necessidade da utilização deadubos e os tipos de solos adequados para diferentesculturas (MARCONI e LAKATOS, 2008).Todos esses conhecimentos, quando devidamentecomprovados, foram sistematizados e apropriadospela ciência. Entretanto, existem certas práticasderivadas do conhecimento popular que forampassadas de geração em geração, mas que não possuemrespaldo científico. Por exemplo, as superstições: nãocomer mangas à noite e nem mistura-las com leite; nãodeixar o noivo ver sua amada vestida de noiva antes docasamento; não passar debaixo de escadas; colocaruma vassoura virada atrás da porta para espantar umavisita chata etc.

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Conhecimento Popular ou Senso Comum [3]Os ditos populares, expressões do conhecimentopopular, não ferem a credibilidade do senso comum,pois não é imputado a esse tipo de conhecimento aobrigatoriedade de se verificar a sua validade demaneira sistematizada.Devemos lembrar que uma dona de casa, ao fazercompras, escolhe produtos analisando qualidade epreço, no intuito de atender às suas expectativas decusto-benefício. Ela escolhe as frutas e verduras daestação, abundantes e portanto, mais baratas, emdetrimento de frutas e verduras de fora da estação,escassas e, por conseguinte, mais caras. O cardápiosemanal é montado de maneira balanceada, utilizandouma ginástica mental de tal modo que ela possacumprir com o seu objetivo de alimentar a família semexceder o orçamento. O conhecimento utilizado aqui,nesse caso, é o senso comum.Um pedreiro que constrói a sua casa não sabe calcularmatematicamente a resistência de uma viga.Entretanto, o seu conhecimento prático é capaz de lhedar uma boa noção da quantidade de ferragem, areia ecimento necessárias para fazer uma laje que forneçauma abrigo seguro para a sua família. Mais uma vez, oconhecimento utilizado aqui é prático, derivado daexperiência, sem verificação formal. Ele sabe quefunciona, mas não porque e em que condições funciona.

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Conhecimento Popular ou Senso Comum [4]Muitas pessoas não saem de casa sem ler o horóscopo.Acreditam piamente que os conselhos estampados emuma folha de jornal possuem algum poder de conduçãode seu destino. Em suma, acreditam em um tipo deconhecimento não sistematizado e sem preocupaçãocom a questão da verificabilidade formal, ou seja,típico do conhecimento popular ou senso comum.Apesar destas características, o conhecimentopopular é importante por ser a origem das demaisáreas do conhecimento.

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Conhecimento Religioso [1]O conhecimento religioso talvez seja tão antigoquanto o conhecimento popular. Faz parte dacaracterística humana buscar explicações para suasdúvidas. Por exemplo, ter a noção de que a fumaçaindica a presença de fogo na mata admite umaexplicação natural. Em outras palavras, se existefumaça, com certeza há algo queimando.Entretanto, pode ter havido muitos casos em que ohomem antigo deve ter se perguntado sobre o porquêde determinado fenômeno (por exemplo, o que é, eporque ocorre um eclipse lunar) e não tenhaconseguido uma explicação natural. Assim, surgiaentão uma explicação sobrenatural, um mito, que teriaa função de tranquilizar o homem, porque esse mitoforneceria a explicação necessária para a sua dúvida.Eis aqui a explicação para o eclipse lunar segundo ummito da Índia, vários séculos antes de Cristo:

A primeira coisa a surgir na superfície do mar foi umafumaça negra e venenosa, chamada Kalakuta, o VérticeNegro, a saber, a mais alta concentração do poder demorte. Bebam-me, disse Kalakuta; e a operação nãopôde prosseguir até que encontrasse alguém capaz desorvê-la. Xiva, que se sentava alheio e distante, foiaproximado. De forma magnificente, relaxou de suaposição de profunda meditação interna e seguiu para olocal onde era batido o Oceano Lácteo. Tomando amistura de morte numa xícara, engoliu-a de um golpe e,graças ao seu poder de iogue, manteve-a na garganta.

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Conhecimento Religioso [2](continuação...)

Sua garganta ficou azul, razão porque Xiva é chamado dePescoço Azul, ou Nilakantha.Tendo prosseguido o processo de bater o oceanocósmico, começaram a surgir, das inesgotáveisprofundezas, formas preciosas de poder concentrado.Apareceram as Apsaras (ninfas); Lakshmi, a deusa dafortuna; o cavalo branco como leite conhecido porUchchaihshravas (Relincho Alto); a pérola de gemas,Kaustubha; e outros objetos, em número de treze. Oúltimo a aparecer foi o habilidoso médico dos deuses,Dhanvantari, trazendo nas mãos a lua, a xícara do néctarda vida. Nesse momento, começou uma grande batalhapela posse da valiosa beberagem. Um dos titãs, Rahu,conseguiu roubar um pouco, mas foi decapitado antes deo licor passar pela sua garganta; seu corpo feneceu, masa cabeça permaneceu imortal. E hoje a sua cabeçaprocura a lua, eternamente, por todo o céu, tentandoalcançá-la outra vez. Quando o consegue, a xícara passafacilmente por sua boca e volta a sair pela sua garganta;eis porque temos eclipses da lua (CAMPBELL, 1989,p.168).

Desde a mais remota antiguidade, o homem percebiaque a natureza era regulada por ciclos: o ciclo do dia eda noite, o ciclo das marés (alta e baixa), os ciclos dalua (cheia, minguante, nova e crescente) e o ciclo dasestações. Entretanto, o homem não sabia o porquêdesses ciclos.

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Conhecimento Religioso [3]E, muito pior, quando acontecia algo anormal dentro deum ciclo esperado, ou um evento da natureza que elenão tinha como prever (uma inundação, um terremoto,uma erupção de vulcão etc), as explicações para essesacontecimentos inexplicáveis era também inexplicável.Nesse contexto, surgem os deuses, senhores dosacontecimentos, como responsáveis por essesfenômenos naturais. Para haver controle da situação, épreciso angariar a simpatia ou aplacar a ira de umdesses deuses com sacrifícios, muitas vezes humanos.Peguemos como exemplo o ciclo das estações. Comodizem as lendas de antigos gregos, milhares de anosantes de Cristo, existia uma deusa de nome Deméter(para os gregos) ou Ceres (nome dado mais tarde pelosromanos) que é a responsável pela alimentação dohomem. É a deusa da agricultura, filha de Cronos (ouSaturno para os romanos), o deus do tempo, e irmã deZeus (Júpiter para os romanos), o rei dos deuses, ochefe do Olimpo, a morada dos imortais.No mundo daquele tempo era primavera todo o tempo.O homem tinha fartura de alimentos durante todo oano graças à bondosa deusa Deméter. Acontece queDeméter tinha uma filha lindíssima chamadaPerséfone (Prosérpina para os romanos), quedespertou a paixão de seu tio, o deus Hades (ouPlutão), o senhor das profundezas, morada dosmortos, também conhecidas como tártaro.

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Conhecimento Religioso [4]Hades, encantado com a beleza de Perséfone, usa deum estratagema para faze-la sua rainha: convida-apara um passeio em seu reino, e oferece a ela umfruto (uma romã). O que Perséfone não sabe é quetodo aquele que come um fruto do tártaro é obrigadoa viver no tártaro, sob pena de seu corpo fenecer.Assim, ela teve que aceitar a corte de seu tio, e setornou esposa de Hades.Deméter ficou inconformada com aquilo que elaconsiderava como um rapto de sua filha por parte deseu irmão. Diante de sua tristeza, abandonou oshomens à própria sorte e o mundo se converteu em uminverno constante (provavelmente, a era glacial). Zeus,preocupado com o destino dos seres humanos, procurao seu irmão Hades e faz um acordo: Perséfonepassaria metade de cada ano ao lado da sua mãe(Deméter) e a outra metade ao lado do marido(Hades).Assim, quando Perséfone subia das profundezas parase encontrar com a mãe, a alegria de Demétertransparecia sob a forma da estação primavera everão; quando Perséfone retornava às profundezas, atristeza de Deméter dava início ao outono, seguido doinverno. Eis aqui o motivo do ciclo das quatro estações(CAMPBELL, 1990; CAMPBELL, 1993).

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Conhecimento Religioso [5]É importante ressaltar que mito e religião não são amesma coisa, embora todas as religiões tenham osmitos como origem. De modo geral, todas as religiõesestão baseadas em homens extraordinários, que, dealguma forma, possuem ligações com o inexplicável,com o sobrenatural, realizando feitos notáveis emnome de Deus ou como um Deus (por exemplo, Buda,Moisés, Davi, Cristo e Maomé).Pode-se dizer que as religiões são uma evolução dosmitos, que passam pelo crivo da luz do pensamentoracional. Na visão de Cassirer (1925a apudFERNANDES, 2004), o mito é uma religiãorudimentar, “[...] a forma mais primitiva deconformação espiritual do mundo”. As religiõesdiferenciam-se dos mitos por vários fatores. Doisdesses fatores são listados aqui: o homem não tem umpapel passivo diante do sobrenatural, e asmanifestações do inexplicável (mitos) são apenasrepresentações simbólicas, ou metáforas.Assim é importante perceber que o mito, em si, não éuma mentira; é antes uma metáfora que tenta explicara nossa realidade (CAMPBELL, 2003). Acontece quemuitas pessoas não sabem ao certo o que é umametáfora. Se alguém fala que outra pessoa é bondosacomo um anjo, isso é uma comparação, e não umametáfora; metáfora seria dizer: “Tal pessoa é umanjo!”.

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Conhecimento Religioso [6]Quando se toma essa metáfora (que é umarepresentação simbólica) como fato (verdadeiro ereal), começam os problemas de interpretação que jálevaram a inúmeras desavenças religiosas ao longo dahistória da humanidade.Você deve estar se perguntando: qual a relação doconhecimento religioso com a engenharia? A própriamitologia grega nos dá alguns exemplos interessantes,entre eles, o mito de Prometeu.Prometeu foi um semideus que ousou roubar o fogo e oentregou para a humanidade. Com o fogo, o homemteve a possibilidade de interferir na natureza, nãopassava mais frio, podia forjar metais, etc. Em outraspalavras, passou a não precisar das benesses e daproteção dos deuses. Neste mito, o fogo simboliza asabedoria, o espírito criativo.Diversos humanos aparecem na mitologia comoinventores. Por exemplo, a construção do labirinto deCreta e das asas que permitiu a sua fuga é atribuída aDédalo. A partir do momento que o homem começa ainterferir na natureza, ele já não precisa agradar aosdeuses. Outro exemplo: porque esperar que os deusesforneçam água para os humanos por meio das chuvas.Por que não buscar água em locais onde ela éabundante. Assim, embora não existam provas, épossível fazer uma suposição de que os aquedutos [...]

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Conhecimento Religioso [7][...] romanos surgiram da necessidade do consumo deágua em uma região, e, porque não, da necessidade denão depender dos deuses para prover essa água?Existe também a questão da religião como motivo parao desenvolvimento de tecnologias de guerra. Esta éuma possibilidade real em regiões de conflitos em queas partes envolvidas acreditam participar de umaguerra santa. Nesse caso, qualquer tecnologia quepossa ser criada no sentido de promover a supremaciapoderá ser vista como uma “intervenção divina”.Um bom exemplo disso é o Projeto Manhattan. Muitosjaponeses que sobreviveram ao holocausto nuclearconsideram a bomba como um castigo de Deus. Um dosrelatos de um sobrevivente de Hiroshima compara adestruição de sua cidade como “o inferno na terra”.Assim, embora o conhecimento religioso não estejadiretamente relacionado com a engenharia, existempequenos detalhes que não podem ser totalmenteignorados. O desenvolvimento de certos produtosseguem preceitos religiosos. Por exemplo, a cor verdeé muito apreciada em diversos países mulçumanos pormotivos religiosos. Entretanto, na Indonésia, um dosmaiores países mulçumanos do mundo, é uma corproibida. Estes exemplos mostram a importânciacultural da religião como uma influenciadora naprodução industrial de alguns países.

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Conhecimento Filosófico [1]Na visão de Matallo Júnior (1989), os gregos foram osprimeiros a criar condições para uma sistematizaçãodo conhecimento. Essa sistematização só foi possíveldevido à separação de classes (homens livres �cabeça�trabalho intelectual e; escravos �mãos �trabalhobraçal).O comércio (que colocou a Grécia em contato comoutros povos além mar) e a moeda (um símbolo aceitocomo padrão para substituir o escambo) foram algunsdos fatores que alargaram os horizontes dos gregos,permitindo ampliar também os horizontes dopensamento. Os primeiros pensadores gregos, aotomar contato com estrangeiros, verificavam que eramhomens como eles. Ao perguntarem sobre monstrosmarítimos e/ou lendários, começaram a perceber queesses não existiam, ou se existiam, não podiam sercomprovados, ganhando assim, o status de lenda. Essabusca da verdade levou ao questionamento dos mitos.A indagação em busca da verdade levou ao nascimentoda filosofia (CHAUÍ, 2005).Ao se estudar a história do nascimento da filosofia,que influenciou todo o pensamento ocidental, é comumdividirmos essa história em duas: antes de Sócrates(os pensadores pré-socráticos) e depois de Sócrates(representados pelo três grandes filósofos: Sócrates,Platão e Aristóteles).

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Conhecimento Filosófico [2]Ao se estudar a história do nascimento da filosofia,que influenciou todo o pensamento ocidental, é comumdividirmos essa história em duas: antes de Sócrates(os pensadores pré-socráticos) e depois de Sócrates(representados pelo três grandes filósofos: Sócrates,Platão e Aristóteles).De acordo com Russel (2002), vários são ospensadores pré-socráticos: Tales, Anaximandro,Anaxímenes, representantes da escola milésia (dacidade de Mileto); Pitágoras, Xenófanes (da cidade deSamos); Heráclito (da cidade de Éfeso); Parmênides(da cidade de Eléia, ao sul da Itália); Empédocles (dacidade de Agrigento); Anaxágoras (natural da cidadede Clazomenas) que vivia em Atenas; Zenão (tambémda cidade de Eléia); Melisso (também da cidade deSamos); Demócrito (da cidade de Abdera);Protágoras, um dos primeiros sofistas, e outros.Não faz parte dos objetivos deste texto listar todasas conquistas que os pré-socráticos fizeram, mas oprimeiro filósofo pré-socrático conhecido, Tales deMileto, nos fornece uma importante lição sobre aimportância prática da busca da verdade. Muitashistórias são atribuídas a Tales. Em uma dessashistórias, Tales é desafiado sobre a utilidade práticade se pensar. Diante desse desafio, Tales [...]

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Conhecimento Filosófico [3][...] demonstrou o seu gênio prático monopolizando omercado de azeite de oliva. Seu conhecimento demeteorologia antecipou-lhe que a colheita seriaabundante. Portanto, alugou todos os lugares queconseguiu e, chegada a hora, alugou-os, estipulando opreço. Assim, obteve uma grande quantia e demonstrouaos seus algozes que os filósofos podem ganhar dinheiroquando se dispõem (RUSSELL, 2002, p. 21).

Sócrates é o primeiro grande filósofo grego, sendo aele é atribuído a criação da Dialética (debate nocampo das idéias, que faz surgir as contradições), daMaiêutica (a arte de partejar espíritos) e a ironia (aarte de interrogar). Sócrates não deixou nada escrito,mas muitas das suas histórias chegaram até nós pormeio das obras de discípulos como Platão e Xenofonte(CHASSOT, 2004).Platão, o segundo grande filósofo grego, defende atese do inatismo da razão, ou seja, que o homem jánasce com conhecimento. Platão fundou uma escola, aAcademia, onde se desenvolveu a Dialética e o seumundo das formas (ou idéias). Era um escritor degrande talento, que utilizava em seus escritos, umprocedimento literário que o auxiliava a expor suasteorias mais difíceis. Tal procedimento é a alegoria ouo mito. Suas obras mais famosas são Mênon eRepública (MARCONI; LAKATOS, 2008), além de Opolítico e As leis (CHASSOT, 2004).

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Conhecimento Filosófico [4]Aristóteles (o terceiro grande filósofo grego), que foidiscípulo de Platão, discordou da doutrina platônica,depois de mais de vinte anos de Academia. Elepromoveu uma aproximação entre os fenômenos e asformas, o que levou à criação do método indutivo. Essadiscordância gerou uma grande divergência com o seumestre, Platão, a quem é atribuída a frase:“Aristóteles me despreza como o potro que escoiceiaa mãe que o deu à luz”. Aristóteles respondeu: “Amigode Platão, mas mais amigo da verdade” (CHASSOT,2004, p. 51).Aristóteles deixou Atenas e foi para a Macedônia,onde se tornou tutor do futuro rei Alexandre durantetrês anos. Quando retornou a Atenas, fundou a suaprópria escola, chamada de Liceu (que recebeuinestimável auxílio financeiro de seu ex-aluno,Alexandre), onde trabalhou por treze anos seguidos(CHASSOT, 2004). Suas obras mais famosas sãoFísica (em quatorze volumes) e Política (MATALLOJÙNIOR, 1989).Filosofia e Ciência são irmãs: nasceram no mesmo local(Grécia), mesma época (aproximadamente seis séculosantes de Cristo) e com o mesmo objetivo: a busca daverdade. Ambas buscam uma sistematização doconhecimento. Entretanto, a filosofia é argumentativae especulativa. A ciência baseia-se em fatos.

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Conhecimento Filosófico [5]As perguntas que a Filosofia tenta responder sãodiferentes daquelas que a Ciência consegue responder.Como já foi falado anteriormente, enquanto a Ciênciaé fortemente baseada em fatos, tentando estabelecerleis e padrões, a Filosofia é especulativa, baseadaprincipalmente na argumentação.Perguntas como “Porque um corpo cai?” ou “Porquealguém morre?” ou ainda “Como prolongar a vida?” sãoobjetos de estudo da Ciência. Perguntas como “Existealma?” ou “Se as almas existem, como se ligam aocorpo” ou ainda “Até que ponto a eutanásia é umprocedimento ético” são objetos de estudo daFilosofia.Entretanto, existe uma relação mais estreita dafilosofia com a engenharia. Esta relação diz respeito aduas áreas da filosofia: a estética e a ética.Quando se projeta um produto, é necessário que esteproduto nos seduza. A Apple é uma das maioresempresas do mundo e que lembra, em inúmerasocasiões, que seus produtos são resultado da união daciência com a arte.A ética é também importantíssima para a engenharia,especialmente quando o assunto é sustentabilidade.Podemos também voltar a pensar no ProjetoManhattan sob o ponto de vista ético. Qual a suaopinião a respeito?

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Conhecimento Científico [1]De acordo com Matallo Júnior (1989), o conhecimentocientífico começa a partir do momento em que asexplicações saem do campo da opinião (eu acho que) eentram no mundo do método da ciência (eu sei que). Osenso comum é um conjunto de informações nãosistematizadas, fragmentadas. A partir do momentoem que essas informações começam a ser justificadaspor meio de argumentos aceitáveis, o senso comumcomeça a evoluir em direção à ciência. Em outraspalavras, o senso comum trabalha com o juízo de valor,com o subjetivo. Assim, não há como determinar seuma opinião é boa ou má, verdadeira ou falsa. Odesenvolvimento científico leva esses comportamentosinformais a um formalismo, um padrão aceitável pelamaioria como verdade.Assim, a ciência pode ser definida como um conjuntode proposições coerentes, objetivas e desprovidas(até certo ponto) de valorações (MATALLO JÙNIOR,1989). O mesmo autor nos ensina que o conhecimentocientífico tem início em problemas que visamsolucionar questões práticas ou explicarirregularidades em padrões da natureza. Essesproblemas criam teorias que devem ser validadas porum programa investigativo de pesquisa. Taisprogramas visam determinar leis que explicam epermitem fazer previsões (nem sempre infalíveis).

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Conhecimento Científico [2]A ciência é extremamente rigorosa em suasproposições, que, por sua vez, são fortemente baseadaem fatos verdadeiros. Surge aqui uma dúvida: o que éa verdade? É aquilo que podemos ver, ou aquilo quepodemos comprovar? E como podemos comprovar esaber que algo é verdade? Vamos juntos tentar acharrespostas para essa pergunta.Alexandria era o maior centro cultural e econômico daAntiguidade. Seu maior tesouro era a Biblioteca deAlexandria, fundada no século III a.C. por Ptolomeu ISóter, e desenvolvida principalmente por seu filho,Ptolomeu II Philadelphus. Acredita-se que a bibliotecatenha reunido mais de 700 mil rolos de papiros,selecionados por filósofos, matemáticos epesquisadores de diversas áreas (CHASSOT, 2004).Qualquer navio que ancorasse em seu porto, erarevistado em busca de pergaminhos, papiros ou mapas.Se fossem encontrados, eram confiscadostemporariamente, para serem copiados (por artistaschamados copistas), e depois devolvidos. Essas cópiaspassavam a fazer parte do acervo da biblioteca(SAGAN, 1982).O nome biblioteca é pouco apropriado para exprimir agrandiosidade dessa instituição. Além de um local parapreservar os papiros e pergaminhos, a bibliotecacomportava um grande museu e uma academia onde ossábios debatiam suas teses. (continua...)

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Conhecimento Científico [3]Haviam ainda salas onde médicos faziam dissecaçõesde pessoas e animais, locais com aparelhos paraobservações astronômicas e jardins, onde secolecionavam plantas e animais exóticos. Todos osprofissionais pesquisadores da biblioteca eramprofissionais assalariados da corte ptolomaica(CHASSOT, 2004).A história que relato a seguir, sobre a Biblioteca deAlexandria, é baseada em um relato de SAGAN (1982)e em um documentário produzido para a televisão. Deacordo com essas fontes, havia um grego chamadoEratóstenes, diretor da Biblioteca de Alexandria, quefoi, dentre diversos ofícios, astrônomo, historiador,geógrafo, filósofo, poeta, crítico de teatro ematemático. Um dia, na biblioteca, leu um papiro queassegurava que, na fronteira avançada do sul de Siena,próximo à primeira catarata do rio Nilo, ao meio dia dosolstício de verão (dia mais longo do ano no hemisférionorte, e que corresponde hoje a 21 de junho), varetasretas e verticais não produziam sombras.A observação anterior talvez passasse despercebidapara a maioria das pessoas, mas Eratóstenes, comcerteza, não era uma pessoa comum. Como filósofo,deve ter se perguntado: “Será que isso é verdade?”. Ecomo cientista, segundo relatos, deve ter pensado:“Vamos experimentar!”. (continua...)

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Conhecimento Científico [4]Ele esperou a aproximação do próximo solstício deverão e repetiu a experiência em algum jardim dabiblioteca. O que descobriu é que em Alexandria,varetas retas e verticais lançavam sombra durante osolstício de verão. Com certeza, surgiu uma dúvida:“Porque em Alexandria as varetas possuem sombras eem Siena não?”. Se a Terra fosse plana, comopercebemos com a nossa visão e como todosacreditavam naquela época, as varetas não teriamsombra nos dois locais. Então, o que acontecia paraque, no mesmo momento, não houvesse sombra emSiena e sim em Alexandria?Partindo do princípio de que a experiência executadaem Siena foi relatada fidedignamente, a únicaresposta que poderia explicar tal disparate era se aTerra fosse curva. Ele alugou um homem para ir aSiena, contando a distância em passos, e ficousabendo que a distância aproximada entre as duascidades era de aproximadamente de 800 quilômetros.Assim, refez seu raciocínio original (mostrado nafigura a seguir no Caso 1) e o redesenhou (mostradona figura a seguir no Caso 2).Veja estes desenhos na próxima página:

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Conhecimento Científico [5]

Ele sabia que os raios de sol, por serem de uma fontedistante, eram paralelos quando chegavam à Terra.Sabia também que os prolongamentos das duasvaretas (uma em Siena e outra em Alexandria) seencontrariam no centro da Terra. Sabia que o ÂnguloA, de 7 graus, formado pela vareta em Alexandria coma sua respectiva sombra, era igual ao Ângulo B,formado pelos prolongamentos das varetas no centroda Terra (quando temos duas retas paralelas cortadaspor uma reta transversal, os ângulos formados poressa última com as retas paralelas, denominadosopostos pelo vértice, possuem igual medida). Com amedida de que ele dispunha entre as duas cidades,conseguiu calcular o raio da terra com notávelprecisão (menos de 3% de erro em relação ao valorreal, calculado com a tecnologia atual).

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Conhecimento Científico [6]Os únicos instrumentos de que Eratóstenes dispunhaeram os olhos, os pés, as varetas, o cérebro e algunsconhecimentos matemáticos (geometria). Tudo issotrês séculos antes de Cristo.Se formos verificar, ele duvidou do óbvio: a Terra éplana. É o que nossos olhos nos mostram, quandoolhamos para o mundo. Temos a percepção de que aTerra é plana. Do mesmo modo, temos a percepção deque o sol gira em torno da Terra. Assim, o real não ésomente aquilo que nossos olhos conseguem ver. Aciência duvida do óbvio e freqüentemente, descobre arealidade. A busca da verdade é o objetivo primordialda ciência, mas, conforme citado anteriormente, não éo único caminho que leva à verdade. Todos os tipos deconhecimento buscam isso também.De acordo com Chassot (2004), muitas descobertasforam feitas pelos sábios de Alexandria. Hierófilo deCós, médico convidado por Ptolomeu II Philadelphus,conquistou grande reputação não só como médico, mastambém como professor. Em Alexandria, a dissecaçãode corpos (provavelmente de soldados inimigos mortosem combate) não encontrava as restrições queexistiam em outros centros, o que favoreceu muito apesquisa médica. Assim, houve muitos progressos noestudo da anatomia, do sistema nervoso, do sistemacirculatório, dos órgãos genitais e do olho.

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Conhecimento Científico [7]Outro médico, Erasístrato, deixou inúmerascontribuições em relação ao funcionamento do coraçãoe da respiração, além de ser um dos primeiros aplanejar regimes alimentares. O famoso médico gregoGaleno, que visitou Alexandria no século II a.C.,deixou-nos preciosos registros dos trabalhos quedesenvolveu na biblioteca.Na astronomia, as descobertas também foramnotáveis. Aristarco de Samos, no século II a.C. foi oprimeiro homem a propor uma teoria heliocêntrica,colocando o sol no centro do universo. Os escritos deHiparco de Nicéia, que também datam do início doséculo II a.C., mostram medidas aproximadas dasdistâncias do Sol e da Lua, aproveitando um eclipsetotal do Sol que ocorreu em 190 a.C.Chassot (2004) relata que a parte principal daBiblioteca de Alexandria, que ficava no bairro deBrúquio, foi totalmente incendiada em 47 a.C., nasbatalhas dos romanos pela posse do Egito. Segundo omesmo relato, quando César retirou-se do Egito, deude presente a Cleópatra, como compensação, 200 milrolos de papiro da Biblioteca de Pérgamo. A bibliotecafoi incendiada mais uma vez em 269 d.C., e totalmentedilapidada em 415 d.C. por instigação de mongescristãos, que a consideravam como um centro herético.

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Conhecimento Científico [8]A diretora do Museu de Alexandria nessa data,Hipácia, matemática e filósofa neoplatônica(reconhecida como a primeira mulher cientista daépoca), foi cruelmente torturada e assassinada.Finalmente, cerca de 640 d.C., com a invasão islâmica,as poucas obras que sobraram foram rematadas ouqueimadas.Existe um certo consenso de que a destruição dessepatrimônio inestimável pode ter atrasado odesenvolvimento científico da humanidade entre 200 e500 anos. Não há como sabermos ao certo se issopode ser confirmado, mas decerto, temos muito quelamentar.Apesar disso, a ciência fez avanços notáveis, como nosdemonstra Sagan (1996, p. 24):

A ciência permite que a Terra alimente um número deseres humanos cem vezes maior, e sob condições muitomenos penosas, do que era possível há alguns milhares deanos. Podemos rezar pela vítima do cólera, ou podemoslhe dar quinhentos miligramas de tetraciclina a cada dozehoras. [...] Podemos tentar a quase inútil terapiapsicanalítica pela fala com o paciente esquizofrênico, oupodemos lhe dar de trezentos a quinhentos miligramasde clazepina. Renunciar à ciência significa abandonarmuito mais que o ar condicionado, o toca disco CD, ossecadores de cabelo e os carros velozes. Nos tempos doscaçadores-coletores, a expectativa de vida humana eracerca de vinte - trinta anos.

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Conhecimento Científico [9]Essa era também a expectativa de vida na Europaocidental no final do Império Romano e na Idade Média.Ela só aumentou para quarenta por volta de 1870. Chegoua cinquenta em 1915, a sessenta em 1930, a setenta em1955, e está se aproximando de oitenta hoje em dia. [...]A longevidade talvez seja a melhor medida da qualidadefísica da vida. (Se você está morto, pouco pode fazerpara ser feliz). Essa é uma dádiva preciosa da ciênciapara a humanidade – nada menos que o dom da vida.

Marconi e Lakatos (2008) nos ensinam que oconhecimento científico é basicamente factual(baseado em fatos), mas também pode ser racional eformalizado (caso da Lógica e da Matemática). Aciência factual distingue dois tipos de fatos: os fatosnaturais (que deram origem às ciências exatas,biológicas, da terra e da saúde) e os fatos sociais (quederam origem às ciências humanas, tais como aSociologia, a Antropologia, o Direito, a Economia, aPsicologia, a Educação, a Política etc.O conhecimento racional e os fatos naturais são abase para as diversas engenharias.Agora que conhecemos um pouco das áreas doconhecimento e de sua relação com a engenharia,vamos conhecer um pouco da história da engenharia.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADACAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 1989.

________. O poder do mito. São Paulo: Palas Atena, 1990.

________. As transformações dos mitos através do tempo. São Paulo: Cultrix, 1993.

________. Tu és isso: transformando a metáfora religiosa. São Paulo: Madras, 2003.

CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005.

FERNANDES, Vladimir. Mito e religião na filosofia de Cassirer e a moral religiosa. Notandum. São Paulo, Centro de Estudos Medievais Oriente & Ocidente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), ano VII, n. 11, 2004. Disponível em: < http://www.hottopos.com/notand11/ vladimir.htm >. Acesso em: 25 mar. 2009.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MATALLO JÚNIOR, Heitor. A problemática do conhecimento. In: CARVALHO, Maria Cecília Maringoni de (Org.). Construindo o saber – metodologia científica: fundamentos e técnicas. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 1989. cap. I. p. 13-28.

RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental: a aventura das idéias dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

SAGAN, Carl. Cosmos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.

________. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.