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OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Modo capit. de prod., agric. e ref. agrária

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  • ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA

    MODO DE PRODUO CAPITALISTA, AGRICULTURA E

    REFORMA AGRRIA

    1 Edio

    FFLCH So Paulo, 2007

  • ISBN: 978-85-7506-145-9 Copyright Ariovaldo Umbelino de Oliveira Direitos desta edio reservados FFLCH

    Av. Prof. Lineu Prestes, 338 (Laboratrio de Geografia Urbana) Cidade Universitria Butant 05508-900 So Paulo Brasil

    Telefone: (11) 3091-3714 E-mail: [email protected]

    http://www.fflch.usp.br/dg/gesp

    Editado no Brasil Todos os direitos reservados. A reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em

    parte, constitui violao do copyright (Lei n 5988) 1 edio 2007

    Projeto Editorial: Comisso Editorial Labur Diagramao: Camila Salles de Faria

    Foto Capa: Ariovaldo Umbelino de Oliveira Logo Labur: Caio Spsito

    Logo GESP: Mayra Barbosa Pereira Produo do Livro: Instituto Iand

    Ficha Catalogrfica

    OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de Produo Capitalista, Agricultura e Reforma Agrria. So Paulo: FFLCH, 2007, 184p.

    Inclui bibliografia 1. Geografia Agrria 2. Questo Agrria 3. Renda da Terra 4. Reforma Agrria

    Proibida a publicao no todo ou em parte; permitida a citao. A citao deve ser textual, com indicao de fonte conforme a ficha catalogrfica.

    Disponibilizado em: http://www.fflch.usp.br/dg/gesp

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    SUMRIO APRESENTAO ......................................................................................................................................6 1. AS ABORDAGENS TERICAS DA AGRICULTURA .....................................................................................8

    1.1. A destruio dos camponeses e a modernizao dos latifndios ...................................................9 1.2. A permanncia das relaes feudais ............................................................................................10 1.3. A criao e recriao do campesinato e do latifndio ..................................................................11

    2. A AGRICULTURA SOB O FEUDALISMO ....................................................................................................13 2.1. A servido ..................................................................................................................................13 2.2. Os feudos ...................................................................................................................................13 2.3. A comunidade alde feudal .........................................................................................................14

    3. A TRANSIO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO ...................................................................................16 3.1. Propriedade parcelria X propriedade individual .........................................................................16 3.2. Indstria domstica X indstria capitalista urbana.......................................................................17 3.3. O comerciante, a (e)migrao e o assalariamento ........................................................................18 3.4. As marcas da transio................................................................................................................18

    4. A AGRICULTURA SOB O MODO CAPITALISTA DE PRODUO .......................................................................20 4.1. A agricultura sob o capitalismo concorrencial .............................................................................21 4.2. A agricultura sob o capitalismo monopolista...............................................................................30

    5 AS RELAES DE PRODUO NA AGRICULTURA SOB O CAPITALISMO.................................................36 5.1. As relaes capitalistas de produo............................................................................................36 5.2. As relaes no-capitalistas de produo.....................................................................................39

    6. A RENDA DA TERRA .....................................................................................................................43 6.1. Renda da terra diferencial I .........................................................................................................44 6.2. Renda da terra diferencial II........................................................................................................52 6.3. Renda da terra absoluta...............................................................................................................55 6.4. Renda da terra de monoplio......................................................................................................58 6.5. Renda da terra pr-capitalista ......................................................................................................58

    7. A CONCENTRAO DA TERRA E A REFORMA AGRRIA ..........................................................................66 7.1. Reforma Agrria .........................................................................................................................67 7.2. Revoluo Agrria ......................................................................................................................71 7.3. Reforma Agrria na Europa ........................................................................................................83 7. 4. Reforma Agrria na sia ............................................................................................................85 7.5. Reforma Agrria em frica .........................................................................................................88 7.6. Reforma Agrria na Amrica Central ..........................................................................................96 7.7. Reforma Agrria na Amrica do Sul............................................................................................98

    8. REFORMA AGRRIA NO BRASIL........................................................................................................104 8.1. A formao das Ligas Camponesas ...........................................................................................104 8.2. O governo Goulart, o embate parlamentar e as legislaes sobre a Reforma Agrria ................110 8.3. A ditadura militar, o Estatuto da Terra e a contra-reforma agrria.............................................120 8.4. O I PNRA e o governo da Nova Repblica ..........................................................................126 8.5. A Constituinte de 1988 e a derrota do I PNRA.........................................................................128 8.6. Os anos 90, os movimentos scio-territoriais e a luta pela terra ................................................131

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    8.7. O governo FHC e a reforma agrria .........................................................................................142 8.8. O incio do Sculo XXI, a reforma agrria e o agronegcio ......................................................146 8.9. A NO Reforma Agrria do MDA/INCRA no governo LULA .............................................163

    9. VOCABULRIO CRTICO ..................................................................................................................180 10. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................182

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    APRESENTAO

    Compreender a questo agrria sob o modo capitalista de produo sempre foi tarefa difcil e complicada. No porque muitos autores no a tenham praticamente esgotada, mas porque os estudos mais trazem discordncias do que convergncia. Por isso, esta temtica cria atritos entre os conservadores e os progressistas, entre os socialistas e os comunistas, e entre todos eles e os anarquistas. No h possibilidade nenhuma de consenso ou mesmo de aproximaes. Sempre haver pressupostos que se interporo abrindo espao para a polmica e discusses. No h como encerr-la no mundo poltico, ideolgico ou terico, pois sempre haver um novo texto para reaviv-la, ou mesmo, o devir da histria para (re) ou prop-la.

    Assim, este livro nasce deste contexto do embate terico, poltico e ideolgico que tem movido os estudos sobre a questo agrria. Nasce de uma convico sobre o papel e o lugar do campesinato na sociedade capitalista contempornea. No deriva de imposies apriorsticas da vontade individual do intelectual, mas do dilogo travado na caminhada das salas de aula, das pesquisas de campo, das discusses com os novos personagens da cena poltica do pas, os camponeses em seus espaos de lutas, de estudos e reflexes. Por isso ele um livro em transformao. Um conjunto de conhecimentos e saberes em transformao. Contm minhas primeiras reflexes, mas tambm, contm as ltimas.

    Ele nasceu da fuso de meu primeiro livro publicado pela Editora tica Modo Capitalista de Produo e Agricultura, Srie Princpios n 89, 1986, e trs conjuntos de textos que escrevi referentes renda da terra, publicados na revista Orientao do antigo Instituto de Geografia USP; sobre a reforma agrria inditos, sendo que apenas um havia sido publicado como verbete no Dicionrio da Terra da Editora Civilizao Brasileira em 2005; e outro conjunto de texto que publiquei sobre a questo agrria brasileira, os movimentos sociais de luta pela terra e a reforma agrria no Brasil. Este ltimo conjunto de textos foi publicado em peridicos, apresentados e congressos, encontros e fruns acadmicos e polticos, e dois deles j circulam na Web, como enfrentamento poltico farsa dos nmeros da reforma agrria do MDA/INCRA do governo Lula.

    Dessa forma, espero que os leitores encontrem nele velhas e novas questes, mas, sobretudo, novos desafios tericos e polticos para continuar a caminhada. Caminhada de quem apreendeu a caminhar junto, para junto, apreender a caminhar. Pretende ser instrumento de debate terico e poltico simultaneamente. Sem medo de correr riscos. Riscos no mundo acadmico, pois a parte dele publicada como livro pela tica, sempre foi chamado de livrinho. O diminutivo para muitos vinha carregado de carinho e apreo, mas para outros carregava o fel amargo de quem no tem coragem de enfrentar a crtica. Como vocs podem ver, trata-se agora, do livrinho que cresceu, e deu frutos. Assim, ele retorna acompanhado dos filhotes que ajudou a parir.

    Mas, ele traz mais um desafio, romper a barreira imposta pelo lucro a qualquer custo das editoras comerciais e universitrias. No vou negar, que minha experincia com elas no tenha sido contraditria, pois h de tudo tambm neste setor da produo editorial capitalista. Alegrias, frustraes, decepes no faltaram nestes j mais de 20 anos de intenso convvio.

    Por isso, a deciso de caminhar na direo de destinar o conhecimento aos interessados, sem a mediao da explorao capitalista do mercado editorial. Ele vai para a Web, levando o recado e a tentativa de tornar o conhecimento acessvel sem a mediao da compra monetria do livro.

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    A esperana nasceu da convico de que a abordagem e o ensino do capitalismo precisam conter tambm a sua superao. Espero que ele represente o incio de minha libertao das editoras comerciais. Por isso, espero apenas que aqueles que dele fizerem uso lembrem-se apenas de citar a fonte, porque ele tambm nasceu de muitas outras fontes citadas.

    Acredito mesmo, que ele j parte da luta pela difuso ampla, geral e irrestrita do conhecimento livre e gratuito.

    Por fim, queria que ele representasse uma homenagem singela e carinhosa Dom Toms Balduno, semeador e smbolo de esperana e renovao permanente na luta pela terra no Brasil.

    So Paulo, no final do ano de 2007.

    Ariovaldo Umbelino de Oliveira

    [email protected]

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    1. AS ABORDAGENS TERICAS DA AGRICULTURA

    O estudo da agricultura sob o modo capitalista de produo tem-se caracterizado pelo debate

    poltico entre as muitas correntes de pensamento que dedicam ateno especial ao campo. Todos procuram de uma forma ou de outra , entender o processo de desenvolvimento do

    modo capitalista de produo em sua etapa monopolista. Essa etapa, por sua vez, apresenta traos tpicos como a presena de grandes complexos industriais a integrar a produo agropecuria. Esse processo contnuo de industrializao do campo traz na sua esteira transformaes nas relaes de produo na agricultura, e, conseqentemente, redefine toda a estrutura socioeconmica e poltica no campo.

    Para exemplificar essa colocao, basta lembrar os movimentos grevistas dos bias-frias de Guariba, em So Paulo no ano de 1984. Nesse caso, a greve dos cortadores de cana-de-acar e dos apanhadores de laranja foi eminentemente urbana. Trabalhadores rurais fazendo greves nas cidades esse o fato qualitativamente novo no campo brasileiro. Esse fenmeno decorre de alteraes nas relaes de produo na agricultura, pois agora a colheita pode ser feita pelas indstrias de suco, no caso da laranja. A etapa final do processo produtivo no campo (aquela que emprega ainda o maior contingente da fora de trabalho) no mais controlada pelo agricultor. Fracionou-se o processo produtivo em funo da necessidade tecnolgica da indstria.

    Outra caracterstica das relaes de produo no campo sob o modo capitalista de produo decorre do fato de que a fora de trabalho familiar tem um papel muito significativo e vem aumentando numericamente de modo expressivo. Para exemplificar esse fato, basta lembrar o caso brasileiro, em que ela representa mais de 80% da fora de trabalho empregada na agricultura, ou ento recorrer ao exemplo norte-americano, cujas pesquisas recentes mostram uma participao massiva das family farms, isto , da produo baseada no trabalho familiar. Assim, a agricultura norte-americana tambm no tem seu suporte nas corporate farms e sim nas family farms. Esse mesmo fenmeno ocorre tambm na maioria dos pases da Europa.

    Procurando entender essas e outras transformaes que o campo vem sofrendo, surgem inmeras correntes de interpretao dessas realidades. De uma maneira geral, poder-se-ia dizer que todos os estudiosos da questo agrria concordam, tanto para o campo como para a cidade, com o processo de generalizao progressiva por todos os ramos e setores da produo, e do assalariamento, relao de produo especfica do modo capitalista de produo. No entanto existem discordncias quanto interpretao do processo. Para uns, ele leva inevitavelmente homogeneizao: a formao de um operariado nico num plo, e de uma classe burguesa no outro. Para outros, esse processo contraditrio, portanto heterogneo, o que leva a criar obviamente, no processo de expanso do assalariamento no campo, o trabalho familiar campons.

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    1.1. A destruio dos camponeses e a modernizao dos latifndios

    A par das concordncias e discordncias na interpretao do processo de generalizao das

    relaes de produo especificamente capitalista (assalariamento) no interior da produo agropecuria, h um conjunto de autores que seguem a teoria clssica, entendendo, pois, que esse processo se daria por dois caminhos:

    a) Um seria produto da destruio do campesinato ou pequeno produtor familiar de subsistncia, atravs de um processo de diferenciao interna provocada pelas contradies tpicas de sua insero no mercado capitalista. Ou seja, o campons, ao produzir cada vez mais para o mercado, tornar-se-ia vtima ou fruto desse processo, pois ficaria sujeito s crises decorrentes das elevadas taxas de juros (para poder ter acesso mecanizao, por exemplo) e aos baixos preos que os produtos agrcolas alcanam no momento das colheitas fartas. Assim, muitas vezes a grande produo pode ser sinnimo de falncia, em funo da queda dos preos no mercado. No ponto de chegada desse processo de integrao do campons ao mercado capitalista ter-se-ia a configurao de duas classes sociais distintas: os camponeses ricos, que seriam os pequenos capitalistas rurais, e os camponeses pobres, que se tornariam trabalhadores assalariados, proletarizar-se-iam, portanto.

    Vrios autores chamam esse processo de "farmerizao" do campesinato, ou seja, eles se tornariam farmers do tipo norte-americano.

    b) O outro caminho seria dado pelo processo de modernizao do latifndio, via introduo no processo produtivo de mquinas e insumos modernos, o que permitiria a esses latifndios evoluir para empresas rurais capitalistas. Assim, os latifundirios tornar-se-iam capitalistas do campo. De certo modo, para esses autores os interesses dos camponeses ricos (pequenos capitalistas) e dos latifundirios (grandes capitalistas) estariam unificados, homogeneizados, e os camponeses pobres seriam transformados em trabalhadores assalariados a servio do capital (industrial ou agrrio).

    Dessa maneira, o modo capitalista de produo implantar-se-ia de forma plena na agricultura, tal qual se implantou na indstria. H autores que chamam esse processo de modernizao do latifndio de "modernizao conservadora", pois no se altera profundamente a estrutura social existente. Outros autores falam em "junkerizao", ou seja, processo de transio semelhante ao que ocorreu com os junkers prussianos no sculo XIX.

    Para o conjunto de autores que seguem essa corrente de interpretao das transformaes no campo, a persistncia de relaes no-capitalistas de produo entendida como resduos em vias de extino. Ou seja, formas que o capitalismo adquiriu para adequar-se s realidades locais, ou seja, o campesinato e os latifundirios esto, inevitavelmente, condenados extino no plano econmico. Portanto, esta (extino) faz parte do avano qualitativo do desenvolvimento das foras produtivas, no cabendo, pois, entend-los como classes sociais de dentro do capitalismo, e sim como classes sociais de fora desse modo de produzir.

    Uma variante dessa concepo terica clssica, em face da constatao emprica da forte presena na agricultura capitalista de pequenos produtores familiares camponeses, procurou desenvolver um princpio atravs do qual esses camponeses ficam reduzidos a um mero assalariado. Foi assim que apareceu a tese da sujeio formal do trabalho ao capital (campesinato) em contraposio tese da sujeio real do trabalho ao capital.

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    Os seguidores dessa tese lanam mo de vrios conceitos organizacionais para mostrar as amarras do campesinato ao capital, e a sua conseqente posio de quase assalariado. Os exemplos mais evidentes so os conceitos de integrao horizontal e integrao vertical. Alguns autores foram mais adiante e procuram mostrar a agricultura camponesa como um estgio de organizao econmica no qual ainda predomina a diviso parcelada do trabalho baseada na distribuio da matria-prima aos "artesos", de quem se compra o produto acabado (putting-out system). Para esses autores, os camponeses seriam uma espcie de trabalhadores a domiclio, como aqueles que esto presentes na indstria; logo, assalariados disfarados.

    1.2. A permanncia das relaes feudais

    Outra corrente terica que procura entender o desenvolvimento da agricultura sob o capitalismo aquela que v nos camponeses e nos latifndios as evidncias da permanncia de relaes feudais de produo.

    Essa corrente parte do princpio de que h uma penetrao das relaes capitalistas no campo. De certo modo crem esses autores que h uma dualidade em jogo: um setor urbano industrial capitalista nas cidades e um setor feudal, semifeudal, pr-capitalista, atrasado no campo. Esses autores entendem que a penetrao das relaes capitalistas no campo ocorre a partir do rompimento das estruturas que garantem a coero extra-econmica, ou seja, particularmente a partir do rompimento com as estruturas polticas tradicionais de dominao. Acreditam mesmo que a economia colonial (expresso da poltica mercantilista dos pases europeus) caracterizada por instituies polticas e jurdicas feudais, que so os instrumentos necessrios dominao econmica das metrpoles.

    Essa teoria contempla o processo de separao fundamental que ocorre na produo camponesa em funo da penetrao das relaes tipicamente capitalistas no campo. Esse processo passaria por trs fases distintas:

    a) Haveria a destruio da chamada "economia natural", o que criaria o produtor individual, o agricultor propriamente dito. Isso ocorreria em funo da separao do campons, pequeno produtor familiar de subsistncia, dos estreitos vnculos e hierarquias comunitrias tradicionais.

    b) Uma vez criado pelo processo anterior, o campons, agora produtor individual , ver-se-ia forado a abandonar a pequena indstria domstica, tornando-se exclusivamente agr icul tor. Esse processo dar-se- ia pela sua introduo cada vez maior na economia de mercado. Assim, essa fase caracterizar-se-ia pela separao da indstria rural e a agricultura.

    c) Como produtor individual, o campons agora estaria integralmente inserido na agricultura de mercado, e i sso o levar ia ao endiv idamento, em funo dos ba ixos preos que recebe por seus produtos , e dos a l tos preos que tem que pagar pelas mercadorias industrializadas. Essa rea l idade f az com que e l e tenha que tomar d inhe i ro a juro, e , no conseguindo pagar esses emprst imos, v-se obrigado a vender a propriedade e tornar-se um trabalhador assalariado. Haveria, pois, um processo de separao dos meios de produo do campons; ele ficaria sem esses meios de produo e conseqentemente se proletarizaria, o que abriria caminho para a implantao da forma especificamente capitalista no campo. Essa forma seria o assalariamento.

    Para essa corrente de autores s uma reforma profunda das estruturas agrrias, principalmente por meio da diviso (distribuio) da terra, provocaria transformaes. Ou seja, a sua estratgia poltica definida: a luta

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    camponesa e democrtica deve acabar com os vestgios feudais na agricultura, destruindo o latifndio e substituindo-o pela propriedade camponesa ou capitalista.

    1.3. A criao e recriao do campesinato e do latifndio

    Mais recentemente , um nmero cada vez maior de estudiosos da agr icultura tem

    buscado a expl icao no s para a permanncia, como tambm para o aumento do campesinato na agricultura, no prprio processo de desenvolv imento do modo capi ta l i s ta de produo. Para e les o desenvolvimento desse modo de produo deve ser entend ido como contrad i tr io. Isso quer dizer que o prprio capital cria e recria relaes no-capitalistas de produo.

    Para esses autores, portanto, o prprio capital ismo dominante que gera relaes de produo capitalistas e no-capita l istas, combinadas ou no, em decorrncia do processo contraditrio intrnseco a esse desenvolvimento. O que significa dizer que o campesinato e o latifndio devem ser entendidos como de den t ro do capi ta l i smo e no de f ora deste, como querem as duas correntes anteriores. O campesinato deve, pois, ser entendido como classe social que ele . Deve ser estudado como um trabalhador criado pela expanso capital ista, um trabalhador que quer entrar na terra. O campons deve ser visto como um trabalhador que, mesmo expulso da terra, com freqncia a ela retorna, a inda que para i sso tenha que (e)migrar . Dessa forma, e le retorna terra mesmo que distante de sua regio de or igem. por i sso que boa par te da his tr ia do campesinato sob o capitalismo uma histria de (e)migraes.

    Entendem esses autores que esse processo contraditr io do desenvolvimento capita l is ta decorre do fato de que a produo do capital nunca , ou seja, nunca decorre de relaes especificamente capitalistas de produo, fundadas , pois , no trabalho assa lar i ado e no capi ta l . Para que a re lao capi ta l i s ta ocorra necessr io que seus dois e lementos centra is es te jam const i tu dos , o capi ta l produzido e os trabalhadores despojados dos meios de produo. Isto , a produo do capital no pode ser entendida nos limites das relaes especificamente capitalistas, pois estas so na essncia, o processo de reproduo ampliada do capital. uma espcie de acumulao primitiva permanente do capital, necessria ao seu desenvolvimento.

    Portanto, para os autores dessa corrente o processo contraditrio de reproduo ampliada do capital alm de redefinir antigas relaes de produo, subordinando-as sua reproduo, engendra relaes no-capitalistas igual e contraditoriamente necessrias sua reproduo.

    Assim, o desenvolvimento contraditrio do modo capitalista de produo, particularmente em sua etapa monopolista, cria, recria, domina relaes no-capitalistas de produo como, por exemplo, o campesinato e a propriedade capitalista da terra. A terra sob o capitalismo tem que ser entendida como renda capitalizada. Ento, os autores dessa corrente entendem principalmente que o processo contraditrio de desenvolvimento do capitalismo se faz na direo da sujeio da renda da terra ao capital, pois assim ele (o capital) pode subordinar a produo de tipo campons, pode especular com a terra, comprando-a e vendendo-a, e pode, por isso, sujeitar o trabalho que se d na terra.

    H autores, includos nessa corrente, que chegam a afirmar que o processo de acumulao primitiva do capital est presente no desenvolvimento do modo capitalista de produo. Portanto, ela continua se dando no processo geral da acumulao do capital, ou seja, a pequena produo camponesa entendida como uma atividade sustentada pelo capital. E o objetivo desse processo a

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    expropriao da renda da terra. A manuteno dessa situao decorre do papel desempenhado pelo Estado, pelo capital bancrio e particularmente pelos monoplios de comercializao.

    Procurando, pois, entender esse processo, h autores que chegam a falar em um "capitalismo sem capitalistas", em "submisso do trabalho ao capital". Entretanto o que realmente acontece na agricultura sob o desenvolvimento do modo capitalista de produo no nem uma coisa nem especificamente outra. o processo de sujeio do campesinato ao capital quer est em marcha, uma sujeio que se d sem que o trabalhador seja expulso da terra, sem que se d a expropriao de seus instrumentos de produo.

    Assim, no h uma sujeio formal do trabalho ao capital, pois a situao da agricultura no tem o mesmo conjunto de atributos e especificidades com que se marcou a indstria, em funo da qual esse conceito foi formulado.

    Agora, se est diante de um processo distinto na agricultura: o processo de sujeio da renda da terra ao capital. Esse o mecanismo bsico do processo de expanso do capital no campo. Esse processo se d quer pela compra e venda da terra, quer pela subordinao da produo camponesa.

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    2. A AGRICULTURA SOB O FEUDALISMO

    Historicamente, cabe esclarecer que a produo feudal, que antecedeu a produo capitalista, dominou quase todo o territrio europeu. Esta mesma Europa foi tambm, posteriormente, locus do nascimento do capitalismo.

    A produo feudal reinou durante muitos sculos, e por isso deixou marcas profundas na paisagem europia.

    Para que se possa entender o desenvolvimento da agricultura capitalista na atualidade, quando h autores que falam na persistncia de relaes feudais no campo, mister se faz analisar essa forma de produo em seu contexto histrico determinado.

    2.1. A servido

    O modo feudal de produo tinha como estrutura bsica de seu desenvolvimento a propriedade do

    senhor sobre a terra (os feudos) e a propriedade limitada do senhor sobre o campons servo (servido). Atravs dessa propriedade limitada do senhor sobre a pessoa do campons servo foi edificada a coero feudal. Ela permitia que o senhor pudesse exigir os tributos e as prestaes pessoais. No se trata aqui da propriedade total e absoluta como no escravismo. Alis, cabe distinguir essas duas relaes sociais distintas: o escravo era parte integrante da propriedade, ele em si podia ser comprado ou vendido em qualquer tempo ou lugar. J com o servo isso no acontecia, ele em si no podia ser vendido, ou seja, ele no podia ser vendido fora de sua terra. O que podia ocorrer era a venda da posse de um feudo de um senhor a outro, e isso traduzia apenas uma nova realidade: o servo tinha outro senhor, entretanto permanecia em "sua" parcela de terra. Como ressaltou Huberman, essa diferena era fundamental, pois o servo tinha certos direitos que o escravo nunca teve.

    Vrias foram as formas e os graus de servido durante o feudalismo, entre os quais se destacavam: os servos de domnios, os fronteirios, os aldees, os viles e os camponeses propriamente ditos.

    2.2. Os feudos

    De um ponto de vista geral, originalmente a agricultura sob o feudalismo obedecia a uma

    lgica interna prpria, na qual, portanto, a servido era trao fundamental da coero. Concretamente o senhor feudal dividia suas terras em duas partes: O domnio: era a parte de suas terras, em geral de ampla extenso, onde, sob sua tutela ou de

    seus agentes, os servos trabalhavam os "dias de ddiva, horas de trabalho para o senhor, a corvia.

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    Essas terras diretas do senhor abrigavam as suas habitaes, as construes que se destinavam explorao agrcola, as oficinas e as casas dos servos que trabalhavam diretamente apenas para ele.

    As parcelas: formavam a outra parte das terras do feudo, que eram divididas e concedidas aos camponeses. Estes, por sua vez, ficavam obrigados a entregar tributos exigidos sobre a produo de sua parcela e, alm disso, prestar dias de trabalho pessoal (corvia) para a explorao do domnio direto do senhor. Em geral, essa jornada de trabalho gratuito era a cesso de renda em trabalho para o senhor feudal. Alm disso, estavam os servos camponeses obrigados a utilizar o moinho ou o forno senhorial, pelos quais tambm pagavam em espcie. Assim, a frao da produo entregue pela cesso da terra e pelo uso do moinho eram rendas em produto transferidas dos camponeses ao senhor feudal. Portanto, duas formas de renda da terra aparecem no feudalismo: no incio era mais forte a presena da renda em trabalho, que, em funo das lutas dos camponeses contra a corvia, foi diminuindo em vrios lugares, aumentando a participao da renda em produto.

    A produo parcelaria, que o trao caracterstico da agricultura feudal, apareceu em toda a Europa, e, embora recebesse denominao local diferenciada, essas denominaes todas guardavam identidades comuns.

    A cultura dos trs campos foi o ponto principal dessa sociedade, interpretada por vrios autores como domstica, fechada, que bastava a si mesma, uma verdadeira sociedade do territrio, como escreveu Kautsky. Para outros autores, uma sociedade tendente auto-suficincia, porm com uma atividade comercial presente, em funo das necessidades das diferentes regies. Havia, por exemplo, determinados produtos, como o sal, necessrios em todos os lugares, mas que s apareciam em alguns, e fato como esse permitia certo comrcio inter-regional. conveniente lembrar tambm as trocas locais nas feiras entre o campons e os demais integrantes dos feudos (os artesos, por exemplo).

    2.3. A comunidade alde feudal

    Na aldeia, a unidade bsica era a casa e o quintal (propriedades privadas dos camponeses).

    No quintal cercado, o campons tinha as oficinas necessrias sua explorao e uma pequena parcela de terra ao redor. A, formava a horta onde cultivava vrias plantas necessrias, entre as quais legumes, fruteiras, linho etc.

    Portanto, a aldeia era marcada pela presena do conjunto das casas e quintais dos camponeses do feudo. Ao redor da aldeia ficavam os campos de cultivo e os campos de uso comum. Os campos de cultivo eram parcelados. Cada campons cultivava privadamente uma parcela em cada campo de cultivo, que em geral eram trs. Essas parcelas tinham tamanho variado em funo da localizao e da qualidade dos solos.

    Dessa forma, os camponeses utilizavam em comum (inclusive com o senhor) os bosques, as pastagens e os terrenos baldios, ou seja, a rea no partilhada. Porm a rea lavradia era cultivada independentemente por cada famlia, mas no a seu bel-prazer, pois em muitos lugares havia uma obrigao de cultivo no interior de cada campo que consistia na necessidade de cultiv-lo de maneira uniforme. Os cereais eram a alimentao bsica dos camponeses, porm a criao e a explorao das pastagens dominavam toda a explorao agrcola. Assim, a cada ano um dos trs campos de terra lavradia ficava em pousio (transformado em pastagem), ao passo que outro se destinava cultura dos

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    trigos de maro e o ltimo s sementeiras de outono. No ano seguinte mudava-se de campo e assim ia-se promovendo a rotao dos campos.

    A figura a seguir representa de forma esquemtica essa realidade.

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    3. A TRANSIO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO A solidez apresentada pela sociedade de territrio foi-se desmontando medida que a

    indstria urbana aumentou a procura de dinheiro por parte do campons. Nesse tempo, a nobreza e o Estado moderno nascente tiravam dele (o dinheiro), inteira ou parcialmente, a sua fora vital, e o campons passava a produzir gneros alimentcios para vender nas cidades. O relativo equilbrio do territrio estava rompido, pois a sociedade estruturara-se de modo a no solicitar quase nada de fora e tambm h entregar muito pouco para outros lugares. Assim, a procura de cereais e o crescimento da prpria populao levaram partilha das terras comuns, provocando uma diminuio da propriedade em funo da transformao gradativa tambm da terra em mercadoria. medida que as terras escasseavam, surgia a tendncia ao monoplio do mais considervel dos meios de produo, a terra. Lutas encarniadas eram travadas entre a nobreza e os camponeses, e o resultado sempre foi favorvel aos nobres feudais, que obtinham do Estado o auxlio necessrio para derrot-los. Rompeu-se o equilbrio do sistema de cultivo dos trs campos, pois, no incio, o que mais convinha aos nobres feudais era a explorao das florestas para a obteno de madeira, que, com o crescimento das cidades, era muito procurada, at o momento em que foi substituda pela hulha e pelo ferro.

    Os camponeses, que antes dispunham em comum dos bosques, tiveram que passar a comprar tudo o que l outrora buscavam gratuitamente. O mesmo fato aconteceu com as pastagens quando as indstrias urbanas crescentes passaram a exigir mais matrias-primas, a l, por exemplo.

    Essas duas atividades a explorao das florestas e a pecuria de ovinos , embora praticadas em moldes capitalistas, no exigiam grandes somas de capital e nem grande nmero de mo-de-obra, mas exigiam a propriedade privada das terras comuns.

    Porm o crescimento dos mercados urbanos fez com que a procura dos cereais tambm aumentasse, e os senhores feudais passaram a expulsar os camponeses de seus domnios. Com isso aumentavam as terras pertencentes aos nobres e aumentavam tambm os contingentes de proletrios urbanos. Surgia, ento, a necessidade de um aumento da produo de gneros alimentcios e com ela a necessidade de adaptao s novas exigncias do mercado. No entanto a sociedade de territrio tinha uma estrutura de funcionamento fechada e, qualquer que fosse o produto procurado no mercado, s se podia plantar nas lavouras o que a comunidade territorial decidia.

    3.1. Propriedade parcelria X propriedade individual

    O antagonismo estava criado, foi Kautsky quem muito bem narrou esse momento de ruptura: Agora, surgia o mercado com as suas exigncias instveis, desenvolvia-se a desigualdade entre

    companheiros da aldeia, entre os quais alguns produziam, quando produziam em suas terras, apenas o indispensvel para si mesmo, ao passo que outros produziam em excesso. Uns, os pequenos, continuavam a colher para o seu consumo prprio, agarrando-se com unhas e dentes comunidade

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    territorial. Para outros, esta se transforma num entrave. Qualquer que fosse a procura do mercado, s podiam plantar nas suas lavouras o que a comunidade territorial prescrevia. Do mesmo modo, desenvolveu-se um antagonismo do interesse em relao ao resto da pastagem comum. O pequeno campons dela dependia, pois no tinha meios para passar a uma forma mais alta de explorao. A subdiviso da pastagem comum lhe impedia quase a posse de animais. O que procurava, principalmente, era uma maior quantidade de esterco. A partilha lhe daria, talvez, mais terra, mas diminuiria as suas provises de adubo, porque obrigava a reduzir o nmero de suas cabeas de gado. Os camponeses abastados, ao contrrio, consideravam um desperdcio criminoso o emprego, como pastos, de glebas que poderiam, com seus recursos, explorar de maneira muito mais produtiva [ . . . ] Para a passagem a esse modo de explorao (capitalista) impunha-se a ruptura do compromisso entre o comunismo fundirio e a propriedade privada, representado pelo sistema de cultivo da Idade Mdia. Impunha-se o estabelecimento da propriedade privada completa, a partilha da pastagem comum, a supresso da comunidade territorial e da coero da folha (ou campo), a eliminao do emaranhamento dos lotes disseminados, e a sua reunio numa unidade. O proprietrio fundirio se tornaria assim o proprietrio completo de suas terras dispostas numa superfcie contnua, superfcie que poderia ento explorar de modo exclusivo segundo as regras da concorrncia e do mercado. (1980, p. 48-49)

    Foi assim que a famlia do campons comeou a romper-se, pois o feudalismo se constitua em uma sociedade economicamente quase auto-suficiente, porque no s produzia os produtos agrcolas necessrios, como tambm construa ou fabricava os produtos fundamentais sua sobrevivncia (casa, mveis, roupas etc.). Essa sociedade s conhecia perodos de crise quando ocorria um incndio, uma m colheita ou mesmo a invaso de um exrcito inimigo, todos esses males passageiros e em geral superveis.

    3.2. Indstria domstica X indstria capitalista urbana

    Essa nova situao passou a ser alterada com grande profundidade quando a indstria essencialmente

    urbana e o comrcio promoveram a dissoluo da pequena indstria dos camponeses. Assim, a indstria que antes s produzia para a cidade e os subrbios, passou fabricar ferramentas que o campons no conseguia produzir, da mesma maneira que passou a criar novas necessidades que penetravam no meio agrcola de maneira tanto mais rpida e irresistvel, quanto mais ativas se tornavam as relaes entre a cidade e o campo. A superioridade da indstria urbana transformou os produtos da pequena indstria camponesa em artigos de luxo.

    Outro fator que contribuiu para a acelerao desse processo foi o militarismo, que, levando o filho do campons para a cidade, colocava-o em contato com as novas necessidades urbanas.

    Tal processo acelerou-se com a melhoria dos meios de comunicao que a sociedade capitalista implantava: as estradas de ferro, os correios, os jornais.

    Assim, no s as reas urbanas e suburbanas tornavam-se seus mercados, mas todo o pas. Com a desagregao da pequena indstria camponesa e com as necessidades de comprar as coisas dispensveis e indispensveis, tornava-se mais necessrio o dinheiro, e o campons no conseguia se manter sem o mesmo. E para consegui-lo, ele transformava os seus produtos em mercadorias e levava-as ao mercado para vend-las. L s encontrava compradores para os produtos que a indstria urbana no produzia, ou seja, os produtos agrcolas, e no para os produtos de sua pequena indstria domstica. Tal fato provocou a transformao do campons auto-suficiente em um agricultor propriamente dito. Porm, as leis do mercado eram implacveis, pois o que em outros tempos era motivo de festa (uma

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    grande colheita, por exemplo) agora podia ser a prpria runa, uma vez que os sistemas de comunicao no eram intensos e no permitiam os deslocamentos das superabundncias de algumas reas para outras onde a escassez prevalecia. Assim, novas leis se lhes impunham: ms colheitas, preos altos; boas colheitas, preos baixos.

    3.3. O comerciante, a (e)migrao e o assalariamento

    O senhor das terras passava a exigir dos camponeses renda em dinheiro em substituio renda em

    produto. A necessidade do dinheiro aumentou e com isso mais o campons envolveu-se com a produo para o mercado. Transformava-se agora num produtor individual (familiar) de mercadorias.

    Com a acelerao da transformao da produo agrcola em produo de mercadorias, a manuteno da situao primitiva de venda direta do produtor aos consumidores tornou-se praticamente impossvel, pois quanto maiores eram as distncias e a durao das viagens aos mercados para os quais o campons produzia, mais difcil era vender diretamente aos consumidores. Tornava-se, assim necessrio o intermedirio, comerciante, que passou a figurar entre o produtor e o consumidor. Assim, o produtor perdia o contato com os consumidores e perdia tambm a viso do prprio mercado. O comerciante aproveitava-se dessa situao para explorar o campons. Nos anos de poucas colheitas, o campons, sem dinheiro, passava a tom-lo emprestado, e, para garantir o crdito, hipotecava as terras. Se a colheita do prximo ano era boa, ele conseguia se desvencilhar da hipoteca, caso contrrio as terras iam a leilo e o bem hereditrio, agora transformado em mercadoria, passava para o comerciante ou para o usurio, e o campons transformava-se em um proletrio.

    Outro fato de grande importncia era o nmero de pessoas a depender da produo da mesma poro de terra. Caso esse nmero fosse grande, havia a necessidade de mandar os filhos trabalhar em outros locais (fazendas, cidades ou mesmo para a Amrica). Foi tambm desse mecanismo que surgiram os trabalhadores assalariados, cujo engajamento na rea rural s acontecia quando havia a necessidade de braos, principalmente nas pocas de plantio e colheita. E o proprietrio tambm, no conseguindo o necessrio para seu sustento, passava a empregar-se nas propriedades maiores e, por conseguinte, a famlia rural passava a ser substituda por um grupo de trabalhadores contratados que trabalhavam para os proprietrios de outras terras. Enfim, era a transformao da agricultura feudal em agricultura capitalista.

    Assim, a situao da famlia camponesa existente sob o feudalismo foi-se destruindo para dar lugar a novas formas, novos padres e novos valores. Transformou-se, ento, a sociedade e conseqentemente as relaes de trabalho e produo.

    3.4. As marcas da transio

    Esse processo de transformao das relaes feudais de produo foi atravessado por um

    grande nmero de guerras camponesas. Primeiro lutaram contra a corvia, depois contra a renda em produto, a renda em dinheiro, e por fim contra a coero e o pagamento dos tributos ao senhor.

    Em determinados pases esse processo foi violento e rpido; em outros foi mais lento. Na Inglaterra, durante os sculos XVI e XVII, os cercamentos praticamente varreram os camponeses dos campos de cultivo, e em seu lugar surgiram os arrendatrios capitalistas. Na Frana, s com a

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    Revoluo de 1789 aboliram-se os ltimos direitos feudais, e assim a comunidade alde deu lugar propriedade camponesa familiar. O campons proprietrio individual foi uma espcie de marca do comeo da produo de mercadorias. Ele representava o produtor livre (das vassalagens feudais), l ivre para produzir para o mercado.

    , pois, a que se encontra a forma marcante do campesinato como produtor de mercadorias. Um campons estruturalmente diferente do campons servo da comunidade alde feudal.

    Em outras regies como o centro e o leste da Europa, o fortalecimento dos senhores feudais deu origem a uma espcie de segunda servido. Foi um perodo (sculos XVII, XVIII e mesmo XIX) em que os senhores passaram a utilizar as relaes feudais para produzir mercadorias, que ento enviavam para os mercados das outras regies industrializadas da Europa. Os camponeses foram perdendo suas terras e acabaram obrigados a aumentar o trabalho nas terras do senhor. Esses domnios senhoriais foram aumentando, dando origem s grandes propriedades agrcolas na Europa de leste. Esse processo foi denominado por Lenin de "via prussiana" de desenvolvimento da agricultura do feudalismo ao capitalismo.

    Por fim, na Europa do Mediterrneo, particularmente na Itlia, onde a monetarizao da economia foi mais precoce, surgiu uma forma de transio diferente da relao feudal de produo para a capitalista; trata-se da parceria. A parceria na Itlia era basicamente o pagamento da renda em produto ao proprietrio da terra. No processo de transio italiano, inicialmente a parceria vinha combinada com prestaes em trabalho (cesso de dias de trabalho gratuito ao proprietrio) . Depois, abolida a renda em trabalho, predominou de forma geral a renda em produto, e no outro extremo o parceiro foi ficando com uma frao cada vez menor da produo at ser reduzido a um mero assalariado.

    De qualquer maneira, a transio do feudalismo ao capitalismo gerou no campo um conjunto muito grande de formas de produo no especificamente capitalistas, o que, particularmente, resultou na apario de uma volumosa massa de camponeses proprietrios individuais que, na lgica geral do desenvolvimento capitalista, deveriam posteriormente desaparecer, em funo da chamada superioridade tcnica da grande produo capitalista. Entretanto a sua persistncia e crescimento, desde os sculos passados at hoje, tm solicitado dos estudiosos uma resposta a essa questo.

    Essa resposta pode ser encontrada exatamente na concepo de que o desenvolvimento do capitalismo contraditrio, e, portanto, cria as condies para a reproduo dessa produo familiar camponesa. Cria porque, ao contrrio do que ocorreu na realidade inglesa, a aliana que a burguesia fez com esses camponeses livres em outras partes da Europa permitiu a criao de condies bsicas para seu crescimento. E mais, as condies de baixa rentabilidade do capital no campo, comparativamente indstria, fizeram com que esse capital (na essncia industrial) desenvolvesse mecanismos de dominao sobre esses camponeses, explorando-os sem expropri-los.

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    4. A AGRICULTURA SOB O MODO CAPITALISTA DE PRODUO

    O processo de desenvolvimento do modo capitalista de produo tem necessariamente que ser entendido no seio das realidades histricas concretas, ou seja, no seio da formao econmico-social capitalista.

    O desenvolvimento do capitalismo produto de um processo contraditrio de reproduo capitalista ampliada do capital. Ou seja, o modo capitalista de produo no est circunscrito apenas produo imediata, mas tambm circulao de mercadorias, portanto, inclui tambm a troca de mercadorias por dinheiro e, obviamente, de dinheiro por mercadorias.

    Segundo Martins, esse processo contraditrio decorre do fato de que o modo capitalista de produo no em essncia um modo de produo de mercadorias no seu sentido restrito, mas sim modo de produo, de mais-valia.

    Cabe esclarecer, neste momento, que o produto final do processo de produo no a mais-valia e sim a mercadoria. Essa mercadoria que sai do processo produtivo contm, aprisiona a mais-valia. Numa palavra, na produo que a mais-valia gerada. Entretanto a sua realizao s se d na circulao dessa mesma mercadoria. , pois, no momento da circulao que o capitalista converte a mercadoria em dinheiro, e, portanto apropria-se da mais-valia, que trabalho social no pago.

    Assim, trabalha-se com o princpio de que o capitalismo est em desenvolvimento constante em todo canto e lugar. E esse desenvolvimento fruto do seu princpio bsico, o movimento de rotao do capital: D M D . Entende-se tambm que o chamado processo econmico constitudo de quatro momentos distintos, porm articulados, unidos contraditoriamente. Esses momentos so o da produo imediata, da distribuio, da circulao e do consumo.

    O desenvolvimento do modo capitalista de produo, entendido como processo contraditrio de reproduo ampliada do capital, pressupe a criao capitalista de relaes no-capitalistas de produo, uma vez que o capital, ao reproduzir-se, reproduz tambm de forma ampliada as suas contradies.

    Dessa forma, esse movimento contraditrio gera no s a subordinao de relaes pr-capitalistas, como tambm relaes antagnicas e subordinadas no-capitalistas, como afirma Martins. Para ele, o capital, incorporando reas e populaes s relaes comerciais, desenvolve, numa unidade contraditria, as condies de sua expanso e simultaneamente os entraves a essa expanso. Quer dizer, como o capital no se expande mercantilizando todos os setores envolvidos nessa expanso (no implanta a um s tempo trabalho assalariado em todos os setores e lugares), ele tende, particularmente onde e quando a vanguarda dessa expanso capitalista est apenas no comrcio, a desenvolver, em parte contraditoriamente, o mesmo processo que se deu em sua acumulao primitiva. O capital lana mo da criao e recriao das relaes no-capitalistas de produo para realizar a produo no-capitalista do capital.

    O que se pode deduzir dessas colocaes que a primeira etapa do desenvolvimento do capitalismo no foi necessariamente uma etapa em que predominaram as relaes especificamente

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    capitalistas de produo, mas sim uma etapa principalmente de produo de mercadorias. Com a mercadoria, o capitalismo ganha dimenso mundial, ou seja, dissemina-se por lugares diferentes, momentos distintos (mas articulados) de um processo nico: o processo contraditrio de sua expanso.

    Desse modo, a formao econmico-social capitalista fruto desse processo nico. fruto dos seguintes momentos diferentes, contraditrios, mas articulados: em uma ou mais frao do territrio capitalista tem-se a forma especificamente capitalista de produo (produo da mercadoria e produo da mais-valia), em outros, ora a circulao da mercadoria est subordinada produo, ora a produo est subordinada circulao. Esse o princpio terico que permite entender o desenvolvimento do capitalismo e particularmente a agricultura.

    4.1. A agricultura sob o capitalismo concorrencial

    A etapa concorrencial do capitalismo se deu de forma desigual temporal e espacialmente. A

    transio no-uniforme do feudalismo ao capitalismo a prova dessa af i rmao. Mas, ao mesmo tempo em que o capitalismo ia se expandindo entre os prprios pases da Europa, ele se disseminava mundialmente, fazendo circular as mercadorias.

    A produo de mercadorias foi, sobretudo, a caracterstica da primeira fase do capitalismo. Assenhoreando-se do comrcio internacional, o capital foi dominando, simultaneamente, o mundo todo. E essa dominao no se deu sempre pela expanso, nessas reas novas, da produo de mercadorias atravs de relaes especificamente capitalistas. Assim, a etapa da produo imediata e a da distribuio no eram especificamente capitalistas, porm a circulao e o consumo sim.

    Com o desenvolvimento industrial e o conseqente crescimento das cidades, a agricultura foi se transformando, adaptando-se. Esse processo adquiriu caractersticas distintas em cada pas em particular, mas no geral havia um trao comum.

    De modo geral, a agricultura desenvolveu-se em duas direes: de um lado, a agricultura especificamente capitalista, baseada no trabalho assalariado e nos arrendamentos; de outro, a agricultura baseada na articulao com as formas de produo no-capitalistas. Neste caso, com a articulao com o comrcio capitalista, foi possvel desenvolver a agricultura do campons produtor individual de mercadorias e do escravismo produtor de mercadorias; foi possvel tambm a manuteno das prprias relaes feudais pelos junkers prussianos produtores de mercadorias e a articulao do capitalismo com as formas de produo calcadas no despotismo oriental, bem como com outras formas comunitrias de produo na sia, frica e Amrica.

    4.1.1. O comrcio e as formas comunitrias de produo

    No processo de dominao colonial, o capitalismo no destruiu integralmente as comunidades nativas. Aps a sua dominao pela fora, utilizava as formas de produo dessas comunidades para faz-las produzir mercadorias, ou ento transformava os produtos das mesmas em mercadorias, fazendo-as circular no seio da economia capitalista industrial.

    Foi assim que o capitalismo submeteu os povos da sia, da Amrica e da frica aos seus interesses comerciais, transformando-os em colnias dos imprios capitalistas, extraindo, assim, excedentes para a realizao da acumulao primitiva do capital.

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    4.1.1.1. Na sia

    No que se refere sia, o capitalismo submeteu os povos que estavam vivendo sob o despotismo oriental. Apropriou-se dessa forma de produzir, atravs da Companhia das ndias Orientais.

    Esses povos asiticos baseavam a sua produo na ausncia da propriedade privada da terra e praticavam a produo comunitria. Segundo Marx, esta forma elaborada de Estado, a desptica oriental, caracterizava-se pelo fato de que este detinha a propriedade de toda terra. Esse Estado era produto de uma unidade que estava acima das comunidades isoladas, formando uma espcie de unidade suprema, a quem pertencia o produto excedente das diferentes comunidades. Nessas comunidades havia a combinao da manufatura e da agricultura, o que as tornava auto-suficientes e por si mesmas portadoras de todas as condies de produo e reproduo de excedentes. Uma parte desse trabalho excedente pertencia comunidade superior, e estava presente quer sob a forma de tributo, quer sob a forma de trabalhos comunitrios para exaltar a unidade, em parte expressa no dspota, em parte nos deuses.

    Em resumo poder-se-ia dizer que a articulao dessa forma de produzir dos povos asiticos com os comerciantes capitalistas europeus contribuiu, antes de tudo, para a desestruturao dessas relaes, pois foi atravs das ligaes com o Estado desptico que os comerciantes paulatinamente envolveram a comunidade superior no comrcio. Esta por sua vez teve que aumentar os tributos sobre a comunidade, deixando de realizar as obras comuns e quebrando o sistema auto-suficiente que permitiu a existncia milenar desses povos.

    4.1.1.2. Na frica

    No caso africano, a transformao da economia comunitria primitiva de subsistncia fez-se tambm pelo processo de acelerao da mercantilizao. Da mesma forma que no caso asitico e no dos indgenas americanos, na frica negra foi tambm o poder poltico (local e depois colonial) que se incumbiu da tarefa de compelir, por meio da violncia, as comunidades monetarizao da economia primitiva. Os meios mais utilizados foram: a obrigao de pagar impostos (mais corrente); as "culturas obrigatrias" (os "campos do comandante" com a obrigao de escolher culturas de exportao) etc.

    A sociedade nativa foi sofrendo distores que a desfiguraram. Os chamados "bens de prestgio", nos quais estava incorporado o excedente de modo tradicional, passaram a ser comprados. O processo de mercantilizao aprofundou-se, obrigando os membros da comunidade a irem a busca do dinheiro, quer tornando-se produtores mercantis, quer "oferecendo" sua fora de trabalho, ou ainda vendendo diretamente os trabalhadores, o trfico de escravos.

    O perodo mercantilista foi marcado pelo trfico de escravos, que ocorreu, sobretudo, do sculo XVII ao XIX estendendo-se do Senegal a Moambique.

    Os mercadores de escravos pagavam-nos com mercadorias, entre elas armas. Assim, os "reis" africanos, atravs de seus exrcitos, foram promovendo a pilhagem das comunidades, procura de escravos.

    Portanto, a insero das comunidades africanas no processo instalado pelo desenvolvimento do capitalismo mundial se fez sobremaneira pelo devastador trfico negreiro. Uma vez proibido o trfico, essas comunidades foram compelidas a produzir matrias-primas e produtos agrcolas tropicais de exportao. A partilha do continente pelas potncias imperialistas em fins do sculo XIX foi a estratgia do capitalismo para submeter as populaes nativas dominao poltica direta e violenta. Esse

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    processo incluiu a manuteno da estrutura social comunitria como forma de garantir a dominao e a sujeio aos interesses do capitalismo nascente.

    4.1.1.3. Na Amrica

    O grande desenvolvimento da produo comunitria entre as populaes indgenas na Amrica levou esses povos a conhecer o chamado comunismo primitivo, uma forma de produo baseada numa estrutura comunitria praticamente auto-suficiente.

    Os incas, por exemplo, realizavam o comrcio na base de trocas simples, pois desconheciam a moeda. A nica contribuio ao Estado era a mita ou o cuatequil, trabalho cedido para quantos afazeres e obras existissem no imprio, tanto para servio e utilidade do imperador, como da nao; por exemplo, os trabalhos destinados s coisas da guerra, servios para a nobreza, cuidados dos templos e o trabalho nas minas por conta do imperador.

    Todo o excedente econmico era depositado nos armazns do Estado com o objetivo de suprir as eventuais necessidades da comunidade e tambm para o consumo das camadas improdutivas (os nobres, os militares e os sacerdotes). Toda essa organizao estava submetida ao imperador Inca.

    Com o desenvolvimento do capitalismo na Europa e com a colonizao, toda essa estrutura foi submetida economia colonial; logo, ao capital. Assassinado o imperador, todo o imprio submeteu-se aos colonizadores espanhis. Cabe ressaltar que o mesmo ocorreu com os astecas no Mxico, pois os maias, na Amrica Central, foram praticamente arrasados pelos espanhis.

    O processo de dominao dos povos indgenas se deu atravs da manuteno da estrutura comunitria, destinando-se os excedentes aos espanhis. Foi assim que estes submeteram os curacas e instituram as encomiendas. Atravs delas, cada colono (encomendero) recebia certo nmero de ndios que, sob sua tutela e sob o pretexto de que era preciso cristianiz-los, eram explorados no trabalho comum dirigido que j praticavam. Os encomenderos aproveitaram o instituto da mita ou do cuatequil para colocar os ndios continuamente trabalhando nas minas, ou seja, regularmente de tempos em tempos as tribos forneciam certo nmero de ndios para trabalhar para os espanhis.

    Quando no Mxico cresceu a classe dos encomenderos e a encomienda no podia suprir as necessidades de toda a populao colonizadora, revelando que as instituies de trabalho no-econmicas dos primeiros tempos coloniais j no bastavam, os espanhis instituram os repartimientos. Estes eram um conjunto de procedimentos coloniais que envolviam a outorga das encomiendas, a concesso de terras, a distribuio dos tributos, a venda forada e o trabalho recrutado.

    Assim, durante a economia colonial, os povos indgenas da Amrica viram-se explorados atravs da apropriao do excedente pela via fiscal ou pela via de suas relaes com o monoplio comercial ou ainda pelo aparelho eclesistico e das ordens religiosas.

    4.1.2. O trfico e a produo escravista de mercadorias

    A economia colonial, portanto, fundou-se em dois pilares: de um lado, a articulao com as formas comunitrias, primitivas ou despticas, submetidas ao comrcio internacional; de outro, a produo, nas colnias, de produtos tropicais (acar, caf etc.) baseada no trabalho escravo, visando exportao para a Europa em processo de industrializao. O comrcio detinha, pois, a determinao hegemnica sobre as relaes de produo nesse perodo. Essa economia definiu-se por essa determinao da

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    circulao sobre a produo e, sobretudo pelo fato de que as mercadorias tropicais produzidas no eram as nicas mercadorias dessa economia, mas tambm o trabalhador escravo o era.

    Foi assim que, em funo dos interesses comerciais da Inglaterra, o trfico de escravos constituiu-se em uma atividade rendosa por vrios sculos. A produo escravagista de mercadorias espalhou-se pelo novo mundo, pelo continente americano particularmente. O escravo era renda capitalizada, ou seja, seu preo nada mais era do que o lucro que se pretendia extrair dele. Assim, na economia colonial, sob o comando da circulao, o prprio escravo era mercadoria. Portanto, o comrcio de escravos permitia a obteno de lucros antes que se produzisse a mercadoria.

    Atravs do cativeiro, o capital organizava e definia o processo de trabalho, mas no instaurava um modo capitalista de coagir o trabalhador a ceder a sua fora de trabalho em termos de uma troca aparentemente igual de salrio por trabalho. J que a sujeio da produo ao comrcio impunha a extrao de lucro antes que o trabalhador comeasse a produzir, representando, pois, um adiantamento de capital, ele no entrava no processo de trabalho como vendedor da mercadoria fora de trabalho e sim diretamente como mercadoria; mas no entrava tambm como capital, no sentido estrito, e sim como equivalente de capital, como renda capitalizada. A explorao da fora de trabalho se determinava, pois, pela taxa de juros no mercado do dinheiro [...]

    Nesse sentido, as relaes de produo entre o senhor e o escravo produziam, de um lado, um capitalista muito especfico, para quem a sujeio do trabalho ao capital no estava principalmente baseada no monoplio dos meios de produo, mas no monoplio do prprio trabalho, transfigurado em renda capitalizada. De outro lado, essas relaes, sendo desiguais, no sendo fator, mas condio do capital, produziam um trabalhador igualmente especifico, cuja gnese no era mediada por uma relao de troca de equivalentes (no era mediada pelo fazendeiro-comerciante), mas era mediada pela desigualdade que derivava diretamente da sua condio de renda capitalizada, de uma sujeio previamente produzida pelo comrcio (era mediada, pois, pelo fazendeiro-rentista). A escravido colonial definia-se, portanto, como uma modalidade de explorao da fora de trabalho baseada direta e previamente na sujeio do trabalho, atravs do trabalhador, ao capital comercial [...] Desse modo, o regime escravista apia-se na transferncia compulsria de trabalho excedente, sob a forma de capital comercial, do processo de produo para o processo de circulao, instituindo a sujeio da produo ao comrcio. Entretanto, como o lucro do fazendeiro regulado pelo lucro mdio, o seu cativo no apresenta uma forma pr-capitalista de renda trata-se efetivamente de renda capitalizada, de forma capitalista de renda, renda que se reveste da forma de lucro. Exatamente por isso que o fazendeiro no pode ser definido como um rentista do tipo feudal, um consumidor de rendas. (Martins, 1979, p. 15-6.)

    A produo de mercadorias baseada no trabalho escravo reinou nas Amricas durante sculos. E a mesma Inglaterra que fizera do trfico uma fonte de renda lutou mais depois para impor a sua extino.

    4.1.3. O sistema de pagamento-em-trabalho na Europa

    A par da articulao internacional que o comrcio fazia, profundas transformaes ocorriam dentro do prprio territrio europeu. Como j assinalado, a estrutura da produo feudal (servido/corvia) com o desenvolvimento do capitalismo industrial na Inglaterra e Frana, foi passando por um processo de transformao no qual o senhor feudal ia-se tornando exportador de trigo para o mercado. Com a abolio da servido, que colocava um fim na coero extra-econmica, particularmente o leste da Europa (a Prssia, por exemplo) passou a conhecer esse processo em marcha.

    Dessa forma, destruda a base da economia feudal, comeou, segundo Lenin, um processo de

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    separao da economia camponesa em relao economia senhorial. O latifundirio passou, portanto, a adotar um sistema misto de produo, aparecendo o assalariamento em alguns casos e o sistema de pagamento-em-trabalho em outros. Na realidade, ele combinava, s vezes, os dois.

    O desenvolvimento do sistema de pagamento-em-trabalho foi possvel, portanto, porque o campons, para se libertar da economia senhorial, teve que resgatar a terra, transformando-a em sua propriedade privada.

    Esse processo de separao das duas economias no se deu de uma s vez, pois os latifundirios continuaram proprietrios de partes significativas dos lotes camponeses, ou seja, das servides (as terras arrendadas aos camponeses), dos bosques, das pastagens etc. Portanto, sem o acesso a essas terras, os camponeses viam-se impossibilitados de desenvolver sua agricultura independentemente. Aproveitando-se dessa situao, os latifundirios passaram a cobrar o uso dessas terras, sob a forma de pagamento-em-trabalho, que, segundo Lenin,

    consiste em que os camponeses das vizinhanas trabalham a terra com seus prprios instrumentos, sendo que a forma de pagamento no muda na essncia deste sistema (seja em dinheiro, quando so contratados por tarefa; em espcie, quando se trata da parceria; em terras ou servides, quando se trata de pagamento-em-trabalho no sentido estrito da expresso). (1982, p. 125.)

    Dessa forma concebida, a chamada via prussiana de desenvolvimento do capitalismo na agricultura deve ser entendida como o processo atravs do qual o capital preserva e/ou transforma, redefinindo e subordinando, relaes pr-capitalistas de produo. O mecanismo utilizado pelo capital para promover esse processo se deu pela sujeio da renda da terra, pela transformao das rendas da terra em trabalho, em produtos e em dinheiro, em capital.

    Por essa via, os grandes proprietrios de terra, os junkers da Prssia, por exemplo, desenvolveram as condies para se tornarem agricultores especificamente capitalistas. Tornaram-se, portanto, diferentes qualitativamente do senhor feudal (um rentista consumidor de rendas), tornaram-se fazendeiros-comerciantes que convertiam a renda em trabalho, em espcie e em dinheiro, em capital. Mundava-se a forma para continuar a dominao que permitia a sujeio.

    4.1.4. Da escravido ao colonato no Brasil

    A partir do momento que, por presso externa, sobretudo inglesa, o trfico de escravos foi extinto e a escravido proibida, muitas foram as formas encontradas pelo capital internacional para continuar o processo de dominao dos muitos povos do mundo todo.

    No Brasil, o colonato foi implantado dentro desse contexto, aparecendo, portanto, como necessidade de superao da crise do trabalho escravo, e como tal se caract e r i z a nd o , d e f o r m a am p l i ad a , c om o t r a b a l h o l i v r e . O trabalho livre, nesse caso, definia qualitativamente uma nova relao entre o fazendeiro e o trabalhador. O trabalhador livre, por sua vez, que viera

    substituir o escravo, dele no diferia por estar divorciado dos meios de produo, caracterstica comum a ambos. Mas diferia na medida em que o trabalho livre se baseava na separao do trabalhador de sua fora de trabalho e nela se fundava a sua sujeio ao capital personificado no proprietrio da terra. (Martins, 1979, p. 12.)

    No entanto, se nesse particular o trabalhador livre diferia do escravo, no outro extremo eles eram idnticos, pois a mudana ocorrida na forma de produzir, baseada no colonato, na grande propriedade fundiria, visava preservar e ampliar a economia historicamente voltada para a exportao de mercadorias tropicais (caf) para a Europa capitalista.

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    Assim, a contradio que permeia a emergncia do trabalho livre se expressa na transformao das

    relaes de produo como meio para preservar a economia colonial, isto , para preservar o padro de realizao do capitalismo no Brasil, que se definia pela subordinao da produo ao comrcio. Tratava-se de mudar para manter. (Martins, 1979, p. 13.)

    Por isso, o fazendeiro-capitalista foi produto das relaes sociais fundadas nas relaes de produo no interior da fazenda. Mas, foi tambm produto, sobretudo, das relaes de troca que estabeleceu fora da fazenda com os comissrios de caf e depois, com os exportadores. Da Martins entender a transformao nas relaes de trabalho na cafeicultura como fator determinante da crise do comrcio de escravos. Assim, confirmava-se a hegemonia do comrcio na determinao das relaes de produo desse perodo.

    Alm dessas questes, cabe ressaltar que o colonato no pode ser considerado um regime de trabalho assalariado, uma vez que este (o salrio em dinheiro) a nica forma de pagamento da fora de trabalho na produo capitalista.

    O colonato, entendido, pois, como relao no-capitalista de produo, caracterizou-se pela articulao,

    pela combinao de trs elementos (bsicos): um pagamento fixo pelo trato do cafezal, um pagamento proporcional pela quantidade de caf colhido e produo direta de alimentos como meios de vida e como excedentes comercializveis pelo prprio trabalhador. Alm do que o colono no era um trabalhador individual, mas sim um trabalhador familiar. , porm, a produo direta dos meios de vida com base no trabalho familiar que impossibilita definir essas relaes como relaes capitalistas de produo. A prvia mercantilizao de todos os fatores envolvidos nessas relaes, mediante o que o salrio no pode ser um salrio-aritmtico, isto , disfarado, mas deve ser um salrio em dinheiro para que os meios de vida necessrios produo da fora de trabalho sejam adquiridos pela mediao do mercado, condio para que as relaes de produo se determinem como relaes capitalistas de produo; tal condio, porm, no se d nesse caso. O salrio-aritmtico um salrio que entra na cabea do capitalista, mas no entra no bolso do trabalhador, no produz uma relao social. (Martins, 1979, p. 19.)

    4.1.5. Da encomienda ao sistema de peonagem

    Na Amrica espanhola, a substituio da encomienda nas reas de populaes indgenas foi sendo feita de forma gradativa. A prtica das encomiendas continuou a submeter as populaes indgenas da Amrica espanhola at o sculo XIX. Junto a esse tipo de sistema, desenvolveu-se tambm, nas haciendas (fazendas) e depois at nas minas, o sistema de peonagem. Este consistia na presena do trabalhador dito "assalariado", mas que, no entanto, s recebia em troca pagamento em espcie (carne, aguardente, roupas e utenslios). Esses produtos eram adquiridos no armazm da hacienda e mais tarde tambm nas minas, e seus preos eram muito altos, tornando o trabalhador permanentemente endividado.

    Tratava-se, portanto, de uma relao no-capitalista de produo, uma vez que o sistema no se configurava em um salrio em dinheiro e nem na liberdade de o trabalhador ir e vir, comprar e vender sua fora de trabalho.

    Com os movimentos de independncia, das relaes de produo dominantes, apenas a encomienda desaparecera, enquanto que as demais, tais como a peonagem, generalizavam-se, ao mesmo tempo em que a produo indgena resistia onde a terra comunal (ejidos no Mxico) ainda no havia

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    sido expropriada pelos espanhis ou criollos. Esse processo de reduo das terras da comunidade indgena, a par da explorao secular que os indgenas da Amrica espanhola sofreram, estava na base das revoltas e revolues que tiveram lugar em vrios pases do continente americano. Os Estados nacionais passaram a exigir documentos que comprovassem as propriedades das terras, e quem no os apresentasse tinha as terras confiscadas e entregues a capitalistas estrangeiros e/ou latifundirios. O desenrolar desse processo fez com que o Mxico, por exemplo, chegasse ainda no incio do sculo XX, com cerca de 90% da populao indgena camponesa sem terra e trabalhando no sistema de peonagem.

    4.1.6. As transformaes na agricultura europia e norte-americana

    Em funo, portanto, do processo de desenvolvimento industrial capitalista e do conseqente crescimento das cidades, as possibilidades de pr em prtica uma agricultura capitalista decorreram da adoo de um sistema mais adequado ao uso do solo, como por esemplo a rotao dc culturas, que abolia a tcnica milenar do pousio. O sistema dc rotao permitia a produo de todo o solo praticamente o ano inteiro.

    Outro fator foi a alterao na base alimentar da populao e o consequente aparecimento e ampliao da produo dc carne em relao produo das matrias-primas indusirians (l, aIgodo etc.). Com o desenvolvimento da diviso do trabalho, a especializao fazia-se presente, e a introduo das mquinas na agricultura foi produto da revoluo industrial em marcha.

    Em conscqncia desse conjunto de fatores, a produo agrcola cresceu. Na Frana, segundo Kautsky, a produo de trigo passou de 34 milhes dc hectolitros em 1789 para 44 em 1815 e 70 cm 1848, e a produo dc batatas subiu de dois milhes de hectolitros em 1789 para 20 cm 1815 e 101) em 18411 Na Prussia. o rebanho de carneiros pulou de 8 milhes em 1816 para 16 em 1849, o rebanho bovino dc 4 milhes em 1816 para quase 5 em 1840 e mais de 6 em l864; os sunos tambm aumentaram de perto de 1,5 milho cm 1816 para mais de 3 em 1864.

    importante frisar que no s aumentava o total da produo, como particularmente crescia a produtividade mdia por hectare da produo agrcola e tambm tornava-se maior o peso mdio dos rebanhos da pecuria curopia. Os exemplos mais significativos foram alcanados na Frana, que apresentou para o trigo uma produtividade mdia por hectare de 10,22 h no perodo entre 1816 e 1820. aumentando posteriormcnte para 13,68 entre 1841 e 1850 e para 15,83 entre 1891 e 1895. J o peso mdio do boi passou de 225 quilos em 1862 para 262 em 1892.

    Essa espcie de idade do ouro da agricultura europia, como ressaltou Kautsky, durou at o ltimo quartel do sculo XIX, e at esse periodo os preos dos alimentos cresceram, ao contrrio mesmo do que ocorrera com certos preos da produo industrial. Segundo o referido autor,

    em muitos casos, mesmo, ascendeu (o preo dos produtos agrcolas) mais depressa que os salrios, de tal modo que os operrios viram a sua situao piorar, no apenas como produtores (a cota parte da mais-valia aumentava, o que vale dizer que diminua o seu quinho no valor produzido por eles), mas tambm como consumidores. A prosperidade da agricultura nasceu da misria crescente do proletariado. (1980, p. 255.)

    4.1.6.1. A concorrncia dos produtos de alm-mar

    Esse perodo de prosperidade trouxe consigo o processo de estrangulamento dessa mesma produo agrcola, e a queda dos preos dos gneros alimentcios teve como conseqncia vrios fatores, entre os quais se destacou a concorrncia dos produtos importados no seio de uma economia j mundializada pela indstria de exportao.

    A concorrncia dos produtos agrcolas decorreu dos baixos preos dos produtos importados,

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    em funo dos menores custos na sua produo e/ou em funo dos maiores graus de explorao a que estavam submetidos os trabalhadores nas outras partes do mundo, comparavelmente realidade da produo agrcola dos pases industrializados da Europa.

    Em primeiro lugar, destacavam-se os pases onde reinava ainda o despotismo oriental : Turquia, ndia, Rssia, os melhores exemplos. Nesta ltima, a agricultura, voltada para abastecer a Europa industrial, tinha por base as comunidades rurais camponesas, onde os preos dos cereais eram obtidos sob presso do Estado e do agiota, preocupados, respectivamente, com os tributos e com os juros a receber. Quanto maiores eram esses tributos, maior era a produo a obter para pag-los, e, conseqentemente, maior a subordinao dos camponeses. Em decorrncia, rebaixavam-se os preos constantemente, o que permitia que esses produtos entrassem na Europa industrial como mercadoria de preo baixo, pressionando contraditoriamente os preos dos produtos agrcolas obtidos pela agricultura capitalista europia. Essa presso decorria dos elevados custos que os capitalistas tinham para obter seus produtos. Enquanto nas reas do despotismo oriental o limite para a produo era dado pela possibilidade de sobrevivncia dos trabalhadores.

    4.1.6.2. O papel das colnias inglesas e dos EUA

    Destacaram-se tambm nesse processo as colnias da Amrica (posteriormente os EUA) e a Austrlia. Nesses pases, ressalte-se logo de incio, a terra no era propriedade privada de ningum, alis, os nativos, indgenas ou no, foram sendo sumariamente exterminados. No havia, portanto (em comparao, por exemplo, com a situao da agricultura inglesa), renda da terra a pagar ou a cobrar. Mais que isso, os camponeses no tinham que comprar terra para produzir. No necessitavam, portanto, imobilizar dinheiro com a compra da terra, aplicando, pois, esses recursos na produo. Somava-se a esse fator o fato de que os solos virgens eram dotados de elevada fertilidade natural, o que dispensava por anos a necessidade de adubao; conseqentemente, no havia gastos adicionais com a produo. Na Inglaterra industrial tudo se dava ao contrrio: tinham que pagar a renda, adubar o solo etc.

    Essa produo foi crescendo em escala, e, assim, a produo de mercadorias para o comrcio internacional foi criando o agricultor especializado, que passou a produzir um nico produto agrcola, por exemplo, trigo. A prpria falta de mo-de-obra nas colnias abriu caminho para a mecanizao das lavouras, e com isso aumentou-se a produtividade do campons-colono. Somava-se a esses fatores a intensificao da imigrao, que de certa forma acabava por provocar um rebaixamento dos salrios agrcolas nos lugares onde ela se dava, abrindo caminho para a agricultura capitalista. Kautsky apresentou dados significativos sobre essa questo: nos EUA, os salrios mensais dos operrios agrcolas contratados por ano baixaram nos Estados do leste de US$ 33,30 em 1866 para US$ 26,61 em 1881; nos Estados do centro eles caram tambm de US$ 30,07 em 1866 para US$ 22,24 em 1881; j com relao s reas de expanso, onde a mo-de-obra era escassa, devido disponibilidade de terras esse movimento era inverso, ou seja, os salrios subiam inicialmente para depois cair, como no exemplo da Cal i frnia , onde e les eram de US$ 35,75 em 1866, depois chegaram a US$ 44,50 em 1875 e caram para US$ 38,25 em 1881; nos Estados do sul a situao era pior para os trabalhadores agrcolas, pois os salrios eram bem inferiores e passaram de US$ 16 em 1866 para US$ 15,30 em 1881.

    Essa agricultura competitiva dos EUA no mercado internacional foi possvel, portanto, em funo basicamente da abolio paulatina da escravido (Massachusetts, 1774; Connecticut, 1784, por exemplo; todo o pas a partir de 1863) e pela abertura do acesso terra para os camponeses. Esse processo de abertura do acesso terra teve incio com uma lei de 1820 que permitia a venda de terras

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    do Estado em pequenas parcelas de 80 acres (32,3736 hectares) ao preo de US$ 1,25 por acre (4 047 m2). Em 1832, o Estado autorizou a venda de propriedades de at 40 acres (16,1868 ha). Por fim, em 1862, foi assinado o Homestead Act, ou a lei da colonizao americana, que permitia a concesso gratuita de terra para propriedades de 160 acres (64,7472 ha). Na origem, estas foram as condies concretas para o nascimento dos farmers americanos, camponeses produtores de mercadorias.

    Foi, portanto, essa produo em massa da agricultura americana a baixo custo e a produo com preos igualmente reduzidos dos vrios pases coloniais, que contriburam para pressionar a agricultura da Europa industrial, particularmente na Inglaterra.

    4.1.6.3. A crise em fins do sculo XIX

    Como conseqncia desse processo chegou-se praticamente bancarrota da agricultura europia. Os landlords tiveram que reduzir suas rendas territoriais sob presso. Os preos dos arrendamentos chegaram a baixar de 20 a 30% nos solos frteis e at 50% naqueles menos frteis. Com a presso dos preos baixos dos gneros agrcolas importados baixou a produtividade por hectare, em face particularmente da no-adubao, caindo, portanto, a produo geral. No Reino Unido, por exemplo, a produo de trigo caiu de 38,3 milhes de hectolitros de trigo anuais no perodo entre 1852 e 1859 para 25,5 milhes entre 1889 e 1890. Tambm a superfcie cultivada baixou de 154.000 ha para 68.500.

    Simultaneamente a essa queda das lavouras de gros ocorreu uma mudana em direo produo de carne e leite, tentando livr-la, portanto, da concorrncia do alm-mar. Foi assim que a superfcie das pastagens passou de 538.000 ha em 1875 para 672.000 em 1895.

    Entretanto nem mesmo essa reconverso da atividade agrcola para a pecuria foi suficiente para tirar a agricultura inglesa da crise a que estava submetida no final do sculo XIX, pois tambm a importao de gado bovino foi crescente no ltimo qinqnio do sculo, passando de 415.000 reses em 1895 para 618.000 em 1897. Desse total participavam sobremaneira os pases do alm-mar: EUA exportaram 276.000 em 1895 e 416.000 em 1897; Canad 96.000 em 1895 e 126.000 em 1897; a Argentina vendeu para a Inglaterra 93.000 em 1895 e 74.060 em 1897.

    As conseqncias da crise a que a agricultura europia foi submetida em fins do sculo XIX foram variadas, mas todas elas criaram as condies para as alteraes estruturais que comandaram a agricultura na etapa monopolista do capitalismo.

    4.1.6.4. A fragmentao do solo

    Dentre as conseqncias da crise da agricultura europia, a tendncia fragmentao da terra foi particularmente importante. Na Blgica, por exemplo, a estrutura fundiria alterou-se, passando o nmero de propriedades com rea de at 2 ha de 400.000 (67% do tota l ) em 1846 para 710.000 (78% do total) em 1880; e as propriedades de 2 a 5 ha passaram de 83.000 (15%) em 1846 para 110.000 (12%) em 1880. Na Frana, as propriedades com menos de 1 ha aumentaram em 67.000 unidades de 1882 a 1892; enquanto aquelas com rea entre 1 e 100 ha diminuram no mesmo perodo, em 40.000. Era o processo de explorao do campesinato europeu pelo capital, que no permitia sequer a reproduo simples do campons, pois assim garantia seus filhos como mo-de-obra disponvel para a indstria. Para que esses camponeses se reproduzissem como camponeses, s restava a alternativa da imigrao, e assim muitos deles foram povoar o norte da Amrica.

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    Nesse processo geral, foi-se criando as condies concretas que tornaram necessria ao campons a realizao de trabalhos acessrios. E entre estes se destacou o trabalho assalariado por tempo determinado.

    4.1.6.5. As cooperativas e a industrializao da agricultura

    Nem mesmo a alternativa da ampliao da indstria camponesa a domiclio conseguiu resolver a questo do empobrecimento paulatino do campons, pois, nesse particular, ele sofreu a presso da grande indstria do setor e do comerciante, e a sua produo ficava espera desses mercadores, que sempre lhe pagavam preos baixos.

    A crise era to profunda que mesmo com o surgimento de cooperativas para tentar combater esses dois concorrentes (e elas chegaram at a crescer no setor leiteiro na Alemanha, passando de 729 em 1891 para 1.574 em 1897) nem mesmo essa alternativa de defesa foi totalmente eficaz. Em muitos lugares ela conseguiu certo sucesso, fazendo do campons um capitalista.

    De qualquer forma, esse processo apontava o novo rumo da agricultura: a sua industrializao. Industrializao essa que se fez, sobretudo na etapa monopolista do capitalismo. E suas bases encontram-se nessa crise da agricultura do final do Sculo XIX, crise essa que lhe abriu o terreno. Foi dessa maneira que comeou a passagem da sujeio da renda da terra produzida pelo campons, do capital comercial para o capital industrial e, mais que isso, com a cartelizao e nascimento do capital financeiro, a sua sujeio aos monoplios.

    Como registrou Kautsky, foi desse processo que nasceram, por exemplo, as empresas da casa Nestl. Ela possua, em territrio suo, uma fbrica que produzia a farinha lctea e duas grandes unidades que produziam o leite condensado. A unidade produtora da farinha lctea, em Vevey, industrializava diariamente 100.000 litros de leite. Esse leite era fornecido por cerca de 180 aldeias, aldeias essas que, segundo o referido autor,

    perderam a sua autonomia econmica e se tornaram caudatrias da casa Nestl. Os seus habitantes ainda so, exteriormente, proprietrios de suas terras, mas j no so camponeses livres. (1980, p. 304.)

    J no final do sculo XIX e incio do sculo XX o capital monopolista comeava estruturar-se. Ampliava e redefinia o processo de sujeio da renda da terra camponesa ao capital. Estabelecia as bases para a transformao desta em renda capitalizada, tornando-se seu proprietrio, sem, contudo expropriar a terra do campons. Foi nesse processo dialtico que o prprio capital se incumbiu de estabelecer novamente a supresso do divrcio entre a agricultura e a indstria, divrcio esse que ele teve que estabelecer para se apropriar de ambas.

    4.2. A agricultura sob o capitalismo monopolista

    A situao contraditria que se expressa na crise do final do sculo XIX (particularmente

    da agricultura inglesa e, por extenso, da europia) entrou parcialmente pelo Sculo XX. De certa forma, os ingleses enfrentavam um dilema: a oposio relativa entre os interesses dos proprietrios fundirios expressos nas altas taxas de arrendamento e os dos capitalistas, que, sob presso dos preos internacionais, no conseguiam produzir sob relaes de produo capitalistas, em funo dos

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    elevados custos de produo. De certo modo, o imperialismo foi a resposta para essa contradio; ou seja, a nova expresso

    desse desequilbrio particular entre a agricultura e a indstria nos pases imperialistas foi transposta para o plano internacional como sendo o comrcio de produtos primrios contra produtos manufaturados.

    4.2.1. O crescimento da produo e a queda da renda

    As potncias industriais europias inundaram o mercado mundial de manufaturas e passaram a importar maciamente produtos agrcolas. No plano internacional, vrios pases tornaram-se fornecedores agrcolas dos mercados europeus. Essa concorrncia provocou, como j assinalado, a queda dos preos na Europa; em conseqncia, a agricultura europia tornou-se mais intensiva. Produzindo mais, para recuperar-se dos preos baixos, esse processo levou superproduo, o que contraditoriamente provocou a baixa geral dos preos. Como desdobramento, caiu a renda fundiria.

    A Inglaterra, que havia plantado 388.000 ha de cereais em 1872, semeou 263.000 em 1913, baixando ainda mais em 1932 para 190.000. Ainda nesse pas, a produo de trigo baixou de 1,18 milho dc toneladas em 1850 para 0,83 milho em 1905 e para 0,7 milho em 1929.

    Em oposio, os EUA aumentaram sua produo de 5,52 milhes de toneladas em 1890 para 11,37 milhes em 1929.

    Nesse quadro, a Inglaterra aumentou suas importaes de cereais de ultramar de 2,01 milhes de toneladas em 1796 para 8,76 milhes em 1856, chegando a 22,44 milhes em 1896 e 39 milhes em 1913. Ou seja, em 1926 a Inglaterra estava importando cerca de 80% dos produtos alimentares consumidos no pas.

    Somava-se, tambm, a esse processo a necessidade do aumento da produtividade na agricultura europia, e, nesse particular, os dados apresentados por Perccval para a Frana so indicativos: para um ndice 100 em 1860, em volume, a produtividade horria do trabalho subira na agricultura para 630 e na indstria para 770, ou seja, o progresso tcnico aumentou muito a produtividade no campo entretanto, no que se refere conversao dessa produtividade horaria do trabalho em dinheiro, a re