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http://br.geocities.com/wilmarsantin/OracaoCarm.pdf A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA Reflexões e textos de autores carmelitas sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo Textos preparados por Frei Emanuele Boaga, O.Carm. Não há membro da IGREJA que não deva alguma coisa ao CARMELO”. (Thomas Merton)

Oração Carmelita

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A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA

Reflexões e textos de autores carmelitas

sobre a Comunhão com Deus e a

Oração no Carmelo

Textos preparados por

Frei Emanuele Boaga, O.Carm.

“Não há membro da IGREJA que não deva alguma coisa ao CARMELO”. (Thomas Merton)

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PALAVRA DE INTRODUÇÃO

Muito característica na vivência do Carmelo e a atitude de escuta da Palavra de Deus ou seja, do modo de vive-la, da disposição e disponibilidade de não apenas passiva, mas, também ativa, na medida do possível, para perceber a Palavra de Deus aonde ela ressoar: evidentemente que ela ressoa primeiramente no santuário da própria consciência para onde converge a realidade externa e se decide a ação. Trata-se pois de um “escutar” não apenas no sentido de “ouvir”, mas, também de “atuar”, que realiza a comunhão com DEUS e com nos seus irmãos.

A Tradição Carmelitana - de sabor bíblico, apaixonada e imediata, muito rica de humanidade e espiritualidade, conjuntamente afetiva e unitiva, revela-se como a expressão de comunhão e dialogo contínuo com DEUS-AMOR e seu FILHO, o CRISTO que sofre e o JESUS espose da alma, encontrado na vida e na história.

O Carmelita, sujeito ao pecado, homem como todos os outros, numa luta incansável, anseia por escutar a voz do Deus vivo que o leva a ver a fragilidade das cousas do mundo e a sua própria e que, guiado por Deus mesmo, pelo caminho da contemplação, da solidão sonora e da fiel acolhida da Palavra, se livra pouco a pouco do engodo das cousas que passam para aderir ao único AMOR que não passa e, assim fortificado pela força de Deus, entra com seus ir mãos na luta contra os falsos Ídolos, como Elias “cuja palavra ardia como uma tocha”. E nesta luta a sua atitude contemplativa leva-o a olhar a realidade e a vida com os olhos de Deus e a amá-la com o coração de Deus.

O presente opúsculo é uma coleção de textos sobre a dimensão contemplativa e a Oração da Ordem, em seu caminho histórico concreto.

Sua razão de ser e oferecer para o Encontro de Aprofundamento da Espiritualidade Carmelitana sobre o tema da Oração no Carmelo, toda uma reflexão e serie de textos de autores carmelitanos com a finalidade de demonstrar como eles vêem e vivem nas várias épocas a realidade da ORAÇÃO em seus vários aspectos. São textos clássicos e alguns pouco conhecidos. Estão selecionados colocando a ênfase em alguns aspectos freqüentes na oração do Carmelo; o cristocentrismo da vida, o pentecostes permanente do Espírito, a mística da Paixão, a descoberta contemplativa mariana e outras. Muitos outros textos poderiam ser acrescentados a este opúsculo, como por exemplo, textos litúrgicos, do documentação oficial (Constituições, mensagens, etc.) e dos autores antigos e contemporâneos. Neste caso, a seleção esta limitada aos textos úteis que me foram possível encontrar em português. Ainda que imperfeito, este subsídio oferece material suficiente para o presente encontro.

Para a utilização do subsídio propomos uma “orientação” para a leitura individual e para os trabalhos em grupo que aprofundarão e integrarão o assunto das palestras. Outras indicações serão também oferecidas oportunamente, conforme a necessidade do trabalho.

O presente opúsculo - ainda que com caráter provisório - procura colocar-nos em contato direto com as fontes e, porque “o estudo do passado nunca é neutro”, convidam-nos “Algumas Vozes do Carmelo” a experimentar de forma sempre mais autentica e profunda a nova presença do Deus vivo na nossa História.

Uma aventura maravilhosa! Boa Viagem!

Solenidade de N. Sra. do Carmo -16/07/1986 Frei Emanuel Boaga, O.Carm.

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2. SÍNTESE DAS PALESTRAS, GUIA E ORIENTAÇÃO PARA A REFLEXÃO

“A pura fé, aperfeiçoada pelos DONS do Espírito Santo

e transfigurada pela caridade, brota das profundezas da alma e dá-lhe de beber, em segredo, as águas da VERDADE DIVINA.

Essas águas não são meras proposições sobre DEUS,

mas, a própria PRESENÇA DE DEUS mesmo”

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2.1 - A ORAÇÃO na REGRA do CARMO

2.1.1 – Contexto Histórico-Religioso Para a melhor compreensão da PROPOSTA de ORAÇÃO feita pela Regra do Carmo e

necessário situá-la no contexto que apresenta características muito concretas. Nos séculos XI a XIII aconteceram na Igreja e na Sociedade pró funda crise e transformações,

acarretando mudanças econômicas, sociais e políticas. Estas, juntamente cora outros fatores próprios da vida da Igreja daquela época, influenciaram profundamente a maneira de viver a FÉ e de anunciar o Evangelho.

Face a esta situação de mudanças com fortes contrastes de valores e contra-valores presentes na vida das pessoas e grupos, nasce forte reação que vai assumindo aspectos diversos. Anseios e tentativas de reforma na Igreja e de paz e de concórdia na Sociedade estimulam a formação de grupos para combater os contra-valores. Desta forma, surgem vários movimentos: ordens mendicantes, grupos e indivíduos que levam uma vida eremítica, movimentos de penitência e de pobreza e a incrementação do fenômeno das peregrinações.

Nestes movimentos estão valores comuns: o contato vivo coro a Pa lavra de Deus; o valor social e espiritual da pobreza cristã; a pregação itinerante, seja doutrinal (de cunho oficial da Igreja), seja popular; a revalorização da humanidade de Cristo e de Cristo pobre como centro da própria existência e o desenvolvimento da “vida apostólica” (“vida conforme a Comunidade primitiva de Jerusalém e dos apóstolos com Jesus) como ponto de partida para a vida dos religiosos.

O fermento eclesial surgido com a vida penitente, o eremitismo, as peregrinações, etc., vai gerar um fenômeno típico da época das Cruzadas e desenvolve, através das Romarias a Jerusalém uma espiritualidade chamada do “CAMINHO”.

A peregrinação física a Terra Santa é, então, a culminância da vida eremítica penitente e peregrina, que vai vivendo esta espiritualidade com base em três momentos que simbolizam a CAMINHO:

l. HABITAR —> exprime o assumir os valores do deserto, do êxodo (desapego, sobriedade de vida, pobreza evangélica, trabalho, vida no provisório, desinstalação, simplicidade nas estruturas, a expatriação, a acolhido, aos outros).

2. LEVANTAR-SE —> o peregrino permanece nos valores, mas, não se instala fisicamente no mesmo lugar. Há o momento do “levantar-se”. No contexto da recuperação da Terra Santa isto simboliza o assumir a milícia cristã com as ARMAS ESPIRITUAIS (oração, virtudes, mortificação, etc.)

3. CAMINHAR -—> trata-se de ir à procura de Jerusalém e, por voto, lá permanecer perpetuamente. Fixar-se na Terra Santa.

Assim, através da “Espiritualidade do Caminho” a peregrinação à Jerusalém, com seus dois momentos entrelaçados - o espiritual e o material - produz os frutos de união, paz e concórdia.

É neste contexto da Espiritualidade do Caminho que se situa a FORMAÇÃO e a EXPERIÊNCIA CARISMÁTICA do primeiro grupo dos CARMELITAS. Este grupo se compõe de cristãos que fazem voto de fazer a romaria a Jerusalém e aí permanecer pelo resto de suas vidas, sob a orientação de um líder, a fim de prestar “SERVIÇO” a Cristo, na sua Terra.

No texto da Regra do Carmo encontram-se, nos capítulos 7, 14 e 10 elementos desta “Espiritualidade do Caminho”.

Situando a PROPOSTA da ORAÇÃO na Regra do Carmo, neste contexto onde ela surgiu, fica bastante evidente que esta proposta tem unificados um duplo sentido: - COMPROMISSO CONCRETO (formas, estruturas) - EXIGÊNCIA de ATITUDE ENCARNADA na REALIDADE (na qual se esta formando a Igreja)

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Portanto, conforme a Regra (cap. VII “dia e noite”) a oração é uma ATITUDE que deve orientar e favorecer a busca de DEUS no quotidiano. Isto exige um caminho de INTERIORIZAÇÃO. 2.1.2 - Proposta de Oração na Regra do Carmo

Alem de algumas normas e estruturas para a oração a Regra desenvolve a seguinte proposta:

1° Perspectiva Cristocêntrica - (Prólogo - cap. 10) Era seu sentido a expressão “viver em obséquio de Jesus Cristo” (cf. 2 Cor 10,5) tem

conotação bíblica aplicada a época medieval: coloca Cristo como o início e o fim de cada realidade carmelitana. O centro vivencial da proposta e a EUCARISTIA (cf. cap. 10), compreendida não como um mero rito, mas, como realidade que CONSTROE A IGREJA, significada no simbolismo da CAPELA construída em meio as celas.

A reunião dos irmãos, convergindo na IGREJA e sua volta as celas, na interpretação simbólica indica a necessidade de

- colocar a própria vida na Eucaristia - tomar os frutos da Eucaristia para a vida quotidiana que deve ser sempre expressão de

construção da Igreja. 2º - Oração, atitude existencial e dinâmica

Para a vida carmelitana a proposta de oração é fundamentalmente e antes de tudo, um convite a aprendizagem e desenvolvimento de uma ATITUDE de ESCUTA que não consiste num simples ouvir, mas, sobretudo, no acolhimento da Palavra, dando lugar a sua atuação na própria vida. É a repercussão da Palavra na atuação.

Esta ATITUDE EXISTENCIAL de busca e escuta de Deus é o aspecto mais autentico da proposta de oração feita pela Regra.

A oração, portanto, antes de ser uma prática ou exercício, é atitude dinâmica, no sentido de “VACARE DEO” ou seja, da atenção contínua à dimensão religiosa humana total que se abre a relação dialógica e amorosa com Deus. 3º - Oração Individual (cap. 7)

A oração individual deve brotar do contato continuo com a Bíblia e expressar-se em formas concretas.

Assim, o cap. 7º sublinha, portanto, a importância fundamental da “Lectio Divina” entre as formas individuais que cada carmelita pode escolher segundo a própria necessidade. Este contato com a Bíblia que marcou de forma muito característica a Ordem, em seu início, deve ser, não apenas especulativo, mas, envolver o homem todo, desenvolvendo-lhe a capacidade de “degustar” o sentido mais profundo da Escritura e de abrir-se à contemplação num ardente dialogo orante com o Senhor presente na própria vida. 4 ° - Oração Litúrgica (cap. 8)

O aspecto litúrgico é outro elemento da oração carmelitana. A prescrição da Regra quanto a celebração das Horas Canônicas, vista a luz do contexto da concessão pontifícia, no século XIII, deve ser entendida como um SERVIÇO PASTORAL que supõe e coenvolve a participação do povo, fazendo portanto parte do ministério sacro da época. 5° - Eucaristia quotidiana (cap. 10)

O elemento forte e central da proposta carmelitana de oração e a celebração da EUCARISTIA. É o momento de culminância da oração.

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No espírito da Regra a participação na EUCARISTIA não pode consistir simplesmente na celebração de um rito. Exige a centralização de cada realidade do quotidiano e da própria vida eclesial, em Cristo, a fim de “reunir em Cristo todas as cousas” (Ef 1,10)

6º - Equilíbrio entre a Oração Individual e Litúrgica O esquema mais amplo, utilizado no texto da Regra para unificar toda a vida do Carmelita em

torno de Cristo (cf. as disposições das várias partes do cap. 10) a oração individual e a 1itúrgica não se colocam em interação conflitiva, mas, numa equilibrada inter-relação.

7° - Meios para crescer no caminho da oração (cap. 12,13 e 16) A Regra tem a preocupação de oferecer algumas estruturas e meios fundamentais para

desenvolver o caminho da Oração. Estes são: o silêncio, a solidão, a mortificação corporal e o trabalho.

A reflexão posterior sobre estes meios levou a interiorização dos valores por eles gerados: solidão sonora, silêncio interior, desapego, etc.

8° - Oração Encarnada (cap. 14) A atitude de escuta da Palavra de Deus e a contemplação do Senhor exige, como condição

adequada, a prática recomendada no capítulo das armas espirituais. Neste contexto a atividade apostólica (e não apenas a vida interior) passa a ser uma decorrência natural da vida de oração.

9º - Discernimento Comunitário (cap. 11) O desenvolvimento da proposta de oração com atenção à “saúde das almas” (c. 11) requer

uma avaliação freqüente do caminho feito. 10º - Fidelidade generosa e discrição

Segundo o convite feito na conclusão da Regra, a vivência da proposta de oração no Carmelo pede uma FIDELIDADE DINÂMICA ou seja, não guardar os valores apenas em forma de lembrança, mas, vivenciá-los, buscando, sobretudo; a qualidade e não a quantidade nas formas. Isto exige CONTINUIDADE GENEROSA.

2.2 - A ORAÇÃO no CAMINHO HISTÓRICO DA ORDEM 2.2.1 - Elias e Maria

Nos autores Carmelitas dos séculos XIII e XIV o aprofundamento da dimensão contemplativa do Carmelo se faz a partir das figuras bíblicas de Elias e Maria. A referência eliana vai se desenvolvendo até á formação de uma dupla consideração que torna Elias como Pai (=filiação eliana) e Elias como chefe (=modelo de contemplação e apostolado). Resultou do desenvolvimento da consciência eliana, nesta época, a ênfase colocada na figura do Profeta como modelo da vida contemplativa e de união com Deus. Refere-se, então, continua e preferivelmente, a Elias-eremita, a Elias-o-homem-em-contato-com-Deus-na-oração, a Elias-o-homem-que-fala-face-a-face-com-Deus.

Nos séculos seguintes os autores espirituais da Ordem continuam acentuando estes aspectos contemplativos, mas, acrescentando alusões e referências explícitas as atividades apostólicas de Elias que oferecem elementos de inspiração apostólica.

O relacionamento mariano leva as gerações carmelitas deste tempo a verem na Virgem Maria a forma ideal de encarnação de sua própria vivência contemplativa. Nasce a exemplaridade da virgindade de Maria, vista não só como imunidade do pecado e de toda a espécie de apegos humanos (condição para o encontro com Deus), mas, também como disposição radical na linha de ATITUDE EXISTENCIAL para a ESCUTA da PALAVRA de DEUS e UNIÃO com ELE, porque

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a Virgem puríssima, cheia de FÉ, ESPERANÇA e AMOR, e a melhor abertura a esta PALAVRA que se FEZ CARNE em suas entranhas.

O desenvolvimento da característica mariana conduz, através dos tempos, a uma vivência familiar com Maria como caminho para chegar a Cristo. 2.2.2 - APROFUNDAMENTO doutrinal

Os autores destes séculos e dos séculos seguintes desenvolvem o aprofundamento doutrinal da oração seguindo várias pistas de pesquisas inter-relacionadas. Estas, em geral, são: 1º - vida teologal e sua dinâmica através da oração ou seja, a relação entre a oração e a vida. É o

caminho da intimidade divina que consiste no amor perfeito unido a experiência saborosa e suave da bondade divina.

2º - oração como relação interpessoal, habitual e atual Desde as primeiras gerações carmelitanas que a oração e desenvolvida como relação interpessoal com Deus, não apenas habitual, mas, atual. Os Carmelitas se colocam na posição intermediária entre o intelectualismo dos dominicanos e a orientação afetiva-voluntarista dos franciscanos. Colocam atenção na dimensão psicológica global do homem. Isto significa que desenvolvem um ensinamento sobre a oração que harmoniza os elementos intelectuais e afetivos do dialogo do homem com Deus, colocando a acentuação sobre a afetividade (=naquele tempo, a o homem total: mente e coração).

3° - Aspectos ascéticos, formas elevadas de oração e fenômenos místicos. Os autores carmelitanos tratam também dos aspectos ascéticos que envolvem a vida de oração e estudam, além disto, as formas mais elevadas de oração e a relativa possibilidade dos fenômenos místicos. Situa-se neste contexto o debate se a vida mística e para todos ou apenas para alguns eleitos. Em sua quase totalidade defendem os carmelitas que a vida mística é para todos.

2.2.3 - Vida Litúrgica e contemplação individual A tradição secular da Ordem procurava favorecer, desde sua origem, um equilíbrio entre a

vida litúrgica e a contemplação individual do Mistério Divino. Através dos tempos acentua-se o predomínio da oração individual sem contudo se perder os elementos litúrgicos e a rica tradição eliano-mariana.

Esta tendência já se encontra presente em algumas reformas anteriores a Santa Tereza, levando, depois, através dos tempos, a evolução da oração privada rumo, especialmente, a três formas: 1º - Meditação ou oração mental

Esta é considerada como a melhor forma para encarnar a meditação da “Lei do Senhor, dia e noite” (cap. 7) Os primeiros testemunhos de sua presença como prática individual são do século XV. No decorrer do século seguinte permanece como exercício obrigatório, com este caráter privado e, em seguida, assume a forma comunitária.

No Mosteiro da Encarnação de Ávila já esta presente em nível comunitário, desde o final do século XV.

A oração mental desenvolvida dentro da Ordem, quando decresceu a “Lectio Divina” se difundiu sempre mais por influência da “Devotio Moderna”.

Santa Tereza de Jesus e a Reforma de Tourraine tem uma grande participação na difusão do uso desta forma de oração na Ordem.

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2° - Exercício da Presença de Deus

Este exercício se desenvolve com indicação de passos, modos e técnicas concretas, a partir do século XVII, como sendo a forma mais usual para viver a união e presença de Deus na própria vida. Os principais incentivadores deste exercício são: Frei Lourenço da Ressurreição e Frei Mauro do Menino Jesus.

3° - Oração Aspirativa

Frei João de São Sansão e a Escola Tourenense desenvolveram esta forma de oração que se coloca entre a oração mental e a oração vocal, oferecendo-nos a maneira concreta de utilizar esta forma.

2.2.4 - Contemplação e Ação Introdução

A práxis da oração contínua conhece na História da Ordem o dualismo entre ação e contemplação. Cada época procura uma resposta e solução satisfatória a este problema, ainda que esta solução já vem contida no texto inocenciano da Regra (1247).

Nas várias soluções que vão sendo propostas parece mais freqüente o apelo ao aspecto contemplativo que consiste, essencialmente, na vida interior, na vida de intimidade com Deus, na vida de escuta da sua Palavra. Parece-nos oportuno colocar aqui a importância que o assunto tem na vivência atual e também apontar as várias soluções, situando o problema no quadro mais amplo de cada época e da espiritualidade cristã.

1 - Quadro da Época 1.1 . Na época das origens da Ordem Carmelitana a vida religiosa esta caracterizada pelo tema da imitação dos Apóstolos (=vida apostólica) ou seja, um modelo evangélico de vida que qualifica a própria existência (opções, atos, etc.) em sintonia com o exemplo dos Apóstolos. Este tema apresenta dois aspectos:

a - a insistência sobre a unanimidade dos Apóstolos no Cenáculo e sobre a união e total comunhão de bens na primitiva comunidade cristã-apostólica;

b - a presença da missão dos apóstolos enviados dois a dois, por Jesus, a pregar em toda a Galiléia.

1.2. As várias ordens colocavam ênfase em um ou outro destes aspectos acima mencionados. Assim, por ex.: as ordens monásticas punham a ênfase no primeiro aspecto e, portanto, apresentavam a vida religiosa mais como colocação dos bens em comum, unificação do coração e desenvolvimento da vida através de atos comunitários. Os Cônegos Regulares, na própria origem, descobriam praticamente o aspecto apostólico, vivido porem, na própria Igreja ou Comunidade. Portanto, desenvolviam uma vida comum com orientação pastoral. Finalmente, os Mendicantes se referiam aos dois aspectos do modelo de “vida apostólica”, com interpretação da vida comum como FRATERNIDADE, POBREZA COLETIVA e PREGAÇÃO ITINERANTE.

1.3. Ao mesmo tempo, a espiritualidade cristã passou a viver um conflito entre a AÇÃO e a CONTEMPLAÇÃO, que passaram a ser vistas desligadas una da outra.

Forma-se, neste tempo, a tipologia “clássica” da vida religiosa: - vida contemplativa - que passa a desenvolver através da forma monástica, com grande

ênfase, o aspecto contemplativo da Vida Religiosa;

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- vida ativa - que coloca ênfase no desenvolvimento da atividade apostólica, como os Cônegos Regulares;

- vida mista - que une os dois aspectos da “VIDA APOSTÓLICA”, segundo a experiência dos mendicantes que desenvolvem uma contemplação que, por sua natureza, de veria desembocar na ação.

1.4. Permanecendo e também aumentando-se, no curso da História o conflito entre contemplação (oração) e ação (atividade apostólica) a tipologia da vida religiosa acima descrita, leva o desenvolver um tipo de vida contemplativa que se identifica com a realidade monástica (clausura severa). Isto leva a entender o termo vida contemplativa como aquilo que se de dica quase com exclusividade com a leitura da Bíblia, Meditação, Oração Individual e Comunitária-litúrgica (missa quotidiana, ofício recitado ou cantado em coro).

Um conflito ulterior e muito acentuado entre a Contemplação e a ação, nos séculos XIV e XVI produz um novo tipo de eremitismo com quase identificação de vida contemplativa com vida eremítica.

1.5. No decurso do século XVI a separação de oração do apostolado tem uma grande repercussão na reforma das Ordens religiosas e no nascimento de novas:

- as novas Ordens (agora chamadas Congregações) são fundadas procurando o apostolado como fim principal (Deus no próximo). Para elas a oração era um meio necessário para o apostolado. - as Ordens (agora chamadas “Regulares”) vêem o seu ideal com olhos diferentes, isto é, centralizado no contato direto com Deus. Tendo assim como objetivo principal este contato, organizavam a vida de modo a traduzi-lo, concretamente, aplicando-se antes e acima de tudo a oração interior, oficio coral, oração vocal, leitura espiritual, trabalho manual e estudo. O fruto e prolongamento de tudo isto seria o apostolado.

1.6. Tudo isto traz conseqüências concretas para a Vida Religiosa (mentalidade e prática). Passa-se a se identificar o ideal da Vida Religiosa com os atos comunitários, cf. modelo monástico:

Para os mendicantes, no século XVI, foi rompida a relação entre ação e contemplação na vida, alimentando-se uma independente da outra; em dado momento da vida o mendicante era ativo; em outro, era contemplativo. Houve a necessidade de se encontrar equilíbrio destes momentos para dar as “duas vidas” tempo necessário.

E assim foi desde aquela época até nossos dias...

2º - Como os Carmelitas compreendiam a vida contemplativa Neste caminho histórico situa-se também a compreensão da vi da contemplativa na nossa

Ordem. É bastante compreensível como, segundo as vá rias épocas, temos modos diferentes de compreender a vida contemplativa.

2.1 - Conforme já foi notado, na primeira fase da experiência carismática carmelitana a vida contemplativa desenvolve elementos típicos do eremitismo, dos movimentos de penitência e das Romarias a Jerusalém, daquele tempo, sem excluir a atividade apostólica. 2.2. Pela transformação da “Forma de vida” em “Regra”, feita pelo Papa Inocêncio IV em 1247, os Carmelitas se tomam Ordem Mendicante. Caem então em estruturas estritamente eremíticas. A vida contemplativa passa a ser igualmente compreendida no contexto da vida mista dos Mendicantes, ainda que permaneça um pouco da mentalidade anterior. De fato, alguns Carmelitas sentiam no eremitismo uma volta as antigas origens, mas, não percebiam que o novo eremitismo por eles defendido era bem diferente do desenvolvido inicialmente. O veículo deste novo eremitismo no

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Carmelo foi o livro “De Institutione Primorum Monachorum” composto na segunda metade do século XIV. 2.3 – Nos séculos XV-XVI o termo “vida contemplativa” era quase entendido como vida interior e identificado com as estruturas que a promoviam. Sob o influxo da “Devotio Moderna” introduziu-se como elemento contemplativo a meditação em comum, atualizando o cap. 7° da Regra. Isto não aparece clara mente no início, mas, pouco a pouco é introduzido e fixado, aumentando-se a meditação por períodos longos (uma hora para os frades e duas para as monjas) 2.4 - A exclusão das monjas do apostolado externo (com a adoção da clausura) produz, ao mesmo tempo, uma intensificação da solidão e da oração. Entre elas o elemento “contemplativo” da Regra desabrochou com freqüência e intensidade: vida litúrgica e meditação, exercício da presença de Deus, espírito penitencial das Obras religiosas. Situam-se nesta linha as fundações Mantovanas (cf. Scopelli, Girlane) e gradualmente até S. Maria Madalena de’ Pazzi. 2.5 - Depois de S. Teresa de Jesus o termo “contemplativo” na nossa Ordem adquiriu muitas vezes um sentido muito restrito, a te não poder ser aplicado, não só à Vida Religiosa, em seu conjunto, mas, também a oração vocal, ofício litúrgico, etc. Difunde-se a confusão baseada na equação:

contemplativo = eremita Este equívoco é anterior a esta época, mas não de maneira tão difundida. Baseando-se nesta equação Santa Tereza deu aos Frades Descalços as Constituições e a espiritualidade das monjas, acentuando alguns valores da Regra Carmelitana em prejuízo de outros. Na época de S. Tereza, eremítico significava sem atividade apostólica explícita. Gerou então a seguinte situação: contemplativo == eremítico = monja descalça = frade descalço. Conseqüência prática:

verdadeiro carmelita = carmelita descalço. 2.6 - Outra tendência na Ordem é a de reduzir a “Contemplação” ao grau mais elevado da oração e da vida interior, quase desprezando ou considerando só como uma passagem a oração vocal, incluindo o ofício litúrgico. Disto se tem um estímulo para enfatizar o papel da meditação metódica, que brota da práxis da “Devotio moderna”. 2.7 - É curioso verificar que em todo o caminho histórico da Ordem, desde o século XIV até os tempos atuais, particularmente na época das Reformas, a releitura do carisma e a revisão de vida da Ordem sempre são feitas a partir do aspecto contemplativo e nunca da atividade apostólica.

Sempre se acham novos caminhos para a oração, mas, fica sempre o grande problema da relação ou dissídio “CONTEMPLAÇÃO-AÇÃO” que marca profundamente a vida e o estilo da própria contemplação. A atividade apostólica é vista ou considerada geralmente como prolongamento da contemplação e, simultânea mente, o seu fruto.

Deve-se recordar também que, frequentemente no contexto da Reforma, não faltam eminentes figuras que, através de formas de assistência aos pobres e aos humildes de sua época, estimularam o compromisso da ENCARNAÇÃO da própria CON TEMPLAÇÂO. É suficiente lembrar dentre estas, o venerável Ângelo Paoli, pai dos pobres na Roma de Setecentos, e a terciária carmelita Maria Ângela Virgili, em Ronciglione. 2.8 – Afim de melhor compreender a relação contemplação/ação na nossa Ordem e preciso dizer alguma cousa sobre o apostolado das Monjas, por causa da influência destas sobre a vida contemplativa de toda a Ordem:

- é conhecido o desejo expresso nos primeiros núcleos de monjas carmelitas de serem úteis ao próximo através da oração de intercessão e da penitência; - é também conhecida a carga apostólica que se encontra na base das fundações das Descalças por parte de Santa Teresa de Jesus. Este espírito impulsionou os Descalços no compromisso com as atividades missionárias.

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- Para Santa Maria Madalena de Pazzi as monjas são chamadas “ad majorem vitam” (i.é à vida dos primeiros carmelitas). Nesta não há separação entre Maria e Marta. (Maria sem Marta é “ociosidade”; Marta sem Maria é confusão).

O genuíno influxo mariano na Carmelita tem como sinal o surgimento no coração do desejo de salvação das almas. Por isso vida interior, vida apostólica, vida mariana, se fundem em uma síntese superior: da união com Deus e Maria, nasce a

“Salus animarum” obtida e sustentada com a oração para reconduzir as almas a Deus e a Maria. O apostolado e, portanto, “restituição” que se obtém com uma vida pura, feita de fé, de simplicidade, de fidelidade.

2.2.5 - VALORES FUNDAMENTAIS DA TRADIÇÃO CARMELITANA Da experiência dos Carmelitas de cada época e do ensino dos Mestre, brotam alguns valores a

respeito da CONTEMPLAÇÃO e da ORAÇÃO que formam o PATRIMÔNIO da tradição carmelitana. Brevemente se pode sintetizar assim este patrimônio: 1. CONTEMPLAÇÃO

- é mergulho no Mistério de Deus que “colocou sua tenda no coração do homem. Portanto, CONTEMPLAÇÃO e ORAÇÃO é fazer uma profunda EXPERIÊNCIA de

DEUS REAL e VIVO, ainda que as vezes obscura, em todas as dimensões humanas. - e a capacidade de encontrar a DEUS que nos amou primeiro.

2. ESSÊNCIA da VERDADEIRA ORAÇÃO é um relacionamento de amizade com Deus e consiste sempre em “sair de si para encontrar o “Outro”. 3. MORTE e CRUZ a oração esta associada com os temas da Morte e da cruz. Por isso, o caminho da Oração Carmelitana passa pela

“noite purificadora dos sentidos”, pela solidão pela aridez que faz morrer o egoísmo e leva a sair de si para encontrar o CRISTO.

4. DESERTO

- é essencial à contemplação; - é o despojamento, o situar-se na verdade e sem ilusões diante de Deus;

- é atitude de pobreza radical que tudo espera de Cristo; - é atitude de silêncio para escutar a Palavra do “Outro”, é experiência da própria limitação e da

necessidade de Deus na nossa vida; - é convicção forte, ainda que obscura, que Ele nos busca mais do que O buscamos. Jesus

procura o homem primeiro. 5. ESPIRITO SANTO

a Oração é dom do Espírito. É Ele que atua eficazmente na Oração e nos transforma quando na docilidade a Ele deixamo-nos conduzir. Ele nos leva às formas mais elevadas de oração, como fruto da fidelidade e acolhida de seus dons.

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6. PRESENÇA de DEUS:

É preciso viver a presença de Deus no próprio coração, nos irmãos, na vida. É preciso experimentá-lo por meio de abertura para a realidade e para os sinais dos tempos que revelam sua presença.

7. PALAVRA de DEUS

A contemplação e a oração se nutrem pela FAMILIARIDADE com a Palavra de Deus, ouvida - no silêncio e na solidão do próprio coração,

- no dialogo comunitário e fraterno - na realidade.

8. FORMAS de ORAÇÃO Ainda que não se reduzam as formas concretas, a oração e a contemplação necessitam delas como meios indispensáveis para crescerem. Entre estas formas ocupa lugar privilegiado a oração litúrgica e a “Lectio Divina”.

9. ENVOLVIMENTO DO HOMEM TODO, A vida de oração requer o envolvimento do homem todo e, portanto, o crescimento da pessoa com a integração de sua afetividade na oração. Alem disto a oração exige uma contínua verificação do próprio relacionamento com os outros, com a realidade, com a vida. Deve exprimir-se através das obras de virtude, como sinais de amor a Deus. A contemplação deve conduzir-nos através do encontro com o ABSOLUTO de DEUS a realização de seu plano de AMOR para os irmãos e o mundo, portanto deve levar-nos ao COMPROMISSO. 10. INSPIRAÇÃO ELIANO-MARIANA

A inspiração eliana-mariana reforça as dimensões de nossa contemplação-compromisso: Maria - a Virgem da Encarnação, mulher de escuta amorosa e de fé.

Elias - o homem de contemplação encarnada na realidade humana, à procura da FACE do DEUS verdadeiro

2.3 - ORIENTAÇÕES GERAIS PARA LEITURA DE UM TEXTO 1º - A imagem de Deus que cada um de nos tem se reflete na maneira concreta como

fazemos oração e como falamos da Oração. Esta imagem pode ser diferente nas várias épocas.

2º - Todo ser vivo toma seus elementos do ambiente e assimila os elementos que lhe convém. Esta osmose é também presente na vida do Carmelo.

3º - No caminho histórico da Ordem o mesmo valor vem encarnado de maneiras diversas com ênfases, acentuações, enfraquecimentos, etc. É preciso, num discurso de valores, verificar quais são os valores que se encarnam no contingente e até que ponto, em cada época ou situação o contingente permite ao valor a encarnação no contexto histórico concreto.

4º - Um texto espiritual deve ser lido dentro do próprio contexto particular e geral, isto é, de acordo com a idéia global do livro, do autor e do ambiente. É necessária a atenção a figura literária, ao estilo do autor, a simbologia e a outros princípios de leitura hermenêutica.

5º - E necessário, enfim, ter presente a ambigüidade dos termos e o significado próprio da palavra tal como o Autor lhe confere:

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- CONTEMPLAÇÃO = aspecto intelectual atitude do homem total diante de Deus forma superior de oração

- AÇÃO = disposição para atuar atividade externa. - ORAÇÃO = atitude orante

formas e formulas de oração. - SILÊNCIO = vazio interior falta de rumor

- SOLIDÃO - lugar silencioso, sem barulho situação interior. - ALMA E CORPO = elementos da pessoa humana

relacionados muitas vezes de modo dualista, dicotômico. - AFETIVIDADE = sentimento

tudo aquilo que se refere ao coração num preciso contexto antropológico

- MUNDO - realidade criada realidade interior realidade externa lugar de contra-valores etc. etc. etc.

2. 4 - SUGESTÕES PARA A REFLEXÃO 1. Qual é a imagem de Deus e a experiência de oração que transparece no texto;

Procurar os elementos positivos negativos 2. Como os valores fundamentais da Tradição Carmelitana estão expressos no texto? Em

particular, qual ou quais? 3. A realidade do ambiente e o compromisso apostólico com o povo transparecem no texto?

Como? Se não, por que? 4. E nossa Oração; Qual e a imagem de Deus que oferece e anuncia HOJE? Que formas

concretas de vivência desta imagem procuramos? 5. Nos, como Carmelitas precisamos denunciar os falsos ídolos da religiosidade na Igreja e no

mundo. Quais? Como? 6. Qual deveria ser a nossa prática numa vida integral no PRESENTE e na FORMAÇÃO para

o futuro?

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ALGUMAS VOZES DO CARMELO

Textos selecionados sobre a

ORAÇÃO e a COMUNHÃO com DEUS

“Cristo não foi um sábio a ensinar uma doutrina ELE é DEUS, encarnado para produzir uma transformação da humanidade. Sua doutrina não termina em idéias morais ou preceitos de ascética O ensinamento de Cristo é a semente de uma NOVA VIDA! A transformação do homem começa com a FÉ na PALAVRA de DEUS”:

“... Meditar dia e noite na LEI do SENHOR”:

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FORMA DE VIDA DOS PRIMEIROS MONGES

As páginas seguintes constituem o documento mais forte da corrente do novo eremitismo segundo o modelo eliano no século XIV.

Esta Obra, composta mais ou menos em 1370 e inserida na coleção de Felipe Ribot foi, imediatamente, tomada como principal leitura espiritual da Ordem e exercitou um notável impulso até o século XVII, entre os autores carmelitas que a assumiram como uma fonte de espiritualidade. Entre estes encontramos Teresa de Jesus, João da Cruz, João São Sansão, Miguel de Santo Agostinho e Miguel de la Fuente.

Para compreender o conteúdo espiritual e a mensagem destas páginas e preciso levar em consideração as seguintes observações:

1° - o caminho do Carmelita é comparado ao caminho do religioso que sai da própria terra em busca da terra nova que favoreça a experiência da presença de Deus. Com a comparação deste caminho a experiência de Elias Profeta em 1Rs 17,2-6, o autor desenvolve uma alegoria da qual os elementos são:

CARITH --> símbolo do amor

ORIENTE JORDÃO

CORVOS 2° - através do desenvolvimento da alegoria o autor oferece esta proposta do ideal que se pode

contemplar na figura de Elias - cap. 2: “Esconde-te na torrente do Carit”

Finalidade da vida carmelitana: - purificação do coração para chegar a Deus

- fruição ou experiência da presença de Deus Estas finalidades se entrelaçam na vida.

- Cap. III – VI - V No Carit – finalidade a que o Carmelita é chamado chega-se através de graus:

1º - pobreza e renuncia a tudo - c. 3 2° - obediência e renuncia a Vontade própria, despojamento das paixões – c. 4

3° - castidade, solidão e pureza de coração - c. 5 4º - superação de cada forma de pecado para chegar à caridade perfeita

Através destes graus opera-se uma libertação plena e total que abre a comunicação com Deus.

Componentes desta libertação e evolução são: - purificação do coração

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- caridade forte e ardente

- saborear, fruir Deus, gozar de sua proteção e intimidade com Ele – c. 7 – percebendo-o como Deus-Amor

- mergulho no mistério do DEUS-AMOR, deixando-se transformar por Ele e encontrando todas as realidades à luz desta conformidade com a imagem de Jesus Amor

- aquisição do olhar e do coração do DEUS-AMOR para amar o mundo, atuando nele com critérios indicados por este AMOR.

Nos capítulos 8 e 9 o autor retoma novamente os aspectos do ideal proposto, contemplando a figura eliana, aprofundando seus aspectos.

À visão da vida de Elias, na perspectiva eremítica, como modelo do Carmelita, o autor, em outra parte da obra, aqui não apresentada, propõe algumas alusões significativas à atividade do Profeta em favor da causa do DEUS VERDADEIRO.

ESCONDE-TE NA TORRENTE DO CARIT

Da: “Forma de vida dos primeiros monges” (ano 1370)

LIVRO I - Capítulo segundo

Elias, o primeiro monge, institui a vida monástica por inspiração de Deus. Do Retiro de Elias no Deserto. Do duplo fim da vida eremítica e da renúncia aos bens terrenos.

Este Elias, Profeta de Deus, foi o primeiro de todos os monges que existiram e nele teve

princípio a santa e gloriosa instituição monacal. Com a ânsia que sentia pela divina contemplação e o veemente desejo de progredir na

virtude, retirou-se para longe das cidades e despojando-se de todos os interesses terrenos e mundanos, se propôs começar a viver a vida eremítica, religiosa e profética, consagrando-se a ela como ninguém até então havia feito, e com a inspiração e o impulso do Espírito Santo, começou a vivê-la e a instituiu.

Porque, aparecendo-lhe o Senhor, lhe ordenou que fugisse dos povoados dos homens e se escondesse no deserto, e vivesse dali em diante a vida monástica da maneira que lhe havia inspirado.

Isto se prova claramente com as palavras da Sagrada Escritura. Referindo-se a isto, lê-se no Livro dos Reis: “E falou o Senhor a Elias, dizendo-lhe: Sai daqui dirija-te para o Oriente e esconde-te na fonte do Carit, que está defronte o Jordão. Ali beberás da fonte e mandei aos corvos que te levem de comer.” (1Rs, 3, 4).

O Espírito Santo pôs em Elias um veemente desejo de executar tão santo e tão conveniente mandato que lhe havia inspirado, e o escolheu e fortaleceu para que pusesse em prática tão desejadas promessas.

Os Religiosos monges ermitães que somos, devemos meditar sempre mais cada uma destas palavras, não só no sentido literal histórico, mas principalmente no sentido místico, e com tanto maior solicitude, quanto nelas se encerra mais perfeitamente a instituição, isto é: o modo de vida para chegar à perfeição profética e, enfim, à vida religiosa eremítica.

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Esta vida de perfeição religiosa encerra dois fins: um podemos consegui-lo com nosso esforço e o exercício das virtudes, ajudados pela graça divina. Este fim consiste em oferecer a Deus o coração santo e limpo de toda mancha atual de pecado.

Conseguimos este fim quando já formos perfeitos e estivermos no Carit. ou seja, quando nos tivermos escondido naquela caridade da qual disse o sábio: “a caridade cobre todas as faltas” (Prov 10,12).

Mostrando o Senhor a Elias que queria que chegasse a este fim de caridade, lhe disse: te esconderás na torrente do Carit. O outro fim da santa vida eremítica é dom totalmente gratuito de Deus que Ele comunica à

alma. Consiste em que, não só depois da morte, mas ainda nesta vida mortal, possa gozar no afeto do amor e no gozo da luz do entendimento, algo sobrenatural do poder da presença de Deus e o deleite da eterna glória. Isto quer significar beber da torrente da delícia divina.

Deus prometeu este fim a Elias ao dizer-lhe; ali beberás da torrente. Para conseguir estes dois fins, o monge deve abrasar-se na vida profética e eremítica, como

o disse o Profeta; nesta terra deserta, sem caminho e sem água, ponho-me em tua presença como no santuário, para contemplar teu poder e tua glória. (Sl 62, 3).

Por isto escolheu viver em terra deserta, sem caminho e sem água, para deste modo apresentar-se como num santuário diante do Senhor, que é o coração limpo de pecado, afirma o primeiro fim da vida solitária escolhida, que é oferecer a Deus o coração santo e limpo de todo pecado atual.

E o que segue para contemplar teu poder e tua glória, expressa claramente o segundo fim da vida eremítica que consiste em experimentar de alguma forma nesta vida ver misticamente dentro da alma algo do poder da divina presença e saborear a doçura da eterna glória.

X X X

O Primeiro fim que é o coração limpo se alcança pelo esforço e a prática das virtudes, ajudados pela divina graça. Ao segundo, chega-se pelo amor perfeito e pela pureza do coração; isto é: chega-se a saborear deleitosamente algo de uma alta notícia de Deus e da glória celestial, conforme o que disse o Senhor: “o que me ama, será amado por meu Pai, e eu o amareis e me manifestarei nele” (Jo 14, 21).

Pois, conforme as palavras que até aqui copiamos. Deus falou a Elias para lhe ensinar como o primeiro e principal de todos os monges e nele persuadir-nos a todos quantos nos propusermos imitá-lo: “que sejamos perfeitos, como nosso Pai celestial é perfeito (Mt 3, 48); e, sobretudo, mantende a caridade que é o vínculo da perfeição “ 1° aos Cor, 3, 14).

Para que cheguemos a obter os dons da perfeição aconselhada e a saborear a visão da glória prometida a Elias pelo Senhor nas palavras citadas, esforcemo-nos com atenta diligência por entendê-las com exatidão e logo pô-las em prática.

Quando o Senhor fala a Santo Elias, diz a todo Religioso do Antigo ou do Novo Testamento: “Sai daqui, isto é, das coisas mundanas e passageiras e vai para o oriente, isto é: dirige tua luta contra a natural concupiscência de teu corpo, e esconde-te na torrente do Carit: não vivas nas cidades, entre o povo, mas diante ou melhor, defronte do Jordão, que é o viver separado do pecado pela caridade”.

Subindo por estes quatro degraus, chegarás ao cimo da perfeição profética e ali beberás da torrente. E para que não te falte a perseverança neste modo de viver, mandei aos corvos que te levem de comer.

Compreenderás isto com maior clareza quando eu o explicar-te ordenadamente, expondo-o frase-por-frase.

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Capítulo terceiro Do primeiro grau da profissão monástica, ou seja da renúncia aos bens, e do desprendimento da

pátria e da família.

Agora te aconselho que estudes estes graus por ordem e discorras sobre cada um deles. O primeiro que te disse em minha disposição foi: “sai daqui, ou seja: sai da tua terra, deixa

teus parentes, e a casa do teu pai” (Gn 12, 1) não só com a intenção, cuidando que teu coração não ponha seu afeio nos bens materiais de tua família, nem nas riquezas perecedoras do mundo, mas que saias de fato, desfazendo-te dos bens que possuis, porque “aquele dentre vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo.” (Lc 14, 33).

Pois se a posse das riquezas não fecha a porta do reino celeste ao rico enquanto não põe o coração nas riquezas, como nô-lo diz o Sábio: “Bem-aventurado o rico que foi encontrado sem mancha e que não anda atrás do ouro, nem põe sua esperança no dinheiro e nos tesouros (Eclo 31, 8), mas com o que o mesmo Sábio continua dizendo: “Quem é este e o elogiaremos?” nos ensinou clarissimamente quão difícil é encontrar um homem que, possuindo riquezas não coloque nelas o afeto de seu coração uma vez que o coração do homem se apega facilmente ao que, ordinariamente lhe dá prazer.

Enquanto se possuem as riquezas, elas mesmas aumentam no coração a chama e engendram uma nova ânsia de possuí-las, mais veemente como também o disse o Sábio: “o rico está tão repleto de manjares que não pode dormir” (Ecle 5, 11).

Absorvido pelo inútil amor às riquezas que possui, vendo-se forçado a administrar a valiosa fazendo, sente-se continuamente preocupado sob o peso de incessantes cuidados os quais o impedem de desejar e cumprir os preceitos do Senhor. Os apegos do século e a ilusão das riquezas e os demais apetites desordenados a que dão entrada, abafam a palavra divina e a toma sem fruto (Mc 4, 19); por isto dificilmente entrará o rico no reino nos céus (Mt 19, 23).

Assim pois, filho meu, se queres ser perfeito e viver bem a finalidade da vida monástica eremítica, e ali “beber da torrente, sai daqui”, ou seja: separa-te das coisas perecedoras deste mundo, deixando de coração e por obras, todos os teus bens terrenos e até a possibilidade de tê-los, por meu amor. Porque este é o caminho mais fácil e mais seguro para progredir na perfeição profética e também para chegar ao reino dos céus.

“Todo aquele que deixar casa e irmãos, o pai, a esposa ou filhos, ou casas por causa do meu nome, receberá cem vezes mais em bens mais sólidos (Mt 19, 29), gozando já nesta vida a suavidade da minha doçura, cem vezes superior às doçuras terrenas e logo possuirá a vida eterna”.

Muito brevemente ouviste aqui o primeiro grau pelo qual poderás subir ao cume da perfeição profética.

Capítulo quarto Segundo grau da perfeição monástica.

Da renúncia à própria vontade e às inclinações da carne.

Escuta, agora, a explicação do segundo grau. Prossegue minha exortação dizendo-te: e dirige-te para (contra) o oriente, que é o mesmo

que dizer-te: luta por desfazer a desordenada inclinação de tua natural concupiscência carnal.

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Porque deves ter presente que “no dia do teu nascimento não se arrancou de ti a raiz do pecado” (Ez 16, 4) e nasceste todo envolto em pecado”(Jo 9, 34) como disse o Profeta de todo aquele que nasce do homem e da mulher: “Olha que fui concebida na iniqüidade e que minha mãe me concebeu em pecado” (Sl 50, 7).

Deste pecado original em que nasce todo homem, procede que “a carne tem desejos contrários aos do espírito” (Gl 5, 17). O Apóstolo diz: sinto outra lei em meus membros, a qual resiste à lei do meu espírito e me submete à lei do pecado que está em meus membros. (Rom 7, 23).

Esta lei do pecado é a porta larga pela qual entra quem consente no pecado e é o caminho espaçoso por onde vai o homem quando vive segundo a sua concupiscência, que conduz à perdição, sendo muitos os que entram por ela. (Mt 7, 13).

Àquele, porém, que se esforça no serviço de Deus convém “abster-se dos desejos da carne que combatem contra a alma” (1Pd 2, 11) e permanecer na justiça e temor de Deus, preparando sua alma, não para o descanso e o prazer, mas para a tentação e a angústia, pois “é necessário passar por muitas tribulações para entrar no reino de Deus” (At 14, 22), porque apertada é a porta e estreito o caminho que conduz à vida eterna e são poucos os que entram por ela. (Mt 7, 14) uma vez que são poucos os escolhidos e pequeno o rebanho ao qual aprouve ao Pai celestial dar o reino dos céus.

Pois, meu filho, se queres ser perfeito e conseguir o objetivo da vida monástica, e eremítica, e aí beber da torrente, “vai para o oriente”, isto é, luta contra a concupiscência ou contra os apetites desordenados da carne e “não reine o pecado em vosso corpo mortal de modo a obedecerdes às suas concupiscências” (Rom 6, 12). Porque conheço e sei reservar os males para os tormentos no dia do juízo, principalmente para aqueles que, para satisfazer seus desejos impuros seguem a concupiscência da carne e negam as potestades (2Pd 11, 9). “Não te deixes arrastar por tuas paixões e aparta-te de teu próprio querer” (Eclo 18, 30), prescindindo totalmente dele e entrega-te à reta vontade do Superior, submetendo-te humildemente por meu amor até a morte.

“Não é o discípulo superior ao Mestre” (Mt 10, 24), mas o discípulo que é como o Mestre é perfeito. “Eu, Senhor e Mestre dos Profetas, desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou (Jo 6, 38) e “me fiz obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2, 8). “Por isto, se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me “ (Mt 16,24), e “o que não carrega sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).

Se queres, portanto, ir até o oriente ou seja: contra a natural concupiscência de tua carne, para vir atrás de mim, escuta como tem que levar tua cruz. Quem está pregado na cruz, já não pode mover seus membros, nem se virar segundo deseja, mas há de estar necessariamente fixo e imóvel onde foi pregado e como o pregou o crucificador; deste mesmo modo hás de permanecer pregado e te hás de negar a ti mesmo sem que escolhas tua vontade ou ao que no presente te agrada ou deleita, mas deves abraçar com toda a tua vontade o que a minha dispõe para ti e “todo o tempo que viveres na terra viverás, viverás, não conforme as tuas paixões humanas, mas conforme a vontade de Deus” (1Pd 4, 2).

E como o que está pregado na cruz não se detém a contemplar o que está diante de seus olhos, nem traz à memória o passado, nem se preocupa com o que viverá no futuro; não o move a sensualidade da carne, nem o envaideceu nem o excita a soberba nem o desprezo, nem a vingança, nem a inveja, mas que, embora respirando no corpo, se considera morto para o mundo e fixa sua atenção somente onde sabe, com certeza, que logo chegará; assim, pregado com o santo temor de Deus, deves estar morto para tudo quanto acabo de dizer-te, e deves ter fixa tua atenção aonde, a cada instante, esperas que vais entrar.

Sai, pois, como te é indicado, “para o oriente”, ou seja: apagar a natural concupiscência do teu corpo. Por isto “os que são de Cristo crucificam sua própria carne com os vícios e paixões” (Gl 5, 24) levando sempre presente em seu corpo por todas as partes a mortificação de Jesus, a fim de que a vida de Jesus se manifeste também em seus corpos (2Cor 4, 10) e quando chegaram a transformar-se na vida de Cristo, chegarão por ela à posse da glória sobrenatural como disse o

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Apóstolo: “já estais mortos e vossa vida está escondida com Cristo em Deus: Quando aparecer o Cristo que é vossa vida, então aparecereis também com Ele Gloriosos” (Cl 3, 3-4).

Eis aqui como brevemente coloquei ante a tua consideração o segundo degrau por onde hás de subir ao cume da perfeição profética.

Capítulo quinto

Terceiro grau da perfeição monástica, ou seja:

da castidade e da solidão em que deve viver o monge. Agora procura compreender bem o terceiro grau. Em minha exortação contínuo dizendo: “e esconde-te na torrente do Carit”. Não quero que

daqui em diante convivas com as pessoas da cidade: “pois vejo que a cidade está cheia de iniqüidade e discórdia. Dia e noite a iniqüidade paira sobre seus muros”. Em meio dela habita a opressão e a injustiça; não se separam de suas graças a usura e a fraude (Sl 54, 10-12).

E porque é necessário evitar tudo isto, o Profeta que te foi dado por modelo escolheu viver no deserto e não na cidade.

Disse: “Olha como me separei, fugindo e permanecendo na solidão” (SI 54, 8). E o Sábio disse: “Guarda-te de procurar a multidão na cidade, e não te metas no torvelinho do povo. Não acrescentes pecados a pecados; porque nem sequer de um só hás de ficar sem castigo” (Eclo 7, 7-8). Como, segundo o Sábio, vivendo a sós não te verás livre do pecado, deves tremer e chorar na solidão, e isto é cumprir com a obrigação do monge.

Monos em grego significa singular ou sozinho: Ajaos em grego significa triste: daí procede a palavra Monge que é igual a sozinho e triste, e que há de chorar na solidão seus pecados e os alheios; pede-se que escolhas isto e não tua relação com as pessoas da cidade.

Pois se, conforme nos diz o Sábio, vivendo em solidão, não poderás ver-te livre do pecado, quanto mais, continua dizendo, somarás pecados a pecados se viveres em meio das pessoas e aumentarás o dobro de pecados? E por isto te convém tremer e chorar mais largamente.

Afasta-te, pois, das concorrências das pessoas, para que não te aconteça que, vivendo na cidade te sintas forçado a fazer voluntariamente o que não devias por tua natureza; como se te irasses pela ira de outros, ou tivesses que suportar as lutas de outros; ou seja ocasião de queda para o olhar da mulher desenvolta; ou te atraia a abraços ilícitos a beleza encantadora de um corpo; ou te prendam os laços da avareza ou de outros vícios; de tudo isto se vê livre o que vive na solidão. “Quem deixou em liberdade o asno selvagem e quem soltou suas ataduras, senão o que lhe deu casa no deserto e abrigo em uma terra estéril? Por isto despreza o povo das cidades; não ouças os gritos do asno severo” (Jó 39, 5).

O asno selvagem é um animal que gosta da solidão e é figura do solitário que, separado das pessoas das cidades, conversa amorosamente com Deus; e Deus rompe os laços dos pecados do solitário e lhe perdoa, tirando-o da escravidão do mal, quando “houver escolhido por morada a solidão e por abrigo a terra estéril”, na qual cresce a sede, para que sinta a sede da justiça da pátria celestial. Pois “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça; porque serão saciados” (Mt 5, 6).

Portanto, meu filho, se queres ser perfeito e atingir o fim da vida monástica e eremítica, e ali beber da Torrente, esconde-te na Torrente do Carit, guardando o silêncio no recôndito da solidão.

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Conhecendo tua fragilidade do vaso que levas, deves ter medo de tropeçar na cidade e o quebrar; e então, talvez, caias e te rompa. “Senta-te, portanto, só e calado, porque é bom guardar em silêncio a salvação que vem de Deus” (Jr 3, 26).

Da mesma forma esconde-te na Torrente do Carit que significa separação, porque é de suma conveniência para alcançar tua profética perfeição que estejas recolhido e separado do trato com os homens, que não te unas à mulher como refugio. “É coisa louvável no homem não tocar em mulher (I Cor 7, l); enfim, digo isto para teu proveito... e somente para exortar-te ao mais louvável e ao que te prepara para servir a Deus sem nenhum embaraço. (1Cor 7, 35).

É conveniente para ti que te separes dos que te impedem de te entregares totalmente a Deus na vida perfeita.

O cuidado deste mundo e o engano das riquezas abafam a palavra de Deus e impedem a alma de amar a Deus com todas as suas forças. Conforme o Sábio, “os que amam a Deus guardam sua palavra” (Eclo 2), mas o que vive com mulher, está embaraçado com as coisas do mundo e não se decide a entregar-se por completo à perfeita união com Deus. “Anda embaraçado.. em como agradar à mulher; o que não tem mulher anda unicamente solícito pelas coisas do Senhor; e no que há de fazer para agradar a Deus” (1Cor 7, 26-40). E assim, se estás sem mulher, não procures, casar-te; muito mais feliz serás se permaneceres segundo o meu conselho (1Cor 7, 26-40), para que sejas “daquelas viagens que se fizeram impotentes pelo reino dos céus” (Mt 19, 12)

“De minha parte lhes darei um lugar especial em minha casa e dentro de meus muros, e um nome mais apreciável do que o que lhe dariam os filhos e filhas: dar-lhes-ei um nome sempiterno que jamais se acabará” (Is 56, 35).

Vês como te expliquei o terceiro grau por onde podes chegar ao cume da perfeição profética.

Capítulo sexto Quarto grau da perfeição monástica - A caridade perfeita e a fuga dos vícios.

Escuta agora a explicação do quarto grau. Em minha advertência de exortação contínuo dizendo: “A Torrente do Carit está defronte o

Jordão”. A palavra Jordão significa “baixada” por isto não está fora de sentido dizer que significa “pecado”. Pode haver algo que faça o homem descer da imagem e semelhança de Deus que tinha até a miséria e a torpeza tanto como o pecado que é a transgressão dos mandamentos divinos? Isto nos afirma o Sábio quando diz: “O pecado faz os povos infelizes”. (Prov 4, 34). Daí que Moisés disse ao seu povo quando desobedeceu aos mandamentos de Deus: “descerás e serás inferior”.

Toda criatura, ainda que esteja limpa ou formosa segundo seu gênero e espécie, quando é comparada a outra superior, parece feia e manchada e como que descendo de sua natural formosura; e quando se mistura um objeto precioso com um outro inferior, desmerece e perde a formosura, ainda quando o objeto de natureza inferior não se desvalorize nem se tome feio. Assim o ouro perde valor e formosura quando se mistura com a prata.

Mas eu, como diz a Sagrada Escritura, dotei o homem de tão maravilhosa natureza que o constitui rei de todas as criaturas.

Quando o homem se apega ao gozo das criaturas, perde sua dignidade e inferioriza seu coração, sem que as criaturas percam a beleza segundo a sua espécie. Esta é a razão que moveu a língua do Profeta a dizer dos que põem seu afeto nas coisas criadas: “foi dissipada a fartura do Jordão” (Zac 11, 3), ou seja: do pecado; porque os homens tanto como desprezando os mandamentos de Deus pelo pecado se erguem contra Deus, outro tanto decaem pelo estrago da corrupção e da abominação, como disse o Profeta: “corromperam-se e se tornaram abomináveis por seguirem seus pecados” (Sl 13, l; 52, 2).

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Carit significa separação e por ela, com razão, entendemos a caridade, uma vez que a divina caridade separa o homem do Jordão, ou seja, da queda no pecado.

Aqui se diz que Carit ou a divina caridade esta defronte ou contra o Jordão, que é contra a queda do pecado, pois segundo nos ensina o Apóstolo: “se um homem fosse dotado de bens todos os demais, se falasse todas as línguas e tivesse o dom da profecia, e dominasse toda a ciência; é ainda que distribuísse todos os bens para sustento dos pobres e entregasse seu corpo ás chamas, porém se lhe falta a caridade, de nada lhe serve tudo isto” (1Cor 13, 2-3), nem sai da morte do pecado para a vida da graça, pois o que não ama permanece na morte (1Jo 3, 14).

O homem se separa desta morte e muda para a vida pela caridade divina como o disse o mesmo Apóstolo S. João: “Conhecemos haver sido salvos da morte para a vida, se amamos aos irmãos” (1Jo 3, 14).

Em verdade, Carit, ou seja a caridade, está em frente ou contra o Jordão, ou é oposto à queda do pecado, pois como diz o Sábio; “a caridade cobre todos especados” (Prov 10, 12).

Meu filho, se queres ser perfeito e chegar ao cume da vida monástica eremítica, e assegurar-te contra o Jordão; que é permanecer oposto à queda no pecado, esconde-te bem no Carit que é o amor de Deus e ali beberás da Torrente: “amarás ao Senhor Deus de todo o teu coração; e com toda a tua alma, e com toda a tua mente” (Mt 22, 37). Quando cumprires isto, serás perfeito e estarás escondido no Carit, em frente o Jordão, que é o amor de Deus. Se recusares fazer isto, serás um pobre e desgraçado, e não viverás escondido no Carit, mas no Jordão, ou seja, no barranco do pecado.

E se amas alguma coisa mais que a num, já não me amas com todo o teu coração, nem estás escondido no Carit e no amor perfeito de Deus e por isto não és digno de ver-me, “pois quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim, não merece ser meu, e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim, tão pouco merece se meu” (Mt 10, 37).

E ainda que ames alguma coisa tanto como a mim, não me amas com todo o teu coração, nem moras no Carit ou em meu amor; pois se me amasses com todo o teu coração, por muito que te amasses a ti mesmo e a tudo mais, anteporias a todas as coisas o meu amor, e desprezarias e até odiarias tudo que incitasse teu coração a apartar-se do meu amor, porque “se quem me segue não aborrece (não ama menos que a mim) seu pai, sua mãe, sua mulher, seus irmãos e irmãs, e a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 26).

Mas se me ofereces teu coração com tão grande amor, e te entregas a ti mesmo a mim com tanta verdade que por meu amor evitas e até odeias o que eu quero que se evite e te proíbo, por difícil que te pareça; e se observas e cumpre por meu amor tudo o que eu quero e te mando, por mais duro e difícil que te pareça, começarás então a amar-me com todo o teu coração e com toda a tua alma, e com toda a mente, e a viver no Carit que é a caridade divina; “pois, em verdade, me ama quem recebe meus mandamentos e os observa” (Jo 14, 25).

E o primeiro e principal de todos os mandamentos é este: “Escuta, ó Israel, o Senhor teu Deus é o único Deus e Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas potências. Este é o primeiro e principal mandamento” (Dt 6, 4-5).

E como não se pode observar este mandamento se não se ama ao próximo, porque “o que não ama ao seu irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê “ (1Jo 4, 20), daqui vem o segundo mandamento que é semelhante ao primeiro: “amarás a teu próximo como a ti mesmo”; ou seja: “ama-o da mesma forma e pelo mesmo motivo pelo qual deves amar a ti mesmo e deves amar-te no bem verdadeiro, não no mal. Se te amares no mal, já não te amarias a ti mesmo, antes te terias ódio; “porque o que ama a maldade odeia sua própria alma” (Sl 10, 6).

Deves, pois, amar a teu próximo como a ti mesmo no bem, não no mal, para que “o que desejas que te façam os homens, faça tu com eles” (Mt 17, 12), e o que não queres para ti, nunca o forças ao outro já que “o amor que se tem ao próximo não suporta que se lhe faça nenhum dano” (Rm 13, 10).

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Deves amar e comportar-te com teu próximo, fazendo o que contribui para o seu bem, ainda que seja mau; e o que o ajude a perseverar no bem, se já é bom.

E a ti, deves amar-te, não por ti mesmo, mas por Deus; o que se ama por si mesmo, se ama por que em si põe a finalidade da alegria e a vida bem-aventurada e a própria esperança de consegui-la é já nesta vida um grande consolo. Nem em ti nem em nenhum outro homem deves pôr tua esperança de vida feliz: “porque maldito seja o homem que confia em outro homem e não em Deus e se apóia em braço de carne miserável e aparta do Senhor seu coração” (Jer 17, 5).

Hás de por em Deus o fim de tua alegria e a segurança de tua vida bem-aventurada como nô-lo disse o Apóstolo: “Agora, tendo ficado livres do pecado e se tornado servos de Deus, colhereis por fruto a vossa santificação e por fim a vida eterna em Jesus Cristo, nosso Senhor”(Rom 6, 22).

Se bem compreenderdes isto, vereis como deveis amar a Deus por si mesmo; e a ti, não por ti mesmo, mas por Deus.

E estando obrigado a amar o próximo como a ti mesmo, deves certamente amá-lo não por ele mesmo, nem por ti, mas por Deus. E que outra coisa é isto senão amar a Deus no próximo? O Apóstolo São João nos diz: “Nisto conheceremos que amamos aos filhos de Deus, se amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos “ (1Jo 5, 2).

Tudo isto vives em tua intenção se amas a Deus por Deus e se por amor de Deus, amas ao próximo como a ti mesmo, já que nestes dois mandamentos se encerra a lei e os profetas (Mt 22, 40) e amor é o complemento da lei (Rom 13, 10).

O Apóstolo São Pedro nos exorta a que cumpramos a lei, dizendo: sobretudo mantendo constante a mútua caridade entre vós; porque a caridade sobre a multidão dos pecados (1Pd 4, 8).

Porém Carit, ou seja tua caridade tanto menos apaga os pecados e está menos oposta ao Jordão, que é separada da queda no pecado, quanto é menor teu amor a Deus e ao próximo, pois o amor menos intenso merece menor perdão dos pecados como está escrito: “amas menos aquele a quem menos se perdoa” (Lc 7, 47); tanto mais Carit ou teu amor perdoa os pecados e está oposta à queda no pecado, tanto mais amas a Deus e ao próximo; porque o amor mais intenso merece maior perdão dos pecados, como também está escrito.” “porque muito amaste, muitos pecados ser-te-ão perdoados” (Lc 7, 47).

Eis aqui como te expliquei o quarto grau com o qual poderás chegar à mansão da perfeição profética.

NOTA: A edição de Paris coloca “mansão” e assim a traduzo; Tomás de Jesus e Wartells usa “bem”. O sentido é o mesmo pois a morada da perfeição é o BEM.

Capítulo sétimo

O Caminho para alcançar a perfeita caridade, pelos Religiosos, é a pobreza, a castidade e a obediência e fugir de tudo que resfria o amor.

Agora só falta que te fixes no que hás de fazer para chegar por estes quatro graus ao cume da perfeição profética e vivas profundamente o fim da vida monástica e eremítica.

Em minha proposta continuo dizendo: “e ali bebendo da torrente”. Veja que te é muito conveniente, segundo o Sábio, “negar ao teu corpo o uso do vinho e demais deleites para dedicar teu ânimo à Sabedoria e evitar o erro” (Ecle 2, 3). Luxuriosa coisa é o vinho, e a embriaguez está cheia de desordens. Não será sábio quem a ela se entrega (Prov 20, l).

Para que possas chegar mais facilmente à verdadeira Sabedoria, vivendo em Cristo, te absterás do vinho e, para apagar tua sede, e repor o vigor de teu corpo, “beberás ali da torrente” material, ou seja, da água que ali corre. Tem presente o que te disse antes: “e ali beberás da

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torrente”, ensinando-te antecipadamente; te esconderás na torrente do Carit. E advertidamente o antecipei porque, para que possas beber espiritualmente da torrente precisas, antes, viver no Carit, ou seja, estar escondido na caridade.

Porém não podes estar escondido nesta divina caridade desde o primeiro momento em que começas a vivê-la, pois fica claro que não é qualquer amor divino que apaga todas as culpas, mas só o amor perfeito. Ainda quando desde o primeiro momento em que começas a todo separado da atual concupiscência do pecado, já que não desaparecem logo as inclinações ou concupiscências sensuais, nem as torpes imaginações quando se recebeu o amor, mas, às vezes, se alvoroçam e investem mais contra ti, intentando arrastar teu coração ao proibido, e arrancar-te de novo todo o meu amor. Esta é a causa pela qual não podes amar-me ainda perfeitamente com todo o teu coração.

Pois ainda quando teu coração vive habitualmente e continuamente em meu amor, não podes, entretanto, ser perfeitamente atraído para mim por um atual amor sereno. E para que não voltes a perder este meu amor, então te é necessário esforçar-te para vencer as rebeldes imaginações de torpeza e as sensuais inclinações opostas ao meu amor. E, ainda que as venças por serem proibidas ou más, não estarás, por isto, já escondido no Carit ou na caridade divina, pois ainda não terás podido chegar a amar-me com todo o coração. Pois há muitas outras coisas lícitas que eu nem te mandei ou proibir: tais são: o matrimônio, as riquezas, os negócios terrenos e outras semelhantes já mencionadas.

Quando te envolves e comprometes com tudo isto, é certo que não arrancam todo o meu amor do teu coração, porém com freqüência te impedem recolher-te em mim e de mim te lembrares, e apagam o calor do meu amor do teu coração, e quanto menos for o fervor que tenhas, tanto mais será a dificuldade de amar-me com todo o teu coração; e quanto menor for teu amor por mim, tanto menos te hás escondido no Carit ou em perfeito amor; e quanto menos estiveres escondido em meu amor, tanto menos te esmeras em chegar à perfeição profética e viver a finalidade da vida monástica eremítica.

Pois, meu filho, para que possas chegar logo a esconder-te no Carit, ou na caridade perfeita, e chegar ao fim que abraçaste, e ali beber da torrente, foge, não só de tudo que te proibir e te separa completamente de meu amor como são as inclinações carnais e as imaginações torpes contrárias ao meu casto amor, mas foge também de tudo que entorpeça em ti o crescimento do meu amor, como são as que, por isto mesmo, te enumerei: o matrimônio, as riquezas e todos os demais negócios seculares, que inquietam e prendem: “já que nenhum que tenha se alistado na milícia de Deus deve embaraçar-se com negócios do século, afim de agradar àquele que o alistou” (2Tm 2, 4).

Procura, com todo o teu esforço, viver tudo que te ajude a crescer em meu amor como são os mandamentos de minha lei e tudo o que antes te aconselhei, para que te escondas em meu amor, que é abraçar-te com a pobreza, matar a concupiscência de tua carne, professar, obediência e renunciar à tua vontade própria, viver em continência e na solidão do deserto.

Se te exercitares tanto em viver meus mandamentos e conselhos que não só hajas afugentado as torpes imaginações e as más inclinações de tua carne, mas tudo quanto te impedir ou retardar teu crescimento em meu amor, e escolheres praticar as obras que o fazem crescer, e com isto chegues a amar-me com tanta veemência e te unas a mim em tudo com tão ardente caridade, que já não sintas em tua alma nenhum desejo contrário ao meu amor nem o que te atrase em seu exercício, então começas a amar-me perfeitamente com todo o teu coração, e a estar escondido no Carit ou na caridade perfeita e a conseguir o fim que havias abraçado, uma vez que o fim dos mandamentos é a caridade que nasce de um coração puro de uma boa consciência e da fé sincera (1Tm l, 5).

Tudo que em minha lei mandei ou aconselhei é para que afugentes de ti as torpes imaginações e as concupiscências da carne e do mundo, a fim de que teu coração se mantenha totalmente limpo; já para que prestes teus serviços em favor do próximo e evites ter encontros com ele e deste modo vivas na paz, sem remorsos de tua consciência, já para que ofereças os obséquios devidos à minha honra e assim estejas consagrado ao meu serviço com Fé não fictícia, mas de toda verdade.

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Lembro-te todas estas verdades e as aconselho, para que brote de teu coração limpo, de tua boa consciência e de tua fé sincera um amor tão ardente e veemente que encha a tua alma de paz e serenidade e te una totalmente a num sem resistência nem cansaço, nem sintas mais o que é contrário ao meu amor ou sobrecarregue teu espírito, mas que descanses em meu amor.

Viver a quietude deste meu amor não é outra coisa senão ter o coração completamente limpo de toda atual mancha de pecado e estar escondido no Carit que é aquele amor perfeito do qual disse o Sábio “que o amor apaga todos os pecados”.

Quando tiveres chegado a viver com perfeição este fim da vida profética, monástica e eremítica, e estiveres deste modo escondido no Carit, ou sejas submergido na caridade perfeita, então “beberás ali da torrente”; porque nesta íntima união que chegaste a ter comigo te darei de beber, a ti e a teus irmãos, da água da vida daquela torrente a que se referia o Profeta quando, falando comigo dizia: “Os farás beber na torrente de tuas delícias” (Sl 35, 9). Pois também está escrito: “se te converteres ao Todo Poderoso, serás restabelecido e expulsarás a culpa de tua morada. Em vez de terra te darei torrentes e mananciais que levarão ouro em lugar de pedras. O Todo Poderoso te protegerá contra teus inimigos, e a prata entrará em tua casa com abundância. Então, nos braços do Todo Poderoso, abundarás em delícias e cheio de confiança elevarás para Deus o teu rosto” (Jó 32, 23-26).

Reflete como serás levado passo-a-passo ao último grau do amor se te entregares a Deus de todo o coração como te foi explicado.

Primeiramente hás de expulsar a culpa de tua mansão, ou seja, de tua alma, porque se não fizeres isto não poderás unir-te com o Todo Poderoso como está escrito: “Se dissermos que temos união com ele e andamos entre as trevas do pecado, mentimos (1Jo l, 6) porque nossos pecados põem um muro de separação entre nós e Deus; e nossos pecados afastam seu rosto de nós” (Is 59, 2).

O segundo diz: em vez de terra, entendendo por terra os afetos terrenos, e as riquezas ou bens, que já deixaste, o Senhor te dará uma fonte de ardente e intensa caridade.

O pedernal é uma pedra dura e própria para o fogão, da qual se faz saltar a chispa do fogo e é como figura daquela caridade perfeita da qual disse o Sábio: “o amor é forte como a morte; os ciúmes implacáveis como o inferno; suas brasas, brasas ardentes e um vulcão de chamas (Cânt 8, 6). O doador deste, fogo santo é Deus, como disse o Apóstolo.” “a caridade de Deus foi derramada em nossos corações por meio do Espírito Santo, que nos foi dado “ (Rm 5, 5).

O terceiro, pelo pedernal duro, a ardente é perfeita caridade em que já vives, “te dará o Senhor torrentes de ouro”, ou seja aquelas suaves e inefáveis delícias das quais se disse: “o olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem passou pelo pensamento do homem as coisas que Deus preparou para aqueles que o amam “ (ï Cor 2, 9). E diz que essas delícias são torrentes, porque descem sobre a alma do profeta com grande ímpeto e em grande abundância de gozo à maneira das torrentes, como também está escrito: “como torrente que transborda são as palavras do homem sábio” (Prov 18, 4).

Quando domina o calor do sol, a torrente logo seca e também estas delícias espirituais secam e desaparecem do espírito do Profeta quando se aviva a sensualidade.

Em verdade, estas torrentes são de ouro, pois brilham pela chama do amor divino que inflama a alma do profeta e pelo conhecimento claro de Deus que misteriosa ou misticamente põem no espírito do profeta como o disse o Senhor: “o que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei; e eu mesmo me manifestarei nele” (Jo 14, 21).

O quarto, quando te for comunicada esta alta e clara noticia de Deus, o TODO PODEROSO te protegerá contra teus inimigos visíveis e invisíveis, defendendo-te contra eles, pois assim o disse o Senhor: “eu o protegerei por haver conhecido e adorado meu nome” (SI 90, 14).

O quinto promete que a prata entrará em tua casa em abundância, sobre isto disse o Salmista: “palavras puras e sinceras são as palavras do Senhor; são prata derretida no fogo, purificada no crisol” (Sl 11, 7) o qual não é outro senão o amor.

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Porque por amor de Deus e para unir-te com o próprio Deus com coração limpo, sai do mundo e do trato com os homens e toma-te digno de que o Senhor te faça gozar com abundância de sua divina comunicação, e até que te revele, por vezes, verdades ocultas e futuras. Então serás cumulado de inestimáveis delícias sobre Deus e será fortalecida a vista de tua inteligência para que possas contemplar a Deus, segundo teu desejo sem que ninguém te possa perturbar.

Vês como te expliquei o modo de chegar à perfeição profética e como conseguirão viver o fim da vida monástica.

Capítulo oitavo

Remédios para perseverar humilde na perfeição da vida eremítica.

Convém também que refutas sobre o que hás de fazer para perseverar vivendo com perfeição a vida eremítica.

Segue minha promessa dizendo: “mandei aos corvos que te levem de comer”(1Rs 17, 4). Julguei ser muito necessário anunciar-te isto para teu consolo. Pois, ainda que estejas nadando em delícias inefáveis, enquanto bebes da torrente do meu gozo, tua alegria, entretanto, não pode ser completa por duas causas.

A primeira porque do íntimo de tua alma sentirás um veementíssimo desejo de ver claramente o meu rosto e ainda não podes vê-lo porque “nenhum homem me verá sem morrer “ (Êx 33, 20), “pois eu habito em uma luz inacessível, a qual nenhum homem viu, nem pode ver nesta vida” (1Tm 6, 15).

A segunda causa é porque enquanto estás te esforçando para saborear aquelas delícias inefáveis da torrente do meu insuperável gozo, de repente te verás privado delas pela fraqueza de teu pobre corpo e te encontrarás de novo contigo mesmo, “pois o corpo corruptível prende a alma, e este vaso de barro deprime a mente que está ocupada com muitas coisas” (Sb 9, 15).

Por estas duas razões: não poder ver claramente o meu rosto e não poder permanecer muito tempo naquela gloriosa contemplação de doçura pela fraqueza de teu corpo corruptível, se quiseres perseverar na perfeição, deves suplicar a Deus com gemidos, dizendo-lhe: “meu Deus, meu Deus! A Ti aspiro e me dirijo desde a aurora. De Ti está sedenta a minha alma! E da mesma maneira o está também o meu corpo! Nesta terra deserta, sem caminho e sem água me ponho em tua presença como em teu santuário para contemplar teu poder e tua glória” (Sl 62, 2-3).

Para que então não morras desconsolado com os incontidos soluços e tristezas do coração pela ânsia de ver-me e a fome de saborear a suavidade da doçura de minha glória, “mandei aos corvos que te levem de comer” para dar-te consolo.

Por corvos se entendem aqui, alegoricamente, os Santos Profetas que te precederam e mandei para que fossem teus modelos. Eles nunca sentiram presunção da equidade de sua vida santa, mas conhecendo-se bem pela graça da humildade e vendo sua fraqueza, confessavam ao próprio deficiências dizendo: “se dissermos que não temos pecado, nos enganamos a nós mesmos e a verdade não está em nós” (1Jo l, 8). De cada um destes Padres se escreveu; “Quem prepara para o corvo seu alimento quando seus filhotes levantam para Deus seus gritos, indo de um lado ao outro do ninho por não ter nada que comer?” (Jó 38, 3).

O corvo tem o instinto de olhar para os seus filhotes quando nascem e os vê branquinhos e que se movem de um lado ao outro do ninho, abrindo seus bicos e pedindo alimento. Porém só os alimenta ao vê-los com plumagem negra, reconhecendo pela cor que se parecem com ele; quando vê que a plumagem se toma negra, então põe todo o seu esforço em alimentá-los. De semelhante modo nascem também os pintinhos ou discípulos do Profeta que eu enviei e logo, com seu exemplo,

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chegam a conseguir tanta graça que bebem da torrente de minha delícia, como bebeu o Profeta Elias.

Quando por fraqueza da própria natureza não chegam a saborear de minha suave doçura, devem dirigir-me suas súplicas movendo-se com o desejo de um lado para outro, porque ainda não lhe é possível tomar do desejado alimento da doçura espiritual, e como está escrito: “se não vos tomardes semelhantes às crianças na simplicidade e inocência, não entrareis no reino dos céus” (Mt 18, 3); devem reconhecer humildemente que ainda são filhotes ou crianças na virtude e não deixar de crescer no bem para não cair no mal, pois está escrito: “todos nós tropeçamos em muitas coisas” (Tg 13, 2).

Porque muitas vezes deixam de meditar em seus pecados e na própria miséria e por isto não podem vestir-se da cor negra da humildade que precisam ter para preservar-se do brilho vão da soberba do mundo. Quanto mais pretendem brilhar no exterior, afanando-se nas atenções da presente vida, tanto menos aptos estarão para poder receber e apreciar em sua alma aqueles manjares espirituais.

O corvo olha os biquinhos abertos de seus filhotes que, famintos lhe pedem de comer, porém enquanto não os vê cobertos de preto não lhes dá alimento, e o Profeta, meu enviado antes de levar e manjar de minha doçura a seus discípulos para que o saboreiem, lhes ensina e exorta a que, como ele, abandonem o brilho vão da vida presente e espera para ver se pêlos sofrimentos da penitência e pela meditação em seus pecados se vistam de negro e se reconheçam humildes em sua fraqueza. Se com a humilde confissão de sua vida passada se vestirem como de negras plumas de prantos e gemidos brotados do íntimo da alma, meu Profeta acudirá solicito a todos que lhe pedem com o manjar que eu mesmo tenho lhes preparado, já que os convida a saborear a doçura que mana da torrente de minhas delícias e tanto mais gostosa e proveitosamente os alimenta que mais os vê perfeitamente separados do brilho do mundo e cobertos de negro pela compunção da humilde penitência.

Para que os discípulos se dêem perfeita conta de que os alimentos oferecidos pelo Profeta os recebem diretamente de mim, se lhes propõe muito prudentemente em forma de pergunta: “Quem prepara ao corvo seu alimento quando seus filhotes levantam seus pupilos para Deus, indo de um lado a outro do ninho por não ter nada para comer?” (Jó 38, 41). Procura convencer-te: só Deus dá comida e nenhum outro, como está escrito: “chamai pelo que dá alimento aos filhotes do corvo” (Sl 146, 9).

Meu filho, quando chegares à perfeição profética e viveres com perfeição o fim da vida monástica eremítica, e te for dado beber da torrente de minha delícia, não te envaideças porque gostas de tanta doçura; sentirás que, de repente, desaparece por algum tempo a causa da fraqueza e miséria do teu corpo.

Então, cuida bem para que não desças da altura desta perfeição e tomes a abraçar algumas das coisas que já havias deixado e renunciado; porque “quem põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o reino dos céus” (Lc 9, 62) e por isto, “esquecendo o que ficou para trás, e olhando só o que estopara afronte” (Fl 3, 2), “esforçando-te a ti mesmo prossegue até obter o prêmio a que Deus te chama lá do alto!”

Não se promete o prêmio a quem começar a viver isto, mas a quem perseverar até o fim, este se salvará (Mt 10, 22).

Prova isto, indo e vindo com a consideração, como os filhotes do corvo no ninho, deves dizer-me em súplica ininterrupta: “Como o cervo sedento anseia pelas fontes de águas, assim, ó meu Deus, chama por Ti a minha alma” (Sl 61, 2).

E se não voltares a experimentar logo aquela suavidade da minha doçura, já antes experimentada, será para que te dês conta, primeiramente, de que se chegaste a provar de tão inefável doçura, não foi por teus próprios méritos, mas por minha benignidade, e em segundo lugar para que a desejes com maior veemência e aumentando o desejo te prepares melhor para poder consegui-la.

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E para que neste tempo não desfaleças de todo na perfeição, “mandei aos corvos que te levem o alimento” e assim dispus que os santos Profetas, teus antecessores, te alimentassem com a doutrina dos exemplos da humilde penitência; com a penitência, viam eles, humilhados o negror de seus pecados e não caiam no fascinante brilho da vida carnal.

Para que durante este tempo saibas o que deves fazer, alimenta-te com muita solicitude com sua doutrina como está escrito: “o Sábio buscará a sabedoria de todos os antigos e estudará nos Profetas” (Eclo 39, l).

Se à sua imitação te esforças por apagar de ti o vão brilho da vida presente e procuras vestir-te de luto, como os filhotes do corvo, com a meditação da própria fraqueza e a prática da verdadeira humildade e elevas ao Senhor tuas fervorosas e humildes preces e a correspondente confissão de teus pecados e os abundantes gemidos de dor, como se fossem as plumas negras do corvo; e também se, à semelhança de seus filhotes, te separas do tumulto das cidades, estabelecendo tua vivenda na solidão, te escondes longe da glória da vida mundana e das posses e demais bens e riquezas do mundo, o Senhor te dará de novo de beber e saborearás a doçura do manjar que nasce da torrente de sua delícia.

Por isto se tem escrito: “olhai as aves do céu: não semeiam, nem ceifam, nem recolhem em seus celeiros, e Deus as alimenta” (Mt 6, 26).

Já te ensinei como deves viver para perseverar humilde na perfeição da vida profética eremítica.

Capítulo nono

Santo Elias alcançou a perfeição da vida eremítica pela renúncia dos bens, pela pureza da castidade e pela negação da vontade própria.

Assim que Elias ouviu do Senhor a referida disposição de procurar alcançar a perfeição profética, o fim da vida monástica e eremítica e o modo de permanecer na perfeição, meditou “que não são os que ouvem, mas os que praticam serão justificados” (Rm 2, 13), por isto se dedicou com todo o esforço de sua alma em trabalhar para conseguir esta perfeição profética e viver com toda a delicadeza o fim da vida monástica e eremítica e pôs em obra a ordem recebida do Senhor como lemos nas citadas palavras do Livro os Reis: “Foi-se, então Elias, e executou as ordens do Senhor; e retirou-se para a torrente do Carit, que corre defronte o Jordão onde os corvos lhe levaram pão e carne pela manhã e à tarde e bebia da torrente” (1Rs 17, 5).

Exporemos agora as palavras copiadas em sentido histórico e no místico, pois os dois se cumpriram em Elias.

“Foi-se, pois, Elias”. Aonde foi? “Contra o Oriente” para o Jordão, que quer dizer: contra a natural concupiscência de seu corpo. Como na natural inclinação de seu corpo não se sentia bem, preferiu “não ser devedor à carne para viver segundo a carne”; pois como disse o Apóstolo: “se viverdes segundo a carne morrereis; mas se fazeis morrer as obras ou paixões da carne, vivereis” (Rm 8, 12 13).

Elias, para viver perfeitamente no espírito para Deus, crucificou sua carne com os vícios e paixões (Gl 5, 24), mortificando os membros dos pecados, que se cometem no mundo como são a fornicação, a sensualidade, a torpeza e a concupiscência de uma maneira mais perfeita que seus antecessores. Para igualar aos anjos, imitando-os em seu modo de viver pela pureza da castidade e a incontaminação de sua carne, embelezou sua alma, oferecendo por amor de Deus o primeiro de todos os homens, a virgindade perpétua.

Negando-se a si mesmo em tudo e renunciando ao seu próprio querer, cumpriu diligentemente a vontade de seu Superior que era o próprio Deus, conforme se disse dele: “foi para

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onde o levava a vontade de Deus” e continua dizendo: “agiu segundo a palavra de Deus”, pois havendo saído de sua terra natal, de sua família, da casa de seu pai, estabeleceu sua morada na solidão e por isto que havia renunciado. Deus o favoreceu com coisas mais nobres como preservá-lo da morte e elevá-lo até a perfeição da vida monástica.

O povo de Israel, pervertido pouco antes por seu rei Acab, adora a Baal como a Deus doador da chuva, da fertilidade e dos demais bens temporais. Não se dava conta de que tudo isto era dom do verdadeiro Deus de Israel e não Baal, como se condoía o Senhor, dizendo por um Profeta: “e não sabia que fui eu quem lhe dei o trigo e o vinho, e o azeite; e lhe dei a abundância da prata e do ouro que ofereceram a Baal” (Os 2, 8).

Querendo Elias mostrar, tanto ao Rei como ao povo de Israel que o Deus verdadeiro era o que ele adorava, e Baal a quem o Rei adorava instigado pela rainha e obrigava o povo a adorar era um falso Deus, em nome do Senhor lhes anunciou que enquanto adorassem a Baal não choveria, “e nestes anos assinalados não cairia nem chuva, nem orvalho sobre a terra, até que Elias o pedisse ao Deus de Israel”.

Pela falta d’água sobreveio uma terrível fome no reino de Samaria, e por isto o Rei procurava Elias para matá-lo. Mas antes que o Rei o encontrasse, obedecendo Elias à Palavra de Deus, evitou que pudesse encontrá-lo, saindo de sua pátria, deixando seus parentes e seus pais e fugindo para a solidão; deixou também, não só pelo afeto, mas em realidade, os bens da terra para não dificultar com o cuidado dos bens paternos, nem com a abundância, nem com as posses terrenas, alcançar a perfeição da vida monástica para a qual, então, o chamava o Senhor.

O texto continua dizendo: “caminhando, retirou-se para junto da torrente do Carit, contra o Jordão”; desde este tempo Elias abraçou, em silêncio e com firme vontade, viver na aridez do deserto e foi o primeiro homem que, deliberadamente, escolheu viver a vida monacal eremítica, e começou a vivê-la bem conforme o significado do nome, na solidão da torrente do Carit, pois Carit quer dizer divisão, para que o próprio nome do lugar onde estabeleceu sua morada indicasse a separação do trato com os homens e da vida mundana.

Assentou-se solitário na torrente do Carit, derramando uma torrente de lágrimas dia e noite (Trevos 2, 18); deste modo estava contra o Jordão que significa estar contra a queda no pecado; enquanto com seu modo de viver se tomava claro com quanta perfeição começava, então, deliberadamente, o primeiro entre todos os homens, a vida e o estado de monge.

Daí por diante foi sempre verdadeiro monge, pois permaneceu só ou singular, e compungido, chorando abundantemente seus pecados e os alheios.

A interpretação mística é: “e havendo caminhado Elias contra o Jordão, ou seja, vencendo a natural concupiscência de sua carne, se retirou para a torrente do Carit que está contra o Jordão; porque permaneceu então vivendo sempre no Carit que é o amor de Deus, pois a caridade divina separa do Jordão que é a queda no pecado”. Ele viveu no amor e assim dizia: “Vive o Senhor Deus dos exércitos em cuja presença estou” (1Rs 17, l).

E com razão merecia estar diante da excelsa grandeza da Majestade divina, pois assentou o seu espírito no mais alto cume da perfeição de tal modo viveu que ninguém nascido de mulher jamais foi superior a ele na plenitude da perfeição. E embora o Salvador tenha dito que “entre os nascidos de mulher não havia ninguém maior que João Batista (Mt 11, 11), Elias foi igual ao Batista como afirmou o Arcanjo São Gabriel quando disse a Zacarias: “que João viria adiante do Senhor revestido do espírito e da virtude de Elias” (Lc l, 17).

Como o coração do Profeta de fogo se abrasava dentro de si mesmo com ardente amor vivendo na solidão, e como crescia o fogo do amor divino na oração, saboreava com freqüência o prêmio da inefável glória de Deus e descansava na torrente da divina delícia que Deus dá para beber aos que o amam, conforme disse o Profeta: “Lhes dareis para beber a torrente de tuas delícias” (SI 35, 9).

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Elias procurava com diligência descansar sem interrupção no gozo da contemplação de favores tão inefáveis e de tão altas delícias, porém não podia gozar muito tempo tão íntimos deleites, impedindo-o a fraqueza do corpo.

De volta aos seus sentidos, gozava algumas vezes no interior, com silenciosa lembrança de tanta suavidade, e outras vezes dava fortes suspiros pelas ânsias de voltar a saborear doçura tão deleitosa.

E continua o texto: “os corvos lhe levavam pão e carne pela manhã e à tarde”. Com estes alimentos confortava Elias no deserto seu desfalecido corpo para não morrer. Não se deve duvidar que era o próprio Deus quem lhe levava o pão e a carne por meio dos corvos, pois o havia anunciado antes que fosse para a torrente do Carit: “mandei aos corvos que te levem ali de comer” (1Rs 17, 4).

Confiado nesta palavra do Senhor todo o tempo que permaneceu no Carit, Elias deixou o cuidado de sua alimentação na mãos de Deus, pois Ele tinha cuidado com Elias. Tudo que precisava para esta vida lhe era proporcionado por Deus, porque o Profeta “buscava primeiro o reino de Deus e sua justiça” (Mt 6, 33).

Refletindo misticamente, seus predecessores os Profetas que simbolizam os corvos, conforme explicamos, lhe proporcionavam o pão da instrução, da compunção e da penitência e a carne da verdadeira humildade. Eles o traziam pela manhã, ou seja, quando se alegrava com a lembrança da suavidade experimentada, e igualmente à tarde quando o invadia a tristeza por haver deixado de experimentar suavidade tão confortadora.

E para que não morresse de tristeza recordando a suavíssima doçura perdida, os corvos lhe levavam pão do qual se disse: “os alimentarás com o pão das lágrimas” (Sl 79, 6). Pois os santos Profetas, com os exemplos que lhe haviam deixado nas divinas letras, lhe traziam à memória o negror de seus pecados e meditando sobre eles se fartava com a dor das lágrimas e, humilhado, se via indigno de experimentar aquela inefável delícia, da qual havia antes gozado, não por seus méritos, mas por pura bondade de Deus.

E igualmente para que não presumisse com vã glória lembrando a alegria da suavidade recebida: “os corvos lhe levavam carne”, por que os Santos Profetas com seus exemplos lhe punham ante os olhos a fragilidade e a torpe inclinação de seu corpo, desfazendo com isto as suaves alegrias passadas.

A meditação de sua fragilidade era o alimento que lhe ensinava a permanecer humilde, vendo que “toda carne é feno e toda a sua glória é como a flor do campo” (Is 40, 6; 1Pd 1, 24).

Meditando algumas vezes sobre a fragilidade de sua carne e outras sobre seus pecados, “as lágrimas foram seu pão de dia e de noite” enquanto os corvos que são os Profetas, lhe diziam diariamente: “onde está teu Deus?” (Sl 41, 4).

Com estas palavras que os Profetas lhe repetiam recordando-lhe que pelo negror de seus pecados e pela fragilidade de sua própria carne lhe eram retiradas aquelas comunicações gozosas feitas pelo próprio Deus, se desfazia seu alma em si mesma clamando a Deus com abundantes suspiros de dor numa fervorosa oração e com a humilde confissão de seus pecados.

E o texto continua: “bebia na torrente” ou seja, da água da torrente, abstendo-se do vinho, a fim de que seu espírito estivesse melhor preparado para receber aquela água de sabedoria saudável da qual se disse: “e lhe darei a beber a água da ciência da salvação” (Eclo 15, 3), “e esta fonte da sabedoria é uma caudalosa torrente” (Prov 18, 4). Embriagava-se com sua abundância, bebendo da torrente de delícias.

Arrebatado de novo o espírito, Elias era transportado “ao local do admirável tabernáculo até a casa de Deus” (Sl 41,5).

Deste modo vivia Elias no deserto a vida profética e monástica.

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NICOLAU “GALLUS”

+1270 Nicolau “Gallus” foi prior geral da Ordem e se retirou para um

eremitério onde terminou os seus dias. É uma figura representativa da corrente do novo eremitismo dentro da Ordem, em sua época. Na polemica contra os adeptos do apostolado ativo, ele na sua Obra “A flecha de fogo” da primazia aos valores da solidão e do recolhimento.

Oferecemos alguns trechos que possuem um amplo conteúdo que superam as fronteiras da própria vida eremítica, em particular a página sobre o convite da natureza para louvar ao Criador.

CONDUZI-LA-EI À SOLIDÃO E FALAR-LHE-EI AO CORAÇÃO

de: “A flecha de fogo”, de Nicolau “Gallus” (ano 1270)

Porventura o Senhor e Salvador nosso não nos conduziu benevolamente à solidão, onde, com uma especial familiaridade, falou ao nosso coração? Aquele que para nossa consolação se mostra aos seus amigos e revela os seus mistérios, não em público, não nas praças, não no meio do ruído, mas no segredo.

A solidão do monte, por mandato do Senhor, subiu Abraão, que, por obediência, não hesitando na fé, mas pela sua esperança antevendo o fruto, quis sacrificar o seu filho Isaac, pelo que foi significada a paixão de Cristo, o verdadeiro Isaac. Foi dito também a Lot, sobrinho de Abraão, que saindo de Sodoma salvaria a sua vida na solidão do monte.

Ainda na solidão do Monte Sinai a Lei foi dada a Moisés, que aí foi revestido de tal fulgor que, quando desceu do monte, não puderam contemplar a sua face resplendente.

Eis que na solidão de uma cela, dialogando Maria e Gabriel, verdadeiramente incarna o Verbo do Pai Altíssimo. Eis que Deus feito homem, querendo transfigurar-se, mostrava a sua glória na solidão do Monte Tabor. Eis que o nosso Salvador subiu sozinho à solidão do monte para orar. Na solidão do deserto jejuou continuamente quarenta dias e quarenta noites. Aí quis ser tentado pelo demônio, para assim nos mostrar um lugar mais apto para orar, fazer penitência e vencer as tentações. A solidão do monte ou do deserto subiu o Salvador para orar; mas quando quis pregar ao povo ou manifestar os suas obras desceu do monte.

Eis que Aquele que plantou os nossos pais na solidão do monte, a Si mesmo se lhes deu como exemplo e aos seus sucessores, querendo que os suas obras, que nunca estão isentas de mistério, fossem transcritas para exemplo.

Outrora, diversos dos nossos antecessores seguiram esta regra verdadeiramente santíssima do nosso Salvador: conhecendo a própria imperfeição moravam longo tempo na solidão do ermo, mas querendo ajudar o seu próximo, embora sem com isso sofrerem dano, desciam algumas vezes do ermo, se bem que raramente, para semearem prodigamente o grão que na solidão colheram com a fouce da contemplação.

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O CÁLICE DE JESUS

de: “A flecha de fogo” de Nicolau “Gallus” (ano 1270)

Vejam portanto todos os que amam o mundo e as cousas deste mundo, como será duro beber no inferno o tal cálice de tormentos que os condenados terão que sorver.

Ó como é diferente, dulcíssimo Jesus, o vosso cálice inebriante que é tão sublime! O como são felizes os que fugiram do Egito pelo meio do Mar Vermelho, onde os seus perseguidores se afogaram,e já no deserto da solidão se inebriaram pela primeira vez com a incrível doçura do vosso cálice e por isso não mais quiseram beber do cálice de ouro da Babilônia. E felicíssimos entre os felizes os que com consciência segura possam dizer: “O Senhor é a parte da minha herança e do meu cálice; vos me restituireis a minha herança.”

O LOUVOR DA CELA de: “A flecha de fogo” de Nicolau “Gallus” (ano 1270 )

Na cela nos é mostrado o tesouro inestimável, e incomparável de contemplação cheia de

perfume, de maneira que, desprezadas totalmente as cousas caducas da terra, a nossa alma se consome inteiramente no desejo fervente da contemplação; ... na cela recebemos as verdadeiras delicias do paraíso que de tal modo deleitam e restauram o nosso homem interior, que o seu desejo ao mesmo tempo aumenta a nossa sede e é saturado.

A NATUREZA CONVIDA A LOUVAR AO CRIADOR

De: “A Flecha de fogo” de Nicolau “Gallus”, cap. 11 (ano 1270)

Na solidão todos os elementos nos ajudam. O firmamento esplendidamente ornado de planetas e estrelas, numa ordem de pasmar,pela sua beleza nos atrai e convida a considerar cousas mais altas. Os pássaros, com a sua natureza de certo modo angelical, cantam suaves melodias para o nosso consolo. Também os montes, segundo a profecia de Isaías, destilam sobre nos una doçura maravilhosa, mas também as colinas, nossas companheiras, derramam leite e mel, que os tolos amantes deste mundo nunca provam. Os montes que nos rodeiam a nós que cantamos o louvor do Criador, são os confrades com que vivemos, os quais, como que tocando a sua lira, cantas seus versos e entoam conosco o canto louvando o Senhor numa mesma voz. Os montes germinam, a grama fica mais verde, as copas das árvores a sua maneira nos aplaudem alegremente; também as flores mais lindas enchem o ar de perfume suave, como se quisessem sorrir para alegrar-nos na nossa solidão. A luz silenciosa dos astros parece que nos da sábios conselhos. As árvores nos beneficiam com a sua sombra agradável, e todas as criaturas que vemos e ouvimos na solidão, nos restauram e fortificam como se fossemos colegas; até no seu silêncio pregam dum modo sublime e exortam o nosso homem interior ao louvor do Criador admirável.

Sobre este encanto da solidão ou deserto está escrito em Isaías (no sentido figurado): “A solidão exultará e florescerá como um lírio, produzira a vida, e exultará alegre e cheia de louvor.” E outra vez no salmo: “Umedecem as pastagens no deserto e as colinas revestem-se de alegria”.

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ORAÇÃO dos CARMELITAS no MONTE CARMELO à VIRGEM MÃE De Arnold Bostio + 1499 “Speculum Historiale”

O autor imagina a oração mariana dos primeiros carmelitas como expressão do conteúdo mariano de pertença da Ordem a Maria Patrona = Senhora do Lugar.

Ó Mãe bem-aventurada Nós te temos esperado tanto! Tu, que instituíste a nossa Ordem E a tens organizado e guiado com perfeição! Ajoelhados a teus pés, ó toda santa, Mãe primeira da Família Carmelitana, todos nos que estamos nesta montanha, saciamos a sede de nosso coração nas tuas fontes. Nós, com sinceridade, nos reconhecemos

guiados por tua mão ajudados por teu socorro, iluminados por tua luz!

Transforma-nos em ti e a nossa vida na tua Então, o Senhora nossa, fica entre nós. Ó Maria, nos buscamos um refúgio em teu seio. É preciso que a Mãe permaneça com seus filhos

a Mestra com seus discípulos, a Priora com seus monges.

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BEATO JOÃO SORETH (+ 1471) sobre a REGRA CARMELITANA

No século XV sobressai a figura do beato João Soreth que iniciou a restauração da observância religiosa com base na Regra mitigada por Eugênio IV.

A sua obra de exposição exortativa da Regra e muito interessante para entender como ele orienta a interiorização da própria mitigação da Regra.

Um exemplo disto é a página sobre a cela que apresenta idéias de Cassiano.

A CELA INTERIOR E EXTERIOR

De: “Exposição Parenética sobre a Regra dós Carmelitas” de b. João Soreth

Lê-se na Regra: «Todos e cada um de vós tenha celas separadas, conforme a situação do lugar que vos propusestes habitar». A cela abriga o filho da graça, fruto do seu ventre, alimenta-o, abraça-o, condu-lo à plenitude da perfeição e toma-o digno do colóquio com Deus. A cela é terra santa e lugar santo, onde o Senhor e o seu servo se falam em segredo, como um homem ao seu amigo. Nela a alma fiel une-se frequentemente ao seu verdadeiro Deus, como a esposa ao esposo, o celeste une-se ao terreno, o divino ao humano. Pois, tal como o templo santo de Deus, assim é a cela do servo de Deus. Como no templo, também na cela são trotadas as coisas divinas; mas mais frequentemente na cela: a cela é a forja de todos os bens e a sua estável perseverança. Pois nela todo o que viver bem com a pobreza é rico, e todo o que tiver boa vontade tem consigo tudo o que é necessário para bem viver.

Porém, para que vivas com mais segurança na cela, foram-te indicados três defensores: Deus, a consciência e o pai espiritual: a Deus deves piedade, na qual deves viver inteiramente consagrado; à tua consciência deves honra, envergonhando-te de pecar perante ela; ao pai espiritual deves obediência amorosa e a ele deves recorrer em tudo. Alem disso indicar-te-ei um quarto defensor; procurar-te-ei um educador para enquanto te sentires pequeno e até que aprendas mais perfeitamente a exercitar a presença divina: procura tu mesmo, segundo o meu conselho, uma pessoa cuja vida exemplar de tal modo se haja apossado do teu coração que sempre que e recordes te sintas impelido à reverenda do que recordas, te ordenes a ti mesmo e organizes os teus pensamentos como se ela estivesse presente. Com caridade corrija em ti tudo o que deve ser corrigido: pensarás que ela está a ver todos os teus pensamentos, procurarás emendar-te como se ela te estivesse a ver e a corrigir.

Cada um, portanto, lenha uma cela separada para poder realizar estes exercícios na solidão; como diz a Regra «todos e cada um tenham celas separadas». Terás uma cela exterior e outra interior: a exterior é a habitação onde mora a tua alma com o teu corpo; a interior é a tua consciência na qual deve habitar, com o teu espírito, o Deus de todas as luas interioridades. A porta da clausura exterior é sinal da clausura interior, para que, assim como os sentidos do corpo são impedidos pela clausura exterior de vaguear lá por fora, assim os sentidos interiores sejam interiormente obrigados a ocupar-se sempre com Deus. Ama, portanto, a tua cela interior, e ama também a exterior e cuida de cada uma delas; guarde-te a exterior, mas não te esconda para que tu possas pecar mais ocultamente, mas guarde-te para que vivas com maior segurança. Pois não sabes o que deves à cela se não pensas corno nela não só te podes curar dos teus vício, como evitar rixas com os outros; ignoras igualmente quanto respeito deves à lua consciência sempre que nela não

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experimentas a graça e a doçura da interna suavidade. Dá pois a cada uma destas celas a sua própria honra e exige para ti a tua supremacia: nela aprenderás a vencer-te a ti mesmo, a ordenar a tua vida, a harmonizar os costumes, e defender-te a ti mesmo como também a reprovar-te. Ninguém te amará mais, ninguém te julgará mais fielmente. A este propósito diz alguém: «Seja-te querida a cela, o teu pé seja tardo para o exterior; calando em todo o tempo, chora, lê ou reza, levanta-te cedo, examina-te em todo o momento». Com este fim, pois, diz a Regra: «todos e cada um tenham celas separadas, conforme forem atribuídas a cada um por disposição do próprio Prior e com o assentimento dos outros irmãos ou da parte mais sã».

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JOÃO BATISTA ROSSI +1578

João Batista Rossi foi prior geral da Ordem de 1562 até sua morte

em 1578. Passou grande parte de seu governo em visitas a Ordem para promover a reforma da mesma, aplicando os decretos da Reforma Tridentina.

Foi o geral que permitiu a fundação dos descalços, em 1567. Os dois textos que seguem são extraídos: 1° - Do Compêndio das Constituições para a província da Itália. 2º - Da carta de permissão para a fundação dos descalços. Para melhor compreensão destes textos é bom lembrar a definição

de oração do mesmo Rossi: “elevação da mente e do coração a Deus”. CONTEMPLAÇÃO E AMOR de: “Constitutionum compendium” (ano 1528) e “Regesta” do prior geral João Batista Rossi (Rubeo”).

(l) “O primeiro e principal intento dos que moravam no Monte Carmelo (o qual os que professam a vida dos Carmelitas devem imitar e abraçar) consiste nisso que dia e noite virilmente se esforcem com todas as forças para que sua alma e seu espírito sejam unidos a Deus Pai pela oração, contemplação e amor jamais interrompido, não só habitualmente mas também atualmente. Por isso, se recomenda o uso das jaculatórias para conseguir a paz da alma e para submeter-se de boa vontade a obediência, fazendo depender a bondade da vida mais destas cousas que da multiplicação de leis.

(2) ... Todos os Carmelitas sejam espelhos, lâmpadas, fachos acesos, estrelas resplandecentes para iluminar e guiar os que vivem neste mundo; e com orações falam a Deus, se uniam a Ele com as meditações e mesmo vivendo na carne, o seu espírito viva no céu, longe de toda cousa que poderia distrair as almas da simplicidade e pureza do amor ardente para com Deus altíssimo.

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SANTA TERESA DE JESUS + 1582

Os elementos emergentes do conceito teresiano de oração são a tomada de consciência da presença total do amor de Deus e por-se em relação com ele na totalidade do próprio ser. Esta relação tem exigências dinâmicas de busca, diálogo e intimidade, freqüência, continuidade, estabilidade, exclusividade.

Também a relação pede sinais de amor: a transformação da própria vida pelo exercício das virtudes e interiorização da realidade, com irradiação apostólica, ainda que nem sempre esta apostolicidade venha expressa nu ma atividade externa.

As páginas que seguem oferecem este conceito teresiano e como Teresa entende alguns momentos do processo ou caminho de oração.

Para Teresa o caminho de oração não tem itinerário fixo. A norma fundamental para cada um e manter-se disponível a Deus e à ação do Espírito Santo.

DEIXAR-SE AMAR Textos clássicos teresianos sobre a oração

A Oração não é nada mais do que um íntimo relacionamento de amizade a sós com aquele

de quem sabemos ser amados. (V. 8,5). Para aproveitar muito neste caminho (de oração)... o essencial não e pensar muito – é amar

muito. Escolhei de preferência o que mais vos conduza ao amor (Morada IV, 1,7). Triste cousa seria se a oração só se pudesse fazer pelos recantos! Tanto mais que o

verdadeiro amante ama em qualquer lugar e sempre se recorda do amado! (Fundações 5,16). A oração é a escola onde o Senhor da luz para entender as verdades (Fundações 10,13).

A porta para entrar neste castelo é a oração (Morada 1,1,7) A oração e tratar e falar com Deus como a pai, a irmão, a mestre e como a esposo

(Caminho 28,3). ORAÇÃO, UM BUQUÊ DE FLORES

De: Santa Teresa de Jesus.

“Habituar-se à solidão é grande coisa para a oração e, sendo esta o fundamento desta casa, é necessário por todos os meios afeiçoarmo-nos ao que mais a favorece” (C. 4,9) ... “Todos sabem que sois religiosas e que tendes vida de oração. Grande mal é que pessoas tão obrigadas a. não falar senão de Deus, tenham por licito usar de dissimulação em tais circunstâncias, a não ser alguma vez para conseguir maior bem. Este é o vosso trato e o vosso modo de falar. Quem quiser ter relação convosco, aprenda-o, se não, guardai-vos de aprender vós o seu. Se vos julgarem grosseiras, pouco perdereis. Se hipócritas, ainda menos. Saireis ganhando, porque não virá procurar-vos senão quem souber a vossa língua. É impossível uma pessoa que não sabe o árabe

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gostar de entreter-se longamente com quem só fala árabe. Nem vos cansarão, nem vos farão dano. Do contrário, ficaríeis muito prejudicadas tendo de aprender nova língua. Nisto iria todo o vosso tempo. Não podeis calcular como eu. que o sei, por experiência, quanto prejudica a alma. Para se aprender uma língua, esquece-se n outra e vive-se num perpetuo desassossego. O que muito convém para este caminho é paz e tranqüilidade na alma. Se os que falarem convosco quiserem aprender vossa linguagem, contai-lhes as riquezas que se ganham em aprendê-las. Disto não vos canseis. Insisti com piedade e amor, fazendo também oração para que lhes seja proveitoso” (C. 20, 4-6)... “Quando chegardes a ele, refleti e procurai compreender com quem ides falar, ou com quem estais falando. Mil vidas das nossas não bastariam para acabarmos de entender como merece ser tratado este Senhor. Em sua presença tremem os anjos. Ele tudo governa, tudo pode. Seu querer é realizar. Não faleis com Deus pensando em outras coisas. Isto vem de não compreender o que é oração mental. Penso que o deixo assaz explicado: praza ao Senhor que o saibamos pôr em prática. Amém.” (C. 22, 7.8)... “A primeira coisa que nos ensina Sua Majestade é que a alma se recolha a sós, na solidão. Assim fazia ele sempre que orava, não por necessidade, mas para nosso ensinamento. Já se disse: é intolerável falar ao mesmo tempo a Deus e ao mundo. É o que fazemos quando estamos a rezar e a escutar, por outro lado, o que se fala em torno de nós, ou a pensar no que nos vem à cabeça, sem domínio de nós mesmos. Excetuo certos tempos em que, por indisposições naturais estados em tensão ou dores de cabeça, nada se consegue, por mais que se faça. Há também dias em que Deus permite desabarem grandes tempestades sobre seus servos para maior bem de suas almas. Embora se aflijam e procurem aquietar-se, não o conseguem. Por mais que se estorcem, não prestam atenção ao que dizem, não fixam o intelecto. Este parece vítima de uma grande agitação, de tal modo anda desbaratado. Pela aflição que da, quem se acha neste estado, verá que não é culpa sua. Não se aflija, porque é pior. Nem se canse em querer dar juízo a quem por então não o tem, isto é, o seu próprio entendimento. Reze como puder, e até nem reze. Como enferma procure dar alívio a sua alma. Ocupe-se em outras obras virtuosas. Este aviso é para pessoas que cuidam da própria santificação.

Já se convenceram de que não devem, a um tempo, falar com Deus e com o mundo. Em tal caso, o que podemos fazer de nossa parte é buscar solidão. E praza a Deus que isto baste, para entendermos que estamos na presença do Senhor e que ele responde aos nossos pedidos. Pensais que está calado, porque não o ouvimos? Bem que ele fala ao coração, quando de oração lhe rezamos. Nunca o Mestre fica tão longe do discípulo que seja necessário gritar. Fica pertinho” (C. 24,4)... “A oração é entender o que falamos, e com quem falamos, e quem somos nós que ousamos falar a tão grande Senhor. Oração mental é pensar nisto e em outros assuntos semelhantes, como por exemplo, no pouco que fizemos no serviço de Deus e no muito que somos obrigados a fazer. Não vos espanteis com o nome, nem imagineis que seja algo complicado. Oração vocal é rezar o Pai-nosso e a Ave-maria ou qualquer outra oração que quiserdes. Mas, se não for acompanhada da oração mental, que música desafinada vai produzir? Até as palavras nem sempre sairão certas. Nestes dois modos de orar, com o favor de Deus podemos também fazer alguma coisa. Na contemplação, de que falei acima, nada absolutamente está em nossas mãos. Sua Majestade é quem tudo faz, é obra sua, transcende nossa natureza.” (C. 25,3)

... “Há certas pessoas que vejo muito curiosas por saber qual o grau de sua oração, tão encapotadas, ao rezar, que parece não ousam mexer-se. nem agir com o pensamento, pelo receio de perder um pouquinho do gosto e da devoção. Vejo que pouco entendem do caminho por onde se alcança a união. Pensam que o essencial está nessas exterioridades. Não irmãs, não é assim. O Senhor quer obras. Se vês uma enferma a quem podes dar algum alivio, não tenhas receio de perder a tua devoção e compadecer-te dela. E se lhe sobrevêm alguma dor, doa-te como se a

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sentisses em ti. Se for preciso, faze jejum para lhe dar de comer. Não tanto com os olhos nela, quanto porque sabes que teu Senhor o quer assim: Esta é a verdadeira união com a vontade de Deus. Se vires louvar muito a uma pessoa, alegra-te mais do que se te louvassem a ti. Verdadeiramente, é fácil para quem é humilde, pois até sente confusão quando é louvado. Esta alegria de que se entendam as virtudes das irmãs é muito meritória, e ainda sentir, como se fora nossa, alguma falta sua, procurando encobri-la”. (5 M. 3,11)

ATINGIR A FONTE BE VIDA E DELA BEBER De: Santa Teresa de Jesus.

(l) Tirar água do poço

“Aparentemente a maneira mais simples de ter água é tirá-la do poço, mas na verdade é a

mais dura e cansativa: precisa de força para trazer à superfície o balde cheio de água. Os que começam a rezar são os que tiram a água do poço: trabalho muito cansativo, devem lutar bastante para conseguirem ficar recolhidos, pois, acostumados a se distrair, cansam com facilidade. É necessário que bem devagar se acostumem a não dar importância às coisas, sem querer ver nem ouvir nada, particularmente durante o tempo da oração. Procurem um lugar solitário para recolher-se e pensar na vida passada. Devem meditar muito a vida de Jesus.

Isto ó começar a tirar água do poço, e Deus queira que a encontre. De nossa parte procuremos tirar água e fazer o possível para regar o jardim. Deus pode permitir, por motivos que só ele conhece, e pelo nosso bem, que o poço esteja seco; mas ele é tão bom que, se fizermos o nosso dever de solícitos jardineiros, ele manterá as flores também sem a água e fará crescer as virtudes.

A alma quando se encontra esmagada por angústias, distrações e pensamentos inoportunos, não deve se preocupar, desanimar.

Se quer possuir a liberdade de espírito e não estar sempre angustiada, comece a não ter medo da cruz, pois o Senhor te ajudará a carregá-la e assim caminharás com alegria e com proveito.

É claro que se o poço não tiver água, nós não podemos colocá-la mas quando a tem não podemos deixar de tirá-la: é assim que o Senhor multiplica em nós as virtudes.” (V. 11. 9-17)

(2) Tirar a água com a nora

“É o dono do jardim que oferece ao jardineiro a nora para que ele, servindo-se de uma roda

com certos canais, possa com menor trabalho ter mais quantidade de água. Assim o jardineiro pode descansar um pouco e não precisa trabalhar sem parar. Esta comparação aplicada à oração é chamada oração de quietude. A alma fica recolhida, é introduzida no sobrenatural; sozinha, apesar do próprio esforço, não conseguiria nada. Parece que girando a roda, isto é, esforçando-se em pensar, a alma tenha se cansado um pouco, mas agora a água é muito alta, encontra-se mergulhada na graça de Deus.” (V. 14, 1-5)

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(3) Água corrente

“A terceira maneira de regar o jardim é com a égua corrente de um rio ou de uma nascente. Aqui o trabalho é muito reduzido: é só desviar o curso do rio. O Senhor ajuda tanto o jardineiro que quase parece substituí-lo e que queira fazer tudo sozinho. Os nossos sentidos quase adormecem. Os prazeres, as suavidades, as delícias que se experimentam são incomparavelmente maiores que as do passado. Aqui a água da graça divina chega até a garganta. A alma não pode e nem sabe como ir em frente ou voltar atrás, só desejando esta grandíssima alegria. É como se estivesse em agonia. É um morrer às coisas do mundo, um exultar no Senhor. A alma não sabe o que fazer: falar ou calar, chorar ou rir. É uma gloriosa embriaguez, uma forma deliciosíssima de alegria, uma celestial loucura onde aprende-se a verdadeira sabedoria. Abandonar-se completamente nos braços de Deus. E que maravilha a alma é ver Deus fazer a vez do jardineiro, libertá-lo de todo trabalho, deixando-o respirar em paz o perfume das flores. O jardineiro é o mesmo Criador da água, que pode fazer jorrar à vontade, fazendo num só instante o que a pobre alma não conseguiria fazer em vinte anos de trabalho extenuante da inteligência. Ele faz crescer e amadurecer os frutos, e os dá à alma para que ela se alimente. Assim Deus quer.” (V. 16, 1; 17, 2-3)

(4) Deixar chover “A quarta égua é a que cai do céu para regar o jardim e impregná-lo com sua abundância.

Se o Senhor a enviasse todas as vezes que fosse necessário regar, é claro que o jardineiro ficaria felicíssimo. Se não existisse o inverno e fosse uma perene primavera, flores e frutos nunca faltariam, e isto com grande alegria do jardineiro. Mas visto que isto é impossível enquanto estamos aqui na terra, devemos procurar, faltando uma água, devemos recorrer à outra. A chuva muitas vezes cai quando menos se espera. No começo vem quase sempre, depois de uma oração muito prolongada: de vez em quando o Senhor toma o passarinho, coloca-o no ninho para que possa repousar. Se o coração foi arado profundamente com provações, calúnias e doenças. coisas indispensáveis para chegar a esta oração, a água penetra a fundo e não pode mais secar. Se o jardineiro descuida e Deus não faz chover, o jardim vira mato puro”. (V. 18. 9; 19, 3)

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S. JOÃO DA CRUZ + 1591

Deste místico carmelita oferecemos aqui a notável oração da alma enamorada que constitue uma das mais mis ficas orações de todos os tempos.

Para saborear o texto não é suficiente apenas uma leitura. Faz-se necessário entrar em comunhão com o coração deste santo, nômade em busca de Deus. Esta busca, para ele, só se realiza numa caminhada de autentica conversão e de profunda purificação para libertar DEUS na própria vida (NADA-TUDO)

No 2° texto João da Cruz expõe claramente a tarefa de Jesus Cristo na vida contemplativa que só será verdadeira se baseada na FÉ..

ORAÇÃO DA ALMA ENAMORADA

Senhor meu, amado meu! se ainda Te recordas dos meus pecados, para não fazeres o que ando pedindo faze neles, Deus meu, a tua vontade, pois é o que eu mais quero, e exerce neles a tua bondade e a misericórdia e serás neles conhecido; e, se esperas por obras minhas, para, por meio delas, me concederes o que te rogo, dá-mas tu, e opera-as tu por mim, assim como as penas que quiseres aceitar e faça-se.

Mas se pelas minhas obras não esperas, porque esperas, Clementíssimo Senhor meu? Porque tardas? Porque, se, enfim, há de ser graça e misericórdia o que em teu filho te peço, toma os meus parcos haveres pois os queres, e dá-me este bem, pois que tu também o queres.

Quem se poderá libertar dos modos e termos baixos se não o levantas Tu a ti em pureza de amor. Deus meu?

Como se elevará a ti o homem gerado e criado em baixezas, se tu não o levantares. Senhor, com a mão com que o fizeste?

Não me tirarás, Deus meu, o que uma vez me deste em teu único filho Jesus Cristo, em quem me deste tudo quanto quero; por isso folgarei pois não tardarás, se eu confiar.

Com que dilações esperas, se desde já podes amar a Deus em seu coração? O céu é meu e minha a terra; minhas são as gentes, os justos são meus e meus os pecadores,

os anjos são meus e a Mãe de Deus, e todas as coisas são minhas; e o próprio Deus é meu e para mim, porque Cristo é meu e todo para mim. Que pedes pois e buscas alma minha? Tudo isto é teu e tudo para ti.

Não te rebaixes, nem atentes nas migalhas caídas da mesa de teu Pai; sai de ti e gloria-te da tua glória; esconde-te nela e goza, e alcançarás o que pede o teu coração.

São João da Cruz

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Frei Emanuel Boaga, O.Carm.

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JOÃO DA CRUZ

A Subida do Monte Carmelo II, cap. 22, n. 4-5

Este é o sentido do texto com que São Paulo quer induzir os Hebreus a se apartarem daqueles primitivos modos de tratar com Deus conforme a lei de Moisés, e os convida a fixar os olhos unicamente em Cristo, dizendo; Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas.” Tudo quanto falou Deus antigamente pêlos Profetas a nossos Pais, de muitas formas e maneiras, agora, por último, em nossos dias, nos falou em seu Filho, tudo de uma vez. Nesses termos o Apostolo nos da a entender que Deus tomou-se por assim dizer, mudo, e nada mais tem para falar, pois o que antes falava por parte ao Profetas, agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que e o seu Filho.

Se atualmente, portanto, alguém quisesse interrogar ao Senhor pedindo-lhe alguma visão ou revelação, não só cairia numa insensatez, mas agravaria muito a Deus em não por os olhos totalmente em Cristo sem querer outra cousa alguma ou novidade. Deus poderia responder-lhe deste modo dizendo; Se eu te tenho já falado todas as cousas em minha palavra que é meu Filho, e não tenho outra palavra a revelar ou responder que seja mais do que Ele, põe os olhos só nele; porque nele te tenho dito e revelado tudo, e nele acharas ainda mais do que pedes e desejas. Porque pedes palavras e revelações que são cousas parciais; e se olhares o meu Filho acharás nele a plenitude; porque e Ele toda a palavra e resposta, toda a minha visão, e toda a minha revelação. Ao dar-te Ele como irmão, mestre, companheiro, preço e recompensa já respondi a todas as perguntas e tudo disse, revelei e manifestei. Quando no Tabor desci com o meu espírito sobre Ele dizendo: “Este é meu Filho amado em quem pus todas as minhas complacências, ouvi-o”, desde então aboli todas as antigas maneiras de ensinamentos e respostas, entregando tudo nas mãos dele. Procurai, portanto, ouvi-lo; porque eu não tenho mais outra fé para revelar, nem mais cousas a manifestar. Se dantes eu falava, era para prometer o meu Cristo, se os meus servos me interrogavam, eram as suas perguntas relacionadas com a esperança de Cristo, no qual haviam de achar todo o bem (como o demonstra toda a doutrina dos Evangelistas e dos Apóstolos). Mas, interrogar-me agora e querer receber minhas respostas como no Antigo Testamento, seria de algum modo pedir novamente Cristo e mais fé; tal pedido mostraria, portanto, falta desta mesma fé que já esta dada em Cristo. E assim seria grande agravo a meu Amado Filho, pois, além da falta de fé, seria obrigá-lo a encarnar-se novamente, vivendo e morrendo outra vez na terra. Não acharás, de minha parte, o que pedir nem desejar, quando a revelação ou visões, considera-O bem e acharás nele, já feito e concedido tudo isto e muito mais ainda.

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SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI

+1607

No século XVII o Mosteiro de Santa Maria dos Anjos em Florença é centro de fervorosa espiritualidade. Entre as várias pessoas que foram sublimes no caminho espiritual encontrados Santa Maria Madalena de’ Pazzi da qual se escreveu que “foi uma contemplativa eminentíssima ainda que não tenha uma doutrina sobre a contemplação e tão pouco sobre a meditação.” Ela vivia a CARIDADE para com Deus e o próximo, basca ler as suas obras.

O trecho seguinte constitui uma série inteira de ensinamentos do que ela afirma sobre o “trato e a união com Deus.”

TRATO E UNIÃO COM DEUS De: Santa Maria Madalena de Pazzi, “Ensinamentos”

Mantende a vossa mente ocupada em Deus. Esta ocupação em Deus me parece ser a bem-

aventurança da alma na terra”. “Realmente e impossível pensar atualmente em Deus... mas estar sempre unida com Deus, tendo sempre a Ele em vista, isto é possível; porque se quando trabalhais para ele, quando vos fatigais, fatigai-vos para ele, para agradar a ele e dar a ele glória e para honrar a ele, isto e estar sempre unida a Deus.” Diz que com o conhecia mento de Deus faremos com ele uma estreita amizade e ele nos trata como seus íntimos; então nos e ele faremos como fazem os amigos Íntimos. “Em primeiro lugar os amigos se contemplam um ao outro com grande amor... assim faz Deus que nos olha continuamente coro grande amor: e nos olhamos a ele... Os amigos costumam contar-se mutuamente os seus segredos; assim Deus manifesta a eles todos os seus segredos e eles manifestam a Ele os seus por não confiar em outros senão n’Ele.”

O amor também ao próximo e o fim da contemplação e a Santa via nesta chave o fim da Ordem: “Nos somos chamados a cousas maiores, somos chamados a uma vida maior, a qual não é de Marta nem de Maria separadas, porque no amor estão contidas uma e outra juntas.

Para ela o espírito da Ordem é “amar tudo e levar a amar, observando principalmente quanto isto agrada a Deus e quanto importa atender as obras internas e tratar interiormente com Deus”, como é prescrito na Regra Carmelitana, na redação da qual “os santos padres... tiveram mais atenção para a perfeição interior do que para a penitência e cousas externas.” “Eu vejo a meu Deus! ... Ele tem duas línguas... uma das quais é o louvor de Deus e a outra é a caridade e as duas clamam ao mesmo tempo. O que estou a ouvir, meu Senhor? A uma me obriga a minha profissão e a outra tu me a mandas estritamente. Ela procurava observar ambas.

Do seu mosteiro, que ela chama de “habitação de Maria”, nos diz que Deus quer “que assim como Maria foi um meio entre Deus e o homem, nos sejamos meio entre este Deus e o homem pelo zelo e desejo contínuo de ajudar as almas e conduzi-las a Deus... Estar separadas do mundo, mortas viver em Deus, nada querer a não ser este Deus, em ansioso e contínuo desejo da salvação das almas.

“A alma unida a Deus fica toda amarrada por dentro e por fora o que a faz aparecer com semblante sereno sem jamais perturbar-se por qualquer contingência”. “Em tudo o que tende a fazer, seja interna ou externamente, lembrai-vos de vos voltar para Deus com olhares vivos e amorosos. Com tais olhares amorosos implorai o socorro das suas graças”.

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“As obras exteriores devem ser feitas prontamente e com cuidado sem perda de vida interior”. “A oração é o espírito da religião, nas nunca ela deve servir de pretexto para qualquer dispensa, porque todos os exercícios da religião e da obediência, feitos na presença de Deus, são outras tantas orações.” A paz interior e um efeito da oração mental e é uma recompensa da união com Deus. “A verdadeira prudência dum religioso ou duma religiosa depende da íntima união que tem com Deus. E todos os nossos esforços e zelos devem originar-se do Sangue de Jesus Cristo.” Alem disto anota: “Se não gostais do doce silêncio é impossível deleitar-vos nas cousas de Deus.”

VEM, Ó ESPÍRITO SANTO Das Obras de Santa Maria Madrilena de Pazzi Vem, Espírito de Verdade, Luz das trevas. Riqueza dos pobres, Consolação dos Peregrinos. Oh! Vem, Tu, refrigério, alegria e alimento de nossa alma. Oh! vem e toma aquilo que e meu e infunde em mim somente aquilo que e teu. Oh! vem, Tu que és alimento de cada pensamento puro, plenitude de toda a bondade e cumulo de toda pureza. Oh! vem, e queima em mim tudo aquilo que impede que eu seja, tomada por Ti Oh! vem, Espírito que estas sempre com o Pai e com o Esposo, Jesus Cristo!

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COSIMO FACELLI

+ 1607

Cosimo Facelli foi um confrade quase contemporâneo de Santa Maria Madalena de Pazzi, na mesma Toscana. Da sua obra “Pequeno facho espiritual” oferece-se um pensamento sobre a atitude que o Carmelita deve nutrir, continuamente para avivar em si o fervor do amor de Deus.

A AVENTURA DE AMAR A DEUS De: “Pequeno facho espiritual, de Cosimo Facelli

“Nada mais suave se sente nesta vida, nada nos prende mais, na da tira melhor a mente do

amor do mundo, nada fortalece tanto a alma nas tentações, nada ajuda e convida tanto o homem a todo bem, como a leitura dos livros divinos, porque tudo aquilo que nos é ensinado na Sagrada Escritura é verdade, e o que é mandado é o bem.” “Entre todas as almas criadas pelo Monarca Supremo à sua imagem e semelhança, aquela pode chamar-se verdadeiramente bem-aventurada a qual contempla a Deus, descansa nele e se nutra do mesmo Deus e se sacia inefavelmente, porque contemplando-o ela se muda na incompreensível e infinita beleza da Sua Divina Majestade.” Cada um devia esforçar-se para continuamente contemplar a Deus, para em seguida transformar-se nele.” “Ó minha alma... porque, dirigida para Deus, teu verdadeiro amante celeste, tu com ele, e ele contigo falando...

... Se portanto orando nos falamos com Deus, e nos lendo, ele fala conosco, porque não rezamos e porque não lemos sempre, para ouvir tão amo rosas respostas? “Rezai portanto e se não podeis rezar continuamente, rezai ao menos tanto quanto for preciso para excitar e avivar em vos o fervor do amor de Deus, pois possuindo este amor se pode dizer que virtualmente se reza sem interrupção.”

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IMPRIME TUA MARCA EM MEU CORAÇÃO De: Miguel de la Fuente +1625

Obra: Las tres vida II, 267-268

Peço-Te, Senhor que guardes profundamente o meu espírito e as minhas potências fixando nelas a Tua imagem para que agora e sempre Te conheça Te ame Te imite e me transforme na imagem da Tua glória e para que, através do conhecimento claro e do amor perfeito viva sempre em Ti e Tu em mim.

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JOÃO DE SÃO SANSÃO

+1636 De João de São Sansão, notável mestre cego da Reforma tourônica

oferecemos alguns textos que permitem compreender como ele coloca a realidade da oração na vida espiritual e, em particular, como ele propõe a oração aspirativa. Alguns destes pontos exprimem a influência do ambiente espiritual na Igreja daquele tempo, para a sistematização e a organização das práticas na vida espiritual.

É bom observar que os touronenses, como o contexto da época pedia, observavam estruturas de horário, de orações diárias e de várias formas de silêncio, como meios para conseguir uma realidade mais profunda, o vazio de si mês mo, feito para Deus e assim viver a própria intimidade com Ele.

VIDA ESCONDIDA EM DEUS

l. OCUPAÇÃO INTERIOR COM DEUS Oração mental e... vida interior, que é o verdadeiro espírito do Carmelo. “Jamais um

religioso será capaz de fazer progresso no espírito dos Carmelitas, se ele não procura e ama com todo o coração, em si e nos outros, a vida espiritual e a ocupação interior com Deus, através do exercício fiel da divina presença”.

2. ASPIRAÇÃO A aspiração não só é um colóquio afetuoso, ainda que este seja mesmo um exercício santo,

de que nasce e procede a aspiração. Aspiração é impulso ardente e inflamado do coração e do espírito, através do qual a alma, elevando-se sobre si mesma e sobre toda coisa criada, vai a unir-se estreitamente com Deus pela veemência de sua expressão amorosa.

3. “VACARE DEO”: CONTÍNUA PRESENÇA DE DEUS

Ocupar-se em Deus continuamente, em toda pureza de alma e corpo, numa viva, atual e contínua presença de Deus...

Nisto consiste o mais profundo do espírito da nossa Ordem. (Frei João de São Sansão) Toda a nossa vida esta no trato e na ocupação interior do nosso espírito com Deus... Tudo

portanto existe para chegar à perfeição da verdadeira oração e conversão interna para que a alma seja despida dos afetos terrenos, se exercite na amorosa, atual e contínua presença de Deus... Por isso se aconselha para não demorar-se na leitura de muitos livros espirituais, mas para caminhar sempre na presença de Deus, elevando-se muitas vezes a Ele em vivas aspirações..., sempre procurando guardar no coração acesa e amorosa a lembrança d’Ele.

(Domingos de S. Alberto)

4. APEGO A OBJETOS DE DEVOÇÃO (Do livro “Orientaciones para la vida interior)

É preciso notar também que estas pessoas (que se preocupam mais com a sabedoria do mundo do que com a sabedoria divina) vão com avidez atrás de mil coisinhas, sob pretexto de que são objetos de santidade e de devoção, não percebendo seu apego enquanto estão em posse das mesmas. Mas, se chegam a deixá-las, percebem então com que apego as possuíam. Ainda se estas cousas, por muito santas que sejam, só fossem de material vil, simples e de pouco valor, não viriam atrás delas com tanta avidez e, em tal caso, não se veriam carregadas, como de um

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enxoval, era suas capelas, breviários, relicários, etc. Sendo assim, todas estas cousas, das quais jamais tem bastante, servirão de alimento para queimar-se, implacavelmente no fogo do purgatório e, queira Deus, que não seja mais em baixo.”

(P D V R - T.II p. 979) 5. A ORAÇÃO

Como é cada um em sua vida e apetites naturais, tal é também em sua oração mental ou vocal. Pois se nem aqueles que servem a Deus em virtude e em verdade de espírito não estão isentos de imagens, se bem que sejam puras e espirituais, as quais enfraquecem um tanto a bondade e a pureza do seu sacrifício presente, especialmente em suas orações vocais, o que se poderá dizer dos que andam enredados em mil apetites desordenados? Isto não acontece aos homens espirituais que estão treinados em vencer-se e procuram, cuidadosamente, ver e perceber, enquanto lhes é possível a infinita majestade de Deus, ante a qual derramam seu coração e sua alma, pelo fervor singular e amoroso de suas orações como água de agradável perfume.

Quanto aos principiantes e já iniciados na vida espiritual, é verdade que se sentem distraídos já no início de sua oração vocal ou mental. Mas, por isso, não devem perder o ânimo: estão a contra-gosto nestas importunas distrações, das quais não se conseguem libertar-se, mas, também das quais não sairão derrotados, pois, ao contrario, estas lhes servirão de glorioso martírio. A este respeito seus Diretores devem infundir-lhes confiança, facilitando-lhes os meios para que saiam bem desta luta.

(O R c VII, T II p. 863)

Desde que durante a oração vocal estejamos unidos a Deus pelo coração e pelo espírito, tanto quanto é possível, pouco importa ter a compreensão literal do que rezamos, a menos que esta se nos ofereça por si mesma. Neste caso devemos receber a inteligência (=compreensão) como dada e infunde da por Deus e nos deixarmos penetrar por seu divino amor, por algum espaço de tempo, sem deixar de continuar o ofício. Deste modo nossa oração deve ser feita com as potências internas e externas, isto é, com todo o nosso ser, quer seja na oração privada, quer seja na oração comunitária.

Aqueles que não se sentem atraídos ao recolhimento e se distraem pela instabilidade do coração e vivacidade da natureza, devem aplicar o juízo e a atenção em formar vocalmente considerações que lhes parecerem oportunas entre eles e Deus, detendo-se prolongadamente nas mesmas. Isto inflamará seu coração mui deliciosamente e os conduzirá a oração mental. Farão, pois, estes ou semelhantes colóquios afetivos: sobre a infinitude de Deus em sua natureza, sobre como merece ser infinitamente amado, como as criaturas foram feitas para este fim; como as mais excelentes delas - o anjo, o homem - são sua imagem e semelhança e, por esta razão, estão inclinadas a retornarem a Ele, continuamente, com todo o coração, com todo o pensamento, com todo o afeto; como o pecado afasta deste fim os homens pelo poder que exerce sobre eles quando Deus não lhes da o socorro atual e a boa vontade para corresponderem com todas as suas forças. Em poucas palavras: o que haverá nas cousas visíveis que não nos recorde as perfeições divinas?

Muito desprotegido, pobre e cego é o homem que não se aplica a este exercício por um amor atual, pois, nada o impede de fazê-lo, a menos que não tenha um átomo de amor e de devoção.

(V E C c XXI T.I. p. 114) A oração e o sustento e o alimento mais delicioso dos homens que se entregam ao amor de

Deus e que esperam com santa impaciência o gozo do bem, no qual encontram seu único repouso; ela deve levar a transbordar nossa alma das excelentes graças e bênçãos de Deus e dos santos e dos mais fortes hábitos de todo gênero de virtudes.

(MC Tr II T.1 p. 660)

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SANTA TERESA MARGARIDA REDI + 1770

Santa Tereza Margarida Redi, monja descalça que viveu no século

XVIII, desenvolveu o próprio itinerário espiritual baseando-se na intimidade com o Sagrado Coração de Jesus como caminho para mergulhar-se no Mistério da Trindade. Este caminho, para ela, é favorecido pelo exercício da presença de Deus.

O EXERCÍCIO DA DIVINA PRESENÇA De: S. Teresa Margarida Redi, Suitti, ed. Milano 1961

“Sabendo, ó meu Jesus... que o vosso divino doce colóquio faz desprezar toda cousa

terrena... eu vos prometo... de atender no futuro com mais zelo e amor ao exercício da vossa divina presença”. “Só ver a Deus em todas as cousas, adorá-lo em qualquer encontro e considerá-lo em todo o tipo de pessoas.” “Pensar e viver toda recolhida em si e em Deus: eis em que se devem ocupar os pensamentos e afetos duma religiosa, a qual se separou do mundo precisamente para atender a Deus em si.” “Se nos vivemos e nos movemos em Deus, não me parece possível que a sua companhia e o seu amor nos possam impedir de mover-nos e trabalhar externamente”. “É o bastante manter fechadas as portas de fora (os sentidos) e me parece que a alma e o coração não podem andar a não ser para o seu centro que é Deus.”

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SOROR MARIA PERPÉTUA DA LUZ

+ 1736

Soror Maria Perpétua da Luz, portuguesa, é Monja Carmelita da Antiga Observância e faleceu em 1736, em conceito de santidade.

As suas obras oferecem uma visão ampla da Vida Religiosa e tem bonitas páginas sobre a oração. Os trechos que apresentamos oferecem a sua motivação para o exercício quotidiano da oração mental na linha proposta por Santa Tereza de Jesus e uma oração a Nossa Senhora que constitui um bom testemunho sobre a situação do seu Mosteiro em relação a Nossa Senhora. (cf. invocações: Rainha, Mãe, Senhora, etc.)

DA ORAÇÃO E DA NECESSIDADE QUE TODOS TÊM DESTE EXERCÍCIO QUOTIDIANO De: Obras de Soror Maria Perpétua da Luz (+ 1736)

«Todas as criaturas humanas de um e outro sexo geralmente tenham entendido que não podem ir bem encaminhadas se cada uma não tomar no dia uma hora ou pelo menos um quarto, de oração para se recolher só com Deus e lhe pedir graça, luz e ajuda (adjutório) para cumprir com as obrigações do seu estado, de forma, que seja sempre agradável aos seus Divinos olhos (660)... Digo na verdade que são os homens sem oração: barcos sem remos, caminhos sem saída, corpos sem alma, almas sem vida, vidas sem respiração (661)... Diz nossa Madre Santa Teresa que por falta de consideração lodo o mundo se perde; porém eu julgo que lambem se perde por falta de oração». Depois dá a razão, dizendo que sem esta é impossível aos homens conhecer e observar a Lei e os preceitos de Deus. Aconselha ela aos «oficiais e trabalhadores fazer a seguinte oração antes do trabalho: «Senhor, dai-me adjutório (ajuda) e graça para cumprir com todas as minhas obrigações de modo que em tudo Vos agrade, sem que seja enganado e vencido dos meus inimigos».

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA Das Obras de Soror Maria Perpétua da Luz (+ 1736)

«Minha Mãe, meu amparo, e toda a minha consolação, sede sempre meu caminho e minha Luz. Ensinai-me e dai-me ajudatório no que for do maior agrado de vosso Filho Santíssimo e também do vosso. Livrai-me de mim mesma e de todos os meus inimigos. Concedei-me contra eles virtude para os quebrantar e destruir, despindo-me de meus vícios para em tudo dar honra e glória a Deus. Prometo observar perfeitamente tudo o que Ele quer e é gosto vosso; porque de hoje em diante me rendo a Vós por uma nova e total obediência, tendo respeito e suma veneração a toda a dignidade que o Altíssimo colocou em vós para serdes Mãe do seu unigênito Filho. O Rainha e Senhora do Céu e da terra, como vos considero constituída em tanta grandeza, e é próprio das Senhoras terem escravas, eu sempre serei vossa ainda que vil, bruta, teimosa, grosseira, preguiçosa, mal ensinada, inábil e sem préstimo.

Mas como vejo que com toda a vossa dignidade sois Mãe dos pecadores e que sempre com eles usais de misericórdia, quisera que de mim tivésseis piedade e que esta consistisse em me admitirdes no vosso serviço por perpétua escravazinha vossa; porque só Vós com a vossa caridade me podeis ensinar de forma que possa ler algum préstimo. Oh que fora tão ditosa que assim o experimentasse. Fazei, pois, Mãe Santíssima, que nos olhos de Jesus Cristo e nos vossos, eu ache graça para O agradar e servir-Vos conforme ambos merecem».

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FREI JOAQUIM DO AMOR DIVINO CANECA + 1825

Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, notável pela sua ação patriótica e literária em Pernambuco, nos primeiros anos do século XIX, fez uma pregação em 14/02/823 na Capela da Venerável Ordem Terceira do Carmo de Recife sobre a Oração.

Este assunto foi desenvolvido não só teoricamente, mas também com críticas à situação concreta da mesma Ordem Terceira e do ambiente da Igreja e da praça do Carmo.

Várias pessoas protestaram. Houve comentários pró e contra nos diversos ambientes: nas lojas, nos cafés, nas tabernas e quitandas. O seu próprio Prior foi denunciar esta sua pregação ao Provincial.

Depois de se defender diante de seu Provincial, em face do seu próprio acusador. Frei Caneca publicou o texto do sermão que conservava em seu borrador, oferecendo-o gratuitamente ao publico.

Deste sermão extraiu-se, para este opúsculo, a parte na qual Frei Caneca, usando embora um estilo literário, faz referências reais a respeito da situação própria do lugar que denunciava, referindo-se a ma interpretação da prática da oração.

DA ORAÇÃO das Obras políticas e literárias de Frei Caneca

“JESUS CRISTO, pela sua infinita sabedoria, conhecia exatamente o quanto nós podemos por nós mesmos, para que não precisemos dos auxílios celestes. Por isso ele, querendo levar-nos àquela glória, que nos comprava a preço de sangue, não se negou a dar-nos todos os meios necessários para este fim. Daí nos lembrou a oração, como um meio indispensável para a salvação, dizendo-nos: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação”.

Há mau tempo para recorrermos ao Pai celeste e pedir-lhe suas misericórdias?

Sim, há! O santo orara a Deus, disse o Salmista rei, em tempo oportuno.

Orará em tempo oportuno, e alcançará de Deus os favores que intenta, o ministro que nas horas em que deve despachar e fazer justiça às partes, deixa-as ficar nas escadas dos tribunais, para se ir entregar a uma fervorosa oração?

Orará em tempo oportuno, e será bem atendido o general, que devendo defender a pátria, repulsar o injusto inimigo, recolhido nos templos, elevado em êxtase, deixa no relento a vida de seus compatriotas, a sua propriedade, a liberdade da nação?

Orará em tempo oportuno, e alcançará as graças celestes o pai de família, que em vez de procurar a subsistência para si, sua mulher e filhos, gasta a manhã pelas igrejas, devorando quantas missas encontra, à tarde por confrarias assistindo a sermões, todo entregue a vias-sacras, disciplinas e outras obras de super-rogação?

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Frei Emanuel Boaga, O.Carm.

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Orará em tempo oportuno, e será bem despachada a matrona, que em lugar de imitar a diligência, o cuidado e o arranjo econômico daquela dos Provérbios, gasta todo um dia murmurando a pequena coroa das dores, ou outras devoções desta estofa, deixando a monte o penso do marido, a educação dos filhos, a regência das escravas e mais familiares, e toda a casa à matroca, arruinados todos aqueles negócios que estavam a seu cargo?

Orará em tempo oportuno o mancebo, que em lugar de se aplicar às ciências, às artes e aos ofícios, que o tornem útil à sociedade, prestadio ao estado e membro digno de uma república, se entrega a um ócio pio, a carolices e hipocrisias, e quase sempre ao terrível fanatismo?

Orará, finalmente, em tempo oportuno todo homem que, em lugar de empregar suas forças para dar inteira conta de si naquele emprego e estado, em que o colocou a Providência na sociedade civil ou na Igreja, gasta o tempo que lhe é destinado para os seus deveres, em peregrinações, romagens, visitas a altares privilegiados, a festejos de santos, e outras coisas que vulgarmente se tem por aquela oração que nos é prescrita pelo Divino Mestre?

Não, meus irmãos, nenhum destes ora em tempo oportuno. Nenhum deles é justo, e de nenhum esta chamada oração é aceita do Deus Eterno, nem favorecida de seu filho Jesus Cristo.

Não, meus irmãos, não é preciso para orardes a Deus, roubardes o tempo às vossas obrigações. Podeis harmonizar facilmente a satisfação dos vossos deveres com o cumprimento do preceito da oração.

Para tudo há tempo, disse o Espírito Santo, pela pena do Eclesiastes, e todas as coisas passam debaixo do céu, conforme o tempo que lhes foi prescrito.

Há tempo de plantar e tempo de colher. Tempo de edificar e tempo de destruir. Tempo de rir e tempo de chorar. Tempo de orar e tempo de cumprir com os nossos deveres.

Para se orar de um modo aceitável a Deus, e que nos alcance as suas graças, não é preciso gastar uma manhã, uma tarde, um dia. Basta um instante, em que nos prestemos humildemente diante de sua augusta majestade, e em espírito e verdade lhe roguemos os bens de que carecemos. E para lhe rogarmos as graças que necessitamos, não é preciso esse aluvião de livros de piedade com que espíritos orgulhosos, hipócritas e fanáticos quiseram estender ao infinito o simples negócio da oração.

O Divino Mestre estabeleceu o Pai Nosso, que é o quanto basta.

Não há na sociedade cristã uma pessoa, por mais abastada em bens, por mais avançada em anos, por mais desocupada em empregos civis, que deva passar todo o dia e toda a noite entregue somente a meditações, a jaculatórias, a elevações de espírito, a arroubamentos e outras obras de super-rogação.

O homem nasceu para a sociedade, e é todo dos outros homens; e sempre tem deveres que encher para com seus semelhantes, quer com ofícios corporais, quer com atos intelectuais. E estes deveres são primários, os quais se não devem deixar por mal entendida oração e piedade...”

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SANTA TEREZINHA

+1897

As qualidades distintivas da espiritualidade de Santa Terezinha (confiança, abandono, pequenez, etc.) constituem um acréscimo na Tradição Carmelitana da Intimidade Divina.

Lendo os “Manuscritos autobiográficos” percebe-se que a sua cultura, bastante carente, reflete de maneira bastante exata, o ambiente da pequena burguesia provinciana do final do século XIX.

Neste sentido a sua experiência e o seu próprio testemunho pode ser considerado como uma lição a certas exigências intelectuais mais sofisticadas da sua época. A seguir, alguns trechos que, apesar do estilo literário fastidioso pela abundância de diminutivos, são entre as suas páginas mais bonitas sobre a oração.

UM GRITO DE GRATIDÃO E DE AMOR De: S. Terezinha, “História de uma alma” (ms. B)

Como é grande, portanto, o poder da oração! Dir-se-ia uma rainha que a cada instante tem livre acesso ao Rei, e pode alcançar tudo quanto pede. Para ser atendida, não precisa ler do livro um bonito formulário, redigido de circunstância. Se assim fora, ai de mim! Como teria de lastimar-me!... Tirante o Oficio Divino, que sou muito indigna de recitar, não tenho ânimo de cingir-me à busca de belas orações em livros. Faz-me doer a cabeça, são tantas!.. Ainda por cima, todas são umas mais bonitas do que as outras... Não poderia recitá-las todas, e, não sabendo qual delas escolher, faço como crianças que não sabem ler. Digo, muito simplesmente, ao Bom Deus o que lhe quero dizer, sem usar belas frases, e Ele sempre me entende... Para mim, oração é um impulso do coração, é um simples olhar que se lança ao Céu; é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da provação, como no meio da alegria; enfim, é algo de grande, de sobrenatural, que me expande a alma e me aconchega a Jesus.

COMO DÉBIL AVEZINHA

De: S.Teresinha (“História de uma alma”).

Como pode alma tão imperfeita, como a minha, aspirar à posse da plenitude do Amor?... ó Jesus, meu primeiro, meu único Amigo, tu, a quem UNICAMENTE amo, dize-me em que consiste esse mistério?... Por que não reservas tão imensas aspirações às grandes almas, às águias que planam nas alturas? ... A mim me considero como débil avezinha, apenas revestida de leve penugem. Águia, não sou, mas dela tenho, simplesmente, OLHOS E CORAÇÃO, pois que, não obstante minha extrema pequenez, ouso fitar o Sol Divino, o Sol do Amor, e meu coração sente nele todas as aspirações de águia ... Quisera a avezinha voar em direção do Sol fulgurante que lhe fascina os

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olhos. Quisera imitar as águias, suas irmãs, quando as vê alterarem-se até o divino foco da Santíssima Trindade ... Tudo o que pode fazer, ainda mal, é soerguer as asinhas. Mas, sair voando é o que sua reduzida força não permite! Qual será sua sorte? Morrer de desgosto, por se ver tão tolhida?... Isso, não! A avezinha nem sequer se apoquentará. Num audaz abandono, quer ficar mirando seu Divino Sol.

Nada a poderia amedrontar, nem o vento, nem a chuva. E quando nuvens carregadas vêm encobrir o Astro do Amor, a avezinha não muda de estância. Sabe que, além das nuvens, seu sol está sempre a brilhar, e seu esplendor não poderia empanar-se um instante sequer. Verdade é que, por vezes, o coração da avezinha se sente acometido pela tempestade. Parece-lhe não acreditar na existência de outra cousa fora das nuvens que a envolvem. Chega, então, o momento da alegria perfeita para a pobre e frágil criaturinha. Que ventura, ainda assim, continuar ela ali mesmo, fitando a luz invisível que se subtrai à sua fé!!!... Até aqui, meu Jesus, compreendo leu amor pela avezinha, pois não se arreda de ti... Mas, às vezes, eu o sei e tu o sabes também, a imperfeita criaturinha, sem sair de onde está (isto é, debaixo dos raios do sol), deixa-se desviar um pouco de sua única ocupação, respigando um grãozinho à direita e à esquerda, correndo atrás de algum vermículo ... Mais adiante, encontra uma poça de água, onde molha a plumagem recém-formada. Enxergando uma flor que lhe agrada, logo seu acanhado espírito dá atenção à flor. ... Afinal, não podendo planar como as águias, a pobre avezinha entretém-se ainda com ninharias da terra.

Ó MEU AMADO

Ó meu Amado, como me pareceis manso e humilde de coração sob o véu da hóstia branca!

Não podeis abaixar-vos mais para me ensinar a humildade: para corresponder ao vosso amor, quero também desejar que as minhas irmãs me coloquem a toda hora no último lugar e persuadir, sinceramente, que é este que me é devido.

Suplico-vos, Jesus, dar me uma humilhação cada vez que eu procurar elevar-me acima das outras.

Vós, porém Senhor, conheceis a minha fraqueza: cada manhã, tomo a resolução de praticar a humildade e à noite reconheço que cometi ainda repetidas faltar de orgulho.

A tal vista sou tentada de desânimo, mas compreendo que também o desânimo é feito do orgulho. Quero, pois, meu Deus, fundamentar a minha esperança em vós só: já que podeis, dignai-vos fazer nascer na minha alma a virtude que desejo. Para obter essa graça da vossa infinita misericórdia repetirei muitas vezes:

Jesus, manso e humilde de coração fazei o meu coração semelhante ao vosso!

Santa Terezinha

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ELIZABETH DA TRINDADE + 1906

Elisabeth da Trindade tem uma vida simples, sem grandes acontecimentos no Carmelo descalço de Dijon, nutrida por uma profunda leitura bíblica (cf. especialmente S. Paulo), vive a dinâmica do silêncio e da solidão e a configuração a Cristo crucificado, para mergulhar sempre mais no mistério da Trindade e vi ver sua missão de louvor de glória.

Nos trechos que se seguem oferece-se: seu canto de “louvor de glória”; sua referência mariana à Virgem da Encarnação, porque foi ela que viveu “no íntimo de Deus até receber Deus no seu íntimo”; uma reflexão sobre a presença de Deus e a notável elevação à Santíssima Trindade que muito pode alimentar nosso desejo e capacidade de ADORAÇÃO.

O LOUVOR DA GLÓRIA De: Isabel da Santíssima Trindade

Naquela Trindade que é o fim desta vida, esta o nosso retiro, a nossa habitação, o infinito no

qual podemos mover-nos, mesmo no meio de tantas cousas”. “A Trindade: eis a nossa habitação, a nossa casa de família a casa paterna da qual nunca devemos sair”. “Deus em mim e eu nele, seja o nosso lema. Como e bela esta presença de Deus em nos, no íntimo santuário de nossas almas.” “Ele esta em mim, eu estou nele, só tenho que amá-lo, deixar-me amar e isto sempre, em tudo e não obstante tudo: acordar no amor, mover-me no amor, adormecer no amor, a alma na sua alma, meu coração no coração dele.” “Ao Senhor deixo a minha fé na presença de Deus, de Deus que é todo amor, que mora nas nossas almas. Folgo em confiar-lhe que esta minha intimida de com Ele “Dentro de mim” foi o belo sol que iluminou toda a minha vida, fazendo dela quase um paraíso antecipado.” “Tudo é delicioso no Carmelo: se encontra o Senhor tanto fazendo limpeza quanto fazendo oração. Em toda a parte não há senão Ele, se vive a Ele, se respira a Ele”. “Viver na presença de Deus, não e então a herança que Santo Elias deixou aos filhos do Carmelo? Ele que no ardor da sua fé, exclamava “Vive o Senhor de Israel em cuja presença eu estou?...” Aquele dom da oração que faz a essência da vida carmelitana, é um Tête-a-tête sem interrupção porque quando se ama, dá-se todo ao objeto ama do e se vive nele mais do que em si mesmo.”

Sobre o Monte Carmelo, no silêncio e na solidão, numa oração que nunca se interrompe porque é continuada através de todas as ocupações, a Carmelita já vive como vivera no céu, “só de Deus”... Deus não se afasta nunca, mora na sua alma; ainda mais: ambos são um só. Por isso a alma anela o silêncio, para ouvir sempre a Ele, para penetrar sempre mais no ser infinito... Encontra-o em toda a parte, em tudo vê o seu esplendor; “eis aí toda a vida do Carmelo: viver nele... Ame o silêncio e a oração, esta é a essência da nossa vida”.

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A VIRGEM DA ENCARNAÇÃO De: Isabel da Santíssima. Trindade

“Se conhecesses o dom de Deus” (Jo 4,10), dizia o Cristo à Samaritana. Mas qual é este dom

de Deus, senão de mesmo? “E”, diz-nos o discípulo amado, “veio aos seus e os seus não o receberam” (Jo 1,11). São João Batista poderia dizer ainda a muitas almas, estas palavras de reprovação: “Há alguém no meio de vós, que vós não conheceis” (Jo 1,26). “Se conhecesses o dom de Deus!”

... Existe uma criatura que conheceu este dom de Deus, uma criatura que não perdeu nenhuma parcela deste dom, uma criatura que foi pura, tão luminosa que parece ser a própria Luz: “Speculum justitiae” (o espelho da justiça); uma criatura cuja vida foi tão simples, tão perdida em Deus, que quase nada se pode dizer a respeito: Virgo fidelis, é a Virgem fiel, aquela “que guardava todas as coisas em seu coração” (Lc 2,51). Conservava-se tão pequena, tão recolhida diante de Deus, no segredo do Templo, que atraiu sobre si as complacências da Santíssima Trindade: “Porque olhou para a humilhação de sua serva, doravante as gerações todas chamar-me-ão bem-aventurada!...” O Pai, ao inclinar-se sobre esta criatura tão bela e tão indiferente à própria beleza, quis que ela fosse, no tempo, a Mãe daquele de quem ele é o Pai na eternidade. Então, veio o Espírito de Amor, que preside a todas as operações divinas, e a Virgem disse o seu Fiat: “Eis aqui a serva do Senhor, que se faça em mim segundo a vossa palavra” (Lc 1,38), realizando-se o maior dos mistérios. Pela descida do Verbo nela, Mana tornou-se, para sempre, a presa de Deus.

Parece-me que a atitude da Virgem, durante os meses que se passaram entre a Anunciação e o Natal, é o modelo das almas interiores, das pessoas por Deus escolhidas para viver “no interior”, no fundo do abismo sem fundo. Com que paz e recolhimento Maria se submetia e se prestava a tudo! Como as coisas mais banais eram divinizadas por ela — pois, em tudo, a Virgem permanecia a adoradora do dom de Deus! — Isto não a impedia de doar-se exteriormente, quando se tratava de praticar a caridade; conta nos o Evangelho que “Maria percorreu apressadamente as montanhas da Judéia, para dirigir-se à casa da sua prima Isabel” (Lc 1,39). Jamais a visão inefável, que ela contemplava no seu interior, diminuiu a sua caridade externa, porque conforme afirma um autor piedoso, “se a contemplação se torna louvor, dirigindo-se além disso, para a eternidade de seu Senhor, ela tem em si a unidade e não a perderá jamais.

NA PRESENÇA DE DEUS De: Isabel da Santíssima Trindade

“Fomos predestinados por um decreto daquele que realiza todas as coisas segundo o conselho de sua vontade, para que sejamos o louvor de sua glória” (Ef 1,11-12).

É São Paulo que nos dá a conhecer esta eleição divina, ele que peneirou tão profundamente no “segredo escondido no coração de Deus há séculos” (Ef 3,9). Agora ele vai esclarecer-nos a respeito desta vocação à qual somos chamados. “Deus”, afirma ele, “nos escolheu nele antes da criação, para que sejamos imaculados e santos na sua presença, na caridade” (Ef 1,4).

Se eu confronto estas duas exposições do plano divino “eternamente imutável”, concluo que, para cumprir dignamente o meu ofício de “Laudem gloriae” (= Louvor de glória) devo manter-me, em tudo, “na presença de Deus”. Mais do que isto, o Apóstolo nos diz: “in caritate” (Ef 1,4), na

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caridade, isto é, em Deus. “Deus caritas est” (1Jo 4,8), Deus e caridade. E é o contato com o Ser divino que me tornará imaculada e santa a seus olhos. Relaciono isto com a bela virtude da simplicidade, a respeito da qual, um autor piedoso escreveu; “Ela dá à alma o repouso do abismo, isto é, aquele repouso em Deus, abismo insondável, prelúdio e eco daquele sabbat eterno ao qual São Paulo se refere dizendo: “Nós que acreditamos, seremos introduzidos neste repouso” (Hb 4,3).

Os bem-aventurados têm este repouso do abismo porque eles contemplam a Deus na simplicidade de sua essência. “Eles o conhecem”, afirma ainda S. Paulo, “assim como dele são conhecidos” (1Cor 13,12), isto é, pela visão intuitiva, com um simples olhar. “E eis por que”, prossegue o grande santo, “eles são transformados, de claridade em claridade, pelo poder de seu Espírito, na sua própria imagem” (2Cor 3,18). Então tornam-se um incessante louvor de glória do Ser divino, que neles contempla o seu próprio esplendor.

Parece-me que proporcionaríamos uma alegria imensa ao coração de Deus se nos exercitássemos, no céu da própria alma, nesta ocupação dos bem-aventurado, aderindo a ele por meio desta contemplação simples, que aproxima a criatura do estado de inocência no qual Deus a tinha criado.

“À sua imagem e semelhança” (Gn 1,26), este foi o sonho do Criador: poder contemplar-se na sua criatura, vendo resplandecer aí todas as suas perfeições, toda a sua bondade, como através de um cristal puro e sem mancha.

Não é isto uma espécie de extensão da sua própria glória? Pela simplicidade do olhar com que ela fixa o seu objeto divino, a alma está separada de tudo que a rodeia e, sobretudo, dela mesma. Então, “resplandece da ciência da luz divina” (2Cor 4,6), da qual fala o Apóstolo, porque ela permite ao Ser divino refletir-se nela, e todos os seus atributos lhe são comunicados. Na verdade, esta alma é o louvor de glória de todos os seus dons. Canta em tudo e através dos atos mais comuns, o “canticum magnum” (= grande cântico), o “canticum novum” (= cântico novo) que comove até as profundezas de Deus.

Podemos dizer, com Isaías: “A tua luz levantar-se-á nas trevas e elas transformar-se-ão em pleno dia; o Senhor fará com que gozes de um repouso perpétuo, inundará tua alma com seus esplendores; fortificar-te-á os ossos. Serás como um jardim sempre irrigado, como uma fonte cujas águas não secam nunca. ... Elevar-te-ei acima do que há de mais elevado neste mundo” (Is 58,10-12).

TRINDADE QUE ADORO

Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai me a esquecer inteiramente de mim mesma, para fixar-me em vós, imóvel e calma, como se minha alma estivesse já na eternidade; que nada possa perturbar-me a paz nem fazer-me sair de vós, ó meu Imutável, mas que cada instante me leve mais avante na profundidade de vosso mistério!

Apaziguai-me a alma, fazei dela o vosso céu, vossa morada preferida, o lugar de vosso repouso; que jamais aí vos deixe só, mas que esteja toda inteira, totalmente despertada em minha fé, em adoração, completamente entregue à vossa ação criadora.

Ó Cristo meu amado, crucificado por amor, quisera ser uma esposa para o vosso coração, quisera cobrir-vos de glória, amar-vos... até morrer de amor. Sinto, porém, a minha fraqueza e peço-vos me revestir de vós mesmo, identificar a minha alma com todos os movimentos da vossa, submergir-me, invadir-me, substituir-vos a mim, para que minha vida seja uma verdadeira

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irradiação da vossa. Vinde a mim como adorador, como reparador, como salvador.

Ó Verbo eterno, palavra de meu Deus, quero passar a vida a ouvir-vos; quero ser duma docilidade absoluta para tudo aprender de vós; e, depois, através todas as trevas, todos os vácuos, todas as fraquezas, quero fitar-vos sempre e ficar sob a vossa grande luz. ó meu Astro amado, fascinai-me para que não me seja mais possível sair de vosso clarão radioso.

Ó Fogo consumidor. Espírito de amor, vinde a mim, para que se opere em minha alma como que uma encarnação do Verbo; que eu seja para Ele um acréscimo de humanidade, no qual renove todo o seu mistério; e vós, ó Pai, inclinai-vos bondosamente sobre vossa pobre criatura, só considerando nele o muito Amado, no qual pusestes todas as vossas complacências.

ó meus Três, meu tudo, minha beatitude, solidão infinita, imensidade onde me perco, entrego-me a vós como uma presa, sepultai-vos em mim, para que eu sepulte em vós, enquanto esporo ir contemplar em vossa luz o abismo de vossas grandezas.

Irmã Isabel da Trindade 1887-1906

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EDITE STEIN

+ 1942

De Edite Stein, filósofa judia, convertida, monja carmelita descalça, que foi assassinada pelos nazistas em 1942, no campo de concentração de Auschwitz, é admirável a espiritualidade que alcança de São João da Cruz e que vive como mística da Paixão e da Cruz.

A seguir, uma serie de textos extraídos de suas obras e que oferecem estimulantes reflexões sobre o assunto da oração.

ORAÇÃO E MEDITAÇÃO

De: Edith Stein (“Na força da Cruz”, São Paulo, 1984)

Será que é impossível dispor de urna horinha de manhã, na qual sem distração se recolhe, na

qual, sem consumir-se, procura-se ganhar força para passar o dia inteiro? Sim, exige-se mais do que uma hora. Deve-se viver de uma tal hora para outra de um jeito em que se possa retomar. Não há mais possibilidade para um caminhar sem objetivo, nem por tempo limitado. Não podemos nos esquivar do juízo daqueles com quem nos relacionamos diariamente. Mesmo que nenhuma palavra seja trocada, percebemos a atitude dos outros para conosco. Tentaremos acomodar-nos ao ambiente e, quando isto não é possível, a convivência torna-se então um martírio. Desta forma, sentimos também a convivência diária com o Senhor! A sensibilidade torna-se cada vez mais aguçante para aquilo que Lhe agrada ou não. Se antes eu me encontrava mais ou menos satisfeito comigo mesmo, a situação agora muda. Acha-se tanto o que é mau, e procura-se mudar na medida do possível. Descobre-se algo que se pode achar feio e ruim e também a dificuldade em mudar. Aí então, pouco a pouco, ficamos muito pequenos e humildes, pacientes e indulgentes contra os ciscos em olhos alheios, porque ainda temos muito trabalho com a trave no nosso próprio olho. Aprendemos finalmente também a suportar-nos a nós mesmos na luz inexorável da presença divina e a entregar-nos à misericórdia divina, que poderá sanar tudo isso, que é tão impossível para nossas forças. WS 22

Pode-se mostrar ainda como o domingo deveria ser uma porta larga, pela qual pudesse entrar vida eterna para os dias da semana e força para o trabalho da semana inteira, e como as grandes festas, os tempos de festas e tempos de jejum, vivenciados no espírito da Igreja, fazem amadurecer o homem de ano para ano mais e mais para a eterna paz do Sabbat. Será tarefa essencial de cada um de nós refletir como planejar o decurso do dia e do ano, conforme dotes e estilo de vida de cada um de nós, para preparar os caminhos do Senhor. A distribuição externa deverá ser diferente para cada um e no decorrer dos anos deverá acomodar-se elasticamente à variedade das situações. Também a situação íntima da alma vária na diversidade das pessoas. Os meios ideais para estar em sintonia com o Eterno, para ficar atento ou também para renovar-se — como meditação, leitura espiritual participação litúrgica, devoções populares, etc. — não são todos igualmente de proveito para cada um e em todas as fases e épocas. A meditação, por exemplo, não pode ser exercida por todos e sempre de maneira igual. É importante encontrar, no entanto, o mais eficaz e dele tirar proveito. WS 49

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Existem, evidentemente, dois caminhos para a união plena com Deus e com isso para a perfeição do amor: um subir penoso, feito alpinista, por esforço próprio, logicamente com a ajuda divina da graça, e “um ser carregado para o alto, que requer muito estorço próprio, cuja preparação e conseqüência íntima exigem, no entanto, enormes esforços da vontade própria. WP 50

Na infância da vida espiritual, quando iniciamos entregar nos à direção de Deus, aí sentimos a mão que guia bem forte e firme. Claro como o sol, está diante de nós o que devemos fazer ou deixar de fazer. Más isto não fica sempre assim. Quem pertence a Cristo, deve viver total e inteiramente a vida de Cristo. Ele deve crescer na maturidade de Cristo e também galgar o caminho da cruz, indo por Getsêmani e Gólgota. E todos os sofrimentos vindos de fora não são nada em comparação com a noite escura da alma, quando a luz divina não mais ilumina e a voz do Senhor já não fala mais. Deus está aí, mas Ele está escondido e fica em silêncio. WS l8f

E um caminho longo de auto-satisfação de um “bom católico” que “cumpre seus deveres”, lê um “bom jornal”, “vota corretamente”, etc., mas de resto faz o que lhe agrada, até uma vida na mão divina e pela mão divina, na simplicidade da criança e na humildade do cobrador de ônibus. Mas quem percorreu uma vez esse caminho, não dá mais um passo para trás. WS 22 f

Por natureza, nosso interior é plenificado por muitas maneiras. Tanto é que um fato sempre reprime o outro e o mantém em constante movimento, muitas vezes em tempestade e tumulto. Quando pela manhã acordamos, deveres e preocupações do dia já nos querem cercar (caso já não tiverem atrapalhado a tranqüilidade do sono da noite). Aí aparece a inquietante pergunta: Como poderei vencer isso tudo num só dia? Quando poderei fazer isto. quando aquilo? E como poderei resolver isto, como aquilo? A gente gostaria de agitar e começar tempestivamente. Mas significa que devemos tomar as rédeas na mão e dizer: Devagar! Em primeiro lugar, agora nada deverá perturbar-me. Minha primeira hora matutina pertence ao Senhor. “Quero iniciar o trabalho do dia-a-dia que ele me manda fazer. E Ele me dará a força paia executá-lo. Assim desejo caminhar para o altar de Deus. Ali não se trata de minhas pequenas preocupações, mas sim, do grande sacrifício de reconciliação, WS 46f

Agora começa o trabalho do dia: talvez servir na escola quatro ou cinco horas, uma atrás da outra. Significa estar atento e presente ao que se está fazendo, pois cada hora tem sua tarefa diferente. Nessa ou naquela hora (escolar) não se consegue o que se queria, talvez em nenhuma. Cansaço próprio, interrupções imprevistas, algo do que as crianças não entendem, alguns dissabores, algo revoltante, algo angustiante.

Ou serviço burocrático: relacionamento com propostos e colegas desagradáveis, exigências não satisfeitas, censuras injustas, miséria humana, talvez necessidades várias. Vem a hora do almoço. Chega-se em casa exausto e cansado e esperam-se eventualmente novas improcedências. Onde está agora a renovação da alma, vivida na manhã? De novo queremos ferver e estourar; indignação, aborrecimento, arrependimento. E tanto ainda por fazer até a noite: Não devemos ir logo adiante? Não, enquanto não tiver encontrado novamente por um momento a serenidade e a paz. WS 47f

Quando o intelecto alcança o seu máximo, ele chega aos seus próprios limites. Ele tenta encontrar a verdade mais sublime e última, e descobre que todos os nossos conhecimentos são apenas fragmentos. Então, quebra-se o orgulho e enxergamos duas coisas; ou ele cai no desespero ou coloca-se em humildade e temor diante da verdade impenetrável e recebe, humildemente na fé, o que não pode ser conquistado pela” atividade natural do intelecto. Então o intelecto chega, na luz da verdade divina, à correia sintonia para com seu próprio intelecto. Ele enxerga que as verdades mais sublimes e últimas não podem ser desvendadas por intelecto humano e que nas questões mais essenciais, e por isso na forma e comportamento da vida prática, uma simples criança pode estar em situação superior ao maior sábio pela iluminação

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mais sublime. Por outro lado, ele reconhece a esfera legítima da atividade intelectual natural e cumpre aqui seu trabalho, como o agricultor lavra seu campo, como algo que é bom e útil, mas que é cercado por limites estreitos como toda e qualquer obra humana.

Quem chegar a tal ponto, não olhará mais as pessoas “de cima para baixo”. Ele terá aquele sentimento humano simples e natural, a profunda modéstia sem hipocrisia, que atravessa todas as barreiras livre e desimpedidamente. Ele poderá falar sem medo sua linguagem intelectual em meio do povo, porque lhe é tão natural como a do povo e porque ele manifestadamente não o sobreestima. E ele poderá seguir seus problemas intelectuais, porque faz parte de seu ambiente natural. Ele usará o seu intelecto da mesma forma que o carpinteiro — mão e plaina — e, quando puder ser útil aos outros com seu trabalho, estará sempre pronto para ajudar. E, como todo trabalho honesto, que é feito pela vontade divina e para glória de Deus, também esse pode ser um instrumento de santificação. Assim me imagino Santo Tomás de Aquino: um homem que tinha recebido de Deus como seu tesouro um extraordinário intelecto para com ele pulular; que caminhara silenciosamente e sem exigências o seu caminho e se aprofundara nos seus problemas enquanto o deixava em paz; sempre pronto a quebrar a cabeça, dando as devidas informações, quando lhe faziam perguntas difíceis. Assim ele se toma um dos maiores guias, justamente porque não desejara. WS 74f

Cada um deve conhecer a si mesmo para saber onde e como poderá encontrar a serenidade e a paz. O melhor é jogar todas as preocupações, por curto tempo, diante do Santíssimo, frente ao Sacrário, para quem não é possível, para quem é necessário talvez um repouso corporal, uma pausa em seu próprio quarto. E quando não há possibilidade para um repouso exterior, porque não existe lugar para onde se retirar, quando deveres irrecusáveis impedem a hora silenciosa, pelo menos fecharemos o nosso interior por um momento contra todo resto e nos refugiaremos no Senhor. Ele está aí e nos oferece nesse único momento aquilo de que precisamos. Assim continuará o resto do dia, talvez com muito cansaço e labuta, mas tranqüilo e em paz. E, quando a noite vier e mostrar o retrospecto de que tudo só fora algo em pedaços e muita coisa ficou para fazer do que se pretendia, e (anta coisa nos chama para a vergonha e arrependimento, então, tudo aceitar como é: colocar nas mãos de Deus e entregar-Lho. Assim se poderá repousar nEle, descansar de verdade e começar o novo dia como uma nova vida. WS 48

Ninguém penetrou de uma tal forma nas profundezas da alma como aquelas pessoas que abraçam o mundo com um coração cheio de calor e então, libertadas, pela mão forte de Deus, de todo laço externo, foram atraídas para o próprio íntimo é interior. Ao lado de Teresa de Ávila está aqui, em primeiro lugar, Santo Agostinho que com ela se parece profundamente e por isso tanto a influenciou. Para estes mestres do auto-conhecimento e auto-apresentação iluminaram-se as misteriosas profundezas da alma: não somente os fenômenos, a movimentada superfície da vida da alma constituíram o inegável fato experimentar, mas também as forças, que ativam conscientemente a vida da alma e, finalmente, até a essência de Deus. WS 66f

O caminho para a vida interior é Cristo. Seu sangue é a cortina, pela qual entramos no santíssimo da divina vida. No batismo e no sacramento da penitência Ele nos purifica do pecado, abre-nos os olhos para a luz eterna, torna atentos os ouvidos para colher a palavra divina e os lábios para o louvor, oração de expiação, pedido e agradecimento - todas formas diferentes de adoração; isto é, a criatura presta homenagem diante do Onipotente e do infinitamente Bondoso. No sacramento do crisma, Ele confirma e fortifica o militante de Cristo para a franca e corajosa confissão. Antes de tudo, no entanto, é o sacramento no qual o próprio Cristo está presente e nos torna membros de seu corpo. Compartilhando o sacrifício e a cela, alimentados pela carne e sangue de Jesus, nós mesmos nos tornamos sua própria carne e seu próprio sangue. Na medida em que somos membros de seu corpo, pode animar-nos o espírito de Jesus e em nós reinar. WS43

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No diálogo silencioso de pessoas consagradas a Deus antecipam-se os acontecimentos visíveis da história da igreja, os quais renovam a face da terra. A Virgem, que conservava cada palavra em seu coração, é exemplo das pessoas que escutam e nas quais o coração sacerdotal de Jesus se repete sempre de novo. Mulheres, que se esqueciam de si mesmas na imitação da vida e sofrimento de Cristo, o Senhor as escolhia de preferência como instrumento para grandes obras na Igreja: uma Santa Brígida, Catarina de Sena e Santa Teresa, a grande reformadora de sua ordem em tempo de grande perda da fé, a qual, querendo ajudar a Igreja, via como meio eficaz para tal a verdadeira renovação da vida interior. WS 36f

O ponto central da alma é o lugar de onde se escuta a voz da consciência, é o lugar da livre decisão pessoal. Porque a entrega livre e pessoal é assim e porque é essencial para a união amorosa com Deus, por isso o lugar da decisão livre deve ser ao mesmo tempo o lugar da união livre com Deus. Daí se entende também por que Teresa de Ávila vê na entrega da vontade ao Divino o mais fundamental para a união com Ele: a entrega de nossa vontade é o que Deus exige de todos nós e é o que podemos produzir. Ela é a medida de santidade. Ao mesmo tempo, ela é a condição para a união mística, sobre a qual não temos poder, mas é graça pura e livre de Deus. Por isso temos também a possibilidade de fazer da nossa alma o ponto central, de formar a si mesmo e sua vida, sem ter também recebido especificamente a graça da mística. WP 67f

Dentro da Igreja existem experiências comunitárias de formas variadas: devoção, entusiasmo, obras de misericórdia, etc., mas a Igreja não deve a todos eles sua existência. E sim, que cada um de modo singular situa-se diante de Deus na força contrária ou unida da liberdade divina e humana, em que lhe é dada a força de estar ao lado de todos. E esse “cada um por todos e todos por um” faz com que a Igreja seja Igreja. Quanto mais alguém é plenificado pelo amor divino, tanto mais ele estará capacitado a entrar em substituição de cada um. WP 163

Na aridez e no vazio, a alma tornar-se-á humilde. O orgulho anterior desaparece, quando não se encontra mais nada dentro de si, que poderia ser motivo de olhar com certo desprezo para com os outros. Pelo contrário, agora os outros parecem-nos muito mais perfeitos. Amor e estima despertam o coração por eles. Estamos agora por demais preocupados com a nossa própria miséria para olharmos para os outros. Pelo desamparo e abandono, a alma torna-se submissa e obediente; ela anseia por aconselhamento para chegar ao caminho certo. KW 47

O espírito e voto quer dizer não somente o intelecto, mas também o coração está familiarizado por ocupar-se continuamente com Deus, ele O conhece e O ama. Esse conhecimento e amor fazem parte de seu ser, como o relacionamento de duas pessoas que convivem há longo tempo juntas intimamente familiarizadas. Tais pessoas não precisam mais de informações sobre a outra pessoa para se conhecerem mutuamente e convencerem-se de sua amabilidade. Quase não precisam trocar palavras. Cada nova convivência, no entanto, traz para elas um novo despertar e um crescimento de amor, talvez um conhecimento mais profundo de alguns traços novos. Mas isto acontece automaticamente, não precisando de maior esforço. Assim também é a convivência de uma alma com Deus, depois de longo exercício na vida espiritual. Ela não precisa mais de meditar, para conhecer a Deus e aprender a amá-Lo. O caminho já está muito atrás dela, pois ela repousa nEle. Assim que ela começa a orar, está em Deus e permanece, pela entrega amorosa, em sua presença. O silêncio da mesma Lhe agrada mais do que muitas palavras. KW 103

É graça, quando nos alcança o anúncio da fé, a divina verdade revelada. E graça, que nos oferece a força para colher o anúncio da fé — mesmo que seja exigida de nós a decisão livre — e com isso crescer na fé. Sem a ajuda da graça não existe oração e não é possível meditação. Mesmo assim, exige-se a nossa liberdade e opera-se com a ajuda de nossas próprias forças. Depende também de nós, se de que maneira e quanto tempo demoramos em oração. KW103

A poderosa realidade do mundo natural e de graças sobrenaturais deve ser movida por meio

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de uma realidade mais poderosa ainda. Isto acontece na noite passiva (da alma), pois sem ela a ativa nunca poderia chegar à meta. A mão forte do Deus vivo deve interferir para soltar a alma dos laços de tudo que foi criado e para atraí-la a si. Esse intervir é a escura e mística contemplação, ligada à privação de tudo aquilo que até agora fora luz, sustento e consolo. KW 106

A alma se entrega a Deus para operar nela aquilo que Ele deseja com tais comunicações sobrenaturais. Assim mesmo, permanecerá na escuridão da fé, porque ela não somente aprendeu mas experimentou que tudo isto não é Deus, que ela, no entanto, possui tudo na fé o que lhe é preciso: o próprio Cristo, que é eterna sabedoria, e nEle o Deus incompreensível. Ela estará pronta para tal renúncia e perseverança na fé tanto mais quanto estiver purificada pela noite escura. KW 108

Porque o intelecto natural não pode compreender a luz divina, deve o mesmo ser guiado pela contemplação na escuridão. KW 114

Por isso, a alma pode considerar a aridez e a escuridão quais sinais felizes: sinais que Deus está operando nela, libertando-a de si; Ele tira das mãos suas forças da alma. Certamente ela poderia ter trabalhado muito com isso, mas jamais tão perfeita, segura e firmemente como agora, quando Deus a tomou na mão. Ele a guia como a um cego por caminhos escuros sem e/a saber onde e para onde - por caminhos que e/a mesma no caminhar mais feliz com o uso de seus próprios olhos e pés Jamais poderia ter encontrado. Com isso ela progride muito, sem poder ainda imaginar a si mesma, pois se encontra na convicção de estar perdida. KW 122

Já se tem pronunciado o pensamento de que os sofrimentos da “noite escura” participam do sofrimento de Cristo, em especial do sofrimento mais profundo: o abandono de Deus. “O canto espiritual” (de São João da Cruz) deu sua impressionante confirmação, porque aqui o desejo ardente pelo Deus escondido é o sofrimento que domina integralmente o caminho místico. Nem mesmo acaba na beatitude de união dos noivos; até aumenta com o crescimento do conhecimento e do amor divinos, porque com os mesmos pressentimos cada vez maiores o que a clara contemplação de Deus na glória nos poderá trazer. KW 227

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TITO BRANDSMA

+ 1942

Tito Brandsma, carmelita holandês, jornalista e mártir da fé, escreveu e viveu o espírito carmelitano na procura de uma nova imagem e de um vital dialogo com Deus para o homem moderno e na defesa do homem e de seus direitos.

As páginas que seguem favorecem a compreensão da noção e da experiência de Deus, que no seu coração contemplativo e em sua própria vida o transformam em

“THEOTOCOS” como Maria, encarnando a contemplação mesma na vivência da paixão e da Ressurreição.

EXPERIÊNCIA DE DEUS E NOVA CULTURA Do discurso de Frei Tito Brandsma sobre o conceito de Deus, em Nijmegen no ano 1932

(1) Entre as numerosas perguntas que me coloco, nenhuma me preocupa mais do que a questão porque o homem com o seu progresso e a orgulhosa altivez de seu progresso, afasta-se assim em tão grande numero de Deus? ( ... ) Como pois a imagem de Deus se tornou assim tão pálida, tanto assim que muitos não a conseguem atingir? E falta tão somente da parte do homem? Ou se exige alguma coisa também de nos para que esta imagem fulgure de novo sobre o mundo com uma luz mais clara? Poderíamos nutrir a esperança que um estudo do conceito de Deus viria de encontro a esta necessidade? ( ... ) Creio que seja nosso dever olhar em torno de nos ao fenômeno da negação de Deus. Não porque, antes de tudo, devemos assumir diante desse fenômeno uma atitude de defesa; mas por causa deste fenômeno, encontrar motivo de fazer conhecer a imagem de Deus através de tornas novas e adaptar o seu conceito à cultura moderna, de tal modo que da riqueza deste conceito se coloque em evidência aquele aspecto da grandeza de nosso Deus que mais nos fascina hoje. ( ... ) Há uma tão grande riqueza de aspectos debaixo dos quais se pode considerar a imagem de Deus, que devemos estar atentos a não nos apoiar demais no velho e nem reter como suficientes as imagens tradicionais. Tempos novos exigem formas novas, Não basta insistir sobre a exigência de colocar em prática a fé em Deus e empenhar-nos nesta direção: há mais ainda devemos compreender o nosso tempo, e não o estranhemos. (2) ( ... ) Deus guia estrelas e planetas em suas órbitas; dá vida às plantas e animais. Ele sustenta o mundo em suas mãos e lhe garante uma existência tranqüila. Deus habita em nos e abre os olhos da nossa mente sobre aquilo que interessa; sussurra em nos a sua palavra e nos impele a cumpri-la» ( ... ) Devemos acima de tudo ver Deus como o fundo mais intimo do nosso ser, escondido no elemento mais íntimo de nossa natureza. Mas não obstante e possível vê-lo e contemplá-lo claramente tornando-o reconhecível depois de um primeiro raciocínio, ou quando nos orientamos habitualmente como uma intuição sem raciocínio repeti do a cada instante. Assim nós nos vemos em contemplação contínua de Deus e o adoramos não somente no nosso ser, mas

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também em tudo quanto existe, antes de tudo no próximo, e também na natureza, no cosmo. Ele esta presente em toda a parte e tudo penetra com as obras de suas mãos.

Deus que habita a nossa existência. Deus que obra no cosmo não deve ser somente objeto de nossa intuição, mas deve também manifestar-se na nossa vida, deve exprimir-se nas nossas palavras e ações, deve irradiar-se de todo o nosso ser e de todo o nosso agir. (3) ( ... ) Nós não devemos considerar a pessoa amante de Deus, o místico, como quem está fora da vida, da história. Mas, deve ser considerado aquele que vive a história e que carrega com responsabilidade o seu peso, deve sentir como sua tarefa primaria e suprema» chegar ao conhecimento de si mesmo: a mais bela de todas as empresas humanas. E através de seu intelecto deve chegar a encontrar Deus na profundeza de sua própria vida. Ali ele deve chegar, mesmo que as águas cristalinas da existência estejam entorpecidas pelas borrascas da vida! Voltará a bonança, o olhar tranqüilo penetrará até à profundidade; ali serenos capazes de ver Deus. ( ... ) Contemplar Deus então significa deixar-se influenciar por Ele em todo nosso comportamento. Deus então manifestar-se-á também nas nossas obras. ( ... ) Não basta insistir em viver na prática a nossa fé e estimular-nos a isso: e preciso fazer mais. Devemos compreender o nosso tempo e não distanciar-nos da história. Também nós somos filhos do nosso tempo; sejamo-lo de consciência lúcida.

(4) ( ... ) Os homens devem encontrar Deus e viver na sua luz: isto chama-se mística divina! O espírito místico não vive em conflito com a natureza, pelo contrário: e vocação da natureza humana ver Deus naquilo que há de mais profundo na ciência. (5) ( ... ) É necessário que nos tornemos sempre mais conscientes de que servir os irmãos e uma exigência própria da nossa união com Deus. E esta consciência deve levar-nos a praticar bons atos. Nem mesmo a fé e suficiente por si só: ela deve manifestar-se através das ações; nas ações e que se evidencia todo o seu valor. Tal imagem de Deus torna-se um ideal que arrasta; essa imagem dentro em breve tempo encontrará acesso não só ao lado de outras imagens vagas e abstraias de Deus que sobrevivem ainda em tantos espíritos, mas também, uma vez tendo conquistado os corações, lhe aparecerão através de uma grande luta e uma longa resistência. ( ... ) O agir, sozinho, não e suficiente. Deve nascer de modo consciente de um coração habitado por Deus; as nossas ações devem nascer do nosso sacrário íntimo onde Deus aconselha e determina o que fazer. Assim o nosso agir será não somente forte e irresistível externamente, mas também forte no nosso interior e tornar-se-á manifestação de uma vida mais bela e mais nobre. ( ... ).

CONTEMPLAÇÃO Dos Apontamentos de frei Tito Brandsma diante das cataratas de Niágara, em 1935.

(6) ( ... ) Estou contemplando as estupendas cascatas do Niágara, vejo-me a precipitar sem parada do alto de seu leito primitivo. ( ... ) Digo então: o que há aqui de surpreendente e a maravilhosa e complexa natureza da água. Se ela não fosse fluída, se ela não possuísse o poder de absorver a luz até em suas gotas mais isoladas, teríamos talvez diante de nossos olhos esta avalanche de cristal e em nossos pés este arco-íris? Milhares de homens vem até aqui para pasmar-se diante do fragor das massas de água, para admirar estas espumas colossais que se dissolvem luminosas na profundeza do céu. Esta música selvagem, apodera-se de todo o seu ser; o jogo das cores ali ofusca quando os raios do sol se confundem com a água ou quando o reflexo argênteo se torna e se transforma em esmeralda. ( ... )

(8) Alguns conseguem uma contemplação cais racional, outros mais sensível; se os dois sentimentos se unem, o objeto e o sujeito sentem-se mais unidos, e então o gozo e mais elevado. E depois as possibilidades da contemplação unificam-se, e a alegria e mais intensa e mais pura. ( ... ) a

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vista e o ouvido podem ser aqui arrebatados, mas também a razão que pensa e tudo aquilo que Deus colocou nestes elementos destinados a perecer e conquistado, (9) ( ... ) E vejo Deus, na obra de suas mãos e a imagem de seu amor em todas as coisas visíveis. ( ... ) E torno a pensar» olho e sinto, e acontece de ser às vezes tomado de uma suprema alegria, superior a qualquer outra alegria humana. ( ... )

ESTAR EM GESTAÇÃO COMO MARIA da colocação de Frei Tito Brandsma no congresso mariano de Tongerloo em 1936

(10) ( ... ) Embora a nossa união com Deus não seja tão excelsa como aquela que se verificou na divina maternidade de Maria, mesmo assim nos podemos com pleno direito chamar-nos “Theotokos”, “portadores de Deus”, e também para nos o Senhor envia o seu anjo para nos pedir que se abra o nosso coração à luz do mundo para levá-lo por toda a parte como um luzeiro. ( ... ) Também nos devemos receber Deus no nosso coração, levá-lo debaixo do coração, alimentá-lo e deixá-lo crescer em nas, para que ele nasça de nós, e viva conosco como Deus conosco, isto é Emanuel.

(11) ( ... ) Para Deus, o coração de Maria permaneceu sempre aberto. Dela devemos apreender a expulsar do nosso coração tudo o que não pertença ao Senhor e que para Ele o nosso coração esteja sempre aberto para se encher da graça divina; e então Jesus descerá no nosso peito e crescerá em nós, renascerá de nós e manifestar-se-á com as nossas ações e viverá de nossa vida. Com Maria, cheios também nós de graça, devemos viver uma vida divina, não buscando outra glória e outra salvação, que não a união com Deus. ( ... )

O QUE É ORAÇÃO

cf.: Apontamentos de Frei Tito Brandsma para um retiro espiritual

(12) ( ... ) Nossa vida é como uma marcha pelo deserto até o monte Horeb, para dar uma dimensão total nova à nossa existência na contemplação de Deus. Preliba-se o céu buscando de ver Deus entre nós, o Deus vivo e atuante na nossa realidade. Nunca mais deve haver nos nossos corações divisão entre Deus e a realidade.

A oração é vida, não um oásis no deserto da vida. ( ... )

SOLIDÃO PROFUNDA

Na cela da prisão

Embora não saiba como isto irá terminar (as conseqüências do encarceramento) sei muito bem que estou nas mãos de Deus. O que me separara da caridade de Deus? Ele é o meu único refugio e sinto-me protegido e feliz. Permanecerei aqui, se Ele assim o dispuser. Raramente estive assim tão feliz e contente ( ... )

Fiz para mim um pequeno altar: é um modo de dizer. Na cela havia uma estante de papelão

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com suporte e também um pedaço de papel de embrulho. Cobri com isto a estante. Com um preguinho - canivete e tesoura foram-me tirados, daí a necessidade de me arrumar - fiz pequenos entalhes fixando assim três imagens de meu breviário; no meio um Cristo pregado na Cruz de Fra Angélico, incompleto, mas, só até à altura da chaga de seu Sagrado Coração; de um lado uma estampa de Santa Teresa de Jesus - “Sofrer ou morrer” - e, de outro, São João da Cruz com seu lema “Sofrer e ser desprezado”. Encontrei dois alfinetes; servi-me de um para fixar abaixo das outras imagens uma tira comprida de papel sobre a qual escrevi as palavras de Santa Teresa: “Nada te perturbe” e também as palavras de um provérbio alemão: “Deus tão próximo e tão distante, mas, sempre aqui” e, finalmente, aquele que me é tão familiar: aceitar os dias como eles chegam; os alegres com o coração reconhecido; os adversos com esperança para com os futuros que ainda virão, porque o mal e a tristeza são passageiros ( ... )

Ainda não me aborreci. Estou sozinho, é verdade. Mas, nunca Deus esteve tão perto de mim. Uma alegria intensa reina em meu coração porque Ele se deixou encontrar inteiramente sem que eu me possa desviar para os homens ou estes me atingirem.

Ele e a minha única consolação. Sinto-me seguro e feliz. Gostaria de continuar sempre aqui se Ele desejar assim.

DIANTE DA IMAGEM DE JESUS Da: oração de frei Tito Brandsma escrita nos primeiros dias de prisão no cárcere de Scheveningen, a noite entre 12-13 de fevereiro de 1942.

Deste texto emergem duas profundas convicções;

1ª. solidão encarada como presença de Deus, plenitude e restauração de tudo em Deus, seja como aquilo que em Deus é vontade de amor, seja como dom de Deus.

2ª. aceitação alegre do sofrimento como meio de associação absoluta e radical do sacrifício e morte de Jesus na Cruz.

Quando te vejo, ó Jesus, compreendo que tu me amas; como o mais querido dos amigos, e sinto que te amo como o meu bem supremo. O teu amor, eu o sei, exige sofrimento e coragem; mas o sofrimento é o único caminho para a tua glória. Se novos sofrimentos se adjuntam ao meu coração, eu os considero como um doce dom; porque me fazem mais semelhante a Ti, porque me unem a Ti. Deixa-me sozinho neste frio; não preciso mais de ninguém. A solidão não me mete medo, porque Tu estas perto de mim. Fica Jesus, não me deixes! A tua divina presença. torna fáceis e belas todas as coisas!

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PRATA da CASA...

DE NOSSO PATRIMÔNIO FAMILIAR “Minhas filhas, a vida é curta! Vivamos com a consciência tranqüila e teremos Céu perto de nos”

(Madre Maria das Neves + Campos – 1906)

“Senhor! Por vossa misericórdia escolhi a melhor parte. Vivo a vossos sagrados pés, prelibando a doçura de vossa Doutrina. O que me ensinais. Senhor?

A amar vosso Pai a aproveitar as inspirações do Santo Espírito, a agradecer-vos os benefícios da Redenção, a consagrar-me inteiramente ao Serviço de Vossa Mãe Santíssima., a viver da Esperança de viver no céu, depois de procurar na terra a salvação das outras almas”

(Madre Bernadete da I. Conceição + Cataguases - 1930)

“E se do céu a voz ouvisse amante: que falta filha, a sua imensa dita? NADA, meu Deus, diria palpitante TUDO me deste, PAI, sou CARMELITA.”

(Ir. Joana d’Arc + Belo Horizonte – 1956)

SER CARMELITA

Ir. Joana D’Arc Ser Carmelita - um nada agraciado Pela bondade extrema do Senhor Ser Carmelita - um nada sublimado À vida de união com o Salvador.

Ser Carmelita é ser espiga d’ouro Curvada ao peso de grãozinhos mil É possuir um singular tesouro É na fraqueza, forte ser, viril.

Ser Carmelita é pertencer ditosa À grei feliz da divinal Maria E junto estar sempre da Mãe bondosa Fruir da Irmã, a amável companhia.

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Ser Carmelita é com simplicidade da “infância” percorrer a doce trilha Viver com o Pai em santa intimidade E lhe ser sempre a pequenina filha.

Ser Carmelita é ser alma de prece É no silêncio amar a solidão É contemplar o lourejar da messe Ganhando obreiros para a imolação.

Ser Carmelita é abandonar-se inteira Aos ternos braços do melhor dos Pais É ser qual flor, abrindo-se fagueira Ao sol do amor, aos beijos matinais.

E se o Carmelo todo é um poema Iniciado na visão de Elias Ser Carmelita é então ter por lema “Zelo zelatus”, rico de harmonias.

Ser Carmelita é dedilhar a lira Cantando estrofes ao Supremo bem É desferindo sons que o amor inspira Olhar o azul como a esperar alguém.

E se do céu, a voz ouvisse amante: que falta, filha, à tua imensa dita? - Nada, meu Deus, diria palpitante, Tudo me deste, Pai, sou Carmelita.

ALGUNS TRECHOS DE APONTAMENTOS ESPIRITUAIS l. Madre Maria de Nossa Senhora da Glória ( + 1972 - Mariana)

“A oração é a força poderosa que, atravessando o coração de Jesus, chega ao seio mesmo de

Deus, toma, atrai, como que precipita a graça nas almas. O sofrimento e a prática da caridade são outras formas de nossa oração e tão poderosas como ela”.

“Há momentos na vida em que não se deve olhar para diante nem pra traz, nem para os lados, mas, contemplar unicamente a CRUZ, aquilo que Deus nos oferece e da qual fruirão grandes graças para nos e para os outros.”

“Muitas tristezas, decepções, sofrimento íntimos que escapam ao olhar dos outros (...) tudo vos ofereço. Senhor.

Fazer de minhas provações uma obra de reparação, de satisfação, de oração, ajudai-me a praticar um completo abandono, a conservar a paz do coração. Fazei com que eu saiba ser toda a todas sem nada esperar humanamente falando de minha dedicação ou de meus esforços. Ensinai-me a prece poderosa sobre o vosso Coração, aquela que e feita de fé, humildade, abandono confiante; a prática silenciosa e constante da mortificação; dai-me o espírito de sacrifício e renovai, profundamente a minha alma, a fim de fazer dela a Hóstia viva na qual estareis sempre presente e que ofereceis sem cessar pá rã a maior glória do Pai. Ponho esta oração e a mim mesma, sob a proteção muito especial da Santíssima Virgem, minha Mãe querida, para a qual quero ter ainda mais amor e confiança.”

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“... Não há quem conheça o que se passa em nos, nos últimos limites da alma. Sentir Deus perto de si, meditar, orar, recolher todo pensamento profundo para compenetrar-se dele, constitui isto a vida interior e essa vida interior é a alegria suprema da vida. Mas tantos desejos ardentes, tantos pensamentos que nos comoveram, resoluções generosas, devem se converter em atos, pois, estamos em plena vida humana, com uma grande tarefa diante de nos (...). É mister auferir de Deus uma força inconcebível, armar o coração com paciência e amor para começar dia por dia e hora por hora a obra que deve ser a de todo cristão: a salvação moral e material de seus irmãos.”

“... Ter o senso das cousas divinas é por o homem em Deus a sua vida, penetrar-se do cristianismo até os últimos limites, tudo ver à luz da eternidade que o Espírito Santo nunca nos recusa; é transformar sua alma e fixá-la na paz e na caridade, é amar, ao mesmo tempo que as obras da inteligência a Inteligência suprema de onde elas precedem, é procurar ultrapassar a superfície das criaturas e atingir ó que elas contem de profundo, o ponto pelo qual, sem abalo, se pode experimentar uni-las a Deus; enfim é viver, pela piedade, numa intimidade mui suave e forte com Aquele que chamamos nosso Pai e que é vida para nossa alma”

(Todos da década de 30)

2. Madre Maria Josefina da Sagrada Família (+ 1974 Cataguases) (Alguns extraídos de um texto mais amplo)

“ . Sorrir quando menosprezada . Prontidão e Docilidade para executar as ordens . Desligar o coração de tudo e de todos . Ser pobre até no querer . Pelo recolhimento atestar Jesus no coração . Simplicidade nas atitudes e nas palavras . Constância em sorrir ao sacrifício . Aceitar o viver no esquecimento . Serenidade nas mágoas do coração . Serenidade na perda de pessoas caras para evitar a perda de Jesus nas almas . Sofrer em silêncio os abandonos espirituais . Aceitar todo e qualquer sacrifício para que se realize a Missão diária - o AMOR . Dar especial atenção as pessoas que menos nos compreendem . Deixar correr o sangue do coração para a purificação das almas. . Tornar-se Hóstia branca para que seja imolada com o Sacerdote - todos os dias. Meu Jesus, se já minha a tua Cruz”

“... Compartilhando das alegrias e festas que hoje se realizam na nossa Casa Mãe, alegro-me aqui de longe e deixo subir ao céu os louvores que minha alma tece a excelsa Virgem do Carmo. Ah! sinto o seu sorriso, que me alenta e seus olhos que são faróis que me guiam para Jesus. A Missa da Capelinha foi celebrada por intenção da Congregação. Que diferença da que tiveram ai (...)”

16/07/1933 (No Pensionato em Belo Horizonte, em curso de Aperfeiçoamento) “... Finalmente, depois de cinco meses de espera recebi a minha mui desejada capinha. Estou muito

satisfeita: creio ter o céu no coração; atualmente só anelo - a perfeição, viver de amor”. (23/07/1923)

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3. Irmã Brígida

(+ 1986 - Belo Horizonte) “Não, nunca jamais neguem nada ao Senhor Amor é vida, é sacrifício-união... Dotadas somos de uma alma e coração Orgulhemo-nos de nossa estirpe e proteção Reunidas estamos no Carmelo militante Assim vivamos uma vida de alegria Sempre sorrindo e amando a Virgem Maria”

(Julho - 1978)

4. Irmã Raquel (+ 1986 - Ouro Preto)

No encontro com Jesus, quem sou eu e que vou fazer? Como tenho poder sobre o outro, não judiar, não aproveitar. Tratar com caridade! Justiça, justiça... O aluno deve ser premiado não pelo que sabe, mas, pelo esforço que fez. Deus quer nos salvar pela caridade. Doação com amor é o que vale, não o fazer muito.” (S/data)

5. Ir. Labouré

(1984 - Mariana) “Resta-nos aproveitarmos da riqueza espiritual que nos foi legada, através das conferências de competentes sacerdotes que procuraram nos colocar não só numa vivência real do espírito do Carmelo, como também, na linha de frente para a libertação de nossos irmãos.” (16/01/78)

6. Ir. Chantal (1984 - Ouro Preto)

“Meu Deus, tende a misericórdia e a liberalidade de me fazer reparar, antes da minha morte, todos os abusos das graças que eu tenha tido a infelicidade ou a loucura de cometer.” (S/ data)

7. Irmã Júlia (+ 1986 - S. João dei Rei)

“O deposito da caridade deve sempre ir crescendo em nossa vida. Pela caridade fraterna se mede o amor a Deus. Não se pode excluir sequer uma pessoa desta cadeia de amor...”

“S. Pedro disse: Senhor, eu creio e S. João, eu vos amo. Todos dois fizeram comunhão perfeita, devemos comungar assim”.

“Devemos observar a caridade em toda a parte: nos asilos, hospitais, colégios, quando

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nos dão alguma coisa, quando nos perguntam ou pedem um favor...” (s/ data)

8. Irmã Evangelista

(1986 - Belo Horizonte) “Quero fazer o possível para cumprir a Vontade de Deus que, em todo o ponto e melhor que a nossa”

(02/07/39 - Carta à Superiora Geral)

“Resolvida estou a fazer tudo para não separar-me de meu amado Jesus” (18/6/33) “Aqui estou satisfeita e vivo considerando” me uma pobre feliz, apesar das grandes responsabilidades que tenho de dar a Deus de minhas culpas passadas e quando disso me lembro, corro apressada para o grande oceano de Misericórdia que e o Coração de Jesus, certa de que neste asilo seguro, serei confortada.” (S/ data)

DE ALGUNS DOCUMENTOS “Mais que uma lei, procuramos um espírito. Pois bem, e mesmo esta atitude que deve, também hoje, motivar nosso estudo, reflexão e oração. Vivendo-a estaremos em sintonia com o espírito carmelitano, no qual se procura a MAIOR INTIMIDADE com DEUS - figurada por João da Cruz no cume do Monte Carmelo, onde “só habita a HONRA e a GLÓRIA DE DEUS.” (8/9/74 - Equipe Capitular)

“Maria Santíssima é modelo de esperança: confiemos em sua PROTEÇÃO e ela estará conosco em nossos momentos difíceis nos quais procuramos maior fidelidade em nossa Consagração a Deus, no serviço dos irmãos.” (8/3/72 - Irmã Maria Henriqueta)

“Para que tenhamos bem vivo o que nos foi legado pelas nossas primeiras Madres - exemplo de vivência do espírito carmelitano - estamos enviando hoje as comunidades, os apontamentos de Madre Bernadete, para serem lidos, refletidos e aplicados à vida de cada dia. Eles nos lembram as linhas básicas de nossa espiritualidade: oração, confiança na Divina Providência e devoção a Maria Santíssima. (03/05/74 - Idem)

“Se a nossa consagração não tiver raízes profundas em nosso ser, podemos nos deixar levar por toda a sorte de influências, consumindo a nossa vida num marasmo doloroso.

Não pretendemos fugir do mundo. A profundidade de nossa consagração é que nos fará “estar no mundo sem ser do mundo”. A nossa reação contra os princípios anti-evangélicos deve ser clara e decisiva. Não consistira, necessariamente, em saídas heróicas e sensacionais, mas, numa fidelidade humilde e corajosa aquilo que Deus nos pede no escondimento de nosso dia a dia, acolhendo os valores cristãos e rejeitando seus contra valores.” (07/03/84 – Irmã Ilma Duarte Martins)

“Só a abertura, por vezes dolorosa, a Vontade de Deus, pode nos dar força necessária para realizarmos seu plano a nosso respeito. Jesus Cristo encontrou seu alimento em fazer a Vontade do Pai. Alimento é algo que nos mantém vivos e fortes (...) A alegria da Ressurreição, só a encontramos quando retamente usamos os meios ao nosso alcance para descobrirmos as manifestações de Deus em nossa vida e, com simplicidade, sem subterfúgios, vamos expressando, nas decisões e no agir, a nossa adesão a Ele”. (20/03/85 - Idem)

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ENCERRANDO... Com um convite a cada Carmelita para que continue o trabalho de aprofundamento-crescimento no IDEAL do CARMELO: VIDA na PRESENÇA de DEUS e em OBSÉQUIO de JESUS CRISTO as IRMÃS CARMELITAS DA DIVINA PROVIDÊNCIA fazem suas as aspirações desta oração com e para cada irmão-irmã;

você - EU - NÓS

SENHOR, quando chegarei e verei o TEU ROSTO?! Hoje me falas: “vem, vê.”! A condição para ver TEU ROSTO é vir, caminhar, sair... do meu modo de pensar

de viver de relacionar-me...

é conquistar a liberdade a liberdade evangélica conversão – libertação do pecado... pecados... imperfeições

Para produzir os bons frutos Tu me pedes um coração puro de cada. mancha

um terreno bom... Tu me pedes de não ser cheio de mim

mas de ser lugar de COMUNHÃO de viver em FRATERNIDADE,

acolhendo o irmão caminhando junto a ele oferecendo-lhe a mão, generosamente... e, para ele, SER PÃO. SER PÃO, SENHOR, exige de mim

perseverança fidelidade mergulho em Ti,

forno deste PÃO, agora e sempre Que meu caminho na FRATERNIDADE e na ORAÇÃO seja continua PURIFICAÇÃO-CONVERSÃO

a Ti, presente no quotidiano: num ininterrupto ESCUTAR

Page 74: Oração Carmelita

Frei Emanuel Boaga, O.Carm.

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ACOLHER OUVIR VIVER A TUA PALAVRA

Ajuda-me, SENHOR, a ser mais o pão dos irmãos pão cozido no fogo do TEU AMOR.

OBRIGADO JESUS AMÉM!

“ORAÇÃO que é verdadeira faz mudar o coração”

Page 75: Oração Carmelita

A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA

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CONTEÚDO 1 - Palavra de Introdução ...................................................................................... Pag. 2 2 - Síntese das Palestras e guia de orientação para Reflexão ........................................ 3

2.1 - A oração na Regra do Carmo: ....................................................................... 4 2.1.1 - Contexto histórico-espiritual .............................................................. 4

2.1.2 - Proposta de Oração na Regra .............................................................................. 5 2.2 - A oração no caminho histórico da Ordem: .................................................... 6

2.2.1 - Elias e Maria ...................................................................................... 6 2.2.2 - Aprofundamento doutrinal ................................................................. 7 2.2.3 - Vida litúrgica e contemplarão individual ........................................... 7 2.2.4 - Contemplação e ação ......................................................................... 8 2.2.5 - Os valores fundamentais da Tradição Carmelitana............................. 11

2.3 - Orientações gerais para a leitura de um texto ................................................... 12 2.4 - Algumas sugestões para a reflexão ................................................................... 13

3 - TEXTOS: .................................................................................................................. 14 Forma de vida dos primeiros monges...................................................................... 15

Esconde-te na torrente ao Carit ....................................................................... 16 Nicolau “Gallus” ..................................................................................................... 31

Conduzi-la-ei a solidão e falar-lhe-ei ao coração ............................................. 31 O cálice de Jesus .............................................................................................. 32 O louvor da cela ............................................................................................... 32 A natureza convida d louvar ao Criador .......................................................... 32

A. Bostio.................................................................................................................. 33 Oração dos Carmelitas no Monte Carmelo à Bem-aventurada........................ 33 Virgem Maria ................................................................................................... 33

B. João Soreth ......................................................................................................... 34 A cela interior e exterior .................................................................................. 34

João Batista Rossi (Rubeo) ..................................................................................... 36 Contemplação e amor ....................................................................................... 36

S. Teresa de Jesus .................................................................................................... 37 Deixar-se amar ................................................................................................. 37 Oração, um buquê de flores ............................................................................. 37 Atingir a fonte de vida e dela beber ................................................................. 39

S. João da Cruz ........................................................................................................ 41 Oração da arma enamorada .............................................................................. 41 Cristo palavra do Pai ........................................................................................ 42

S. Maria Madalena de’ Pazzi .................................................................................. 43 Trato e união com Deus ................................................................................... 43 Vem, ó Espírito ................................................................................................ 44

Cosimo Facelli ........................................................................................................ 45 A aventura de amar a Deus .............................................................................. 45

Miguel de la Fuente ................................................................................................. 46 Imprime tua marca em meu coração ................................................................ 46

João de São Sansão ................................................................................................. 47 Vida escondida em Deus .................................................................................. 47

S. Teresa Margarida Redi ........................................................................................ 49 O exercício da divina presença ........................................................................ 49

Soror Maria Perpétua da Luz .................................................................................. 50 Da oração e da necessidade que todos têm deste exercício.............................. 50

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Frei Emanuel Boaga, O.Carm.

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Oração a Nossa Senhora ...................................................................................... 50 Frei Joaquim Do Amor Divino Caneca ....................................................................... 51

Da oração ............................................................................................................. 51 S. Teresinha ................................................................................................................. 53

Um grito de gratidão e de amor ............................................................................ 53 Como débil avezinha ............................................................................................ 53 O meu amado ........................................................................................................ 54

B. Isabel da Santíssima Trindade ................................................................................ 55 O louvor da glória ................................................................................................. 55 A Virgem da Encarnação ..................................................................................... 56 Na presença de Deus ............................................................................................ 56 Trindade que adoro ............................................................................................... 57

Edith Stein ................................................................................................................... 59 Oração e meditação .............................................................................................. 59

B. Tito Brandsma ......................................................................................................... 64 Experiência de Deus e nova criatura .................................................................... 64 Contemplação ....................................................................................................... 65 Estar em gestação como Maria ............................................................................. 66 O que é oração ...................................................................................................... 66 A solidão profunda ............................................................................................... 66 Diante da imagem de Jesus .................................................................................. 67

Prata da Casa: de nosso Carmelo da Divina Providência ................................................... 68 ENCERRANDO ................................................................................................................. 73

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