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Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

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A FEL!ClDClt i . lAi r l i " r ' ! ' Ì ,a l . í : f i [ r [ ï i )

A paixão é um fio de chuva em vidro de janela. Na vida de

João Rosa, janelas se sucederam, pâixões escoâram, sem rostonem rasto. Mulheres escorreram como âpressadas gotas e seneblinaram, aves cruzando os céus. João Rosa não se lem-brava de nenhuma das mulheres que amara. Mentira, recor-dava Clarice. t lvez porque tenha sido âpenas há semanasque a relação rompera. t lvez porque ainda a amâsse. Talvez.Como dói o indeciso tenpo clo "talvez". Pior que essa clorâpenâs a conformadiì certeza dos amores eternos.

O rnais certo "tah-ez" deJoão Rosa é Adélia, sua no\-a niì-morada. Quando tudo en.r r-olt:r se tornà ene\-oaclo apenas :rpaixão nos devolve o horizonte. -\délia. â suâ recerÌre pairão,foi um céu cruzando un-r pássaro. Tüdo mudou rlescle que,num final de tarcle, ele recebeu a ÌÌÌensagem no celular:

"Queres conversar?"

E ele teclou, breve, a resposta:

"Conversar sobre quê?"

No minuto seguinte, o écran vibrava com o monossílabo:"nós". Não existia, até àquele momento, nada que pudesse serchamado de "nós". De súbito, porém, aquela entidade colec-tiva ganhou instigante sedução. Na realidade, era um ovo fei-to âpenas de casca, mas o seu interior fervilhava de promessa.

João Rosa se embriagava com o fascínio desse prenúncio, essevazio aberto a tudo e sempre. Foi isto que ele, no primeiroencontro, disse a Adélia. Ela respondeu:

-Eisso,apoesia.- Não entendo.- O que me fascina em si não são só os seus olhos negros,

esse olhar de confiança absoluta. O que mais me encanta sãoas suas palavras lindas.

João Rosa sabia: falar bem é o mais enebriante dos perfu-mes. E ele floreava gramáticas com a mais refinada arte.

- Me ensine um pouco de poesia.

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avenida e pârou, por fim, na loja em frente à casa. Fez decontâ que comprava uns postais, um bloco de apontamentose outras desnecessidades. Porque se demorava, face ao desti-no? Bastariâm uns escassos pâssos para enfrentar a mesmaportâ, o mesmo corÍedor, â mesmâ luz. Bastariam instantespara revisitar o seu próprio passado e, contudo, João Rosa sedemorava a observar o céu se acinzentando e os passeios aficarem molhados.

Na janela da papelaria, as gotas de chuva escorriam es-pessas, primeiro, para depois desabarem subitamente sugadaspela transparência. Rosa fechou os olhos como se quisesseque a chuva escoasse por dentro das pálpebras. E, uma vezmais, voltou a adiar-se. Voltaria depois. Não lhe apetecia en-frentâr o rosto sofredor de Clarice, a angústia hasteada comoum punhal à espera de se cravar no seu indefeso remorso.

- Adélia?A,voz doce, do outro lado da linha, acendeu confortos.

Recompensa infinita, esse milagre de existir Adélia e de am-bos se terem cruzado no infinito labirinto do mundo. A vidaapenas tem encontros; tudo o resto são descoincidências. Eela, a sua nova namorada, esperando ao telefone, já se intri-gârâ perânte tânto silêncio:

-João?- É pata dizer que vou já âgora ter consigo.- Afinal, não tinha que passar por sua casa?- Está a chover, passo por lá amanhã.Adélia também sabia: não era a chuva que o imobiliza-

va. Era o medo de encarar Clarice. Foi isso que o fez virarcostas à rua, condenando âs suâs roupas à solidão do velhoarmário.

No caminho de regresso, respirou de alívio e sorriu coma ceÍteza, de que, sem ele, Clarice perdia o chão e se alonjavado céu. A sua marca, como um brasão, permanecia gravadana alma de todas âs suas ex-mulheres.

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MORRER DF CILiMES

No dia seguinte, Rosa surpreencleu Adélia pendurando roupa

na varanda. Eram camisas dele que pingavam no segundo an-

dar. Cada pingo lhe surgia como gota de suor escapando de

um corpo que já fora seu.

- Porque evita tanto voltar a sua casa? -inquiriu Adélia.

- Não diz que a minha casa agora é esta?

- Não gosto que âs suas coisas ainda estejam naquela casa.

Sabe-se lá o que pode essa mulher fazer com âs suas roupasl

- Por amor de Deus, feit içaria, nesta hora, não.

- Pois eu volto a perguntar, João: o que lhe faz ter medo

de passar pela casa de Clarice?

Não era medo. Era uma oculta sabedoria. CÌarice estava

um farrapo e queria que o mundo soubesse disso. Amigos

lhe traziam relatos do seu deplorável estado. Tinham crrtza-

do com ela na rua: estranhamente a mulher exibia um olhar

firme, confiante, de estima quase masculina. Apesar disso'

ela passara a usar luto. A todos proclamâva a trágica notícia:

João Rosa, o seuJoão, tinha morrido.

- Morreu, sim.

Os incautos, no início, acreditaram. Para efeitos e defeitos,

ela era uma verdadeira viúva. Os que nunca repararam neÌa

ântes? que a olhassem agorâ' com deferência de uma criatura

que o luto fazia estrear.

- MorreuJoão Rosa?

- lF.á muito que estavâ morrendo-respondia CÌarice,

sem quase ter voz.

De vestido escuro, visitava o cemitério. Numa incerta campa

depositava flores já murchas. Tão despetaladas quanto ela prri-

pria. E regressava a câsa com a escura solenirlade das viúr'as'

Mas o boato rapidamente se desfez de encontro à evidên-

cia. Cedo se soube que, afinal, João Rosa se mantinhâ tão

existente como sempre. O homen mudara de guarda-fatos,

de casa, de mulher. Mas não se mudara para os aléns.

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UMA FURTADA LAGRIMA

No final da palestra sobre economia global, os aplausos ao

rubro e eis que uma lagrimazinha, quase umâ inconcluída

gota, lhe espreitou nos olhos. Apressadamente, João Rosa

passou a mânga do casaco pelo rosto.

Regressados a casâ e já no leito, â nova namorada lhe lem-

bra o deslize sentimentâI.- As palmas mexeram consigo' meu amor...

- As palmas?- A ovação final. Ficou comovido, amor?

- Eu? Você não me conhece, Adélia.

- Eu teria ficado, a mim nunca ninguém me ova-

cionou.- Eu a ovaciono em cada instante.

- O que sucedeu, amor? Porquê aquela lágrima?

- Foi daluz, aquele foco directo sobre o rosto."

Assunto encerrado: tinha sido lágrima ilegítima, uma agui-

nha técnica, sem história. E para garantir que o temâ não ti-

nha retorno, Rosa derivou a conversa:

- Procurei por si, entre a multidão, mas o maldito foco

não deixava ver ninguém...Ela se dissolveu: o namorado, em meio de tantos admira-

dores. a mântinha como centro do universo.

- Procurou por mim entre a multidão?

- Claro que sim, naquele momento eu falava âpenâs parâ

si, não havia mais ninguém em toda aquela plateia.

-Jura?-Juro.Ela se chegou, açucarosa e' corpo e alma, se encostou

nele. E murmurou:- Pois, foi pena não poder ver os meus olhos cheios de

orgulho por lhe ver ali, brilhando no pódio.

- Ficou vaidosa?- Me derreti.

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Page 11: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

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- Veja no meu espelhinho.

Espreitou e se surpreendeu: erâ como se do fundo doolhar uns outros olhos espreitassem. Na verdade, flutuava emseu rosto uma aura que ele nunca dera conta antes.

- Está a ver? São ou não são azulados?

Talvez fosse do rnar que ele pegara de manhã. João toma-ra o caminho da marginal e, durante todo o percurso, t inhâespraiado o olhar no hor izonte.

- Não é que lhe fique mal, esse rnar.

Nessa noite, João Rosa entrou no bar e cornentou para osamigos que a secretária se esta\-iì atirando a ele.

- Aproveita a sorte, Rosir. Essa nloca ner.Ìl é nada rná...- A fulana deu para espreitar-rne os olhos.E riram-se. C) riso refbrça os laços tribais clos c..rç:rdores.

O TELEFONEMA DA MÃE

- Ninguém se sepârâ, meu fi lho.- Pois, lhe digo, mãe: eu e Clarice nos separamos.- Nem o seu pai quando morreu se separou de mim.

Foi o que lhe disse a mãe quando João Rosa telefonou aanunciar a ruptura com CÌarice. A progenitorâ nunca tinhâ

aprovado â suâ ligação com ela. Na verdade, nunca aprova-ra Ìigação com nenhuma mulher. Afinal, o que ela sempre

reprovou foi o seu crescer, a sua conversão em pessoa comdestino próprio. A mãe nunca o deu à |uz.

- Não percebe, f i lho? Você será sempre parte de mim,morará sempre no meu ventre e o meu ventre é maior que omundo.

- Liguei para falar de mim e não ainda parámos de falar

de si.- Viu? Eu tenho razão: você é eu.

Rosa desligou. Sem raiva. Apenas com pena da mãe. A luta

dela, durante a adolescência, fora parâ ser mulher daquele que

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Page 12: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

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'snãg e se5er8 gP slod iaJIJelS rod .route nes o naJJoW -^'ESod o9ol ãP

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sorue^glse rí anbrod ã âJJoru Jotut o es anQ 'sIBIu âssIP E'tusSatuoc anb uo oluãluouJ olJEXa ou urêJJoIu seJãI{l

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souapua.rdy'JBuIE e etapuerde sâleP turu{uau '1euge :oqlg e

agur eJtuã sepun;ord sIEIU rreq seSueqlautas EIJãquoJaJ Jerll

-mu-xa V 'esog ogof ap EPr^ EP setu8ru: so]lnJo so Jal BIqES

eJrJB[J oguas ruen8ulu sEW'e]uePl^e o EIJaLIUoJ ellgPv

'sopeuluJelap 'sopun;old 'so:nlsã 'soq1o solusâlu sO -

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oprcared e 'Jotuu naul 'elo,t 'l"tgY 'ossr e8rp oEN -

'u1a e;ed -reFr1 t otlo,\ o8\l -

:no8unutsal oeof opuenh soqlo

so nor{ral BIISPV 'equll EP OPEI orlno e tun ãp sezo^ sE opuBl

-nJSe EpeJorueu E^ou B 'BtuEJ Bu BJãJeluoJE EtueuoJalel O'E^erotu elau enb rãqlntu q Iegul

BJa egru V 'sâJer{lnu sB JIeJI e u;apualde esog enb BIa ruoJ

lo; 'aprp;a,t e1ç 'uran81e ap esodse e seuede Jes ogu erud elnl

el-rg18ul Brun IoJ BIeP EPI^ e EPol 'srodeq 'tsd nas o Jes EIJI^

Page 13: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

Adélia sorriu: a futura sogrâ actuava como sua inesperada

aliada. Esperava-se dela' enquanto namorada' que distraísse

a pequenâ raiva deJoão'

- Deixe a sua mãe, João.

- E, la quc me . le ixe a mim'

- Deixe a sua mãe e prornete que amanhã vai buscar a

sua roupâ. Ou Prefere que vá Ìá eu?

- Não sei se terei temPo'

- É qo" não falta rnuito pâra clue não tenha nada para

vestir. Cclmeço a ficar cansirda cle ser a sua lavadeira"'

- Se calhar vou é ct,urprar tutlo tìe novtl '

- Só se, entretanto. manclar queimar es roup'ls que fica-

ran lá, na casa dessa mulherzinha'

- Você não entende, Adélia'

Eeleclesabafar lsseust ledos:Clar icetetrrrequi t r tcscol ì Ì ( )

stripteaser cle sofrinento. E Rosa faz conrtl gato em pÌena

caça, desrria o rosto lnas continua centraclo nesse obsceno

desnrdar de intimidade. Clarice já não quer que ele a voìte a

amar. Ela está-se vingando de quanto ele não a âllÌou'

- Pobre mulher-suspira Adélia' - Ela não sabe que

vingança é a arte de quem não sabe viver?

Mas Adélia não entende, insiste o homem' Clarice quer des-

fechar nele um remorso como quem dedica um irnpossível bei-

jo. O prazer dela é vê-lo convertido em gota de chuva' cicattiz

de luze sentir que ele escoa em lágrima e tlesagua no nada'

- Deixe, quer ido, tudo isso é passado'

O passado é mentira' Metade é feita de coisas não passadas'

A urrtiu metade é feita de coisas que nunca rnais passarão'

Para escapar da existência, Clarice pensou em beber' Por

um simplËs gargalo de garrafa podem escoâr rios de angús-

tias. Há quà È.rtq,te na bebida ser um outro' Ela não' Na

Page 14: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

o ãpunur oJIqS ãP zo^ e enb uroJ ze! e elas B essãJ8ãu

êoso!_'olJOrU OtsBI run

oruoJ sorr; ã soJnJSã 'ureldruatuor u anb soqlo so eJequoJeJ

ogu 'sotuedse sop oluedsa 'a oqladse oE ãs-Br{lg 'se-rqadlgd se

epe8ad ãlrou B ruoc epe8n"rpeu ep JtpJoJB ered ecaurropy

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-nJc ogu BIâu âs elaueí Brrln ele^ anb ag 'soEru stns rue eJãru

-JopB JBInIãc o'a1rau1 'snepu run ãp ogpDual uroo 't8tyseq

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opuenb soJqruo so uracenbe ãql ogu 'septdsep ogtsa se.rrreyed

sV 'BSBr E Etrqeq anb orcuglts o tuoJ rEIEJ âqts ogu ãrIrEIJ'o5rlsap'.repuatu aya as're3l1 99 'ogof ered.re8r1 no -

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ãcrJBIJ 'Bpr^ Bp serraíns su rdrurl oÍtaq O 'ua8eurt e eíraq a

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isPr^ ãP elnd -'oxrl ãp oreru ou orcrp.radsap 'erz

-eregetlr-8 oruoJ rrrãpsâp oe BpBJIIE .res 'yeug ou 'g 'e:eetuas

eson ogof anb sec-reru sB sorâs sou eql-Jequel 'a1ap ue-ro1 anb

soíraq so ãql-JeJo^ep 'eroq u Juqlotu assãI^ ãr{l ESoà âP BIJ

-uãsne e enb el.ranb uyE 'ero8 ErullltÌ p gw vpv?en res Er;enÒ

'Bplqâq ras euenb EIE 'reqâq erranb ogu EIã 'opun3 oN'sogtu

srns rue esuadsns noJoruãp vletn? e 'rugrod 'za-n BlsâC['sapBpIJIIãJ sra,ula da.r.rr ã sBtnlosqB rueSa.rtua

sou anb sessa tsesloJ seldruts sE ruB^BpuIJq slop so opuenb.raz

-BJ E^BrunlsoJ oruoJ 'sepezn.rc seu;ad ep es-nolueg 'ogof ep

soquh ãp B^JâsâJ ep eSesm? Brun noJll a esuedsap q tog'Jes eP JsxrãP

aluaursaldurs assapnd Bl" zè^lal'eqes uranb'zan8errgrua

Page 15: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

\,azio diì longa ins<inia. A cançãcl fala corn elir: "(Juis nìorrer

de ciírtnes, quase enl<lurqueci...". Morrer cle ciúrnres é clernasia-

clo solitário. L, cla tem rr crrnção c()rììo conrpanhiir, é a írnica

anriga quc l l-re restl.- Tênho nreclo cle nìorrer clenrasi' lr lo.

Ergne-se corÌìo que respondcnclo a Lullrì sírbit ir i lunrinaçã<l

interior. Retorna ìo csÌ)cllìo c rrio reconhece as pitlrrvras cluelhe f luenr nrais ckr pei to que t l l l loc.r :

- Ninguérn lÌìorre Iìurlcì. se lìr.Ì l()Ì l urìì r.uìlor

Podiam ser prt l , tvrr ts r lc r t Icnto rn.rs sorrrrrrn- l i re

art í f ic io de letr l r le rrrr is icrr ronr int icrr .

Joã<l Rosit bltetr ì l)ortrÌ, <l corlrção crispatlo rìrì l)()rìtrì r l<ls rle -

r l< ls. ( lat l r t t< l t1uc lhe t l< letr c<l t t to se' l l rar le i r r t ì rsse ì c1ìr l ìe

rlue golpeava. I)<l <.rutro lrtclo, escut()r.r-se a ìrrastrì(lì nrrrrcha

rle (ìlarice, a fresta cla prlrta rleir<lu escrìpar l envirrr.rrrla rrlz.:- \/eio hojc? lr rluc hojc cst()rÌ nluit() 1ÌÌìt igrì.- ,Jr í tentc i v i r r rntes, r rão r leu.- Fìu sei.- Sabe, c<lrno?- I ìu v i -<l ua papelar ia ern f rentc.

Si lêncio. Arr tes r lue r t r t tnrosterr t se t ( ) r l ìc t le rnrrs i . r r lo e s[)es-

sa,. f oão a interpelou:- ( l ìar ice ì- Não nre chiune r le ( l l ' . r r ice. Nuncrt rnr t is .- Não entendo.- Se j : í não nre i ì rn i ì , r . rã<l r r re v<l l tc rr chrnrrrr pcl<l norne.(]ue ìhe interessltVa ter rÌnì rì()nìe se ele tnrltvt.t ulìÌtì outrlì?

() n<lnre é ut t ra Iuz t lue urn c<lrr tção rrcetrc le. F. ( l l l r ice qucr i r ì

Í ìcar no escuro, t leslrrar la, l )ara l ìão erìxergi ì r i r srr : r 1 l r<ipr i r rer istêncirr .

F. e le, hesi t r rnte, cr t r l l pr t lar . ' r l tacteanr lo <l s i lôncio:

I

209

Page 16: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

.sBIuSãluISBaS.IuBJEIUV.uãruoqouIsoluotuBJBuIBeJ.SoJ}I.to

uTBJEIuE 'ercuacsalope ãP luErEPnru se8rue se JoPãJ nãs rug

's8true slunqueu ãP Ies ouu anb olrntu 9H -

ieuttr{ n11 ieuuof olsl^ ruâI -

'eJIJelJ ap sEP€lseJJe selsodsa'r sE sIEUI sPuI€ Elrusl

e orJuglls o e^EãJeà 'sutun8red eP elueJJol Brun JBIESãP zâJ

E'od.roc o noãl;eJ alus}sul orulrltÌ ou selu'e1-eSelqe E nãPeJ

anb asenb eso6 ogof 'oloc oE evlètl t'le anb sednor eP oqln-lq

-ure ou rucJeqruol seurr-r8g1 sy 'oluerd rue noqESâP aJIJBIJ

'uteqesep aurrg asod E e osJnJSIP ã]ueJIIãP o 'oltqrls eq

iarIrEIJ'opuaqaq EPUB âro -

'oPIPuã]uã Je] êP EIIAJSIIES EZãlsIr] BSSOU

'nrrrog 'nepuatue ã sol{ul^ soP oIJEIuJB o noqlo esoà ogof

'e5ue"rqure1 Etullll,ì e -rrn8utlxa es ap srodap oursãlu

an8assord ogSe;oc o 'oltad Je^Br{ ocu 9Í ep srodep otusary

'erduras Jetue 'Jetu17 'Joure tunquâu ulas ourseur B^EIUV

'eure eru EPuIB eJo^ seyg 'ogo['eqtes ogu eJo^ ze^lc1 -

aanbrod rnbe nolsa 'ogluE -

'sednor sE JBJsnq e;ed tnbe glsã otu ?co^ -

'eptpnts lueu EZãlsIJl ureqledsa ogu tleP soqlo so :e'te8rexue anb

ou EpuIE souãW'E^ElnJSe anb ou E^tlIPeJJe oeu esog ogof'EruE âIU BpUIE

ecor 'oeof 'osst ro4 'ollugul utn e-ldtuas 9'oqo[ ''reruy -

'oltrgtard ulãs soqJã^ oES Jê^IA e JEruV 'oPI^I^

Jel o rueu'opetur Jal o alslxe ogu anb :nrladar e1e u5uern8as

epe;adsaut ruoC 'JEurE eP sxleP âs slttu EJunu oPBluE oPuel

zâ^ elrlíf 'opessud lues oqJe^ lun e reure :Elqes aJITEI)'JOUJE-Xa :oã

-nuoc eltdag 'erun asenb 'ser,teled senP oES 'saldturs I -

'zvdtt nos ogu 'aluarusaldutt5 -

ian8asuoc ocu otuoJ -

'oprJUâ^ 'oxlEqslqeJ 'eSaqel B nlPnJ

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Page 17: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

rer ie. Sa-

ra comi-

- nta vez

esperada

em o ter

'ão. r-ocê

ainda no

'audade.

senlpre.

ossegue

. Sorriu,

3sabam.

no em-

rase que

orpo. E

lêncio e

E passaram guerras, desfilaram exércitos pelas ruas desar_madas, a sua alergia ao pó se âgrâvou e os lenços de papel seâmârrotâram e se âmontoâram como se fossem dias no fundodo tempo. De onde vem esse pó que lhe avermelha os olhos?Talvez ela mesma se tenha convertido em poeira, talvez sejaessa a razão porque perdeu visibilidade perânte o espelho.

- Está mais magra.Não mais voltou a olhar a balança, não mais espreitou as

calorias. A angústia basta para a sufocar sob o peso de umaenfartada alma.

- Mas esrá bem de saúdeìTalvez esteja incubando doençâ grâ\-e. Grave?, pergunta

ele, subitamente ansioso. Sim, sussurra Clarice. De qrr. re.rreuma doença se não for gravíssimaì ^\Ias nem isso lhe dá con_solo. As suas maleitas são comuns, sem glória, incapazes deseduzir a Morte. como ela sempre ansiara ter estado doentecom ele à cabeceira, convocando â sua urgente atenção, sentira suâ ternura nem que fosse em doses de miligramas, saben_do que lhe perscrutava o rosto à cata de um desvaimento.

- Tem visto televisão?A Televisão tinha dedicado um programa inteiro à extin_

ção das espécies vivas. Para ela, há muito que se exringuiu aVida. E não foi apenâs denüo dela. A Vida esvaiu-se nt pla_neta inteiro. O amanhã faleceu, caroJoão.

O que restou foram dias ressequidos, sem lembrança do an_gigo calor vital. Faz lembrar os laivos de Sol depois do poente.E isso que tomâmos por Vida.

- O que lhe digo, caro João, é o seguinte: a árvore estámorta. Apenas ainda não tombou.

LivRoS Ë coltRtc)s

A voz de Adélia o surpreende assim que enrra em câsa:- Como correu?

lmaram

nesmas.

Page 18: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

anb alenbep 'sopeqldura eí 'sor'u1 so noIJIJBJ€ e ESEJ Bp oIJ

-glrJJSã oE Iod 'noJor{J Ogu elâ 'ura'rod íza't elsâcl 'sesIrrrBJ ãP

eruJoJul ãtuotu utn opue5erqos BSoã ogof norraldsa elaueí eg

'"rrrJ13 ap orrad ou JEoJa B noJg oPuBI{JeJ elrod ep .'os O

zo^ vo oc3 0

'rs ap oSepad alse rslsssal e3IJslC âP BSEJ e BIJBllo^'oursãtu

gr{uuury 'epe,Ler8 trule e 'sopuessud soPâp so 'opelorua reqlo

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apuo 'oprrrr^ Equll slelu âlâ âPuo soJ^ll sou BJE

'solceíqo sop leossad slerrr o BJe oeu ednol r enb napuelua

"ro6 ogol'áruader ap 'E 'opecy tuequll 'sol'tt1 so 'rur5

'aJIJBIJ eP esBJ rug -

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"'BScJ luã 9l oplse sPuIB soJ^II snãlu so 'stodap g'e(oq

r€qleqen o8rsuor opu 9í anb oqey 'opeto8sa notsl -

'sotllãluJâ^ opl I^ so BJunN 'oIJIIoJ run 'ressed en -

isâlâ ruor 9q anb 9 anb 6 -

"'soqlo snes so -

:epudncoa.rd 'zo-t e

e8nrua 'stodaq 'soleqle sautn;rad zer) ogrr enb as-ecglua3

.IBIrer{r o,,.d "',ï:i:""Jà"#:ï:ïff ï:s ;J,Ëg'ElJu?JãJuoJ erun 'rereda'Id no'r eputy -

,",,^ï;:'3ï;:1"#;."oEru B utoJ eleg EII?PV 'oPesuec ãluârrrBl{uBJlsa 'r-rros ogof

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.'rs B âs-noJIlV -

'EJnol 8tsâ elg -

Page 19: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

fora o seu homem. Depois, ârrumou-os um por um num cal-

xote de cartão.

- Amanhã ele virá buscá-los.

No final, serÌtou-se sobre a caixa jâ cheia e deixou-se Íìcar,

absorta como se procÌrrasse vozes antigas. E foi ' então' que

lhe chegou o eco do seu pai, fumando entre pilhas de livros

que, em menina, ela ajudava a espanejar em cada domingo'

Lembrou-se, então, da história que seu pai repetidarnen-

te lhe contava. E que fìlava cle r.rma rnulher que só começou

a ter f i lhos depois de morta. Cacla nove meses' da campa

irrompia um choro, e o coveiro, resmungando e blasfeman-

do, arrastava a sua pá pelas ruelas c1o cen-ritério e, cotlt cui-

dados de parteira, esca\- i ì \ -a pr l r r r ret i rar o recérr-nlscido'

Do falecido ventre da rnulher t r rotaratn. cm ini t r terrul l ta

corrente, dezenas de cr ianças. O cor-eiro-que er l ì u l Ì ì

homem bondoso- ia adoptando os bebés e se afunclando

num mâr de pobreza.

Até que o coveiro mandou pavimentar a campa e abateu a

árvore que the dava son.rbra. A esposa surpreendeu-o a cimen-

tar o chão por cima da sepultura e disse:

- Tüdo isso é para nada: o ventre dessa mulher não falece

porque esse ventre é a própria Terra, toda jnteira'

Era essa história que âgora despertava em Clarice, no eco

das palavras doces do seu longínquo pai. A desbotada histó-

ria ganhara uma inusitada presença. E ela entendeu: o pai a

aconselhava por via metafórica' E a encorajava a fazet do seu

ventre urn cadinho pâra novas vidas' vidas que seriam suas' âs

tântas pétalas de uma mesmâ flor. Ela teria que nascer cle si

mesma, superar a cinza, rasgar na parede da angústia a janela

de um novo dia.

- Vou pâra â rua.

Já que havia inventado a norte e a loucura paraJoão Rosa,

ela inventaria uma vida outra para si. Ela se inventaria Ac1é-

lia. Foi ao espelho e se fez bonita. Foi ao velho baú e se f-ez

vaidosa. Foi ao fundo de si e se fez mulher.

Page 20: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

'Jã^ 8 nofse opu nã 'at1on "'ello^'ert're13 -

:€sod ep ocnor olu8 o 'o91uã 'ãs-nofncsq 'olãsscd oP oPBI

oJfno ou as-oPuelsejB 3 BnJ € oPueznJJ 's8fsoJ noJI^ E

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'EJop€losuoJ 'a1ap o-rquo ou o5e-rq o nosnod 'eSueguoc zt1al

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iaJo^ E itrun8rad ürãnÒ -

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up r.radsa,t tue 'seJuaznlãruaJl serqadlgd 'oxreq otsod 'ãJIJEIC

-rirr"r;"" ap zedvt IoJ ogu 'se'raqlnur ap ropeSuc oPelreJue

'eso6 oeof'1a.Lgsuadur o neP es 'lot{lo sou soqlo 'oglug

irenb anb soJ^II so olusâlu E -

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-rsrnbur 'o-noldulaluoJ g 'âlãP oultxgrd ruãq noJclsã 'o'rtaqu

-edruor-xa op ogJcarrp eu sossed sun ne6 'nored âJIJelC

"'soJ^II "t"- 'op

âlueruleâJ e'tesrcard na 'ruog -

'opelserueP ardruas

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o"r".Ër, as ruenb 'ral apod os ouroJ 'essard EI{uIt ãJIJBIJ

:ercuglrodrul Bgull oEu JãzIP esso.1 ãlâ anb lanb anb C)-

'oll3Í 9P ãrrr opu e;o8e 'gqurute rI^ ãPod -

'sol^lI snâul so JEJSnq Bt{ulA -

'JIts EI na 'ero8e "'o9o['qV -

'OIJOIIJJâ] IEJnleu nãs o ãssoj BnJ E es ouroc BUISelu IS

ep euoP â eluaJseloPe 'opuntu o eled neduorl 'esec ep ntrs

ãJTJEIO '1a,ucaq,roca'r1 '"]'od e ;ãlug e no8aqc ogu eso6 o9o[

'BnJ Q no -

:IS lua EIJsEu anb elnletrc B^ou ESSaP

ou€Jãqos olJE oJlâurtJd o roper;oJ ou nolJunuu 'ul1e zo'1

Page 21: Olhos Nus, Olhos - Mia Couto

O tom era de desespero. Ela parou, deu meia-volta e atra-vessou, de volta, a estrada.

- Eu estou cego, Clarice!- Você apenas está chorando, meu querido.- Chorando, eu?- Eu sei. Porque esses, no seu rosto, são os meus olhos.

E lágrimas que não eram suas desceram como gotas de chuvaem vidro de ianela.EE

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