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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO Orçamento Impositivo no Brasil Proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada? Brasília, 2014 Rodrigo Roriz Macedo

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA

FACULDADE DE DIREITO

Oramento Impositivo no Brasil

Proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada?

Braslia, 2014

Rodrigo Roriz Macedo

Oramento Impositivo no Brasil

Proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada?

Trabalho de concluso de curso

apresentado Coordenao de

Direito da Universidade de Braslia

- UNB, como requisito parcial para

obteno do grau de bacharel em

Direito.

Orientador: Professor Ricardo

Barretto de Andrade.

Braslia, 2014 Rodrigo Roriz Macedo

Oramento Impositivo no Brasil: Proposta para o futuro ou

realidade constitucionalizada? Trabalho de concluso de curso

apresentado Coordenao de

Direito da Universidade de Braslia

- UNB, como requisito parcial para

obteno do grau de bacharel em

Direito.

Orientador: Professor Ricardo

Barretto de Andrade.

Banca Examinadora:

Professor Ricardo Barretto de Andrade Orientador

Professor Rafael Santos Barros e Silva Integrante da Banca Examinadora

Francisco Lcio Pereira Filho Integrante da Banca Examinadora

Dedico este trabalho a minhas 4 mulheres. primeira, por tudo que ela j fez, no apenas por mim, e por aquilo que ela no pde terminar. segunda, por tudo aquilo que ela faz por mim e por todo sacrifcio feito para que eu possa terminar este curso. terceira e quarta, por tudo aquilo que ainda faro por mim e por todo tempo longe que prometo compensar.

RESUMO

O presente trabalho versa sobre opossvel carter impositivo do oramento

pblicobrasileiro. A anlise parte da sua evoluo histrica no Velho Mundo e tambm

no territrio nacional, apresentando as diferentes implementaes atuais no Direito

Comparado. O estudo ser aprofundado no modelo brasileiro e nos elementos

constitucionais que o caracterizam. Diante de tal quadro, ser verificadose o oramento

nacional j possui carter impositivo ou se tal modelo seria apenas uma proposta para o

futuro.

Palavras chave: Oramento Pblico. Oramento Impositivo. Planejamento.

ABSTRACT

The present monographdeals withthepossible mandatorynature of theBrazilian

government budget. The analysisstarts fromitshistorical evolutionin the Old World and

alsoin Brazil, presenting thedifferentcurrent implementationsin Comparative Law. The

work will bemore detailedon the Brazilianbudgetingsystemand

itsconstitutionalelements.Moreover, it will be checkedif theBraziliansystem isalready

mandatoryor justa proposalfor the future.

Keywords: Public Budget. Mandatory Budget.Planning.

Sumrio

INTRODUO.................................................................................................. 8

1 CONSIDERAES ACERCA DO REGIME JURDICO DOS ORAMENTOS PBLICOS ...................................................................... 11

1.1 Breve evoluo histrica do Oramento no mundo ............................. 11

1.2 Breve evoluo histrica do Oramento Pblico no Brasil .................. 14

1.2.1 Brasil Imprio e Repblica Velha ........................................................ 14

1.2.2 As mudanas da Era Vargas ............................................................... 16

1.2.3 O oramento na ditadura militar .......................................................... 18

1.2.4 O oramento na Assembleia Constituinte e na Constituio de 1988 . 20

1.3 O Oramento no Direito Comparado ................................................... 23

2 O SISTEMA ORAMENTRIO BRASILEIRO NA CONSTITUIO FEDERAL E AS PROPOSTAS DO ORAMENTO IMPOSITIVO ............. 33

2.1 Os Princpios Oramentrios .............................................................. 36

2.2 O Oramento-Programa e o planejamento ......................................... 37

2.3 A Constituio e o Processo Legislativo Oramentrio ....................... 38

2.4 Vedaes Oramentrias .................................................................... 42

2.5 Contingenciamento ............................................................................. 44

2.6 As Emendas Parlamentares Impositivas ............................................. 48

3 UMA VISO ALTERNATIVA: O ORAMENTO IMPOSITIVO J ESTARIA EM VIGOR? ................................................................................................ 50

3.1 Vinculaes: uma proteo legal ........................................................ 51

3.2 O desiquilbrio de foras entre Executivo e Legislativo ....................... 56

3.3 O Carter Impositivo do Contingenciamento e da DRU ...................... 61

3.4 A fixao do planejamento .................................................................. 63

3.5 Oramento, Direitos Fundamentais e Polticas Pblicas ..................... 66

CONCLUSO ................................................................................................. 69

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 73

ndice de Ilustraes

Figura 1 - Joo Sem Terra assinando a Magna Carta, cercado pelos sditos. ............... 13

Figura 2 - Ciclo Oramentrio padro. .......................................................................... 24

Figura 3 - Estrutura Legal dos diversos sistemas oramentrios dos pases da OCDE. 25

Figura 4 - Separao de poderes e a necessidade de adoo de leis reguladoras do

sistema oramentrio ...................................................................................................... 26

Tabela 1- Diferenas das atribuies dos Poderes Executivo e Legislativo no Reino

Unido e nos Estados Unidos .......................................................................................... 27

Grfico 1 - Alcance das Emendas Parlamentares nos pases da OCDE ........................ 28

Grfico 2 - Possibilidade de aumentar/cortar despesas aprovadas pelo Parlamento ...... 30

Grfico 3 Evoluo das Despesas em funo das fontes de financiamento ................ 53

Grfico 4 - Evoluo das despesas discricionrias no Oramento Federal 2008-2013 .. 54

Tabela 2 - Evoluo do Oramento Federal 2008-2013 ................................................. 55

8

INTRODUO

Poucos temas foram to discutidos nestes ltimos oitocentos anos do

quanto os gastos de um governo. Desde a poca da criao da Magna Carta em 1215 na

Inglaterra1, motivada pela tributao, at o Brasil dos gastos bilionrios com a Copa do

Mundo, o oramento estatal est sempre em pauta seja nos noticirios, nos discursos

polticos ou at mesmo nos protestos populares. Todo cidado tem uma opinio acerca

da destinao do dinheiro pblico, concordando ou discordando da priorizao eleita

pelos governantes.

Este estudo tenta confrontar uma hiptese acerca da destinao dos

recursos pblicos etem como foco as leis oramentrias, dispositivos que elencam as

despesas escolhidas pelos polticos para serem executadas pelo governo. utilizado o

plural leispara destacar o sistema oramentrio composto pelo Plano Plurianual PPA,

pela Lei de Diretrizes Oramentrias LDO e pela Lei Oramentria Anual LOA. Tal

conjunto espelha o plano governamental para um perodo de quatro anos, onde o PPA

faz a base do planejamento de longo prazo e a LOA materializa a execuo voltada para

o exerccio financeiro subsequente.

Conforme previsto no artigo 165, pargrafo 8 2 da Constituio

Federal, no corpo da LOA se encontra a previsodas receitas e a fixaodas despesas

para o ano seguinte. O texto no deixa dvidas que o primeiro rol uma estimativa da

entrada de recursos esperada. No h como saber com preciso quanto ser arrecadado,

pois esses valores dependem muito da conjuntura econmica futura. E tambm no

sero fruto apenas do planejamento e da vontade dos governantes. Afinal, no

possvel, por exemplo, obrigar uma pessoa a fazer a compra de um automvel para que

o governo federal cumpra com o compromisso de arrecadar um determinado montante

de Imposto sobre Produtos Industrializados.

Por outro lado, o mesmo no ocorre com as despesas. Apesar de serem

dois lados da mesma moeda, pois os gastos dependem da arrecadao, o governo pode

sim escolher quais so os dispndios que sero priorizados. Afinal, diferente das

receitas, onde o particular que tem a liberdade de escolher quando, onde e quanto ir

1BURKHEAD, Jesse. Government Budgeting. Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1956, p. 3. 2Art. 165, 8. A lei oramentria anual no conter dispositivo estranho previso da receita e fixao

da despesa, no se incluindo na proibio a autorizao para abertura de crditos suplementares e contratao de operaes de crdito, ainda que por antecipao de receita, nos termos da lei.. BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, 1988.

9

gastar, gerando uma arrecadao incerta de tributos, nas despesas pblicas o governo

quem toma as decises. Nessa situao, o Estadoelege quais sero os gastos priorizados

para o prximo exerccio financeiro e os insere na lista de dispndios da LOA.

Portanto, a LOA apresenta as despesas fixadas para o prximo

exerccio financeiro. neste ponto que surge uma grande dvida sobre a qual se

debruam os juristas nacionais: essas despesas so meras autorizaes ou so

comportamentos impostos aos administradores pblicos? A lei oramentria seria

apenas um limite ou um comando estatal? O oramento brasileiro autorizativo ou

impositivo?

Alguns juristas reconhecem que um caminho inevitvel a adoo do

carter impositivo do oramento34. A dvida que paira se tal modelo j uma

realidade ou se ainda depende de uma medida a ser tomada. , portanto, nesta questo

que se encontra o problema a ser pesquisado por esta monografia: o oramento

impositivo j uma realidade constitucionalizada ou uma proposta para o futuro?

Para ajudar a analisar esta pergunta, este estudo est dividido em trs

captulos. O primeiro apresenta o histrico do oramento pblico no mundo e tambm

no Estado brasileiro. Faz tambm um reconhecimento das diferentes implementaes do

oramento pblico no direito comparado.

O segundo captulo apresenta um detalhamento maior do sistema

oramentrio em vigor no Brasil. Faz uma anlise do texto constitucional relativo ao

tema, com algumas referncias a regras gerais inseridas na Lei de Responsabilidade

Fiscal e na Lei 4.320 de 1964. Traz tambm uma apresentao da novidade inserida pela

LDO de 2014, as chamadas emendas parlamentares impositivas.

Por ltimo, o terceiro captulo aprofunda a anlise dos institutos

apresentados nas duas primeiras partes. Estuda a relao entre Executivo e Legislativo e

sua disputa de poder, alm da posiodo Judicirio sobre a questo levantada. Por

ltimo, ser apresentada concluso sobre o tema, em funo de todos os argumentos

estudados.

Portanto, esta monografia, por meio da pesquisa bibliogrfica,

apresenta uma anlise ao questionamento acerca danatureza impositiva ou meramente

3ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 222-223.

4DALLARI, Adilson Abreu. Oramento Impositivo. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 326-327.

10

autorizativa do oramento nacional. Sem exaurir o tema, mas trazendo alguns

argumentos de vrios juristas e estudiosos do assunto, tenta-se apresentar uma opinio

acerca do modelo de oramento vigente no Brasil. O carter impositivo seria apenas

uma proposta? Ou uma realidade nos textos legais que no cumprida na prtica pelos

administradores pblicos?

11

1 CONSIDERAES ACERCA DO REGIME JURDICO DOS ORAMENTOS PBLICOS

1.1 BREVE EVOLUO HISTRICA DO ORAMENTO NO MUNDO

Diferente de outras criaes da humanidade, o oramento pblico no

tem um inventor e nem surgiu como uma fagulha de eletricidade em uma noite chuvosa.

fruto sim de um longo processo que possui longnquas razes, alcanando at a

Antiguidade, tempos em que o Cdigo de Manu e a Bblia j faziam referncias a

limitaes ao poder de tributar5. possvel encontrar tambm alguns exemplos nas

civilizaes grega e romana, relacionados frenagem do apetite da fazenda pblica no

tocante criao de novos impostos. 6

Entretanto, as medidas dos tempos antigos muito se diferem do

instituto do oramento pblico atual. Como afirma Sainz de Bujanda, havia na

Antiguidade uma confuso patrimonial entre os recursos do Estado e a fortuna particular

do imperador7. Ou seja, no apenas oEstado se confundia com o monarca, mas tambm

o Tesouro pblico era centralizado na figura do imperador.

Apenas na Idade Mdia surgem alguns elementos mais prximos aos

caracteres contemporneos, na relao entre os monarcas e os conselhos compostos por

nobres e sacerdotes europeus, as chamadas crias rgias8. Tal perodo marcado pelo

fracionamento do poder real e pela aliana entre prncipes e grandes proprietrios de

terra.Os vnculos entre monarca e senhores feudais eram marcados por pactos de

lealdade e ajuda recproca. Os reis eram sustentados pelas receitas dominiais das

prprias terras e tambm por suave tributao9.Quando surgia uma necessidade

extraordinria, o monarca submetia pedido de aumento de tributos aos vassalos, que se

reuniam em assembleias para decidir sobre a majorao. Tais reunies com o tempo

passaram a deixar de ser espordicas,tornando-se peridicas. No difcil imaginar que

a cada novo pedido se torna menos provvel o apoio dos sditos demanda real. 10

5 ORAMENTO (Origens Histricas). In:SANCHES, Osvaldo Maldonado. Novo Dicionrio de Oramento e reas Afins. Braslia: OMS, 2013, p. 262-263.

6SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho: Introduccin al Derecho Financiero de nuestro tiempo. Madri: Instituto de Estudios Polticos, 1955, p. 131-179.

7 Ibid., p. 168. 8BALEEIRO, Aliomar. Uma introduo cincia das Finanas. 15. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997,

p. 413. 9Ibid., p. 412-413. 10Ibid., p. 413.

12

O poder tributrio dos monarcas passaria, ento, a serlimitadopelas

assembleias representativas peridicas, as crias rgias, onde os prprios contribuintes

deveriam concordar com a cobrana de algumas espcies de tributos11.Assim,

domutuo apoio entre reis e senhores feudais que surge a limitao criao de tributos

exercida pelos conselhos dos sditos12. Fernando Sainz de Bujanda exemplifica tal

relao com trecho de um documento de 31 de maro de 1091 no qual o monarca

espanhol Alfonso VI se dirige ao bispo de Len, ao conde Martino Fliniz e a todos

leoneses para notificar-lhes da imposio de um tributo extraordinrio. Odocumento

deixa explcito aos cidados-leitores queaquela imposio fora criada com o

consentimento da prpria vontade dos sditos, aqueles que haveriam de cumpri-la.13

Tal assentimento no ficou limitado Europa continental. Segundo

Aliomar Baleeiro, mesmo antes da invaso normanda de 1066, nenhum rei saxo

instituiu tributo ou servio militar sem a concordncia dos sditos14.O rei que tentou

burlar a regrado consentimento foi quem entrou para a histria. Depois de sucessivos

fracassos polticos e com o poder seriamente ameaado aps desastrosa tentativa de

invaso Frana, o rei Joo Sem Terra foi obrigado pelos senhores de terra a assinar em

junho de 1215 a Magna Carta. A figura 1 exemplifica o cerco e o carter de

imposiodos bares ao monarca pela assinatura do famoso documento. A Magna

Carta, portanto, buscava evitar que o rei cometesse novos abusos, reforando ainda mais

o fracionamento do poder e a limitao do alcance da imposio tributria, como fica

claro nesse trechode seu artigo 12:

No scutage or aid shall be imposed in the Kingdom unless by the common council of the realm, except for the purpose of ransoming the Kings person, making his first-born son a Knight, and marrying his eldest daughter once, and the aids for this purpose shall be reasonable in amount 15

11SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho: Introduccin al Derecho Financiero de nuestro tiempo. Madri: Instituto de Estudios Polticos, 1955, p. 219-220.

12BALEEIRO, Aliomar. Uma introduo cincia das Finanas. 15. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 413.

13SAINZ DE BUJANDA, op. cit., p. 232-233. 14BALEEIRO, op. cit., p. 415. 15 Nenhum tributo ou subsdio ser institudo no Reino, a no ser pelo conselho da Realeza, apenas para

o propsito do resgate do rei, sagrar seu primognito cavaleiro ou dote de casamento da sua filha mais velha, e os subsdios devam ser de valor razovel. (traduo).BURKHEAD, Jesse. Government Budgeting. Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1956, p. 3.

13

Figura 1 - Joo Sem Terra assinando a Magna Carta, cercado pelos sditos. 16

Apesar das limitaes tributao j datarem mais de cem anos na

pennsula ibrica quando a Magna Carta foi redigida, o artigo 12 citado que foi eleito

por grande parte dos estudiosos quando se fala nas origens do Oramento Pblico.

Tanto na Espanha quanto na Inglaterra j havia uma assembleia temporria a limitar o

poder do monarca,ainda sem o clssico conceito de separao de poderes que se

consagraria na Idade Moderna17.No nasceu do dia para a noite, como deixa claroo

espanhol EusebioGonzlez Garca ao afirmar sobre esses antecedentes histricos do

Oramento Pblico: Esafirmacincomn que delderecho a votar

losimpuestosnaceelPresupuesto [...]. Pero sta es una verdad a medias. Del derecho a

votar los impuestos va naciendo el Presupuesto 18

Assim, na baixa Idade Mdia a preocupao dos bares era

voltadapara sua defesa contraa criao e a majorao dos tributos pelos monarcas,

afirmando-se a figura do imposto consentido. O objetivo era frear o mpeto dos

prncipes e preservar o patrimnio prprio de cada senhor. Ou seja, havia uma

preocupao apenas com o lado das receitas, sem muito se ocuparemcom o que os

monarcas fariam com aqueles recursos.Eusbio Gonzlez Garca,ao descrever as

16 Imagem Disponvel em:. Acesso em 20 mai. 2014.

17BALEEIRO, Aliomar. Uma introduo cincia das Finanas. 15. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 413-414.

18GONZLEZ GARCA, Eusebio. Introduccin al Derecho Presupuestario: Concepto, evolucin histrica y naturaleza jurdica. Madri: Editorial de Derecho Financiero, 1973, p. 75-76.

http://cafecomexpressao.blogspot.com.br/2013/03/estudos-em-shakespeare-dramas.htmlhttp://cafecomexpressao.blogspot.com.br/2013/03/estudos-em-shakespeare-dramas.html

14

Fazendas Reais da baixa Idade Mdia, refora o carter pessoal das preocupaes dos

senhores que buscavam a tutelar os prprios interesses frente aos excessos dos

monarcas. At porque, como afirma o autor,no havia naquele perodo o controle

popular nos moldes atuais. 19

Astransformaes polticas nos temposseguintesat o fim do sculo

XVII tomam rumos opostos na Europa Continental e na Inglaterra, ficando aquela

relegada ao absolutismo e centralizao do poder em contraposio posio

fortalecida do parlamento britnico. Utilizando a Frana e a Espanha como exemplo da

administrao fazendria na Europa Continental, Gonzlez Garcaafirma que faltavam

aosdocumentos oramentrios do perodo um vnculo que obrigasse aos gestores a no

gastar mais e nem de forma diversa do que foraespecificado. 20O gestor do Tesouro

daqueles tempos tinha ampla liberdade na execuo dos dispndios.

Segundo o autor, o processo de formao do Oramento

moderno21tem seu pice na Inglaterra no sculo XVII. nesse momento que surge o

vnculo necessrio para nortear a atuao dos gestores do Tesouro Pblico. So dois

passos fundamentais. O primeiro o pedido de autorizao da despesa de 250.000 libras

enviado em 1665 por Sir George Downing Cmara dos Comuns com uma clusula

para que fosseexclusivamente gasto na Guerra contra a Holanda. Estava afirmada a

correspondncia dos recursos aos fins propostos, a clusula de apropriao. A partir

desse mesmo ano tambm o rei passou a apresentar anualmente estimativas concretas

das receitas e despesas. E culmina com o segundo passo que o expresso

reconhecimento dessa obrigaono texto da Bill ofRights de 1689. 22

1.2 BREVE EVOLUO HISTRICA DO ORAMENTO PBLICO NO BRASIL

1.2.1 BRASIL IMPRIO E REPBLICA VELHA

19GONZLEZ GARCA, Eusebio. Introduccin al Derecho Presupuestario: Concepto, evolucin histrica y naturaleza jurdica. Madri: Editorial de DerechoFinanciero, 1973, p. 102.

20 Ibid., p. 75 e 113. 21 SANCHES defende que o Oramento Moderno surge apenas no sculo XX com a nfase na eficincia

do keynesianismo e do Oramento de Desempenho. SANCHES, Osvaldo Maldonado. Novo Dicionrio de Oramento e reas Afins. Braslia: OMS, 2013, p. 266.

22 GONZLEZ GARCA, op. cit., p. 115.

15

Segundo Aliomar Baleeiro, o primeiro oramento pblico brasileiro

foi elaborado em 1830 para o exerccio de 1831-1832 sob a gide da Constituio de

1824. At a proclamao da Independncia, as finanas estatais eram tratadas de forma

superficial, utilizando-se de meras previses de ingressos e gastos, prximas aos

quadros oramentrios e estimativas absolutistas. 23

O inovador artigo 172 da Constituio de 1824 assim preconizava:

O ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros ministros os oramentos relativos s despesas das suas reparties, apresentar na Cmara dos Deputados anualmente, logo que esta estiver reunida, um balano geral da receita e da despesa do Tesouro Nacional do ano antecedente, e igualmente o oramento geral de todas as despesas pblicas do ano futuro e da importncia de todas as contribuies e receitas pblicas. 24

Examinando o preceito constitucional, possvel verificar algumas

caractersticas determinantes25:

1) A iniciativa da elaborao da proposta da Lei Oramentria cabia

ao Poder Executivo, aps a consolidao dos oramentos parciais dos demais

ministrios;

2) Apesar do oramento ser apresentado na Cmara dos Deputados,

sua aprovao se daria na Assembleia Geral composta pela Cmara e pelo Senado

nos termos do art. 15, X da Constituio de 1824;

3) Cabia Cmara dos Deputados a iniciativa das leis que versassem

sobre impostos, nos termos do art. 36, I da Carta Magna de 1824.

Portanto, contrapondo-se ao poder moderador apresentado pela Lei

Mxima do Imprio, introduz-se no Brasil um procedimento para autorizao das

receitas e fixao das despesas pelo Legislativo. A pea oramentria, que nos tempos

coloniais era apenas um quadro estatstico nos moldes absolutistas, nos novos termos

imperiais passa a permitir o controle pelo Poder Legislativo sobre o Tesouro estatal.

Tal sistema vigorou at a proclamao da Constituio da Repblica

em 1891. As principais alteraes apresentadas sob a vigncia desta Carta Magna

foram:26

1) O Oramento passava a ser competncia privativa do Congresso

23BALEEIRO, Aliomar. Uma introduo cincia das Finanas. 15. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 417.

24 BRASIL. Constituio Poltica do Imprio do Brazil, de 25 de maro de 1824, 1824. 25GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas,

2009, p. 41. 26Ibid., loc. cit.

16

Nacional, nos termos do art. 34, 1 da Carta de 1891;

2) A criao do Tribunal de Contas, rgo que deveria prestar o

controle prvio das contas nacionais antes de serem prestadas ao Congresso, nos termos

do art. 89;

3) A edio do Cdigo de Contabilidade de 1922. Aprimorou regras

contbeis e procedimentos oramentrios. Atribuiu Cmara dos Deputados a iniciativa

em matria oramentria, com o Executivo enviando uma proposta at 31 de maio do

ano anterior que serviria de base iniciativa da lei oramentria. 27

1.2.2 AS MUDANAS DA ERA VARGAS

A primeira constituio da Era Vargas j demonstrava uma guinada

para a centralizao do poder em torno do governo federal. Parte das competncias do

Poder Legislativo foi desviada para o Executivo. Isso ocorreu tambm em relao

pea oramentria, que teve maior destaque na nova Carta Magna, ensejando uma

seo prpria. Dessa forma, as principais caractersticas da Constituio de 1934 em

matria oramentria foram:

1) O Oramento continuou a ser competncia privativa do

Congresso Nacional, conforme o art. 39, 2 da Constituio de 1934;

2) Retornava ao Poder Executivo a atribuio de elaborar a proposta

oramentria, nos termos do artigo 50, 1;

3) No havia limitao ao poder de emenda por parte dos

legisladores, numa forma de coparticipao do Executivo e Legislativo na elaborao da

pea oramentria 28;

4) Uma novidade: a aplicao de, no mnimo, vinte por cento da

renda dos impostos na manuteno e desenvolvimento dos sistemas educativos, pelas

trs esferas de governo, nos termos do art. 156.

Entretanto, a centralizao de 1934 era apenas um mero desvio de

rumo quando comparado concentrao de poderes introduzidos pelo Estado Novo.

Uma Constituio, mais do que a lei mxima a regular uma nao, reflexo dos valores

adotados por um Estado. No toa, a Carta de 1937 representava o golpe e o momento

27GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas, 2009, p. 42.

28Ibid., p. 43.

17

autoritrio ento vigente no pas. Seus elementos principais foram modificados e

recrudescidos, espelhando o momento poltico nacional.Como exemplo, Arizio de

Viana afirma que:

[...] a Constituio de 1937 no empregava a expresso Poder Executivo. Substituiu-a pela expresso Presidente da Repblica que, absolutamente, no equivale antiga concepo de mero representante de um dos trs clssicos poderes. O Presidente da Repblica, consoante o disposto no art. 73 daquela Constituio: a suprema autoridade do Estado, que [...] promove ou orienta a poltica legislativa de interesse nacional e superintende a administrao do pas. 29

Era bvio que o Oramento e suas regras tambm seriam adequados

ditadura. Portanto, os aspectos mais relevantes do Oramento na Carta de 1937 foram:

1) Criao do Departamento Administrativo do Servio Pblico

DASP,ligado Presidncia da Repblica que deveria elaborar a proposta oramentria e

fiscalizar a execuo do mesmo, nos termos dos art. 67 a 69 da Constituio de 1937;

2) O Oramento seria votado pelas duas cmaras legislativas,

Cmara dos Deputados e Conselho Federal, nos moldes do art. 71. As duas casas nunca

foram instaladas e assim o Presidente da Repblica elaborava e decretava o

oramento30;

3) Se o Legislativo alterasse a proposta do DASP, o Presidente

poderia descartar as dotaes aprovadas pelo Parlamento, consoantedisposto no art. 69,

2. Como o Congresso estava fechado, tal dispositivo nunca foi utilizado;

4) ALei Mxima de 1937 deixou de prever como crime de

responsabilidade do Presidente a hiptese de violao da lei oramentria.

Um evidente objetivo desta Constituio era o controle poltico do

Parlamento.Entretanto, como as Cmaras no chegaram a ser implantadas, no havia

o que ser controlado, deixando nas mosdo Presidente da Repblica o poder total

sobre o Oramento Pblico.

Com o fim do Estado Novo, foi promulgada uma nova Constituio

em 1946. A nova Carta retornou boa parte das medidas da Lei Magna de 1934, assim

como o modelo do processo oramentrio misto de outrora: o Executivo voltava a

elaborar o projeto de lei oramentria; o Legislativo o discutia, emendava se fosse o

29VIANA, Arizio de. OramentoBrasileiro. 2. Ed. Rio de Janeiro: Financeiras,1950, p. 77-78. 30GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas,

2009, p. 43.

18

caso e aprovava31. Voltavam a ser tipificados como crime de responsabilidade os atos

do Presidente da Repblica que atentassem contra a lei oramentria, conforme

disposto no art. 89, VI. Retornava tambm o Tribunal de Contas, com atribuies

mais claras, prximo ao modelo atual. 32

A novidade da Carta de 1946 so as razes do planejamento

oramentrio. Em sua vigncia foram editados o Plano SALTE (1946-1951) e o

famoso Plano de Metas de JK (1956-1961). Segundo Francisco Rocha, a existncia

de mecanismos de planejamento foi uma caracterstica marcante desta Constituio,

consoante se pode verificar pela adoo de planos setoriais e regionais, com reflexos

no oramento, ao estabelecer vinculaes com a receita 33, conforme pode ser visto

nos artigos 198 e 199, que destinavam recursos obrigatrios mnimos aos planos de

aes. Na mesma linha de atuao, foi criado em 1962 o cargo de ministro

extraordinrio do planejamento, inicialmente ocupada por Celso Furtado. 34

Outro detalhe que no pode passar sem anotao a aprovao da

Lei 4.320 de 1964, que instituiu normas gerais de direito financeiro e de elaborao

do oramento. Alinhada ao processo de planejamento, modernizou as tcnicas

utilizadas e introduziu no pas o conceito de oramento-programa, reforando o papel

das dotaes oramentrias como instrumento de promoo dos planos e polticas

estatais.35

1.2.3 O ORAMENTO NA DITADURA MILITAR

Com o Golpe Militar de 1964, volta-se a centralizar o controle e a

execuo do Oramento no Poder Executivo, primeiro por meio do art. 1 do Decreto

53.914 de 11/05/1964 que atribuiu essa funo ao Ministro de Estado Extraordinrio

para o Planejamento e Coordenao Econmica, e mais tarde pelo novo texto

constitucional.

Golpe dado, texto trocado. Mais uma vez. So essas as principais

mudanas no tocante ao oramento em 1967:

31Ibid., p. 44. 32GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas,

2009, p. 44. 33ROCHA, Francisco Srgio Silva. Oramento e Planejamento: A relao de necessidade entre as normas

do sistema oramentrio. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.730.

34 Ibid., p. 731. 35OLIVEIRA, Regis Fernandes de.Curso de Direito Financeiro. 3. Ed. ampliada, revista e atualizada.

So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 330.

19

1) Retirada do Poder Legislativo da possibilidade de aumentar as

despesas por meio de emendas, conforme art. 67, 1;36

2) Insero do princpio da no vinculao das receitas de tributos a

determinado rgo, fundo ou despesa, nos termos do art. 65, 3;

3) Imposio de um equilbrio oramentrio, ou seja, as despesas

no poderiam ultrapassar as receitas, como estavaprevistono art. 66 e tendo algumas

excees dispostas no art. 64, 2.

4) Uma volta aos tempos de Vargas e Carta de 1937 era o retorno

da possibilidade do Executivo promulgar diretamente a proposta oramentria, se no

fosse aprovada pelo Congresso no prazo de quatro meses, conforme disposto no art. 68.

Portanto, o Poder Legislativo foi relegado ao papel de um simples

carimbador de oramento, sem ter como emendar e ainda com prazo restrito para

discutir e aprovar a lei oramentria.Neste mesmo sentido afirma Adilson Dallari:

[...] o Legislativo no tinha qualquer participao. O chefe do Executivo decidia livremente sobre prioridades e aes governamentais, abrindo ensejo para a mais deslavada corrupo, especialmente no campo das obras pblicas, pois a aplicao dos recursos pblicos era ditada pelos interesses pessoais, econmicos ou polticos do chefe do Executivo. 37

Essa falta de dilogo entre os poderes, entretanto, no significava

ausncia de planejamento. Pelo contrrio. Normas posteriores instituram novos

instrumentos do planejamento integrados ao sistema oramentrio, como o Plano

Nacional de Desenvolvimento e o Oramento Plurianual de desenvolvimento. O

primeiro definia as diretrizes gerais e os planos nos mbitos global e regional. J o

segundo mecanismo, trienal, fazia a ligao entre o PND e o oramento anual. O

objetivo desse sistema oramentrio era permitir a execuo do estabelecido no

planejamento estatal. 38 Ainda que talplanono passasse pelo crivo do Poder

Legislativo ou da participao popular.

36GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas, 2009, p. 44.

37DALLARI, Adilson Abreu. Oramento Impositivo. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.311.

38ROCHA, Francisco Srgio Silva. Oramento e Planejamento: A relao de necessidade entre as normas do sistema oramentrio. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando Facuri (coords.), Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.734-735.

20

1.2.4 O ORAMENTO NA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E NA CONSTITUIO DE 1988

Com o fim da ditadura militar, houve a convocao de uma nova

Assembleia Constituinte. A participao popular e o anseio pela retirada qualquer

resqucio autoritrio marcaram a construo da nova Lei Magna. No toa, foi

batizada como Constituio Cidad.

Por outro lado, Antnio Srgio Carvalho da Rocha cita um temor

dos membros da Constituinte de que a retomada da participao do Legislativo

pudesseter um impacto negativo na coerncia e na eficincia daspolticas

governamentais39. Essa autoimagem do Congresso fora formada no perodo

autoritrio, quando era divulgado que o Legislativo dos tempos pr-ditadura era um

engenho de inflao40. O autor ressalta tambm que a discusso sobre o tema

oramentrio ficou restrita quase exclusivamente a um pequeno grupo de

parlamentares: Csar Maia (PDT-RJ), Jos Jorge (PFL-PE), Jos Serra (PMDB-SP) e

o ento futuro Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP). 41

O anteprojeto da Comisso de Finanas presidida por Jos Alves

(PFL-BA) e relatada por Jos Luiz Maia (PDS-PI) foi marcado por alguns

norteadores:

Trs foram os princpios gerais que comandaram os debates constituintes: a) a continuidade e concluso do processo de reunificao oramentria;42 b) o restabelecimento da capacidade de planejamento de mdio prazo na administrao pblica, mediante a criao de novos instrumentos oramentrios; c) a recuperao das prerrogativas do Poder Legislativo, na formulao e implementao do oramento pblico. 43

O anteprojeto da comisso foi pouqussimo alterado quando as

discusses passaram ao Plenrio da Assembleia. A maior divergncia se localizou no

que deveria acontecer se o Parlamento no aprovasse o projeto da LOA at o fim da

sesso legislativa: postergao da sesso ou o governo executando por meio de

decretos at a votao do projeto de lei. Esse mecanismo no foi aprovado em relao

39ROCHA, Antnio Srgio Carvalho. As Partes e o Todo: Congresso Nacional, Executivo e o Problema do Oramento no Brasil. Perspectivas. So Paulo, v. 34, jul./dez. 2008. Disponvel em: . Acesso em 23 mai. 2014, p. 58.

40 Ibid., p. 58. 41 Ibid., p. 64. 42 O oramento estava dividido em oramento fiscal, monetrio e da Previdncia Social. Ibid., p. 60-61. 43Ibid., p. 64.

21

LOA, ocorrendo a incidncia da postergao apenas no caso da LDO44. A outra

discusso mais acentuada foi sobre a incidncia das emendas parlamentares, se teriam

como o objeto apenas os investimentos ou tambm o custeio. Venceu no plenrio a

primeira opo. 45

Assim, a Constituio de 1988 manteve com o Executivo o poder de

iniciativa dos projetos de leis oramentrias. Foramtambm criados novos

instrumentos o plano plurianual e a lei de diretrizes oramentrias , reforando o

aspecto de planejamento estatal associado ao oramento. O PPA tem a funo de

estabelecer os objetivos e metas de longo prazo. J a LDO ao mesmo tempo

condicionada pelo PPA e traz as orientaes a serem seguidas pelo oramento anual.

Como j foi dito, a imagem do Legislativo estava manchada e o

anteprojeto trazia algumas limitaes ao dos congressistas em relao ao

oramento. Boa parte dessas restries permaneceu no texto final. A nvel macro, as

emendas dos parlamentares s poderiam ser apresentadas se respeitassem as linhas

gerais das leis superiores, PPA e LDO46.No nvel micro, foram restringidos no s os

objetos das emendas, os investimentos pblicos, como tambmficaram limitadas as

fontes de recursos47, conforme disposto no art. 166, 3 48.

Outras mudanas a respeito do processo legislativo oramentrio

presentes na Carta Magna:

1) A iniciativa das leis oramentrias vinculada, ou seja, o Poder

Executivo est obrigado a encaminh-las ao Congresso Nacional dentro dos prazos

previstos no texto constitucional, conforme disposto no art. 166, 6;

2) Uma vez iniciado o processo de votao, o Poder Executivo perde

o poder de propor modificaes, segundo texto do art. 166, 5;

44ROCHA, Antnio Srgio Carvalho. As Partes e o Todo: Congresso Nacional, Executivo e o Problema do Oramento no Brasil. Perspectivas. So Paulo, v. 34, jul./dez. 2008. Disponvel em: . Acesso em 23 mai. 2014, p. 64-66.

45 Ibid., p. 67. 46 Ibid., p. 66-67. 47 Ibid., p. 67. 48Art. 166, 3 - As emendas ao projeto de lei do oramento anual ou aos projetos que o modifiquem

somente podem ser aprovadas caso: I - sejam compatveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes oramentrias; II - indiquem os recursos necessrios, admitidos apenas os provenientes de anulao de despesa, excludas as que incidam sobre: a) dotaes para pessoal e seus encargos; b) servio da dvida; c) transferncias tributrias constitucionais para Estados, Municpios e Distrito Federal.BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, 1988

22

3) Continua o princpio do equilbrio oramentrio. As emendas

devem indicar os recursos necessrios, com algumas excees, conforme disposto no

art. 166, 3, II.

A Constituio tambm previu a edio de uma lei complementar

destinada a regular a elaborao e o controle oramentrio. Como tal texto ainda no

foi editado, segue em vigor a lei 4.320 de 1964. J no que se refere s normas gerais de

finanas pblicas, a lei complementar prevista no texto constitucional nos artigos 163,

I e 165, 9 foi editada. a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, LC 101 de 2000,

voltada gesto responsvel dos recursos pblicos.

No que tange aos planos de Governo,fica claro que a Constituio de

1988 reforou o ciclo oramentrio e sua ligao com o planejamento estatal. E com a

participao popular em alta, era evidente que o Poder Legislativo deveria participar

da confeco no s da lei oramentria anual, mas tambm da LDO e do PPA.

Francisco Rocha relembra as audincias pblicas da Assembleia Constituinte e destaca

a participao do ex-ministro de Fazenda e Planejamento Mario Henrique Simonsen,

quedestacou a existncia de quase um consenso nacional no sentido de que o

Oramento o veculo pelo qual o plano do Governo se transforma de livro em ao

concreta. (grifo nosso)49. E Rocha continua:

A objetividade prtica do plano se realiza por meio do oramento, o anual ou os oramentos plurianuais de investimentos. neste momento que planejamento sai do livro para se transformar em realidade. Os planos oramentrios devem ser objeto de um processo legislativo, em que a sociedade possa, por meio de seus representantes, efetuar a deliberao poltica sobre os rumos do Estado. 50

Dessa forma, o oramento mais que um quadro de estimativas.

instrumento de efetivao do plano, no apenas de governo, mas de Estado. Pois

quando o poder legislativo interage com o Executivo, modificando e discutindo o

planejamento efetivado por meio das leis oramentrias e d sua aprovao, esse

instrumento legitimado e ultrapassa os limites de um governo e passa a representar as

polticas pblicas, as tarefas e orientaes reservadas atuao de todo o Estado. As

dotaes oramentrias so, portanto, a concretizao das escolhas do planejamento

estatal. A no-satisfaodessas rubricas culmina com o descumprimento dos planos

49ROCHA, Francisco Srgio Silva. Oramento e Planejamento: A relao de necessidade entre as normas do sistema oramentrio. In: SCAFF, Fernando Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.738.

50Ibid., loc. cit.

23

pblicos.

nesse contexto que segue a dvida:devem essas verbas

oramentrias ser plenamente atendidas? O plano de ao do governo tem de ser

seguido a risca? As dotaes so apenas tetos de gastos ou revelam uma despesa que

deve ser plenamente executada. Melhor explicando, seria o oramento apenas

autorizativo ou j estaria em vigor o chamado oramento impositivo? Como outros

Estados tratam desse problema? Como funciona o relacionamento entre os Poderes

Executivo e Legislativo no que se refere matria oramentria?

Portanto, o descumprimento dos ditames das leis oramentrias

nacionais, em especial aps a ConstituioFederal de 1988, significa deixar de seguir o

plano de ao governamental. Antes de se aprofundar no contexto brasileiro, a prxima

seo trar alguns exemplos dos sistemas oramentrios estrangeiros para ajudar na

comparao com o modelo nacional.

1.3 O ORAMENTO NO DIREITO COMPARADO

A Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico

(OCDE) uma organizao criada na dcada de 60, com 34 pases membros51, voltada

para o desenvolvimento e aprimoramento de polticas econmicas e sociais 52.Possui

extenso material acerca dos sistemas Oramentrios em seu website disponibilizando

vrios textos e anlises sobre o tema.53

A OCDE mantm tambm um banco de dados que resultado de

pesquisa realizada nos anos de 2007 e 2008 junto a 97Estados, incluindo os pases

membros e outros convidados espalhados por todo o mundo. Os dados foram

compilados com mais de 99 questes acerca dos procedimentos oramentrios e

prticas de gerenciamento financeiros nacionais. 54

51 Com a adeso de Chile, Eslovnia, Israel e Estnia em 2010, os 30 membros citados por SANCHES passaram a ser 34. OECD.Members and Partners.Disponvel em:. Acesso em: 20 mai. 2014.

52 ORGANIZAO PARA COOPERAO E DESENVOLVIMENTO ECONMICO (OCDE). In: SANCHES, Osvaldo Maldonado. Novo Dicionrio de Oramentoe r e a s A f i n s .Braslia: OMS,2013, p. 272.

53 OECD. Budgeting and public expenditures. Disponvel em: . Acesso em: 20 mai. 2014.

54OECD.International Budget Practices and Procedures Database.2007/2008. Disponvel em:. Acesso em: 20 mai. 2014.

24

Com o intuito de basear esta pesquisa com dados relevantes, a

anlise das informaes ser concentrada na relao entre os Poderes Executivo e

Legislativo e o escopo das estatsticas e grficosser limitado aos 30 pases da OCDE

pesquisados.

O ciclo oramentrio padro descrito no Estudo da OCDE est

apresentado na Figura 2. Nesse modelo, os Poderes Executivo e Legislativo dividem as

tarefas principais relacionadas a essa matria. De forma bem simplificada, aps o

Governo preparar a proposta oramentria, o Parlamento a discute e a aprova. Na

prxima iterao, o Executivo concretiza o oramento e o Legislativo controla a

implementao com o auxlio de uma auditoria externa. De modo resumido, essa

figura descreve o sistema oramentrio adotado por praticamente todos os pases da

OCDE, cada um com suas peculiaridades. 55

Figura 2 - Ciclo Oramentrio padro.56

A similitude dos ciclos oramentrios contrasta com a diferenciao

da estrutura de como so instauradas as leis de Oramento. A Figura 3 apresenta os

modelos bsicos de arcabouo legal dos diversos sistemas oramentrios. A grande

maioria dos pases da OCDE possui uma Constituio escrita que subordina as demais

normas oramentrias. So os pases de tradio romano-germnica, que adotam o

55OECD Journal on Budgeting.Special Issue.The Legal Framework for Budget Systems.AnInternationalComparison. Vol. 4, n. 3, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 20 mai. 2014, p. 25-27.

56Ibid., p. 26.

25

modelo da civil law. As Constituies escritas dessas naes definem os papis dos

trs poderes, da auditoria externa, e como os atores e as normas oramentrias iro se

relacionar. Definem tambm quais so as restries aplicveis s mudanas de seu

texto, o que d maior estabilidade s regras insertas no texto constitucional. 57

J um nmero pequeno de Estados membros da OCDE tal qual

Canad, Nova Zelndia e Reino Unido , pases de tradio inglesa que seguem o

modelo da common law, no possuem uma Constituio escrita e tm vrios estatutos

legais que instituem o sistema oramentrio58.Nesses Estados no h uma clara

distino entre Legislativo e Executivo, justamente pela falta do preceito maior que

diferencie tais papis. No Reino Unido, por exemplo, h uma concentrao de poderes

no primeiro-ministro, sendo alguns deles derivados de regras consuetudinrias. Como

no h um texto escrito, fcil introduzir regras com valores constitucionais quando

assim o quer o Executivo. J as regras e princpios oramentrios esto ento definidos

em estatutos.59

Figura 3 - Estrutura Legal dos diversos sistemas oramentrios dos pases da OCDE. 60

Dentre os pases do grupo com texto constitucional, algumas Cartas

Magnas preceituam uma lei diferenciadapara regular o oramento. As chamadas leis

57OECD Journal on Budgeting.Special Issue.The Legal Framework for Budget Systems.AnInternationalComparison. Vol. 4, n. 3, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 20 mai. 2014, p. 34-37.

58Ibid., p. 30 e 34. 59Ibid., p. 36-37. 60Ibid., p. 28.

26

orgnicas disciplinam a elaborao e execuo oramentria, especificando

procedimentos, datas e metas. Normalmente as leis orgnicas possuem um qurum

diferenciado de aprovao, assim como as leis complementares nacionais61. O

Brasiltem apreviso de uma lei orgnica de oramento no artigo 165, 9 da

Constituio Federal, ainda no editada. Enquanto o texto no criado, as matrias

dessa futura lei orgnica se encontram dispersas em 3 dispositivos legais: Lei de

Responsabilidade Fiscal, lei complementar 101 de 2000; Lei 4.320 de 1964, lei

ordinria recepcionada pela Constituio de 1988 como lei complementar; e LDO, a

Lei de Diretrizes Oramentrias62.Portanto,o Brasilse situa no primeiro grupo junto a

Frana e Espanha dentro das categoriasda Figura 3.

A pesquisa da OCDE aponta um outro detalhe: quanto maior o grau

de separao entre os poderes, maior a necessidade de se explicitar as regras e papeis

do sistema oramentrio nas leis primrias Constituio e lei orgnica de oramento.

O grfico apresentado na figura 4 explicita tal situao.

Figura 4 - Separao de poderes e a necessidade de adoo de leis reguladoras do sistema oramentrio63

61OECD.Budget Practices and Procedures Database.Phase II. Final Glossary. 2006. Disponvel em:. Acesso em: 21 mai. 2014, p. 5.

62FAINBOIM, Israel; LIENERT, Ian.Reforming Budget System Laws.InternationalMonetary Fund. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 21 mai. 2014, p. 5.

63OECD Journal on Budgeting.Special Issue.The Legal Framework for Budget Systems.AnInternationalComparison. Vol. 4, n. 3, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 21 mai. 2014, p. 51.

27

A Tabela 1 apresenta as diferenas dos papis reservados aos poderes

Executivo e Legislativo em exemplos de pases onde h um Legislativo dominado pelo

Executivo, Reino Unido, e outro com uma separao bem clara e extrema

independncia, Estados Unidos.

Tabela 1- Diferenas das atribuies dosPoderes Executivo e Legislativo no Reino Unido e nos Estados Unidos 64

Reino Unido Estados Unidos Sistema Legal Common Law Civil Law Forma de Governo Monarquia Parlamentarista Presidencialismo Poder Legislativo Bicameral Bicameral Executivo Preparao do Oramento Anual

O Tesouro da Rainha prepara o oramento anual segundo decises do governo orientadas pela conjuntura fiscal. Os dados fiscais no sero confrontados pelo Parlamento.

O rgo central do sistema de oramento, Office of Management and Budget, prepara uma proposta detalhada. O Executivo prope uma estratgia fiscal de mdio prazo. O Congresso tem poderes ilimitados para alterar e adotar outra estratgia.

O Executivo prope o Oramento ao Parlamento

O Chanceler do Exchequer explica as principais decises acerca do Oramento enviado ao Parlamento.

O Presidente apresenta a proposta que servir de base ao verdadeiro Oramento que ser feito pelo Legislativo.

Legislativo Discusso do Oramento em Comisses

Sim, mas apenas na Cmara Baixa. Poucas comisses tem interesse na discusso do oramento, em virtude da baixa possibilidade de mudanas substanciais.

Sim, h comisses de oramento nas duas casas que,primeiramente, elaboram uma resoluo que pode propor agregados fiscais diversos dos enviados pelo Executivo. Posteriormente, as subcomisses podem alterar as programaes oramentrias das reas respectivas. 65

O Legislativo aprova o Oramento em forma de Lei

Sim, mas apenas como uma mera formalidade, pois o seu contedo no debatido quando o oramento transformado formalmente em lei.

Sim, as despesas discricionrias so objeto de 13 leis de alocao de recursos, appropriationbills, que cobrem cerca de um tero do total das despesas federais. J os gastos obrigatrios aprovados sero objeto de outras leis.

H diferentes estratgias entre os pases acerca do que o Poder

Legislativo pode fazer com o Oramento. Segundo pesquisa da OCDE sobre o

Oramento, 30% dos pases observados - dentre eles Frana, Espanha e Estados Unidos

64 Traduo livre da tabela original com adaptaes. OECD Journal on Budgeting.Special Issue.The Legal Framework for Budget Systems.An International Comparison.Vol. 4, n. 3, 2004.Disponvel em: . Acesso em: 21 mai. 2014, p. 50.

65 BUDGET COMITTEES In: SANCHES, Osvaldo Maldonado. Novo Dicionrio de Oramentoe r e a s A f i n s .Braslia: OMS,201, p. 53-54.

28

- primeiro votam o total do oramento antes de discutir as alocaes especficas66. Outra

diferenciao se encontra na amplitude dos poderes de emenda reservados ao

Legislativo. Enquanto na maioria dos pases da OCDE as emendas no possuem

restries, exemplo dos Estados Unidos e dos pases nrdicos, em outras naes h

limitaes ao alcance dessa prerrogativa. No segundo grupo, casos de Turquia e

Espanha o Brasil tambm se encaixa aqui , as emendas no podem aumentar o dficit

e alterar o resultado financeiro proposto pelo Executivo. Assim, para se aumentar uma

despesa deve haver um crescimento da receita correspondente. J num terceiro grupo, a

que pertencem Coria e Japo, no pode haver itens novos e nem aumento das despesas.

E por ltimo, esto aquelas naes onde no so permitidas emendas, ou seja, o

oramento deve ser aprovado ou rejeitado como um todo. Entre estas esto Austrlia,

Irlanda e Nova Zelndia. O grfico 1 apresenta a composio desses grupos na OCDE. 6768

Grfico 1 - Alcance das Emendas Parlamentares nos pasesda OCDE69

J quanto capacidade de alterar o oramento aprovado pelo

Legislativo, uma minoria no permite alterao sem que a proposta passe novamente

pelo devido processo oramentrio. Ou seja, apenas so possveis oramentos

suplementares, equivalentes aos crditos adicionais previstos na Constituio Brasileira.

66OECD.International Budget Practices and Procedures Database.2007/2008. Disponvel em: . Acesso em: 21 mai. 2014, Questo 37.

67 Ibid., Questo 40. 68OECD Journal on Budgeting.Special Issue.The Legal Framework for Budget

Systems.AnInternationalComparison. Vol. 4, n. 3, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 21 mai. 2014, p. 98.

69 OECD, op. cit., Questo 40.

53,33%

20,00%

16,67%

10,00%

Emendas sem restries

Emendas no podem modificar o dficit/supervit proposto pelo ExecutivoEmendas no podem criar e nem aumentar as despesas/receitas

Emendas no so permitidas. O oramento deve ser aprovado ou rejeitado como um todo.

29

Esse o caso do Japo, que no permite alteraes na lei aprovada pelo Legislativo.

Para que uma dotao oramentria seja modificada, necessrio que o Executivo envie

um oramento suplementar para o Diet o Parlamento japons com as alteraes das

dotaes previamente aprovadas70.Nesse rgido modelo japons, as revises

oramentrias so medidas extremas e pouco utilizadas. As situaes elegveis para esse

tipo de iniciativa extraordinria so emergncias e desastres naturais, alm da

implementao de novas polticas e transferncias de dotaes. 71 No toa, nos ltimos

dois anos fiscais anteriores pesquisa da OCDE, o executivo japons apresentou apenas

dois oramentos suplementares ao Diet, um em cada ano. No mesmo perodo a mdia da

OCDE foi de 2,25 oramentos suplementares anuais por pas. O que contrasta com os

mais de 20 crditos adicionais anuais enviados no mesmo perodo ao Parlamento

Brasileiro. 72

Na maioria dos pases, entretanto, possvel fazer essa modificao

sem enviar um oramento suplementar ao Legislativo para ser discutido. Nesse ponto se

concentram algumasdivergncias: o Executivo pode aumentar ou diminuir as despesas

aps o oramento ser aprovado pelo Parlamento? Caso seja possvel, h algum tipo de

restrio? O grfico2 ajuda a ilustrar as diferentes orientaes nos pases da OCDE. No

Japo, como j foi dito, e na Turquia no permitido ao Executivo modificar as

despesasaprovadas pelo Legislativo sem passar pelo crivo deste poder novamente73.O

governo nipnico, por exemplo, apenas em alguns casos especiais, como em desastres

naturais e crises econmicas, pode usar um fundo de contingncia74.

Tal situao contrasta com o Reino Unido e a Nova Zelndia onde no

h restries para o Governo gastarem quantidade diversa ao disposto na lei. Em ambos

os pases, necessria apenas aprovao a posteriori no caso de aumento de despesas,

uma espcie de voto de confiana do Parlamento pelos gastos acima do previsto75. J

naocorrncia de corte ou cancelamento de gastos, no h nenhuma obrigao imposta

70OECD Journal on Budgeting.Special Issue.The Legal Framework for Budget Systems.AnInternationalComparison. Vol. 4, n. 3, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 22 mai. 2014, p. 108.

71Ibid., loc. cit. 72OECD.International Budget Practices and Procedures Database.2007/2008. Disponvel em:

. Acesso em: 22 mai. 2014, Questo 58.

73 Ibid., Questo 51. 74 OECD JournalonBudgeting. Special Issue, op. cit., p. 274-275. 75 Ibid., p. 333-334 e 431.

30

aosgovernos neozelands e ingls, at porque as dotaes so meras autorizaes de

dispndio a nortear a atuao do Executivo.76

Grfico 2 - Possibilidade de aumentar/cortar despesas aprovadas pelo Parlamento77

A maioria dos pases, por outro lado, permite a alterao das dotaes,

mas impe constries s mudanas. possvel alterar as despesas, mas h regramentos

prprios que delimitam as condutas. Em geral, esses limites so impostos tanto aos

aumentos das despesas obrigatrias quanto das discricionrias, casos de Itlia e

Noruega. Outras naes restringem tambm o corte das despesas, como Estados Unidos

e Espanha, alm do prprio Brasil.78

As diferenas residem nos meios empregados para essa constrio.

Enquanto alguns pases apenas exigem autorizaoa priori dorgo central de

oramento, outros requerem aprovao legislativa prvia. o caso dos Estados Unidos

que desenvolveram um complexo mecanismo para a alterao das dotaes

oramentrias. Uma lei de 1974, o Budget andImpoundmentControlActestruturou o

sistema oramentrio nos moldes atuais, limitando os poderes de contingenciamento do

Executivo. Esse recurso vinha sendo usado de forma desvirtuada, com cunho poltico,

nos anos anteriores ao ato, em especial no governo Nixon: as programaes

76OECD Journal on Budgeting.Special Issue.The Legal Framework for Budget Systems.AnInternationalComparison. Vol. 4, n. 3, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 22 mai. 2014, p. 333 e 430-431.

77OECD.International Budget Practices and Procedures Database.2007/2008. Disponvel em: . Acesso em: 22 mai. 2014, Questes 51 e 52.

78 Ibid., Questo 52.

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

No Sim, com restries

Sim, sem restries

possvel o aumento das despesas obrigatrias

possvel o aumento das despesas discricionrias

possvel o corte ou cancelamento das despesas

31

oramentrias que fossem indicadas pelos oposicionistas eram contingenciadas. Da a

reao do Congresso americano que praticamente extinguiu esse mecanismo, deixando

o contingenciamento reservado a situaes especiais. A partir de ento, para que o

Executivo no execute total ou parcialmente uma alocao de despesa necessria

autorizao legislativa prvia. Portanto, as dotaes oramentrias passaram a ter

carter mandatrio. 7980

Os mecanismos introduzidos por esta lei foram osdeferrals e as

rescissions81. No primeiro caso ocorre a suspenso da autorizao de dispndio,

tornando as dotaes indisponveis por um perodo de tempo. O Presidente deve enviar

uma mensagem ao Congresso fundamentando o adiamento e especificando montante,

dotaes afetadas e a vigncia. A legislao americana limita as situaes que podem

dar causa a esse instituto, tais como enfrentar contingncias e aumentar a eficincia de

algumas operaes do governo e para atender a alguns outros casos especificados em

lei. O deferral ser aprovado pelo Congresso se no houver manifestao em contrrio

por meio de resoluo de qualquer uma das duas casas legislativas. 82

No caso da modificao de polticas pblicas, no permitido o uso

do deferral, situao em que deve ser utilizada a rescission, o cancelamento parcial ou

total da dotao oramentria. Tambm deve ser enviada uma mensagem presidencial

especificando e detalhando a proposta de cancelamento, que deve ser apreciada dentro

de 45 dias pelo Congresso. Ao contrrio do deferral, na rescission o silncio legislativo

implica rejeio da medida, com os recursos ficando novamente disponveis para a

execuo. Como j foi dito, este mecanismo pode sim ser usado na alterao de polticas

pblicas e tambm no implemento de diretivas fiscais.83

Ainda na linha da consecuo de polticas fiscais, foi criado um outro

mecanismo na dcada de 1990, o sequestration, destinado a assegurar o cumprimento de

metas de dficits fiscais e limites dos gastos discricionrios, alm de reduzir o impacto

financeiro da aprovao de leis que reduzissem receitas ou ampliassem despesas

diretas84. Por meio desse instituto, haveria cortes automticos de despesa, por iniciativa

do diretor do Office of Management and Budget, o rgo central do sistema de

79 BUDGET AND IMPOUNDEMNT ACT. In:SANCHES, Osvaldo Maldonado. Novo Dicionrio de OramentoereasAfins.Braslia: OMS,2013, p. 53.

80IMPOUNDEMNT.In:Ibid., p. 209. 81 ORAMENTO IMPOSITIVO. In:Ibid., p. 266. 82DEFERRAL.In:Ibid., p. 110. 83RESCISSION.In:Ibid., p. 348-349. 84SEQUESTRATION.In:Ibid., p. 361-362.

32

Oramento no poder Executivo americano. No h neste mecanismo, portanto, anuncia

ou aprovao do Parlamento. 85

Em concluso, como destaca Sanches, o modelo americano mesmo

permitindo alteraes, caracterizado como um oramento impositivo86. Dessa forma,

uma lei oramentria que siga tal modelo no implica dotaes estticas, rgidas a ponto

de no permitir nenhum tipo de alterao. Pelo contrrio, significam que os gestores

financeiros podem sim alterar o oramento, mas devem cumprir com tudo aquilo que

no foi alterado ou retirado do corpo legal. Implica proibio do descaso com o texto

legal e compromisso dos administradores com o plano governamental aprovado pelo

Legislativo.

Portanto, o problema do oramento impositivo no se encontra na sua

possibilidade de modificaes, mas sim na possibilidade do Executivo executar ou no

aquilo que permanece no texto oramentrio. Restringindo esse questionamento ao

territrio nacional, surge o questionamento: o Brasil j segue modelo semelhante? Ou

seja, o oramento nacional autorizativo ou impositivo? Para desvendar esses

questionamentos, nos prximos captulos ser discutido o atual modelo brasileiro de

oramento e as mudanas propostas em perodos recentes.

85OFFICE OF MANAGEMENT AND BUDGET.In:SANCHES, Osvaldo Maldonado. Novo Dicionrio de OramentoereasAfins.Braslia: OMS,2013, p. 258.

86 ORAMENTO IMPOSITIVO. In:Ibid., p. 266.

33

2 O SISTEMA ORAMENTRIO BRASILEIRO NA CONSTITUIO FEDERAL E AS PROPOSTAS DO ORAMENTO IMPOSITIVO

J foi visto no primeiro captulo desta monografia que a Constituio

Federal de 1988 deu grande destaque ao Oramento, que foi disciplinado em seo

prpria nos artigos 165 a 169. A principal novidade do tema na chamada Constituio-

Cidad foi a previso de sistema oramentrio composto por 3 diferentes normas em seu

art. 16587: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO) e a Lei

Oramentria Anual (LOA).

O pargrafo primeiro desse mesmo artigo delimita o contedo do PPA

que o estabelecimento de forma regionalizada88das diretrizes, objetivos e metas da

administrao pblica federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e

para as relativas aos programas de durao continuada 89.

Esclarecendo um pouco melhor este dispositivo, as despesas de capital

compreenderiam as subcategorias Investimentos, Inverses Financeiras e Transferncias

de Capital, segundo a classificao por categorias econmicas dispostas no art. 12 da

Lei 4.320 de 1964 90. Correspondem s obras, aquisies de mquinas e equipamentos,

concesses de emprstimos, aquisies de participaes acionrias, entre outros 91. J os

programas de durao continuada, segundo James Giacomoni, se referem quelas

dotaes finalsticas, de prestao de servios comunidade, excepcionadas as aes de

manuteno administrativa92.

O PPA tem durao quadrienal, iniciando sua vigncia no segundo

ano de um mandato presidencial e finalizando no primeiro exerccio do mandato

subsequente. , portanto, o instrumento do planejamento de longo prazo da

administrao federal. 93. Sobre a finalidade do PPA, afirma Adilson Abreu Dallari:

87 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecero: I o plano plurianual; II as diretrizes oramentrias; III os oramentos anuais. BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, 1988.

88 Todos os Planos Plurianuais institudos at hoje na esfera federal tm utilizado as cincos regies em que se divide tradicionalmente o pas. GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas, 2009, p. 216.

89 BRASIL, op. cit.: Art. 165, 1. 90Id. Lei 4.320, de 17 de maro de 1964, 1964. 91 DESPESAS DE CAPITAL.In:SANCHES, Osvaldo Maldonado. Novo Dicionrio de

OramentoereasAfins.Braslia: OMS,2013, p. 120. 92GIACOMONI, op. cit., p. 217. 93 Ibid., p. 207, 218.

34

O que se pretende , em sntese, vincular recursos para projetos a serem executados em prazo superior ao do exerccio financeiro anual e para programas de execuo continuada que devam continuar em execuo em tempo superior ao do exerccio financeiro subsequente de maneira a evitar interrupes e assegurar a continuidade daquelas aes estatais. Note-se: no se trata apenas de reservar recursos, indistintamente, mas sim de assegurar recurso para a continuidade de determinadas aes governamentais. 94

A LDO est prevista no segundo pargrafo do mesmo artigo 16595,

fazendo a integrao entre PPA e LOA. Seu texto orienta a elaborao do oramento,

destacando as prioridades e metas doplano plurianual a serem includas naquele

exerccio 96. Apresenta tambm anexos que demonstram a situao das contas pblicas,

apresentando os riscos inerentes ao contexto fiscal97. cada vez mais frequente,

segundo James Giacomoni, a insero na LDO de regras disciplinadoras da execuo

oramentria98, tal qual a previso das emendas parlamentares impositivas no art. 52 da

LDO 201499, que ser tratada em subseo adiante.

A terceira lei oramentria a LOA. Em seu corpo esto dispostas a

previso da receita e a fixao da despesa para um exerccio financeiro, conforme pode

ser desprendido do art. 165, 8 100. composta de trs peas: 101

1) Oramento Fiscal: abrange a administrao direta e parte da

indireta mantida pelo Poder Pblico. Inclui os rgos, as autarquias, as fundaes, alm

das empresas pblicas e sociedades de economia mista que no sejam

autossuficientes102. Deve estar compatibilizado com o PPA103;

2) Oramento de Investimento das Empresas: compreende a

utilizao dos recursos pblicos em investimentos daquelas empresas onde a Unio seja

94DALLARI, Adilson Abreu. Oramento Impositivo. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 313-314.

95Art. 165, 2. A lei de diretrizes oramentrias compreender as metas e prioridades da administrao pblica federal, incluindo as despesas de capital para o exerccio financeiro subseqente, orientar a elaborao da lei oramentria anual, dispor sobre as alteraes na legislao tributria e estabelecer a poltica de aplicao das agncias financeiras oficiais de fomento. BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, 1988.

96GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas, 2009, p. 208.

97 Ibid., p. 220-221. 98 Ibid., p. 221-222. 99BRASIL. Lei 12.919, de 24 de dezembro de 2013, 2013. 100Id., op. cit., 1988. 101Ibid.: Art. 165, 5. 102 GIACOMONI, op. cit., p. 222-223. 103 BRASIL,op. cit., 1988: Art. 165, 7.

35

a acionista majoritria com direito a voto104. Tambm tem de ser compatvel com o

PPA105;

3) Oramento da Seguridade Social: compreende a administrao

direta e indireta das reas de sade, previdncia e assistncia social. Mais que isso:

integram tambm esta pea, as dotaes classificados como uma dessas trs funes106

em quaisquer dos rgos e entidades. Pode-se dizer, ento, que praticamente todo o

setor pblico possui alguma dotao oramentria neste oramento, pois quase todos

fazem algum dispndio na rea de previdncia social com os inativos ou na assistncia

sade de seus servidores107.

Alm das trs leis oramentrias, pode-se destacar tambm as outras

duas cartas legais que integram o sistema oramentrio complementando o texto

constitucional.Primeiro, a Lei Complementar 101 de 2000, a Lei de Responsabilidade

Fiscal108, que estabelece normas gerais de finanas pblicas conforme previsto na Carta

Magna109. O texto da LRF disciplina as providncias prescritas no art. 169 da

Constituio Federal, vinculando os entes federados a Unio, os Estados, o Distrito

Federal e os Municpios a promoverem uma gesto equilibrada e transparente dos

recursos pblicos. Para atuarem de acordo com essas normas, os administradores devem

agir preventivamente para corrigir desvios que afetem o equilbrio das contas pblicas,

cumprindo metas e obedecendo aos limites renuncia de receita, despesa com pessoal

e ao endividamento dos entes federados. 110

A segunda lei infraconstitucional que define as regras gerais do

sistema oramentrio tambm est expressamente prevista no corpo constitucional111.

Entretanto, at hoje essa lei complementar especfica no foi elaborada. Dessa forma,

enquanto ela no editada, segue vigente a Lei n. 4.320 de 1964112, que estatui normas

de direito financeiro para elaborao e controle dos oramentos, alm da elaborao dos

balanos dos entes federados. Como j foi dito anteriormente, uma lei ordinria

recepcionada como lei complementar. Em seu texto esto dispostas regras sobre a

104GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas, 2009, p. 223.

105BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, 1988: Art. 163, I; Art. 165, 8.

106 Veja a classificao oramentria apresentada por James Giacomoni. GIACOMONI, op. cit., p. 131. 107 Ibid., p. 223. 108 BRASIL. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, 2000. 109 Id., op. cit., 1988: Art. 163, I; Art.165, 9, II e Art. 169. 110 Id., op. cit., 2000: Art. 1, 1. 111 Id., op. cit., 1988: Art. 165, 9, I. 112 BRASIL.Lei 4.320, de 17 de maro de 1964, 1964.

36

classificao das dotaes oramentrias, exerccio financeiro, crditos adicionais, entre

outros. 113

2.1 OS PRINCPIOS ORAMENTRIOS

Regis Fernandes de Oliveira destaca quatro princpios a dirigir as

normas oramentrias, alm de um pressuposto114 do oramento que o seu equilbrio.

Para o autor, esta regra no aponta um princpio, mas sim uma condio de existncia

do oramento. Afinal, caso haja um descompasso entre receitas e despesas, a pea

oramentria seria instrumento da runa do Estado em consequncia do endividamento

que seriagerado.115

O primeiro princpio apresentadopor Oliveira a universalidade.

Conforme exposto na Carta Magna116, todas as receitas e despesas da Unio devem

estar previstas na LOA. Uma exceo conhecida a este princpio o tributo majorado

aps a aprovao do oramento, mas antes do fim do exerccio financeiro, e cobrado

aps a virada do ano. Fugiria universalidade do oramento, por estar majorado em

outro normativo, porm sem deixar de obedecerao princpio da anterioridade em matria

tributria. 117

Outro princpio decorrente deste mesmo dispositivo o da unidade.

Enquanto a universalidade foca na presena de todos os gastos e receitas pblicas no

oramento, o princpio da unidade refora que esse rol deve estar disposto em um nico

documento, no caso do Brasil, a LOA. 118

Um princpio que perdeu a validade foi aanualidade. Determinava que

houvesse um oramento para cada ano. Segundo Regis Fernandes de Oliveira, este

princpio est superado em virtude da instituio do PPA que plurianual. 119

J o princpio da exclusividade estabelece que a LOA apenas pode

versar sobre a previso da receita e a fixao da despesa120. Temas estranhos definio

113OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 397-398.

114 Seria um pressuposto por decorrer da prpria existncia do oramento. Ibid., p. 363. 115 Ibid., loc. cit. 116 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, 1988: Art.

165, 5. 117OLIVEIRA, op. cit., p. 363-364. 118 Ibid., p. 365. 119Ibid., p. 364. 120 BRASIL, op. cit.: Art. 165, 8.

37

dos gastos e dispndios estatais no devem fazer parte das leis oramentrias. Tal regra

comporta algumas excees, sendo duas delas definidas no prpriocomplemento do

dispositivo que institui a exclusividade: as operaes para antecipao de receita, de

forma a corrigir problemas de caixa principalmente no incio do ano; e a autorizao

para a abertura de crditos suplementares, em virtude de sua excepcionalidade. 121

Por ltimo, Regis Fernandes de Oliveira declara o princpio da no-

afetao. A sua regra instituidora122 veda a vinculao das receitas de impostos a rgo,

fundo ou despesa, excetuadas aquelas expressamente previstas no texto constitucional.

Entre essas excees h a vinculao de receitas para a educao123;a destinao dos

recursos das trs esferas de governo para o Fundo de Combate e Erradicao da

Pobreza124; entre outros. As vinculaes previstas no texto constitucional sero tratadas

com maior profundidade no terceiro captulo.

2.2 O ORAMENTO-PROGRAMA E O PLANEJAMENTO

A Constituio de 1988 estruturou o sistema oramentrio tendo como

objetivo a efetivao do oramento pblico como um instrumento de planejamento da

ao estatal.Tal carter fica mais claro ao examinar atentamente o plano plurianual. At

a sua vigncia quadrienal, assim como a durao do mandato presidencial, refora o seu

papel de plano de ao de um governo. O PPA define o planejamento das atividades

governamentais 125 em termos de programas de longo prazo.

Nessa mesma linha, Adilson Abreu Dallari refora a evoluo do

sistema oramentrio tradicional para o oramento-programa, um instrumento de

atuao estatal na economia, superando a concepo clssica de mera pea contbil

composta de previso de receitas e autorizaes de despesa126:

As necessidades da Administrao Pblica, aliadas ao desenvolvimento das tcnicas oramentrias, foram aos poucos modificando a concepo clssica do oramento pblico, fazendo com

121OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 364-365.

122 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, 1988: Art. 167, IV.

123Ibid.: Art. 167, IV. 124Ibid.: ADCT, Art. 79. 125OLIVEIRA, op. cit., p. 367. 126DALLARI, Adilson Abreu. Oramento Impositivo. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando

Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.315.

38

que assumisse uma funo importante na conduo das polticas pblicas. (...) O oramento torna-se um instrumento fundamental no planejamento e na programao da atividade econmica do Governo. 127

Para Adilson Abreu Dallari, o ponto central da viso do oramento

como um instrumento do planejamento que as dotaes oramentrias no so vazias,

no so meras autorizaes de gasto at certo limite disposto em lei. Ao contrrio, so

densas, providas de contedo, e determinam como e com que efetivar o dispndio

previsto na lei oramentria. 128A prpria Lei 4.320 define que as receitas e despesas

discriminadas no oramento devem evidenciar a poltica econmica financeira e os

programas de trabalho do Governo. 129

Portanto, a utilizao do oramento-programa compreende a

identificao das necessidades; a definio de prioridades; a nfase nos objetivos e nos

resultados esperados; a atribuio de prazos e responsabilidades. 130No h mais espao

para o casusmo na atuao estatal, uma atividade a esmo e descoordenada. Nessa

mesma linha conclui Adilson Dallari:

A Constituio Federal (...) no mais admite a atuao emprica e desordenada da administrao pblica, mas, ao contrrio, exige uma atuao planejada integrada em um sistema ou processo de planejamento, do qual instrumento fundamental o oramento fiscal, que deve ser elaborado com a utilizao dos princpios, tcnicas e mtodos do oramento-programa. 131

2.3 A CONSTITUIO E O PROCESSO LEGISLATIVO ORAMENTRIO

O poder de iniciativa em matria oramentria privativo do

Presidente da Repblica132. Ele deve observar, at a edio da lei complementar

oramentria, os prazos definidos no art. 35, 2, do ADCT133. Dessa forma, o projeto

do PPA,para vigncia at o final do primeiro exerccio financeiro do mandato

presidencial subsequente, ser encaminhado at quatro meses antes do encerramento

127DALLARI, Adilson Abreu. Oramento Impositivo. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 315.

128 Ibid., p. 316. 129 BRASIL. Lei 4.320, de 17 de maro de 1964, 1964: Art. 2. 130 SANCHES ApudDALLARI, op. cit., p. 316. 131DALLARI, op. cit., loc. cit. 132 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, 1988: Art. 84,

XIII e Art. 166, 6. 133Ibid.: ADCT Art. 35, 2.

39

doprimeiro exerccio do mandato atual, 31 de agosto134. J o projeto da LDO ser

encaminhado at oito meses e meioantes do encerramento de cada exerccio financeiro,

15 de abril, e devolvido para sano at oencerramento do primeiro perodo135 da sesso

legislativa do Parlamento136. Aqui uma curiosidade: diferente das outras leis, a sesso

legislativa do Congresso Nacional no se encerra sem que se aprove a LDO137.

Por ltimo, o projeto daLOA ser elaborado pelo Poder Executivoque

consolidar as propostas setoriais dos vrios rgos do governo138. O texto consolidado

ser encaminhado ao Congresso Nacional at quatro meses antes do encerramento do

exerccio, 31 de agosto139.

Um detalhe a respeito do projeto da LOA que, antes de iniciar a

votao na Comisso Mista de Oramento, o Presidente da Repblica ainda poder

propor modificaes em seu texto. Dessa forma, iniciada a votao, o Executivo perde o

poderde dispor sobre os oramentos por meio de mensagem presidencial de alterao do

projeto da LOA.140

Como visto, as leis oramentrias sero sempre apreciadas pelo

Congresso Nacional141 e, ressalvadas algumas especificidades prprias,tal qual a

previso da Comisso Mista de Oramento142, o processo legislativo segue o mesmo

trmite -discusso parlamentar, emendas, votao, aprovao, veto e sano

previstopara a confeco de outras leis. Aplica-se a estes normativos, no que couber,as

normas relativas ao processo legislativo comum143. Logo, emrelao ao aspecto formal,

no existe distino entre as leis oramentrias e asdemais leis ordinrias.

A Comisso Mista de Oramento de Planos, Oramentos Pblicos e

Fiscalizao CMO uma comisso permanente composta por 40 membros titulares,

sendo 30 deputados e 10 senadores144. Esta comisso tem como atribuio a deliberao

134GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas, 2009, p. 218.

135 O primeiro perodo da sesso legislativa vai de 02 de fevereiro a 17 de julho, se a LDO for aprovada antes do fim de seu trmino. Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-, anualmente, na Capital Federal, de 02 de fevereiro a 17 de julho e de 1 de agosto a 22 de dezembro. BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, 1988: Art. 166

136GIACOMONI, op. cit., p. 222. 137 Portanto, o Congresso Nacional no entra de recesso enquanto no for aprovada a LDO. BRASIL, op.

cit.: Art. 57, 2. 138GIACOMONI, op. cit., p. 228. 139Ibid., p. 229. 140 BRASIL, op. cit.: Art. 166, 5. 141Ibid.: art. 166 142Ibid.: art. 166, 1 143Ibid.: art. 166, 7 144ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 245.

40

e a produo de pareceres a respeito de: projetos de leis oramentrias; contas

apresentadas pela Presidncia da Repblica; e planos e programas regionais e

setoriais145. Tambm faz parte da sua misso institucional exercer o acompanhamento e

a fiscalizao oramentria146.

A CMO realiza audincias pblicas junto sociedade e s autoridades

pblicas para o aprimoramento das peas oramentrias e tambm para a evoluo do

seu papel institucional. Podem, por exemplo, ser convocadas autoridades do Poder

Executivo paraesclarecimentos dos critrios utilizados na confeco das leis.

Um carter marcante no s da CMO, como da maioria das comisses

do Parlamento, ter os seus processos abertos ao escrutnio da sociedade. Para isso, so

tambm realizadas audinciaspblicas regionais nos estados, quando membros da CMO

debatem os projetos oramentrios com a sociedade local, para que estes se pronunciem

acerca de suas necessidades.147

Cabe tambm CMO examinar e emitir pareceres sobre as emendas

parlamentares aos projetos de leis oramentrias. Apesar de serem apresentadas na

comisso, onde seremitido o parecer, a sua votao ocorrer nos plenrios das duas

casas legislativas148 na forma de relatrio ou substitutivo149.

Sobre o teor das emendas,o artigo 166 da Constituio em seus

diversos pargrafos apresenta algumas restries s alteraes propostas. Por exemplo,

em relao s modificaes ao projeto da LDO, dispe que somente sero aprovadas

emendas compatveis com o PPA150. J as alteraes pretendidas pelos parlamentares ao

projeto da LOA devem estar alinhadas tanto com a LDO quanto com o PPA

vigente151.Dessa forma, por meio da compatibilizao entre as trs leis oramentrias,

possvel observar no texto constitucional uma busca pela sintonia dos contedoscom os

objetivos e metas estatais que compem o planejamento governamental.152 Refora-se

145 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, 1988: Art. 166, 1, I e II.

146Ibid.: Art. 166, 1, II. 147GIACOMONI, James. Oramento Pblico. 14. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Atlas,

2009, p. 275. 148 BRASIL, op. cit.: Art. 166, 2. 149OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3. Ed. ampliada, revista e atualizada.

So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 379. 150 BRASIL, op. cit.: Art. 166, 4. 151 Ibid.: Art. 166 3, I. 152OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3. Ed. ampliada, revista e atualizada.

So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 379.

41

com isso a noo de que as dotaes oramentrias no so textos vazios e vagos, mas

sim reflexo do plano de ao de governo153.

Em relao s emendas de despesa ao projeto da LOA, a Constituio

Federal ainda apresenta mais alguns requisitos. Um deles a indicao da origem dos

recursos, sendo apenas admitidos aqueles advindos da anulao de despesa, excludas

as que incidam sobre: a) dotao para pessoal e seus encargos; b) servio da dvida; c)

transferncias tributrias constitucionais para Estados, Municpios e o Distrito

Federal154. Dessa forma, as emendas no podem aumentar os gastos. Para serem

vlidas, devem sempre informar qual o cancelamento correspondente ser a origem dos

recursos. Assim, no h emenda que crie despesa. Sero sempre realocaes dos gastos

previstos no projeto de lei.155

Portanto, caso um congressista queira criar uma nova dotao

oramentria, sua emenda dever remanejar recursos de uma outra despesa em valores

equivalentes, pois ele no pode aumentar os gastos. Essa, a princpio, deveria ser uma

regra de ouro. Entretanto, os congressistas encontraram no art. 166, 3, inciso III,

alnea a um instrumento que pudesse ajud-los a criar dinheiro e a gerar novas

despesas. Esse mecanismo chamado dereestimativa de receitas: 3. As emendas ao

projeto de lei do oramento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser

aprovadas caso: III sejam relacionadas: a) com a correo de erros ou omisses 156.

Os parlamentares invariavelmente utilizam o argumento de que o projeto de lei estaria

com as receitas erradas, subestimadas, e aumentam a receita por meio da reestimativa.

Uma vez criadas novas entradas, possibilita-se assim o financiamento de novos

dispndios157. Helio Tollini apresenta alguns dos erros apontados pelos parlamentares

para justificar o aumentoda receita, como a alterao dos parmetros macroeconmicos

153DALLARI, Adilson Abreu. Oramento Impositivo. In: CONTI, Jos Maurcio; SCAFF, Fernando Facuri (coords.). Oramentos Pblicos e Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 316.

154BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, 1988: Art. 166, 3, II.

155OLIVEIRA,op. cit., p. 379-380. 156 BRASIL, op. cit.: Art. 166, 3, III. 157TOLLINI, Helio. Em busca de uma participao mais efetiva do Congresso no processo de

Elaborao Oramentria. 2008. Disponvel em: . Acesso em 04 jun. 2014, p. 10-11.

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/2008/Em%20Busca%20de%20uma%20Participacao%20mais%20Efetiva%20do%20Congresso%20no%20....pdfhttp://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/2008/Em%20Busca%20de%20uma%20Participacao%20mais%20Efetiva%20do%20Congresso%20no%20....pdfhttp://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/2008/Em%20Busca%20de%20uma%20Participacao%20mais%20Efetiva%20do%20Congresso%20no%20....pdf

42

taxa de inflao, crescimento real do PIB, entre outros entre a confeco do projeto

de lei e a data da deliberao na CMO. 158

Ainda em relao s fontes de recursos para as leis oramentrias, as

receitas que ficarem sem despesa correspondente em razo de veto, emenda ou rejeio

do projeto de lei, podero ser utilizadas via crditos especiais ou suplementares159.

Como afirma Regis Fernandes de Oliveira: os recursos no se perdem, devem ser

utilizados160. No deve haver desperdcio de recurso, quando fixado de acordo com o

plano estatal. E, de certa forma, no isso o que querem aqueles favorveis ao

oramento impositivo?

Dessa maneira, fica claro que, pela submisso dooramento a um

ordinrio processo legislativo, a Constituio de 1988reafirmou seu carter poltico. A

prpria prtica no uso dos mecanismos constitucionais tem mostrado que o Congresso

Nacional, mesmo com os seus inmeros defeitos, o rgo mais apto a deliberar

acercados temas de interesse da sociedade civil no apenas no que tange ao

oramento.Ao exercer a funo legislativa, o Parlamento inova na coleo de deveres e

direitos da sociedade161. E as peas oramentrias, como leis que so, por que teriam de

ser tratadas de forma diferente? Afinal, que arena mais transparente para discutir no

s a deliberao, mas tambm aexecuo do oramento: as sesses do Legislativo com

transmisso ao vivo pelo rdio e TV ou um gabinete fechado de ministrio? Onde

mais acessvel para o povo: o escritrio doPresidente da Repblica ou as galerias do

Congresso Nacional?

2.4 VEDAES ORAMENTRIAS

O art. 167 da Constituio Federal enumera um rol de restries

atuao do Governo162. Essas vedaes buscam evitar a improvisao administrativa e o

desrespeito ao texto legal das peas oramentrias.

158TOLLINI, Helio. Em busca de uma participao mais efetiva do Congresso no processo de Elaborao Oramentria. 2008. Disponvel em: . Acesso em 04 jun. 2014, p. 11.

159BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, 1988: Art. 166, 8.

160OLIVEIRA, Regis Fernandes de.Curso de Direito Financeiro. 3. Ed. ampliada, revista e atualizada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 380.

161BRANCO, Paulo Ferreira Gonet; COELHO, Inocncio Mrtires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2. Ed. revista e atualizada. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 873.

162 BRASIL, op. cit.: Art. 167.

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/2008/Em%20Busca%20de%20uma%20Participacao%20mais%20Efetiva%20do%20Congresso%20no%20....pdfhttp://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/2008/Em%20Busca%20de%20uma%20Participacao%20mais%20Efetiva%20do%20Congresso%20no%20....pdfhttp://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/2008/Em%20Busca%20de%20uma%20Partici