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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA COOPERATIVISMO E TRABALHO ASSOCIADO ONGs de ajuda ao desenvolvimento, globalização e neoliberalismo: algumas questões sobre o impacto da ajuda oficial na autonomia das organizações-não (?)-governamentais 2002

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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA

COOPERATIVISMO E TRABALHO ASSOCIADO

ONGs de ajuda ao desenvolvimento, globalização e neoliberalismo:

algumas questões sobre o impacto da ajuda oficial na autonomia das

organizações-não(?)-governamentais

2002

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- A diversidade e heterogeneidade (cada vez mais) inerente ao campo das ONG’s e a

necessidade da sua organização conceptual……………………………………………..3

2- O crescimento exponencial do número de ONG’s de ajuda ao desenvolvimento como

resultado da globalização neoliberal e dos «programas de ajustamento

estrutural»………………………………………………………………………………..5

2.1- As ONG’s como providenciadoras e subcontratadoras de serviços de bem-estar

social: o impacto da ajuda oficial na responsabilização, legitimidade e no tipo de

intervenção das ONG’s…………………………………………………………………11

Entre o forte e o fraco é a lei que liberta, e a liberdade que oprime.

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La Cordaire

1- A DIVERSIDADE E HETEROGENEIDADE (CADA VEZ MAIS) INERENTE

AO CAMPO DAS ONG’s E A NECESSIDADE DA SUA ORGANIZAÇÃO

CONCEPTUAL

Uma das principais ideias que gostávamos que passasse no presente artigo é a da

extrema diversidade e heterogeneidade que se esconde por trás do termo ONG’s, daí se

tornar algo desadequado fazer afirmações muito generalistas sobre o sector das ONG’s,

dado que se está a misturar realidades muito diferentes. Assim, para se ter uma pequena

ideia dessa mesma heterogeneidade, as associações comummente designadas por

ONG’s variam bastante entre si, por exemplo, no que respeita às funções que exercem;

quanto aos níveis ou escalas em que operam (ou seja, ao nível local, regional, nacional,

continental ou global); quanto aos temas a que se dedicam ou aos seus objectivos, ou

quanto às suas estruturas e formas organizacionais. Neste tipo de organização podem-se

incluir, por exemplo, desde associações com uma componente religiosa ou caritativa e

que prestam assistência humanitária, grupos que se dedicam à pesquisa nas mais

variadas àreas, associações de defesa dos direitos humanos, organizações ambientalistas

e podendo ir desde pequenas organizações de carácter mais flexível e informal, com

pessoal não remunerado, até organizações com orçamentos multimilionários e que

empregam centenas ou milhares de pessoas. O termo ONG também tem sido aplicado a

organizações que providenciam serviços de bem-estar social, a organizações de ajuda ao

desenvolvimento, a grupos de acção contestatária que lutam por uma maior justiça

social e por mudanças sociais estruturais, a grupos que prestam assistência técnica, legal

ou em termos de infra-estruturas, ou a grupos de acção comunitária (o que os ingleses

chamam de “grassroots organizations”). Por outro lado, enquanto há ONG’s que têm

por base o voluntariado, e que não têm nenhuma filiação ou apoio governamental, há

outras, como por exemplo, a USAID, que foram criadas e são mantidas por

determinados governos.

Além disso, entre as ONG’s há uma enorme variabilidade em termos de

estratégias e de orientação política, havendo algumas com um carácter mais

despolitizado, de cariz meramente assistencialista, que se preocupam apenas em

responder às necessidades imediatas de populações carenciadas aquando da ocorrência

de emergências humanitárias, e que tendem a ignorar as consequências ou implicações

mais amplas das suas acções; ou, então, as que assumem um carácter mais politizado,

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embora moderado, e que procuram contribuir para a construção de uma ordem social

mais solidária e mais justa, através de estratégias conciliatórias, trabalhando

directamente com os governos e com as agências de desenvolvimento oficiais de âmbito

internacional (como o Banco Mundial, a OCDE, ou o PNUD - o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento), tentando, dessa forma, a partir de dentro, influir na

direcção das políticas económicas e sociais globais. No outro extremo, há as ONG’s

bastante mais politizadas que se batem por um projecto radical de mudança social, e que

(na maior parte das vezes) mantêm uma distância crítica e calculada face ao Estado e às

referidas agências e instituições de governação global. Estas ONG’s são as que apoiam

ou fomentam o surgimento de determinados movimentos sociais (como por exemplo, os

chamados «movimentos anti-globalização»), assumindo-se como os veículos

institucionais que articulam o protesto e a acção colectiva. Dada a extrema

heterogeneidade, que ficou patente nalguns exemplos que demos, há vários autores,

como, por exemplo, Fisher (1997) que consideram que se torna cada vez mais

desadequado utilizar simplesmente o termo ONG’s, pelo facto de esta categoria se

referir a um conjunto de instituições que recobre e agrega organizações de natureza tão

diversa.

Seja como for, tem havido tentativas de organizar conceptualmente a diversidade

que cada vez mais é inerente ao campo das ONG’s, tentando-se introduzir alguns

critérios de distinção. Assim, tornou-se comum diferenciar entre as ONG’s que operam

a uma escala internacional, ou seja, as ONG’s internacionais (INGOs), como por

exemplo, a OXFAM, o Greenpeace, a Save the Children ou a Christian Aid; depois há

as ONG’s do Norte (NNGOs) situadas nos países mais ricos (que se concentram,

sobretudo, na angariação de fundos, e que estão mais próximas - há quem diga que

ainda muito longe - dos centros de poder e decisão globais fundamentais, que, neste

caso, são as organizações multilaterais como o Banco Mundial, o FMI, a OCDE ou a

ONU, funcionando as referidas ONG’s como grupos de pressão ou lobbies em favor das

populações dos países mais pobres; depois temos as ONG’s intermediárias, a que

também se chamam de ONG’s do Sul (SNGOs), que se situam nos países

subdesenvolvidos, são financiadas pelas ONG’s do Norte e, por sua vez, apoiam as

várias iniciativas e tipos de organização de base local através do financiamento de

projectos de desenvolvimento local, ou através de aconselhamento técnico, e que

funcionam também como grupos de pressão sobre os governos e as elites locais destes

países. Por fim, temos as organizações de base comunitária (CBOs ou GROs -

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“community-based organizations” e “grassroots organizations”, respectivamente) que

são compostas e controladas pelos membros das comunidades locais (Edwards e Hulme,

1992; Fisher, 1997; Anheier e Themudo, 2002).

Um aspecto essencial a ter em conta é que estas organizações, principalmente

num contexto actual de intensificação dos processos de globalização, estão cada vez

mais interligadas através de coligações, de federações ou de redes que atravessam os

níveis local, regional, nacional e internacional, sendo que a cada um destes níveis se

deve adicionar as ligações com os governos e as agências de financiamento

internacionais. Por outro lado, para dar conta da diversidade do campo das ONG’s - e

para não cair em essencialismos que induzem a conceber todo o sector das ONG’s de

uma forma algo romântica, ou seja, como organizações que se dedicam exclusivamente

a promover e a difundir o bem geral, desafiando os poderes instituídos, quer do Estado,

quer do mercado, de uma forma absolutamente desinteressada - há, também, um

conjunto de designações que pretendem dar conta de uma tendência crescente de

surgimento de organizações cuja criação e financiamento estão relacionados com

interesses particulares de natureza económica e política, e que servem também para nos

chamar a atenção para a grande variabilidade das ONG’s em termos de autonomia ou

dependência exterior. Assim, neste tipo de organização incluem-se as chamadas

DONGOs (donor organized NGOs), ou seja, são organizações que são financiadas e

controladas pelos doadores oficiais, que, neste caso podem ser as agências de

financiamento multilaterais, como por exemplo o Banco Mundial ou a OCDE, podendo

ser também organismos como a União Europeia, ou então por financiamento directo

bilateral por parte de determinados países, ou, ainda, por fundações privadas. Além

disso, também existem as chamadas GONGOs (government organized NGOs), que são

organizações que são criadas ou apoiadas por governos, como por exemplo, a já referida

USAID ou a ODA (British Overseas Development Administration) (Fisher, 1997;

Edwards e Hulme, 1992; Anheier e Themudo, 2002).

2- O CRESCIMENTO EXPONENCIAL DO NÚMERO DE ONG’s DE AJUDA

AO DESENVOLVIMENTO COMO RESULTADO DA GLOBALIZAÇÃO

NEOLIBERAL E DOS «PROGRAMAS DE AJUSTAMENTO ESTRUTURAL»

Agora gostaríamos de nos debruçar sobre alguns possíveis factores que poderão estar na

base da explicação para o aumento exponencial do número de ONG’s, principalmente

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nas duas últimas décadas. Segundo Themudo e Anheier (2002:194), o número de

ONG’s internacionais, e das suas ramificações, aumentaram de cerca de 13 mil em

1981, para cerca de 47 mil em 2001, ou seja, o número de ONG’s internacionais em

1981 equivale a cerca de 28% do conjunto das ONG’s registadas em 2001. Há

inclusivamente autores que atribuem tanta importância a este crescimento exponencial

das ONG’s, que vão ao ponto de afirmar o seguinte:

A veritable “associational revolution” now seems underway at the global level that may

constitute as significant a social and political development of the latter twentieth century as the rise of the

nation state was of the latter nineteenth century. (1) (ver no fim, s.f.f.) (Salamon, 1993:1, apud Edwards

e Hulme, 1996).

Além disso, a proeminência das ONG’s no panorama internacional manifesta-se

também através do crescente número de assentos que estas têm nas conferências

internacionais, pela crescente proporção de apoio financeiro para o desenvolvimento e

ajuda humanitária que é canalizado através das ONG’s ou pela crescente cooperação

entre estas e o Banco Mundial ou outras agências multilaterais (e bilaterais). Perante

este cenário, no presente trabalho, interessa-nos, sobretudo, tentar responder a estas

duas questões:

- Como explicar a incongruência entre o crescente número de ONG’s de ajuda ao

desenvolvimento e de assistência humanitária e o concomitante agravamento do fosso

(em termos de desigualdades sociais) entre os países mais desenvolvidos e os países

subdesenvolvidos (ou em vias de desenvolvimento)?

- Porque é que estas mesmas ONG’s (internacionais, regionais ou locais) - que, durante

décadas foram remetidas a um estatuto de marginalidade - se transformaram, a partir de

meados dos anos 80, nos parceiros privilegiados das agências bilaterais e multilaterais

para a ajuda internacional e para a implementação de projectos de desenvolvimento nos

países subdesenvolvidos?

Antes de mais, este florescimento de organizações da sociedade civil

internacional não deve ser interpretado de forma ingénua. Isto porque se deve ter em

conta que uma parte cada vez maior das ONG’s são meros prolongamentos ou

emanações de algumas agências oficiais de desenvolvimento nacionais e internacionais

(com origem nos países do Norte), como é também preciso ter consciência de que,

muitas vezes, a celebração das virtudes da chamada sociedade civil acaba por ser um

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ingrediente ideológico crucial da desregulação neoliberal e da privatização de empresas

e serviços públicos, cujas consequências práticas parecem ser a desinstitucionalização

dos padrões de protecção social e o consequente agravamento das desigualdades sociais,

quer nos países do Norte, quer nos do Sul, e, sobretudo, entre estes.

Assim, para tentar responder às perguntas formuladas anteriormente, pensamos

que se torna, talvez, necessário recuar aos anos 80, dado que foi nesta década

(principalmente a partir de 1989) que se desencadeou um forte impulso neoliberal à

globalização, impulso, esse que, de uma forma geral, visa reforçar as forças de mercado

e o domínio económico à custa das políticas e instituições de protecção social estatais,

que são vistas pelas agências multilaterais como um «fardo», como um impedimento ao

desenvolvimento económico e ao livre funcionamento das forças de mercado (Mishra,

1996; Santos, 2001). Desta forma, tendo em vista a globalização do modelo neoliberal

de desenvolvimento, as organizações multilaterais, como o Banco Mundial, ou o FMI,

que, como se sabe, se encontram em grande parte sob a influência dos países mais ricos,

começaram a impôr um pacote de políticas macroeconómicas a que se designou de

programas de ajustamento estrutural, passando, assim, um número cada vez maior de

países subdesenvolvidos a estarem sujeitos à disciplina neoliberal dessas mesmas

organizações, de forma a adaptarem-se ao novo modelo que se queria implementar a

nível global. É também sabido que o exercício do controlo económico e o poder de

conceder empréstimos e de prestar ajuda financeira aos países subdesenvolvidos

concedem ao FMI e ao Banco Mundial grande influência sobre as políticas económicas

e sociais desses mesmos países (Mishra, 1999; Santos, 2001; Pureza, 2001). Foi

precisamente devido a este poder que o mesmo FMI e o Banco Mundial impuseram aos

países subdesenvolvidos, como contrapartida da ajuda financeira e da renegociação da

dívida externa, esses mesmos programas de ajustamento estrutural. Este pacote de

medidas a que se convencionou designar de «Consenso de Washington», inclui, por

exemplo, a privatização das empresas e serviços públicos, a liberalização dos mercados

(incluindo os de capitais), a privatização da terra para uso agrícola (compradas

posteriormente, a preço de saldos, pelas empresas multinacionais, pondo, assim, em

xeque a agricultura de subsistência), a diminuição drástica das despesas do Estado, a

desregulação dos mercados de trabalho e da legislação ambiental, a abolição da

legislação sobre o salário mínimo ou a supressão dos (já muito incipientes) subsídios

estatais aos grupos sociais mais desfavorecidos (Hespanha, 2001; Pureza, 2001; Centre

Tricontinental, 1998).

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Segundo estes últimos autores, estas políticas de austeridade têm tido efeitos

sociais desastrosos, principalmente para os países e grupos sociais mais vulneráveis,

contribuíndo para um agravamento cada vez mais acentuado das desigualdades sociais

nestes países. E, assim, a reestruturação económica sob a direcção das instituições

financeiras multilaterais parece negar crescentemente aos países subdesenvolvidos a

possibilidade de construírem as suas economias nacionais, isto porque a

internacionalização das políticas macroeconómicas referidas transformam esses países

em territórios abertos à exploração por parte dos países mais ricos, ou seja,

transformando cada vez mais esses países numa reserva de trabalho barato e de recursos

naturais (Pureza, 2001; Mishra, 1996; Centre Tricontinental, 1998).

Neste contexto, parece haver, assim, uma conjugação de factores que pode

explicar o crescente apoio financeiro que os países mais ricos e as agências multilaterais

prestaram às ONG’s desde a década de 80, e que pode, em princípio, explicar o aumento

exponencial do seu número. Em primeiro lugar, numa leitura mais corrente e imediata,

determinados países e instituições multilaterais, como, por exemplo, a ONU e o Banco

Mundial, pelo facto de estarem fartos de lidar com governos burocráticos e corruptos

dos países subdesenvolvidos começaram cada vez mais a financiar e a escolher as

ONG’s para parceiros directos na implementação de programas de assistência

humanitária e de projectos de desenvolvimento. Devido ao facto de algumas ONG’s

possuírem uma estrutura organizacional de pequena escala e, portanto, mais flexível,

conseguindo, assim, responder melhor às necessidades de âmbito local das populações

mais desfavorecidas dos países subdesenvolvidos, os anos 90 viram crescer as

possibilidades de canalização de fundos por parte das agências multilaterais para as

ONGs internacionais que, por sua vez, apoiaram cada vez mais essas organizações que

trabalham directamente no terreno dos países subdesenvolvidos.

Mas, partindo de uma leitura menos imediata, há vários autores, como, por

exemplo, Themudo e Anheier (2002), Edwards e Hulme (1992; 1996), William Fisher

(1997), ou Saskia Sassen (s/d), que consideram que o que está aqui fundamentalmente

em causa - principalmente a partir do fim da guerra fria - é a progressiva promoção e

implementação, por parte das agências doadoras oficiais (bilaterais e multilaterais), de

uma nova agenda política (“New Agenda Policy”), em que se atribui às ONG’s e às

organizações de base comunitária (“Grassroots organizations”) uma importância

renovada e um papel crescente no combate à pobreza, na provisão de serviços de bem-

estar social e no desenvolvimento da «sociedade civil». Segundo os autores referidos,

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há, principalmente, duas dimensões inerentes a esta “New agenda Policy”. A primeira é

económica: os mercados e o sector privado são mecanismos considerados mais

eficientes e eficazes para o crescimento económico, para a produção de bens e para a

provisão de serviços. Mesmo que o façam de forma imperfeita, o argumento recorrente,

segundo Colclough (1991:7; apud Edwards e Hulme; 1996:961: tradução nossa) é que

os “mercados imperfeitos são sempre melhores do que os Estados imperfeitos”, o que

reflecte, claramente, a ortodoxia neoliberal dicotómica dominante, em que se associa

«privado-bom/público-mau». A segunda dimensão inerente à referida “New Agenda

Policy” é mais propriamente política: as ONG’s e as organizações de base comunitária

(“Grassroots organizations”) são vistas como importantes contributos para a chamada

“good governance”, ou seja, contribuíndo para a democratização global das sociedades,

até porque se considera que essa mesma “boa governança”, de natureza democrática, é

essencial para uma economia saudável.

Há, assim, vários autores (Edwards e Hulme, 1992; 1996; Centre Tricontinental,

1998; Anheier e Themudo, 2002; Pureza, 2001; Pieterse, 2001; Fisher, 1997) que

consideram que longe de se constituirem como práticas desinteressadas de ajuda ao

desenvolvimento, o aumento exponencial do financiamento das ONG’s por parte das

agências multilaterais é perfeitamente compatível e coerente com a lógica do modelo de

desenvolvimento neoliberal, da qual fazem parte os programas de ajustamento estrutural

e as suas consequências sociais. Isto porque a promoção da expansão das ONG’s sob a

crescente dependência financeira em relação às agências multilaterais e bilaterais, faz

com que estas sejam cada vez mais despolitizadas, instrumentalizadas e pressionadas a

tornarem-se em meras subcontratadoras de serviços de bem-estar social que outrora

eram da responsabilidade do Estado, isto se quiserem continuar a ser financiadas. (2)

(ver no fim s.f.f) Isto tem como efeito perverso o facto de se aliviar apenas alguns

sintomas imediatos da pobreza negligenciando-se, no entanto, as causas mais profundas

dessa mesma pobreza, que devem ser procuradas (para além dos factores estruturais

internos) nos já referidos programas de ajustamento estrutural, que deixam cada vez

mais camadas das populações dos países subdesenvolvidos abandonadas à sua sorte (3)

(ver no fim, s.f.f.). Uma metáfora que ilustra bem o facto de uma boa parte das ONG’s

estarem a funcionar (ou a serem instrumentalizadas) como meros paliativos das

políticas de ajustamento estrutural é a de um autor chamado Korten (1990, citado em

Edwards e Hulme;1992:13) e que é assim: se virmos um bébé num rio a afogar-se,

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saltamos logo para o salvar. Se a seguir virmos um segundo e um terceiro fazemos o

mesmo. Às tantas estamos tão ocupados a salvar cada vez mais bébés que não nos

lembramos de olhar para cima e ver que está alguém a atirar bébés para o rio. É por isso

que há autores que afirmam que ao neoliberalismo está associada uma forte componente

neoassistencialista (Centre Tricontinental, 1998; Edwards e Hulme, 1992). No

seguimento das ideias apresentadas anteriormente, há autores, como Jan Nederveen

Pieterse (2001:84-5; itálico e sublinhado nossos) que consideram o seguinte:

The rise of NGO’s during the 1980s and 1990s was both a by-product of and compensation for the wave

of neoliberalism. Civil society social movements and NGOs are a mixed bag, all the more because,

mushrooming amidst the breakdown of regulation (or informalization), they are unregulated themselves

(...) they also reflect the rollback of the State, the advance of market forces and the general breakdown of

regulation (..) there are steep differences between NGOs as public service contractors and people-

oriented NGOs. NGOs suffer similar problems (bureaucratization, hierarchy, scale, corruption,

dependence) as any organization. If they are sites of power outside the reach of the State they are within

the reach of donors, who in turn move within the orbit of their funders, State or private, and their

economic, political, cultural and discursive agendas (..) Development NGOs have been denounced as

‘new missionaries’ engaged in recolonization, as ‘unguided missiles’ or as ‘the new East India Company’.

They have been accused of neutralizing popular resistance and facilitating popular acceptance of

structural adjustment. The encouragement of NGOs and GROs, within the ‘New Policy Agenda’, may

lead to cooptation: the abandonment of a mission for social transformation to become the implementers

of the policy agendas of Northern governments (...) NGOs can contribute to democratizing development

(Clark, 1991), serve as vehicles of transnational networking building global civil society (Henderson,

1993), as liaisons in ‘innovation networking’ (Mytelka, 1993), or channels of outside interference beyond

the controls of normalized politics and international relations (4) (ver s.f.f.).

Por outro lado, há autores, incluíndo este último autor, bem como Michael

Edwards e David Hulme (1992; 1996) que - mesmo tendo consciência da crescente

determinação exterior das suas agendas por parte das agências doadoras oficiais -

criticam a postura de muitas ONG’s pelo facto de estas se concentrarem, por vezes

excessivamente, em tarefas do tipo “small is beautiful”, sem, contudo, pôr em causa ou

tentando influenciar os factores estruturais fundamentais (agora essencialmente de

natureza interna) do subdesenvolvimento, que se prendem com questões tão importantes

como a (gritantemente desigual) distribuição da propriedade da terra, ou outras questões

que também se prendem com as profundas desigualdades em termos da distribuição de

(outros) recursos e de poder existentes nos países subdesenvolvidos. Assim, estes

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autores criticam a referida postura de determinadas ONG’s, principalmente quando

estas se concentram em determinadas tarefas - por exemplo, no «desenvolvimento

comunitário» - que, na prática, segundo os mesmos, pouca ou nenhuma diferença faz

para mudar a situação de pobreza extrema em que vivem largas camadas da população

de muitos dos países subdesenvolvidos. Michael Edwards e David Hulme (1996) dão o

exemplo do Bangladesh (que é um dos países mais pobres do mundo e onde ocorre uma

maior actividade de ONG’s), em que essa mesmas ONG’s, tomadas no seu conjunto,

cobrem apenas cerca de 15% da população sem-terra. Ou seja, um ponto importante que

estes autores tocam é que a acção local nunca deve servir para iludir a necessidade de

mudanças à escala nacional e supranacional (neste sentido, o facto de muitas ONG’s

se concentrarem apenas, ou principalmente, no nível de acção local pode, também, ser

uma das razões da preferência das agências bilaterais e multilaterais pelas ONG’s, e a

preocupação dos referidos autores é a de que luta contra a pobreza e o apoio ao

desenvolvimento se estejam a “acantonar” ao nível local, por forma a iludir as

mudanças sociais que têm de ter lugar para resolver os problemas estruturais associados

ao subdesenvolvimento). E, assim, os referidos autores referem o seguinte:

NGO service provision acts as a palliative, a barrier to the more fundamental structural changes in the

ownership of land and capital assets which are essential if significant economic and political changes are

to occur (1996:964).// Many small-scale successes have been secured, but the systems and structures

which determine the distribution of power and resources within and between societies remain largely

unchanged. As a result, the impact of NGOs on the lives of poor people is highly localised, and often

transitory (...) One of the most important factors underlying this situation is the failure of NGOs to make

the right linkages between their work at micro-level and the wider systems and structures of which they

form a small part (...) effective NGO projects (and not all are) small ‘islands of success’ in an all-too

hostile ocean (Edwards e Hulme, 1992:13).

2.1- AS ONG’s COMO PROVIDENCIADORAS E SUBCONTRATADORAS DE

SERVIÇOS DE BEM-ESTAR SOCIAL: O IMPACTO DA AJUDA OFICIAL NA

RESPONSABILIZAÇÃO, LEGITIMIDADE E NO TIPO DE INTERVENÇÃO

DAS ONG’s

Segundo a perspectiva de vários dos autores referidos anteriormente, longe de se

constituírem como florescimentos espontâneos da chamada sociedade civil, a explosão,

em termos numéricos, bem como a crescente proeminência que muitas ONG’s e

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organizações de base comunitária têm vindo a adquirir nestas duas últimas décadas,

estão intrinsecamente associadas à crescente disponibilidade e à crescente proporção de

financiamento oficial por parte das agências bilaterais e multilaterais, de forma a que se

cumpra o objectivo de promoção da já referida “New Agenda Policy”. Ou seja, nesta

chamada «nova agenda política» dá-se uma grande primazia ao papel da sociedade civil

(e ao concomitante recuo das funções do Estado e do seu papel regulador),

considerando-se essencial a expansão das ONG’s como fazendo parte de um sistema

emergente de governação global e de provisão de serviços de bem-estar social fora da

alçada do Estado, serviços esses que, principalmente no caso dos países

subdesenvolvidos, deixam, cada vez mais, de ser um direito dos cidadãos para passarem

a depender arbitrariamente da existência ou não de uma ONG, nas redondezas, que os

providencie (Centre Tricontinental, 1998; Wood, 1997, apud Edwards, 1998).

E assim, o crescente financiamento das ONG’s por parte das agências doadoras

oficiais (multilaterais e bilaterais) traz consigo um conjunto de questões

importantíssimas, que se prendem com a legitimidade de intervenção dessas mesmas

ONG’s. Ou seja, se esta últimas dependem cada vez mais de financiamentos de natureza

externa para o seu funcionamento; se se estão a substituir ao governo de muitos países

em sectores relacionados com a provisão de serviços de bem-estar social; se muitas

delas, segundo a opinião de vários autores, se estão a tornar em organizações

burocráticas, de grande escala, principalmente interessadas - para a sua sobrevivência

económica - em responder às prioridades definidas pela «nova agenda política», por

parte das agências doadoras, o que é que acontece aos valores de solidariedade,

voluntarismo e proximidade (em relação às populações carenciadas dos países

subdesenvolvidos, no sentido de auscultar e responder às suas necessidades reais) -

valores estes que são invocados como sendo a base de legitimidade da sua intervenção?

Não será que os interesses próprios das ONG’s - no sentido da sua própria manutenção

e sobrevivência económica - bem como os interesses dos países ocidentais mais ricos

(reflectidos na «nova agenda política» implementada pelas agências de financiamento

multilaterais e bilaterais) se estão, progressivamente, a sobrepor aos interesses e

necessidades das populações mais carenciadas dos países subdesenvolvidos? Seja como

for, estas questões parecem trazer senão problemas, pelo menos dúvidas, quanto à

legitimidade de intervenção das ONG’s nos países subdesenvolvidos, neste novo

contexto de crescente dependência financeira externa.

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Como refere Bratton (1990; apud Edwards e Hulme, 1996: 967), há, pelo

menos, duas condições que devem servir de base de legitimação para a actuação das

ONG’s: primeiro, a de gozarem de apoio popular efectivo e, segundo, o facto de se

auto-financiarem. Se nos ativermos a esta concepção de legitimidade de intervenção das

ONG’s, isto implica, necessariamente, que as ONG’s e as organizações de base

comunitária que tiverem um fraco enraízamento e implantação no país considerado, e se

dependerem de financiamentos externos para a sua sobrevivência económica, têm uma

menor capacidade de reivindicação de legitimidade. Sendo assim, cabe perguntar: até

que ponto é que as organizações que dependem totalmente (ou quase totalmente) de

financiamentos das agências oficiais (principalmente se considerarmos as agências

governamentais bilaterais) podem continuar a ser designadas de «não-governamentais»?

Até que ponto é que é possível levar a cabo uma missão independente ao mesmo tempo

que se depende deste tipo de ajuda financeira? (isto principalmente se tivermos em

conta que, regra geral, «quem financia, controla»). Parece haver, então, segundo os

vários autores consultados, uma tendência que faz com que os doadores oficiais tenham

cada vez mais influência nos processos de tomada de decisão interna de muitas das

ONG’s e na determinação da sua agenda, sendo muito frequentes os casos em que são

os doadores a definir as populações-alvo, a duração dos programas e o tipo de

intervenção, as prioridades e necessidades a satisfazer, de uma forma heterónoma, ou

seja, não sendo estas últimas sustentadas ou ancoradas em experiências concretas de

terreno, e que têm muitas vezes, a ver com “modas”, por vezes passageiras, no campo

do desenvolvimento. Como vários autores referem, durante um ano ou dois, o que “está

na moda” - em termos de prioridades de financiamento por parte das agências doadoras

- é, por exemplo, o micro-crédito, para, no ano a seguir ser, por exemplo, a literacia de

adultos. Hill (1997, apud Malavisi, 2001: 55), por exemplo, refere-se precisamente a

este problema, considerando que as “modas” no interior do campo do desenvolvimento

estão constantemente a mudar, o que constitui, segundo o mesmo, uma forma recorrente

(e, por vezes, etnocêntrica) de imposição de prioridades e necessidades a determinadas

populações. Anna Malavisi (2001:55) cita mesmo um líder camponês boliviano em que

este concorda com a importância do papel das ONG’s para o desenvolvimento do seu

país, mas pede que a prioridade mais importante das mesmas seja a de responder às

necessidades das pessoas, de forma a “providenciar os serviços que as pessoas querem e

precisam e não os serviços que as agências doadoras escolhem dar”.

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Há, ainda um outro aspecto, muito importante, no que respeita à intervenção das

ONG’s, que também se prende com a questão da legitimidade. Ou seja, tal como

determinados autores fizeram notar (Edwards e Hulme, 1992; 1996; Wood, 1997, apud

Edwards, 1998), os processos de privatização dos serviços públicos (como resultado dos

programas de ajutamento estrutural) e o concomitante aumento de intervenção das

ONG’s, acarretam uma mudança fundamental na natureza do «contrato social» entre

os cidadãos e o Estado, dado que as ONG’s substituem este mesmo Estado na provisão

de serviços de bem-estar social, essenciais para os processos de desenvolvimento nos

países mais desfavorecidos. Tal como Geoff Wood refere:

The nature of the “social contract” between citizens and states differs fundamentally from that between

consumers and private service-providers (whether commercial or non-profit). In the former case people

have a right to a service; in the latter they only have an entitlement, dependent on whether they live in an

area served by an NGO, whether that NGO provides the service effectively, and whether they can hold

the NGO accountable for its actions. In many poor countries, the answer to all three questions is negative,

so privatization results in a patchwork-quilt of unsatisfactory health and education which is difficult to

influence through public pressure. (Wood, 1997, apud Edwards, 1998; itálico nosso)

Desta forma, parece claro que a responsabilização (“accountability”) de uma

ONG não-eleita quando providencia serviços aos seus “clientes” é muito diferente

daquela que advém das relações formais estabelecidas entre os Estados e os cidadãos;

ou melhor, neste processo de substituição progressiva dos serviços estatais pelos das

ONG’s, é a própria obrigação política que parece ser afectada, na medida em que se

trata de uma transferência de responsabilidades de um actor cujas decisões são objecto

de sancionamento e salvaguardas democráticas, para actores não sujeitos ao mesmo tipo

de regras (para um bom exemplo, talvez, de como estes processos parecem escapar,

ainda cada vez mais, ao controlo das populações dos países subdesenvolvidos - e que se

prende com o outro aspecto referido a propósito da questão da legitimidade - basta

pensar no seguinte: que meios institucionais é que as estas populações têm para travar a

crescente tendência de estreitamento de acordos de financiamento às ONG’s - para

determinados serviços de bem-estar social - de acordo com regras e condicionalismos

cada vez mais ditados pelas agendas das entidades financiadoras - as agências

multilaterais e bilaterais - de modo a que não se repitam constantemente, como em

muitos casos, a imposição externa de necessidades e prioridades a determinadas

populações?).

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Na base da tendência de despolitização e instrumentalização de um crescente

número de ONG’s no sentido da chamada «nova agenda política» está, então,

incontornavelmente, como já se fez menção, uma questão absolutamente fundamental

quando falamos de ONG’s, que é a questão do seu financiamento. Só que esta questão

está intimamente associada a outra que é a questão das responsabilizações ascendentes

e descendentes (em inglês, “upwards accountability” ou “downwards accountability”).

Como afirma José Manuel Pureza (2001), trata-se da tensão entre a consideração das

exigências dos financiadores e a atenção às aspirações dos destinatários da acção das

ONG’s. O mesmo autor considera que as soluções que, em cada caso, sejam encontradas

para esta tensão e o conteúdo político da agenda determinada pela supremacia de um

dos termos fazem oscilar as actuações concretas das organizações entre um

internacionalismo solidário e um serviço aos interesses hegemónicos.

É preciso, então, ter em conta que a responsabilização (“accountability”) - ou

seja, “os meios pelos quais os indivíduos e as organizações prestam contas a uma

autoridade (ou autoridades) reconhecida(s) e são responsabilizados pelas suas acções”

(Edwards e Hulme, 1996: 967; tradução nossa) - é um aspecto crucial para a

reivindicação de legitimidade no que respeita à intervenção das ONG’s nos países

subdesenvolvidos. Avina (1993; apud Pieterse, 2001), faz uma distinção pertinente

entre dois tipos de responsabilização: uma que designa de «short-term functional

accountability», e que se prende com a monitorização e responsabilização perante os

recursos, o seu uso, e os impactos imediatos da acção das ONG’s; e outra que designa

de «strategic accountability», que se prende com o impacto - numa perspectiva de

médio e longo prazo - que a acção das ONG’s têm em determinadas organizações

(como, por exemplo, nas organizações de base comunitária - as “grassroots

organizations”) e nos processos de desenvolvimento das sociedades mais

subdesenvolvidas (no sentido de avaliar a auto-sustentabilidade desses mesmos

processos).

Daqui resulta que as as ONG’s e as organizações de base comunitária se

deparam perante múltiplas responsabilizações - descendentes para os seus parceiros,

beneficiários, “staff” e apoiantes; e ascendentes para os seus doadores e governos de

acolhimento (Edwards e Hulme, 1992; 1996). Mas, como já foi referido, existe uma

tensão constante entre estes dois termos da responsabilização, dado que uma

responsabilização “equilibrada” entre os referidos termos parece ser quase impossível,

e, assim, um dos grandes problemas relacionados com a falta de responsabilização

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(“accountability”) das ONG’s é precisamente a de estabelecer prioridades perante

determinados dilemas, em que se torna muito difícil conciliar as múltiplas

responsabilizações a que estão sujeitas. E, assim, uma das preocupações manifestadas

por vários autores (Ruth Gidley, 2003; Pureza, 2001; Edwards e Hulme, 1992; 1996;

Fisher, 1997) é a de que, no contexto da já referida “New Agenda Policy”, a

responsabilização se está, progressivamente, a afastar do nível descendente de

responsabilização - ou seja, dos beneficiários, “staff” e apoiantes - para o nível

ascendente - ou seja, para o pólo mais poderoso da referida tensão entre os termos da

responsabilização, isto é, para a esfera dos doadores e dos governos de acolhimento -

dada a crescente dependência financeira das ONG’s em relação às agências oficiais

(governamentais, bilaterais e multilaterais). Isto significa que a missão “original” ou

“primordial” das ONG’s - a de ajudar os países subdesenvolvidos a desenvolverem-se

de uma forma endógena, auto-sustentada e duradoura - é neutralizada, sofrendo, assim,

uma progressiva pressão exterior (financeira) e tornando-se, assim, como já se referiu,

em meras subcontratadoras de serviços de bem-estar social, orientadas, sobretudo, para

a provisão de serviços e necessidades definidas pelas agências doadoras (dando origem,

assim, à já referida determinação heterónoma de prioridades e necessidades a

determinadas populações). Além disso, como a maior parte dos autores referidos fazem

notar, uma das tendências associadas a esta distorção da responsabilização para o

sentido ascendente é a de que os doadores tendem progressivamente, de uma forma

geral, a financiar apenas programas com objectivos de curto prazo e verificar o seu

“sucesso” a partir de critérios de natureza exclusivamente quantitativa (como referem

Edwards e Hulme - 1996 - isto reflecte uma tendência de “accountability” para

“accountancy” (contabilidade), ou, como refere Gidley - 2003: “if it isn’t countable, it

doesn’t count”. Ou, ainda, de acordo com a distinção efectuada por J. Avina, esta

tendência revela um centramento quase exclusivo na «short-term accountability», e já

não - ou muito pouco - na «strategic accountability»).

Edwards e Hulme (1996: 965) inserem estas últimas tendências no contexto da

«nova agenda política», ao mesmo tempo que encontram algumas incompatibilidades

ou contradições entre as dimensões e objectivos da mesma (e aqui, é, talvez,

conveniente voltar atrás para relembrar os mesmos):

There may be a conflict (as yet unperceived by official agencies, it seems) between the economic and

political dimensions of the New Policy Agenda. Cost-effective service provisions rests on standardized

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delivery systems and internal structures (often hierarchical) able to manage large amounts of external

funding. The qualities required to promote success in democratization are very different: independence

from external interests, closeness to poor people, long-time horizons for capacity-building, and a

willingness to confront those in power: It is difficult to combine both roles in the same organization

successfuly. «Local institutional development» - strengthening grassroots organizations and indigenous

NGO’s to carry out their mission more effectively - is clearly an important component of any program

which aims to promote sustainable approaches to poverty alleviation. NGO’s in Latin America who are

dependent on short-term funding from donors, however, often perform weakly in this process because

they lack the time and incentives required to nurture local organizations. Fowler (1992: 23) makes a

similar point about the dangers of «over-funding» NGO’s and grassroots organizations in the South,

predicting an inverse relationship between dependence on official donor funding and the capacity to

support and facilitate what he calls «development-as-empowerment». The theory here is that donors will

be unwilling to support the long-time horizons, slow careful work, and gradual (and often non-

quantifiable) results which characterizes local institutional development.

Neste mesmo contexto da «nova agenda política», há autores como Fisher

(1997), Pieterse (2001) ou Edwards e Hulme (1992; 1996) que referem que, nos últimos

anos, uma das áreas que tem vindo a ser cada vez menos atractivas para a captação de

financiamentos tem sido a da advocacia (“advocacy”, em inglês). Este tipo de

actividade dedica-se à tentativa de resolução das questões das desigualdades sociais

fundamentais, em termos de recursos e de poder, nos países subdesenvolvidos, falando,

para esse efeito, em nome de determinados grupos sociais excluídos, organizando a

defesa dos interesses das populações pobres, e funcionando como lobbies para a

tentativa de mudança de orientação de determinadas políticas governamentais dos países

subdesenvolvidos (no entanto, é preciso ter em conta que esta função se exerce tanto ao

nível local, ou nacional, como a um nível mais global, ou seja, mais perto de instituições

globais como o FMI, o Banco Mundial ou a OMC). Um facto bastante revelador do

subfinanciamento destas funções foi a da USAID, bem como o UK Home Office

Report, que recomendaram a separação formal entre as ONG’s que providenciam

serviços contratados pelas agências bilaterais, multilaterais e pelos governos e as que

apenas se dedicam à actividade de lobby - cuja intenção subjacente parece clara (cf.

Edwards e Hulme, 1996: 970).

Desta forma, como estes últimos autores referem:

This process may lead to a widening rift between well-resourced service providers and poorly-funded

social mobilization organizations, a danger identified by Pearce (1993) in Chile and Central America.

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Important areas of grassroots organizations/NGO’s activity which do not fit into the donor agenda may

therefore lose out, while NGO’s may succumb to the temptation to take on functions which they know

will attract large amounts of donor funding to the detriment of other aspects of their mission. The

increasing dependence of Northern NGO’s on emergency grants from official donor agencies reflects a

similar process. (Edwards e Hulme, 1996: 966).

Assim, esta posição vulnerável como beneficiários da ajuda exterior faz com que

muitas ONG’s não defendam posições contrárias às das agências governamentais ou

intergovernamentais que as apoiam financeiramente. Isto faz com que se forme,

segundo alguns autores (Fisher, 1997; Pieterse, 2001; Edwards e Hulme, 1992) uma

elite de ONG’s internacionais que se tornam as favoritas das agências doadoras

bilaterais e multilaterais, precisamente pelo facto de irem ao encontro dos seus

interesses (ou dos interesses das potências hegemónicas que dominam essas mesmas

agências), e que ditam as regras ou os condicionalismos de financiamento às outras

ONG’s de menor escala. O potencial político, emancipador e mobilizador é assim

neutralizado para uma boa parte das ONG’s existentes, tornando-se, assim, cada vez

mais difícil fazer com que pelo menos dois terços da humanidade se consigam

desenredar das condições objectivas que os impedem de ter uma vida digna, que

concerteza merecem.

NOTAS: (1) Para se ter uma ideia mais clara e aprofundada das implicações sociais, políticas, económicas e, principalmente, organizacionais da enorme expansão do fenómeno das ONG’s a nível global, bem como a “geometria variável” que caracteriza as novas formas de organização em rede (por vezes de carácter fluído e transitório, consoante os assuntos ou temas em questão) seja sob a forma de coligações, federações, ou de estrutura “em anel” (ou seja, uma estrutura organizacional rotativa em termos geográficos, como acontece actualmente com o Fórum Social Mundial) consultar - caso haja interesse para tal - os já referidos Helmut Anheier e Nuno Themudo (2002), Organisational forms of global civil society: implications of going global (disponível na Internet). Outros contributos importantes para este tópico são, por exemplo, David Held, Anthony Mcgrew et al. (1999), Global transformations: politics, economics and culture, e, principalmente, dos mesmos autores, The global transformations reader: an introduction to the globalization debate. Além destas referências, existem, no que respeita às ONG’s, sítios importantes na Internet, tais como um que pertence a estes últimos autores (www.polity.co.uk/global) ou outros, como, por exemplo, o «Global policy forum» ou o «Global solidarity dialogue»/«Global solidarity site» (para o artigo referido e estes últimos sítios, infelizmente não temos o endereço, mas pesquisando através das referências atrás citadas, é possível aceder aos mesmos .

(2) A dependência das ONG’s em relação à ajuda oficial tornou-se tão grande que autores como Fisher (1997) referem que as ONG’s que não são dependentes da ajuda oficial para a maioria

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dos seus orçamentos se tornou a excepção em vez da regra. No mesmo sentido, Michael Edwards e David Hulme (1996:962) afirmam: “The prominence awarded to NGOs and GROs as the implementers of the New Policy Agenda has led official agencies to channel increasing amounts of money to and through them. Although the data vary considerably from country to country, two trends are visible. First, the proportion of total multilateral and, especially, bilateral aid channelled through NGOs is increasing (...) Second, and perhaps more significantly, individual NGOs are becoming more dependent on official aid, especially during this last years, because there has been a discernible flattening-out of voluntary income from the public in general in many Northern countries. For example, the five largest development NGOs in the United Kingdom all show a significantly rising trend, with levels of dependency on government grants oscillating between 32% and 67% in 1994, up from between 7% and 15% 10 years earlier. Levels of dependency are much higher in continental Europe and in North America; for example, it is common to find government grants making up 70% and 90% of the budgets of major NGOs in Scandinavia, the Netherlands and Canada, most of which is passed on to NGOs in the South”. Outro autor, Miguel Cristobal (1998), no seu artigo “Talking about NGOs” (disponível na Internet), também refere que “The public fund share in the financing of NGOs "reaches 40% in the United Kingdom. But it can climb up to 80%, as this is the case in Italy, in Sweden or in Norway (...). Committed sometimes to a fierce financial competition, NGOs have difficulties in resisting the rush of public funds (...) That can only emphasize their increasingly narrower relationships to State organisms.”. É precisamente por este tipo de informação que, provocatoriamente, no título do presente trabalho pusemos “Organizações-Não(?)-Governamentais”.

(3) Uma importante questão que me foi colocada aquando da minha apresentação oral do presente artigo - dada a desconfiança ou cepticismo manifestados por mim no que respeita ao modelo de apoio ao desenvolvimento dos países mais desfavorecidos baseado exclusivamente nas ONG’s - foi a de saber que modelo ou que medidas em alternativa se poderiam implementar para esse fim (dada a aparente falência do apoio dirigido a Estados com dirigentes corruptos). Embora não querendo parecer ingénuo, dado que tenho perfeita consciência das desigualdades efectivas nas relações de poder entre os diferentes países consoante o seu poder económico, político, militar e cultural, penso que uma das possíveis respostas passaria - caso houvesse condições políticas para tal , o que não é o caso actualmente nem num futuro próximo - por uma globalização mais equitativa, no sentido de uma maior abertura dos mercados dos países mais desenvolvidos em relação aos países subdesenvolvidos (e já não só a abertura dos mercados dos países mais subdesenvolvidos em relação aos países mais desenvolvidos, que, num contexto de “globalização predatória”, se têm tornado “presas fáceis” para estes últimos) - tentando, no entanto, contrabalançar esses processos de globalização através de uma regulação também ela global, por intermédio de instituições internacionais verdadeiramente democráticas e supra-estatais, tentando-se instituir a nível global determinados padrões de protecção social (a propósito desta última temática, consultar, por exemplo - caso haja interesse para tal - Ramesh Mishra, Para além dos Estados-Nação: a política social na era da globalização, Cadernos de Política Social, nº 1, 1999; ou Bob Deacon, Global Social Policy, Londres: Sage, 1997). Ou seja, segundo as informações que tenho vindo a obter, quer através de jornais ou da Internet, é que a tão apregoada liberalização dos mercados só funciona num sentido - os países subdesenvolvidos abrem os seus mercados aos produtos dos países mais desenvolvidos - principalmente aos da chamada Tríade (União Europeia, Estados Unidos e Japão) - mas raramente acontece o contrário. Quando tal acontece a “máscara liberalizadora” cái, dado que quando os países subdesenvolvidos querem introduzir os seus produtos na União Europeia, nos Estados Unidos ou no Japão, são alvo de medidas proteccionistas, sendo esses mesmos produtos fortemente taxados, impedindo, assim, a sua entrada e mantendo-se, desta forma, as regras do comércio desequilibradas em favor dos países mais desenvolvidos. Outra medida que se pode interpretar como sendo proteccionista é a dos subsídios dados pela União Europeia, pelos Estados Unidos e pelo Japão, aos seus produtos agrícolas e de pecuária. Por exemplo, na União

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Europeia, uma vaca recebe, em média, um subsídio de dois euros por dia - o que é tanto ou mais dinheiro do que cerca de 4 bilióes de pessoas, em todo o mundo, dispõem por dia! (segundo dados do PNUD de 2001, recolhidos por Boaventura de Sousa Santos; 2001:39, mais de 1,2 biliões de pessoas vivem na pobreza absoluta, ou seja, com um rendimento inferior a um dólar por dia, e outros 2,8 biliões vivem apenas, no máximo, com 2 dólares por dia). Um exemplo recente do proteccionismo que se esconde por trás da enganadora “igualdade de oportunidades” e “liberalização equitativa” de “todos” os mercados a uma escala mundial, aparentemente subjacente ao termo de «globalização» - mas agora entre países/regiões mais ricos - é a da recente «Guerra do aço», cujo aço proveniente da UE estava a ser alvo de medidas proteccionistas por parte dos EUA, através de uma forte taxação desse mesmo aço. Tudo isto para dizer que, dado que parece claro que a tão apregoada abertura das fronteiras só parece funcionar principalmente em relação aos países do Sul, muitos destes países já não querem pedir apenas mais ajuda aos países ricos (dados os efeitos perversos de reprodução das relações de dependência que essa ajuda implica, “dando-se apenas o peixe”), reivindicando, antes, a possibilidade de escoar os seus produtos, numa base mais equitativa, o que implicaria, portanto, a abolição da forte taxação de que são alvo por parte dos países da referida Tríade - UE, EUA e Japão, bem como a abolição dos subsídios à agricultura, por parte dos referidos países. E assim, dado que tal não acontece, nem parece vir a acontecer num futuro próximo, no presente contexto, como refere Ilona Kovács em As metamorfoses do emprego (2002:23-4; itálico nosso): “A globalização, na lógica da competição excessiva, está longe de significar um processo de homogeneização, um avanço em direcção a uma maior coesão económica e social e a uma maior união política a nível planetário; pelo contrário, a globalização implica consequências muito diferenciadas aumentando as desigualdades entre blocos económicos, regiões e países. A repartição geográfica dos fluxos internacionais de capital indica um profundo desiquilíbrio entre os países ricos e os países pobres: mais de 80% destes fluxos provém das três regiões mais ricas do Norte (Tríade): EUA, Japão e Europa Ocidental, dirigem-se (investimentos directos, investimentos de carteira e transacções financeiras) para/entre os países da Tríade. As alianças tecnológicas estratégicas entre empresas transnacionais também são estabelecidas entre as empresas da Tríade. Assim, há um fosso que separa os países mais desenvolvidos dos países pobres. Neste sentido, a globalização actual, segundo o Grupo de Lisboa, é truncada e a triadização constitui uma definição mais adequada. Triadização significa a crescente integração tecnológica, económica e sociocultural, entre as três regiões mais desenvolvidas do mundo. Por sua vez, os países pobres tendem a perder as suas conexões com os países mais desenvolvidos, ficam desarticulados e abandonados na sua exclusão e a necessidade de manter ou restabelecer ligações entre os excluídos e os integrados vê a sua importância diminuir”. No seguimento das ideias apresentadas no início desta nota, no que respeita às possíveis formas de regulação da globalização económica e aos possíveis modelos ou medidas a implementar para tornar a globalização económica e financeira menos desigualitária e de forma a torná-la mais equitativa e justa, há propostas bastante interessantes (e já bastante avançadas em relação à ideia original) quanto às formas de implementação prática da chamada Taxa Tobin num sistema de governação global (a este propósito, consultar, caso haja interesse para tal, Heikki Patomaki, The Tobin Tax: a new phase in the politics of globalization?, Revista Theory, Culture and Society, (2000), Vol. 17 (4): 77-91. Este tipo de procura de soluções globais para problemas globais é de louvar, em nosso entender, dado que, actualmente, “um dos principais problemas reside no hiato entre o poderoso processo de globalização económica ao nível financeiro e empresarial, a natureza explosiva dos problemas sociais, económicos, ambientais e políticos em todos os países e regiões do mundo devido, sobretudo, à ausência de formas de governação política, a nível global, socialmente responsáveis e democráticas. A competição é incapaz de reconciliar justiça social, eficiência económica, preservação ambiental, democracia política e diversidade cultural, no mundo em que vivemos. A resolução dos graves problemas sociais requer não o aumento da competição como propõe a perspectiva liberal, mas um novo tipo de regulação económica e social não limitada ao âmbito nacional, mas de âmbito global (governação global). E é neste sentido que o Grupo de Lisboa propõe contratos sociais globais a fim de articular uma economia global eficiente, uma justiça social universal, liberdade e diversidade cultural e democracia política

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efectiva” (Kóvacs, 2002: 25; itálico nosso) (para estas temáticas, consultar, caso haja interesse para tal, os já referidos, no início desta nota, Ramesh Mishra e Bob Deacon). (4) Um bom exemplo dos efeitos perversos da intervenção de muitas ONG’s, nos países subdesenvolvidos, e, ao mesmo tempo, um bom exemplo da sua instrumentalização e de como estas funcionam, muito frequentemente, à margem das relações políticas normalizadas, em termos de relações internacionais - neste caso, funcionando mais propriamente como “pontas-de-lança” dos interesses dos países mais ricos - é-nos dado por Miguel Cristobal (1998:5), em “Talking about NGO’s”: Generally, there is an emergency “food assistance” (aimed at answering for a few weeks to a situation of famine), and then the “non urgent” food assistance, that creates the conditions of famine. Thus, a study published by the Spanish Secretariat of Relationships with the European Union, “Community co-operation and development policy”, observes: “Food assistance products had and have for origin donor countries and they are linked to the existence of food surpluses; they produce changes in the food habits with, in a lot of cases, very negative effects”. But these negative effects are first and foremost the fact that this food assistance comes to compete with the local production (the time necessary for the last to fall in bankruptcy and disappear). “Humanitarian assistance” is therefore a market supported by the planned destruction of local production, first factor of the appearance of famine situations. One no longer counts the agricultural regions of the world which have been devastated by the food assistance distributed by the NGO’s. A single example: The valley of Artibonite in Haiti, which produced rice in largely sufficient quantities for national needs (rice being the basic food). Haiti was the object, all along the eighties, of the solicitude of NGO’s distributing free foreign rice. Haitian rice producing farmers are today bankrupt, their infrastructures ruined. The result: Haiti has now become a rice importing country. But this rice is no longer for free: it has to be paid for. Aproximadamente no mesmo sentido, Anna Malavisi (2001:54) afirma: “Projects continue to offer food aid in exchange for community participation, though research explicitly shows that this type of development does not work - it encourages dependency without tackling the root causes of poverty. Why then do we continue to see this type of aid? According to Fowler (1997), «30 years of providing aid involving hundreds of billions of dollars, millions of staff and countless projects together with major shifts in prioritizing strategies and approaches have not made a substantial impact on the scale of poverty in the countries in the South». In an article on North-South relations, Barghouti (1997) asked wether aid really «helps» Southern countries or wether it primarily benefits the economies of those in the North?”. BIBLIOGRAFIA: - CENTRE TRICONTINENTAL: Le point de vue du Sud (1998), Les ONG: instruments du néo-libéralisme ou alternatives populaires?, L’Harmattan - EDWARDS, M.; Hulme, D. (1992) Making a difference: NGO’s and development in a changing world, London: Save the Children Fund - FISHER, William (1997), Doing good? The politics and anti-politics of NGO practices, Annual Review of Anthropology, (26): 439-64 - HESPANHA, Pedro, Mal-estar e risco social num mundo globalizado: novos problemas e desafios para a teoria social, in SANTOS, Boaventura de Sousa (org.) (2001), Globalização: fatalidade ou utopia?: Porto: Afrontamento

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- MISHRA; Ramesh, The welfare of nations, in BOYER, R.; DRACHE, D. (1996), States against markets: The limits of globalization, New York: Routledge - (1996), Para além dos Estados-Nação: a política social na era da globalização, Cadernos de Política Social, nº 1, - PIETERSE, Jan Nederveen (2001), Development theory: deconstructions, reconstructions, London: Sage Publications - PUREZA, José Manuel, Para um internacionalismo pós-vestefaliano, in SANTOS, Idem SANTOS, Boaventura de Sousa (org.), (2001), Os processos da globalização, in SANTOS, Ibidem ARTIGOS CITADOS DA INTERNET*: - ANHEIER, H.; THEMUDO; N. , Organisational forms of global civil society: inplications of going global - CRISTOBAL, Miguel (1998),Talking about NGO’s - EDWARDS, M.; HULME, D. (1996), Too close for comfort? - EDWARDS, M. (1998), Are NGO’s overrated? Why and how to say «no» - GIDLEY, R. (2003), Donor input into aid operations growing - MALAVISI, Anna (2001), North- South relationship: partners or pawns? - SASSEN, Saskia, A new geography of power? * Pedimos desculpa pelo facto de não termos os endereços electrónicos dos artigos citados, mas tal deveu-se ao facto de termos convertido os mesmos para o formato “word” (ao mesmo tempo que se reduziu a letra), perdendo-se, assim, esses mesmos endereços. Mas, caso haja interesse para tal, apenas pelos títulos dos artigos facilmente se pode aceder aos mesmos.

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