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ONGs, políticos e partidos: padrões de interação NGOs, politicians and political parties: patterns of interaction Felix G. Lopez ([email protected]) Luciana de Souza Leão ([email protected]) Mario L. Grangeia ([email protected]) Introdução Nas últimas três décadas, os modos de articulação entre Estado, mercado e sociedade passaram por grandes alterações, resultantes da conjugação de mudanças na ordem econômica, nos sistemas políticos e em valores culturais em diferentes partes do mundo, entre as quais a América Latina. No Brasil, a sociedade civil se tornou mais atuante, mais articulada e com maior presença nas demandas por direitos e serviços, na defesa de interesses e no controle das ações do Estado e do mercado (Reis, 2005, 2004; Avritzer, 2002, 2007; Fung, 2003). Em especial, a partir dos anos 1990, houve um crescimento vertiginoso no número de organizações civis atuando no país – estima-se que atualmente esse total seja superior a 14 mil organizações. 1 As ONGs, 2 que são um tipo de organização civil, para além da defesa de direitos e monitoramento das ações do Estado, tornaram-se atores relevantes na formulação, na distribuição e na execução de serviços e políticas sociais. Isso resultou em um movimento de aproximação com instituições do Estado que implicou a delegação de atividades e ações outrora por ele monopolizadas e a transferência de um volume crescente de recursos públicos para as ONGs executarem projetos e levarem adiante as parcerias e convênios firmados com agências e órgãos estatais. O estreitamento das relações entre ONGs e Estado significou uma mudança importante na posição política e normativa das primeiras, que até os anos 90, de modo preponderante, procuravam manter distanciamento e atuar ‘de costas para o Estado’ (Kumar, 1991; Landim, 1993, 1 Tal estimativa baseia-se em dados da Fasfil (Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos), pesquisa feita em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife). A Fasfil (Brasil, 2008) aponta a existência de 330 mil associações sem fins lucrativos no Brasil e identifica 14 mil organizações civis voltadas para o desenvolvimento e defesa de direitos, para a promoção do meio ambiente e o desenvolvimento rural. Há quatro anos, essas entidades empregavam 45.500 pessoas. No Estado do Rio de Janeiro, havia 757 organizações desse tipo que empregavam 4.400 pessoas. 2 Definir uma organização governamental não é tarefa muito simples. Existem na literatura diversas formas de conceituar uma organização deste tipo. A própria legislação não reconhece juridicamente uma ONG. Desse modo, qualquer definição deve ser entendida como uma escolha conceitual que incorpora algumas dimensões da ação daquelas organizações e desconsidera outras. Como Tevdt (1998) mostrou, é possível apresentar definições para ONG que ressaltam seu caráter jurídico-formal, sua dimensão econômico-financeira, seu papel funcional ou sua organização estrutural e operacional (1998, cap. 1). . Para nossos fins, e a exemplo de Koslinski (2007, p.141), definimos nossa amostra a partir de ONGs com as seguintes características “autogovernadas e independentes do governo, sem fins lucrativos, dedicadas a atividades ligadas a questões sociais tais como saúde, educação, gênero, direitos de minorias, direitos de crianças e adolescentes, direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável (excluindo aquelas de cunho somente recreativo, esportivo, cultural ou religioso que são tradicionalmente tratadas como associações cívicas ou como organizações voluntárias, mas que diferem em seu discurso e missões das ONGs) e que adotam a fórmula de projetos (que não oferecem ou não se restringem a oferecer serviços contínuos, mas desenvolvem atividades em forma de projetos de curto e médio prazo).” 1

ONGs, políticos e partidos: padrões de interação NGOs ...paperroom.ipsa.org/papers/paper_3148.pdf · formas de interação das ONGs com políticos e partidos, em que momentos

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ONGs, políticos e partidos: padrões de interaçãoNGOs, politicians and political parties: patterns of interaction

Felix G. Lopez ([email protected])Luciana de Souza Leão ([email protected])Mario L. Grangeia ([email protected])

Introdução

Nas últimas três décadas, os modos de articulação entre Estado, mercado e sociedade passaram por grandes alterações, resultantes da conjugação de mudanças na ordem econômica, nos sistemas políticos e em valores culturais em diferentes partes do mundo, entre as quais a América Latina. No Brasil, a sociedade civil se tornou mais atuante, mais articulada e com maior presença nas demandas por direitos e serviços, na defesa de interesses e no controle das ações do Estado e do mercado (Reis, 2005, 2004; Avritzer, 2002, 2007; Fung, 2003). Em especial, a partir dos anos 1990, houve um crescimento vertiginoso no número de organizações civis atuando no país – estima-se que atualmente esse total seja superior a 14 mil organizações.1

As ONGs,2 que são um tipo de organização civil, para além da defesa de direitos e monitoramento das ações do Estado, tornaram-se atores relevantes na formulação, na distribuição e na execução de serviços e políticas sociais. Isso resultou em um movimento de aproximação com instituições do Estado que implicou a delegação de atividades e ações outrora por ele monopolizadas e a transferência de um volume crescente de recursos públicos para as ONGs executarem projetos e levarem adiante as parcerias e convênios firmados com agências e órgãos estatais. O estreitamento das relações entre ONGs e Estado significou uma mudança importante na posição política e normativa das primeiras, que até os anos 90, de modo preponderante, procuravam manter distanciamento e atuar ‘de costas para o Estado’ (Kumar, 1991; Landim, 1993,

1 Tal estimativa baseia-se em dados da Fasfil (Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos), pesquisa feita em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife). A Fasfil (Brasil, 2008) aponta a existência de 330 mil associações sem fins lucrativos no Brasil e identifica 14 mil organizações civis voltadas para o desenvolvimento e defesa de direitos, para a promoção do meio ambiente e o desenvolvimento rural. Há quatro anos, essas entidades empregavam 45.500 pessoas. No Estado do Rio de Janeiro, havia 757 organizações desse tipo que empregavam 4.400 pessoas.

2 Definir uma organização governamental não é tarefa muito simples. Existem na literatura diversas formas de conceituar uma organização deste tipo. A própria legislação não reconhece juridicamente uma ONG. Desse modo, qualquer definição deve ser entendida como uma escolha conceitual que incorpora algumas dimensões da ação daquelas organizações e desconsidera outras. Como Tevdt (1998) mostrou, é possível apresentar definições para ONG que ressaltam seu caráter jurídico-formal, sua dimensão econômico-financeira, seu papel funcional ou sua organização estrutural e operacional (1998, cap. 1). . Para nossos fins, e a exemplo de Koslinski (2007, p.141), definimos nossa amostra a partir de ONGs com as seguintes características “autogovernadas e independentes do governo, sem fins lucrativos, dedicadas a atividades ligadas a questões sociais tais como saúde, educação, gênero, direitos de minorias, direitos de crianças e adolescentes, direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável (excluindo aquelas de cunho somente recreativo, esportivo, cultural ou religioso que são tradicionalmente tratadas como associações cívicas ou como organizações voluntárias, mas que diferem em seu discurso e missões das ONGs) e que adotam a fórmula de projetos (que não oferecem ou não se restringem a oferecer serviços contínuos, mas desenvolvem atividades em forma de projetos de curto e médio prazo).”

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2002; Medeiros, 2008). Como reflexo dessa articulação, os repasses do governo federal para ONGs somaram US$ 7 bilhões entre 2001 e 2006.3

A aproximação entre ONGs e Estado coloca desafios teóricos e empíricos, parte dos quais a literatura específica já discutiu (Sanyal, 1997; Brown et al., 2008; Fisher, 1997; Haque, 2002). Uma das questões diz respeito ao papel que a esfera política em sentido estrito, i.e., políticos e partidos, desempenha na articulação entre ONGs e Estado. O papel de relevo desempenhado por políticos não deve ser desprezado. Nossa tradição histórica é marcada por padrões de interação entre sociedade civil e Estado com forte incidência de mediações de políticos junto às instâncias de definição, execução e distribuição de bens e serviços feitas por agências governamentais. A tradição histórica consolidou também um tipo de representação social – entre outras, que competem entre si ou coexistem – sobre a natureza da atividade política e o papel normativo dos políticos. Essas representações atribuem ao político o papel de distribuir recursos e benesses, e se empenhar em obter recursos e obras para suas “bases eleitorais” junto às instâncias de governo e em atender os “interesses da comunidade” (Kuschnir, 2000; Bezerra, 1999; Goldman & Palmeira, 1996). Essa última noção atesta a forte associação que parte do eleitorado estabelece entre representação política e base territorial e, no limite, uma defesa não-oficial da política distrital. De forma geral, o forte papel de mediação que os políticos desempenharam na distribuição de bens e serviços provenientes de órgãos do Estado retrata o que a literatura denominou padrões de relação clientelista (Silverman, 1977; Scott, 1977; Graziano, 1977; Schmidt, 1977; Weingrod, 1966).

Com este pano de fundo, nosso objeto de estudo são as relações entre a esfera política e as ONGs no Brasil. De modo específico, procuramos analisar as principais formas de interação das ONGs com políticos e partidos, em que momentos ocorrem, quais seus incentivos e motivações. Também analisamos os valores e percepções dos dirigentes daquelas organizações quanto às formas de mediação política e uso eleitoral potencialmente existente em suas atividades. Interessa-nos observar se e quando relações clientelistas se reproduzem na interação entre os atores governamentais e não-governamentais; se adquiriram novas roupagens com a entrada em cena das ONGs e do novo discurso em favor de formas autônomas e pró-ativas da atuação da sociedade civil. Ou se, ao contrário, e em consonância com as expectativas normativas da literatura sobre o tema, as ONGs representam, de fato, uma ruptura em relação às formas tradicionais e clientelistas na articulação entre instâncias da sociedade civil e a esfera política, fomentando novos padrões de articulação entre Estado e sociedade no Brasil.

Ressalte-se que nossa pesquisa – ainda em curso – não se preocupa em observar a abrangência, eficácia ou eficiência das ONGs na condução de políticas públicas, que é a preocupação de outros estudos (Brinkerhoff, 1999; Haque, 2002). O nosso objetivo é lançar luz sobre as formas em que a mediação política pode afetar, ou não, a relação entre Estado e ONGs no Brasil. Ou seja, preocupa-se tão somente em responder as questões acima mencionadas, a partir da análise do discurso dos próprios administradores das ONGs.4

3 Segundo levantamento da ONG Contas Abertas a partir do Sistema Integrado de Administração Financeira da União (Teles, 2006). O repasse foi de R$ 14 bilhoes de reais que equivaliam a US$ 7 bilhões de dólares em Junho de 2009.

4 Focalizado em representações sociais, este estudo ainda não incorpora variáveis que permitem maior controle do que possam ser argumentos socialmente aceitáveis apresentados pelos entrevistados e

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Nossa análise se apoia nas informações reunidas a partir da aplicação de um questionário aberto aos dirigentes de 28 ONGs que atuam nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e atendimento a minorias (ver Apêndice). Tal amostra foi selecionada, em um primeiro momento, entre as ONGs que nos últimos anos tenham recebido recursos públicos (federais, estaduais e municipais). Posteriormente, incluiremos organizações que atuam naquelas áreas mesmo que exclusivamente com recursos privados. Entramos em contato com administradores e gerentes de projetos de ONGs para a aplicação de questionários. Entre as questões apresentadas, incluem-se algumas relativas a percepções sobre a relação entre ONGs e políticos, aos tipos de atividade de natureza política, à influência do período eleitoral nas ONGs e ao impacto da competição por recursos nos padrões de interação com a esfera política.

O recurso às entrevistas apresenta vantagens e desvantagens. Se por um lado, a análise do discurso e as respostas abertas são um instrumento que permite o acesso de modo mais refinado às representações sociais que informam as ações e decisões dos indivíduos, também é verdade que a manipulação discursiva pode ser uma estratégia que tornam aquelas representações menos fidedignas das práticas efetivas da ação cotidiana, mas que não se revelam nas respostas, pois estas retratariam o discurso socialmente aceitável (Bailey, 1994). Nesse sentido, a conjugação de um tema que atravessa um terreno marcado por desconfianças mútuas e altos níveis de corrupção, como é a esfera política brasileira, e a recente emergência de escândalos midiáticos sobre transferências ilegais e corrupção nas parcerias entre ONGs e Estado no Brasil, constituem um forte incentivo – talvez não desprezível – para que o discurso dos entrevistados seja o mais “controlado” possível.5

O texto a seguir está divido em quatro seções. A primeira apresenta de modo sumário as vantagens e virtudes da condução de políticas públicas e sociais por meio de ONGs vis-à-vis o Estado. Nela também se apresentam o que a literatura supõe serem os riscos e desvantagens possíveis da aproximação entre ONGs e Estado. A discussão é relevante, uma vez que estamos lidando com as percepções das ONGs sobre as possíveis mediações realizadas pelos agentes da esfera política na relação entre entes governamentais e não-governamentais.

Na segunda parte, delineiam-se algumas questões relativas ao passado recente e ao presente das relações entre Estado e ONGs no Brasil. Discutimos aspectos importantes da tradição histórica e sumarizamos aspectos-chave dos contextos político (redemocratização), econômico (crise fiscal do Estado/neoliberalismo) e social (altos níveis de desigualdade, expansão de demandas mediante a incorporação de

que podem guardar distância da prática e das escolhas cotidianas das ONGs. Entretanto, tais problemas não são obstáculos que invalidem in limine uma análise sobre características comuns ou padrões de interação entre ONGs e a esfera política. Ao contrário, observar esta dimensão da ação das ONGs é importante para aprofundar a compreensão dos modos de articulação entre estas organizações da sociedade civil e o Estado, em um quadro histórico no qual a proximidade entre eles é crescente, seja em termos de colaboração e parcerias per se, seja somente na transferência de recursos.

5 Destacamos aqui que o Congresso Nacional brasileiro já realiza o terceiro grande processo de investigação, por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, sobre as parcerias e transferências de recursos do Estado para ONGs. A questão, portanto, não é de menor relevo. O próprio documento recém divulgado pela Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais (Abong) destaca como uma de suas propostas de normatização das relações entre Estado e ONGs que se “proíba a utilização de entidades por governantes com a finalidade de contornar dispositivos legais e como forma de terceirizar políticas públicas ou de repassar irregularmente recursos, com finalidades eleitoreiras ou de outras formas ilícitas.” (Abong, 2008)

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excluídos e a emergência de novas questões no debate público, como a desigualdade por raça e gênero) que permitem apresentar o ambiente em que se gestou o crescimento recente das ONGs no Brasil. Nesta seção apresentamos também, mesmo que de modo embrionário, considerações sobre a legislação atual que rege as formas de interação entre Estado e terceiro setor no Brasil. O interesse é verificar se existem incentivos institucionais que expliquem, em parte, as posições observadas em nossa amostra sobre as interações entre ONGs e esfera política.

A terceira parte é dedicada a apresentar os resultados – ainda parciais –extraídos da análise das 28 entrevistas realizadas.6

A última seção resume o argumento e destaca questões importantes para investigações futuras, que permitam ampliar o escopo da análise aqui apresentada e maior diálogo teórico, a partir da ampliação do volume de pesquisas empíricas, já que ainda é escassa a literatura que trate de relação de ONGs com a esfera política, no Brasil e em outros contextos nacionais.

ONGs vs. Estado e ONGs com o Estado

A relação entre ONGs e a esfera política é um tema delicado, pois aquelas organizações continuam a extrair parte de sua legitimidade institucional do distanciamento mantido da esfera política e das imagens negativas a ela vinculada, em especial, a atribuição de forte vínculo com práticas corruptas. Em consonância com esta representação, parte considerável da literatura que se dedica a estudar as organizações civis tende a retratá-las, do ponto de vista normativo, como portadoras ou difusoras de virtudes cívicas (Putnam, 2000, 1993; Avritzer, 2002). No entanto, ainda que as ONGs procurem guardar distância do jogo político partidário, questões como os custos de sobrevivência, a obtenção de licenças públicas de atuação, as parcerias com agências estatais e até a conquista de suas metas sociais aproximam as ONGs do campo político e torna a relação com as instituições estatais inevitável. Sob essa ótica, portanto, o interesse da análise não deve se limitar a verificar se há articulação com o Estado, mas observar quando e como os padrões de relação estruturados ameaçam ou beneficiam o caráter autônomo de atuação das organizações civis. E, ainda, se a manutenção de relações com instituições do Estado implica – e em que medida – aproximação com a esfera política e suas consequências. Para tanto, é necessário apresentar parte dos argumentos da literatura quanto às formas de atuação de organizações governamentais e não governamentais e as consequências possíveis da aproximação entre elas.

De forma geral, considera-se que ONGs são portadoras de qualidades que, a princípio, estão ausentes das políticas sociais conduzidas pela burocracia pública. Três dessas virtudes são a) maior flexibilidade e capacidade de adaptação às demandas locais, bem como em estratégias para levar adiante seus serviços; b) maior capilaridade para chegar a regiões e a um público dificilmente abrangido pela ação estatal, como, no caso do Brasil, nas favelas; e c) maior comprometimento dos seus membros com as causas que mobilizam as ações das ONGs.7

6 Usamos o software ATLAS.ti para sistematizar as informações reunidas.7 Ainda, a literatura ressalta o papel positivo das ONGs na criação de laços horizontais, fomento ao

capital social e fortalecimento da democracia. Nesse sentido, mais ONGs representariam menor possibilidade de práticas políticas caracterizadas por patronagem, clientelismo e corrupção (Cf.

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A maior flexibilidade e capacidade de adaptar-se às especificidades do público ou da região de atuação é concebida em oposição ao rigor formal das regras e relativo engessamento dos procedimentos franqueados à burocracia pública. Tal engessamento é ainda maior em uma estrutura administrativa com forte propensão regulatória e pouco espaço para autonomia gerencial e decisória, como é o caso da administração pública brasileira. Em oposição a isso, as ONGs estariam, nessa perspectiva, livres de inúmeras “amarras burocráticas”, o que as liberaria para reformular procedimentos e redefinir estratégias para consecução de seus objetivos sempre que isso se mostrasse necessário, ou sempre que as condições e demandas do seu público-alvo alterassem suas características. Essa virtude poderia se perder por conta de maior estreitamento das relações entre ONGs e o financiamento público e estatal.

A maior capilaridade das ONGs retrata a capacidade destas em encontrar nichos de atuação com demandas de caráter social que não encontram assistência do estado, precisamente por suas menores amarras formais dadas pela legislação e atuação da burocracia pública. Um exemplo típico desta capilaridade é a provisão de bens e serviços em regiões pouco acessíveis pelo Estado. As favelas do Rio de Janeiro são um bom exemplo disso. Uma visita in loco naquelas áreas revela um contingente de pessoas que não encontram qualquer assistência das políticas formais do estado, ainda que se encaixem nos critérios de elegibilidade. Nesse sentido, são pessoas “invisíveis” às políticas do estado e, quiçá, aos registros dos órgãos oficiais.8

Por fim, a condução de políticas e serviços de cunho social por ONGs encontrariam nos próprios atores responsáveis pela ação um conjunto de motivações subjetivas que tornariam mais eficazes as ações que aquelas realizadas pela burocracia pública (Sanyal, 1997). Apesar de funcionários do Estado poderem agir comprometidos com a realização ótima de suas funções e serviços, o caráter muitas vezes voluntário da ação dos partícipes das ONGs seria uma vantagem comparativa que se traduziria em maior engajamento e maior “motivação pela causa”.

As três virtudes acima elencadas – que encontrariam senão seu oposto negativo no Estado, pela menor intensidade nas qualidades da atuação deste último – são, ressalte-se, supostos normativos encontrados na literatura; em outros termos, pouca evidência empírica de que essas são, de fato, dimensões relevantes da atuação das ONGs e se, de fato, há no seu universo esse virtuosismo maior do que aquele presente na esfera burocrática.9

A partir das considerações acima, pode-se considerar quais as implicações positivas e negativas da aproximação entre ONGs e o Estado. A questão é tanto mais relevante porque esta aproximação tem ocorrido de modo crescente no Brasil – e outros países – como também porque a relação entre ONGs e Estado tende a reproduzir tradições históricas nacionais, e nossa tradição, no que tange à relação entre Estado e sociedade, dá conta de uma forma de articulação que encontra no

Putnam, 2000; 1993).8 Os registros oficiais dão conta de um contingente de moradores estimado em 56.000 (IBGE, 2000), ao

passo que estimativas extra-oficiais chegam a 400 mil, como é o dado dos coordenadores da TV ROC, canal de TV da favela. O número é estimado a partir do número de assinantes do canal. Também Leeds (1996) estimava 200 mil moradores, quando as estatísticas oficias davam conta de pouco menos de 53.000.

9 Alguns estudos nessa direção têm sido realizados nos últimos anos, mas são ainda inconclusivos (Brown et al., 2008; entre outros).

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primeiro o polo dominante, i.e., que dá as cartas, define políticas, coopta os atores, cria padrões de dependência e fomenta relações verticalizadas de cunho clientelista.

Ainda que seja uma expectativa – mais normativa do que observada empiricamente – de que o desenvolvimento das ONGs represente uma alteração importante nos padrões de interação entre Estado e sociedade e, de modo específico, nos valores que orientam os diferentes atores estatais e não-estatais na condução de políticas públicas e/ou sociais, tais mudanças não se operam de modo rápido. Antes pelo contrário, as tradições patrimonialistas e clientelistas tendem a se dissolver do cenário estatal de modo gradual. Nesse sentido, é que avaliar as implicações positivas e negativas da relação entre ONGs e Estado é pertinente para avaliar de modo mais consistente as consequências desta aproximação para o futuro da política social, onde a parceria entre os dois atores é crescente.

Sanyal (1997) descreve quatro formas pelas quais a interação com o Estado pode prejudicar a autonomia e a legitimidade das ONGs. Primeiro, o autor destaca a ameaça de cooptação dos membros das organizações civis por parte de políticos, partidos políticos ou do Estado que visam direcionar a atuação das ONGs de forma a beneficiar seus próprios interesses.10 De acordo com o autor, uma vez que as ONGs conquistaram autonomia na proposição e condução de políticas no campo social, a aproximação com o Estado implicaria risco de perda de autonomia na formulação de novas políticas. O risco existe porque, como receptoras de recursos públicos, as ONGs deveriam se submeter a critérios formais mais burocratizados, que tanto inibiriam a condução de algumas ações que são incompatíveis quanto – e isto é o mais importante – aquelas organizações passariam a definir seus projetos não mais por demandas sociais que provêm da base dos potenciais beneficiários, mas que derivam da disponibilidade de recursos existentes.

Este último é um risco que não é desprezível, uma vez que, como demonstraram Bezerra (1999) e Goldman & Palmeira (1996) , é bastante comum que a disponibilização de recursos públicos ‘criem’ demandas por serviços.11 Assim, por exemplo, da mesma forma que prefeituras podem formular projetos para captar recursos federais, que expressem a disponibilidade prévia dos recursos em alguns ministérios, as ONGs podem orientar sua atuação para maximizar sua capacidade de obtenção de recursos não mais criando projetos de modo autônomo e a partir das bases locais, mas a partir da oferta prévia de ‘linhas de financiamento’ para áreas específicas de atuação ou provimento de serviços.

Esse processo, é claro, não dá conta da complexidade e diversidade das formas de articulação entre atores estatais e não-estatais, mas ressalta que a crescente dependência de recursos estatais por parte das ONGs pode ter efeito negativo na autonomia decisória e na escolha de ações e projetos que atendam de modo mais satisfatório as demandas de base.12

Em segundo lugar, ainda de acordo com Sanyal (1997), como as ONGs se caracterizam por maior flexibilidade e capacidade adaptativa do que as agências estatais, as exigências burocráticas requeridas nas relações com o Estado podem

10 Essa hipótese também é levantada por Brown, Brown, and Desposato (2008): “when funds are channeled through local governments, they may be captured by politicians and used to reinforce clientelistic networks”.

11 Argumento similar, se bem que não para o contexto brasileiro, aparece em Luksetich (2008).12 Nos termos de Sanyal “the autonomy of the NGOs from both the state and market institutions would

encourage self-sufficiency, self-reliance, and social innovation on their part, thereby enhancing the chances of self-reproduction of this grass roots-based institutional forms.”

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engessar e dificultar a ação das organizações civis. A questão é uma preocupação da mais importante representante das organizações do terceiro setor no Brasil, que aponta o risco de “burocratização excessiva [das] organizações” (Abong, 2008, item g), mas também, que evite “criar sistemas, cadastros ou qualquer tipo de obrigatoriedade possível de excluir do acesso à recursos públicos de organizações de pequeno porte ou isoladas geograficamente.” A passagem abaixo retrata o dilema entre a necessidade de controlar o uso dos recursos públicos e suas consequências negativas para a autonomia gerencial das ONGs:

“[...] Acho que tem que ter um equilíbrio. A gente sabe que é assim, têm burocracias e burocracias... O governo tem que ter maneiras de garantir que os fundos estão sendo bem investidos, que estão tendo um bom retorno no investimento, um serviço de burocracia para garantir transparência, para garantir um bom investimento. Assim, tem coisas que o governo tem que fazer e ao mesmo tempo acho que também as ONGs têm que parar com esta cultura de ser ONG, só porque você é uma ONG não deve administrar seu dinheiro bem, não deve administrar suas coisas bem. Eu acho que tem um exagero dos dois lados, às vezes o governo é burocrático demais e às vezes as ONGs faltam demais em relação à sistematização, administração de recursos humanos, financeiros, tem que haver dos dois lados um equilíbrio. O governo tem que ter assim procedimentos para garantir o bom uso do dinheiro e também o bom assim que as ONGs têm capacidade de usar aquele recurso da melhor maneira.” (entrevistada A, ONG 1)

Terceiro, é possível que as ONGs se envolvam, ou que sejam envolvidas, em práticas de corrupção, que muitas vezes são práticas já legitimadas dentro do aparato estatal. A aproximação entre Estados e ONGs cria, de fato, um risco potencial de atrair as últimas para práticas corruptas presentes em círculos burocráticos e partidários. Esta é uma questão de alta relevância em sistemas políticos com altos níveis de corrupção, como é caso do Brasil. Apesar de fazermos aqui considerações mais alongadas sobre o sistema político brasileiro, importa ressaltar que a política do cotidiano, nos três níveis de governo, só ganha devida inteligibilidade se considerarmos a importância das complexas redes pessoais e de dependência política que articulam a burocracia pública, os parlamentares de diferentes partidos e os grupos organizados na sociedade. Essas redes pessoais e políticas são consideradas por diferentes organizações um aspecto decisivo para levar adiante seus interesses junto ao governo. Em princípio, não há porque desconsiderar que ONGs estariam imunes à atração para essas redes. A rigor, essa dimensão e esse risco foram destacados de modo contínuo nas entrevistas cujas análises apresentamos adiante.

Por fim, a assistência estatal contínua poderia incentivar a dependência política e financeira e a perda das características empreendedoras e inovadoras das ONGs.

Por outro lado, ainda com Sanyal, ressaltamos que pode ser positivo para as ONGs abandonarem seu ‘fetiche autonomista’ – de resto, há muito abandonado no Brasil – de que a parceria com o Estado é sempre potencialmente deletéria. Sobretudo porque esta seria uma forma de as ONGs potencializarem o escopo e o impacto de suas ações, por meio da ampliação de recursos investidos por parte de instituições do Estado. Ademais, a burocracia pública poderia prover apoio logístico e infra-estrutura material que seriam indispensáveis na condução de projetos e, mesmo, para minar possíveis capturas das ONGs por interesses políticos ou de parlamentares.13

13 Nos termos de Sanyal, “the lack of political impact f bottom-up projects was, in part, due to the lack of institutional linkages between the NGOs and political parties. […], this lack of linkage was not an oversight on the NGO’s part; they consciously avoided such linkages on the grounds that they would

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Após indicarmos algumas das principais questões relativas à interação entre ONGs e Estado, na próxima seção exploramos algumas particularidades dessa relação no contexto brasileiro, de modo a tornar nossos resultados mais compreensíveis.

Estado e ONGs no Brasil

A relevância em compreender as formas de interação entre as ONGs e a esfera política no Brasil contemporâneo é mais bem percebida se examinamos, mesmo de modo bastante sucinto, padrões históricos do relacionamento entre Estado e sociedade no país, bem como aspectos mais recentes da realidade política e econômica nacional. A partir de uma análise desse panorama, contextualizamos as razões para a expansão das ONGs no Brasil e focalizamos com maior precisão um conjunto de questões sobre nosso objeto deste estudo.

O processo de formação do Estado no Brasil apresentou fortes traços patrimonialistas na organização de seu sistema político e de seu quadro administrativo. Ainda que, desde o período Imperial (1822-1889), e com o desenvolvimento da ordem capitalista, avanços em favor da burocratização ocorressem, a administração pública e o sistema político se estabeleceram, e ainda hoje preservam uma combinação peculiar entre racionalidade burocrática e personalismo/privatismo patrimonial. Essa combinação é retratada na literatura pelo conceito de Estado burocrático-patrimonial (Uricoechea, 1978; Schwartzman, 1988), a partir da clássica tipologia weberiana. Em particular, o quadro administrativo não goza, em setores importantes, da independência formal da esfera política, o que o mantém em um nível de subordinação aos interesses daquela esfera que inibem o desenvolvimento da racionalidade técnica plena. É sintomático dessa subordinação o expressivo número de “funcionários políticos” (Weber, 2002) que ocupam posições de poder na administração pública. Ressalte-se que a relação desses funcionários políticos com políticos e parlamentares é que torna as rotinas burocráticas associadas às influências pessoais e políticas.

Ao mesmo tempo a formação do Estado sedimentou uma forma de interação entre sociedade civil e a esfera política e burocrática sem canais amplos de participação da primeira em processos decisórios e participativos. Enquanto o Estado ampliava seu escopo de atuação, a sociedade civil manteve-se fraca e pouco articulada. A assimetria entre Estado e sociedade civil fomentou duas típicas na interação entre essas esferas: a cooptação política e o clientelismo.

O conceito de cooptação política expressa, nesse caso, a atração de setores da sociedade civil de modo a subordiná-los e suprimir sua voz pela captura política de seus representantes politicamente mais ativos, via incorporação ao aparato estatal. Para Schwartzman (1988), o processo que resultou no apartamento entre o Estado brasileiro da sociedade é fruto do timing de formação da burocracia, i.e., a consolidação de uma estrutura estatal centralizada anterior ao surgimento de grupos de interesse autônomos e articulados ou do sistema partidário.

A cooptação política tende a predominar em contextos em que estruturas governamentais fortes e bem estabelecidas antecedem historicamente os esforços

reduce their autonomy and, hence, their effectiveness. As a result, the NGOs functioned without any political backing, and, ironically, this might have made them even more vulnerable to pressure from the local elite and strongmen.” (1997: 30)

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de mobilização política de grupos sociais. Quando isso ocorre, posições governamentais são buscadas não tanto como recursos para a implementação de interesses de tipo econômico, mas como forma de mobilidade social e ocupacional per se. Isso significa que a administração pública é vista como um bem em si mesmo, e a organização governamental tem as características de um patrimônio a ser explorado, e não de uma estrutura funcional a ser acionada para a obtenção de fins heterônimos. Uma vez que posições se tornam mais importantes que funções, o setor público tende, naturalmente, a inchar. Esse tipo de administração patrimonial tende a ser incompatível com a participação política ativa e respostas governamentais eficientes a demandas da sociedade. (Schwartzman, 1988, p. 37-38)

Apesar de, nas últimas décadas, o conceito de clientelismo ter perdido parte de sua atração analítica, por conta mesmo do advento de uma sociedade civil mais autônoma e pró-ativa, relações do tipo clientelista continuam a ter dimensão vultosa no modus operandi de uma parte das instituições estatais – nos níveis federal, estadual e municipal – e não-estatais e, no campo eleitoral, ainda é uma forma relevante de relacionamento entre parlamentares e eleitores. De forma geral, o conceito evoca a troca de bens e serviços entre eleitores/cidadãos, instituições não-estatais e políticos, em condições onde há assimetria de poder entre as partes e/ou a desigualdade de acesso aos recursos, públicos ou não (Schmidt et al., 1977).14

Entretanto, a literatura mais recente retrata uma sociedade civil muito mobilizada no Brasil, com novas formas de participação, embora menos engajada por princípios político-ideológicos que no passado recente (Bethell, 2002). O mais expressivo indicador da mobilização e fortalecimento da sociedade civil foi o crescimento do número de organizações do terceiro setor no país, nos últimos 20 anos. De acordo com a Abong, o número passou de 2.600, em 1996, para 14.000 em 2005.

A rápida expansão das ONGs, conjugada à sua contínua aproximação do Estado e crescente dependência de recursos públicos, bem como o volume de atividades de natureza pública que realizam, suscita algumas reflexões à luz da mencionada oposição entre o modelo da representação de interesses e a forte presença de canais de mediação política na articulação das políticas formuladas no âmbito do governo. Em que medida as ONGs expressam mudança no modo de articular demandas da sociedade junto ao Estado e, de modo específico, na forma como essa articulação se processa na esfera política? Há espaço para clientelismo político? Há riscos de cooptação? Se sim, como as ONGs respondem a eles? Ao defenderem direitos, executarem serviços ou darem vazão a algumas demandas sociais, em que medida herdam valores e o modus operandi dos canais tradicionais de articulação com políticos e partidos? Fazem-no de uma forma que apresenta novidades em relação ao passado? Antes de abordar tais questões, tarefa realizada na próxima seção, apresentamos de modo sumário considerações sobre os contextos político, econômico e social do Brasil contemporâneo.

14 Diferentes perspectivas de análise, não necessariamente inconciliáveis, explicam o fenômeno do clientelismo. Em uma delas, clientelismo é a expressão de um tipo de interação fomentada pela privação de recursos materiais que, estimulada por trocas incentivadas pelo desenho das instituições formais, tornam o seu uso um desdobramento natural na política. Outra acepção do conceito o concebe como um traço da cultura, para além das privações materiais e dos incentivos de instituições formais, e se expressa em uma relação social que transcende a esfera política e objetiva-se nas relações estabelecidas nas mais diversas esferas da vida social, em diferentes instituições (cf. Weingrod, 1966).

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O principal marco da recente história política brasileira foi a redemocratização. A transição de governo militar a civil, em 1985, e a promulgação da Constituição de 1988 foram os momentos-chave desse processo. A nova Constituição ampliou direitos e descentralizou políticas públicas, transferindo-as da União para Estados e municípios, além de criar canais de participação da sociedade civil nos processos decisórios e na formulação de políticas. Entre esses, destaca-se a criação dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas (municipais, estaduais e federais) que, com representação paritária do Estado e da sociedade civil, definem políticas sociais em áreas como saúde, assistência social, infância e adolescência. Muitas dessas novas arenas condicionam ainda os repasses de recursos. Além disso, a Constituição abriu espaço para as ONGs atuarem na esfera estatal que vai desde a fiscalização de contas públicas até a denúncia de irregularidades nos procedimentos (Soczek, 2007). Houve também crescente adesão dos cidadãos aos processos decisórios sobre alocação de recursos públicos, conhecidos como orçamentos participativos,15 o que atesta o relevante papel da participação coletiva nas políticas governamentais (Avritzer, 2007).

Estimulados pelo ambiente da redemocratização política e da promulgação de novos direitos promovida pela Constituição de 1988, movimentos reivindicatórios por maior igualdade e/ou reconhecimento das novas identidades ganharam força no cenário social e político. Entre esses, podem ser mencionados o movimento negro, e sua luta por ampliar a inclusão social e econômica de negros e pardos, o movimento dos sem-terra e sua luta por acesso ao trabalho por meio da reforma agrária, os grupos de defesa dos direitos humanos, organizações que passaram a atuar contra as desigualdades de gênero, grupos representantes de homossexuais e sua luta por reconhecimento social e legal, entre outros. Essas novas demandas e mobilizações ganharam expressão, na maior parte das vezes, na constituição de organizações que passaram a atuar junto aos órgãos oficiais ou na mobilização social para defesa dos diferentes interesses que representavam.

A ampliação dos espaços para participação da sociedade civil nas políticas públicas foi acompanhada pela adesão governamental à agenda do ajuste neoliberal, na década de 1990, que, se por um lado sustentava redução da ação estatal em setores-chave da esfera produtiva, por outro, enfatizava a necessidade de menor regulação e controle estatal nas esfera econômica e social, como por exemplo, nas relações de trabalho, na organização sindical, na oferta de serviços, entre inúmeros outros.16 Esse movimento implicou, também, delegação de responsabilidades a grupos organizados da sociedade civil, o que foi interpretado por alguns analistas como um movimento de redução das responsabilidades estatais frente às políticas sociais. (cf. Dagnino, 2004: 96; Medeiros, 2008), mas que encontrou amparo no contexto de uma sociedade civil cada vez mais atuante.

Independente das divergências interpretativas, é inegável que as posições acima, contudo, ressaltam que a transferência de ações e serviços para organizações da sociedade civil representou uma nova orientação estatal no desenho de suas

15 Os orçamentos participativos, espaços públicos para o debate dos orçamentos municipais, derivam de escolhas políticas locais, e não de uma exigência legal, como ocorre com os Conselhos Gestores.

16 O neoliberalismo, conceito amplamente usado na literatura sobre as relações entre Estado e mercado, constitui igualmente expressão ideológica de quem sustenta maior autonomia decisória e propositiva de grupos organizados da sociedade civil e, junto a isso, seu potencial colaborativo na condução de políticas e serviços antes exclusivos do Estado. Portanto, cabe ir além da associação do neoliberalismo com a redução das responsabilidades estatais.

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políticas públicas e das diferentes articulações possíveis para levá-las adiante, não mais sob execução da burocracia pública, ainda que com recursos públicos.

Nesse sentido, as formas em que as ONGs podem atuar em conjunção com o Estado na implementação e formulação de políticas públicas são múltiplas e variam desde a prestação de serviços e coordenação de projetos, até a promoção de debates públicos e assessorias em assuntos de interesse público específicos (Brinkerhoff, 1999). No Brasil, além das possibilidades de colaboração em projetos de leis e participação em fóruns e conselhos municipais, estaduais e federais de políticas públicas, o Estado estipula três formas de repasse de verbas públicas para a provisão de políticas públicas pelas ONGs: a celebração de contratos, convênios e termos de parceria com a administração pública.

Os contratos são realizados por meio de licitações para entidades com ou sem fins lucrativos e têm como finalidade a prestação de serviços que não são necessariamente de utilidade pública, embora possam ser. Esse é o canal menos utilizado pelas ONGs, uma vez que foi criado com a intenção de desobstruir o Estado de atividades não consideradas centrais.

Os convênios e os termos de parcerias são os mecanismos mais utilizados pelas ONGs, pois foram criados para regular apenas as relações do Estado com organizações civis e de interesse público, portanto, pretendem atender às necessidades específicas destas organizações. Os convênios são os únicos canais que não dependem de licitação prévia, e cada órgão da administração federal (Ministério, Secretaria ou Fundo) possui certa discricionariedade, ou “liberdade”, para estabelecer as exigências específicas em relação à documentação e ao procedimento. Em relação aos convênios, portanto, a rede de contatos e influência pessoal nos ministérios e secretarias pode ser muito relevante. As exigências burocráticas dos convênios são grandes e há diversas restrições para utilização dos recursos públicos, além de serem exigidas 20 cláusulas fundamentais e 16 documentos autentificados em cartórios. Nesse caso, a ONG é vista como uma entidade que administra o dinheiro público e, como tal, está obrigada a prestar contas não só ao órgão que repassa os recursos como ao Tribunal de Contas, que é uma importante instância de fiscalização da aplicação de recursos públicos.

Os termos de parceria, por sua vez, permitem apenas que ONGs qualificadas como OSCIPs17 executem atividades de interesse público. Nesse caso, o Estado é obrigado a lançar um edital de concurso de projetos de ONGs e escolhe aquela que apresentar o menor custo para a prestação dos serviços demandados.18 A fiscalização

17 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP): título outorgado pelo governo federal se cumpridos certos requisitos. A lei 9.790/99 caracteriza as OSCIPS como entidades privadas sem fins lucrativos e com objetivos sociais, como a promoção gratuita da saúde e da educação e a defesa, preservação e conservação do meio ambiente.

18 Uma das críticas de uma das instâncias de representação das ONGs (Abong) incide justamente sobre esta dimensão. A promulgação de um decreto que regula a concorrencia por projetos entre ONGs tem sido objeto de intensa crítica “A promulgação do Decreto 5504/2005 tem ocasionado profundos danos à continuidade de projetos em curso, bem como fere o direito democrático de acesso a recursos públicos para trabalhos de caráter pedagógico, realizado por organizações sem fins lucrativos. Dentre os problemas vivenciados, foram elencados pelas organizações em documento coletivo: a) As organizações sem fins lucrativos passam a disputar recursos públicos e operá-los na mesma lógica concorrencial de empresas. b) Há inconstitucionalidade no decreto, por modificar a Lei das Licitações ao introduzir um novo elemento, a modalidade do pregão. c) Ele passa a ser aplicado em convênios já contratados, alterando suas regras de funcionamento. d) A aplicação da modalidade de pregão para projetos com entidades sem fins lucrativos compromete a qualidade de seus programas e inviabiliza sua execução, uma vez que muitos projetos implementados por entidades

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dos gastos é menos burocrática do que no caso dos convênios, mas ainda assim requer a apresentação de dez diferentes documentos. Cabe destacar que o Estado brasileiro ainda exige uma série de certificados e documentações para que as ONGs possam atuar legalmente. A obtenção de muitos desses certificados é facilitada pela mediação política – como é o caso do título de Utilidade Pública Municipal, requerido para estabelecer parcerias com prefeituras, mas que apenas pode ser obtido via projetos de leis de vereadores –, ou pela rede de contatos nos ministérios que pode agilizar a obtenção das licenças de atuação.

A forma como está se construindo a interação entre ONGs e órgãos governamentais não nos permite observações conclusivas. Contudo, observa-se o empenho da parte do governo em aumentar os níveis de regulação e controle na distribuição de recursos e estabelecimento de parcerias. Um desdobramento dessa prática tem sido a elevação das críticas por parte das ONGs. O crescimento da regulação, aliada à maior competição por recursos pode dar margem para que novas estratégias de parceria com o estado sejam acionadas pelas organizações, entre as quais, o recurso às redes de influência política ou a busca de maior profissionalização

Na próxima seção, passamos a avaliar as percepções dos administradores de ONGs sobre as formas de interação com a esfera política. Algumas questões aqui mencionadas emergem no discurso. A análise agora volta-se para as posições dos próprios atores.

Percepções sobre a relação entre ONGs e a esfera política

Delineamos nesta seção resultados observados sobre as percepções dos administradores quanto à relação entre suas ONGs e a esfera política, a partir das entrevistas realizadas. Ainda preliminares, as informações desta seção não permitem afirmar categoricamente a existência de padrões de interação, mesmo que o aqui apresentado retrate as percepções dominantes e mais recorrentes.

A primeira observação importante é notar que as representações negativas associadas à esfera política, em especial a forte incidência de práticas corruptas, é estruturante da lógica do discurso dos entrevistados. Ao mesmo tempo em que se reconhece como estereotipada a associação natural entre políticos e corrupção ou entre políticos e interesses pessoais/interesses particulares, é comum temerem o risco

defensoras de direitos humanos embasam-se em metodologias e pedagogias socioeducativas, voltadas para a formação de seus/suas integrantes para a cidadania ativa. e) No que se refere aos processos de coordenação e partilha de responsabilidades e poder, a obrigatoriedade do pregão resulta no rompimento do processo metodológico e educacional de projetos que envolvem cidadãos e cidadãs beneficiários/as de políticas públicas ao tecnicizar a implementação das mesmas. A publicação de editais no DO é de alto custo e as organizações não têm rubrica para esta despesa nos seus orçamentos. f) A obrigatoriedade da escolha pelo menor preço muitas vezes implica a baixa qualidade ou inapropriação de produtos ou serviços contratados. g) O tempo que se leva para cumprir toda a rotina licitatória é muito maior do que o tempo que se precisa para utilizar o material. Isso prejudica o desempenho e tempestividade das atividades. h) Em caso de quebra de contrato com o/a fornecedor/a não se pode cancelar o contrato e contratar com o/a segundo/a fornecedor/a da lista, mas somente acioná-lo judicialmente e iniciar um novo procedimento licitatório. i) Recursos que seriam necessários para qualificar a equipe de licitação não estão incluídos nos projetos como estão formatados, o que gera custos para as instituições que não têm recursos para cobri-los.” (Abong, 2008)

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de que vícios da esfera política se transfiram para as suas próprias organizações, no caso de se estabelecerem relações mais estreitas. Senão os vícios, a imagem das ONGs junto ao seu público alvo ou público geral corre o risco de se associar a ela, no caso de se estabelecerem relações muito próximas entre parlamentares e ONGs.19

Por isso, quando questionados sobre as consequências negativas da manutenção de relações com políticos ou partidos políticos, os entrevistados mencionam, de forma preponderante,

(i) risco de sujeição à corrupção política, como em:“Por conta da [...] postura que eu tenho completamente oposta à direção da política social na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a corrupção que varre realmente a política social da cidade do Rio de Janeiro, do ONG 2 participar de licitações, há mais n formas, mesmo a gente estando com a documentação em dia, tudo ok, de eliminar a instituição por conta de eu estar à frente da instituição. Então já entro, atualmente, com a atual gestão dessa prefeitura, eu já entro nas licitações sabendo que não vou ganhar. Eu entro só para ter comprovada a percepção política, mas eu não abro mão disso.” (entrevistada B, ONG 2)

(ii) risco de ingerência política e perda de autonomia, ou seja, o aumento da dependência das ONGs em relação a ações de políticos que lhes são próximos, tornando-se mais sujeitas à pressão para adaptar suas ações aos interesses do político de atender suas clientelas eleitorais;

“Enquanto instituição do terceiro setor, representante da sociedade civil organizada, é preciso que as ONGs mantenham uma certa autonomia em relação aos partidos políticos ou mesmo a personalidades políticas. [...] o político enquanto personalidade também precisa se promover, então invariavelmente vai haver um atrelamento da promoção. Seja da ONG com a personalidade do político ou o político com a personalidade da ONG. Agora, é complicadíssimo você atrelar a imagem de uma organização que é representante da sociedade civil organizada à imagem de um político porque já seria complicado num outro ambiente político, onde os políticos fossem um pouco mais fiéis às suas ideologias. No Brasil, onde essa fidelidade não é um traço marcante, eu vejo de forma ainda mais complicada.” (entrevistada C, ONG 3)

(iii) risco de ameaça à reputação da ONG no caso de o político ou partido conseguir (a) encampar e associar sua imagem ao issue de atuação ou defesa da ONG ou se (b) a imagem do político for “arranhada”, o que produziria ônus para a própria ONG. Um exemplo:

“As prefeituras, os vereadores, hoje está uma [...] loucura, então, por isso que eu estou te dizendo: a gente fez uma estratégia de recuar e aguardar, porque eu não vou ficar passando a pauta de lutas para eles e ai às vezes alguns utilizam aquilo até de forma errada, vai pegar nossa ideia até de outras formas malucas.” (entrevistada D, ONG 4)

Segundo, a posição diante da possibilidade de prestar apoio eleitoral em retribuição aos diferentes apoios e colaborações que parlamentares ou partidos tenham prestado à ONG é rechaçada de modo veemente. Na verdade, como mencionamos, um dos aspectos mais delicados – e sobre o qual as ONGs parecem prestar especial atenção – refere-se às possibilidades de terem seus projetos, ações,

19 Avritzer (2002: 93) menciona pesquisa realizada na cidade brasileira de Belo Horizonte, onde “60.6 percent of the respondents claimed that they would stop participating in their associations if they established links with political parties. […] it is possible to point to a trend away from clientelistic political mediation toward autonomous forms of organization.”

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seu nome e seu prestígio utilizados como moeda para arregimentar votos em campanhas eleitorais. Com apenas uma exceção, os respondentes postulam um necessário apartidarismo de suas instituições, que também é uma obrigação estatutária, ressalte-se. O apartidarismo institucional não implica, naturalmente, apartidarismo dos membros colaboradores da ONG.

Os riscos políticos não são desprezíveis, sobretudo se consideramos que, como relatado na maior parte das entrevistas, em períodos eleitorais, o assédio de candidatos à (re)eleição, em diferentes níveis de governo, aumenta de modo expressivo. A um só tempo, esse dado revela que o interesse dos atores políticos se aproximarem das ONGs é considerável e ressalta a possível instrumentalidade da parceria, visto que ela aparece com maior intensidade em períodos de eleições. O interesse demonstrado por políticos em períodos eleitorais é, de resto, uma dessas condições que servem para conspurcar possíveis parcerias, pois elas poderiam ocorrer em outros momentos, e para outras finalidades, não aquelas que o timing de início da relação acentua, qual seja, uma relação puramente instrumental de “toma lá, dá cá”. Assim, um aspecto importante para compreender de modo mais refinado as possibilidades de articulação entre esfera política e ONGs é considerar que o tempo da relação – para além de outros aspectos – é determinante. Em outros termos, quanto mais perdurar no tempo a colaboração – sob condições específicas – entre ONGs e políticos, menos instrumental soará o interesse desses últimos e mais aceitável e legítima ela pode ser. Como Bourdieu (1996) ressaltou, o fator tempo é determinante para ocultar o interesse das partes na manutenção de relações de dádiva e contradádiva.

A manutenção de relações (pontuais ou intermitentes) com partidos e políticos é admissível, desde que não interfira na autonomia das ONGs, ou seja, não altere de forma alguma suas decisões, atividades e projetos bem como não implique compromissos eleitorais. A interação torna-se mais aceitável se retrata uma relação de mediação para atender as demandas da organização e para colaborar na execução de projetos sociais, mas a ONG, como instituição, não dá apoio formal a nenhum político específico. Marcar posição quanto à absoluta separação entre parcerias com políticos e compromissos eleitorais institucionais é uma constante nas entrevistas. Vejam-se dois exemplos:

“[...] Não apoiamos nenhum candidato a nenhum cargo eletivo porque isso é proibido pelo nosso próprio estatuto e como também tem várias pessoas de vários partidos e etc., isso geraria internamente uma série de conflitos com os quais a gente não tem que viver, lidar. O que a gente trabalha normalmente, é quando esses políticos estão inseridos em políticas públicas, em coisas que nos interessam, dos quais nós também fazemos parte e que nos convidam ou nos dão moções, prêmios, enfim, ou nos chamam para compor assessoria em alguns projetos.” (entrevistada E, ONG 5)

“... a gente nunca [...] autorizou a realização de campanha aqui dentro, no máximo a gente convida os candidatos [...] para receberem propostas nossas, mas fazer campanhas, distribuir panfleto a gente não autoriza, então isso garante um respeito à diversidade política, religiosa, sexual, cultural, ideológica incrível, que é difícil se manter, isso também é um antídoto à cooptação e a pressão política, claro que nenhum antídoto é totalmente perfeito, mas a estratégia é se relacionar com todo mundo, chamar todo mundo, falar com todo mundo, porque a causa é muito clara [...], mas sem se deixar manchar ou cooptar, sem se deixar influenciar demais pela pauta do outro, ao contrário, a gente quer influenciar a pauta dos políticos.” (entrevistado F, ONG 6)

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Em terceiro lugar, em relação aos pontos percebidos como positivos na interação com políticos, verifica-se que a maioria dos entrevistados ressalta a função do político em defender causas importantes para a ONG na esfera pública ou na arena parlamentar, seja vocalizando as demandas e interesses defendidos pela organização em fóruns especializados, seja por meio de pressão legislativa para a aprovação dos projetos de lei apoiados pela instituição. Sintomaticamente, as formas de interação efetiva das ONGs e políticos mais citadas são a participação conjunta em audiências públicas (como comissões temáticas no Legislativo), envio de propostas de leis para os políticos que se identificam com a causa da ONG e consultas solicitadas pelos políticos em relação a questões que as ONGs são especialistas. Citamos dois exemplos de responta que retratam os interesses que motivam essa interação:

“É possível que políticos ou partidos políticos possam colaborar com a agenda que uma ONG está desenvolvendo? Sim. Digamos que um grupo de ONGs aqui no Brasil, incluindo a [ONG 7], participou atentamente dessa proposta de uma nova legislação de violência contra a mulher, que hoje é conhecida como Lei Maria da Penha. A primeira reunião para discutir a necessidade de uma legislação específica de violência contra a mulher foi feita aqui [...] é necessário e fundamental que haja um relator com, esse sim político, que possa levar essa proposta, que já não é nossa então, é a proposta daquele relator ao Congresso Nacional. Então, obviamente, há momentos em que é muito importante uma articulação com partidos políticos. Mas eu não diria para a ONG, porque aí dá a impressão de que é para a ONG conseguir financiamento, para a ONG não, para uma proposta, para um ponto de uma agenda daquela ONG ou de várias outras ONGs. Aí é importante a articulação com o político.” (entrevistada G, ONG 7)

“A interação efetiva que existe é muito mais no sentido de buscar um auxilio para pressionar para que certas coisas aconteçam ou não aconteçam. A gente procura alguns políticos que a gente tenha identidade e isenção no sentido de pressionar para a política nacional de resíduos, para a política estadual de resíduos, para a política municipal de resíduos. Então a gente, muitas vezes, muitas não, mas algumas vezes, vem buscar o apoio de alguns vereadores, secretários ou deputados.” (entrevistado H, ONG 8)

Consoante com o ponto anterior, o relato dos administradores referente à frequência da interação com partidos, políticos ou órgãos estatais aponta que esta relação costuma ser pontual e intermitente, mesmo que ela se circunscreva a ocorrer sempre com a mesma pessoa ou um número pequeno de políticos. Essa tendência é congruente com o receio apresentado pelos administradores em acentuar as relações de dependência com políticos, dados os “riscos morais” que correm.

É saliente também o fato de as relações entre os políticos e a ONG derivarem de issues comuns defendidos pela organização e por políticos. Assim, por exemplo, ONGs em defesa dos direitos de casais homossexuais mantêm contato próximo com parlamentares que estão associados à causa. Isso mostra que as relações entre esfera política e ONGs, quando ocorrem, se dão por meio de uma lógica que retrata afinidade de interesses, de modo que o político interage com a organização, porque para esta também é racional, do ponto de vista da defesa de suas causas, cultivar a relação.

Parece-nos, à primeira vista, contraditória a percepção genérica, por parte dos entrevistados, sobre o papel importante desempenhado pelas relações políticas e/ou pessoais nas estratégias de celebração de parcerias e captação de recursos junto às instâncias governamentais. Assim, conquanto os entrevistados ressaltem, de modo dominante, não recorrerem a esse expediente – por razões que já apresentamos – eles sustentam serem as relações pessoais com políticos ou membros integrantes das

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agências do governo/ministérios um recurso importante e bastante utilizado no campo das ONGs para obter ou manter fluxos de recursos para seus projetos.

O exemplo abaixo demonstra uma avaliação frequente dos administradores, que retrata a permanência e a força das relações pessoais/políticas na determinação das escolhas realizadas na esfera pública, característica que a sociologia política brasileira é pródiga em retratar (Vianna, 1987; Faoro, 2001; Duarte, 1966; Queiroz, 1976; Nunes, 1987; Da Matta, 1985, 1979)

“A gente tem uma pessoa que tem uma rede, uma influência com alguns políticos lá de Brasília e que digamos é nosso parceiro aqui, gosta do trabalho da instituição se dispõe a fazer esse trabalho, então o que ele colocou para a gente: 'Façam os projetinhos, é nesse período eu tenho que levar'. Então eles começam assim: 'Consegui encontrar, tem que ser para ontem, agora!' Então ele tem esses contatos, faz esses contatos e repassa para a ONG 9. A Petrobras de certa forma também foi assim, tem uma pessoa que conhece outra pessoa, que conhece a ONG 9. 'Encaixa ai a ONG 9.' Então nessa estrutura e assim a gente vai caminhando, mas não é algo tão público, aberto, de forma democrática, que todos possam recorrer, é para os privilegiados.” (entrevistado I, ONG 9)

A percepção dos representantes das ONGs quanto ao papel das relações pessoais no processo decisório para estabelecer parcerias e captar recursos junto ao governo sublinha um aspecto ainda pouco considerado pela literatura, que requer maior análise. Trata-se de um processo duplo, também estimulado pela competição crescente por recursos públicos:20 a) crescente politização das instâncias decisórias sobre parcerias entre setor público e ONGs e b) contínuo processo de burocratização e elevação das exigências formais necessárias ao fechamento de contratos de recebimento de recursos públicos. Se o primeiro processo ainda é pouco visível, ainda que sempre mencionado nas entrevistas,21 o segundo já é um processo em curso que terá como desdobramento antecipado por todos os entrevistados a gradual exclusão das ONGs menos profissionalizadas dos processos licitatórios, sem corpo técnico qualificado para suprir as exigências para a formulação de projetos.

O conhecimento técnico tem se tornado condição indispensável para as ONGs habilitarem-se para receber recursos governamentais. Em outros termos, ONGs menos profissionalizadas, muitas delas mais próximas de grupos demandantes de ações e serviços importantes, onde a intervenção do Estado costuma ser precária – pensamos aqui, por exemplo, no acesso e distribuição de serviços públicos de moradores de becos e ruelas de favelas urbanas – encontrariam crescentes obstáculos legais para avançarem em suas ações com recursos do governo. A burocratização das relações cria uma situação dilemática; necessária para normatizar uma parceria cada vez mais 20 Que é um desdobramento natural do crescimento quantitativo das ONGs e suas demandas por

financiamento estatal.21 Temos aqui uma questão que demanda um estudo empírico, qual seja: quais são os integrantes, os

procedimentos efetivos e as variáveis consideradas pelos órgãos públicos que avaliam e selecionam os projetos e as ONGs que levarão adiante ações e políticas definidas pelo Estado. No modelo típico ideal das escolhas meritocráticas, ONGs desenham projetos, enviam às instâncias decisórias e aguardam a avaliação com base na qualidade técnica de cada um. Nesse modelo, a esfera política e sua influência é nula ou desconsiderada. As decisões de caráter estritamente político só ocorreriam no momento de decidir em que setores da política social e que demandas atender com os recursos escassos. Esse modelo, ainda que nos forneça parâmetros iniciais de análise, é irreal, porque entre o processo de decisão das prioridades de investimento até a habilitação das ONGs aptas a disputar recursos e das avaliações de mérito dos projetos concorrentes, incide todo um turbilhão de relações de influência, amizade, poder, e interesses, de diferentes naturezas. Um estudo desse tipo, contudo, salvo melhor juízo, ainda não foi feito.

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importante entre Estado e ONGs, mas com consequências negativas para organizações que têm como mérito a flexibilidade na gestão e aplicação de recursos. Como dilemático, esse processo é interpretado com posições díspares por parte de nossos entrevistados.

“Quando não há muita dependência, existe uma possibilidade de ter uma relação mais horizontal, então a gente pode aceitar propostas, colaborações que se encaixem melhor na nossa atuação. A gente não tem aquela dependência de adaptar e [...] muitas vezes os financiamentos do Governo são muito burocráticos, você acaba gastando muito mais tempo, garantindo que está seguindo todas as regras, seguindo todas as rubricas e assim deixa pouco espaço para flexibilidade, para criatividade durante a implantação dos seus projetos. Claro, tem que ter transparência, tem que ter documentação de tudo, muitas vezes os financiamentos vem de uma forma que são tão rígidos, que no meio do projeto, quando você descobre que dá para melhorar alguma coisa, dá para fazer diferente, dá para tirar uma coisa que não tenha aquela flexibilidade, que tem que fazer todo aquele procedimento de pedir uma declaração de utilidade pública, o que seja, então você perde muito aquela flexibilidade, você tem que ter, às vezes, no dia a dia, na implantação dos seus projetos, para garantir que você está respondendo da melhor forma as necessidades das comunidades, as necessidades do tema.” (entrevistada A, ONG 1)

“As leis hoje estão colocando as ONGs para que elas cumpram uma serie de normas, regulamentos, procedimentos e tudo. Se você não tem uma estrutura mais profissional, dificilmente consegue, porque tem que mandar relatório para o Ministério da Justiça, relatório para [...] a Receita Federal, no nosso caso especifico para o Ministério da Saúde, no caso, como a gente trabalha com criança, Juizado de Menores, Conselho Tutelar, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, são tantas instancias que você tem, estadual, municipal, federal, que você tem que cumprir, nada consta, que é muito grande.” (entrevistada J, ONG 10)

Nesta seção, procuramos descrever os resultados parciais das percepções que administradores de ONGs têm sobre a interação com a esfera política. Uma ressalva é necessária. Como a maior parte das ONGs que entrevistamos até o momento são organizações consideradas tradicionais, ou seja, já com legitimidade e um reconhecimento em sua área ou campo de atuação, o padrão de respostas está, em alta medida, orientado por esse viés de seleção. O viés ocorre porque essas organizações já consolidaram um histórico de parcerias com governos municipais, estaduais e federais e dispõem de um quadro administrativo com alto nível de profissionalização e/ou relações sociais e políticas já consolidadas no âmbito da burocracia governamental, que, mesmo não sendo ativadas a todo momento, pode ser um importante meio para a captação de recursos.

Ao entrevistarmos ONGs de menor porte, com menos recursos humanos e econômicos, mais recentes e menos consolidadas em seu campo de atuação, poderemos observar com maior acurácia as implicações que as barreiras burocráticas e as exigências formais para participar de processos licitatórios, a ausência de quadros administrativos especializados, a penúria de recursos econômicos, materiais e humanos (voluntários) interpõem entre o desejo de levar adiante ações e a possibilidade de cumpri-las a contento. Mesmo a Abong, em seu recente apelo à normatização das relações entre Estado e organizações do terceiro setor (nonprofit), ressaltou ser preciso evitar que o Estado crie “sistemas, cadastros ou qualquer tipo de obrigatoriedade possível de excluir do acesso à recursos públicos de organizações de pequeno porte ou isoladas geograficamente, ou ainda, que não tenham tecnologia suficiente para cumprir as exigências [...].” (Abong, 2008, item i).

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Incorporar um universo diferente de ONGs, menos estruturadas e consolidadas, é, portanto, indispensável. Afinal, sabemos que esse universo é bastante diverso e heterogêneo para ser enquadrado em observações que pretendam homogeneidade entre elas. Se bem que, no plano das representações sociais dos seus administradores, essa homogeneidade é mais possível do que aquela observada no plano da diversidade organizacional, formas de atuação e setores em que as ONGs desempenham suas funções.

Conclusão

Grande parte da literatura que estuda o fortalecimento dos meios de atuação de sociedade civil tende a retratar as ONGs como inerentemente virtuosas, não só pelas externalidades que produzem em favor do fortalecimento da democracia, mas também pelo grau de eficácia e inovação na prestação de serviços e atendimento das diferentes demandas da sociedade. Entre as vantagens mencionadas, incluem-se: maior capilaridade, capacidade de inovação e flexibilidade, que as tornariam mais adaptáveis às demandas e exigências locais na condução das políticas sociais.

Uma das características mais importantes da recente transformação da esfera pública brasileira tem sido a constituição de organizações – incluindo as ONGs – que passam a se estruturar e canalizar demandas e reivindicações “without being dragged into the old corporatist, clientelist structures” (Avritzer, 2002: 99). Nesse sentido, a inovação de movimentos sociais e organizações civis nas últimas décadas foi articular-se com o Estado de forma mais autônoma e independente.22 Em decorrência desse processo, ocorreria o esmaecimento da “cultura do favor” e dos processos de intermediação vertical por atores da esfera política (2002: 86). O que não significa que o processo de autonomização dos grupos da sociedade civil em relação ao Estado (em oposição à representação heterônoma de seus interesses) provocaria rompimento imediato com relações sociais e políticas de tipo clientelista. Antes pelo contrário, não só haveria ‘riscos’ presentes na aproximação com o Estado, mencionados na seção anterior, como chances de germinar em sua estrutura administrativa as mazelas a que qualquer tipo de organização está sujeito, tais como os riscos de rotinização, de corrupção e de conversão gradual de uma estrutura democrática para uma oligárquica, entre outros (Fisher, 1997).

Por isso, é pertinente observar como e se as ONGs atuam em conjunção com os circuitos tradicionais da política, como ocorre a inserção, quais os perigos e vantagens potencialmente existentes, as formas de mediação junto aos organismos estatais e,

22 Avritzer sustenta que a principal fonte de tensão das democracias revigoradas latino americanas é a distância e falta de articulação entre a “esfera pública” e a “sociedade política”. Na cena contemporânea, a primeira se caracteriza por práticas inovadoras, autônomas, pluralistas e democráticas, com capacidade de representar interesses, canalizar demandas e lutar por direitos, configurando “a significative departure from the region’s long standing lack of civic activity.” (2002:3). Já a “sociedade política”– em especial as instituições representativas formais – se estruturam em moldes ainda tradicionais, não só do ponto de vista das formas de incorporação das demandas societárias (via partidos políticos) como na diversidade – inexistente – de canais para articular-se à capacidade de mobilização e deliberação dos grupos organizados da esfera pública. O tradicionalismo da sociedade política seria expresso pela manutenção de mediações clientelistas, entre outros aspectos. O desafio das democracias latino-americanas seria, portanto, converter as inovadoras formas de deliberação da esfera pública em instrumentos efetivos de tomada de decisão no âmbito oficial/estatal.

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acima de tudo, como os representantes das ONGs percebem e experimentam tais práticas.

Estas questões são relevantes para que, com novos dados empíricos, seja possível discutir como estão se estruturando as novas formas de articulação entre autoridade e solidariedade no Brasil. Em certo sentido, permitem, também, um diálogo com parte da tradição do pensamento social brasileiro que problematiza a relação entre a sociedade civil e um Estado outrora autoritário, cujas instituições políticas apresentam baixo nível de representatividade e legitimidade, são pouco responsivas às demandas sociais, fortemente inclinadas à cultura do favor e calcadas em práticas de tipo clientelista.

Em nossos dados, observamos que a aproximação institucional das ONGs junto à esfera político-representativa é um processo em curso e bastante importante, que requer questionamentos sobre como esta interação está se estruturando e suas consequências para a própria consolidação das formas de atuação de organizações civis junto às instâncias do Estado. Afinal, já nesta década, Avritzer assinalou que “in the Brazilian case, the social movements and voluntary associations that emerged at the public level did not make a significant effort to connect themselves with political society, nor did political society made an effort to integrate social actors or to become responsive to their demands”. (2002: 118). Talvez estejamos entrando em nova quadra histórica, em que a ausência de relacionamento com o Estado não mais é o padrão dominante.

Dada a forte evidência de que as ONGs se tornaram atores importantes na articulação de demandas e representação de interesses na esfera político-parlamentar, essa conexão com a sociedade política pode estar ganhando um espaço inexistente no passado, com as ONGs tendo um papel de facto (mas não ainda de jure) na representação política (Lavalle et al., 2006: 43).

Para nós, trata-se de compreender se essa aproximação com os canais de representação formal podem pôr em xeque a autonomia propositiva das organizações, no caso de haver uma aproximação subordinada e/ou dependente – ainda não observada – com representantes da esfera política. Essa expectativa – e receio – é compatível com o fato de o país apresentar, em seu sistema político, canais legitimados e mesmo institucionalizados de relação clientelista, tanto entre políticos e seus representantes quanto entre os próprios poderes executivo e legislativo, nos três níveis de governo. A incorporação de um ator novo como as ONGs pode premi-las a se conformarem, gradualmente, a essa lógica das relações que ainda representa parte expressiva da dinâmica das interações na esfera política (cf. em particular, Avritzer, 2002: 117-123).

Não postulamos que a manutenção da autonomia das organizações não-governamentais deve implicar imobilismo dessas em relação à apresentação de suas demandas e reivindicações junto às instâncias de representação. Antes, pelo contrário, essa é uma atividade desejável. De resto, essa questão remete a uma outra dimensão do debate possível. Com novos dados, poderemos testar uma hipótese de que o distanciamento entre os partidos políticos e suas bases sociais, notório no caso brasileiro, pode estar sendo contrabalanceado por estratégias de conexão por meio das organizações civis que operariam como mediadoras entre os partidos e diferentes segmentos da população (Lavalle et al., 2006).

Atualmente, a relação das ONGs com o Estado ocupa um lugar de destaque nos debates públicos, seja por conta da crescente relevância das primeiras e da

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necessidade de (re)definir marcos regulatórios para as futuras parcerias vindouras (cf. Abong, 2008), seja por conta da atenção maior dispensada pela sociedade, imprensa e parlamento para possíveis problemas nas parcerias celebradas. As transferências ilegais de recursos para ONGs são as críticas mais alardeadas e sobre as quais se dirige maior atenção pública. O resultado desses movimentos é difícil de antecipar. Em grande parte, as escolhas institucionais e as novas regras de regulação é que definirão os rumos da relação entre ONGs e Estado e o papel da esfera política nessa mediação.

Para finalizar, recobramos aqui que o discurso das ONGs na década de 1980 ganhava forte conotação anti-estatal (Bosch, 1997; Landim, 2002; Medeiros, 2008). As décadas de 1990 e 2000 retrataram uma mudança em favor de maior proximidade entre ambos e a ação ‘de costas para os estado’ tornou-se anacrônica. A legitimidade da relação entre ONGs e Estado já não é questionada, ou mesmo mencionada como problema potencial, na maioria das entrevistas. Se o processo de aproximação com o Estado ocorreu a passos largos e contrariou as expectativas presentes nos movimentos da sociedade civil dos anos 1980, por que não deveríamos pensar que a hoje questionada, e negativamente valorada, proximidade com a esfera política, inclusive com seus padrões tradicionais de organização, não haveria de ser incorporada como prática aceitável, e mesmo legítima, por uma fração crescente das ONGs? Isso não significa sustentar a ideia de que, na esfera pública, plus ça change, plus c'est la même chose. Trata-se apenas de considerar que, mesmo preservando suas especificidades como forma inovadora de organização do espaço público contemporâneo, as ONGs correm o risco de conciliar seus princípios e sua dinâmica às práticas tradicionais ainda presentes em nossa tradição histórica e política, que relutam em abandonar o sistema político brasileiro.

Se as evidências da seção anterior indicam que a subordinação ao tradicionalismo da política dificilmente ocorrerá, a crer nas posições que ressaltam a autonomia e independência das ONGs frente aos políticos, elas também não elidem do horizonte movimentos naquele sentido. É preciso observar as mudanças, na próxima década, nas regras institucionais e nos valores, e, ao mesmo tempo, acumular maior volume de pesquisa empírica sobre as interações do presente.

AgradecimentosOs autores agradecem a Anastácia Cristina, Mercedes Duarte, Thaiana Rodrigues e especialmente a Fabiana Ramos pela valiosa assistência a esta pesquisa e à Faperj pelo apoio financeiro a este projeto.

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Apêndice: ONGs que integram a amostra e relações com esfera política

ONG Área de atuação Público-alvo Ano de fundação

Relações com esfera politica

Abia Combate à epidemia de HIV/AIDS

Entidades públicas e privadas 1987

Órgãos públicos (constante); políticos

(pontual)

Abrasco Defesa dos direitos dos ostomizados

Pessoas ostomizadas 1985 Políticos (pontual)

Ação da Cidadania

Pela educação e cultura de qualidade e contra fome e miséria

Crianças e jovens 1993 Políticos (constante)

Acessibilidade Brasil

Defesa da inclusão social e econômica de pessoas com deficiência

Pessoa com deficiência 2002 Órgãos públicos

(constante)

Amigas do Peito Por uma cultura favorável à amamentação Mulheres 1980 Não tem

Ballet de Santa Tereza

Integração cultural de crianças e adolescentes Crianças e jovens 1999 Órgãos públicos

(pontual)

Bioatlântica Defesa da biodiversidade em ecossistemas brasileiros

Entidades públicas e privadas 2003 Órgãos públicos

(constante)

Campo Assessoria a organizações populares para ampliar cidadania

Lideranças comunitárias 1987 Não tem

Camtra Defesa dos direitos das mulheres Mulheres 1997 Com políticos (pontual)

Cebes Defesa do direito à saúde Profissionais de saúde 1976 Órgãos públicos e

políticos (constante)

Cemear Apoio e assistência a crianças de rua Crianças 1991 Órgãos públicos e

conselhos (pontual)

Campozo Defesa da qualidade de vida da população da Zona Oeste Jovens e adultos 1986 Órgão público

(constante)

Cepia Defesa dos direitos da mulher Mulheres 1990 Políticos (pontual)

Coisa de Mulher Contra a opressão sofrida pelas mulheres Mulheres 1994 Políticos (constante)

Cruzada do Menor

Assistência a crianças, jovens, idosos e seus responsáveis

Crianças, jovens e idosos 1985 Órgão público e

conselho (constante)

CVI Inclusão social da pessoa com deficiência

Pessoa com deficiência 1988 Órgãos públicos

(constante)

Dialog Formação de lideranças para desenvolvimento sustentável Jovens 1994 Órgãos públicos

(pontual)

Ecomarapendi Difusão de informações sobre as questões ambientais

Entidades públicas e privadas 1989

Órgãos públicos (constante); políticos

(pontual)

Funbio Conservação da diversidade biológica brasileira

Entidades públicas e privadas 1995 Órgãos públicos

(constante)

Instituto Ipanema

Pelo desenvolvimento sustentável

Entidades públicas e privadas 1996 Políticos e órgãos

públicos (pontual)

Movimento D'ellas

Defesa dos diretos de mulheres homossexuais

Mulheres homossexuais 1993 Órgãos públicos e

políticos (constante)

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Pela Vidda Defesa dos direitos de pessoas com Aids Pessoas com Aids 1989

Órgãos públicos e conselhos (constante);

políticos (pontual)

PromundoPromoção de relações equivalentes entre homens e mulheres

Crianças e jovens 1997 Órgãos públicos (constante)

São Martinho Defesa dos direitos das crianças e adolescentes Crianças e jovens 1984 Órgãos públicos e

conselhos (constante)

Terra dos Homens

Defesa de direitos de crianças e famílias Crianças e jovens 1989 Com políticos

(pontual)

Viva Cazuza Assistência a crianças e adultos com o vírus da Aids Pessoas com Aids 1990

Órgãos públicos e bancadas (constante);

político (pontual)

Viva Rio Promoção da cultura da paz e do desenvolvimento social

Jovens em situação de risco 1993

Políticos (pontual); órgãos públicos

(constante)

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