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2010
Realizao da Publicao
UFRRJ
CEFET-Nova Friburgo
Organizao
Arthur Valle
Camila Dazzi
Projeto Grfico
Camila Dazzi
dzaine.net
Editorao
dzaine.net
Editoras
EDUR-UFRRJ
DezenoveVinte
Correio eletrnico
Meio eletrnico
A presente publicao rene os textos de comunicaes apresentadas de forma mais sucinta no II Colquio Nacional
de Estudos sobre Arte Brasileira do Sculo XIX. Os textos aqui contidos no refletem necessariamente a opinio ou a
concordncia dos organizadores, sendo o contedo e a veracidade dos mesmos de inteira e exclusiva responsabilidade
de seus autores, inclusive quanto aos direitos autorais de terceiros.
Oitocentos - Arte Brasileira do Imprio Repblica - Tomo 2. / Organizao Arthur Valle, Camila Dazzi. -
Rio de Janeiro: EDUR-UFRRJ/DezenoveVinte, 2010.
1 v.
ISBN 978-85-85720-95-7
1. Artes Visuais no Brasil. 2. Sculo XIX. 3. Histria da Arte. I. Valle, Arthur. II. Dazzi, Camila. III.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. IV. Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da
Fonseca. Unidade Descentralizada de Nova Friburgo. V. Colquio Nacional de Estudos sobre Arte Brasileira do
Sculo XIX.
CDD 709
3
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Apoio e Realizao
s .
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4
II COLQUIO NACIONAL DE ESTUDOS
SOBRE ARTE BRASILEIRA DO SCULO XIX
Rio de Janeiro, 22 a 25 de Fevereiro de 2010
Fundao Casa de Rui Barbosa
q
REALIZAO
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Ricardo Motta Miranda
Diretor do Instituto de Cincias Humanas e Sociais
Antnio Carlos Nogueira
Chefe do Departamento de Letras e Cincias Sociais
Csar Augusto da Ros
Coordenador do Curso de Belas Artes
Fabio De Macedo
*
CENTRO FEDERAL DE EDUCAO TECNOLGICA DO RIO DE JANEIRO - UNED NOVA
FRIBURGO
Diretor-Geral
Miguel Badenes Prades Filho
Diretora da UnED Nova Friburgo
Fernanda Rosa dos Santos
*
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Alosio Teixeira
Diretor da Escola de Belas Artes
Carlos Terra
Diretora do Programa de Ps-Graduao em Artes Visuais
Maria Cristina Volpi Nacif
q
COORDENAO GERAL DO COLQUIO
Arthur Valle (DLCS/ICHS/UFRRJ)
Camila Dazzi (CEFET/RJ-Nova Friburgo)
5
q
Sumrio
s
11 APRESENTAO
13 TRS MOEMAS: AS VERSES DE VICTOR MEIRELLES, PEDRO AMRICO E RODOLPHO
BERNARDELLI
Alexander Gaiotto Miyoshi
30 WEINGRTNER E A REPETIO
Alfredo Nicolaiewsky
41 ELISEU VISCONTI (1866-1944) E AS VANGUARDAS ARTSTICAS EUROPEIAS
Ana Maria Tavares Cavalcanti
57 ACADMIE JULIAN E A FORMAO DE ARTISTAS BRASILEIROS
Ana Paula Cavalcanti Simioni
71 SO PAULO: MEIO ARTSTICO E AS EXPOSIES (1895-1929)
Ana Paula Nascimento
85 A XXXVIII EXPOSIO GERAL DE BELAS ARTES E SUA SIGNIFICAO PARA A
CONSTRUO DA MODERNIDADE NO BRASIL O SALO DE 31
Angela Ancora da Luz
93 O REVIVALISMO BARROCO E ROCOC NO MOBILIRIO OITOCENTISTA BRASILEIRO
Angela Brando
100 RELAES ENTRE PINTURA DECORATIVA E DECORAO DE INTERIORES NA ARTE
BRASILEIRA DA PRIMEIRA REPBLICA
Arthur Valle
113 HISTRIAS ILUSTRADAS: NGELO AGOSTINI E A CRIAO DOS QUADRINHOS DE
AVENTURA
Bernardo Domingos de Almeida
121 DOIS NUS POLMICOS: LE LEVER DE LA BONNE DE EDUARDO SVORI E ESTUDO DE
MULHER DE RODOLPHO AMODO
Camila Dazzi
6
131 A ARQUITETURA ECLTICA NA PRAA DA ESTAO: A ARTE BRASILEIRA E A
CONSOLIDAO DO ESPAO URBANO NO FINAL DO SCULO XIX
Carlos Eduardo Ribeiro Silveira
140 ARTE E ARQUITETURA NO SUL DO BRASIL: SO SEBASTIO DE PORTO DE CIMA, A
IGREJA DE DUAS CABEAS
Cludia Eliane Parreiras Marques Martinez
154 HISTORICISMO E MODERNISMO: A CIDADE E SEUS MONUMENTOS
Claudia Ricci
164 O PANORAMA DO RIO DE JANEIRO E A PUBLICIDADE
Cristina Pierre de Frana
172 O ENSINO ACADMICO E O AMBIENTE ARTSTICO NO RIO DE JANEIRO ATRAVS DAS
EXPOSIES GERAIS
Cybele Vidal N. Fernandes
184 TEIXEIRA DA ROCHA: PAISAGENS CRISTALIZADAS
Dalmo de Oliveira Souza e Silva
190 AS RELAES ENTRE O ENSINO ARTSTICO OFICIAL E A FORMAO DE UMA
HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA
Denise Gonalves
198 BARO DO MARAJ - TRADUO DA VISO DE UM HISTORIADOR E MATEMTICO
PARA COM AS BELAS ARTES NO PAR
Edison Farias
208 PAISAGEM E ACADEMIA: FLIX-MILE TAUNAY E O BRASIL
Elaine Dias
218 PAISAGEM, NARRATIVA E IDENTIDADE NA PINTURA DE ANTNIO PARREIRAS
Fbio Pereira Cerdera
233 CONECTOR CULTURAL: EDGARD PINHEIRO VIANNA E OS CAMINHOS DA
ARQUITETURA CARIOCA (1895 1936)
Fernando Atique
251 VICTOR MEIRELLES: QUANDO VER PERDER
Fernando C. Boppr
7
267 A EXPOSIO ARTSTICA E INDUSTRIAL E AS INICIATIVAS DE FOMENTO S BELAS
ARTES EM BELM DO PAR NO FINAL DO SCULO XIX
Gidalti Oliveira Moura Jr
278 A POLMICA IDENTIDADE DE VIAJANTE PARA JEAN BAPTISTE DEBRET
Heloisa Pires Lima
290 A PINTURA DE PAISAGEM EM PORTO ALEGRE, C.1890 C.1950
Jos Augusto Avancini
305 PROJETO VICTOR MEIRELLES MEMRIA E DOCUMENTAO
Leticia Bauer
315 PERSPECTIVAS NO ESTUDO DA CULTURA VISUAL BRASILEIRA DO SCULO XIX
Luciano Migliaccio
327 ARTE EM REVISTA: OBRAS DE ARTE PUBLICADAS NA REVISTA ILUSTRAO
BRASILEIRA
Luciene Lehmkuhl
342 O IMPACTO DA ACADEMIA DE BELAS ARTES DA BAHIA NA ARTE OITOCENTISTA
Luiz Alberto Ribeiro Freire
361 A VIOLNCIA COMO ELEMENTO DISTINTIVO ENTRE A REPRESENTAO DO NDIO
NO BRASIL E MXICO NO SCULO XIX
Maraliz de Castro Vieira Christo
378 AS LITOGRAFIAS A PARTIR DE FOTOGRAFIAS DE VICTOR FROND E AS IMAGENS DO
BRASIL NO SEGUNDO REINADO
Maria Antonia Couto da Silva
389 RODOLFO BERNARDELLI E A REFORMA URBANA DE PEREIRA PASSOS
Maria do Carmo Couto da Silva
403 DJALMA DA FONSECA HERMES: UM COLECIONADOR DE ARTE BRASILEIRA
Maria Helena da Fonseca Hermes
419 A ARTE NA ARTE DE NEGOCIAR E NA DIPLOMACIA: A IMPORTNCIA DA MISSO
AUSTRACA PARA A INDEPENDNCIA DAS ARTES VISUAIS NO BRASIL DO SCULO
XIX
Maria Joo Nunes de Albuquerque
8
437 ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O NEOGTICO NO BRASIL
Maria Lucia Bressan Pinheiro
452 CENAS DA METRPOLE BRASILEIRA: UM PREMBULO PELO IMAGINRIO
ARQUITETNICO DOS ARRANHA-CUS EM FINS DA DCADA DE 1920
Maria Luiza de Freitas
469 O QUE OS OLHOS VEM, O CORAO SENTE: ORIENTAES PARA A DECORAO
DOS LARES NAS REVISTAS ILUSTRADAS OITOCENTISTAS
Marize Malta
483 NOVAS DESCOBERTAS SOBRE DUAS PINTURAS DE ELISEU VISCONTI
Mirian N. Seraphim
500 A ARTE E A POLTICA DOS VITRAIS DA CATEDRAL METROPOLITANA DE VITRIA
Mnica Cardoso de Lima
515 INFORME SOBRE O INVENTRIO CRONOLGICO DA OBRA PICTRICA E GRFICA DE
PEDRO WEINGRTNER
Paulo Gomes
526 AS ARQUITETURAS EFMERAS NA COROAO DE D. PEDRO II ATRAVS DOS
DESENHOS DE RAFAEL MENDES DE CARVALHO
Piedade Grinberg
533 O ANTIGO RENASCE E SE ATUALIZA NO MODERNO: A EXPERINCIA ECLTICA DE
UMA ARQUITETURA EGIPCIANTE NO RIO DE JANEIRO
Renato Menezes Ramos
540 EMLIO ROUDE: TEMPO DE MINAS
Ricardo Giannetti
552 MANDINGA, CINCIA E ARTE RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS EM MODESTO
BROCOS, NINA RODRIGUES E JOO DO RIO
Roberto Conduru
565 PINTURA, UM PROJETO POLTICO-CULTURAL? A REPRESENTAO DO NDIO NO
TRABALHO DE ANGELO AGOSTINI
Rosangela de Jesus Silva
580 EDUARDO DIAS: VISUALIDADE ONRICA E PINTURA ANALFABETA
Rosangela Miranda Cherem
9
591 NATUREZAS MORTAS: O MUSEU NACIONAL E A CONSTRUO DA NAO NA
ENCOMENDA DE D. PEDRO I PARA O ULTRAMAR
Sabrina Parracho SantAnna
604 A PRESENA DA ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES E DA ESCOLA NACIONAL DE
BELAS ARTES NO CENRIO DAS ARTES VISUAIS EM SANTA CATARINA
Sandra Makowiecky
617 A TRADIO ARTSTICA E OS ENVIOS DOS PENSIONISTAS DA ACADEMIA IMPERIAL
DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO
Sonia Gomes Pereira
639 PROFISSIONAIS ITALIANOS NA SALVADOR ECLTICA
Suely de Oliveira Figueirdo Puppi
657 ALESSANDRO CICCARELLI E A TELA CASAMENTO POR PROCURAO DA
IMPERATRIZ D. TERESA CRISTINA: UM ENSAIO INTERPRETATIVO
Valeria Lima
670 A BELEZA DA PTRIA: O VITRAL ALEGORIA BANDEIRA E REPBLICA DO
PLENRIO DO PALCIO PEDRO ERNESTO (CMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO)
Valria Salgueiro
692 BARCO A SECO: CASTAGNETO COMO MODELO DE ARTISTA MODERNO
Vera Beatriz Siqueira
701 O CRTICO COMO ARTISTA
Vera Lins
707 1877: A POLMICA PINTURA DA BATALHA DO AVAH EXPOSTA EM UMA ROTUNDA DE
PANORAMA NO RIO DE JANEIRO
Vladimir Machado
10
11
q
Apresentao
s
A publicao que o leitor folheia digitalmente - Oitocentos - Arte Brasileira do Imprio
Repblica - Tomo 2 - rene os textos integrais de comunicaes apresentadas no II Colquio
Nacional de Estudos Sobre a Arte Brasileira do Sculo XIX, realizado entre os dias 22 e 26 de
fevereiro de 2010, no auditrio do Centro Cultural Casa de Rui Barbosa, localizado na cidade do
Rio de Janeiro/RJ. O evento objetivava analisar as manifestaes das artes visuais produzidas no
Brasil durante o sculo XIX e nas dcadas iniciais do sculo XX: embora a arte brasileira produzida
nesse lapso de tempo esteja longe de ser homognea, julgamos proveitoso trat-la como um bloco,
devido a algumas de suas caractersticas comuns, notadamente em funo do dilogo - harmnico ou
polmico - que ela estabeleceu com a pedagogia de instituies oficiais de ensino artstico - as
academias de arte -, cuja representante mais clebre no Brasil foi a Academia/Escola das Belas Artes
do Rio de Janeiro.
Ao reunir parte significativa das novas leituras a respeito da produo artstica do perodo
destacado, cremos que a publicao representa bem a expanso do interesse sobre a arte brasileira do
sculo XIX que se tem verificado entre nossos pesquisadores, especialmente nas duas ltimas
dcadas. notrio, no entanto, o quanto os estudos recentes continuam mal divulgados e mesmo
desconhecidos, entre os prprios especialistas e, sobretudo, entre os pesquisadores iniciantes. O
referido colquio, bem como a presente publicao dele derivada, disponibilizada em rede na
Internet, procuram contribuir no sentido de minimizar essa lacuna, possibilitando que todos os
interessados tomem contato com aspectos significativos do novo quadro historiogrfico que vem se
configurando sobre a nossa arte oitocentista.
Arthur Valle (DLCS/ICHS/UFRRJ)
Camila Dazzi (CEFET/RJ-Nova Friburgo)
Organizadores
12
13
q
Trs Moemas: as verses de Victor Meirelles, Pedro Americo e Rodolpho Bernardelli
Alexander Gaiotto Miyoshi
s
oema, a bela indgena do pico Caramuru, afogada por amor a um portugus, foi
convertida num emblema da cultura brasileira. Em sua transformao de coadjuvante
literria a smbolo da nao,1 trs obras de arte tem um especial sentido: as pinturas de Victor
Meirelles e Pedro Americo e a escultura de Rodolpho Bernardelli [Figura 1, Figura 2 e Figura 3].
Para os trs artistas, Moema foi um ponto em comum. No h em suas obras outras
composies que dividam o mesmo ttulo e personagem. Embora eles a tenham retratado de formas
diversas, a escolha coincidiu de modo nada casual; em essncia, suas Moemas compartilham a
mesma situao: a indgena est nua e inerte, como em nenhum momento se descreve no poema
pico.
Moema parece ter sido uma inveno de frei Jos de Santa Rita Duro, provavelmente criada
para acentuar o drama do episdio das nadadoras, reputado como verdico em alguns relatos
histricos de Caramuru. Na epopeia, contudo, sua presena pontual: ela somente surge (e
desaperece) no canto sexto. A transformao de Moema em personagem de relevo foi um longo
processo do qual participaram primeiro a crtica literria, depois a musical e artstica, bem como as
mudanas no gosto de leitores e escritores, msicos e melmanos, artistas e apreciadores das belas
artes.
A Moema de Victor Meirelles
Victor Meirelles foi o provvel idealizador da cena. Seu quadro acompanhou a onda dos
retratos de deidades nuas e mulheres mortas, integrando-se ao mesmo tempo ostensiva busca por
um tema nacional, comum aos poetas e artistas do tempo.
Doutor em Histria da Arte pelo IFCH/Unicamp. 1 Moema foi compreendida como smbolo de brasilidade principalmente pelo crtico literrio Povina Cavalcanti. Ver
MIYOSHI, Alex. Moema morta. Tese de doutorado (orientao de Jorge Coli), Campinas, IFCH-UNICAMP, 4 de
maro de 2010.
14
Foi a tradio pictrica, mais do que a literria, que deu a Meirelles subsdios produo de
Moema.2 Mas a despeito da sensualidade de muitos quadros daqueles anos, o pintor buscou mais a
beleza moral do que a fsica, como observou Argeu Guimares.3 Essa busca perceptvel no s em
Moema, ltimo nu de Meirelles, como tambm no desenho preparatrio tela [Figura 4].
As posies dos corpos diferem substancialmente. No croqui, o busto e o rosto esto virados
para baixo e os braos estendidos, como os de um nadador, com a cabea voltada para o mar, como
que sugerindo a tentativa de alcanar o navio (ao contrrio do que se v na tela, a cabea voltada ao
continente). Da cintura aos ps, porm, seu corpo est de lado, expondo de forma monumental
apenas uma das pernas e ndegas. O desenho to vacilante que dificulta precisar onde as ndegas
se separam. O estranhamento causado por essas deformaes aumenta com a rotao inusitada do
corpo. A impresso de que o artista se esforou em mostrar a ndia nua e ao mesmo tempo
escond-la.
Se compreendermos Meirelles como o catholico sincero e convencido que informa Rangel
de S. Paio,4 talvez compreendamos um dos motivos a seu empenho por fazer de Moema um quadro
to espiritual. Para S. Paio, Meirelles seria incapaz de considerar o progresso incompativel com a
egreja. Desse modo, Meirelles pode ter acentuado a vtima que fora apenas esboada por Duro.
No pico, Moema no podia interpr-se unio de Diogo e Paraguau; por isso perdera-se nas
guas. Na pintura, por outro lado, Moema pode ser vista mais fortemente como uma injustiada,
cujo corpo, ao contrrio do destino dado na epopeia, no desapareceu. Da poesia ao quadro houve
outra mudana fundamental: o exagero arrebatado das imprecaes de Moema deu lugar
conteno pacfica de sua pose na praia.
Considere-se ainda que o pintor nutrira-se do purismo neoplatnico romano. Coli desvenda a
fora desse movimento em Meirelles. Ele marcaria toda a sua obra. Mas mesmo que o purismo fosse
uma linguagem por excelncia de uma pintura catlica, o artista no pe sua arte a servio da
religio; seu projeto laico, vinculado ao processo, ento em curso, de constituir uma histria
moderna do Brasil.5 Moema no possui teor religioso exceto, talvez, como crtica, sobretudo se
contraposta Primeira Missa no Brasil, o grande quadro de Meirelles que a antecede.
2 Coli observou, de forma extensa e aprofundada, a relao de Moema com o erotismo e o exotismo renovados,
internacionais, prprios dos anos de 1860. Ver COLI, Jorge. A Batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas
relaes com a pintura internacional, tese de livre docncia, Campinas: IFCH-UNICAMP, 1997, p. 318. 3 GUIMARES, Argeu. Aurola de Vtor Meireles. Rio de Janeiro: Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, 1977,
p. 80-82. 4 S. PAIO, Rangel de. O quadro da Batalha dos Guararapes seu autor e seus criticos. Rio de Janeiro: Typographia
de Serafim Jos Alves, 1880, p. 201. 5 COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira no sculo XIX? So Paulo: Senac Editora, 2005, p. 70-71.
15
O contraste paisagstico com A Primeira Missa esclareceria algo. O cu azul e lmpido, sem
sinal de mau tempo, ilumina o nascimento da nao, com o batismo pela igreja. Em Moema, ao
contrrio, tudo avermelhado e no h indcios de bonana. Olhando para ambas as telas, como num
dptico, e seguindo a fbula pica de Caramuru, seria mais fcil compreender a pintura em acordo
com o poema. O destino da indgena avessa f catlica, civilizao e ao manto espesso de
algodo seria, assim, justificado.
Mas preciso seguir a narrativa do quadro, mais do que a da epopeia, pois h outra
passagem inexistente nos versos e criada por Meirelles: o agrupamento indgena, ao fundo,
sinalizando o encontro de Moema na praia.
Se a imagem do quadro serena, anulando as dramticas atitudes, imprecaes e
tempestades invocadas por Moema, o drama est no pequeno grupo de selvagens que chega baa e
encontra o corpo da irm. Dentre os indgenas, percebemos apenas um rosto, que dirige o olhar a
Moema, to longe, mas nitidamente assombrado. O arranjo de penas de Moema evoca a tiara desse
ndio, talvez seu pai, Xerenimb. preciso ler o incio do sexto canto para entend-lo.
Diogo descansava da guerra, vitorioso com seu arcabuz. Os indgenas, gratos, ofertavam-lhe
as filhas:
Tuiba, dos Tapuias Chefe antigo,
Tiapira lhe offerece celebrada;
E com a mo da filha deixa amigo
Huma illustre alliana confirmada:
Xerenimb trazia-lhe comsigo
A formosa Moema j negada;
A muitos Principaes, por dar-lhe esposo,
Digno do tronco de seus Pais famoso.6
Diogo recusou gentilmente, tratando os pais e os irmos como parentes, pois somente lhe
interessava Paraguau.
O fim de Moema na epopeia, sob esse ponto de vista, torna-se ainda mais triste. Duro no
deu aos indgenas a oportunidade de reencontr-la, mesmo morta. Seu corpo se perdeu para sempre
nos versos.
Mas de onde extraiu Meirelles as referncias a esse grupo de ndios? Onde buscou inspirao
a sua narrativa? Talvez algumas referncias se encontrem em outra obra literria, a Antologia Grega,
no livro stimo, epigrama 291, intitulado em algumas compilaes como A nufraga:
6 DURO, Frei Jos de Santa Rita. Caramur. Poema Epico do Descobrimento da Bahia. Lisboa: Regia Officina
Typographica, 1781, p. 168.
16
De teus cabelos escorre ainda a gua salgada, virgem infeliz, triste nufraga, plida Lisdica. Os
ventos levantavam as ondas, que se enfureciam e te assustavam. A tempestade terrvel afinal te
colheu e te carregou para longe do navio.
L-se num tmulo o teu nome, e l-se tambm o nome do teu pas. Mas teu corpo descansa numa
praia fria. E teu pai sofre a dor mais profunda - le que pensava conduzir-te ao altar, no dia de
tuas npcias, e que no levou para a casa nupcial nem a noiva nem a morte.7
No quadro de Meirelles encontra-se algo do trecho,8 em particular o destaque dado aos
cabelos midos, ao corpo da afogada numa praia fria e presena marcante do pai. No poema de
Duro, por sua vez, o arco narrativo desde o incio do sexto canto at a imerso da ndia nas guas
tem alguma correspondncia com o epigrama.9
Encontramos na pintura coeva outras equivalncias; por exemplo: na Virgem do Nilo (1865)
de Federico Faruffini e no Dom Quixote e a mula morta (1867), de Daumier.10
claro que os
quadros so absolutamente diferentes. Mas, dentre os aspectos que os aproximam, a triangulao
de olhares a mesma: corpo em primeiro plano, intermediando os olhares do agrupamento e o
nosso. So diferentes as narrativas e empatias, mas os grupos ao fundo acentuam o drama da
personagem central. No quadro de Meirelles, o espectador se solidariza tanto com Moema quanto
com os indgenas que a procuram. A compaixo por eles refora o pendant narrativo entre a
Primeira Missa e Moema: a imagem de abandono e desprezo mulher-natureza, exuberante e
amorosamente devotada, confronta o momento de batismo dessa mesma terra com o projeto de
nao brasileira conduzido em meados do sculo 19, talvez frustrado luz de Moema.11
As evolues polticas, econmicas e sociais na conturbada dcada de 1860 correspondem de
algum modo ao arco criado pelos dois quadros de Meirelles: do nascimento mtico do Brasil ao
7 HEROLD, A. Ferdinand. A grinalda de Afrodite. Epigramas amorosos da antologia grega. Traduo de Valdemar
Cavalcanti. So Paulo: Jos Olympio, 1949, p. 116 (edies anteriores, no original francs, de 1919 e 1923). 8 Vertido ao portugus por Heitor Martins, o epigrama possui outro sabor: Teus cabelos gotejam gua salgada, infeliz
jovem, nufraga, morta no mar, Lisidike. Quando as vagas cresceram, temendo a violncia do mar, caste da borda do
cncavo barco. Teu tmulo diz-nos teu nome e teu pas, Kime; mas teus leves ossos so banhados pela vaga nalguma
frgida praia, amarga dor para teu pai Aristomacos, que te levava para as npcias e no entregou nelas nem uma
virgem nem um cadver. Traduo literal a partir da Anthologie Grecque. 1re partie. Anthologie Palatine. Paris: Les
Belles Lettres, 1960, livro VII, epigrama 291. MARTINS, Heitor. Do Barroco a Guimares Rosa. Belo Horizonte,
Braslia: Itatiaia, Instituto Nacional do Livro e Fundao Nacional Pr-Memria, 1983, p. 195. 9 Tanto na poca de Duro quanto na de Meirelles esse epigrama e muitos outros semelhantes preenchiam mais de
uma pgina da Antologia potica, em diferentes tradues. Seria preciso investig-los no meio brasileiro. De todo
modo, Meirelles e Duro viveram no exterior e no seria impossvel que os tivessem conhecido. Ver MIYOSHI, op.
cit., p. 96-97. 10 Ibid., p. 80-91. 11 Devo professora Izabel Marson, integrante das bancas de qualificao e defesa do doutorado, algumas sugestes a
esse respeito que, infelizmente, no pude aprofundar como eu gostaria. A Moema de Meirelles guardaria, talvez, entre
outros sentidos, a melancolia com o fim desse projeto de nao, com o ingresso no pas do capital especulativo, a
presena inglesa e as investidas internacionais de modo geral. Ibid., p. 119.
17
momento inquietante e sombrio da guerra do Paraguai; das questes servil e indgena12 insero
do pas entre as demais naes; do debate ambiental e crena na extino de recursos naturais e
povos indgenas abertura do rio Amazonas s bandeiras estrangeiras [Figura 5].13
Se Paraguau partiu com o forasteiro, coube a Moema, condoda, restar nas guas. Mas na
pintura de Meirelles, mesmo inerte, Moema voltou para a terra e os irmos, at ao fim acolhedores a
ela.
Algo diferente ocorre no quadro de Pedro Americo, no qual o corpo de Moema no encontra
solo firme e prossegue flutuando sobre as guas.
A Moema de Pedro Americo
De incio aponta-se um problema de datao. A Moema de Pedro Americo considerada no
catlogo da coleo Fadel como de 1859.14
Pedro Americo a teria pintado com cerca de dezesseis
anos,15
faanha notvel por ela ser tambm, nesse caso, a primeira pintura de Moema de que se tem
notcia.
Ponderemos a data e tentemos outras aproximaes.
A Moema de Pedro Americo, se comparada s de Meirelles e Bernardelli, a que possui
menor fortuna crtica, certamente tambm por ser a menos conhecida. Suas dimenses so muito
menores e sua aparncia a de um estudo. Alm disso, ao contrrio das outras duas Moemas,
integradas h muitos anos em instituies museais, ela pertence a uma coleo particular e circulou
no mercado das artes at pelo menos 1941, informao que se encontra em catlogo de venda do
mesmo ano,16
no qual a tela de Americo no datada.
12 Nas palavras de Manuela Carneiro da Cunha, para caracterizar o sculo como um todo, pode-se dizer que a questo
indgena deixou de ser essencialmente uma questo de mo-de-obra para se tornar uma questo de terras.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Poltica indigenista no sculo XIX. In: ____. (org). Histria dos ndios no
Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 133. 13 Ver MIYOSHI, op. cit., p. 89-150. 14 BUENO, Alexei. O Brasil do sculo 19 na Coleo Fadel. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Sergio Fadel, 2004, p.
223 e 301. 15 Seria em torno sua viagem para a Europa. Cf. FREIRE, Laudelino. Um Sculo de Pintura: Apontamentos para a
histria da pintura no Brasil de 1816-1916. Rio de Janeiro: Typ. Rhe, 1916. Disponvel em
http://www.pitoresco.com.br/brasil/americo/americo.htm Acesso em jan. 2010. 16 Agradeo a Camila Dazzi por ter me informado sobre o catlogo de Djalma da Fonseca Hermes, de 1941. O
catlogo ilustrado da Exposio de 84 tampouco informa que Moema esteve entre as obras mostra do pintor.
18
Em 1916, Laudelino Freire informou que Pedro Americo pintou Moema entre 1878 e 82.17
A
datao nesse intervalo parece mais plausvel por elementos que, como veremos, confluem ao
quadro.
No foram encontradas informaes produzidas at o incio do novecentos sobre a Moema
de Pedro Americo, exceto a curta crtica publicada curiosamente no mesmo ano em que Freire se
referiu a ela. Essa crtica, feita por Monteiro Lobato, inseria-se num discurso construdo
principalmente para elevar Almeida Jnior, relativizando o lugar de Pedro Americo na arte brasileira.
Instrumental, portanto, ela volta-se menos s qualidades do quadro do que sua excepcionalidade
temtica no conjunto da obra de Americo:
A patria merece-lhe um s minuto de ateno: Moema, quadro noturno em que sob os reflexos da
lua boia na onda um cadaver de mulher, enquanto se alonga mar afra uma caravela. Mas, como
na Carioca, a Moema de Moema s tem o titulo.18
Lobato lamentou que o talento de Pedro Americo se devotasse ao helenismo e ao
hebrasmo, isto , aos assuntos estrangeiros. Por ser um tema nacional, Moema seria extraordinria
na obra do artista. Ainda assim, para Lobato, ela era apenas um nu feminino genrico, como o seria
tambm a Carioca:19
A Carioca nunca dir nada a ningum, insistiu ele; um nu, mudo e vasio.
Por outro lado, Lobato tinha convico de que a viuva das Saudades [de Almeida Jnior] falar
sempre, e sempre ser compreendida. Enquanto houver coraes dentro do peito humano aquela
simples figura de mulher comover profundamente.20
Como ocorrera dcadas antes com a Moema de Victor Meirelles, tanto a Carioca quanto a
Moema de Pedro Americo eram citadas especialmente pela tica negativa da crtica, para realar
outro pintor e qualific-lo como superior. Ainda assim, a crtica de Lobato parece ser uma das
primeiras ao pequeno quadro de Americo; e talvez o escritor somente teria lhe dedicado mais linhas
17 Cf. FREIRE, op. cit. Alm disso, em 1917, Freire discursou no IHGB observando que Americo fizera como
Meirelles a sua Moema: Como Victor, Pedro Americo transportou tambm para a tela o infortunio de Moema,
rolando flor das aguas, em uma suave transparencia de belleza e graa. Revista do Instituto Historico e
Geographico Brasileiro, Volume 82. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917, p. 753. 18 MONTEIRO LOBATO, Jos Bento. Pedro Americo. Idias de Jca Tat. Obras completas de Monteiro Lobato, 1
srie, Literatura geral, vol. 4. So Paulo: Editora Brasiliense, 1946, p. 75 (publicado originalmente em Revista do
Brasil, ano 1, vol. 3, n. 11, p. 256-272, nov. 1916). 19 A discutidssima Carioca s o no titulo. Fra da, um simples n, uma ninfa, uma banhista, uma fonte to carioca
como as mil co-irms que abarrotam todas as pinacotecas europeias. Com alguma boa vontade achareis em seus olhos
negros um vislumbre do olhar morno de certas guanabarinas. Ibid., p. 73. 20 Essa comparao desvela em parte a anlise de Lobato: diante das telas erticas de Americo, sob uma justificativa
sentimental, nacionalista e cabocla, sem dvida sincera, esto tambm o pudor e o moralismo. MONTEIRO LOBATO.
Almeida Junior. Idias de Jca..., p. 87.
19
se o quadro fosse irnico, ao modo como o prprio Lobato desenvolveu, poucos anos depois, uma
pardia ao indianismo.21
Uma expressiva crtica foi feita a essa pintura somente em 1977, por Argeu Guimares,
reveladora do raro conhecimento pblico sobre o quadro:
O bulioso rival de Meireles invadiu-lhe a seara florida do fim dramtico da desdenhada amante do
primeiro brasileiro, na era pr-cabralina. Procuro em vo, na Moema de Pedro Amrico, da antiga
galeria de Laudelino Freire, quadro de cuja existncia nem desconfiava, a interpretao do mesmo
motivo animado por diversa sensibilidade; em Amrico, como de esperar, no h praia nem
floresta, mas o corpo a boiar nas guas plcidas acariciadas pelo luar e ao longe a galera do
perjuro. Falta ao painel um toque de emoo na superfcie lquida com a mulher abandonada sem a
riqueza plstica de um nu sem a exaltao de outras criaes do pintor no mesmo gnero.22
... em Amrico, como de esperar, no h praia nem floresta. Se acompanharmos o
raciocnio de Argeu Guimares de que o pintor no era um hbil paisagista a ausncia da natureza
exuberante foi providencial ao artista.
Contudo, h um soneto que corresponde exatamente Moema de Pedro Americo (ou talvez
melhor: a pintura correspondendo poesia) e que fornece outra razo ausncia da paisagem.
Identificado por Maria do Carmo Couto da Silva,23
o soneto de Luiz Guimares Jnior, bigrafo
de Pedro Americo. Seu ttulo A voz de Moma:
Gemem as ondas mansamente; a quilha
Do barco ondeia, ao som da vaga clara;
Cai do pharol a luz longnqua e rara,
E a Lua cheia sobre as ondas brilha.
Do mar na ardente e luminosa trilha
Nem um batel por estas horas pra:
Sonha a Bahia, ao longe, a altiva e cara
Joia dos deuses, de Colombo filha.
Tudo silencio e calma. O bardo, emtanto,
Que tudo v, e em tudo colhe o thema
Que amor produz no flaccido quebranto,
Ouve pairar no ar sons dum poema...
Ai! a voz, a voz, rouca de pranto,
A triste voz da pallida Moma!24
21 Em 1923, Lobato publicou o conto Marab, no qual parodiou, alm da personagem de Gonalves Dias, Moema e
outros indgenas. MONTEIRO LOBATO, Jos Bento. O macaco que se fez homem. Rio de Janeiro: Globo, 2008. 22 GUIMARES, op. cit., p. 84. 23 SILVA, Maria do Carmo Couto da. Representaes do ndio na arte brasileira do sculo 19. Revista de Histria da
Arte e Arqueologia, n. 8. Campinas: Centro de Histria da Arte e Arqueologia / IFCH UNICAMP, jul/dez 2007, p.
66. 24 GUIMARES JNIOR, Luiz. Sonetos e rimas. Roma: Typographia Elzeviriana, 1880, p. 57.
20
O soneto parece ter sido publicado pela primeira vez em 1880 e difcil afirmar se Guimares
Jnior se inspirou na pintura ou se Pedro Americo se inspirou no soneto. Pode-se arriscar que o
pintor se baseou no poema, quem sabe, como forma de homenagem a seu bigrafo. Seja como for,
as correlaes so muitas: a lua cheia, o barco, nada de vegetao ou praia, alm da palidez de
Moema, que evoca um fantasma tanto no soneto quanto na pintura.
Diferente da verso bronzeada de Meirelles, a Moema de Americo alva como uma alma
penada. Seu corpo tambm diverge pela forma chorosa, convexa, posicionada entre o barco e a lua:
dois olhos imprecisos como so os da indgena no quadro, desenhando, em conjunto ao corpo, a
forma abstrata de um rosto entristecido.
A Moema de Pedro Americo corresponde tambm ao simbolismo literrio na passagem dos
anos de 1880 aos 90. Embora Gonzaga Duque parea nada ter publicado sobre a Moema de Pedro
Americo, seu romance Mocidade Morta (escrito entre 1894 e 95) possui um trecho que lembra
aspectos do quadro. o ltimo pargrafo do livro, reportando o fim angustiante e enigmtico do
artista Camilo Prado, personagem central do romance, desenganado no amor e no ofcio:
O plenilnio alma do esoterismo, transformada em astro estranhamente belo como uma
esfngica e rgia coroa de fantstica ninfia luminosa, levada pelo bafejo sussurrante da loucura
sobre a quietao morta de uma lagoa infinita, ia flutuando, boiando, deslizando serena e
indiferentemente, banhada do seu halo de prolas lucifeitas, a aveludar as iluses dos que pem os
olhos nos cus, a esmaecer nos sonhos as almas meigas dos que lhe vo na esteira macia da sua luz
nostlgica, a esvair na sucesso de enganos os que a seguem, pela Terra, fascinados... fascinados...
fascinados!... Para onde?...25
O trecho est longe de ser uma descrio de Moema, carregando muito mais na monomania
luntica sobre a quietao morta das guas. Mas seu tom evoca a atmosfera do quadro, bem como
os ornamentos de Gonzaga Duque encontram eco nos adereos indgenas de Americo, e ainda: os
finais trgicos de Camilo e Moema so parecidos, ambos solitrios e desiludidos, entregues de forma
voluntria s guas.
Mas das artes plsticas que o quadro mais se alimenta. A posio do corpo calcada das
formas artsticas.26
Ao contrrio de Meirelles, porm, Americo investiu nas carnaduras e tores.27
A
25 DUQUE-ESTRADA, Luis Gonzaga. Mocidade Morta. So Paulo: Editora Trs, 1973, p. 282. 26 [A Moema de Pedro Americo] quase sugere uma referncia ao Sardanapalo de Delacroix, constituindo uma citao
literal da obra de Cabanel. MIGLIACCIO, Luciano. O sculo XIX. Mostra do Redescobrimento. So Paulo:
Fundao Bienal de So Paulo, 2000 (Catlogo de exposio), p. 106. 27 O sentido dessas tores femininas foi amplamente abordado sob o termo que Bram Dijkstra cunhou como the
broken back. Ver DIJKSTRA, Bram. Idols of Perversity, Fantasies of Feminine Evil in Fin-de-Sicle. Nova York:
Oxford University Press, 1986, p. 96-109.
21
forma convexa do corpo da indgena lembra a Mulher picada por uma cobra, de Clsinger, e
principalmente a escultura de Alexandre Schoenewerk exposta no Salon de 1872, a Jovem
Tarentina, descrita por Zola como um desmaio feito de mrmore, que o pblico enternecido rodeia
com gravidade.28 Essa escultura possui uma impressionante semelhana com a Moema de Pedro
Americo, no obstante serem tambm parecidas as histrias da jovem tarentina (da poesia homnima
de Andr Chnier) e de Moema, assim como da nufraga do epigrama grego, conforme podemos
notar pela traduo ao poema feita por Heitor Martins:29
A Jovem Tarentina
Chorai, doces alcones!30
vs, aves sagradas, alcones caros a Ttis, chorai! Ela viveu, Myrto, a
jovem tarentina! Uma barca a levava para as praias de Camarina: l, o himeneu, as canes, as
flautas, lentamente deviam lev-la soleira da casa de seu amado. Uma chave vigilante, para esta
viagem, guardou no cedro (isto , numa caixa de cedro) seu vestido de noiva, e o ouro que ornar
seus braos no festim e os perfumes preparados para seus louros cabelos. Mas, sozinha na proa,
invocando as estrelas, o vento impetuoso que soprava seus vus envolve-a, espantada, e longe dos
marinheiros ela cai, ela grita, ela j est no seio das guas, a jovem tarentina! Seu belo corpo caiu
debaixo da vaga marinha. Ttis, com os olhos lacrimosos, procurou, no cncavo de um rochedo,
escond-los aos monstros vorazes. Por ordem sua, logo as belas nereidas sobem das suas hmidas
moradas, lanam-no praia e neste monumento depositaram-no suavemente no cabo do Zfiro; e
de longe, chamando suas companheiras com altos gritos, e as ninfas dos bosques, das fontes, das
montanhas, todas batendo no seio e arrastando um longo luto, repetiram ai! em volta do seu
tmulo: Ai! no foste levada casa de teu amado, no vestiste teu vestido de noiva, o ouro no
fechou seus ns em torno a teus braos e a grinalda no ornou teus cabelos.31
Numa brilhante relao estabelecida por Heitor Martins, A Jovem Tarentina, de Chnier,
ecoa tambm na obra de Olavo Bilac, no soneto Virgens Mortas [Figura 6].32
O soneto abre com uma imagem de transfigurao: de uma mulher morta e casta para um
elemento luminoso, areo, como recompensa pela sua inocncia. Mas logo se apresenta o lado ruim
da recompensa: observar, do alto, a impossibilidade do amor. Acompanhando o sentido do soneto e
emoldurando-o esto o retrato da morta junto s estrelas, no propriamente observando o que se
passa na Terra, e o de um casal enamorado, tampouco entre as moitas escuras como diz um dos
28 ZOLA, mile. Cartas parisienses. A batalha do impressionismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 155. Artigo
originalmente publicado em La Cloche de 12 de maio de 1872. 29 CHNIER, Andr. Posies. Ed. L. Becq de Fouuires. Paris: Charpentier, 1862, p. 54-56. Apud MARTINS, Heitor.
Quando uma virgem morre uma estrela aparece direita. Do Barroco a Guimares Rosa..., p. 195. H verses em
francs com pequenas diferenas de palavras, pontuaes ou versos. Uma delas tem no ltimo verso uma variante
significativa, talvez mais interessante: Les doux parfums nont point coul sur tes cheveux. (algo como: Os doces
perfumes no podem mais perpassar os teus cabelos, traduo minha). Disponvel em
http://fr.wikisource.org/wiki/La_Jeune_Tarentine Acesso em nov. 2009. 30 Os alcyons so os martins-pescadores. 31 Traduo literal de MARTINS, op. cit., p. 199. 32 Os versos de Bilac, por sua vez, teriam relaes com a Jovem Tarentina por intermdio de Jos-Maria de Hrdia,
autor de La jeune morte, publicado em Les Trophes, em 1893. O soneto de Bilac foi publicado pela primeira vez na
22
versos. A representao visual, portanto, no corresponde to literalmente descrio potica. A
poesia pde evocar com mais liberdade os sentidos carnais; a representao visual, por sua vez,
minimizou-os, ao invs de equivaler-lhes ou acentu-los. Para isso, valeu-se de um repertrio
conhecido: a jovem no cu uma Oflia, uma Elaine, uma Lady de Shalott, uma Minnehaha;
embaixo esto Paulo e Virgnia, Ceci e Peri etc. Ilustraes que servem, desse modo, no s para
atenuar o sensualismo do soneto como tambm a imagem do poeta, candidamente postado ao lado
de sua obra.
Outra transformao: dos luares de Guimares Jnior e Pedro Americo para as estrelas de
Olavo Bilac. A imagem estelar,33 como sabemos, constante na obra de Bilac e as estrelas, to
caras ao imaginrio republicano, incorpararam-se havia sculos na tradio potica com sentido de
transfigurao feminina. No remontando demais, Eugnio Gomes apontou, nessa tradio, um
poema de sabor nativista, Almas errantes (1881), de Macedo Soares, possvel fonte a Virgens
Mortas. Mas ao contrrio de Bilac, Soares faz com que os espritos das ndias voltem terra, de
flor em flor, retornando livremente s regies do condor, como num ciclo de vida.34 De fato, as
estrelas de Bilac, mais fixas, indicam outro rumo. Para Heitor Martins, Virgens Mortas coincide ao
incio da maturidade intelectual de Bilac, levando construo de uma obra como caminho
ideolgico ao pas, mostrando pelo seu estoicismo (que , antes de tudo, amor da ordem
estabelecida), o exemplo aos homens do futuro.35
Algo dessas estrelas e luares encontra-se tambm na Jovem mrtir, de Delaroche. A aurola,
smbolo de pureza, reluz como um farol sobre o corpo da mrtir, assim como a Moema de Pedro
Americo banhada por uma luz que, por sua vez, no se sabe de onde vem. No caso de Moema,
espcie de ectoplasma vagando pelo oceano, trata-se menos de pureza e mais, certamente, de
mistrio.
Seja qual for a fonte luminosa, crist ou mstica, ela acompanha os mortos, resduo espiritual
pulsando como centelha, o que dificilmente se encontra na Moema de Rodolpho Bernardelli.
>.Revista Illustrada em setembro de 1895, acompanhado de uma ilustrao. Os versos repercutiram to bem que,
poucas semanas depois, na prpria Revista Illustrada, publicou-se uma traduo ao francs. Ibid., p. 194-197. 33 A respeito da presena e gnese da imagem estelar em Bilac (e nas Virgens Mortas), Eugnio Gomes tem agudas
e valiosas observaes em Vises e revises. Ibid., p. 199. 34 GOMES, Eugnio. Vises e revises. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958, p. 147-148. 35 MARTINS, op. cit., p. 199. Em nota, na p. 201, Martins prossegue: Antes de 1926, Plnio Salgado, posteriormente
fundador e chefe do integralismo brasileiro, j escrevia sobre a influncia de Bilac em seu alter ego romanesco:
Juvncio ouviu, como a trombeta de Josaf, a palavra do Prncipe dos Poetas. Tal um toque a rebate, ressoava pela
amplido do Brasil imerso no pio do sensualismo, na indiferena pelos ideais coletivos (SALGADO, Plnio. O
Estrangeiro. 5a. ed. So Paulo: Companhia Editora Panorama, 1948, p. 91). E, ainda h pouco, o crtico brasileiro
Jesus Belo Galvo afirmava: O seu exemplo (isto , de Bilac) merece ser apontado aos jovens, para o bem do Brasil
(Apud Virginius da Gama e Melo. O alexandrino Olavo Bilac, Joo Pessoa, PB: Universidade Federal, 1965, p. 17.).
23
A Moema de Rodolpho Bernardelli
Poucas semanas depois de Virgens Mortas aparecer na Revista Illustrada, Olavo Bilac
publicou uma crnica no peridico A Cigarra, intitulada Faceira e mencionando a escultura
homnima de Rodolpho Bernardelli. O intuito maior de Bilac, evidentemente, era adornar as
prprias ideias:
Oh! o leque! essa fragil, essa tenue, essa invencivel arma que, s mos da mulher faceira,
secunda com tanta arte o meneio dos olhos e dos labios!... Realmente, o anjo Rebelde concedeu creatura
do sexo amavel muito mais do que lhe havia Deus concedido. A belleza s nada pde... Eu, por exemplo,
obrigado a escolher entre a maravilhosa Venus de Medicis e a provocadora Faceira de Bernardelli
Rodolpho, no hesitaria um minuto... 36
Lembrada por Bilac anos depois de suas primeiras aparies na Academia (em 1882 e 84),37
a Faceira servia ao Prncipe dos Poetas como uma metfora. Ele aproveitou-se sardonicamente da
obra que j carregava em si alguma ironia38
e a contraps s cpias em mrmore das Vnus Calipgia
e de Mdicis, feitas por Bernardelli em 1882 e 85, obras que na opinio de Gonzaga Duque eram
superiores Faceira. Foi esse o contexto da glosa de Bilac.
No momento da publicao dessa crnica, era outra obra de Bernardelli que se encontrava na
Exposio Geral da Academia. Tratava-se de Moema, recentemente concluda, mas cuja ideia teria
surgido ao escultor na dcada de 1870.39
Exposta em 1895, quando Bernardelli era o diretor da Escola Nacional de Belas Artes j
havia cinco anos,40
Moema no parece ter provocado o debate que provocara a Faceira. Gonzaga
Duque aparentemente no escreveu sobre ela. Moema seguiu quase que s mencionada, mesmo ao
longo do sculo 20.
Domicio da Gama publicou um artigo sobre a Exposio de 1895, interessado mais pelo
caracter da nacionalidade na arte brazileira. A nica obra mencionada por ele foi Moema,41
provavelmente por se tratar de um assunto ptrio adotado por um estrangeiro. Embora seu
36 BILAC, Olavo. Faceira. A Cigarra, Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1895, p. 3. 37 A Faceira foi produzida em 1880 e exaltada desde ento, embora com ressalvas. Ver SILVA, op. cit., p. 65. Na p.
68, em nota: A obra original consta da coleo do Museu Nacional de Belas Artes e uma cpia em bronze integra o
acervo da Pinacoteca do Estado de So Paulo. 38 Gonzaga Duque tampouco deixara de reparar na ironia da Faceira em sua crtica a ela. DUQUE-ESTRADA.
Escultura. A Arte Brasileira. Introduo e notas de Tadeu Chiarelli. Campinas: Mercado de Letras, 1995 (antiga
edio: Rio de Janeiro: H. Lombaerts & Cia., 1888), p. 253-254. 39 Ver SILVA, op. cit., p. 65. 40 Idem, ibidem, p. 66. 41 GAMA, Domicio da. A Exposio de Bellas-Artes. Revista brazileira, vol. 4, 1895, p. 98-99.
24
comentrio seja breve, ele bastante esclarecedor. O vu prestigioso de poesia que entre os
nossos olhos e o corpo da morta sempre se mette o sinal da abordagem encabulada do crtico
escultura. A posio da ndia com as ndegas proeminentes a imagem que faz scismar,
contemplada somente com a suggesto do sonho de belleza evocada pela histria de Moema.
Com Moema, Bernardelli talvez quisesse ir ao extremo da representao naturalista, ao modo
como fora cobrada por Gonzaga Duque tanto ao comentar a Faceira quanto a Moema de Victor
Meirelles. Mas a Moema de Bernardelli acabou enquadrando-se no s equao sono-morte como
particular recorrncia internacional, naqueles anos, de mulheres retratadas de bruos. Moema
compartilhava a pose explorada por artistas to dspares quanto Paul Chabas e Gauguin.42
Assim
como as Moemas de Meirelles e Americo corresponderam s obras internacionais de seus anos, a de
Bernardelli seguia a moda do tempo, cujas feies do rosto so ainda quase as de uma criana.
Um texto totalmente dedicado escultura de Moema foi feito por Coelho Neto. Com uma
descrio esmerada e rica da cena de Caramuru, ele deu a escultura contornos mais vivos:
[...]
Na atitude em que a prostrou o artista: o peito na vaga, a boca engolfada na espuma, o rosto mal
se lhe descobre. belo, posto que selvagem, de grossos lbios grvidos de beijos; os cabelos e a
espuma marinha derramavam-se-lhe na face fria, velando-a piedosamente ou resguardando-a da
profanao faminta dos que giram no mar, aos mil, serenamente. A gua, estremecendo, leva a boa
mergulhada ainda como quando confessou, chorando, ao mar choroso, o dolorido segredo do seu
corao; e vai indo para a primeira praia, muda e fria, sem a intumescncia deformadora dos
afogados por que a gua a no penetra, faz-lhe o enterro, leva-a com o carinho com que arrasta um
lgido iceberg.
Coroa-a um ramo verde, um galho fino, de mistura com a renda da mortalha ntida de espumas
como uma lembrana saudosa da selva materna. Vai nua como a inocncia.
[...]
Ei-la agora tona, grande Duro, poeta do Caramuru, ei-la agora e para o sempre a flux, a morta
de amor. Tem a mo que se prendeu ao leme ainda crispada; flutua pelo mar estuante onde o
artista a chamou, arrancando-a ao profundo esquecimento, mais fundo que o leito dos oceanos,
coberta dalgas ainda, fazendo-a renascer, tirando-a, para a Eternidade, da espuma geradora da
Vnus que a mira, vendo nela uma irm, a Anadyomene da Morte, embalada nos braos brandos de
Thetys.
Se a Faceira o oriente, a mulher pbere, forte, abrasada, dolhos incendidos e maliciosos, de
feio lnguida, na atitude altiva de uma vencedora, Moema o ocaso, a morte, morte de amor.
Uma o epitalmio, outra a nnia; uma ri com a alegria vivida na mocidade, a outra, de bruos,
calada e imota, vai silenciosa, guas em fora, como uma Oflia brbara, ambas, porm, filhas da
Ptria antiga.
A glria de as ver assim reunidas na reproduo da Arte, como dois smbolos, uma na vida, outra
na morte, enche-nos o corao de um justo e santo orgulho, por sentirmos que agora comea o
movimento propriamente nacional, que impele os evocadores do passado herico e ingnuo da terra
que nos deu o calor e o carinho para chamar vida simblica os vultos dos que aqui vierem
marcando a marcha da evoluo nacional: aqui o heri, ali o mstico, alm a amorosa Moema nas
42 MIYOSHI, op. cit., p. 171-172, 368. Lembre-se que Bernardelli possua antecedente em sua prpria obra: Santo
Estevo.
25
guas, Anchieta nas praias aclarando as almas pags; na selva o bandeirante talando os troncos
para abrir caminhos aos povoadores e amanh talvez, na tela ou no mrmore, o Bequimo
concitando o povo liberdade.
Moema , no s um acontecimento artstico, como um incentivo para a explorao de um veio
quase virgem a Grande Poesia da Ptria.43
De modo inverso ao que ocorre com Virgens Mortas e sua ilustrao, o artigo de Coelho
Neto que atenua a sensualidade do bronze, investindo-a de novos sentidos. Coelho Neto criou uma
espcie de grande galeria em prosa potica, descrevendo Moema paradoxalmente luzidia, venturosa
e ondeante, em contraponto figura lacnica, encalhada e sombria da esttua.
Um detalhe importante em Moema a ramagem, nico elemento paisagstico num bronze
que funde corpo e gua, em contraste ao cenrio imenso construdo pelo escritor. Importava, de
certo modo, exaltar o sonho de belleza da escultura, na expresso de Domicio da Gama. Suaviz-
la pelo texto no deixava de ser tambm um modo de equilibr-la, de facilitar a apreciao a uma
obra plasmada de perverses.
Nesse sentido, nenhum comentrio Moema elucidou-a tanto quanto uma charge, publicada
no mesmo A Cigarra pouco antes da crnica de Bilac. Nela, a escultura velada por um squito de
homens pesarosos, numa pretensa atitude de respeito ndia morta. Alm do sarcasmo ao episdio e
ao tema (reforado nos textos da legenda e na guirlanda-boia na qual se l Caramur a Moema -
Ouf! Finalmente), podemos compreender tambm o sarcasmo atitude daqueles senhores
cabisbaixos: com a escultura colocada num lugar to alto, eles jamais a observariam como de fato,
provavelmente, gostariam de observ-la [Figura 7].
Como bem captou a charge, a Moema de Bernardelli quase um enterro, queira-se do
indianismo ou da monarquia (regime que para alguns republicanos, mesmo em torno de 1895,
parecia ainda ser uma ameaa).44
Nem mesmo a charge, porm, em sua desapiedada crtica, pde
fugir misoginia da maioria das manifestaes que deviam se dirigir a Moema. A perturbadora
escultura de Bernardelli, decadentista e pragmtica, suplantou as demais verses como a mais
pungente, congregando o pessimismo do fim-de-sculo manifestao concreta do imaginrio
inconfessavelmente perverso dos homens.
43 COELHO NETO, Henrique. Moema (sem data). In LEANDRO, Eullio de Oliveira (org.). A mulher na viso
humanstica de Coelho Neto. Imperatriz-MA: tica, 2004, p. 47-51. 44 Novamente agradeo a Izabel Marson por lembrar que o conflito entre monarquistas e republicanos estava bem vivo
em meados dos anos de 1890. Ver tambm: SCHWARCZ, Lilia Moritz. Um fantasma chamado D. Pedro. As barbas
do Imperador. So Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 495-515.
26
Figura 1 - VICTOR MEIRELLES: Moema, 1866.
leo sobre tela, 129 x 190 cm.
So Paulo, Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand - MASP.
Fonte: MARQUES, Luiz. 30 mestres da pintura no Brasil. Catlogo de exposio. So Paulo: MASP/Credicard,
2001.
Figura 2 - PEDRO AMERICO: Moema.
leo sobre madeira, 22,5 x 28 cm.
Rio de Janeiro, coleo Sergio Fadel.
Fonte: BUENO, Alexei. O Brasil do sculo 19 na Coleo Fadel. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Sergio Fadel,
2004.
27
Figura 3 - RODOLPHO BERNARDELLI: Moema, 1894-5.
Bronze, 25 x 218 x 95 cm.
So Paulo, Pinacoteca do Estado (fundio da dcada de 1990).
Foto: Alex Miyoshi, janeiro de 2009.
Figura 4 - VICTOR MEIRELLES: Esboo para Moema.
15,4 x 21,2 cm.
Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes.
Fonte: MARQUES, Luiz. 30 mestres da pintura no Brasil. Catlogo de exposio. So Paulo: MASP/Credicard,
2001.
28
Figura 5 - HENRIQUE FLEIUSS: Abertura do Amazonas.
- Sem ceremonia, meus senhores, podem entrar que j consegui permisso do dono da casa, e ho de ser bem recebidos
como boas pessoas que so; faz dentro muito calor, mas ho de encontrar gua em abundancia para se refrescarem. .
In Semana Illustrada, Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1864, p. 1044.
Fonte: acervo de microfilmes do AEL, Unicamp.
Figura 6 - Virgens Mortas In Revista Illustrada, n 696, Rio de Janeiro, setembro de 1895, p. 8.
Fonte: acervo de microfilmes do AEL, Unicamp.
29
Figura 7 - JULIO MACHADO: Exposio de Bellas Artes. Seco de Esculptura. MOEMA ou os funestos
resultados da m collocao das boias, quando se toma banho sem saber nadar.
In A Cigarra, Rio de Janeiro, 19 de setembro de 1895, p. 3.
Fonte: Acervo de microfilmes do AEL, Unicamp.
30
q
Weingrtner e a repetio
Alfredo Nicolaiewsky
s
edro Weingrtner (Porto Alegre, RS, 1853-1929) foi um importante artista brasileiro,
que fez sua formao e parte de sua carreira na Europa, principalmente na Itlia,
usufruindo de grande sucesso e respeito em sua poca, sofrendo, entretanto, nos seus ltimos anos
de vida e postumamente, um processo de quase esquecimento. A primeira publicao importante
sobre este artista surgir em 1956, obra de Angelo Guido (Pedro Weingrtner) e, posteriormente,
em 1971, na obra de Athos Damasceno Ferreira (Artes plsticas no Rio Grande do Sul). Somente
nos 2000 ele voltar a ter estudos mais aprofundados sobre sua obra, atravs das mostras e dos seus
respectivos catlogos A obra gravada de Pedro Weingrtner, Pedro Weingrtner: obra grfica
(ambas em Porto Alegre) e Pedro Weingrtner Um artista entre o Velho e o Novo Mundo
(Pinacoteca do Estado de So Paulo e Museu de Arte do Grande do Sul), alm de diversos outros
ensaios apresentados em eventos e publicados em anais e revistas acadmicas. Estas trs exposies
sucessivas permitiram um abrangente mapeamento da sua produo, enfocando a gravura, o desenho
e a pintura. No sendo ainda o levantamento completo de sua obra, j possvel ter-se uma boa
viso do conjunto. A partir deste material podemos comear a estudar questes internas obra,
aspectos que somente agora se tornaram visveis.
Este texto uma reflexo sobre um destes aspectos: a repetio dentro da obra de Pedro
Weingrtner. Etienne Souriau1 define o termo repetio, como a ao de refazer muitas vezes a
mesma coisa ou a coisa ela mesma, quando ela revista. Quando se refere s artes o termo possui,
segundo este autor, diversos sentidos, dos quais salientarei dois: a repetio como estrutura, na qual
um mesmo elemento ou motivo so retomados diversas vezes e a repetio na obra de um autor,
onde h o retorno dos mesmos elementos ou das mesmas preocupaes de uma obra a outra. No
caso de Weingrtner so comuns as repeties de temas, a repetio de uma mesma imagem
(paisagem) na pintura e gravura e, finalmente, a repetio de personagens, com as mesmas posturas
em diversas telas.
1 SOURIAU, tienne. Vocabulaire desthtique. Paris: Quadrige/Presses Universitaires de France, 1990, p.1219.
31
Centraremos a discusso em um caso emblemtico e exemplar: a repetio de uma paisagem
que ora o tema principal, ora cenrio para diversos personagens a paisagem do Tempora
mutantur. Esta paisagem aparece em pelo menos sete obras j localizadas seis pinturas e uma
gravura: Cena de guerra, 1894 [Figura 1]; A derrubada, 1894 [Figura 2]; Tempora mutantur, 1898
(Roma) [Figura 3]; Paisagem derrubada, 1898 (Roma) [Figura 4]; Gachos chimarreando, 1911
[Figura 5]; A morte do lenhador, 1924 [Figura 6] e a gravura Paisagem de Tempora mutantur, sem
data. Atravs da anlise destas sete obras, procuraremos entender como Weingrtner trabalha uma
mesma imagem, utilizando enquadramentos variados. Procuraremos, principalmente, compreender
como ele estabelece as diferentes relaes da paisagem com os personagens que surgem em primeiro
plano, acreditando que, atravs deste artigo, estaremos iluminando mais um aspecto da pouco
estudada obra deste grande artista.
No sabemos o que levou o artista a usar a mesma paisagem em tantos trabalhos. Ele no nos
deixou depoimentos que pudessem clarear seus motivos. Podemos deduzir, simplesmente, que ele
gostava desta imagem, o que o leva a repeti-la, pelo menos, sete vezes em um perodo de trinta anos.
E qual seria o material de referncia? Em princpio, acreditamos no ser uma das pinturas,
pois as primeiras conhecidas so de 1894 e mostram um pequeno detalhe da paisagem que surge no
seu todo apenas quatro anos aps. Poderia se pensar em um desenho (desconhecido) que servisse de
modelo. Tambm esta hiptese no me parece provvel, pois os desenhos de Weingrtner, que so
esboos para trabalhos futuros, apresentam imagens simplificadas, como anotaes. No caso destas
obras aqui estudadas, a repetio se d, inclusive nos detalhes, como as nuvens que aparecem na
parte superior das obras ou na fumaa que sai das casas. Por isso suponho que estas pinturas
utilizaram como referncia uma fotografia ainda no descoberta. Esta hiptese fica reforada pelo
estudo feito por Paulo Gomes sobre a utilizao de fotografias como recurso de trabalho, por P. W.
Dentre as sete obras de Weingrtner, ora em estudo, que utilizam a mesma paisagem como
fundo para os personagens, ou como tema nico, seis so pinturas, todas datadas e uma gravura em
metal sem data. As duas primeiras pinturas, de 1894, so em pequeno formato (23,5 x 16cm e 45 x
30cm) e diferem bastante das outras por ser verticais, o que acaba por apresentar um enquadramento
diferenciado da paisagem. As outras quatro so horizontais e de tamanho maior e a paisagem, no seu
conjunto, se assemelha em todas elas. Evidentemente h diferenas, e so estas diferenas que
tentaremos analisar neste artigo.
Cena de guerra [Figura 1] provavelmente a obra mais dramtica de P. W. A cena retrata
no uma batalha, mas a decorrncia de um ataque sobre uma famlia de colonos ou agricultores.
Neste sentido ela se relaciona com o grande grupo de telas feitas por ele, que representam a vida dos
32
trabalhadores do campo na regio sul do pas. Nesta pintura a grande nfase so as figuras humanas.
Um homem morto, um velho pedindo ajuda, uma mulher amarrada em um poste e uma criana, que
olha para o espectador, agarrada em suas pernas. uma cena de grande violncia reforada por uma
composio movimentada com muitas diagonais e cores contrastantes.
A paisagem, que secundria, refora a idia da violncia ocorrida, atravs do fogo na casa
ao longe, da qual sai uma nuvem de fumaa escura e das arvores derrubadas com seus troncos
cados. O tratamento da paisagem, nesta pintura difere de todas as outras, pela cor mais intensa de
todos os elementos: a casa cor de laranja forte, o campo de flores amarelas ao longe e o arroio
realado atravs de um azul bastante claro. Todas as cores utilizadas nesta tela, nos personagens e na
paisagem vibram de forma nica. A paisagem aqui, apesar de ser extremamente parecida com as que
sero analisadas na seqncia, nos transmite uma imagem de desolao e destruio, diferentemente
das outras.
Cena de guerra apresenta uma estrutura bastante diferente das outras telas. A linha que
delimita o primeiro plano, na parte inferior das casas a mesma que surgir em todas as obras, como
tambm o triangulo formado pela gua. Mas as semelhanas estruturais terminam a. Basicamente
no temos nenhuma linha vertical ou horizontal, alm da j citada. Todas as linhas so diagonais e
no obedecem a um padro, o que enfatiza o movimento desta composio.
A pequena pintura chamada A derrubada [Figura 2], com certeza, tem relao com a
anterior. No sabemos qual foi feita antes, se esta ou aquela, pois a data que temos o ano, que em
ambas 1894. A figura feminina a mesma, com a mesma roupa em desalinho e as mos amarradas,
porm em outra posio. A paisagem tambm a mesma, porm aqui a casa no esta em chamas.
Talvez em funo desta paisagem tranqila, e do olhar da mulher para os cus, sem desespero, esta
obra acaba por nos transmitir uma sensao bastante diferente da anterior. A primeira vez que a vi,
no conhecia a Cena de guerra, ento a percebi como estranha. A mulher com a roupa rasgada, com
um olhar que poderia lembrar uma santa em xtase, no indicava ser esta uma cena de guerra. Com
certeza, nesta obra a paisagem absolutamente secundria, porm inegavelmente trata-se de uma
pequena parcela da paisagem aqui em anlise. Temos os troncos cortados, mas principalmente a
mesma arvore isolada, a casa, os morros ao longe e o arroio, que so exatamente os mesmos.
Examinando a estrutura do quadro percebe-se um detalhe interessante, e provavelmente no
casual: o olho esquerdo da mulher, que visto no detalhe apresenta uma lgrima, encontra-se
exatamente em uma das diagonais que corta o quadro e que tambm a linha de seu brao. Paralela
a esta diagonal temos outras duas linhas; uma formada pela parte posterior de sua cabea e seus
longos cabelos negros e outra pela linha de seu pescoo, tambm realada pelo contraste com seus
33
cabelos. Tambm h linhas paralelas outra diagonal do quadro, como as linhas de galhos das
rvores e um tronco no cho, que ajudam a compor e equilibrar o quadro. Esta pequena pintura, por
ser estruturada pelas diagonais e suas paralelas, nos sugere equilbrio, que somente quebrado
quando a vemos junto com a anterior (como ela foi exposta na Pinacoteca de So Paulo) e
percebemos seu real significado. Vale a pena chamar a ateno para o ttulo que foi dado a obra, A
derrubada, que nos parece sem sentido, quando sabemos seu real contexto.
Para tratar da paisagem propriamente dita, podemos iniciar com uma anlise detalhada da
Paisagem derrubada [Figura 3], que a nica pintura do conjunto que no tem figura humana.
Temos duas pinturas deste grupo feitas em 1898: Paisagem derrubada e Tempora mutantur.
Aqui, pela primeira vez, entre as obras conhecidas, a paisagem surge no seu todo. Pela dimenso
menor e por uma simplificao maior dos troncos do primeiro plano, possvel supor que Paisagem
derrubada tenha sido pintada primeiro, como um estudo preparatrio, apesar de ser uma obra
acabada e assinada. Esta a nica pintura deste conjunto que no tem nenhuma figura humana,
como tambm a gravura em metal, que cpia fiel desta. No temos as figuras humanas, mas temos
inmeros sinais de sua presena: os troncos derrubados e agrupados, a estrada, a rea desmatada ao
fundo e as duas casas, das quais sai nuvens brancas de fumaa, lembrando que no uma regio
abandonada. Examinando-se esta tela isoladamente, podemos dizer que a representao de uma
paisagem da regio sul do pas sendo transformada pela mo do homem. Tudo paz e tranqilidade.
Mesmo os troncos derrubados no nos remetem a imagem do trabalho, como Tempora mutantur
far pensar.
Em uma primeira abordagem, podemos analis-la como um espao dividido em trs planos: o
inferior vai da base da tela at uma linha horizontal, junto a parte inferior das duas casas, pouco
abaixo da metade do quadro. neste espao que acontecero basicamente todas as variaes deste
conjunto. O segundo plano mostra parte do campo e as encostas dos morros, parcialmente
desmatadas, mas ainda com grandes reas de arvores. Este segundo plano apresentar poucas
diferenas de uma tela para a outra, havendo sutis variaes de cor. O terceiro plano o cu, que
quase idntico em todas as obras.
Uma segunda possibilidade de anlise da tela seria atravs de sua estrutura, ou seja, como
est organizado o espao pictrico. Temos ento uma linha horizontal que divide a pintura um pouco
abaixo do meio. Podemos tambm perceber duas grandes diagonais que se cruzam exatamente no
tero superior da tela, cruzamento este levemente descentralizado, mas exatamente na forquilha da
rvore. Uma diagonal inicia um pouco abaixo do canto superior esquerdo, tangencia a rvore isolada
sobre o morro e continua tangenciando as arvores que ainda cobrem este. Esta diagonal chegar ao
34
lado direito da tela, criando uma paralela com uma das margens do arroio. A outra diagonal parte do
lado superior direito, tambm um pouco abaixo do canto e tangenciando o mato que cobre este
morro, cruzara com a primeira diagonal no tero superior e chegar borda esquerda da tela
exatamente no ponto onde se encontra a linha horizontal principal. Temos nesta tela outras linhas
diagonais, que so basicamente paralelas a estas duas, reforando-as visualmente: as linhas das
margens do arroio, a linha dos troncos cados e um dos limites laterais do caminho. Temos tambm
poucas e pequenas linhas horizontais, alm da que divide a pintura criando o primeiro plano. As
linhas verticais tambm no so muitas, uma, porm, chama a ateno, pois se encontra centralizada
na tela: uma das arvores que sobrou no campo. Este elemento vertical, centralizado, serve de
contraponto a todas as linhas inclinadas que dominam a composio. Sem este elemento,
provavelmente a composio ficaria mais montona, j que esta linha/rvore que cruza os trs
planos da tela, indo do primeiro plano, das rvores derrubadas, ao terceiro plano, o plano do cu.
Tempora mutantur [Figura 4] foi pintada em 1898, ou seja, no mesmo ano de Paisagem
derrubada e quatro anos aps as cenas de guerra. Temos figuras humanas em primeiro plano, como
nas telas anteriores de 1894, porm a paisagem ganha mais espao e destaque. As arvores cadas,
aqui no transmitem a idia de violncia, mas sim como resultado do trabalho duro destes colonos
para cultivar a terra. o nico dos quadros onde a terra est arada. Causa estranheza, e talvez seja
em funo da pouca ou nenhuma vivncia de Weingrtner na vida do campo, estar a terra arada entre
os galhos e troncos cados. Naturalmente estes deveriam ter sido retirados para depois arar a terra.
Toda cor utilizada nesta pintura sugere um entardecer. So cores baixas, integrando o casal e a
paisagem em uma nica atmosfera. Mesmo os toques de vermelho, no leno da mulher e na lista da
cala do homem, o laranja da casa ao longe e o amarelo do campo ao fundo no vibram com
intensidade. So cores rebaixadas para se fundirem no conjunto. A sensao geral um tanto
melanclica: h o cansao do trabalho feito e as dvidas do porvir.
Examinando-se a estrutura da obra temos a clara linha que delimita o primeiro plano, na parte
inferior das casas e as linhas verticais das rvores isoladas. Alm destas temos uma srie de diagonais
criadas pelos troncos cados e o arroio. Tambm podemos perceber uma srie de linhas que
convergem para as mos do homem, criando um foco de ateno. Todos estes eixos, em direes
variadas poderiam sugerir movimento na composio, o que no acontece. Ao contrrio, a
composio nos transmite solidez e equilbrio. Weingrtner obtm este efeito colocando o conjunto
das duas figuras principais com o carrinho de mo estruturado como um tringulo issceles (com
dois lados iguais) com a base horizontal, o que lhe confere a estabilidade que a cena exige.
35
De 1911 temos Gachos chimarreando [Figura 5]. Nesta tela, feita treze anos aps
Tempora mutantur, a mesma paisagem se repete. Aqui temos um grupo de gachos descansando,
tocando gaita, tomando chimaro, preparando a comida em uma trempe; tambm temos um
cachorro, uma vaca ao longe e uma carreta na lateral esquerda. Afora estes elementos, tudo
extremamente semelhante s telas anteriores: uma luz de entardecer, os troncos derrubados, as
casinhas ao longe, a rvore solitria, o arroio. O clima de descanso e tranqilidade dos personagens
transforma esta tela, e esta paisagem, na mais tranqila de todo este conjunto. Mesmo imaginando
que o grupo de homens esta descansando aps um dia de trabalho, como os personagens do
Tempora mutantur, aqui a sensao geral de leveza. Nada nos passa a idia de cansao, da luta
rdua com a natureza. No h uma preocupao com o futuro.
A estrutura geral a mesma, porm aqui temos um ponto que funciona como irradiador de
diversos elementos da composio. A parte superior da trempe atua como este elemento focal,
concentrando a ateno. As linhas estruturantes formadas principalmente pelos troncos cados, a
parte inferior da carreta e as trs pernas da trempe que se unem, tambm integram o conjunto de
gachos reunidos, pois uma destas linhas passa junto s cabeas de quatro deles. Tambm
utilizado, como recurso de composio, o deslocamento das rvores isoladas no campo para a
esquerda do eixo central, como maneira de compor e equilibrar o grupo de gachos prximos a
lateral esquerda.
Em 1924, novamente treze anos aps a tela anterior, P. W. pinta A morte do lenhador
[Figura 6]. Temos nesta tela um homem velho cado, provavelmente morto, sendo protegido por
seus ces dos urubus que vem voando e que se agrupam no entorno. Na verdade, a presena dos
urubus que sugere, ou indica que o homem est morto Como nas pinturas anteriores temos a mesma
paisagem, com algumas alteraes: os troncos cados no so exatamente iguais aos outros; a tela,
por ser mais horizontal nos revela um pouco mais da paisagem esquerda; as casas desapareceram
o que intensifica o carter de solido diante da morte; o caminho esquerda fica mais definido. Ruth
Tarasantchi em seu texto sugere que o homem foi assassinado, porm nada no quadro indica isto:
no h sangue, nem armas a vista e considerando que um homem de idade avanada podemos
imaginar que foi uma morte natural. Tambm no sei quem batizou o quadro como A morte do
lenhador, pois ele no tem machado.
Ao pintar este quadro Weingrtner tinha 71 anos, o que era uma idade bastante avanada
para a poca. Talvez a idia da morte, que se aproximava, tenha sido o motivo que o levou a
executar esta obra to trgica: a morte solitria, somente acompanhado por seus ces. Com certeza
36
uma das pinturas mais tristes de P. W.: no tem a violncia da Cena de guerra, nem as dvidas de
Tempora mutantur. simplesmente a representao da solido diante da morte.
Analisando-se a estrutura desta obra, parece-nos bastante simplificada. Temos os elementos
recorrentes em todas as pinturas: a linha horizontal do primeiro plano, a linha vertical das rvores
isoladas, o arroio que forma um triangulo na borda lateral direita. O que a diferencia estruturalmente
das outras so as linhas sugeridas por alguns troncos e principalmente pelos urubus que formam uma
linha ascendente, em ngulo, que vai em direo a parte superior da tela. Alm desse vetor, temos
unicamente neste quadro duas linhas convergentes formadas pelos troncos e urubus que apontam
cabea do homem morto, direcionando nossa ateno para ele. Um ltimo recurso utilizado na
composio da tela para enfatizar seu peso: novamente aqui podemos ver um triangulo issceles cuja
base a borda inferior do trabalho, o vrtice superior encontra-se exatamente no centro da
composio, onde h um urubu e os dois outros lados do triangulo passam por outro urubu e pelos
cachorros.
O stimo trabalho que comentaremos neste texto uma gravura, intitulada Paisagem de
Tempora mutantur. Weingrtner transps muitas de suas pinturas para gravuras. Esta gravura em
metal uma reproduo fiel da Paisagem derrubada, em pequena escala. Como escreve Anico
Herskovits:
[...] Suas gravuras repetem os temas de suas pinturas e desenhos, porm, devido a uma qualidade prpria da gravura, que estabelece uma relao mais intimista com o espectador, talvez devido a
seu formato reduzido, ela menos grandiloqente e, por isso mesmo, vem ao encontro do apreo
que Pedro Weingrtner demonstrava pelo detalhe, pela mincia e pela delicada construo do
claro-escuro nas linhas de gua-forte.2
Esta gravura, por ter apenas 12 x 16,5 cm., concentra e sintetiza a paisagem ora em estudo.
A nomeao que ela recebeu no nos parece adequada, pois na verdade ela reproduz de maneira
muito aproximada a pintura Paisagem derrubada. O que a diferencia desta principalmente o
formato mais prximo do quadrado, do que a tela. Sua estrutura calcada em linhas verticais e
horizontais, tendo neste caso poucas diagonais significativas. Isto confere a esta pequena gravura
uma solidez e equilbrio dignos de nota.
Alm das obras acima comentadas, possvel estabelecer certas semelhanas entre a
paisagem nelas representadas e a Derrubada, do MNBA. Em primeiro lugar, importante fazer uma
2 HERSKOVITZ, Anico. Sobre as gravuras de Pedro Weingrtner: Alguns comentrios tcnicos. In: TARASANTCHI,
Ruth. Pedro Weingrtner 1853 1929: Um artista entre o Velho e o Novo Mundo. So Paulo: Pinacoteca do Estado
de So Paulo, 2009, p.220.
37
correo em um dado que tem sido divulgado sobre esta tela. Ela est datada de 1913, porm
pesquisando nos arquivos do prprio Museu Nacional de Belas Artes, verificou-se que a data mais
provvel em torno de 1890, o que a torna anterior a todo o conjunto aqui analisado.
Mas voltando a esta pintura, como j foi apontado por Tarasantchi no catlogo da
Pinacoteca, as paisagens tem pontos em comum no primeiro plano, principalmente com a Paisagem
derrubada, que na Derrubada a metade inferior da tela e nas outras um pouco abaixo da metade.
Em ambas temos uma forma escura, horizontal e centralizada que se une com um caminho de terra.
Na Derrubada, temos um tronco em p, de uma rvore queimada, no centro da pintura, e que
ultrapassa um pouco a linha dos morros ao fundo. Em todas outras pinturas temos tambm uma
rvore, na mesma localizao central, somente que estas esto ainda verdes. Temos uma segunda
rvore isolada, um pouco a direita desta, na mesma proporo em todas as obras. O mato que fecha
a tela no lado direito, tambm bastante semelhante em todas as pinturas, porm o arroio
desaparece. Temos a tambm mais um detalhe a chamar a ateno: existe uma planta com folhas
grandes que se repete de forma idntica na Derrubada e no Tempora mutantur e da qual existe um
estudo na coleo do MARGS. A parte superior das telas bastante diferente, surgindo na
Derrubada uma cachoeira entre os morros, que no lembram os do conjunto aqui analisado. Haveria
aqui tambm uma montagem de imagens de diversas origens?
A guisa de fechamento, nada conclusivo, o que podemos perceber que partindo de uma
nica paisagem, que nestes casos tem um carter estruturante, Pedro Weingrtner consegue criar
obras muito diferente entre si. Estas diferenas no so to marcantes no aspecto formal, j que a
mesma paisagem domina boa parte das obras, mas principalmente nas sensaes que elas nos
transmitem, indo de paisagens idlicas a cenas violentas de guerra, da melancolia do colono
tranqilidade dos gachos. E estas variantes Weingrtner consegue, no s pelo domnio na
representao dos personagens, mas tambm, de maneira sutil, pela construo da estrutura de seus
trabalhos.
38
Figura 1 - PEDRO WEINGRTNER: Cena de guerra, 1894.
leo sobre tela, 45 x 30 cm.
Belo Horizonte/MG, Coleo particular.
Foto: Isabella Matheus.
Figura 2 - PEDRO WEINGRTNER: A derrubada, 1894.
leo sobre madeira, 23,5 x 16 cm.
Porto Alegre/RS, Acervo Sala de Arte de Porto Alegre.
Foto: Cylene Dallegrave.
39
Figura 3 - PEDRO WEINGRTNER: Paisagem derrubada, 1898.
leo sobre tela, 59 x 98 cm.
Porto Alegre/RS, Pinacoteca APLUB.
Foto: Cylene Dallegrave
Figura 4 - PEDRO WEINGRTNER: Tempora mutantur, 1898.
leo sobre tela, 110,3 x 144 cm.
Porto Alegre/RS, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli
Foto: Cylene Dallegrave.
40
Figura 5 - PEDRO WEINGRTNER: Gachos chimarreando, 1911.
leo sobre tela, 101 x 200 cm.
Porto Alegre/RS, Acervo Pinacoteca Aldo Locatelli
Foto: Cylene Dallegrave.
Figura 6 - PEDRO WEINGRTNER: A morte do lenhador, 1924.
leo sobre tela, 50 x 100 cm.
Rio de Janeiro, RJ, Coleo Sergio e Hecilda Fadel.
Foto: Daniela DaCorso.
41
q
Eliseu Visconti (1866-1944) e as vanguardas artsticas europeias
Ana Maria Tavares Cavalcanti
s
Enquanto construo argumentativa [...] a histria [...] busca o argumento mais forte, mais
persuasivo de seu auditrio, porm jamais derradeiro. Por isso, deixa de ser a Histria nica,
soberana, guardi do nico sentido legtimo dos acontecimentos, e multiplica-se nas histrias
possveis, em confronto e litgio, que buscam e defendem sua mais-verdade [...].
Jos Amrico MottaPessanha1
ara introduzir o debate sobre a situao de Eliseu Visconti (1866-1944) face s
vanguardas artsticas europeias do incio do sculo XX, gostaria de comentar trechos
de um artigo de 1915, escrito pelo correspondente de um jornal carioca. A convite de Visconti, o
jornalista fez parte de um grupo que visitou o ateli do pintor em Paris, onde pode ver, antes que
fossem levadas para o local definitivo, as pinturas decorativas do Theatro Municipal do Rio de
Janeiro [Figura 1]. Embora no faa referncias aos movimentos de vanguarda nas artes visuais,
nem tampouco se refira a Visconti como acadmico ou moderno, o texto nos interessa, em
primeiro lugar, por relatar com muita sensibilidade o modo como as obras do artista foram recebidas
por seus contemporneos:
Os admiradores do Sr. Eliseu Visconti, que so toda gente entre ns, vo ter [em] breve, o ensejo de
admirar aquele dos seus trabalhos que talvez o mais belo de todos: a decorao para o foyer do
Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
No seu vastssimo atelier da rua Didot, onde vem trabalhando h mais de dois anos para a
execuo desse trabalho, [...] o Sr. Eliseu Visconti proporcionou o encanto dessas primcias
colnia brasileira em Paris, tendo frente o Sr. Ministro Olynto de Magalhes, acompanhado por
sua senhora, e o Sr. Cnsul Souza Dantas, bem como outros membros da Legao e Consulado, o
pintor Antnio Parreiras e os jovens pensionistas da nossa Academia de Belas Artes, funcionrios
do Escritrio de Informaes, jornalistas, personalidades do mundo artstico de Paris, etc.
A decorao do foyer objeto de trs grandes painis: o do centro e os dois laterais. [...]2
EBA/UFRJ; CBHA 1 PESSANHA, Jos Amrico Motta. O sono e a viglia. NOVAES, Adauto (Org.) Tempo e histria. So Paulo:
Companhia das Letras, 1992, p.50. 2 Brasileiros em Paris. Decorao para o foyer do Theatro Municipal, pelo pintor E. Visconti. Rio de Janeiro, 25 out.
1915. Este artigo de jornal se encontrava entre os guardados por Tobias Visconti, filho do pintor, e consultado pela
autora em 1997. Infelizmente, o recorte no continha o ttulo do peridico, nem o ano da edio. No entanto, como
Visconti deixou Paris em 27 de novembro de 1915 para vir instalar estas pinturas no Rio, o artigo s pode datar de
1915. Sabe-se a data precisa da partida devido s anotaes de Visconti em caderno conservado por Tobias Visconti,
consultado pela autora em 1997: Viagem para o Rio. Parti de Paris a 27 de novembro de 1915, s nove e cinquenta da
42
Aps este incio, o articulista menciona ter visto outras pinturas no ateli. Mas nenhuma
delas, acrescenta, teria conseguido prender o olhar dos visitantes logo atrados pelo esplendor do
colorido, ainda mais que pelas propores do grande painel do foyer [Figura 2]. Em seguida, passa
a descrever o trabalho:
Ele representa, simplesmente, vagamente, a Msica.
Obra de decorao, pelo fim a que se destina, obra de sugesto pelas tendncias artsticas do
pintor, essa nova alegoria da Msica muito mais vasta de inspirao e de sugesto do que as
simples figuras armadas de instrumentos - a lira, a harpa, flauta agreste... - das alegorias
convencionais. Figuras femininas a manejarem instrumentos de corda e instrumentos primitivos; a
msica do teatro e a msica da natureza, ocupam os dois extremos da grande tela; mas essas no
passam de figuras secundrias, constituem simplesmente a alegoria objetiva, destinada a
impressionar a retina.
A alegoria subjetiva, porm, que forma o centro do painel, consiste no entrelaamento de formas
nuas que devem sugerir as ideias ou sensaes da melodia, do ritmo, da harmonia. A que est a
verdadeira musicalidade da tela: na sinuosidade da linha meldica, na harmonia das formas
combinadas. A, e tambm no colorido, que , no centro, de uma rica tonalidade amarela, quase
como ouro em fuso, e que se vai diluindo, para os lados e para o alto, vibrao de cores que vai da
polifonia rumorosa, vaga surdina, esbatendo-se at as linhas extremas do painel, onde se perde,
evola, no se sabe bem para onde...3
Esse efeito vivaz e difano que encantou os visitantes [Figura 3] foi alcanado por Visconti
ao pintar um vu de poeira policroma, salpicos de cor e de luz sobre as figuras solidamente
desenhadas,4 conforme explica adiante o autor, acrescentando que o mesmo processo j dera
resultados magnficos na decorao para o teto do Municipal.5 De fato, este mtodo inspirado
no pontilhismo francs propiciava um frescor e vibrao extasiantes, e Visconti j o empregara, sete
anos antes, na Dana das horas, pintura alegrica do plafond da sala de espetculos [Figura 4].6
Os elogios s decoraes do teatro, as informaes sobre o seleto grupo que visitou o ateli
do pintor, e a afirmao de que os admiradores do Sr. Eliseu Visconti [...] so toda gente entre ns
sinalizam o auge de sua carreira artstica. Afinal, aos 49 anos de idade, requisitado pelo Estado para
obras importantes na capital do pas, Visconti j no era um iniciante nas belas artes, e sim um artista
experiente e habilitado s encomendas de vulto. A bem sucedida trajetria de Eliseu Visconti ficou
assim registrada pelo autor annimo de 1915. Mas alm desse aspecto, seu artigo despertou meu
>.noite na gare d'Orsay. Noite bastante fria, cheguei a Lisboa depois de 72 horas de viagem regulares. Aqui me
demorei quatro dias a espera do Oronza do Pacfico e seguimos para o Brasil no dia 3 de dezembro de 1915. 3 Idem, ibidem. 4 Idem, ibidem. 5 Idem, ibidem. 6 Para informaes sobre o plafond, conferir em http://www.eliseuvisconti.com.br/teatro_plafond.htm
43
interesse por outro motivo, a valorizao dos elementos puramente visuais da pintura que embasa
seus comentrios.
Ao dizer que a verdadeira musicalidade se encontra na sinuosidade da linha meldica, na
harmonia das formas combinadas e na vibrao de cores, muito mais do que nas figuras
alegricas que manejam instrumentos musicais, o articulista privilegia, enfaticamente, os aspectos
plsticos da composio. Sua anlise da alegoria de Visconti nos remete s teorias da arte abstrata de
Kandinsky (1866-1944) que, no mesmo perodo, ps em evidncia o parentesco entre msica e
pintura.7 Em Do Espiritual na arte, livro publicado no final de 1911, Kandinsky expressara o desejo
de que a pintura, seguindo o exemplo da msica, abandonasse a representao do mundo exterior,
para se aprofundar nos recursos expressivos de sua prpria linguagem.8 O periodista brasileiro, como
vimos, no chega a defender o abandono da representao de figuras, mas atribui s linhas e cores a
capacidade efetiva de expressar ideias e sugerir sensaes.
Por esta aproximao com uma das mais avanadas teorias da arte do incio do sculo XX, as
colocaes do jornalista, doubl de crtico de arte, podem ser consideradas modernas. Em contato
com elas, no difcil para um pesquisador que deseje provar a modernidade de Visconti, interpret-
las de modo a favorecer este ponto de vista, situando o pintor na histria da arte brasileira como
introdutor de inovaes, artista de sensibilidade pr-moderna e crtico das doutrinas acadmicas.
Para reforar tais ideias, poderia recorrer a trechos escritos pelo prprio Visconti em pequenos
blocos de notas que pude consultar em 1997 na casa de seu filho Tobias, posteriormente doados pela
famlia ao Museu Nacional de Belas Artes. Em meio a estas anotaes, Visconti reproduziu a
seguinte declarao do pintor ingls John Constable (1776-1837):
Eu trabalho apenas para o futuro. No vos preocupeis com doutrinas e sistemas. Ide reto adiante e
segui vossa natureza. Podem pensar o que quiserem da minha arte. O que sei que ela
verdadeiramente minha. Dois caminhos podem conduzir fama. O primeiro a imitao. O
segundo a arte que s depende de si mesma, a arte original. As vantagens da arte de imitao so
que, como ela repete as obras do mestre, as quais o olho est h muito tempo acostumado a
admirar, ela rapidamente notada e estimada. Enquanto o artista que no quer ser copista de
ningum, que tem a ambio de fazer aquilo que v e aquilo que quer, s aparece lentamente
estima. [...]. assim que a ignorncia pblica favorece a preguia dos artistas e os estimula
imitao. 'Nada mais triste, diz Bacon, do que ouvir serem chamadas de sbias as pessoas ardilosas
[...] e a infelicidade que se confundem frequentemente as obras amaneiradas e as obras sinceras'.9
7 KANDINSKY. Du spirituel dans l'art et dans la peinture em particulier. Paris: Denel, 1989, p.114. 8 Idem, ibidem. 9 De um caderno de notas de Visconti consultado pela autora na casa de Tobias Visconti em 1997. No original,
Visconti escreveu em francs: Constable - Je ne travaille que pour l'avenir. Ne vous proccupez pas des
doctrines et des systmes. Allez droit devant vous et suivez votre nature. On pensera ce que l'on voudra de mon art.
Ce que je sais c'est qu'il est vraiment le mien. Deux routes peuvent conduire la renomme. La premire est
44
O fato de Visconti ter anotado as palavras de Constable revela seu interesse pelas discusses
em voga nos meios artsticos de Paris, no incio do sculo XX. Digo isso porque, se o primeiro
bigrafo de John Constable publicou seu livro em 1843,10
a verso francesa - John Constable
daprs les souvenirs recueillis par C.R.Leslie11 - s apareceu em 1905, e suponho que a transcrio
feita por Visconti seja de 1906.12
Assim, as ideias do paisagista ingls estavam em evidncia na
Frana, quando Visconti anotou estas frases.
Em 2004,13
sugeri que Visconti teria lido a declarao de Constable na traduo francesa do
livro de Charles Robert Leslie. Porm necessrio retificar esta sugesto, pois embora se identifique
no livro uma passagem similar,14
verifiquei que o trecho anotado por Visconti no se encontra nesta
publicao. Uma declarao quase idntica, contudo, aparece em La nouvelle peinture de Louis-
Edmond Duranty, texto publicado em 1876 por ocasio da segu