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OFICINA DO EMPREENDEDOR - Martins Fontes · da metodologia Pedagogia Empreendedora,ele passou também a levar a edu- cação empreendedora a crianças e adolescentes da educação

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OFICINA DO EMPREENDEDOR

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Fernando Dolabela

OFICINA DO EMPREENDEDOR

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Copyright © 2008 por Fernando Dolabela

revisãoAna Grillo

Luis Américo CostaSheila Til

projeto gráfico e diagramaçãoValéria Teixeira

capaRaul Fernandes

pré-impressãoô de casa

impressão e acabamento

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.

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www.sextante.com.br

D682o Dolabela, FernandoOficina do empreendedor / Fernando Dolabela. – Rio de Janeiro:

Sextante, 2008.

ApêndicesInclui bibliografiaISBN 978-85-7542-403-2

1. Empreendimentos – Estudo e ensino. 2. Brainstorming.3. Planejamento estratégico – Estudo e ensino. 4. Jovens – Educação.5. Sucesso nos negócios. I. Título.

CDD 658.1108-1988 CDU 658.012.2

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Para

Geraldo Pinheiro Chagas, meu pai,

e também para

Janice, Fernanda, André,

Eduardo, Luísa e Pedro

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Sumário

PREFÁCIO 9

AGRADECIMENTOS 11

INTRODUÇÃO 12

PARTE I OS NOVOS PARADIGMASCAPÍTULO 1 Razões para disseminar a educação empreendedora 24CAPÍTULO 2 Um panorama do empreendedorismo 37CAPÍTULO 3 Os conceitos 59CAPÍTULO 4 A Teoria Empreendedora dos Sonhos 77CAPÍTULO 5 O empreendedor visto sob a ótica das relações 122CAPÍTULO 6 O estudo das oportunidades: a essência do

trabalho do empreendedor 125

PARTE II QUESTÕES DE MÉTODOCAPÍTULO 7 Educação empreendedora: questões fundamentais,

princípios e pressupostos 140CAPÍTULO 8 Os instrumentos metodológicos 154

PARTE III A OFICINA DO EMPREENDEDORCAPÍTULO 9 Os instrumentos da arte e do ofício 176CAPÍTULO 10 Iniciando os trabalhos na Oficina 184CAPÍTULO 11 As avaliações do ensino 255CAPÍTULO 12 Montando a Oficina do Empreendedor 263

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ANEXOSANEXO 1 Exemplos de programas de cursos 278ANEXO 2 Vinte princípios para a educação empreendedora.

Mitos e equívocos 288

ÍNDICE DE QUADROS, EXERCÍCIOS E FIGURAS 299

NOTAS 301

BIBLIOGRAFIA 316

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P R E F Á C I O

No Brasil há falta de empreendedores em todas as áreas, mas em uma delasa sua ausência é crítica: a empresa de base tecnológica, que nasce da conjunçãoentre centros de pesquisa, universidades, capital de risco e o mercado. É estejustamente um dos alvos do trabalho de Dolabela, que acompanho desde quan-do, em 1992, implementou, no Departamento de Ciência da Computação, aprimeira disciplina de empreendedorismo da UFMG.

Apaixonado pelo tema, de professor, Dolabela passou a ser propagador doensino de empreendedorismo, levando a Oficina do Empreendedor a centenasde cursos universitários em todo o Brasil e no exterior.

O tema abordado neste Oficina do Empreendedor me é muito caro. Desdecedo, me envolvi com a criação de empreendimentos de base tecnológica.Minha preocupação com o desenvolvimento econômico do país me levou a agirtambém do outro lado do balcão, ofertando capital de risco a empresas emer-gentes da área tecnológica. Participei da criação da Fundação Biominas, quecongrega 36 empresas e uma incubadora na área de biotecnologia. Além de terparticipado da criação da Biobrás, tenho, através da Fir Capital, participação emcerca de outras 20 empresas nas áreas de software, biotecnologia e inovaçãoem geral, originadas principalmente de centros de pesquisas universitários.

Dolabela nos lembra que o empreendedorismo é um fenômeno cultural.Eu acrescento que faltam também percepção e vontade aos nossos dirigentespara adotar políticas públicas como as que, em países do Primeiro Mundo, es-timulam e apóiam as empresas emergentes em seu caminho de consolidação ecrescimento, tão difícil em si mesmo que dispensa os pesos adicionais da legis-lação imprópria e da ausência de infra-estrutura de suporte em nosso país.

Dolabela tem o sonho de construir uma sociedade em que todos possamdesenvolver o seu potencial empreendedor. Incansável, a partir de 2002, atravésda metodologia Pedagogia Empreendedora, ele passou também a levar a edu-cação empreendedora a crianças e adolescentes da educação infantil, ensinofundamental e médio. A metáfora que Dolabela utiliza – “libertar e dinamizar

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o potencial empreendedor que todos temos” – simboliza a amplitude da mu-dança necessária na nossa cultura. É por essa razão que as propostas educa-cionais de Dolabela trazem a semente de uma grande mudança na nossa cultura.Sendo inovadoras, feitas no Brasil e para brasileiros, têm um imenso poder deaceitação, pois respeitam e se moldam às nossas raízes. Mas talvez a maior con-tribuição de Dolabela esteja no processo que engendrou para disseminar estetipo de ensino: através do seminário Formação de Formadores, ele transformaprofessores universitários de qualquer área em educadores de empreendedoris-mo, criando uma rede nacional de propagação do tema, capaz de agir de formaindependente e autônoma. Além de ser simples, o processo é barato, pois uti-liza o corpo docente das instituições de ensino médio e universitário, transfor-mando os professores em semeadores da cultura empreendedora.

Oficina do Empreendedor é originalíssimo em nosso mundo editorial. Além denos dizer o que é ser empreendedor, o livro mostra como aprender a sê-lo. E nãose trata de uma proposta sem comprovação prática. Dolabela esperou anos detestes e resultados excelentes para apresentá-la ao grande público.

O presente livro lida com o empreendedor, principal motor do crescimentoeconômico. Os economistas há muito dominam modelos coerentes para apoiarprojetos de indução do desenvolvimento regional. Mas nem sempre uma va-riável fundamental é considerada: os sistemas de valores da comunidade, quepodem viabilizar ou atravancar as soluções técnicas. Dolabela nos apresentao paradigma empreendedor como o valor que sinaliza para o desenvolvimentoe nos diz como podemos nos contaminar.

O aprendizado do conteúdo empreendedor é fundamental em todos oscursos de todas as áreas do conhecimento. Não será exagero afirmar que, emnossas escolas, ele é tão importante para qualquer estudante como matemáticapara os engenheiros ou anatomia para os médicos.

Oficina do Empreendedor aparece em boa hora: o desenvolvimento do Brasiltem que se apoiar na pequena empresa e, em especial, na empresa de base tec-nológica, cujo principal substrato é a aliança do conhecimento com o espíritoempreendedor.

GUILHERME EMRICHMembro do Conselho Curador da Fundação Dom Cabral

Membro do Conselho da FIR Capital PartnersPresidente do Conselho Curador da Biominas

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AG R A D E C I M E N TO S

Este é um momento importante e alegre para qualquer autor. Ao tentarpagar dívidas de coração, lembramos dos motivos e sonhos que nos alimen-taram, o que nos faz um pouco mais íntimos de nós mesmos. No meu caso,ao compor o mosaico das forças internas e externas que me impeliram a escrever este livro, percebo, com um calafrio na espinha, que tudo esteve sem-pre dependendo de pequenos acasos, de ações singelas aparentemente des-conexas, algumas das quais explodiriam em projetos imensos.

E se não tivessem ocorrido?Algumas dessas forças positivas vieram do Departamento de Ciência da

Computação da UFMG, do CNPq, do Programa Softex e da Fumsoft. Outras,anônimas mas fundamentais, emanaram dos meus alunos da UFMG e doscolegas professores de todo o Brasil, cerca de 5.000, que, após alguns dias deconvívio comigo, corajosamente foram para a sala de aula e transformaram asidéias agora englobadas neste texto em ação. E também dos vários empresáriosBrasil afora, que se integraram com mente e coração ao sonho de libertar oempreendedor aprisionado em cada brasileiro.

Ainda no campo das instituições, envio meu agradecimento especial aoIEL Nacional (Instituto Euvaldo Lodi), que desenvolveu uma profunda visãosobre o empreendedorismo no Brasil.

Contei com a decisiva contribuição de uma equipe de alto nível para a im-plantação dos programas que permitiram o teste e o desenvolvimento da pre-sente metodologia: Roberto Mendonça, Paula Corgozinho, Lina Iewa, RosaMendes, Ronilda de Araújo, Roberto Amorim e Maria Auxiliadora Vargas.

Na edição argentina deste livro, sob o título Taller del Emprendedor, foi de-cisivo o apoio da UNR, Universidade Nacional de Rosário, à qual agradeço porintermédio do professsor e engenheiro David Asteggiano.

Com o mestre e amigo Louis Jacques Filion aprendi a perceber a energiainesgotável que repousa em cada ser humano e a mergulhar na grande aven-tura de tentar mobilizá-la.

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I N T RO D U Ç Ã O

Uma metodologia inovadora“‘Venham para a beira’, disse ele.

Eles responderam: ‘Nós estamos com medo.’‘Venham para a beira’, disse ele.

Eles vieram.Ele os empurrou... e eles voaram.”

Apollinaire

Este livro apresenta uma metodologia para formação de empreendedores.Aberta e flexível, baseada em princípios de auto-aprendizado, a Oficina doEmpreendedor permite que cada um crie uma forma própria de aplicá-la, deacordo com suas características pessoais. Não é, portanto, uma receita de bolo,repetitiva e sempre igual. Mas, por outro lado, foi concebida para ser utilizadaindiscriminadamente por pessoas que estejam fora do ambiente escolar equeiram ser empreendedores (empregados desejosos de criar seu próprionegócio, por exemplo), assim como por professores de qualquer especialidadeque pretendam levar a formação empreendedora a seus alunos.

Esta é uma inovação mundial e a principal razão do sucesso da Oficina: porse ocupar do aprendizado, e não do ensino no sentido tradicional, serve a alunose professores de qualquer área – de letras a computação, de física a belas-artes.Aplicada em ambientes de ensino, ela assume a forma de uma disciplina a serinserida na grade curricular de um curso de graduação ou de ensino médio,adaptável a cargas horárias variadas. Assim, a Oficina do Empreendedor atendea professores que queiram substituir a “síndrome do empregado”1 pelo “vírus doempreendedor” – ou seja, preparar o profissional do futuro tanto para ser donode um negócio como para atuar como empregado-empreendedor.

O que é a “síndrome do empregado”, marco do século XX e deste, que

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contagia a nossa sociedade e as nossas escolas? É uma coleção de sintomasque poderíamos chamar também de “síndrome da dependência”. O portadordepende de alguém que crie um trabalho para ele. É um profissional que,mesmo tendo domínio de uma tecnologia, não está preparado para inovar.Ele geralmente diz ao seu chefe (quase sempre necessita de supervisão):“Pode pedir o que quiser, porque eu domino a tecnologia.” Todavia, sem oknow-why, despreparado para interpretar o mercado e identificar oportu-nidades, ele talvez ainda não tenha compreendido que mais importante doque saber fazer é criar o que fazer, é conhecer a cadeia produtiva, os mean-dros do negócio. Sem a capacidade de interpretar o mercado e conhecer osetor em que pretende atuar, não poderá identificar e aproveitar oportu-nidades. O portador da síndrome não entende que mais importante do quesaber operar um processo ou um sistema é saber transformar conhecimen-to em produto ou serviço. Para tanto ele deve aprender a lidar com conteú-dos não abordados na nossa escola, monopolizada por temas acadêmicos:entender o mundo que existe além da porta da rua, aprender a lidar com asua complexidade socioeconômica, e entender a sua dependência dos fatorespolíticos. Ele deve saber transformar necessidades em especificações técni-cas. Em síntese, saber transformar conhecimento em riqueza.

A lógica antiga de inserção no mundo do trabalho não se aplica ao mundoatual. A porta de entrada é outra. As condições de permanência e sucesso sealteraram.

Segundo esta lógica, o pólo definidor está fora do indivíduo, é composto pelo“figurino de profissões” oferecidas pelo mercado de trabalho. O entrante se pre-para para seguir uma delas, na maioria das vezes sem levar em conta as suascaracterísticas pessoais (porque não conhece a si mesmo) e o seu próprio sonho,porque não foi estimulado a formulá-lo e a transformá-lo em realidade.

Nesse fluxo, o ser humano é passivo, porque se submete ao que existe, o“figurino das profissões”. Não poderia ser de outra forma, porque a sua edu-cação o preparou para lidar somente com as soluções já conhecidas, preparou-ocomo especialista no conhecimento já existente.

No mundo atual o fluxo se inverte. O pólo não é o mercado, mas o indiví-duo, que, tendo desenvolvido o autoconhecimento e formulado o seu própriosonho, não tomará o “figurino das profissões” como referência, mas irá criara sua própria atividade. Para tanto, deve ser preparado para ser especialistanaquilo que não existe, principal competência do empreendedor.

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Fascinada e absorvida pela tarefa de formar especialistas (o que permitiu epermite o avanço tecnológico em proporções inimagináveis), a universidadee cursos profissionalizantes se esquecem do que é mais essencial ao profissionaldos novos tempos: dominar uma linguagem para se comunicar com o ambienteque lhe permita conversar ou conectar-se, entender e trocar energia com asmúltiplas dimensões que o compõe. Preso ao paradigma industrialista, o sis-tema educacional oferece aos alunos um único instrumento de comunicação:o curriculum vitae. É como se lhes ensinasse uma língua morta.

Entre as questões clássicas do empreendedorismo abordadas neste livro,uma, em especial, caracteriza a percepção comum que se tem sobre estecampo. É a pergunta que aflige indiscriminadamente interessados e céticos,críticos e apaixonados: pode alguém aprender a ser empreendedor?

A prática das três últimas décadas nos diz que sim, é possível que qualquerpessoa aprenda a ser empreendedor. Mas tal aprendizado se dá sob circuns-tâncias específicas. O conhecimento empreendedor não é transferível, comotemas acadêmicos convencionais, de quem sabe para quem não sabe. O que sepode fazer é desenvolver o potencial empreendedor presente na espécie hu-mana. O verbo inglês develop, usado no sentido de revelar uma foto, ofereceuma boa metáfora. Develop é derivado do francês antigo desveloper, tirar do en-velope, desembrulhar. A revelação (development) de uma foto torna visível aimagem que já existia. Da mesma forma, a educação empreendedora dinamiza,torna disponível e utilizável um potencial presente em todo ser humano.

Mas para tanto não se pode usar a didática convencional, daí a necessidadede uma metodologia específica para o “ensino” do empreendedorismo.

Aqui cabe abrir um parêntese para mostrar o quanto o hábito nos imobiliza.Se alterarmos a pergunta, talvez compreendamos o quanto estamos apoiadosem crenças às vezes conflitantes com a contemporaneidade: pode alguém apren-der a ser empregado sem renunciar ao próprio sonho e ao desenvolvimentodo próprio eu e do espaço personalíssimo que este último exige?

O emprego, como o conhecemos hoje, existe há dois séculos, impele o in-divíduo a submeter-se a relações artificiais sob todos os aspectos. “As relaçõesde trabalho são acordos de produção nos quais o central é o produto, não osseres humanos que (o) produzem. Por isso, as relações de trabalho não são re-lações sociais. Isso é o que justifica a negação do humano nas relações de tra-balho: ser humano em uma relação de trabalho é uma impertinência. O fatode as relações de trabalho não serem relações sociais é o que torna possível a

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substituição dos trabalhadores humanos por autômatos e o uso humano nodesconhecimento do humano, que os trabalhadores ignorantes dessa situaçãovivenciam como exploração.”2

Em outras palavras, existem empregados felizes? Pesquisas dizem que sãoraros.3 O próprio sistema de aposentadoria (produto do emprego) reconheceisso: oferece como prêmio o não-trabalho, negando o que foi feito durantetoda uma vida. Para o historiador americano David Landes,4 a humanidadese divide em duas classes: a dos que vivem para trabalhar e a dos que apenastrabalham para sobreviver. “Quanto mais pessoas do primeiro tipo houver,mais chances uma nação terá de sair ganhando no jogo da globalização.”

A aposentadoria não é prática de pessoas que amam o que fazem. Poetas,atores, artistas, profissionais liberais, empreendedores e tantos outros queamam o que fazem jamais pensam em se aposentar.

Os teóricos da administração ainda não encontraram solução para os con-flitos entre indivíduos e empresas. Talvez porque ela não seja viável dentro dospadrões que atualmente regem o emprego em todo o mundo. Mas tambémporque esses conflitos não são prioritários no campo da administração tradi-cional, que está preocupada com a empresa e não com o ser humano.

No entanto, na nossa era – em que o valor maior é a inovação –, a emoçãoe a liberdade dos empregados começam a substituir a razão como elementobasilar, central. Isso porque a inovação exige criatividade, que é filha da liber-dade, que, por sua vez, só floresce em ambientes em que os erros sejam per-mitidos e em que os indivíduos possam expandir o seu próprio eu e buscar arealização dos seus sonhos.

Enquanto a administração de empresas elege como tema central as orga-nizações (e tem colhido estrondosos sucessos, transformando-se em conteúdoindispensável em qualquer área da ação humana), o foco do empreendedorismoé o ser humano e sua coletividade.

A fragilidade e a artificialidade das relações no trabalho sob a forma deemprego deixam o campo da administração de empresas vulnerável a aventu-reiros de toda espécie, enquanto as grandes empresas continuam a gerar em-pregados infelizes. Talvez a formulação da pergunta “Pode alguém aprendera ser empregado sem renunciar ao próprio sonho e ao desenvolvimento dopróprio eu e do espaço personalíssimo que este último exige?” tenha sido blo-queada porque vivíamos sob o signo do emprego. Ela parece óbvia agora,quando o velho modelo entrou em crise e presenciamos a emergência do

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paradigma do empreendedor. (Naturalmente, não pretendemos opor em-preendedorismo a emprego, o que equivaleria a uma redução equivocada,pois um dos temas do primeiro é o empregado empreendedor. Mas não hádúvida de que o empreendedorismo contesta radicalmente a síndrome doempregado.)

Pela primeira vez na História, o que aprendemos na escola é superado rapi-damente pelo que aprendemos fora dela. Em algumas áreas, o conhecimentotecnológico é renovado em poucos anos. Não adianta mais acumular um “es-toque” de conhecimentos. É preciso que saibamos aprender. Sozinhos e sempre.Por isso, a Oficina apresenta um processo de aprendizado, e não de ensino. Elainduz ao contínuo aprender a aprender, que leva o aluno a proceder como faz oempreendedor na vida real: fazendo, errando, corrigindo rumos, criando.

Portanto, este livro é para aqueles que pensam que o profissional dos novostempos deve ter um compromisso com a inovação e estar preparado para rea-lizá-la. Que deve ter a coragem de assumir riscos, de ver seu nome associadoa uma obra, seja ela uma empresa, uma pesquisa, um projeto. Que não tem medode transformar seus sonhos em realidade. Que é auto-suficiente, identifica eaproveita oportunidades. Assim, o livro pode ser utilizado por professores dequalquer arte ou ciência que acreditem que educar significa desenvolver todoo potencial do ser humano. Não só a razão, mas a emoção, o sonho, a auto-imagem como substrato de atitudes e comportamentos criativos, inovadores,que provoquem mudanças.

Criada em 1993 e já aplicada em cerca de 400 estabelecimentos de ensinosuperior e médio no Brasil e no exterior, por mais de 5 mil professores que par-ticiparam do seminário Formação de Formadores, oferecido pelo autor destelivro, a Oficina do Empreendedor, exposta a esta intensa multivivência didáti-ca, vem sofrendo ao longo do tempo constantes aprimoramentos e “recriações”.

Assim, o leitor está diante de um método que já demonstrou sua eficácia elançou a semente de importantes mudanças no ensino brasileiro. Estamosainda no início de um processo, mas já é possível encontrar em todo o Brasilprofessores, alunos, empreendedores aplicando a presente metodologia, inde-pendentemente de sua área de conhecimento ou de atuação.

Ela foi construída com as seguintes características:

• A sala de aula se transforma em um ambiente em que os alunos geram osconhecimentos de que irão necessitar para empreender (diferentemente

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do ensino convencional, em que o conhecimento é transmitido pelo professor).

• Cabe ao professor formular perguntas; as respostas constituem o centroda tarefa empreendedora e serão construídas pelos alunos.

• Pode ser utilizada tanto por quem queira ser empreendedor como porprofessores e alunos dos cursos de nível médio e universitário.

• É simples e permite aplicação imediata.• Pode ser utilizada por professores com qualquer base acadêmica, ao con-

trário do que acontece nas instituições de ensino do resto do mundo, ondea formação de empreendedores é atividade exclusiva de especialistas daárea de administração de empresas. (Por exemplo: os cursos de graduaçãoem Ciência da Computação e Física foram pioneiros na implementaçãodo empreendedorismo na UFMG.)

• Utiliza a experiência e a proficiência dos quadros docentes já existentes,não exigindo especialização nem duplicando meios.

• Possibilita rápida disseminação, atendendo às dimensões continentais dopaís e a sua urgência de mudanças.

• Promove a integração universidade-empresa, trazendo o empreendedorreal para a sala de aula e transformando-o em mestre.

• É flexível e aberta para que possa se adaptar às características pessoais dosseus usuários: o professor, o aluno e a instituição que irá aplicá-la.

• Considera o saber adquirido como uma conseqüência da forma de ser.• Abre vagas na sala de aula para a emoção, o sonho, o ego, o indefinido, o

incerto e não sabido.

Os trabalhos na Oficina são facilitados por duas ferramentas concebidasdentro dos mesmos princípios: o software MakeMoney ,5 sobre Plano deNegócios, que permite que estudantes de todas as áreas, sem conhecimentoprévio sobre empresas, possam planejar o seu empreendimento, lidando commarketing, finanças, organização; e o livro O segredo de Luísa,6 também dirigi-do aos alunos, construído em forma de romance, em uma linguagem simples,que busca associar prazer ao ato de aprender.

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Como surgiu a metodologia? Uma resposta brasileira

A Oficina foi concebida como resposta às necessidades do nosso país, ondea cultura empreendedora se manifesta de forma tímida, o que exige uma estraté-gia que seja ao mesmo tempo eficaz, barata e de fácil disseminação.7 Nasceuna área de informática, no Departamento de Ciência da Computação daUniversidade Federal de Minas Gerais, UFMG, em 1993, através de demandasdo Programa Softex, do CNPq,8 cujos criadores acreditaram ser possível trans-formar alunos de computação em futuros proprietários de empresas.

Eles estavam certos: nas cinco primeiras ofertas semestrais da disciplina deempreendedorismo na UFMG foram criadas 25 empresas.

Após o teste bem-sucedido, o passo seguinte foi buscar uma metodologiaque viabilizasse sua propagação para todos os cursos de informática do país.Assim, foi criado em 1996 o projeto Softstart (do Softex-CNPq), cuja meta– implementar a Oficina em 30 instituições de ensino, em três anos – causougrande perplexidade em virtude dos obstáculos que deveria superar. Entreesses, a inclusão de uma nova disciplina na grade curricular, a indução exter-na e o fato de a Oficina estar fora do imediato interesse acadêmico de pro-fessores de informática.

No entanto, após três anos, mais de 100 instituições haviam implantado oensino de empreendedorismo. A partir de 1997, a Oficina começou a ser apli-cada nas demais áreas do conhecimento, através dos Programas Reune-MG,Reune-Brasil e Senai-MG.9

A introdução da cultura empreendedora no ensino médio e universitário éo primeiro passo na persecução de um objetivo maior: a formação de umacultura em que tenham prioridade valores como combate à miséria através dageração e distribuição de riquezas, inovação, criatividade, sustentabilidade,liberdade. A democracia guarda estreita relação com o empreendedorismo dabase da população, que necessita do trânsito livre da informação econômica,oferta de crédito, microcrédito e capital de risco, sistemas de apoio e capaci-tação, tributação adequada, desburocratização, estímulos de toda ordem. Pelaausência de tais condições, o Brasil, de tradição autocrática, criou um climaextremamente hostil ao empreendedor emergente.

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Carta ao professor

No empreendedorismo sabemos que não é possível realizar o que a aula convencional propõe: transferir conhecimentos. No entanto, com a práticadescobrimos que é possível aprender a ser empreendedor. Esta Oficina doEmpreendedor tem justamente o objetivo de mostrar como fazer isso.

O formato mais simples que esta Oficina pode assumir é o de uma (ouvárias) disciplina inserida em um curso de nível médio ou universitário. Maso seu objetivo é transformar a cultura da instituição de ensino mudando-a deformadora de empregados para desenvolvedora de empreendedores.

São somente dois os pré-requisitos para o professor que deseja levar o temaempreendedorismo à sala de aula. O primeiro é estar disposto a enfrentar odesafio de introduzir novo conteúdo e novos processos didáticos e a superaros obstáculos que inevitavelmente se apresentam a quem quer inovar. O se-gundo é ter a disponibilidade e a vontade de estabelecer vínculos com o mer-cado, com empresas e empreendedores, com o ambiente onde os conheci-mentos que domina são transformados em riqueza. Evidentemente o conviteao professor para se inserir na área de empreendedorismo não pressupõe oabandono da sua especialidade. Muito pelo contrário.

A Oficina deve ser vista como um conjunto de fundamentos aplicáveis deforma livre e criativa, atendendo às características de professores, alunos, insti-tuições de ensino e à cultura da comunidade. Não é uma camisa-de-força. Aindanão foi inventada a “escola de empreendedores de sucesso”, em que alguém co-munique verdades absolutas e distinga o certo do errado. Nem mesmo os fun-damentos centrais são imutáveis. Por isso, estamos sugerindo que o professor queutilizar a metodologia proposta por esta Oficina se auto-intitule Organizador daOficina do Empreendedor (OOE) – alguém que irá prover os recursos para queos alunos desenvolvam e aprimorem o próprio espírito empreendedor.

Neste sentido, qual é a tarefa central do professor de empreendedorismo?Transformar a sala de aula em um ambiente em que os alunos sejam estimu-lados a gerar novos conhecimentos. Quais seriam tais conhecimentos? Podemser sintetizados em dois requisitos essenciais ao empreendedor:

• Capacidade de gerar o próprio sonho, visto aqui como a concepção do fu-turo que tem para a sua comunidade e para si mesmo.

• Capacidade de construir caminhos para transformar os sonhos em realidade.

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Não se pode perder de vista o resultado a ser alcançado: desenvolver o es-pírito empreendedor, estimular pessoas a se transformarem em atores centraisno cenário de mudanças econômicas e sociais. No Brasil, empreendedorismodeve significar, sobretudo, a capacidade de combater a miséria.

Quando foi concebida, a Oficina poderia ser considerada “um estudo decaso”: a experiência do autor na concepção e aplicação de uma metodologiade aprendizado de empreendedorismo. Hoje, este livro pode ser visto como asuma narrativa de centenas de “casos”, já que a metodologia está sendo apli-cada, “recriada” e enriquecida (por ser inteiramente flexível) por milhares deprofessores em todo o Brasil e fora dele.

Desta forma, a Oficina é uma obra em constante transformação. Os es-forços feitos na sua criação serão gratificados de forma magnânima se suaaplicação continuar a ensejar adaptações e aprimoramentos.

Compartilho com os professores que estão começando nesta área algumasreflexões colhidas da prática e dos mestres:

• Não se considere um professor, alguém que vai ensinar a ser empreende-dor. Seja somente um Organizador da Oficina do Empreendedor, alguémque vai criar as condições necessárias para o aluno aprender sozinho a serempreendedor. O seu papel será o de criador de um ambiente (a sala deaula) que estimule a geração de novos conhecimentos pelos alunos.

• Dê lugar à emoção dos alunos – e também à sua. Ela é o principal cami-nho para a razão e o talento. Empreender é deixar-se emocionar.

• Não pretenda que os alunos abram empresas logo após sua exposição àdisciplina. Considere esse resultado excelente mas inesperado.

• Não dê respostas. O empreendedor é alguém que aprende sozinho.Habilite-se a fazer perguntas.

• Não se sinta responsável por apresentar soluções. Este é o papel do aluno.• Abandone o paternalismo nas relações com os alunos. Estes devem bus-

car sozinhos os conhecimentos de que necessitam. É assim que faz o em-preendedor real na vida real.

• Habitue-se a questionar e relativizar ao invés de ter respostas prontas.Neste campo, não há uma versão certa.

• Jamais influencie o aluno na busca de uma idéia de negócio. Lembre-sede que uma empresa é a realização de um sonho, a projeção do ego, a ex-teriorização do que se passa no âmago de uma pessoa.

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• Os alunos devem buscar o autoconhecimento. Como a empresa tem “a cara do dono”, eles devem saber como são para vislumbrar como seráa empresa que criarem.

• A auto-imagem positiva e a elevada auto-estima (conceito de si) são osprincipais alimentos da criatividade e, portanto, da inovação. As pessoassó realizam algo caso se julguem capazes de fazê-lo.

• Não se apóie na improvisação, mas não a tema. Pode soar pouco aca-dêmico (o que não tem importância, porque empreendedorismo não éconsiderado tema acadêmico), mas ela será um recurso fundamental navida do futuro empreendedor.

• Lembre-se de que, na Oficina, networking é fundamental. Você devetrazer a sua rede de relações para a sala de aula. Busque conhecer o mundodos empreendedores e chame-os para colaborar no andamento do curso.Aperfeiçoe sua habilidade para as relações interpessoais. Estabeleça fortesconexões com os Sistemas de Suporte e as forças vivas da Sociedade: po-deres públicos, associações de classe, órgãos de comunicação, bancos, fi-nanciadores – ou seja, todos aqueles que podem e devem apoiar a criaçãode novos negócios.

• Defenda junto aos alunos, de forma intransigente, que o saber isolado nãoé suficiente. Nesta área, os conhecimentos técnicos representam pequenaparte da solução global.

• Elimine as pressões do conformismo. Incentive a autonomia e a liderançaentre os estudantes.

• Encoraje os alunos a definir seus problemas, situações e visões.• Incentive os alunos a acostumar-se a identificar o que lhes interessa e os

motiva a aprender.• Crie oportunidades para que os alunos transformem suas idéias em ação.

Estimule sua habilidade de canalizar energia para os objetivos.• Monte um sistema que permita acompanhar os alunos depois de sua

exposição à disciplina. Só assim você saberá avaliar seus resultados e teráum mecanismo de feedback.

• Leve em conta o que os alunos já sabem e também seu potencial deaprender sozinhos. Você ficará surpreso.

• Na atividade de disseminação da cultura empreendedora, existe um ditoque contém uma profunda verdade: “O Organizador da Oficina doEmpreendedor aprende mais que o aluno.”

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• Afirme e reafirme a importância do empreendedorismo para o desen-volvimento econômico.

• Não avalie o empreendedor exclusivamente por critérios de competência.Em termos éticos, somente deve ser considerado empreendedor aqueleque oferece valor positivo para a coletividade. E não quem o subtrai.

• Acima de tudo, estimule a capacidade de sonhar (esquecida em nossas es-colas) e a coragem de realizar sonhos. Pergunte sempre aos alunos (e a simesmo): qual é o seu sonho e o que pretende fazer para transformá-lo emrealidade?

• Não se esqueça de que os sonhos individuais são fortemente influencia-dos pela sociedade: ética, visão de mundo, comportamentos coletivos,atitudes de líderes. Por essa razão a formação empreendedora exige que sediscuta e analise o mundo com todas as suas variáveis.

• O aluno da escola tradicional aprende, para se relacionar com o mundoprofissional e nele se inserir, a enviar o seu curriculum vitae. Diferen-temente da formação do especialista (proposta do ensino convencional),no empreendedorismo o aluno deve aprender a ler o mundo, a lidar coma complexidade sócio-político-econômica e a estabelecer múltiplas inter-faces com a sociedade. É lá, no que acontece além da porta da rua, queestão as oportunidades.

• Por fim, repito o lembrete: ao introduzir esta disciplina você estará ino-vando e talvez desperte reações contrárias. Isso deve servir de estímulopara a sua motivação.

Aos que se iniciam na tarefa de estimular o empreendedorismo entre os es-tudantes brasileiros, desejo que sejam tomados pela mesma paixão que mecapturou desde os primeiros momentos e que, por extrema sorte, vem cres-cendo na razão direta do meu envolvimento com o tema.

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PA RT E I

OS NOVOSPARADIGMAS

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C A P Í T U L O 1

Razões para disseminar a educação empreendedora

Criando uma cultura empreendedora

Por que introduzir a cultura empreendedora em nossas escolas? Quais osmotivos que estão por trás da necessidade de motivar e estimular os nossos jo-vens a abrir o próprio negócio ou ter atitudes empreendedoras na área que esco-lherem para atuar? Quais os elementos que tornam esta necessidade urgente?

Auto-realização

Pesquisas indicam que o empreendedorismo oferece graus elevados de reali-zação pessoal. Por ser a exteriorização do que se passa no âmago de uma pes-soa, e por receber o empreendedor com todas as suas características pessoais, aatividade empreendedora faz com que trabalho e prazer andem juntos. Talvezseja muito difícil encontrar um empreendedor que queira se aposentar ou queespere ansiosamente pelo fim de semana para se desvencilhar do trabalho. Nãoé raro encontrar empreendedores que tiram poucas férias.

Desenvolvimento social e crescimento econômico

O crescimento econômico sustentável é conseqüência do grau de em-preendedorismo de uma comunidade. As condições ambientais favoráveisao desenvolvimento precisam de empreendedores que as aproveitem e que,através de sua liderança, capacidade e de seu perfil, disparem e coordenem oprocesso de desenvolvimento, cujas raízes estão sobretudo em valores culturais,

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na forma de ver o mundo. O empreendedor cria e aloca valores para indiví-duos e para a sociedade, ou seja, é responsável pela inovação tecnológica ecrescimento econômico.

Existe relação entre o empreendedorismo e o desenvolvimento econômicolocal?10

Segundo o PNUD (ONU),11 “o pequeno empreendedor é um elemento tãoimportante do setor privado quanto uma corporação multinacional”. Na suapesquisa, o GEM12 – Global Entrepreneurship Monitor conclui que “a cria-ção de empresas é o instrumento mais eficaz para a geração de empregos, ocrescimento econômico, o desenvolvimento social e, conseqüentemente, paracombater a pobreza em uma sociedade”.

Até o fim dos anos 1970, o Estado e as grandes empresas eram conside-rados os únicos suportes econômicos relevantes para a sociedade. Nos anos1980, alguns fatores – o endividamento crescente dos governos, o aumentoda concorrência dos mercados e sua mundialização, a utilização intensiva detecnologia nos processos produtivos – transformaram este panorama, dese-nhando uma nova organização econômica. As grandes empresas passarama produzir mais com menos empregados; os governos buscaram diminuirseus déficits através de cortes e redimensionamento dos quadros de pessoal.A partir daí, as únicas criadoras de empregos passaram a ser as PMEs (pe-quenas e médias empresas), que não mais se restringiram ao mercado local ouregional, mas começaram a concorrer no mercado internacional. Uma dascaracterísticas das PMEs é a sua dependência da comunidade local, que poderáou não estar dotada de fatores importantes de aceleração do desenvolvimento,como ambiente favorável ao empreendedorismo, vontade comunitária de im-plementação de uma rede de negócios, instituições de apoio, facilidades paraobtenção de financiamentos, etc.

Assim, o nível local é entendido como o meio ambiente imediato das PMEs.Ali elas nascem e se formam, encontram recursos humanos e materiais dosquais depende o seu dinamismo e estabelecem sua rede básica de relações. Éa comunidade local, com todos os seus atores – públicos, privados e do terceirosetor –, que irá fornecer os recursos de toda ordem e, não menos importante,os valores empreendedores que criarão condições favoráveis ao surgimento deidéias e projetos. Entre eles, a dimensão humana da comunidade local surgecomo um dos elementos mais essenciais.

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No âmbito nacional, é possível aplicar políticas econômicas baseadas emmodelos mecânicos, tendo como pressupostos que os atores econômicos e osistema produtivo têm características uniformes e que toda a população estáinserida no mesmo sistema de valores. Tal abordagem, talvez apropriada paraa intervenção em grandes conglomerados econômicos, parece não ser suficientepara orquestrar o desenvolvimento econômico local. Na comunidade local,tudo é personalizado: lideranças, instituições, empresas, grupos e associaçõescomunitárias. Tudo tem nome, sobrenome e é conhecido em seus porme-nores, seus pontos fracos e fortes, que produzem uma imagem no grupo. Emconseqüência, o desenvolvimento econômico local não pode ser um processomecânico, é orgânico. É antes uma questão de diálogo entre todos os atores lo-cais, visando a sua sensibilização, mobilização e participação, criando umasinergia que sinalize positivamente para o desenvolvimento. Pode-se dizer queeste é um fenômeno humano, sendo impossível desconsiderar os comporta-mentos individuais dos integrantes da comunidade.

Quando se aborda o desenvolvimento local, além da utilização de teoriaseconômicas, deve-se buscar apoio nos conteúdos de mudança organizacionale animação social. O desenvolvimento econômico local é endógeno, ou seja,emerge das iniciativas e do dinamismo da comunidade. Valoriza os recursosfinanceiros e materiais locais. Mas, principalmente, apoiar-se-á no empreen-dedorismo, disseminado fortemente entre os principais atores e nas PMEs locais, como fontes de geração de emprego. Na comunidade local, as parce-rias serão baseadas em projetos e pessoas, e não em instituições. Desta forma,é importante que os valores do empreendedorismo sejam difundidos entre osatores centrais da comunidade local para que, no processo de desenvolvimentoeconômico, as PMEs não sejam uma opção de segunda categoria, mas assumamuma posição de prioridade.

Neste sentido, também os promotores e gerenciadores de projetos, estejameles em órgãos públicos, universidades, ONGs ou na comunidade em geral,devem adotar uma visão e postura empreendedora. Para tanto, precisam rece-ber educação sobre empreendedorismo. Assim, não hesitarão em correr riscos,inovar, estabelecer vínculos e relações necessários ao alcance dos objetivos,identificar oportunidades e buscar recursos onde estiverem. Tais comporta-mentos empreendedores têm mais importância do que as estruturas colocadasem jogo, porque têm embutido no seu âmago os valores do desenvolvimento.Ao transformar os principais atores do processo de desenvolvimento local em

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veículos de criação e difusão do espírito empreendedor, estaremos combinandode forma adequada os comportamentos com os objetivos a alcançar.

A partir de 1999, o GEM realiza anualmente a mais abrangente pesquisasobre empreendedorismo, envolvendo um número crescente de nações. Os seusrelatórios indicam que o empreendedorismo é o principal fator de desenvolvi-mento econômico de um país e apresentam recomendações a países que buscamo desenvolvimento econômico que se ajustam inteiramente à situação brasileira,das quais destacamos as referentes ao ensino e à participação da mulher naeconomia, apresentadas a seguir:

• O apoio ao empreendedorismo e o aumento da dinâmica empreendedorade um país deveriam ser prioridades de qualquer política ou ação governa-mental que tenha por objetivo promover o desenvolvimento econômico.

• O aumento auto-sustentado a longo prazo das atividades empreendedo-ras exige forte comprometimento e investimento em educação no ensinosuperior.

• As habilidades e capacidades necessárias para criar uma empresa deveriamintegrar os programas de ensino em todos os níveis: fundamental, médioe superior.

• Independentemente do nível de ensino, a ênfase deve ser concentrada nodesenvolvimento da capacidade individual de procurar e identificar novasoportunidades.

• Para a maioria dos países que foram alvos da pesquisa do GEM, o resul-tado melhor e mais rápido na criação de novas empresas será obtido peloaumento da participação das mulheres na dinâmica empreendedora.

Segundo Paul Reynolds, um dos coordenadores do Relatório GEM, a pes-quisa “fornece evidências conclusivas de que a principal ação de qualquer go-verno para promover o crescimento econômico consiste em estimular e apoiaro empreendedorismo, que deve estar no topo das prioridades das políticaspúblicas. Em países onde tais políticas são mais efetivas, como os EstadosUnidos, onde para cada 12 pessoas é criada uma empresa, as perspectivas decrescimento econômico são significativamente maiores do que em paísescomo a Finlândia, onde essa relação é de 67 pessoas para cada empresa”.

A pesquisa do GEM endossa o argumento de que o empreendedorismofaz a grande diferença para a prosperidade econômica, e que um país sem

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altas taxas de criação de novas empresas corre o risco da estagnação econômi-ca. Nações que são capazes de renovar o estoque de empresas e têm a capaci-dade de acomodar a volatilidade e a turbulência no setor empresarial estão em melhores condições de competir efetivamente.

Em resumo, a pesquisa deixa claro que um pré-requisito para a atividadeempreendedora em um país é a existência de um conjunto de valores sociaise culturais que possam encorajar a criação de novas empresas.

Portanto, se no passado – e ainda hoje – desenvolvemos grande habilidadeem incutir em nossos filhos e alunos valores como emprego, estabilidade fi-nanceira e nível universitário como instrumentos fundamentais de realizaçãopessoal, temos agora a obrigação de educar nossas crianças e jovens dentro devalores como autonomia, independência, capacidade de gerar o próprio empre-go, de inovar e produzir riqueza, coragem de assumir riscos e crescer em am-bientes instáveis, porque, diante das condições reais do ambiente, são esses osvalores sociais capazes de conduzir países ao desenvolvimento.

A pequena empresa

A nova organização da produção no mundo coloca a pequena e a médiaempresas em seu centro. Elas são responsáveis pelas taxas crescentes de em-prego, de inovação tecnológica, de participação no PIB, de exportação.

No entanto, a percepção da importância da pequena empresa ainda não ésuficientemente clara entre nós. Acostumados a ver as grandes empresas e oEstado como pólos da economia, como fontes de emprego, temos resistênciaa redirecionar nossas expectativas em relação aos principais agentes econômi-cos e às praxes do ambiente de trabalho.

A pequena empresa surge em função da existência de nichos mercadológi-cos, ou seja, lacunas de necessidades não atendidas pelas grandes empresas epela produção de massa. Por isso, seu nascimento está intimamente ligado àcriatividade: o empreendedor tem que perceber o mercado de forma diferen-ciada, ver o que os demais não percebem.

As empresas de base tecnológica surgem no século XX como uma das prin-cipais forças econômicas. Pesquisadores, professores e alunos de universidadesapresentam alto potencial para a criação de novos empreendimentos baseadosno conhecimento. É preciso dar-lhes o estímulo adequado. A UFMG, atravésda criação de várias empresas, como a Akwan,13 adquirida pela Google, a

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UFPE, através do Cesar,14 a PUC-Rio, através do Gênesis,15 são exemplosbrasileiros que devem servir de modelos.

Desemprego

Em uma economia movida pelas grandes empresas e pelo Estado, nada maisnatural do que formar empregados. Este modelo, dirigido à criação de empre-gados para as grandes empresas, cumpriu sua missão. Esgotou-se, porém,diante das profundas alterações nas relações de trabalho e na produção. Aoterem seu eixo deslocado para os pequenos negócios, as sociedades se vêem in-duzidas agora a formar empregadores, pessoas com uma nova atitude diante dotrabalho e com uma nova visão do mundo.

A preparação do empreendedor

Por outro lado, não basta que exista a motivação para empreender. Énecessário que o empreendedor conheça formas de análise do negócio, domercado e de si mesmo para perseguir o sucesso com passos firmes e sabercolocar a sorte a seu favor.

São alinhados a seguir alguns motivadores para a preparação do em-preendedor em potencial:

As elevadas taxas de mortalidade nas empresas nascentesA regra é falir, e não ter sucesso. A quantidade de empresas que fecham pre-

maturamente, ou seja, a mortalidade infantil entre empresas nascentes, é elevadaem todo o mundo. Apesar de as estatísticas apresentarem falhas – pois registramo fechamento de empresas, mas não acompanham o empreendedor, que poderáestar abrindo outro negócio –, não há como negar que uma descomunal energiae incalculáveis recursos são desperdiçados por novos empreendedores.

O aprendizado na área tem o objetivo de reduzir esses índices, dar elemen-tos ao empreendedor sobre sua empresa antes de abri-la, através do Plano deNegócios, fundamentando sua decisão.

De cada três empresas criadas, duas fecham as portas. As pequenas empre-sas (menos de 100 empregados) fecham mais: 99% das falências são de pe-quenos negócios. Se alguns têm sucesso sem qualquer suporte, a maioriafracassa, muitas vezes desnecessariamente.

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A solução tecnológica não é, sozinha, garantia de sucesso.A grande falácia da ratoeira

O conhecimento científico e tecnológico nunca foi tão indispensável e, aomesmo tempo, tão insuficiente como agora. Existe um pensamento tão comumquanto enganoso que leva as pessoas a achar que, se têm uma nova idéia e, maisainda, se esta idéia utiliza uma tecnologia avançada, o sucesso está garantido.Mas sabemos que isto, devido ao alto grau de competição do mundo atual,não corresponde à verdade. Sabemos também que a contribuição do conheci-mento puramente tecnológico, ligado ao produto, para o sucesso da empresa,apesar de ser fundamental, corresponde a uma parcela menor do que a deoutros fatores, ligados às tarefas de prospecção de mercado, vendas, distribuiçãoe comunicação da existência e das vantagens do produto/serviço.

Esta falácia tem suas origens em vários pressupostos. Entre eles, a lógica daprimeira metade do século XX, em que a qualidade do produto era um diferen-cial mercadológico em virtude de uma concorrência ainda leve e de um mundoem que as mudanças não eram tão rápidas como hoje. Outro pressuposto é aimagem de grandes inventores do século XIX e começo do século XX, comoEdson e Bell, que transformaram suas idéias em grandes empreendimentos. Afalácia da ratoeira16 é alimentada pela tendência do dono da idéia de subesti-mar os outros elementos que conduzem ao sucesso, visto o processo de geraçãode idéias estar contaminado pelo sentimento de identificação e propriedade.

Na nossa experiência didática com estudantes de áreas tecnológicas, veri-ficamos que a supervalorização da tecnologia ligada ao produto é uma ten-dência perigosa. Entrar antes no mercado, com uma grande idéia, tambémnão é garantia de sucesso. Muitas vezes, a empresa que chega primeiro sina-liza a existência de um mercado altamente convidativo, atraindo concorrentesque poderão dominar o nicho. Assim, a falácia da ratoeira deve ser semprelembrada, principalmente entre os empreendedores da área tecnológica.

Idéia é diferente de oportunidadeEmpreendedores sem sucesso confundem idéia com oportunidade. Como

foi dito anteriormente, a idéia causa grande fascínio em seu autor. O apego à idéia, por razões psicológicas, pode impedir que ela sofra um processo devalidação e, não raro, faz com que se torne uma das causas do insucesso. Ojovem empreendedor deve aprender a ver sua idéia com distanciamento emo-cional, de modo a poder fazer uma análise detalhada dela.

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Nova orientação ao ensino

“A função mais importante da universidadena era da razão é proteger a razão de si mesma.”

Allan Bloom, filósofo americano

Os valores do nosso ensino não sinalizam para o empreendedorismo, estandovoltados, em todos os níveis, para a formação de profissionais que irão buscaremprego no mercado de trabalho. Assim, o emprego assume um valor funda-mental na formação da nossa sociedade.17 Outra característica nos cursos profis-sionalizantes e universitários é a “cultura da grande empresa”, ou seja, quando sefala de empresa, são abordados os temas relativos às grandes organizações, e nãoos característicos dos pequenos negócios. Os cursos de administração, com rarasexceções, são voltados quase exclusivamente para o gerenciamento de grandesempresas. Por outro lado, muitas das nossas instituições de ensino estão distan-ciadas dos “sistemas de suporte”: empresas, órgãos governamentais, financia-dores, associações de classe, entidades das quais os pequenos empreendedoresdependem para sobreviver. As relações universidade-empresa, indispensáveis naformação de empreendedores, são ainda incipientes no Brasil.

Segundo William Bolton,18 grandes transformações nos campos da econo-mia de desenvolvimento empresarial e da educação sugerem que os atuaismodelos já não são adequados para explicar problemas e prover soluções.Grandes empresas tradicionais enfrentam dificuldades financeiras, enquantoempresas de base tecnológica apresentam crescimento espetacular e batemrecordes de valor nas Bolsas. Ele sugere que, no novo modelo em curso – quebatiza de enterprise paradigm –, cujo elemento fundamental são as empresasde base tecnológica, a universidade tem papel de vanguarda, uma vez que apresenta a maior concentração de talentos intelectuais em qualquer setor,lida com corações e mentes das novas gerações e tem uma dispersão geográ-fica que facilita seu apoio ao desenvolvimento regional. Mas adverte: ao mesmotempo que está diante de uma grande oportunidade, a universidade pareceignorar o perigo representado por sua tradição e seu tamanho, que fazem comque processe mudanças de forma lenta. Vai mais além, ao dizer que não hámeio-termo no envolvimento da universidade: ou ela exerce a liderança doprocesso ou ficará a reboque dos acontecimentos.

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Velocidade das mudançasO mundo está presenciando grandes mudanças em velocidade alucinante:

em 1985, foram lançados 5 mil novos produtos nos Estados Unidos; dez anosdepois, este número saltou para 25 mil produtos, envolvendo novas tecnolo-gias, novas formas de comercialização, etc. Empreender com sucesso signifi-ca ser capaz de desenvolver um potencial de aprendizado e criatividade, juntocom a capacidade de implementá-lo em velocidade maior que o ritmo dasmudanças no mercado. A competitividade de empresas e países é representa-da agora pela capacidade de inovar.

Tendências internacionaisNo mundo todo, o empreendedorismo é uma febre.19 O número de insti-

tuições universitárias que oferecem este tipo de conteúdo nos Estados Unidospassou de 50, em 1975, para mais de mil em 1988. Em cinco estados daquelepaís, o ensino de empreendedorismo é obrigatório.

Na última década do século passado o empreendedorismo explodiu nasantigas nações comunistas do Leste Europeu, que contratam pesquisadores,professores e empreendedores do Ocidente para divulgar a cultura empreen-dedora. O autor deste livro teve a oportunidade de fazer palestras em Cubasobre a cultura empreendedora, acompanhadas com grande interesse.

O intra-empreendedor

Na era industrial, cuja ênfase é a otimização do desempenho da produção, oelemento principal é o especialista, alguém que domina os conhecimentos daárea em que atua, ou seja, está a par dos avanços feitos até o passado mais re-cente. Na era do conhecimento um novo elemento passa a ser o centro da com-petitividade: a capacidade de inovar. Isto faz com que o profissional dos novostempos, além de dominar os conhecimentos do estado-da-arte, deve ser espe-cialista no que não existe, ou seja, deve ser capaz de conceber um novo futuroe de transformá-lo em realidade.

Exige-se hoje, mesmo para aqueles que vão ser empregados, um alto grau deempreendedorismo. As empresas de base tecnológica precisam de colaboradoresque, além de dominar a tecnologia, conheçam o negócio, saibam auscultar osclientes, atender a suas necessidades e, principalmente, introduzir inovações.

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QUADRO I.1Agentes na empresa inovadora

Gerente Empreendedor Intra-empreendedor

Motivação Motivado pelo poder Motivado pela liberdade Motivado pela liberdade dede ação, automotivado ação e pelo acesso aos

recursos organizacionais.Automotivado mas sensível às recompensas organizacionais

Atividades Delega sua autoridade. Arregaça as mangas. Pode delegar, mas colocaO trabalho de escritório Colabora no a mão na massa quandomobiliza todas as suas trabalho dos outros necessárioenergias

Competências Usualmente graduado em Tem mais faro para os Parecido com oAdministração. Possui negócios que habilidades empreendedor, mas utilizahabilidades políticas gerenciais ou políticas. certa habilidade política

Conhece o negócio, o setorem que atua; voltadopara oportunidades

Centro de Sobretudo os Principalmente o que se Tudo o que aconteceinteresse acontecimentos passa fora da empresa: dentro e fora das empresas.

internos à empresa o mercado, a dinâmica Compreende as necessidadesdo negócio do mercado

O erro e Esforça-se para evitar os Considera que o erro e o Dissimula os projetos deo fracasso erros e as surpresas fracasso são ocasiões para risco para não macular a

aprender alguma coisa imagem de qualidade desua empresa ou unidade

Decisões Aprova as decisões dos Segue a própria visão. Mestre na arte deseus superiores. Toma suas próprias convencer os outros da boaCertifica-se do que eles decisões e privilegia fundamentação da suaquerem antes de agir a ação em relação visão. Orientado para a

à discussão ação, mas prontopara o compromisso

Atitude frente Vê a burocracia com Se o sistema não o satisfaz, Acomoda-se ao sistema ou ao sistema satisfação; ela protege ele o rejeita para o leva ao curto-circuito

seu status e poder construir o seu sem o abandonar

Relações com Funciona tendo a As transações e a As transações sociais seos outros hierarquia como negociação são seus processam dentro do

princípio básico principais modos respeito às pressõesde relação hierárquicas

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O empreendedor spin-off 20

Spin-offs são processos de geração de novas empresas e negócios, a partir deempresas existentes (empresas-mãe) ou de laboratórios de pesquisa. São novas“colméias” de negócios ou empresas “filhotes” “ejetadas” e apresentadas aomercado, bem vivas, em função de oportunidades identificadas de inovação ecriação de valor que exigiam novos modelos de negócios, em formatos organi-zacionais diferentes da organização de origem ou criando “famílias”, genealo-gias de negócios assemelhados e com parentesco entre si.

O spin-off é uma das formas de empreendedorismo mais efetivas, porquegera empresas com alto potencial de sucesso, uma vez que aproveitam a siner-gia com a empresa-mãe e com os centros de pesquisa.

No Quadro 1.1, extraído de Lavoie,21 as novas exigências do ambiente eco-nômico são extrapoladas para os perfis dos agentes no interior das empresas,numa síntese bastante elucidativa.

Ética, cidadania e responsabilidade social

A formação de empreendedores nas escolas enseja uma oportunidade únicade abordar os conteúdos éticos que envolvem a atividade econômica e profis-sional. Por sua grande influência na sociedade e na economia, os empreende-dores, como qualquer cidadão, devem ser guiados por princípios e valores éticos.É importante, por exemplo, que eles saibam que os danos causados pelas lici-tações públicas irregulares e a prática de propinas vão além dos ganhos ilícitosde alguns: na verdade, inibem o crescimento tecnológico, tornam inútil a ino-vação, despreparam o país para a competição internacional.

Somente deve ser considerado empreendedor aquele que oferece valor positivo para a coletividade. Empreendedorismo não pode ser consideradoexclusivamente como uma via de enriquecimento individual.

A sociedade também deve estar atenta para os empreendimentos cujos re-sultados não são aplicados na localidade onde se situam.

O empreendedor deve apresentar alto comprometimento com o meio am-biente e com a comunidade; ser alguém com forte consciência social. A salade aula é um excelente lugar para o debate desses temas. Segundo Tocqueville,22

a diferença entre indivíduo e cidadão é que este procura o seu bem-estarconstruindo primeiro o bem-estar da sua comunidade, enquanto o indivíduo

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segue o caminho inverso: cada um por si e o poder público por todos. A susten-tabilidade nasce na coletividade e se estende aos indivíduos, e não o contrário.

O conceito de responsabilidade social das empresas e dos atores econômicosé recente e significa uma conquista da cidadania. No entanto, é inegável que,sob o ponto de vista ético, toda e qualquer responsabilidade tem a ver com avida humana, o equilíbrio ecológico, com a vida em todas as suas manifesta-ções. Em outras palavras, deve ser biocêntrica. A mensagem da “responsabili-dade social” deve ser entendida como: o objetivo central não é o produto, masa vida, a democracia, a felicidade. O tema da ética é retomado no Capítulo 4.

Duas formas de empreender

A pequena empresaA forma de empreender através de pequenas empresas foi primeiro perce-

bida pela Inglaterra, que criou grupos de pesquisa para estudar a importânciada pequena empresa na economia após a Primeira Guerra Mundial, na décadade 1920. Uma das descobertas foi que os pequenos negócios geram mais em-pregos do que as grandes organizações. As pesquisas continuaram e, em 1971,o relatório da Comissão Bolton demonstrou: os pequenos negócios surgemquando as circunstâncias não favorecem a produção em massa das grandesempresas e sua conseqüente economia de escala. Ele evidenciou também queos pequenos negócios são criados por empreendedores, o que reserva a estese aos que geram o auto-emprego lugar central no campo do empreendedorismo.

Segundo Cozzi,23 citando Kirchhoff, na década de 1970 um estudo do U.S.Small Business Administration – SBA – sobre emprego de mão-de-obra con-cluiu que as pequenas empresas criavam cerca de 80% do emprego líquido nosEUA, ou seja, elas proporcionavam mais crescimento econômico que as grandesempresas. Essa descoberta causou perplexidade entre os economistas neoclás-sicos por duas razões: primeiro, porque provava que a economia de escala nãodominava o crescimento econômico, já que as pequenas, e não as grandes em-presas, eram responsáveis pelo crescimento da economia. Segundo, porquesugeria que a teoria da destruição criativa de Schumpeter descrevia melhor aeconomia. Para Kirchhoff (1997), essa descoberta colocou em dúvida o modelodo capitalismo americano baseado na teoria econômica neoclássica e transfor-mou os empreendedores em heróis. Com o reconhecimento da contribuiçãodo empreendedorismo para a sociedade americana, o emprego nas grandes

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organizações deixou de ser o primeiro objetivo de quem está procurando tra-balho e renda. Ficar economicamente independente por meio da iniciativaindividual virou a última expressão do ideal americano de individualismo.Nas palavras do autor: “Empreendedores criam riqueza através da inovaçãoe estão no centro da geração do emprego e do crescimento da economia.Empreendedores criam um mecanismo de distribuição de riqueza que de-pende da inovação, de trabalho duro e de assumir risco. Como isso é larga-mente respeitado como base apropriada para a distribuição da riqueza, osempreendedores criam um método ‘justo e eqüitativo’ de redistribuição deriqueza.” (KIRCHHOFF, 1997, p. 455)

O auto-emprego Os tempos atuais são marcados pelo aumento da opção pelo auto-emprego e

pelo surgimento de empreendedores involuntários, representados principalmentepor recém-formados e por trabalhadores demitidos de corporações e órgãos públi-cos em virtude de reestruturações, fechamentos, privatizações, fusões, etc. Ouseja: pessoas que, não conseguindo colocação ou recolocação no mercado, se vêemforçadas a criar seu próprio emprego como única alternativa de sobrevivência.

Muitos dos empreendedores involuntários não são movidos pela inovação;portanto, não poderiam ser chamados de empreendedores no sentido schum-peteriano do termo. O conceito de sucesso também vem sofrendo mudançasentre jovens empreendedores, que o associam muito mais a critérios internos,como auto-realização, do que a critérios extrínsecos, como status ou altos lucros.

Formar empreendedores e não empresas

Muitos pensam que as empresas existem sem os empreendedores, os que ascriam. Educar na área de empreendedorismo ou disseminar uma cultura em-preendedora significa preparar pessoas capazes de criar empresas. Por que taldistinção? Porque empreender significa identificar oportunidades permanen-temente, inovar e mudar sempre. A visão mecânica do mundo empresarialnos quer dizer, equivocadamente, que uma empresa, depois de lançada, cami-nhará com as próprias pernas. Sabemos que empreender significa identificaroportunidades e inovar permanentemente. Para permanecerem, as empresasprecisam se transformar. Não raro testemunhamos a queda de gigantes em-presariais aparentemente indestrutíveis.

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