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Opinião Pública, Empowerment e Interfaces. 1 Versão Digital

Opinião Pública, Empowerment e Interfaces. - faac.unesp.br · opinião pública, representando e definindo-a perante os cidadãos, desafiando o ideal de opinião pública, crítica

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  • Opinio Pblica, Empowerment e Interfaces.

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    Verso Digital

  • Opinio PblicaEmpowerment

    e Interfaces 2012

    OrganizadoraProf. Dr. Clia M. Retz G. dos Santos UNESP-FAAC

  • Opinio Pblica, Empowerment e Interfaces.

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    O Ncleo Opinio Unesp um espao para promover intercmbio entre pesquisadores e acadmicos, institutos comerciais e centros de pesquisas de opinio; estimular o desen-volvimento do estudo da opinio pblica; gerenciar o conhecimento sobre pesquisas de opinio; reunir, comparar resultados e facilitar o acesso s pesquisas de opinio para os pblicos interessados.

    Serie Opinio Unesp no.5Na srie Opinio Unesp so publicados estudos que tratam de temas da atualidade e de suas reflexes terica, especialmente no campo da cincia da comunicao abordando aspectos sociais, polticos, econmicos e jurdicos

    300069

    Opinio pblica : empowerment e interfaces / Clia Maria Retz Godoy dos Santos (org.). - - Bauru : Universidade Estadual Pau-lista, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao, 2012.

    200 p. : il. -- (Opinio pblica ; 4)

    ISBN: 978-85-99679-30-2

    Opinio pblica. 2. Tecnologia da informao. 3. Comunica-o. I. Santos, Clia Maria Retz Godoy dos. II. Ttulo. III. Srie.

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    Opinio PblicaEmpowerment

    e Interfaces

    UnespBauru

    UnespBauru

    2012

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    Copyright 2012Todos os direitos reservados

    Crditos Institucionais

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    Faculdade de Arquitetura, Artes e ComunicaoDiretor: Roberto DeganuttiVice-diretor: Nilson Ghirardelo

    Ncleo de Opinio UnespCoordenao: Clia M. Retz G. dos SantosVice coordenao: Roseane Andrelo.

    Conselho Consultivo:Adenil Alfeu Domingos (Unesp); Adolpho Carlos Franoso Queiroz ( Mackenzie) Antnio Francisco (Dino) Magnoni (Unesp); Alexandra Bujokas de Siqueira (UFTM); Claudio Bertolli Filho (Unesp); Clia Maria Retz Godoy dos Santos (Unesp); Elizabeth Pazito Brando (UFB); Marcelo Chamusca (FBB/ALARP/RP); Maria Aparecida Ferra-ri (USP); Maria Eugenia Porm (FIB); Maximiliano Martin Vicente (Unesp); Ricardo Nicola (Unesp); Roseane Andrelo (Unesp); Sonia Aparecida Cabestre (USC); Snia de Brito (Unesp)

    Capa: Ivan Resta UmannEdio: Carlos William R. de Oliveira

    mailto:carlowro%40yahoo.com.br?subject=
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    1 Parte: Empowerment

    UMA DISCUSSO SOBRE O EMPOWERMENT DA OPINIO PBLICA: CULTURA, EDUCAO E POLTICACamila Pazim, Clara Luise de Souza, Emmanuel Ponte, Jamile Coutrin Dalri, Jssica de Oliveira Mugnatto e Marlia Luiza Nspoli Ferreira

    OPINIO PBLICA E SOCIEDADEMaximiliano Martin Vicente

    A COMUNICAO E A OPINIO PBLICA NA ERA DAS REDES SOCIAISAntnio Francisco (Dino) Magnoni

    OPINIO PBLICA E PESQUISA DE TENDNCIAS: NOVAS MDIAS E VELHAS POLITICASCelia Maria Retz Godoy dos Santos

    COMUNICAO PBLICA: DESAFIOS ATUAISElizabeth Pazito Brando

    Sumrio

    PREFCIOMaria Teresa Miceli Kerbauy

    01

    02030405

    ....................................................................................................11

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    .........................................................28

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    2. Parte - Interfaces

    ANTROPOLOGIA E COMUNICAO: INTERLOCUESClaudio Bertolli Filho

    MDIA-EDUCAO NAS ORGANIZAES: PROPOSTA DE FORMAO DO PBLICO INTERNO PARA HABILIDADES COMUNICACIONAISRoseane Andrelo

    PESQUISA EM COMUNICAO E SEUS DESAFIOS: UMA CONTRIBUIO PARA O ENSINO E APLICABILIDADE DA METODOLOGIA NA CONSTRUO DE PROJETOS E PRODUES CIENTFICAS EM COMUNICAOMaria Eugenia Porm

    STORYTELLING MIDIADO: A WIKICIBEREPOPIA NA ERA CBRIDAAdenil Alfeu Domingos

    (IN) COMUNICAO: DO VISVEL AO LEGVEL, OLHARES ENTRECRUZADOSSnia de Brito e Guiomar Josefina Biondo

    REFLEXES & FATOS: 100 ANOS DO NASCIMENTO DE UM VISIONRIO CHAMADO MARSHALL MCLUHANRicardo Nicola

    0607

    08

    091011

    ....................................................................................86

    ........................................99

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    ...................................................................................130

    .............................................................146

    ...............................................................................................156

  • PREFCIO

    Maria Teresa Miceli Kerbauy Dra em Cincia Poltica pela PUC/SP, pesquisado-ra Produtividade do CNPq e docente dos Programas de Ps Graduao: em Cincias Sociais/Unesp/ FCLar e em Comunica-o/Unesp/FAAC

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    O tema Opinio Pblica no Brasil ganha relevncia a partir da dcada de 1990, no bojo do processo de transio democrtica, quando a sociedade civil passa a ter prota-gonismo fundamental na construo da democracia no pas, multiplicando as formas de expresso poltica, para alm do sistema representativo.

    Por outro lado o desenvolvimento da imprensa de grande difuso, que livre das amarras da censura do regime militar, pode construir um campo jornalstico relativamen-te autnomo, se tornando o grande responsvel pela mediao poltica, contribuiu para a importncia que a opinio pblica passou a ter nos momentos cruciais de deciso poltica.

    Institucionalizou-se uma ntida afinidade entre a poltica e as mdias tornando a po-ltica quase inteiramente mediada em todas as suas interaes com a sociedade. Na ten-tativa de promover melhor suas aes polticas, o Estado se afirma como o Estado das Relaes Pblicas.

    A breve descrio do contexto onde se desenvolve os estudos sobre Opinio Pblica no Brasil aponta para as condies em que o seu conceito perdeu seu valor normativo, bem como o carter sociolgico e coletivista do seu contedo. A Opinio Pblica passa a ser analisada pela tica das sondagens, na perspectiva de que os seus resultados expres-sam a vontade popular nas demandas efetivas da populao.

    Os meios de comunicao de massa passam a ter um papel crucial no processo de opinio pblica, representando e definindo-a perante os cidados, desafiando o ideal de opinio pblica, crtica e reflexiva especialmente num contexto onde as Novas Tecnolo-gias da Comunicao e da Informao renovam o papel da Opinio Pblica ao interferir de forma efetiva nas transformaes polticas e nos processos sociais decorrentes destas transformaes.

    O Ncleo de Opinio Pblica da Unesp, atravs desta publicao, retoma a discusso sobre o valor normativo e o carter social e coletivista da Opinio Pblica que se perdeu nas anlises contemporneas sobre o tema, no pas.

    O Ncleo um espao de reflexo e investigao sobre Opinio Pblica. Tem se dedicado a estimular o desenvolvimento de estudos desta questo, atravs do intercmbio entre pesquisadores e acadmicos, institutos comerciais e centros de pesquisa . Desde 2005, o ncleo publica anualmente os temas debatidos durante os seus encontros. O livro Opinio Pblica: Empowerment e Interfaces produto de seus debates no ano de 2011.

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    O texto ora apresentado procura oferecer ao leitor uma melhor compreenso do ce-nrio atual dos estudos e pesquisas sobre Opinio Pblica, no Brasil, e os desafios que es-ses estudos devem enfrentar, dando especial enfoque para as interfaces com outras reas do conhecimento, para alm da comunicao.

    As temticas bsicas que articulam as diferentes contribuies dos artigos sobre o tema Opinio Pblica so as vrias conexes do tema com outras reas do conhecimento e os novos formatos que o papel da opinio pblica passou a ter a partir do comeo do sculo XXI.

    A primeira parte do livro tem como tema o Empowerment ou Empoderamento na traduo para o portugus,onde a opinio pblica tem papel importante no desenvolvi-mento da capacidade crtica de reflexo e ao dos cidados, dotando-os de habilidades e capacidades que propiciem uma insero mais efetiva no processo poltico.

    A segunda parte procura dialogar com as Interfaces da Opinio Pblica com outras reas do conhecimento, trabalhando a relao interdisciplinar e abrindo o dilogo com os pesquisadores da rea, buscando refinar e aprimorar as ferramentas analticas, contribuin-do para o avano das pesquisas sobre o tema .

    A publicao deste livro deve contribuir para a disseminao junto a um pblico mais amplo das diferentes questes implcitas nas pesquisas e anlises sobre Opinio Pblica.

  • UMA DISCUSSO SOBRE O EMPOWERMENT DA

    OPINIO PBLICA: CULTURA, EDUCAO E

    POLTICA

    Camila Pazim Clara Luise de Souza

    Emmanuel PonteJamile Coutrin Dalri

    Jssica de Oliveira MugnattoMarlia Luiza Nspoli Ferreira

    Discentes do Curso de Relaes Pblicas da Unesp e integrantes do Grupo de Pesquisa Opinio Pblica e Comu-nicao certificado pelo CNPq , orientados pelas professoras doutoras: Clia Maria Retz Godoy dos Santos e Roseane Andrelo.

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    Diante dos desafios da complexidade da sociedade contempornea, especialmente em torno da discusso da opinio pblica, este artigo apresenta a interlocuo de estu-diosos da rea, suas perspectivas conceituais e reflexivas distribudas ao longo do texto em trs eixos temticos, que contemplam as inter-relaes desta com cultura, educao e poltica.

    Opinio Pblica e Cultura

    A globalizao sentida nestes dois ltimos sculos - especialmente no sculo XXI - permitiu que a maioria da populao mundial se interligasse, compartilhando experi-ncias, prticas, costumes e ideias. Assim, a internacionalizao de culturas somada s mdias interativas trouxe mudanas radicais na participao das pessoas na esfera pblica e, consequentemente, na opinio popular.

    Jenkins (2009), analisando o fluxo de contedo dos mltiplos suportes e mercados miditicos, aponta para trs conceitos bsicos: inteligncia coletiva, cultura participativa e convergncia miditica. O autor explica a inteligncia coletiva como sendo uma nova forma de consumo, um processo conjunto que como resultado da evoluo nas mdias digitais, a partir de comunidades constitudas virtualmente, faz com que o coletivismo ultrapasse o senso do pensar individual, proporcionando ao consumo de mdia a carac-terizao de um processo fundamentalmente social. J a cultura participativa, para ele, serve para caracterizar o comportamento do consumidor miditico contemporneo, cada vez mais distante da condio de receptor passivo. Neste entendimento, os indivduos interagem com um sistema complexo de regras, criado para ser dominado de forma cole-tiva. E, por fim, a ideia de convergncia fundamentada na perspectiva cultural e no no determinismo tecnolgico. Em outras palavras, a convergncia se refere ao intenso fluxo de contedos que acontece em vrios suportes miditicos, interligando os mltiplos mer-cados e comportamento dos pblicos, que migram de um meio de comunicao a outro quase que instantaneamente.

    Por isso a convergncia representa tambm uma transformao cultural, uma vez que consumidores procuram informaes nos diferentes meios, fazem conexes diver-sas, aprendem a usar este poder em suas interaes dirias e estabelecem inter-relaes

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    culturais. Este processo inclui uma modificao cultural alm do uso das tecnologias, representa uma mudana de paradigma.

    Desde a antiguidade, tem-se tentado explicar as diferenas de comportamento entre os homens, a partir das diversidades genticas ou geogrficas. O estudo dessas diferenas se tem adiantado especialmente no sentido de entender como a conduta dos indivduos depende de um aprendizado.

    A nossa herana cultural, desenvolvida atravs de inmeras geraes, sem-pre nos condicionou a reagir depreciativamente em relao ao comporta-mento daqueles que agem fora dos padres aceitos pela maioria da comuni-dade. (LARAIA, 2009, p. 67)

    Para Roque (2009), o homem recebe conhecimentos e experincias acumulados ao longo das geraes que o antecederam e, se estas informaes forem adequada e criativa-mente manipuladas, sero possveis inovaes e invenes. Assim, estas no so resulta-do da ao isolada de um gnio, mas do esforo de toda uma comunidade.

    De tal modo, a cultura atua sobre o homem de maneira mutvel e sua discusso ainda no consensual entre os tericos. Por exemplo, na tica de Geertz (1989, p. 26), a ima-gem de uma natureza humana constante, independente de tempo, lugar e circunstncia, de estudos e profisses, modas passageiras e opinies temporrias, pode ser uma iluso. J para Roque (2009, p. 96), h dois tipos de mudana cultural: (...) uma que interna, resultante da dinmica do prprio sistema cultural e uma segunda que o resultado do contato de um sistema cultural com outro.

    No primeiro caso, cabe ao indivduo ser o prprio agente. Ele responsvel pelo seu intelecto e esforo, embora um evento externo, como uma catstrofe ou uma circunstn-cia dramtica, possa acelerar o processo de mudana, o que normalmente ocorre ao longo do perodo de vida de um ser humano.

    Por outro lado, a segunda situao, alm de ser a mais estudada e a mais atuante na sociedade, aquela cuja transformao pode ser rpida ou gradativa, porm ocorre uma troca de padres culturais dos diferentes sistemas. a partir deste processo que se observa uma mescla de hbitos que influencia na forma de agir, no pensar do indivduo e, conse-quentemente, na opinio pblica.

    De fato, influenciada por diversas variveis e explicaes que passam desde as an-lises sobre o vox populli romano, a influncia divina medieval e o Pblico que se dane (Vanderbilt, 1906), a opinio pblica ganha espao nos debates polticos sociais e econ-micos. Posteriormente com a difuso de informaes na imprensa e mais recentemente nas mdias massivas e redes sociais este processo se intensifica.

    Observa-se ao longo da histria - apoiada por inmeras teorias, principalmente de-

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    pois do surgimento da mdia de massa e do uso que vrios regimes polticos como o na-zismo, o fascismo e regimes autoritrios que se utilizaram da opinio pblica como dou-trinamento da populao que a diversidade de conceitos engloba no somente tericos que a entendem como alienao como tambm outros que a percebem como o alicerce da democracia moderna.

    Estudiosos como Adorno (filsofo alemo) e Bourdieu (socilogo francs) discutem a inexistncia da opinio pblica e o uso demaggico das pesquisas de opinio. Segundo Bourdieu, as pesquisas no levantam necessariamente a opinio das pessoas, mas sim a opinio que estas tinham formado a partir do doutrinamento. Portanto, a opinio pblica no existia para ele.

    Por outro lado os autores que entendem a opinio pblica como expresso da de-mocracia ou instrumento dela, defendem que nas sociedades imperfeitas - como so to-das - ela no s lugar de divulgao, mas de elaborao contnua de ideias. Em outras palavras o dinamismo econmico traz s sociedades transformaes constantes de valo-res, influindo no comportamento, cultura e opinies das pessoas e, por conseguinte, na opinio pblica.

    Mais que isso: com o desenvolvimento das novas mdias, surge a cultura de conver-gncia, como j discutida, a qual segundo Jenkins o:

    (...) fluxo de contedos atravs de mltiplas plataformas de mdia, coope-rao entre mltiplos mercados miditicos e ao comportamento migratrio dos pblicos dos meios de comunicao, que vo a quase qualquer parte em busca das experincias de entretenimento que desejam. (2009, p. 29)

    Ento, tal processo passa pela coliso entre mdias j usadas e novas plataformas, e pela interao entre produtor de mdia e consumidor, dando espao para a cultura de participao. Neste processo de grande difuso dos meios eletrnicos e tecnologias, a comunicao sobrevm como principal agente, no qual se constri e se modifica a opinio pblica, numa relao dialtica entre pblicos e os meios (RUTOLO, 1998, p. 10).

    Assim, simultaneamente, a opinio pblica pode influenciar no contedo veiculado nos meios de comunicao e vise versa, a partir da cultura participatria. Da mesma forma, esses veculos so intensos formadores de opinio, influenciando em como a so-ciedade julga e se posiciona, frente a determinados assuntos.

    Por outro lado, na cultura participatria, o indivduo se faz ativo perante aos conte-dos veiculados nos meios de comunicao, expondo sua prpria opinio. Jenkins (2009) diz que tal cultura parte da prpria vontade popular, na qual o consumidor vai alm de controlar o que veiculado, buscando produzir seu prprio contedo.

    Portanto, se a comunicao um instrumento decisivo para a assimilao da cultura,

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    pois a experincia de um indivduo transmitida aos demais, criando um processo de acu-mulao permeado por valores cristalizados, a prpria linguagem humana um produto da cultura. Neste sentido percebe-se que o processo engloba diversas dimenses entre a cultura e a sociedade, gerando mudanas em todos os mbitos, seja na recepo ou pro-duo de contedos. O sujeito deixa de ser passivo, ele produz contedo, crtico e ativo.

    Consequentemente, a informao propagada pelos meios de comunicao passa a ter outros contedos e pontos de vistas, ao contrrio do cenrio anterior, no qual os meios massivos tinham a influncia quase total nas escolhas do era veiculado. Hoje, mais do que ontem, as pessoas tm acesso a esses veculos abrindo espao para uma maior diversidade de opinies.

    Assim, o acesso s mensagens e informaes torna-se mais democrtico e dialtico, na medida em que um determinado indivduo pode ser ao mesmo tempo produtor de con-tedo e receptor interagindo com os demais de forma quase instantnea, ou veiculando para grandes pblicos como o caso do Youtube1.

    Jenkins (2009, p. 53) diz que o pblico, que ganhou poder com as novas tecnolo-gias, ocupando um espao na interseco entre velhos e novos meios de comunicao, est exigindo o direito de participar intimamente da cultura. Tal mudana impacta tam-bm na construo da opinio pblica, visto que esta no consiste na generalizao do contedo das opinies individuais a partir de frmulas gerais, aceitveis por todos que fazem uso da razo, mas sim na adaptao da estrutura dos temas do processo de comuni-cao vinculada s necessidades de deciso da sociedade e do seu sistema.

    As pessoas sempre tm muita coisa a dizer, imagens e msicas a difundir, coisas a trocar, injustias a denunciar, sofrimentos a expressar, histrias a contar, opinies a oferecer, questes a colocar, poemas a declarar, testemu-nhos a compartilhar (...). E esse deslocamento da palavra, esse poder de dizer enfim, esse mostrar e se mostrar generalizado que uma das principais dimenses da revoluo ciderdemocrtica em curso. (LEMOS e LVY, 2010, p.89-90)

    Para Lemos e Lvy (2010), a ampliao do acesso aos veculos e compartilhamento de informaes engloba todos os pblicos, inclusive aos indivduos at ento exclusos midiaticamente. Assim, heterogeneidade e pluralidade social seriam representadas efeti-vamente. Nota-se que a evoluo dos processos comunicacionais influenciaram a recep-o e representatividade da populao, pois antigamente, quando a sociedade era vista

    ____________________________1 Site que permite que seus usurios compartilhem vdeos em formato digital.

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    como uma massa homognea, no havia a preocupao em como as pessoas receberiam uma mensagem, a comunicao era unilateral.

    A partir do desenvolvimento das mdias interativas e a ampliao ao seu acesso, a populao pode produzir ento seu prprio contedo, representando seus diversos pontos de vista, interesses e opinies nos veculos miditicos.

    Opinio Pblica e Educao

    Como j dito, o avano tecnolgico possibilitou mudanas considerveis na forma de aquisio de conhecimento. O advento da internet criou uma gerao ativa, capaz de realizar vrias tarefas ao mesmo tempo. Esses jovens cresceram num ambiente dinmico, em que as informaes chegam aos montes e de forma gil. Isso fez com que o relaciona-mento deles com a aprendizagem mudasse, ansiando por um mtodo de ensino mais in-terativo que o convencional, caracterizado pela verticalidade e monotonia. Nesse cenrio surgem propostas de novas formas de ensino, como o Ensino Mediado pela Tecnologia e a Mdia-Educao.

    O primeiro, na tica de Sihler,

    (...) tem modernizado a aprendizagem atravs de mudanas num modelo expositivo de contedos, caracterstica de processos presenciais, oferecen-do a possibilidade de reformulao constante dos cursos e de monitora-mento da aprendizagem do aluno. A aprendizagem por meio de ambientes virtuais uma prtica cada vez mais consolidada em diversas instituies educacionais. (2001, p.1)

    J a Mdia-Educao

    (...) tem como preocupao criar formas de inserir no currculo escolar dis-cusses sobre as funes e o papel social dos meios de comunicao, sobre como a ao desses meios afeta nossas vidas e sobre como respondemos a tal influncia. A representao social um dos conceitos-chave da mdia educao, e a ideia de diversidade um dos fundamentos tericos que do suporte ao estudo da representao. (SIQUEIRA e CANELA, 2011, p.86).

    O desafio do momento, portanto, que: a mdia somente poder desempenhar o papel de fortalecer e proteger a diversidade se tambm for diversa e plural (SIQUEIRA e CANELA, 2011, p. 85) quando sero assegurados direitos de expresso, independncia, autonomia e pluralidade de perspectivas. Por outro lado, v-se que pluralismo comporta vrias vises advindas de diversos setores da sociedade, contemplando a rica diversida-

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    de social, que se manifestam, ganham concretude e expresso visvel. Logo, pluralis-mo e diversidade s podem existir numa sociedade que permita a expresso de diversos pontos-de-vista. Os autores Siqueira e Canela (2011, p.83-4) acreditam que quanto mais abrangente e qualificada for a garantia do direito humano liberdade de expresso (falar, buscar e disseminar), mais diversas e plurais sero as sociedades. E mais: esse direito exercido, essencialmente, pela e com a mdia.

    Assim, a mdia em geral um cenrio propcio manifestao das diversidades, pois nesses meios,

    (...)..o tema pode ser tratado de maneira adequada; a questo pode ganhar prioridade na agenda pblica; os governos podem ser cobrados a partir das perspectivas e dos interesses mltiplos da sociedade, bem como quanto ao respeito diversidade no planejamento e na execuo das polticas pbli-cas; a diversidade cultural pode ser promovida e protegida na programao de entretenimento; e as diferentes vozes da sociedade podem ganhar visibi-lidade pblica. (SIQUEIRA e CANELA, 2011, p.84)

    Contudo, no se observa na atualidade brasileira uma mdia plural, devido s barrei-ras impostas pela existncia de mdias desregulamentadas, nas quais se encontra pouca diversidade de expresso. Nas palavras dos autores, no campo da mdia (...) preciso que haja alguma forma de regulao, a fim de que as assimetrias sejam equalizadas o mximo possvel. Sem essa regulao no h promoo da diversidade (SIQUEIRA e CANELA, 2011, p. 86).

    Dessa forma, a regulamentao da mdia possibilitaria a promoo das diversidades e, consequentemente, uma pluralidade, medida que, dentre outros benefcios, haveria regulao do contedo, do uso do espectro com transparncia da propriedade, infraestru-tura capaz de sustentar produo miditica independente, comunitria e, portanto, plural.

    Assim, regular a mdia com o objetivo de promover o pluralismo e a di-versidade requer um conjunto de aes, entre elas: 1. Mecanismos para restringir a concentrao de propriedade e de prticas de monopolizao e oligopolizao do mercado e, ao mesmo tempo, estimular a concorrncia entre as corporaes de mdia, a fim de promover o pluralismo externo; 2. Regras que garantam (...) a presena de contedos nacionais, locais e produzidos de maneira independente; 3. Manuteno de um canal pbli-co, sujeito a regras especficas (...), para promover o pluralismo e, assim, contrabalancear a ao dos canais privados; 4. Fortalecimento dos canais comunitrios de mdia. (SIQUEIRA e CANELA, 2011, p.93)

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    Ademais, os autores sugerem uma ao mais ampla da regulao de mdia que seria a educao do pblico para utilizar os meios de comunicao com mais autonomia. Para eles,

    (...) o preceito bsico das aes de mdia-educao aprimorar a qualidade da experincia das pessoas com as mdias, desenvolver nelas a conscincia sobre o papel social dos meios de comunicao e sobre os seus direitos no tocante ao acesso informao e liberdade de expresso. Essas aes con-tribuem para tornar os usurios mais autnomos, capazes de exercer seus direitos para reivindicar mais qualidade na mdia. (2011, p. 92)

    Dotados dessas habilidades bsicas provenientes da educao para a mdia, o ci-dado estar apto a se relacionar melhor com os meios de comunicao, aprimorando o olhar crtico, a autonomia para solucionar problemas e o desenvolvimento das competn-cias de comunicao e expresso, o que, para Ulla Carlsson (1950), resulta num indivduo construtor de uma opinio socialmente informada capaz de expressar melhor sua opinio, tanto individual quando coletivamente.

    Rothberg (2006) cita que, sob a perspectiva de Livingstone e Thumin, o media li-teracy (mdia-educao) a capacidade de ter um olhar crtico a respeito de contedos advindos dos mais diversos meios de comunicao de massa, o que inclui a internet.

    As autoras enunciam cinco qualidades ideais para o desempenho de um indivduo completamente alfabetizado pela mdia: 1. Separar fato de fico (...); 2. Entender os mecanismos de produo e distribuio (...); 3. Distin-guir uma reportagem da mera defesa de pontos de vista (...) e reconhecer mensagens comerciais embutidas na programao; 4. Reconhecer as exi-gncias econmicas e culturais e os imperativos da lgica da exposio jornalstica na produo de notcias; 5. Explicar e justificar as escolhas de assistir a programas e veculos de comunicao, apresentando opes pon-deradas e distncia crtica. (ROTHBERG, 2011, p. 166)

    Nesta tica, os cidados educados no processo de mdia-educao sero capazes de reivindicar direitos e obrigaes da mdia para com a sociedade.

    A qualidade obtida a partir do fortalecimento generalizado do exerccio dos direi-tos civis e polticos entre a populao de um municpio, regio ou pas (ROTHBERG, 2006, p. 156) caracteriza o conceito de capital social. Este prprio de uma sociedade democrtica, em que a atuao popular situa-se como centro prioritrio do sistema polti-co, participando dos processos de definio de polticas pblicas. Assim, o capital social geraria certo engajamento cvico e prtica cidad, reflexo da opinio pblica.

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    Ademais, entende-se que o Estado no pode prescindir do pblico (ROTHBERG, 2006, p. 156), uma vez que as instituies, sozinhas, no so capazes de construir cami-nhos seguros para o desenvolvimento dos segmentos sociais envolvidos em determinada poltica publica (idem). Dessa forma, a participao da sociedade civil nas decises propiciaria a produo de respostas desejadas pelas comunidades, isto , sucesso admi-nistrativo.

    Os conselhos de mdia, segundo Rothberg, seriam um canal de participao pblica, para que as pessoas, juntas, possam decidir sobre os diversos vieses da comunicao. Por esse caminho, a mdia se autorregularia, atendendo a demanda social de pluralismo e diversidade. Seria uma maneira de utilizar a opinio pblica (...) com a finalidade de fazer presso sobre a mdia para que ela sirva melhor populao. (ROTHBERG, 2006, p. 164)

    Enfim, o capital social daria vazo s

    (...) instncias de participao aptas a exercer presso para que os veculos cumprissem o papel que deles se espera nas democracias liberais contem-porneas, qual seja o de dar vazo pluralidade necessria constituio de sujeitos autnomos, estritamente necessrios em um sistema poltico que elege a participao cvica como vetor de desenvolvimento. (idem, p.160).

    O fenmeno da cultura de convergncia proposto por Jenkins corrobora com a ideia de mdia-educao, pois diz respeito a um cenrio em que, em suas palavras, velhas e novas mdias colidem, onde mdia corporativa e mdia alternativa se cruzam, onde o po-der do produtor de mdia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisveis (2008, p. 27). Para o autor, a convergncia de criao cultural em diversos setores midi-ticos, que se d a partir da dissoluo das fronteiras entre produo e consumo. Consu-midores tornam-se produtores e sua produo livremente acessvel, o que ilustrado nas palavras de Navarro: a convergncia miditica no apenas um processo tecnolgico; antes de tudo um fenmeno cultural que envolve novas relaes entre os produtores e os usurios da mdia. (2010, p. 14)

    Dessa forma, Jenkins constata que h uma velha noo de convergncia que pri-mordialmente tecnolgica. O novo conceito cultural. (2008, p.14). Logo, a cultura dei-xa de ser apenas para consumo e passa a ser passvel de produo, como afirma Navarro a convergncia miditica tende a expandir essa possibilidade de participao porque permite maior acesso produo e circulao de cultura (NAVARRO, 2010, p. 15). Com a ressalva de acirrar a excluso daqueles que no tm acesso aos meios de comuni-cao e se tornar hostil diversidade. Nas palavras de Jenkins: aqueles sem acesso s tecnologias, bem como ao capital social e cultural necessrio para utiliz-las, vo sendo

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    excludos de uma participao ampla (In: NAVARRO, 2008, p. 16). Assim, o emprego da mdia-educao torna-se indispensvel formao de cidados independentes intelec-tual e culturalmente, autnomos na produo de materiais transmiditicos e na elaborao de solues a conflitos cotidianos.

    Portanto, o desafio que emana dessa nova conjuntura tecnolgica e cultural no sentido de auxiliar os indivduos a adquirirem os hbitos mentais necessrios para se engajar plenamente com o pblico em rede, para colaborar com uma comunidade de conhecimento complexa e diversa, e para se expressar numa cultura muito mais partici-patria. (NAVARRO, 2008, p.18)

    Opinio Pblica e Poltica

    Este ltimo item do artigo trata da relao entre democracia, comunicao e opinio pblica. Sem a pretenso de se fazer grandes questionamentos sobre o assunto, o objetivo traar consideraes sobre essa relao que vem direcionando o desenvolvimento da histria da humanidade.

    A expresso Opinio Pblica possui diversas acepes em seu uso no campo das Cincias Sociais e no campo da Comunicao, por isso, estabelecer um conceito nico e universal seria praticamente invivel. Nesta discusso, consideraremos a opinio pblica como um conjunto de ideias, juzos e pensamentos expressos por grupos polticos, econ-micos, sociais e miditicos, que de certa forma apresenta consenso em seus discursos em relao a determinados temas de interesse coletivo (GOMES, 2000).

    Para Habermas (2003), um dos grandes tericos da rea, o espao dessa manifesta-o opinativa a esfera pblica, entendida com um fenmeno social dinmico e perme-vel, capaz de congregar opinies.

    A esfera pblica pode ser descrita como uma rede adequada para a comu-nicao de contedos, tomadas de posio e opinies; nela os fluxos co-municacionais so filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opinies pblicas enfeixadas em temas especficos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pblica se reproduz atravs do agir comunicativo, implicando apenas o domnio de uma linguagem na-tural; ela est em sintonia com a compreensibilidade geral da prtica comu-nicativa cotidiana. (HABERMAS, 2003, p. 92)

    As discusses sobre opinio pblica e poltica adotaram um novo rumo com o sur-gimento dos meios de comunicao de massa, que passaram a interferir diretamente nas formas de elaborao, difuso e publicizao de informaes de interesse coletivo. De

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    certa forma, alavancaram as questes ligadas experincia democrtica, uma vez que, com o alcance dos meios de comunicao, a informao ganhou maior visibilidade e audincia. Pode-se dizer que os meios de comunicao, a poltica e a esfera pblica for-mam um verdadeiro sistema articulado e complexo de produo, circulao e consumo de informaes e opinies polticas.

    E de tal forma que grande parte da energia poltica se consome na produ-o da opinio publicada na esfera da exibio pblica e nos consequentes esforos de formao de construo, controle e imposio da opinio domi-nante sobre matrias em disputa. (GOMES, 2000, p.10)

    Gomes (2000), em seus estudos, faz uma interessante distino entre trs vertentes de compreenso do fenmeno da opinio pblica: a primeira seria a relacionada opinio poltica, a segunda vertente vincula opinio pblica ao debate poltico, compreendendo-o como opinio publicada na esfera pblica. E por fim, a terceira relaciona opinio pol-tica com a produo da opinio do pblico. Vale ressaltar que o termo opinio pblica, apesar de aceitar diversas referncias, est sempre associado ao fenmeno opinativo e a algum posicionamento de maneira coletiva.

    Ainda segundo o autor, em alguns casos opinio pblica entendida como o con-junto de pblicos genricos, ou seja, pode-se usar a expresso como sinnimo de povo. Essa forma utilizada quando se pretende referir ao poder dos sujeitos que formam a opinio pblica, como por exemplo, a presso do povo, dos eleitores, diante de casos de corrupo no governo. Nessa acepo poderia se acenar, sem perda de sentido, como a presso da opinio pblica.

    E tal modo, uma importante discusso se coloca quando se refere ao fenmeno da opinio publicada, ou seja, aquela opinio que est ao alcance de todos os cidados. As campanhas desenvolvidas pelo governo federal so exemplos da publicizao da opinio em esferas pblicas. Essas, por sua vez, ao se propagarem, promovem um amplo debate poltico em torno de questes importantes para a manuteno da vida em sociedade.

    Assim, o desenvolvimento dessas campanhas coloca na agenda poltica social a dis-cusso sobre estes temas de interesse pblico, o que, consequentemente, faz com que o governo interfira na opinio pblica, modelando o debate para o tratamento de certos assuntos em detrimento de outros.

    Exemplificando esta ideia, em uma notcia publicada no ms de outubro de 2011, o Portal 20142, veiculou a informao de que o governo federal, preocupado com as cenas ____________________________2Governo federal prepara campanha antirracista para a Copa. Notcia veiculada no site Portal 2014 no dia 04 de outubro de 2011. Disponvel em: http://www.portal2014.org.br/noticias/8170/GOVERNO+FEDERAL+PREPARA+CAMPANHA+ANTIRRACISTA+PARA+A+COPA.html

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    de racismo protagonizadas no futebol, est preparando uma campanha antirracista para a Copa de 2014. Neste caso, fica evidente a participao do governo, que com seu poder de persuaso, credibilidade e alcance, consegue colocar na pauta de discusso assuntos im-portantes e de interesse pblico, utilizando-se para isso as ferramentas de comunicao.

    A publicidade da opinio que assim se constitui consiste, antes de tudo, em conferir-lhe cidadania na esfera pblica opinativa ou, mais especifica-mente, no debate pblico. Mas preciso ir alm. Atravs dessa visibilida-de na esfera dominante se pretende fazer com que o pblico que a ela se expe adote como prpria a opinio publicada por um sujeito de interes-ses, selecionando-a dentre as outras posies oferecidas no debate pblico. (GOMES, 2000, p.11)

    Desta forma, a relao que se estabelece entre opinio pblica e poltica se do de forma dialtica, uma vez que, a poltica, compreendida como instituio, consegue inter-ferir na opinio pblica, e em outros casos, admite-se tambm o inverso, uma vez que a sociedade civil pode, em certas circunstncias, ter opinies pblicas prprias, capazes de influenciar o complexo parlamentar, obrigando o sistema poltico a modificar o rumo do poder oficial (HABERMAS, 2003, p.94). Isso frequentemente ocorre com as presses que brotam no seio da sociedade civil e que por meio da mdia, ganham visibilidade e fora, interferindo na agenda poltica nacional.

    Por isso, a partir da compreenso dos fenmenos relacionados produo, circula-o de opinies e sua relao com a mobilizao social, percebe-se que os aspectos comu-nicacionais e a formao da opinio pblica so parte integrante do estudo das relaes entre poltica, comunicao e cidadania.

    Sem dvida, para que se possa situar a opinio pblica como agente de mobilizao social, necessrio antes definir alguns aspectos relacionados aos direitos individuais e coletivos, direitos que legitimam a fora da opinio pblica e da organizao da sociedade para defenderem suas posies num contexto liberal democrtico.

    Deste modo, entendendo que a cidadania constituda pela realizao de direitos ci-vis, polticos e sociais, Peruzzo (2008) diz que o direito comunicao est imerso nestas trs esferas dos direitos cidados. Os dois primeiros - civis e polticos - so considerados pela literatura poltica como direitos de primeira gerao: liberdade individual, de ir e vir, de ser reconhecido legalmente, de pertencer a uma nao, de expressar opinies e cren-as, dentre outros (civis); e liberdade de se associar, interferir, participar politicamente (polticos). Os direitos de segunda gerao, direitos sociais, consistem em participao com igualdade no nvel de vida e do patrimnio social e pblico - tanto de bens tangveis como intangveis. E, por fim o direito comunicao, tanto aos meios de produo quanto

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    ao acesso informao, que pertence a este do escopo social. Bobbio (1992) e Vieira (2000) explicam ainda o surgimento de direitos de quarta

    gerao, que seria o reconhecimento dos direitos humanos como direitos coletivos. quando passam a ser considerados os direitos de mulheres, idosos, crianas, naes, co-munidades, pessoas com condies fsicas diferenciadas e todos aqueles que de alguma forma se encontram desamparados em meio tirania da maioria existente na demo-cracia representativa, os quais necessitam de maior expresso para terem seus direitos e necessidades atendidos.

    A forma utilizada por essas minorias sociais entendidas aqui como grupos com menos expressividade, mas no necessariamente menor em nmero de integrantes - para a conquista de seus direitos a mobilizao social. Esta consiste na reunio de um grupo minoritrio com posterior conscientizao das pessoas que no fazem parte deste grupo, mas que podem sensibilizar-se pela a causa. A partir da, estruturam-se as aes de luta por direitos.

    Segundo Souza,

    A comunicao possui papel fundamental aos processos de Mobilizao Social, especialmente no enfrentamento e debate de questes sociais de interesse pblico, onde os direitos dos cidados sejam civis, polticos ou sociais, so referenciados por valores prprios da democracia. (2011, p.3).

    Portanto, possvel compreender a comunicao como um fator determinante para a mudana social. So necessrios espaos para debate, passeatas, pautas jornalsticas, criaes artsticas e culturais, enfim, todas as formas de incluir uma questo social no entendimento popular.

    Outros aspectos para a mobilizao social so apontados por Henriques (2010), que elenca as principais condies de coletivizao para a formao e manuteno de um grupo mobilizado como sendo: a concretude na qual os pblicos reconhecem e se co-movem com a problemtica identificando-as diretamente com o seu cotidiano; o carter pblico - quando a questo central compreendida como sendo de todos e no de carter particular; a viabilidade - relativa compreenso de que os pblicos tm condies, tanto informacional quanto de governabilidade, de mudar a situao pela qual esto engajados; e o sentido amplo quando o debate proporciona mltiplos discursos e vises a respeito do tema, o qual a partir do compartilhamento e exerccio da democracia faz surgir vrios valores. a maneira de convocar outros sujeitos a participarem da mobilizao.

    O embate de ideologias sociais, culturais e, consequentemente, polticas, nesse pon-to, o que ir definir os aspectos apontados por Henriques. Na perspectiva brasileira possvel admitir a existncia do monoplio histrico de determinados grupos como

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    detentores dos meios de comunicao de massa. Estes grandes agentes de mudana (ou de estagnao) da democracia no pas tornam ainda mais difcil expresso dos grupos minoritrios. V-se que os grupos de presso que necessitam de maior expressividade na sociedade utilizam de formas alternativas de comunicao para atingirem seus objetivos:

    A comunicao faz parte dos processos de mobilizao dos movimentos sociais em toda histria e em conformidade com os recursos disponveis em cada poca. O Frum Social Mundial, por exemplo, tem grandes pro-pores porque soube usar a internet como canal de comunicao. Os mo-vimentos sociais especficos tambm esto adequados s condies dadas para poderem se comunicar. No Brasil, estes sempre usaram meios prprios de comunicao, at pelo cerceamento sua liberdade de expresso por meio da grande mdia. Do panfleto ao jornalzinho e dele ao blog e ao we-bsite na internet, do megafone ao alto-falante, e dele rdio comunitria, do slide ao vdeo e dele TV livre e ao canal comunitrio da televiso a cabo, so evidncias do exerccio completo do direito comunicao como mecanismo facilitador das lutas pela conquista de direitos e cidadania (PE-RUZZO, 2008, p.4).

    compreensvel admitir, ao final dessas consideraes, que a afinidade entre pol-tica, opinio pblica, democracia e mobilizao social uma relao de foras de influ-ncia, ou seja de poder. A opinio pblica pode ser vista como um termmetro do poder. Existem diversos agentes nessa equao: governo, oligarquias, minorias sociais, grupos de presso, partidos polticos, grandes empresrios, associaes de classe, sindicatos, as-sociaes de bairro, grupos religiosos, organizaes no governamentais; todos formam a sociedade civil.

    As diversas lutas de interesses e conflitos polticos fazem parte do sistema demo-crtico, e so estes os fatores que impulsionam a sociedade para mudanas, as quais s acontecem se so aceitas, ou consentidas, pela opinio pblica. De novo, retornamos questo dialtica: a opinio pblica produto desses entraves, resultado de debate, de conflitos; mas tambm produtora e mobilizadora desses mesmos aspectos. Ela o fator determinante para a mudana, pois suscita as mudanas aceitas pela sociedade. Ela mensurvel, por meio de sondagens e pesquisas, sendo possvel entender as questes polticas, a correlao de foras e alguns outros fatores que fazem parte do espectro da sociedade civil.

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    Consideraes

    A partir das reflexes apresentadas e contrariamente ao que poderia dar a entender o termo opinio (o qual inclui a ideia de um julgamento racional ou de uma opinio argumentada), a opinio pblica construda sobre os afetos - amizades, cultura, tradi-o, costumes, educao, inclinaes, rumores entre outros os quais so posteriormente racionalizados.

    Desta maneira a opinio pblica estabelecida ou arquitetada mediante o mecanis-mo de essencializao e da fragmentao. A essencializao destaca o que mais signi-ficativo na opinio relativa (aquela passvel de discusso) transformando-a num opinio coletiva absoluta mediante as narrativas dramatizadas e as influncias politicas, de li-deranas e dos comentrios das mdias. J a fragmentao decorre da superposio de opinies coletivas divergentes e conflituosas, devido s mltiplas posies que abrangem desde as de cunho religioso, lutas de classes, divergncias tnicas, at a quantidade de in-formao a que so expostos, conflitos de memria etc. (CHARAUDEAU, 2008, p. 253).

    Nesta perspectiva possvel dizer que quanto mais uma opinio partilhada por um grande nmero de pessoas, maior sua capacidade de atrao e sua racionalizao mais sutil. V-se ento que a opinio oscila entre a opinio relativa de um determinado pblico e a opinio coletiva de um segmento bem maior, por isso complexo falar em opinio pblica: seria melhor falar de opinies pblicas, embora cada uma delas acredite ser nica e verdadeira. Evidentemente, todas elas se alimentam nos sistemas de valores, na cultura do ambiente, na educao e na poltica vigente se fundindo e interferindo no imaginrio social de cada segmento da populao.

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  • Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente

    Professor do programa de Ps-graduao em Comunicao e dos cursos de Graduao em Comunicao da FAAC-UNESP. Professor Convidado da Universitat Jaume I, Espanha. Autor do livro: Historia e Comunicao na Nova Ordem Internacional, tema das pesquisas e publicaes mais recentes. Coordena o Grupo de Pesquisa Mdia e Sociedade.

    OPINIO PBLICA E SOCIEDADE

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    A abordar um tema to complexo como a Opinio Pblica demanda tomar algu-mas precaues e expressar claramente em quais parmetros pretendemos estabelecer nossa discusso. Um primeiro ponto diz respeito delimitao de conceitos envolvidos na expresso Opinio Pblica. Inicialmente pode parecer um assunto menor uma vez que a prpria expresso induzir seu significado: as ideias de conhecimento geral de um agru-pamento humano. A questo no reside em delimitar os conceitos e sim em problematizar sua abrangncia para vislumbrar seus possveis desdobramentos.

    O termo opinio se relaciona com a maneira de ver, pensar e interpretar os fatos. Os fatos, tal como ocorrem e podem ser observados, se caracterizam por interferir no contexto social provocando reaes e vises nem sempre unanimes. Ou seja, a opinio diz respeito a juzos de valor provocados pelos eventos sociais. Haveria, portanto, in-meros fatores a serem destacados na consolidao da opinio como costumes e tradies, elementos presentes em qualquer agrupamento humano e determinantes na aceitao das explicaes pela maioria dos membros da sociedade. Por isso utilizaremos o conceito de opinio como a expresso ou expresses resultantes de uma atitude ou da soma de sentimentos e convices que uma pessoa pode ter sobre qualquer episdio que venha a acontecer.

    O termo pblico exige, tambm, uma aproximao ao seu significado e a forma como ser tratado no presente texto. Ao contrario de privado instncia do domnio par-ticular- pblico faz referencia aos interesses comuns de qualquer agrupamento humano. Por tal motivo aconselhvel falar de pblico em plural (pblicos) uma vez que difcil referir-se coletividade como um ente homogneo. Justamente a existncia da diversi-dade gera embates que, em definitiva, visam legitimar ideias e interesses de segmentos sociais. Imaginar que essa tentativa ocorre, apenas, no mbito da argumentao no cor-responde com a verdade uma vez que encontramos, com frequncia, o uso da fora para por em prtica representaes sociais.

    Se juntarmos os termos, portanto, estamos nos referindo a juzos de valor carregados de significaes com repercusso social que visam tornar hegemnicos interesses espe-cficos nem sempre aceitos na sua totalidade pela coletividade. Para que exista opinio pblica, portanto, necessrio ter pelo menos um ponto de vista de interesse coletivo e

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    sua colocao para discusso no mbito social. A formao da Opinio Pblica passa por um momento de construo interna antes de se apresentar difundida e apresentada como pblica. Dessa maneira se rejeita o carter negativo atribudo ao conceito de Opinio Pblica entendida como unanimidade ou totalidade imposta sem que gere contradies. Procurar entender como, no passar do tempo, algumas explicaes se tornaram predomi-nantes quando se falava em Opinio Pblica ajuda na compreenso da complexidade e amplitude envolvidas no conceito que ainda hoje se encontra em construo.

    Sua origem se remonta ao primeiro agrupamento humano embora seja comum acei-tar a Grcia como o lcus privilegiado onde se formulam os componentes da Opinio Pblica moderna. Isso ocorre em funo da forma de se exercitar o poder nas cidades-estados principalmente Atenas. Instituies criadas nessa sociedade, como a Ecclsia, por exemplo, visavam proporcionar a igualdade perante a lei, no acesso ao poder e no uso da palavra. Os desacordos e opinies divergentes se solucionavam com a linguagem e sua fora argumentativa e persuasiva. Todo esse construto nos o conhecemos como a retrica empregada nas explanaes na hora de defender determinadas posies.

    Contudo, no se pode imaginar a experincia grega como um modelo ideal. Escra-vos, pessoas no nascidas na cidade e mulheres eram excludas sistematicamente desse processo. O julgamento de Scrates, por exemplo, revela como nem sempre se aceitavam posicionamentos mais radicais. Assim, o que se entende por democracia grega deve ser relativizado em funo de suas prticas. Mesmo que o debate facilitasse a manifesta-o de interpretaes diferentes para administrar a cidade vigorava e excluso social na formao da Opinio Pblica. A situao da Grcia j antecipa os embates posteriores embutidos na Opinio Pblica.

    De fato algumas consideraes podem ser extradas dessa experincia. Para os gre-gos era necessrio manter a comunidade unida para conseguir sobreviver e ampliar seu poder o que no impediu o surgimento de rivalidades e de cises. Cada uma dessas ver-ses tentava provar que sua concepo era o melhor para o individuo e para a sociedade. Essa alternncia de vises coloca o conceito de Opinio Publica num procedimento de constante transformao no qual o cidado vai adquirindo conhecimento e aprimorando sua compreenso dos temas em debate. A caracterstica mais relevante da Grcia reside na forma direta de participao. As decises se votavam e aprovam na praa pblica criando-se, dessa maneira, a ideia de democracia participativa e no delegativa.

    Dando um salto temporal significativo nos deparamos na criao dos Estados Mo-dernos, no fim da Idade Mdia, com uma configurao responsvel pela consolidao de novas formas de se entender a Opinio Pblica. As possibilidades de participao se redu-zem, em parte por haver uma expanso territorial significativa, mas, principalmente, por se constituir o estado absolutista adverso s prticas democrticas to avanadas como as existentes na Grcia. Dois novos instrumentos emergem criados pelo Estado: a burocracia

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    e o sistema nacional de impostos. Por meio deles o poder pblico se torna presente na so-ciedade, mas seu resultado acaba sendo o contrrio do esperado com essas medidas. Nem a burocracia escuta e consulta os cidados nem os impostos se traduzem em benefcios para as comunidades. Nas contundentes palavras de Habermas (1994, p. 56):

    O poder pblico se consolida como um estar sempre na frente daqueles que lhe esto meramente submetidos e que, portanto, s encontram nele sua prpria determinao negativa. Porque eles so as pessoas privadas que, por carecer de cargo algum esto excludas da participao no poder pbli-co. Pblico neste estrito sentido resulta anlogo a estatal.

    Consolidava-se um sistema, posteriormente denominado de capitalismo, caracteri-zado pela supremacia do comercio e da existncia de informaes, mantidas em segredo, mas destinadas e favorecer os burgueses e suas transaes comerciais. Os negcios pri-vados, sob a guarda do Estado, tornam-se pblicos enquanto se sofisticam as maneiras de validar as opinies da burguesia. A oratria abre espao a modernas tcnicas de cir-culao impressas, incluindo gravuras, destinadas a fortalecer explicaes legitimadoras do novo sistema estabelecido. Por sua vez, os ausentes das esferas do poder recebero informaes sobre as atividades do poder pblico personificado na figura do monarca.

    O desenvolvimento dessa mistura entre a personificao e estatizao criou uma ideia da Opinio Pblica fundamentada em estruturas distantes das necessidades da popu-lao agora entendida como passiva e incapaz de expressar opinies. Resgatava-se, dessa maneira, a pior das interpretaes dos pensadores gregos como Plato e Aristteles para quem a populao seria incapaz de compreender e pensar sobre determinados assuntos considerados complexos e de difcil soluo. A ideia de Opinio Pblica regride e pensa-dores, como Maquiavel, por exemplo, aumentam o coro daqueles que viam na sociedade empecilhos fortes para que se pronunciasse sobre as questes do Estado.

    As contradies dentro desse sistema comearam aparecer em funo da divergncia entre o avano econmico experimentado pela burguesia e sua submisso ao aparelho burocrtico estatal. Esse hiato marca uma nova estratgia de consequncias marcantes at o momento atual em relao formao da Opinio Pblica. A burguesia vai recorrer a estratgias sutis para deslegitimar a ordem absolutista. Panfletos, teatros, reunies, busca de novas formas de pensar, entre outros, sero os mtodos empregados para sustentar a ideia de que o poder pblico mantinha em secreto muitas das suas atividades impedindo a publicidade das prxis de poder. Questiona, junto com a maioria da populao, se as leis emanadas do absolutismo (leis essas que limitavam os direitos da sociedade civil) no deveriam ser aplicadas tambm aos soberanos. Dessa maneira direciona a disputa em torno de uma nova definio de lei que deveria ter por base a razo e o reconhecimento

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    popular. Tanto a lei como a razo se fazem manifestas atravs da Opinio Pblica e ela ser a nica fonte legitima de leis agora contrrias ao domnio absoluto dos monarcas. A Opinio Pblica se vincular com os processos legislativos configurando uma concepo moderna dos direitos, em especial do direito privado baseado em pessoas privadas dedi-cadas ao livre trfico comercial. Estava justificada a Revoluo Francesa.

    No resulta estranho encontrar nos pensadores iluministas as ideias sobre as quais se assentavam os avanos das camadas sociais na luta por delimitar o estado absolutista. Dentre eles Rousseau (2006) sobressai por ser um crtico contundente do absolutismo e da noo de propriedade privada. Contrariamente a esses princpios advoga pela imple-mentao de pequenos estados nos quais ocorreria a democracia direta (sistema grego das cidades estado) e o fim da propriedade privada (tudo seria de todos). Vale salientar, nesta breve descrio das ideias de Rousseau, que a pretenso final do pensador residia na busca do triunfo da coletividade sobre os egosmos e vontades individuais. Para isso a Opinio Pblica deveria ser soberana e respeitada por todos.

    Justamente esse carter radical defendido por Rousseau causou a reao imediata dos setores que mais tinham a perder com essa perspectiva social: a populao mais carente. O aflorar dos movimentos revolucionrios radicais no andamento da Revoluo Francesa geraria estratgias e medidas com uma a clara finalidade de inibir os indcios dos movimentos mais extremistas. De qualquer forma ficava evidente o perigo que repre-sentavam as massas concentradas nos centros urbanos que no paravam de crescer e que reagiam diante da forte excluso social sofrida durante sculos.

    Preocupados com essa questo os mecanismos para controlar as opinies circulantes na sociedade comeam a aparecer. A sociedade moderna, urbana, tal como emergia no final do sculo XVIII e inicio do XIX mostrava vulnerabilidade s formas clssicas de controle social. O uso da fora apenas servia para ampliar o descontentamento das mais diversas camadas sociais. Por outro lado a concepo do exerccio do poder implicava na divulgao das atividades do parlamento, na exposio partidria ao eleitorado e, princi-palmente, a busca pela legitimidade do poder pblico.

    A noo de Opinio Pblica ganha contornos relevantes uma vez que a definio de modelos sociais passava pelo crivo das consultas populares. Dessa forma a visibilidade das aes do poder poltico tornou-se vital para adquirir legitimidade por parte dos gover-nantes. Vrios instrumentos se utilizam nesse empenho notadamente os meios de comu-nicao responsveis por tornar pblicas as aes do poder institudo. As denominadas massas urbanas passaram a ser mais ativas reivindicando avanos nos mais variados seto-res da sociedade. Dessa maneira a Opinio Pblica nesse contexto passa a ser o eixo cen-tral por filtrar as propostas polticas e organizacionais da sociedade. Na medida em que adquire relevncia tambm se tornam complexos as maneiras como os grupos dirigentes se manifestas diante das massas cada vez mais ativas na definio dos projetos sociais.

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    Walter Lippmann (2008) aparece, logo no inicio do sculo XX, como um dos au-tores que muito contribuiu para decifrar essa configurao social. Por um lado estuda as maneiras como se consolidam as opinies destacando o papel que jogam nessa formao os esteretipos, e por outro indica como se deveria formar a Opinio Pblica das pessoas exercitando a crtica ao modelo democrtico. Devemos destacar que sua obra seminal A Opinio Pblica sai a pblico em 1922, portanto num momento em que o mundo ainda vivenciava os desdobramentos da Primeira Guerra Mundial.

    Essa contextualizao resulta vital, pois ao analisar como as pessoas adquirem co-nhecimento dos fatos para formar sua opinio opinio que posteriormente se tornar pblica- Lippmann salienta a falta de conhecimento direto que as pessoas tinham em relao maneira como consolidam seus iderios. Emitem-se opinies com relao aos acontecimentos, mas sem saber se as informaes que recebemos sobre eles so verda-deiras. No entanto, prossegue Lippmann, as pessoas na sociedade atuam como se tais acontecimentos fossem vlidos. O resultado dessa dicotomia preocupante na medida em que as pessoas pensam que agem por informaes e valores adquiridos como verdadeiras. Entretanto o resultado dessas aes ser passvel de manipulao por partir de informa-es parciais e, via de regra, manipuladas. Para ter um conhecimento mais ou menos realista da sociedade necessrio saber o que sucede com a informao, como acedemos a ela ou de que maneira nos chega.

    Lippmann prossegue na elaborao de seu raciocnio mostrando como os estere-tipos colaboram para formar uma viso equivocada nas pessoas uma vez que eles corro-boram na formao de uma viso de mundo que se torna parmetro para avaliao dos dados auferidos. Da que quando algo no se encaixa com o esteretipo que tnhamos formado nos surpreendemos e num princpio nem sequer o aceitamos. Assim, atravs dos esteretipos, vemos o mundo como acreditamos que seja e no como ele . Os dirigentes, sabendo disso atuam para reforar os esteretipos eliminando as opinies originais e im-pedindo os cmbios sociais.

    Definida a forma como se consolidam as opinies adentra na crtica ao modelo de-mocrtico. Para ele, as anlises do sistema democrtico privilegiaram os estudos com a forma como se cofigurou a maquinaria para formar a Opinio Pblica e se deixaram de lado os estudos das fontes e os processos vinculados com sua origem e formao. Por isso sugere que as pessoas desenvolvam o esprito crtico e desconfiem de quem tentam mani-pular as informaes notadamente as de cunho poltico. Sua proposta avana no sentido de defender a concepo de um grupo especial, livre de interesses, para interpretar os fa-tos e assim fornecer opinies mais verdadeiras sociedade. O resultado final esperado seria que a sociedade recuperasse o controle social.

    Lippmann estabelece parmetros importantes usados, posteriormente, em quase to-das as abordagens relacionadas com a Opinio Pblica. Sua contribuio faz com que

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    se levem em considerao no conceito de Opinio Pblica a psicologia das massas e o surgimento da Cincia da Comunicao, pois se entende a Opinio Pblica como a soma de opinies e atitudes de uma determinada sociedade. A Opinio Pblica j no se obser-vava como o resultado do debate racional entre cidados, seno como a consequncia, em geral negativa, de um novo modelo de sociedade: a sociedade de massas. Nesse sentido algumas matrizes podem ser identificadas na hora se estudar o tema em questo.

    Uma das interpretaes preocupadas com essa nova viso da Opinio Publica emana dos autores marxistas. Para esse grupo a Opinio Pblica um reflexo no da maioria da populao e sim de uma classe, a burguesia, que determina a forma de interpretar os acontecimentos por ser a classe dirigente. A Opinio Pblica seria isso, um resultado dos embates sociais no qual o grupo dominante exerce sua hegemonia em detrimento da maioria da sociedade. Enquanto detentor dos meios de produo se coloca numa situao privilegiada, pois alm de manter os recursos econmicos influencia na formao ideol-gica criando uma falsa conscincia do que sejam os bens pblicos.

    A evoluo e o desdobramento do marxismo gera outra interpretao reunida no que se convencionou denominar de Escola de Frankfurt. Embora seus representantes mante-nham peculiaridades na forma de entender a Opinio Pblica coincidem em alguns posi-cionamentos tericos. Um deles diz respeito a critica do iluminismo e ao endeusamento da razo como forma de entender a realidade. Ocorre que a excessiva nfase dada a essa questo diminuiu a capacidade crtica das pessoas que acabaram sendo alienadas diante da presena dos meios de comunicao de massa e das medidas geradas pelo poder p-blico. O comportamento social deriva dessa premissa e impede qualquer tentativa de fuga por parte dos indivduos. Considerada negativa o posicionamento da Escola de Frankfurt em relao sociedade merece ter um destaque na compreenso do que seja a Opinio Pblica por alertar, entre outras coisas, sobre o papel que desempenham os meios de co-municao e o poder que exercem na criao das vises sociais.

    Diante do marxismo a sociologia do conhecimento emerge na interpretao sobre o que seja a Opinio Pblica. Para eles fundamental estabelecer as diferenas conceituais que aparecem entre os povos e as culturas. No se pode falar numa nica cultura geradora das vises dominantes e sim se deveria prestar ateno s manifestaes culturais na sua peculiaridade e singularidade, pois elas criam verses e interpretaes diferentes. Nesse sentido rebatem as explicaes marxistas que consideram a existncia de uma epistemo-logia do conhecimento inviabilizando qualquer tentativa de reao por parte da socieda-de. Para os pensadores dessa corrente, como Mannheim ou Parson, se deve prestar mais ateno ao pensamento da vida cotidiana e as suas variaes e manifestaes. De certa forma tentam resgatar a autonomia da Opinio Pblica, negada pelo marxismo e pela es-cola de Frankfurt, embora reconheam ser muito difcil aceitar suas ideias por considerar o sistema social como um todo fechado a qualquer tentativa de mudana.

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    Continuando com uma viso bastante negativa das massas alguns pensadores agru-pados numa corrente denominada do estudo das massas mostram como a sociedade mas-sificada age de forma irracional sendo levada muito facilmente pelos lderes que atuam no seio dela. Estes lderes, conhecendo tal premissa usam os recursos emotivos para atingir a razo, enfraquecida, das multides. Dessa maneira a criticidade se amaina e a discusso inexiste, pois a baixa qualificao das maiorias no permite tais aplicativos. A Opinio Pblica resulta, portanto, da existncia de uma maioria acrtica facilmente dominada pela arguio dos lderes de opinio como podem ser os partidos polticos ou os prprios meios de comunicao social. Um dos expoentes dessa viso Ortega y Gasset (1987). De sua obra mais conhecida La revolucion de las masas, podem ser extrados alguns dos pontos centrais dessa interpretao da Opinio Pblica. Destacam: as massas precisam ser lideradas pelo Estado no s por no terem uma opinio, mas por carecer de elemen-tos que as agreguem; predomina a burocracia estatal impedindo que a sociedade tenha contato com o Estado; as relaes verticais dominam as horizontais e fortalece os laos individuais em detrimento dos coletivos.

    Contrariando essas vises mais negativas de como se forma e se expressa a Opi-nio Pblica emergem pensadores como Habermas (1994) e Elisabeth Noelle-Neumann (1995) que resgatam as possibilidades de se entender esse fenmeno de maneira mais positiva. Esta uma linha de reflexo que provem da tradio do direito, da filosofia e da cincia poltica e aceita a existncia de um Estado democrtico s quando tem a legitimao popular da Opinio Pblica. Faz uma distino entre uma Opinio Pblica real ou crtica que permitir falar de um Estado democrtico autntico e uma pseudo-opinio pblica manipulada que nada mais na opinio de Habermas, do que a realidade da maioria das democracias formais, em onde h uma carncia de mediaes crticas na comunicao poltica. Frente ao verticalismo descrito anteriormente, Habermas reivindi-ca a Opinio Pblica como o resultado de um dilogo racional, plural e mais horizontal.

    J Noelle-Neumann entende a Opinio Pblica como um conjunto de comportamen-tos que constituem a expresso das mentalidades e atitudes das coletividades sobre qual-quer tema. Assim as opinies esto unidas a tradies, valores, preconceitos ou modas em prejuzo de posturas racionais unidas aos aspectos polticos-institucionais. Em sua teoria do Espiral do Silncio assinala que as pessoas prestam ateno s opinies do seu entorno para construir a sua. De alguma maneira, esta se encontra dependente daquela baseada no profundo temor ao isolamento, isto , a presso social pressiona fortemente no sentido de gerar uma unanimidade e evitar as dissonncias. Por isso os que se encontram em minoria se silenciam, mas no se pode falar que no exista diversidade no seio da sociedade.

    Obviamente nem todas as correntes nem todos os pensadores podem ser citados em texto to sucinto. Apenas para finalizar deve ser destacado que com a chegada das Novas Tecnologias da Comunicao e da Informao o debate sobre Opinio Pblica se reacen-

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    de e adquire relevncia para entender o funcionamento social. De alguma maneira a Opi-nio Pblica, via redes sociais e demais ferramentas disponveis ao alcance da populao, vem ganhando fora por conseguir atingir uma populao ampla e que de maneira real tem como se expressar e interferir nos processos sociais. O desafio que emerge relevan-te, pois levanta uma questo crucial: as formas clssicas de representao e formao de opinio esto preparadas para essa nova forma de participao social? Numa tentativa de delinear uma resposta surgem mais duvidas do que resultados concretos. Quem ganha a sociedade civil que parece estar construindo uma nova forma de se expressas nas questes pblicas. Se as abordagens anteriores mostravam deficincias na relao entre Opinio Pblica e configurao social talvez no momento atual caminhamos para um novo pata-mar mas democrtico e participativo. Convm lembrar neste novo momento uma das opi-nies de Castells (2002) que alertam para as questes de fundo o que as pessoas pensam, determina os valores e o destino da sociedade.

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    REFERNCIAS

    BENJAMIN, HABERMAS, HORKHEIMER, ADORNO. So Paulo, Ed. Abril, 1975a (Col. Os Pensadores); Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

    BOURDIEU Pierre, La opinin pblica no existe, In: Voces y Culturas, Mxico, N 10, 1996, 137-146. CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, Sociedade e Cultura. 6 edio, So Paulo: Paz e Terra, 2002.

    ORTEGA y GASSET, Jos. A rebelio das massas. So Paulo: Martins Fontes, 1987.

    HABERMAS, Jrgen: Historia y Crtica de la Opinin Pblica. Barcelona: Serie Maas Media, 1994.

    LIMA, Lus Costa (org.), Teoria da Cultura de Massas, Rio de Janeiro, Ed. Saga, 1969.

    LIPPMANN. Walter. Opinio Pblica. Petrpolis: Vozes, 2008.

    NOELLE NEUMANN, Elisabeth, La espiral del silencio. Opinin pblica. Nuestra piel social, Barcelona: Paids, 1995.

    MANNHEIM, Karl. A sociologia da cultura: So Paulo: Perspectiva, 2001

    MONZN, Carlos. La opinin pblica: Teoras, conceptos y mtodos. Madrid: Tecnos, 1987.

    ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. So Paulo: Russel, 2006.

  • Antnio Francisco (Dino) Magnoni

    Ps-doutorado pela Universidade Nacional de Quilmes, em Indstrias Culturais: projeto Brasil-Argentina de implantao da plataforma nipo-brasileira de TV Digital. Doutor em Educao pela Faculdade de Filosofia e Cincias da Unesp (Marlia/SP) e Jornalista pela Universidade de Bauru. membro do Conselho Consultivo do Frum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) e vice-lder do Laboratrio de Estudos em Comunicao, Tecnologia e Educao Cidad - LECOTEC da Unesp. Professor de Jornalismo e Tutor do Projeto PET/RTV-FAAC Unesp. Sua experincia profissional nas reas de Jornalismo, Radialismo e Educao. Email:[email protected]

    A COMUNICAO E A OPINIO PBLICA NA ERA

    DAS REDES SOCIAIS

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    A pretenso de discutir Comunicao e Opinio Pblica na Era das Redes Sociais em nico artigo poder soar para o leitor como pretenso excessiva de nossa parte. Ob-jetivamente, o artigo se resume em relato histrico-conceitual sobre o trajeto evolutivo dos grupos humanos, de suas prticas e ferramentas de comunicao, que apresentamos de maneira quase ensastica ao leitor. Afinal, nem preciso ressaltar que a ao comuni-cativa consciente est presente entre os indivduos e grupos sociais, desde que o processo evolutivo configurou as primeiras caractersticas antropolgicas de nossos ancestrais hu-manos, um processo vital que se manifestou cotidianamente desde os primeiros instantes das sociedades, independente da capacidade cultural e tcnica de que elas so portadoras ou do lugar em que esto estabelecidas.

    A comunicao falada o fruto vital de uma conscincia antropocntrica que foi adquirida gradualmente durante o percurso evolutivo, tornou-se a principal caracterstica dos seres humanos, um instrumento com capacidade de produzir simbologias coletivas para organizar e transmitir o aprendizado e a memria dos indivduos e dos grupos. O ato de falar permitiu o surgimento de inmeras lnguas e serviu tambm para modelar e disciplinar as prticas scio-culturais e para legar conhecimentos e percepes subjeti-vas, processos e ferramentas produzidas por pequenos grupos ou por grandes sociedades desde o momento evolutivo que os primeiros grandes primatas conscientes surgiram no planeta Terra.

    Nossos ancestrais, ao dominarem a comunicao falada, conseguiram efetivamente aprender, ensinar e constituir repertrios e memrias grupais repassadas oralmente, de gerao em gerao. O desenvolvimento da linguagem falada e de toda a estrutura de conscincia, de conhecimento e memria que ela agregou aos indivduos e aos coletivos, foi a tecnologia de comunicao pioneira, decisiva e definitiva para a construo do gnero humano. A condio humana passou a ser determinada historicamente desde o momento evolutivo em que uma das espcies de grandes primatas desenvolveu consci-ncia de si e de seu entorno. Os ancestrais do homem, ao desenvolverem a capacidade de raciocinar, puderam comear a interpretao das possibilidades do mundo fsico e a recriar imaginariamente aquilo que haviam percebido em um exerccio mental que gerou a sistematizao das linguagens orais (homo loqens) e a capacidade de trabalhar, de usar e de criar ferramentas e armas (homo faber).

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    De um animal frgil, cuja sobrevivncia dependia da disputa com outras espcies, de alimentos sazonais que a natureza oferecia, ele evoluiu para caador onvoro, que galgou o topo da cadeia natural. Os indivduos humanos puderam tornar comuns suas percepes interiores e exteriores ao se utilizarem de vrios rgos e funes do corpo para articular sons com significados atribudos por uma refinada capacidade cognitiva. Para os huma-nos, a inteligncia, a autoconscincia e a linguagem simblica foram conquistas evoluti-vas bastante recentes e decisivas para que nossa espcie, em apenas alguns milhares de anos, assumisse o domnio da Terra.

    No aspecto biolgico, o homem moderno pertence aos grupos dos grandes primatas, ele praticamente primo-irmo dos chimpanzs e dos bonobos, um parente bem prximo dos gorilas e de outros grandes macacos tpicos da frica Central. Os estudos atuais de nossas origens sustentam que foi naquela parte do continente africano o lugar de origem e de partida dos primeiros exemplares do homo sapiens sapiens para a saga da colonizao humana de todas as regies do mundo.

    No entanto, quando analisamos os humanos atuais apenas do ponto de vista bio-lgico, no conseguimos perceber neles muitas caractersticas anatmicas e genticas especiais que justifiquem o fato de que nossos ancestrais tenham conseguido percorrer um trajeto evolutivo to extraordinrio e radicalmente diferente das demais espcies vi-vas existentes na Terra. O homem e todos os grandes animais vertebrados, mamferos e placentrios foram originados pela mesma matriz evolutiva e compartilham projetos biolgicos bastante semelhantes. Portanto, a grande diferena humana em relao aos macacos ou s demais espcies de animais, no fundamentalmente gentica. O que nos difere das demais criaturas a capacidade de pensar, de falar, de criar relaes sociais perenes, de produzir artefatos e produtos culturais materiais e simblicos.

    Com articulao da habilidade de pensar, de analisar e entender o espao vital e de produzir ferramental para resolver necessidades prticas, os humanos puderam ampliar a potncia corporal e foram adquirindo tcnicas que lhes deram poder crescente sobre a Na-tureza e capacidade de sobrevivncia em todos os territrios ao redor do planeta. Assim, eles dominaram o manejo do fogo que permitiu resistir ao frio, a superar a escurido, a co-zer os alimentos e a argila transformada em recipientes e, mais tarde, a forjar os metais. A fundio foi uma descoberta extraordinria que abriu caminho para todas as tecnologias mecnicas contemporneas. Graas aos artefatos de todo tipo, os povos desenvolveram a agricultura fizeram a domesticao de animais e criaram meios de transporte; puderam manufaturar recursos minerais; animais e vegetais; descobriram os sistemas de armaze-nagem e processos de conservao de alimentos; e aprenderam a trocar os excedentes que produziam. A diversidade de ferramentas disponveis em uma sociedade sempre revelou o grau de artifcio, ou seja, de conhecimento acumulado por ela.

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    A escrita surge para superar algumas limitaes da comunicao oral e o texto como primeiro instrumento remoto e atemporal, para ensinar e formar opinio.

    O aprimoramento da comunicao falada foi essencial para a organizao social e para a evoluo cultural dos grupos de ancestrais humanos. A fala, apesar de ser um instrumento plenamente eficiente para a comunicao humana cotidiana, era um sistema social e cultural que apresentava algumas limitaes comunicativas: para haver troca de informaes, era necessria a presena fsica dos falantes. Alm disso, a maior parte de memrias, de relatos e conhecimentos acumulados em cada gerao, por indivduos e grupos, eram perdidos com a morte daquelas pessoas.

    Com a inveno e aperfeioamento da escrita entre vrias culturas, teve incio o ciclo de conservao e transmisso de uma variedade de informaes e de heranas culturais, por meio de tcnicas e de suportes. Os registros escritos de muitos povos deram origem aos primeiros sistemas e tecnologias de comunicao. O domnio da escrita inaugurou a comunicao no-presencial e permitiu que as informaes rompessem as barreiras da distncia e do tempo.

    Com a escrita, a conservao e a circulao das informaes tornou-se indepen-dente da memria, da presena e da existncia dos indivduos. A organizao de acervos escritos, privados e pblicos, facilitou a tarefa de transmisso cultural e a disseminao pblica de prticas e regras sociais e comeou a ser organizado um efetivo instrumento de educao, de informao e de formao de opinio pblica.

    Os registros escritos serviram eficientemente aos diversos propsitos e necessidades de muitas culturas antigas, possibilitaram a preservao da criao coletiva e do aprendi-zado social e a transmisso das tradies e da histria de cada poca. Foram os sistemas escritos que tambm permitiram que as pesquisas histricas e arqueolgicas resgatassem informaes sobre muitos povos desaparecidos. Babilnios, egpcios, fencios, gregos, romanos e chineses so alguns dos povos que desenvolveram complexa estrutura de comunicao e de trocas de informaes escritas que lhes permitiram o incremento, a consolidao e a transmisso histrica de suas culturas. Muitas sociedades grafas que cresceram e desapareceram em todas as regies do planeta, s podero ter o registro de existncia comprovados pela recuperao esparsa de fragmentos arqueolgicos. Para Lojkine,

    (...) com o desenvolvimento da escrita (...) a eficcia do trabalho individual e das organizaes coletivas amplia-se tambm no sentido de que livros e arquivos protegem as organizaes contra os riscos do desaparecimento de pessoas que so a memria viva destas organizaes. A escrita favorece a profundidade da memria e, pois, a continuidade do funcionamento das instituies sociais (LOJKINE, 1995, p.178)

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    A escrita manual significou a reproduo artificial de uma frao da linguagem ver-balizada e a primeira grande tcnica de representao simblica. O desenvolvimento de formas de escrita deu origem s tecnologias mediticas devido longa evoluo dos ma-teriais cromticos para a produo de tintas, ao modo lingstico e estilstico de registrar a escrita e procura constante por suportes mais adequados para se escrever, de prefe-rncia, baratos, leves e portteis. Foram muitos sculos de tentativas at a inveno de papel de celulose, matria-prima abundante, renovvel e reciclvel, feita com tecnologia de grande produtividade e acessibilidade.

    Mencionamos acima, que em qualquer poca histrica, a caracterstica primordial das sociedades humanas foi o desenvolvimento de cultura de artifcio, fator que sempre permitiu aos grupos criar ferramentas e aprimorar tecnologias, tanto para a construo de instrumentos, quanto para expandir o universo existencial-simblico de suas relaes sociais. A realidade contempornea resultado de cruzamentos gradativos de processos sociais, tcnicas e conhecimentos sistematizados e legados por sucessivas geraes.

    Para que entendamos com clareza o atual universo comunicacional, precisamos de leituras que nos esclaream as entrelinhas das origens e dos fatores de desenvolvimento da fabulosa indstria material e simblica que, desde a segunda metade do sculo XIX, se irradiou da Europa e dos EUA. Uma revoluo moderna, mas que foi tomando corpo desde o mercantilismo martimo europeu, poca de muitas descobertas e de feroz explo-rao colonial de novos territrios, eventos que permitiram a acumulao mercantil e a criao de condies para o surgimento de outra ordem econmica, poltica e social. As seculares estruturas de poder feudal da aristocracia e do clero catlico foram suprimidas aos poucos pela ascenso dos burgueses. Para Lage (1987), a burguesia foi a primeira classe na Histria que alcanou o poder comprometida com a produo econmica e a circulao dos bens e movida pela lgica do investimento e da praticidade.

    No entanto, as revolues modernas no foram movidas apenas pelas riquezas gera-das pela retomada do comrcio europeu e, posteriormente, pela espoliao das colnias da Amrica, da frica e da sia. Uma grande e decisiva contribuio veio dos avanos tcnico-cientficos europeus que se intensificam a partir de 1400 e acumularam conheci-mentos e resultados prticos para desenvolver a produo fabril moderna na Inglaterra a partir das duas ltimas dcadas de 1700.

    As inovaes tecnolgicas do sculo XVIII, de to abundantes, chegam a desafiar a tentativa de uma compilao. Mas podem ser resumidas em trs principais: 1) o apareci-mento de mquinas modernas - rpidas, regulares e precisas - que substituram o trabalho do homem antes realizado a mo (...); 2) a utilizao do vapor para acionar a mqui-na, isto , como fonte de energia que substitui as demais at ento conhecidas: energia muscular, elica e hidrulica; 3) a melhoria marcante na obteno e trabalho de novas matrias-primas, em particular os minerais, que deram impulso metalurgia e indstria

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    qumica. (CANDO, 1987, p.5)A intensificao da atividade fabril significou a passagem definitiva de uma econo-

    mia que dependia mais de matrias-primas derivadas da agropecuria, cuja transformao ocorria de modo artesanal, para a nova forma industrial e mecanizada de produzir mer-cadorias e servios.

    A tipografia de Gutenberg: matriz da civilizao alfabetizada e das inds-trias culturais

    A produo grfica e as atividades editoriais europias deram origem a um novo universo instrucional que Manacorda (1992, p.279) denomina como a primeira grande idade da didtica, aberta pela inveno da imprensa e pelas iniciativas dos reformadores luteranos, como a grande figura de Comenius, esta nova idade da difuso s classes popu-lares, do nascimento da escola infantil, da difuso dos livros de texto, das novas escolas para a formao dos professores, assinala um macroscpio retorno pesquisa didtica.

    A prensa tipogrfica de Gutenberg tirou o trabalho dos copistas, que por vrios s-culos haviam sido os nicos responsveis pela produo pblica e comercial de livros e de textos para diversas finalidades. Talvez este seja o registro mais antigo de desemprego causado pela introduo de uma tecnologia no mundo do trabalho. Se por um lado, a im-presso tipogrfica prejudicou a vida dos copistas, por outro facilitou imensamente para os educadores, a tarefa de ensinar.

    Graas aos livros impressos, o ato de ensinar pode, gradativamente, ser massifica-do. Um professor passou a ensinar um nmero maior de alunos ao mesmo tempo, pois eles passaram a no depender exclusivamente da fala e dos textos em poder do docente: podiam absorver os contedos escolares dentro e fora da escola. O maior problema com difuso cultural escrita que as informaes s so acessveis aos que sabem ler.

    Mesmo depois da reproduo tipogrfica de livros este fator complicava muito a circulao de informaes, pois as sociedades da poca no dispunham de ensino de massa e a maioria das populaes, por conseqncia, era analfabeta. O livro-texto passou a ser um instrumento definitivo para o ensino a partir da Revoluo Industrial Inglesa e da Revoluo Poltica Francesa que passaram a admitir a existncia da escola laica como patrimnio social inalienvel e, principalmente, como elemento indispensvel ao desen-volvimento da produo capitalista.

    Na segunda metade dos setecentos assiste-se ao desenvolvimento da fbrica e, contextualmente, supresso, de fato e de direito, das corporaes de artes e de ofcios, e tambm da aprendizagem artesanal como nica forma popular de instruo. Esse duplo processo, de morte da antiga produo

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    artesanal e de renascimento da nova produo de fbrica, gera o espao para o surgimento da moderna instituio escolar pblica. Fbricas e escolas nascem juntas: as leis que criam a escola de estado vm juntas com as leis que suprimem a aprendizagem corporativa (e tambm a ordem dos jesu-tas). (...) O processo de politizao, democratizao, e laicizao da ins-truo tem origem na conscincia dos indivduos e na prtica dos Estados. Com as revolues da Amrica e da Frana, a exigncia de uma instruo universal e de uma reorganizao do saber, que acompanha o surgimento da cincia e da indstria moderna, de problemas dos filsofos ou dos ds-potas esclarecidos tornou-se objeto de discusses polticas das assemblias representativas. Os polticos so os novos protagonistas da batalha para a instruo, ainda que Locke e Rousseau sejam seus inspiradores. (MANA-CORDA, 1992, p. 249)

    Esta nova produo de bens materiais e simblicos exigia formao escolar para melhor treinar profissionais para as mltiplas atividades comerciais e funes industriais que iam surgindo desde o Mercantilismo, o Renascimento e o Iluminismo, e necessitavam de veculos de comunicao ligeiros e abrangentes para fazer circular os novos valores culturais, polticos e econmicos, que confrontaram o antigo pensamento aristocrtico e religioso.

    As atividades inicialmente livreiras, e depois as publicaes protojornalsticas e pan-fletrias da imprensa iluminista e liberal serviram para disseminar novos dispositivos subliminares de remodelagem das concepes sociais mais populares e que permitissem a apropriao poltica e econmica do Estado e o reaparelhamento das estruturas poltico-administrativas de acordo c