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gabriela-leao
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A FEL!ClDClt i . lAi r l i " r ' ! ' Ì ,a l . í : f i [ r [ ï i )
A paixão é um fio de chuva em vidro de janela. Na vida de
João Rosa, janelas se sucederam, pâixões escoâram, sem rostonem rasto. Mulheres escorreram como âpressadas gotas e seneblinaram, aves cruzando os céus. João Rosa não se lem-brava de nenhuma das mulheres que amara. Mentira, recor-dava Clarice. t lvez porque tenha sido âpenas há semanasque a relação rompera. t lvez porque ainda a amâsse. Talvez.Como dói o indeciso tenpo clo "talvez". Pior que essa clorâpenâs a conformadiì certeza dos amores eternos.
O rnais certo "tah-ez" deJoão Rosa é Adélia, sua no\-a niì-morada. Quando tudo en.r r-olt:r se tornà ene\-oaclo apenas :rpaixão nos devolve o horizonte. -\délia. â suâ recerÌre pairão,foi um céu cruzando un-r pássaro. Tüdo mudou rlescle que,num final de tarcle, ele recebeu a ÌÌÌensagem no celular:
"Queres conversar?"
E ele teclou, breve, a resposta:
"Conversar sobre quê?"
No minuto seguinte, o écran vibrava com o monossílabo:"nós". Não existia, até àquele momento, nada que pudesse serchamado de "nós". De súbito, porém, aquela entidade colec-tiva ganhou instigante sedução. Na realidade, era um ovo fei-to âpenas de casca, mas o seu interior fervilhava de promessa.
João Rosa se embriagava com o fascínio desse prenúncio, essevazio aberto a tudo e sempre. Foi isto que ele, no primeiroencontro, disse a Adélia. Ela respondeu:
-Eisso,apoesia.- Não entendo.- O que me fascina em si não são só os seus olhos negros,
esse olhar de confiança absoluta. O que mais me encanta sãoas suas palavras lindas.
João Rosa sabia: falar bem é o mais enebriante dos perfu-mes. E ele floreava gramáticas com a mais refinada arte.
- Me ensine um pouco de poesia.
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anb sor-uequs os sEtrV 'zrlãj ol]ues as-apualde rtsaocl y -
avenida e pârou, por fim, na loja em frente à casa. Fez decontâ que comprava uns postais, um bloco de apontamentose outras desnecessidades. Porque se demorava, face ao desti-no? Bastariâm uns escassos pâssos para enfrentar a mesmaportâ, o mesmo corÍedor, â mesmâ luz. Bastariam instantespara revisitar o seu próprio passado e, contudo, João Rosa sedemorava a observar o céu se acinzentando e os passeios aficarem molhados.
Na janela da papelaria, as gotas de chuva escorriam es-pessas, primeiro, para depois desabarem subitamente sugadaspela transparência. Rosa fechou os olhos como se quisesseque a chuva escoasse por dentro das pálpebras. E, uma vezmais, voltou a adiar-se. Voltaria depois. Não lhe apetecia en-frentâr o rosto sofredor de Clarice, a angústia hasteada comoum punhal à espera de se cravar no seu indefeso remorso.
- Adélia?A,voz doce, do outro lado da linha, acendeu confortos.
Recompensa infinita, esse milagre de existir Adélia e de am-bos se terem cruzado no infinito labirinto do mundo. A vidaapenas tem encontros; tudo o resto são descoincidências. Eela, a sua nova namorada, esperando ao telefone, já se intri-gârâ perânte tânto silêncio:
-João?- É pata dizer que vou já âgora ter consigo.- Afinal, não tinha que passar por sua casa?- Está a chover, passo por lá amanhã.Adélia também sabia: não era a chuva que o imobiliza-
va. Era o medo de encarar Clarice. Foi isso que o fez virarcostas à rua, condenando âs suâs roupas à solidão do velhoarmário.
No caminho de regresso, respirou de alívio e sorriu coma ceÍteza, de que, sem ele, Clarice perdia o chão e se alonjavado céu. A sua marca, como um brasão, permanecia gravadana alma de todas âs suas ex-mulheres.
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1ì-
MORRER DF CILiMES
No dia seguinte, Rosa surpreencleu Adélia pendurando roupa
na varanda. Eram camisas dele que pingavam no segundo an-
dar. Cada pingo lhe surgia como gota de suor escapando de
um corpo que já fora seu.
- Porque evita tanto voltar a sua casa? -inquiriu Adélia.
- Não diz que a minha casa agora é esta?
- Não gosto que âs suas coisas ainda estejam naquela casa.
Sabe-se lá o que pode essa mulher fazer com âs suas roupasl
- Por amor de Deus, feit içaria, nesta hora, não.
- Pois eu volto a perguntar, João: o que lhe faz ter medo
de passar pela casa de Clarice?
Não era medo. Era uma oculta sabedoria. CÌarice estava
um farrapo e queria que o mundo soubesse disso. Amigos
lhe traziam relatos do seu deplorável estado. Tinham crrtza-
do com ela na rua: estranhamente a mulher exibia um olhar
firme, confiante, de estima quase masculina. Apesar disso'
ela passara a usar luto. A todos proclamâva a trágica notícia:
João Rosa, o seuJoão, tinha morrido.
- Morreu, sim.
Os incautos, no início, acreditaram. Para efeitos e defeitos,
ela era uma verdadeira viúva. Os que nunca repararam neÌa
ântes? que a olhassem agorâ' com deferência de uma criatura
que o luto fazia estrear.
- MorreuJoão Rosa?
- lF.á muito que estavâ morrendo-respondia CÌarice,
sem quase ter voz.
De vestido escuro, visitava o cemitério. Numa incerta campa
depositava flores já murchas. Tão despetaladas quanto ela prri-
pria. E regressava a câsa com a escura solenirlade das viúr'as'
Mas o boato rapidamente se desfez de encontro à evidên-
cia. Cedo se soube que, afinal, João Rosa se mantinhâ tão
existente como sempre. O homen mudara de guarda-fatos,
de casa, de mulher. Mas não se mudara para os aléns.
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ã opctlessr'apeptleuosrad eldnp ep Jãr1os e elessed e1a 'opelroc
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BJolnt BJe ogu 'steut za't rru11 'EIlsIxe oeu eJIJtlJ 'stttu zã'rturn
'epl^ q leg res ãP BrexIeP eso6 oço1'EPJErl opIS EIrÜr{ tuanb 'e1a
ü.i; ôt; eudgrd e e.,a 'et'teq es 'no'.B5t'rl BI'\Btl oEu 'oPour
elenbeq'ãPBPIIBaJ BJlno Eurn "p
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essr8lgut ogu anb ered e-r'repuoPãJre :Ioq oP eJJIql oE ze; as aú
oynbr: aPtPIIBãJ t lrroJ BIZEJ aJIJEIì 'urerrop'rad e urcJePuelue
seossad sV 'tJIePBPJe^ Jãs eP noxleP sJlluâur r anb rutsst tol E
soesuilo
fssemâ-uelenãoìda.tora
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masdoerrer.?m:rpe-rcria)ÍTe-
ilava
nân-
não
hde,
,Íro-
rido,
ela a
ice a
querrdar.
UMA FURTADA LAGRIMA
No final da palestra sobre economia global, os aplausos ao
rubro e eis que uma lagrimazinha, quase umâ inconcluída
gota, lhe espreitou nos olhos. Apressadamente, João Rosa
passou a mânga do casaco pelo rosto.
Regressados a casâ e já no leito, â nova namorada lhe lem-
bra o deslize sentimentâI.- As palmas mexeram consigo' meu amor...
- As palmas?- A ovação final. Ficou comovido, amor?
- Eu? Você não me conhece, Adélia.
- Eu teria ficado, a mim nunca ninguém me ova-
cionou.- Eu a ovaciono em cada instante.
- O que sucedeu, amor? Porquê aquela lágrima?
- Foi daluz, aquele foco directo sobre o rosto."
Assunto encerrado: tinha sido lágrima ilegítima, uma agui-
nha técnica, sem história. E para garantir que o temâ não ti-
nha retorno, Rosa derivou a conversa:
- Procurei por si, entre a multidão, mas o maldito foco
não deixava ver ninguém...Ela se dissolveu: o namorado, em meio de tantos admira-
dores. a mântinha como centro do universo.
- Procurou por mim entre a multidão?
- Claro que sim, naquele momento eu falava âpenâs parâ
si, não havia mais ninguém em toda aquela plateia.
-Jura?-Juro.Ela se chegou, açucarosa e' corpo e alma, se encostou
nele. E murmurou:- Pois, foi pena não poder ver os meus olhos cheios de
orgulho por lhe ver ali, brilhando no pódio.
- Ficou vaidosa?- Me derreti.
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'rÌll9py ap otelcla.r r,\Ì1lsâ aloLl a1o q 'ollrì1.) ru.r(lLr.rJlaLll-tlrzp.J og5r-rrr 5 'rut.9r1so61 'anb-rrrrrJl ()Jrrl.) rÌrzrÌ.rt ([o.\orrro]
-Ì1c orr'orpc.r 1y'â.\âÌ J o-\e.r(l r(! ()r.l()lr.rJsâ o tr.rtltl rrra8trr_r \,'rprparls;rp ÌrLr'rrlã lì()-r Ììur.llÌr.rr
-tllatr8 ap soÍoclsalt so oÌ)r-rcurrì,I-trÌ ().)rl na rn['r !Ì.\ -'oJt.:ls^t l)o.tJ tÌ o1'lt-t n.ìossr: ru 11 J's( ) rua( I tts
solltil 'artrnrr 1; 'otxrtrl ÌrprJsa.rJtÌ rrr()J .rorrrtÌ rrrÌr-râzrl tÌrlJl)\ i)EsoU 'Ì1rrJãlã rtrStrrltoll a1t stl anb stÌlrrr ì-ucltÌi\ ()^rslìl:lxJ -toLutÌap st.inI s\"sc]rJ.+ turÌ,\tÌÌs^â t':Í sazucl stÌ'olrrrnSâs ÌÌrlrrrrur iÌ!
'\.ìJàLllÍìul \Ì: tu.ìJ.ì7t:l rìr.r st:r.l:tlÌ:ottto') 'aluourtsorcloJ rÌ-\rÌ.roL[:l â[â :rÌl)1,\Ììl) rÌr.\rÌrl o!N 'r.rro.lJJ
-âpãurllLl sol)op so rìrJlris ;l s()q[() so no.É:.r1s.1 '()a)o+ o rrrtrÌ)-Jcd :^xStoJ stt 'topal ura 'anb nol()Lr Psoìl oeol',o1tusr1rut.1
't:llotl t: n.rÌÌ:(Ì ,ì ot:rlrì,,.rou Íìe-\lo,\Lro JS 'urur::t ÌÌp o5^-Ìlân8Je rÌrIopv 'arr.iE1.; ìl) âLuotro.rrÌ1lÌJsc o\r'sorJuclls so sol)ol c sul.rrlrcl sÌl srÌpol irrir,lrÌlr(lrJ-eJd os ãprro Jod or8atr oJÌtJnq run ro-Ì 'osrl elanbrysos(llÌlop trnb-ur1 EttrÌ]Lr es-Jelio,\LtoJ apo(l 1ìl13lrÌ1 a1t osdrrl rrrl
'RuussÌJt:lJ pÌ)ol Ìr,\trlsc ltllls ll :lâzrÌr LÌl-líììtl-ì ',,t:P-rrtl"'aJIJPI') upol r'ttrlso rrlrÌs rÌ'.1()u-rÌr rr;rur'o.h-rp eLll rìJ slod
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- Veja no meu espelhinho.
Espreitou e se surpreendeu: erâ como se do fundo doolhar uns outros olhos espreitassem. Na verdade, flutuava emseu rosto uma aura que ele nunca dera conta antes.
- Está a ver? São ou não são azulados?
Talvez fosse do rnar que ele pegara de manhã. João toma-ra o caminho da marginal e, durante todo o percurso, t inhâespraiado o olhar no hor izonte.
- Não é que lhe fique mal, esse rnar.
Nessa noite, João Rosa entrou no bar e cornentou para osamigos que a secretária se esta\-iì atirando a ele.
- Aproveita a sorte, Rosir. Essa nloca ner.Ìl é nada rná...- A fulana deu para espreitar-rne os olhos.E riram-se. C) riso refbrça os laços tribais clos c..rç:rdores.
O TELEFONEMA DA MÃE
- Ninguém se sepârâ, meu fi lho.- Pois, lhe digo, mãe: eu e Clarice nos separamos.- Nem o seu pai quando morreu se separou de mim.
Foi o que lhe disse a mãe quando João Rosa telefonou aanunciar a ruptura com CÌarice. A progenitorâ nunca tinhâ
aprovado â suâ ligação com ela. Na verdade, nunca aprova-ra Ìigação com nenhuma mulher. Afinal, o que ela sempre
reprovou foi o seu crescer, a sua conversão em pessoa comdestino próprio. A mãe nunca o deu à |uz.
- Não percebe, f i lho? Você será sempre parte de mim,morará sempre no meu ventre e o meu ventre é maior que omundo.
- Liguei para falar de mim e não ainda parámos de falar
de si.- Viu? Eu tenho razão: você é eu.
Rosa desligou. Sem raiva. Apenas com pena da mãe. A luta
dela, durante a adolescência, fora parâ ser mulher daquele que
205
'JOJJOuI eJUd runl{ueu JoIuB oquel opu eí na anb 'oqlg nau
'snãg e se5er8 gP slod iaJIJelS rod .route nes o naJJoW -^'ESod o9ol ãP
âgur B noleJ TuISSV 'sotuãJJolu anb rua alutlsul ourselu ou solu
-ãJSBueJ sopot '1rugy'ollruu IoJ noJouleP ãlE 1BIP oJIãJral oe
opBlrssnssâJ Equa] olsIJJ anb sou-orueluedsg 'seluB solJotu
sorue^glse rí anbrod ã âJJoru Jotut o es anQ 'sIBIu âssIP E'tusSatuoc anb uo oluãluouJ olJEXa ou urêJJoIu seJãI{l
-nur sB ruoc sag5elal sEqulru su enb esslp eEIu EI{ulW -"'srEru u9n.õ
-lB ruâ opuesuad e^Etsa 'aluada.r ap 'anb eu-neJãJed -
iJãs ep etneq uanb 'agur equtlg -
iuranb BIE -
iesslp eru ula anb o oqES -'ePEprllqBluor
BSsâp ruãlrl e.red gtse Jorue O 'solu€rue anb so ?Junu soluãP
--rad og1q 'rap.red soureJl oeu enb e oJlno o ures reJg IB^ es
anb .raqeg 'JEJI] IE^ sou ePI^ Blrrseur e anb opuaqts 'nap sou
eplt e ruanb Jtruv 'soqlg soe soIlIBJIPep anb roulc ou JEUrB E
souapua.rdy'JBuIE e etapuerde sâleP turu{uau '1euge :oqlg e
agur eJtuã sepun;ord sIEIU rreq seSueqlautas EIJãquoJaJ Jerll
-mu-xa V 'esog ogof ap EPr^ EP setu8ru: so]lnJo so Jal BIqES
eJrJB[J oguas ruen8ulu sEW'e]uePl^e o EIJaLIUoJ ellgPv
'sopeuluJelap 'sopun;old 'so:nlsã 'soq1o solusâlu sO -
ing -'EIe UIOJ
oprcared e 'Jotuu naul 'elo,t 'l"tgY 'ossr e8rp oEN -
'u1a e;ed -reFr1 t otlo,\ o8\l -
:no8unutsal oeof opuenh soqlo
so nor{ral BIISPV 'equll EP OPEI orlno e tun ãp sezo^ sE opuBl
-nJSe EpeJorueu E^ou B 'BtuEJ Bu BJãJeluoJE EtueuoJalel O'E^erotu elau enb rãqlntu q Iegul
BJa egru V 'sâJer{lnu sB JIeJI e u;apualde esog enb BIa ruoJ
lo; 'aprp;a,t e1ç 'uran81e ap esodse e seuede Jes ogu erud elnl
el-rg18ul Brun IoJ BIeP EPI^ e EPol 'srodeq 'tsd nas o Jes EIJI^
Adélia sorriu: a futura sogrâ actuava como sua inesperada
aliada. Esperava-se dela' enquanto namorada' que distraísse
a pequenâ raiva deJoão'
- Deixe a sua mãe, João.
- E, la quc me . le ixe a mim'
- Deixe a sua mãe e prornete que amanhã vai buscar a
sua roupâ. Ou Prefere que vá Ìá eu?
- Não sei se terei temPo'
- É qo" não falta rnuito pâra clue não tenha nada para
vestir. Cclmeço a ficar cansirda cle ser a sua lavadeira"'
- Se calhar vou é ct,urprar tutlo tìe novtl '
- Só se, entretanto. manclar queimar es roup'ls que fica-
ran lá, na casa dessa mulherzinha'
- Você não entende, Adélia'
Eeleclesabafar lsseust ledos:Clar icetetrrrequi t r tcscol ì Ì ( )
stripteaser cle sofrinento. E Rosa faz conrtl gato em pÌena
caça, desrria o rosto lnas continua centraclo nesse obsceno
desnrdar de intimidade. Clarice já não quer que ele a voìte a
amar. Ela está-se vingando de quanto ele não a âllÌou'
- Pobre mulher-suspira Adélia' - Ela não sabe que
vingança é a arte de quem não sabe viver?
Mas Adélia não entende, insiste o homem' Clarice quer des-
fechar nele um remorso como quem dedica um irnpossível bei-
jo. O prazer dela é vê-lo convertido em gota de chuva' cicattiz
de luze sentir que ele escoa em lágrima e tlesagua no nada'
- Deixe, quer ido, tudo isso é passado'
O passado é mentira' Metade é feita de coisas não passadas'
A urrtiu metade é feita de coisas que nunca rnais passarão'
Para escapar da existência, Clarice pensou em beber' Por
um simplËs gargalo de garrafa podem escoâr rios de angús-
tias. Há quà È.rtq,te na bebida ser um outro' Ela não' Na
o ãpunur oJIqS ãP zo^ e enb uroJ ze! e elas B essãJ8ãu
êoso!_'olJOrU OtsBI run
oruoJ sorr; ã soJnJSã 'ureldruatuor u anb soqlo so eJequoJeJ
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soíraq so ãql-JeJo^ep 'eroq u Juqlotu assãI^ ãr{l ESoà âP BIJ
-uãsne e enb el.ranb uyE 'ero8 ErullltÌ p gw vpv?en res Er;enÒ
'Bplqâq ras euenb EIE 'reqâq erranb ogu EIã 'opun3 oN'sogtu
srns rue esuadsns noJoruãp vletn? e 'rugrod 'za-n BlsâC['sapBpIJIIãJ sra,ula da.r.rr ã sBtnlosqB rueSa.rtua
sou anb sessa tsesloJ seldruts sE ruB^BpuIJq slop so opuenb.raz
-BJ E^BrunlsoJ oruoJ 'sepezn.rc seu;ad ep es-nolueg 'ogof ep
soquh ãp B^JâsâJ ep eSesm? Brun noJll a esuedsap q tog'Jes eP JsxrãP
aluaursaldurs assapnd Bl" zè^lal'eqes uranb'zan8errgrua
\,azio diì longa ins<inia. A cançãcl fala corn elir: "(Juis nìorrer
de ciírtnes, quase enl<lurqueci...". Morrer cle ciúrnres é clernasia-
clo solitário. L, cla tem rr crrnção c()rììo conrpanhiir, é a írnica
anriga quc l l-re restl.- Tênho nreclo cle nìorrer clenrasi' lr lo.
Ergne-se corÌìo que respondcnclo a Lullrì sírbit ir i lunrinaçã<l
interior. Retorna ìo csÌ)cllìo c rrio reconhece as pitlrrvras cluelhe f luenr nrais ckr pei to que t l l l loc.r :
- Ninguérn lÌìorre Iìurlcì. se lìr.Ì l()Ì l urìì r.uìlor
Podiam ser prt l , tvrr ts r lc r t Icnto rn.rs sorrrrrrn- l i re
art í f ic io de letr l r le rrrr is icrr ronr int icrr .
Joã<l Rosit bltetr ì l)ortrÌ, <l corlrção crispatlo rìrì l)()rìtrì r l<ls rle -
r l< ls. ( lat l r t t< l t1uc lhe t l< letr c<l t t to se' l l rar le i r r t ì rsse ì c1ìr l ìe
rlue golpeava. I)<l <.rutro lrtclo, escut()r.r-se a ìrrastrì(lì nrrrrcha
rle (ìlarice, a fresta cla prlrta rleir<lu escrìpar l envirrr.rrrla rrlz.:- \/eio hojc? lr rluc hojc cst()rÌ nluit() 1ÌÌìt igrì.- ,Jr í tentc i v i r r rntes, r rão r leu.- Fìu sei.- Sabe, c<lrno?- I ìu v i -<l ua papelar ia ern f rentc.
Si lêncio. Arr tes r lue r t r t tnrosterr t se t ( ) r l ìc t le rnrrs i . r r lo e s[)es-
sa,. f oão a interpelou:- ( l ìar ice ì- Não nre chiune r le ( l l ' . r r ice. Nuncrt rnr t is .- Não entendo.- Se j : í não nre i ì rn i ì , r . rã<l r r re v<l l tc rr chrnrrrr pcl<l norne.(]ue ìhe interessltVa ter rÌnì rì()nìe se ele tnrltvt.t ulìÌtì outrlì?
() n<lnre é ut t ra Iuz t lue urn c<lrr tção rrcetrc le. F. ( l l l r ice qucr i r ì
Í ìcar no escuro, t leslrrar la, l )ara l ìão erìxergi ì r i r srr : r 1 l r<ipr i r rer istêncirr .
F. e le, hesi t r rnte, cr t r l l pr t lar . ' r l tacteanr lo <l s i lôncio:
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209
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ossegue
. Sorriu,
3sabam.
no em-
rase que
orpo. E
lêncio e
E passaram guerras, desfilaram exércitos pelas ruas desar_madas, a sua alergia ao pó se âgrâvou e os lenços de papel seâmârrotâram e se âmontoâram como se fossem dias no fundodo tempo. De onde vem esse pó que lhe avermelha os olhos?Talvez ela mesma se tenha convertido em poeira, talvez sejaessa a razão porque perdeu visibilidade perânte o espelho.
- Está mais magra.Não mais voltou a olhar a balança, não mais espreitou as
calorias. A angústia basta para a sufocar sob o peso de umaenfartada alma.
- Mas esrá bem de saúdeìTalvez esteja incubando doençâ grâ\-e. Grave?, pergunta
ele, subitamente ansioso. Sim, sussurra Clarice. De qrr. re.rreuma doença se não for gravíssimaì ^\Ias nem isso lhe dá con_solo. As suas maleitas são comuns, sem glória, incapazes deseduzir a Morte. como ela sempre ansiara ter estado doentecom ele à cabeceira, convocando â sua urgente atenção, sentira suâ ternura nem que fosse em doses de miligramas, saben_do que lhe perscrutava o rosto à cata de um desvaimento.
- Tem visto televisão?A Televisão tinha dedicado um programa inteiro à extin_
ção das espécies vivas. Para ela, há muito que se exringuiu aVida. E não foi apenâs denüo dela. A Vida esvaiu-se nt pla_neta inteiro. O amanhã faleceu, caroJoão.
O que restou foram dias ressequidos, sem lembrança do an_gigo calor vital. Faz lembrar os laivos de Sol depois do poente.E isso que tomâmos por Vida.
- O que lhe digo, caro João, é o seguinte: a árvore estámorta. Apenas ainda não tombou.
LivRoS Ë coltRtc)s
A voz de Adélia o surpreende assim que enrra em câsa:- Como correu?
lmaram
nesmas.
anb alenbep 'sopeqldura eí 'sor'u1 so noIJIJBJ€ e ESEJ Bp oIJ
-glrJJSã oE Iod 'noJor{J Ogu elâ 'ura'rod íza't elsâcl 'sesIrrrBJ ãP
eruJoJul ãtuotu utn opue5erqos BSoã ogof norraldsa elaueí eg
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gr{uuury 'epe,Ler8 trule e 'sopuessud soPâp so 'opelorua reqlo
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e8nrua 'stodaq 'soleqle sautn;rad zer) ogrr enb as-ecglua3
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fora o seu homem. Depois, ârrumou-os um por um num cal-
xote de cartão.
- Amanhã ele virá buscá-los.
No final, serÌtou-se sobre a caixa jâ cheia e deixou-se Íìcar,
absorta como se procÌrrasse vozes antigas. E foi ' então' que
lhe chegou o eco do seu pai, fumando entre pilhas de livros
que, em menina, ela ajudava a espanejar em cada domingo'
Lembrou-se, então, da história que seu pai repetidarnen-
te lhe contava. E que fìlava cle r.rma rnulher que só começou
a ter f i lhos depois de morta. Cacla nove meses' da campa
irrompia um choro, e o coveiro, resmungando e blasfeman-
do, arrastava a sua pá pelas ruelas c1o cen-ritério e, cotlt cui-
dados de parteira, esca\- i ì \ -a pr l r r r ret i rar o recérr-nlscido'
Do falecido ventre da rnulher t r rotaratn. cm ini t r terrul l ta
corrente, dezenas de cr ianças. O cor-eiro-que er l ì u l Ì ì
homem bondoso- ia adoptando os bebés e se afunclando
num mâr de pobreza.
Até que o coveiro mandou pavimentar a campa e abateu a
árvore que the dava son.rbra. A esposa surpreendeu-o a cimen-
tar o chão por cima da sepultura e disse:
- Tüdo isso é para nada: o ventre dessa mulher não falece
porque esse ventre é a própria Terra, toda jnteira'
Era essa história que âgora despertava em Clarice, no eco
das palavras doces do seu longínquo pai. A desbotada histó-
ria ganhara uma inusitada presença. E ela entendeu: o pai a
aconselhava por via metafórica' E a encorajava a fazet do seu
ventre urn cadinho pâra novas vidas' vidas que seriam suas' âs
tântas pétalas de uma mesmâ flor. Ela teria que nascer cle si
mesma, superar a cinza, rasgar na parede da angústia a janela
de um novo dia.
- Vou pâra â rua.
Já que havia inventado a norte e a loucura paraJoão Rosa,
ela inventaria uma vida outra para si. Ela se inventaria Ac1é-
lia. Foi ao espelho e se fez bonita. Foi ao velho baú e se f-ez
vaidosa. Foi ao fundo de si e se fez mulher.
'Jã^ 8 nofse opu nã 'at1on "'ello^'ert're13 -
:€sod ep ocnor olu8 o 'o91uã 'ãs-nofncsq 'olãsscd oP oPBI
oJfno ou as-oPuelsejB 3 BnJ € oPueznJJ 's8fsoJ noJI^ E
.aqts uran$ -
'EJop€losuoJ 'a1ap o-rquo ou o5e-rq o nosnod 'eSueguoc zt1al
3D J?ãìS€II lun solqgl sÍÌãs rIIe s'\en]nl'{'napuodsar ogu BIE
iur9n31e uroJ Jãl IE^ :eJIJ€lJ 'lolr; ro4 -
iaJo^ E itrun8rad ürãnÒ -
1ãJIJEIJ 'tu'r aPu6 - - '€luIJts9l
up r.radsa,t tue 'seJuaznlãruaJl serqadlgd 'oxreq otsod 'ãJIJEIC
-rirr"r;"" ap zedvt IoJ ogu 'se'raqlnur ap ropeSuc oPelreJue
'eso6 oeof'1a.Lgsuadur o neP es 'lot{lo sou soqlo 'oglug
irenb anb soJ^II so olusâlu E -
:JEIBJ eP seluB 'B^Il
-rsrnbur 'o-noldulaluoJ g 'âlãP oultxgrd ruãq noJclsã 'o'rtaqu
-edruor-xa op ogJcarrp eu sossed sun ne6 'nored âJIJelC
"'soJ^II "t"- 'op
âlueruleâJ e'tesrcard na 'ruog -
'opelserueP ardruas
eJnp ele otuerurcanbse ãsse eÍas anb ã^ãJq slelu Jod 'Je^I^ ãP
o"r".Ër, as ruenb 'ral apod os ouroJ 'essard EI{uIt ãJIJBIJ
:ercuglrodrul Bgull oEu JãzIP esso.1 ãlâ anb lanb anb C)-
'oll3Í 9P ãrrr opu e;o8e 'gqurute rI^ ãPod -
'sol^lI snâul so JEJSnq Bt{ulA -
'JIts EI na 'ero8e "'o9o['qV -
'OIJOIIJJâ] IEJnleu nãs o ãssoj BnJ E es ouroc BUISelu IS
ep euoP â eluaJseloPe 'opuntu o eled neduorl 'esec ep ntrs
ãJTJEIO '1a,ucaq,roca'r1 '"]'od e ;ãlug e no8aqc ogu eso6 o9o[
'BnJ Q no -
:IS lua EIJsEu anb elnletrc B^ou ESSaP
ou€Jãqos olJE oJlâurtJd o roper;oJ ou nolJunuu 'ul1e zo'1
O tom era de desespero. Ela parou, deu meia-volta e atra-vessou, de volta, a estrada.
- Eu estou cego, Clarice!- Você apenas está chorando, meu querido.- Chorando, eu?- Eu sei. Porque esses, no seu rosto, são os meus olhos.
E lágrimas que não eram suas desceram como gotas de chuvaem vidro de ianela.EE
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