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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO RAFAEL SANTOS MORAIS Organizações internacionais e suas manifestações dotadas de efeitos normativos: impactos sobre a teoria das fontes e modos de aplicação no ordenamento brasileiro São Paulo 2013

Organizações internacionais e suas manifestações dotadas de … · 2017-08-01 · Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Morais, Rafael Santos. M826o Organizações

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

RAFAEL SANTOS MORAIS

Organizações internacionais e suas manifestações dotadas de

efeitos normativos: impactos sobre a teoria das fontes e modos

de aplicação no ordenamento brasileiro

São Paulo

2013

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RAFAEL SANTOS MORAIS

Organizações internacionais e suas manifestações dotadas de

efeitos normativos: impactos sobre a teoria das fontes e modos

de aplicação no ordenamento brasileiro

Dissertação apresentada a Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo

como exigência parcial para obtenção

do título de Mestre em Direito.

Área de Concentração: Direito

Internacional

Orientador: Professor Associado André

de Carvalho Ramos

São Paulo

2013

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Serviço de Biblioteca e Documentação

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Morais, Rafael Santos.

M826o Organizações internacionais e suas manifestações dotadas

de efeitos normativos: impactos sobre a teoria das fontes e

modos de aplicação no ordenamento brasileiro / Rafael Santos

Morais. - - São Paulo: USP / Faculdade de Direito, 2013.

112 f.

Orientador: Prof. Dr. André de Carvalho Ramos.

Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo, USP,

Programa de Pós-Graduação em Direito, 2013.

1. Direito Internacional Público. 2. Organização

Internacional. 3. Norma Jurídica. 4. Fontes do Direito. I.

Ramos, André de Carvalho. II. Universidade de São Paulo,

Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito.

III. Título.

CDU 341.215.2(043)

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Nome: MORAIS, Rafael Santos.

Título: Organizações Internacionais e suas manifestações dotadas de efeitos normativos:

impactos sobre a teoria das fontes e modos de aplicação no ordenamento brasileiro.

Dissertação apresentada à Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo para

obtenção do título de Mestre em Direito

Internacional

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. ______________________________Instituição:__________________________

Julgamento:____________________________Assinatura:__________________________

Prof. Dr. ______________________________Instituição:__________________________

Julgamento:____________________________Assinatura:__________________________

Prof. Dr. ______________________________Instituição:__________________________

Julgamento:____________________________Assinatura:__________________________

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AGRADECIMENTOS

A carreira acadêmica é pouco incentivada no Brasil, fato que exige dos

profissionais um grande esforço e que dificilmente é feito sozinho. Minha realidade não

diverge dessa regra, o que me leva a ter muitos agradecimentos, primeiramente a Deus e,

ainda que eu omita algum nome, não me furto do dever de algumas nomeações.

Faço os dois primeiros agradecimentos especiais para as duas pessoas que

tornaram esse sonho possível, em primeiro lugar, meu orientador do Programa de

Mestrado, Professor André de Carvalho Ramos, quem me ensinou muito e que me serve de

inspiração pessoal, por conta do seu brilhantismo, de sua dedicação e do seu

comprometimento profissional. Em segundo lugar, agradeço a minha mãe, Aparecida das

Graças, quem propiciou a concretização dessa empreitada e compartilhou todos os

momentos ao meu lado.

Como toda forma de aprendizado, temos em nossas vidas a presença de vários

mestres, os quais não faltaram no Programa de Mestrado da Universidade de São Paulo e

aos quais agradeço nominalmente: Alberto do Amaral Júnior, Elizabeth de Almeida

Meirelles, Maristela Basso, Paulo Borba Casella, Umberto Celli Júnior, e Wagner

Menezes.

Agradeço a todos os meus familiares e amigos pelo apoio e pela paciência, os

quais foram fundamentais para a conclusão dessa jornada. Sem demérito aos demais,

nomeio alguns nomes: Ercy Guimarães, Daniela Bucci, André Lopes Lasmar, Jean Dietz e

Camilla Capucio.

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RESUMO

MORAIS, Rafael Santos. Organizações Internacionais e suas manifestações dotadas de

efeitos normativos: impactos sobre a teoria das fontes e modos de aplicação no

ordenamento brasileiro. 2013. 130 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito,

Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

O estudo proposto nesta dissertação teve como objetivos a análise de um fenômeno da

sociedade internacional, a assunção de competências normativas pelas organizações

internacionais, e o impacto desses sujeitos na teoria das fontes do Direito Internacional,

seja em âmbito internacional, como em âmbito nacional brasileiro. Conclui-se que as

organizações internacionais apresentam importantes impactos sobre as bases do Direito

Internacional e um dos mais relevantes é a elaboração de manifestações dotadas de efeitos

normativos, cuja variedade implica diferentes fundamentações jurídicas.

Palavras-chave: Manifestações dotadas de efeitos normativos. Organizações

Internacionais. Impactos sobre a teoria das fontes. Caso brasileiro.

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ABSTRACT

MORAIS, Rafael Santos. International Organizations and their manifestations endowed

with normative purposes: impacts on the theory of sources and application methods in the

Brazilian´s law. 2013. 130 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade

de São Paulo, São Paulo, 2013.

The study proposed in this dissertation aimed to analyze a phenomenon of international

society, the assumption of legislative powers by international organizations, and the impact

of these subjects on the theory of the sources of international law, either internationally,

either nationally in Brazil. We conclude that international organizations have important

impacts on the basis of international law and one of the most important is the development

of manifestations endowed with normative purposes, which range implies different legal

reasoning.

Keywords: Manifestations endowed with normative purposes. International Organizations.

Impacts on the theory of sources. Brazilian case.

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LISTA DE SIGLAS

ANAC Agência Nacional de Aviação Civil

CIJ Corte Internacional de Justiça

CDI Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas

OACI Organização da Aviação Civil Internacional

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

PNAC Política Nacional de Aviação Civil

RSI Regulamento Sanitário Internacional

SRI Superintendência de Relações Internacionais

SARPs Standard and Recommended Practices

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 10

PARTE I – ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E SUAS

MANIFESTAÇÕES

1 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ............................................. 13

1.1 Introdução ............................................................................................................ 13

1.2 Conceito ............................................................................................................... 13

1.3 Desenvolvimento do conceito .............................................................................. 21

1.4 Evolução do associacionismo dentro do sistema internacional. .......................... 27

1.5 Desenvolvimento do associacionismo internacional ........................................... 30

1.6 Classificação ........................................................................................................ 36

1.7 Diplomas normativos que regem as organizações internacionais ....................... 41

1.8 A atividade das organizações internacionais ....................................................... 45

1.9 Efeitos normativos das manifestações das organizações internacionais ............. 48

2 FUNDAMENTOS DAS MANIFESTAÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES

INTERNACIONAIS DOTADAS DE EFEITOS NORMATIVOS ....... 51

2.1 Introdução ............................................................................................................ 51

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2.2 O crescimento da força legiferante própria das organizações internacionais ...... 51

2.3 O artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e a ausência das

organizações internacionais ....................................................................................... 57

2.4 Relação entre as manifestações e as fontes formais ............................................ 63

2.5 Formas de manifestação do “direito das organizações internacionais” ............... 70

2.6 Expressão de uma soft law ................................................................................... 72

PARTE II - IMPACTOS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

NA TEORIA DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

3 IMPACTOS INTERNACIONAIS......................................................... 73

3.1 Introdução ........................................................................................................... 73

3.2 As organizações internacionais e as novas fontes do Direito Internacional ....... 74

3.2.1 Conselho de Segurança e Assembléia Geral da ONU .............................. 75

3.2.2 Organização da Aviação Civil Internacional ............................................ 79

3.2.3 Organização Mundial da Saúde ................................................................ 83

3.3 As organizações internacionais e os tratados ...................................................... 87

3.4 As organizações internacionais e os costumes ................................................... 90

3.5 As organizações internacionais e os princípios gerais de direito e as decisões

internacionais ............................................................................................................ 94

4 IMPACTOS NACIONAIS: O CASO BRASILEIRO ......................... 99

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4.1 Introdução ........................................................................................................... 99

4.2 Prática brasileira do direito internacional público .............................................. 99

4.3 Manifestações de organizações internacionais no Brasil .................................... 104

4.3.1 Conselho de Segurança e Assembléia Geral da ONU .............................. 104

4.3.2 Organização da Aviação Civil Internacional ............................................ 107

4.3.3 Organização Mundial da Saúde ................................................................ 110

4.3.4 Uso pelo Poder Judiciário de declarações de direito ................................ 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 116

REFERÊNCIAS ......................................................................................... 118

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INTRODUÇÃO

As organizações internacionais, cada vez mais presentes e atuantes na sociedade

internacional1, representam uma forma de organização social que pode ser identificada,

embrionariamente, desde o início do desenvolvimento do direito internacional interestatal

clássico2 com as Uniões administrativas e técnicas internacionais e a Organização

Internacional do Trabalho, mas que ganham os contornos que hoje são conhecidos apenas no

século XX.

Casella (1997, p. 19), por sua vez, constata que a multiplicação das organizações

internacionais insere-se num contexto de “institucionalização das relações internacionais” 3

e

esta deve ser interpretada em cotejo com o “processo normativo interno na organização”.

As novas normas produzidas no âmbito das organizações internacionais envolvem a

participação ou tem por objetivo a regulamentação de outros sujeitos internacionais, o que

dificulta o seu enquadramento nas formas clássicas de manifestação do Direito Internacional

previstas no Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ)4.

De forma geral, os estudiosos internacionalistas reconhecem o surgimento das

organizações internacionais como novos sujeitos de direito internacional, superando as bases

1 A preferência terminológica acompanha a posição de Accioly e Casella (2012, p. 140, nota de rodapé número

385): “Sem retomar toda a argumentação das linhas sociológicas do direito internacional, acompanho Celso D.

Albuquerque de MELLO ao distinguir ‘comunidade’ e ‘sociedade’, preferindo utilizar este último termo, ao

referir-se à internacional, porquanto faltariam elementos de coesão e caráter orgânico para caracterizar

‘comunidade’ em relação à ‘sociedade internacional’”, cita Mello (2004, p. 51-76). As características

diferenciadas presentes nas sociedades e ausentes nas comunidades, nas palavras de Mello (2002, p. 51), são:

“[...] formação voluntária, vontade refletida (seria produto do pensamento, denominada pela idéia de felicidade e

tendo como fim supremo a felicidade); e os indivíduos participariam de maneira menos profunda na vida em

comum”. 2 Não são ignoradas as formações sociais anteriores à formação dos Estados soberanos e nem a sua contribuição

para construção do Direito Internacional, no entanto, partimos do marco temporal coincidente ao do surgimento

dos Estados modernos para a afirmação da existência de um sistema normativo internacional. Como bem pontua

Casella (2012, p. 167) em sua obra sobre o “direito internacional no tempo antigo”, que leva esse mesmo título,

“Alguns institutos, surgidos entre os povos da Antiguidade – dentre os quais a inviolabilidade dos representantes

diplomáticos, e a noção de asilo - nos vêm do mundo grego antigo, e se conservam conceitual e

operacionalmente presentes, em linha equivalente, no direito internacional pós-moderno”. 3 Em outra obra Casella (2006, p. 437-441) explica que a institucionalização das relações entre os Estados

decorre da necessidade destes de regulamentarem sua convivência e sua sobrevivência, impondo-se por meio

dela limitações à discricionariedade estatal. O resultado desse movimento seria a progressiva construção de um

ordenamento regulador. 4 Ver Alvarez (2006, p. 597).

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“sociedade internacional clássica”5 fundada na participação única e exclusiva dos Estados, no

entanto, os efeitos provocados por seu surgimento e pela intensificação de sua participação,

são pouco estudados, dentre eles, o impacto sobre as fontes do Direito Internacional.

Sobre esse desenvolvimento, Casella (2006, p. 441) pondera que as organizações

internacionais apresentaram paulatino reconhecimento como sujeitos de direito internacional,

no entanto, afirma não haver a construção de um Direito Internacional acima dos Estados,

portanto, a sua consolidação se daria por meio da sua “aceitação consciente” e por sua

“aplicação consistente pelos seus destinatários”. Os Estados foram, no passado, os

destinatários exclusivos, mas começam a dividir espaço com outros sujeitos, como as

organizações internacionais e o próprio ser humano.

O ganho de espaço na sociedade internacional como sujeitos autônomos acaba por

permitir às organizações, muitas vezes vistas como foros de interpretação dos tratados e dos

princípios, bem como ocasionais formadoras de costumes, a assunção da competência de

produção de manifestações dotadas de efeitos jurídicos que transcendem a sua própria esfera.

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar e analisar a atuação das

organizações internacionais como sujeitos de direito capazes de inovarem na ordem jurídica

em que estão insertas, bem como as implicações na teoria das fontes do Direito Internacional

dela decorrentes.

Para tanto, várias questões precisam ser respondidas. A primeira delas, presente na

primeira parte, refere-se à devida conceituação das organizações internacionais, bem como o

estudo das razões históricas que justificam o ganho e alargamento da sua capacidade jurídica,

seguido da análise dos fundamentos jurídicos internacionais dessa inovação.

A apresentação inicial de um conceito serve para orientar, desde o princípio, o tema a

ser trabalho, servindo como orientação metodológica, motivo pelo qual também busca-se, ao

longo dos capítulos, lidar com outros dois conceitos fundamentais para essa pesquisa, o de

manifestações das organizações internacionais e o de fontes do Direito Internacional.

Estabelecida essa base argumentativa, passa-se para a segunda parte da pesquisa que

visa estabelecer os impactos que essas manifestações normativas das organizações

internacionais têm sobre a teoria das fontes do Direito internacional, analisando, não só,

alguns exemplos relevantes da superveniência de novas formas normativas, que assim podem

5 Assim entendida a sociedade internacional regida pelo chamado direito internacional “vestfaliano”,

caracterizado pelo reconhecimento da igualdade formal dos Estados, os quais seriam dotados de soberania

absoluta.

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ser consideradas, como as reformulações sofridas pelas fontes formais clássicas do

ordenamento jurídico internacional.

Esses procedimentos de verificação e construção teórica visam, em fim último, servir

de respaldo para a prática jurídica presente em todos os Estados, inclusive e especialmente

para o Brasil, que cada vez mais, apresenta intensa participação no cenário internacional, seja

ativamente, na elaboração de normas jurídicas e na tomada de decisões políticas, como

passivamente, submetendo-se a esse ordenamento internacional e aos seus órgãos

competentes6.

A crescente participação brasileira no contexto internacional impõe uma preocupação

cada vez maior com o conhecimento e o trato com as formas de manifestação do Direito

Internacional, que está em constante evolução.

6 Só a título de exemplo, são 47 os tópicos nos “Quadros Temáticos de Acordos, Tratados e Convenções

Multilaterais” em vigor para o Brasil, dentro dos quais doze referem-se diretamente a organizações

internacionais. Ver BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES – Atos Internacionais.

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PARTE I – ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E SUAS

MANIFESTAÇÕES

1 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

1.1 Introdução

Antes de analisarmos o impacto que as organizações internacionais tem sobre a

teoria das fontes do Direito Internacional7, principalmente no que concerne às suas

manifestações dotadas de efeitos normativos, é necessário estabelecer o conceito de

organização internacional.

1.2 Conceito

O termo “organizações internacionais” pode ser utilizado para identificar várias

formas de organizacionais, como poderá ser verificado a seguir no capítulo referente às

classificações das organizações internacionais. No entanto, desde já, constata-se que essa

denominação em sentido amplo pode ser tomada como gênero e dela três espécies são

identificadas: as organizações não governamentais, as “organizações intergovernamentais

informais” e as “organizações intergovernamentais”.

7 Nguyen (1999, p. 29) observa que: “a denominação ‘direito internacional’ é, em voga na atualidade, a mais

corretamente utilizada para designar o direito da sociedade internacional. Ela é a tradução da expressão

‘International Law’ cuja paternalidade pertence a Bentham que a utilizou em seu livro publicado em 1780, ‘An

Introduction to the Principles of Moral and Legislation’, em oposição com a ‘National Law’ ou ‘Municipal

Law’”.

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14

As organizações não governamentais8 apresentam, em sua origem, natureza jurídica

interna dos Estados em que são estabelecidas, na medida em que perfazem forma de

associação civil9. A sua possível consideração como organização internacional se dá pelo

importante papel que assumem na sociedade internacional contemporânea ao possibilitarem a

participação da sociedade civil, podendo ser consideradas, nas palavras de Accioly e Casella

(2012, p. 488), como a “expressão da sociedade civil internacional”10

.

A respeito dessas organizações, Ranjeva (1997, p. 28) destaca que a Convenção de

Estrasburgo (1986)11

traz em seu artigo primeiro um importante conceito, construído a partir

de quatro características: apresentam utilidade internacional sem fins lucrativos; são criadas

por um ato formal de direito interno; exercem atividade efetiva em mais de um Estado; e

apresentam sede em um dos Estados partes.

Outros elementos distintivos dessas organizações são destacados por Alvarez (2006,

p. 2-3) para sua diferenciação das organizações intergovernamentais: são destituídas de

legitimidade para o estabelecimento de normas sobre um território ou uma população, as

filiações a elas são voluntárias e os seus propósitos são limitados.

As “organizações intergovernamentais informais”, diferentes das organizações não

governamentais, as quais perfazem agrupamentos de pessoas, representam formas de

organização de grupos de Estados, os quais unem esforços para a perseguição de um

determinado fim, mas não estabelecem para isso uma estrutura organizacional formal.

Essas organizações são definidas por Vabulas e Snidal (2011, p. 7) como um

compartilhamento de expectativas entre um grupo de Estados, os quais participam de reuniões

regulares sem a organização de uma secretaria permanente ou outra forma institucional

relevante12

. Essa definição, porém, foi proposta para o estabelecimento de um tipo ideal

8 Tratadas no curso geral de direito internacional na Haia de 1997 por Raymond Ranjeva: “Les organisations non

gouvernementales et la mise en oeuvre du droit international” (RCADI, 1997, volume 270, p. 9-106). Um

exemplo de organização internacional não governamental de expressão mundial é a FIFA (Fédération

Internationale de Football Association), cuja atuação na organização de grandes competições mundiais de

futebol tem suscitado discussões jurídicas no Brasil a respeito da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do

Mundo de 2014. Sobre o tema ver Guimarães (2011). 9 No Brasil, as organizações não governamentais assumem a caracterização jurídica de “associações”, reguladas

no Código Civil Brasileiro, capítulo II (artigos 53 a 61). 10

Como exemplo, verifica-se a presença de três mil e quinhentas organizações internacionais cadastradas junto

ao “Conselho Econômico e Social” da Organização das Nações Unidas (ONU). Ver: ECOSOC - NGO Branch -

Department of Economic and Social Affairs. 11

Denominação dada para a “Convenção Européia sobre o Reconhecimento da Personalidade Jurídica das

Organizações Internacionais não Governamentais” proposta pelo Conselho da Europa e assinada em Estrasburgo

em 24 de abril de 1986. 12

Outro emprego para o termo é dado por Oliveira (2012), que identifica as organizações informais com as

organizações de natureza criminosa e terrorista, as quais apresentam atuação marginal às instituições oficiais.

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dessas organizações, as quais apresentam, na prática, diferentes níveis de institucionalização e

que são usadas de diferentes formas pelos Estados para a conformação de suas políticas

internacionais. Três exemplos importantes são dados pelos autores: “G8”13

, “G20”14

e

“BRIC”15

.

No presente estudo, embora não sejam desprezadas as contribuições das

organizações não governamentais e das organizações intergovernamentais informais, como

atores internacionais contemporâneos, centra-se nas chamadas organizações

intergovermanentais16

, que também podem ser designadas como instituições internacionais17

,

ou por organizações internacionais18

estrito senso. Na busca da conceituação dessas

organizações, procuramos a identificação dos seus elementos discriminantes, os quais são

extraídos das definições dadas pelos especialistas.

Soares (2002, p. 150) define as organizações internacionais como:

[...] criaturas resultantes da vontade dos Estados ou de pessoas de direito

internacional, que, à semelhança do que ocorre nos ordenamentos jurídicos

nacionais dos Estados, têm existência como pessoa coletiva, que não se confunde

com os indivíduos ou as entidades que as constituíram ou que as compõem.

Sorensen (1981, p.108, tradução nossa) afirma que estas perfazem “[...] uma

associação de Estados (ou outras entidades que possuam personalidade jurídica internacional)

13

Reunião dos chefes de Estado dos sete grandes países industrializados e desenvolvidos economicamente

(Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) mais a Rússia. É tido como foro útil

para as potências econômicas mundiais obterem consensos, os quais podem substituir as decisões unilaterais

desses países em outros foros internacionais. Ver Vabulas e Snidal (2011, p. 28-29). 14

Perfaz fórum criado para o desenvolvimento de cooperação internacional em matéria econômica e financeira,

tendo por objetivos: a coordenação de políticas para a obtenção de uma estabilidade econômica mundial e o

crescimento sustentável, a promoção de regulamentos financeiros e a criação de uma arquitetura financeira

internacional. Participam os dezenove Estados com maior desenvolvimento econômico (Argentina, França,

Japão, África do Sul, Austrália, Alemanha, México, Turquia, Brasil, Índia, República da Coréia, Reino Unido,

Canadá, Indonésia, Rússia, Estados Unidos da América, China, Itália, Arábia Saudita) e a União Européia. Ver:

G2012 MÉXICO. 15

Acrônimo formado dos nomes dos países: Brasil, Rússia, Índia e China, o qual foi cunhado pelo economista

Jim O'Neill, na sua análise sobre o comportamento diferenciado desses países em desenvolvimento. Ver

O'NEILL (2012). 16

Schermers e Blokker (2004, p. 22) observam que o termo organização internacional foi utilizado pela primeira

vez em 1969 e após a 2ª Guerra Mundial o termo “organização intergovernamental” passou a ser utilizado com

mais recorrência. Citam como exemplo o seu emprego pela CDI na “Convenção de Viena sobre Direito dos

Tratados” de 1969, na “Convenção de Viena sobre a Representação dos Estados em suas relações com

Organizações Internacionais de Caráter Universal” de 1975 e na “Convenção de Viena sobre Direito dos

Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais” de 1986. Outros

instrumentos internacionais também são dados como exemplos: o Estatuto da CIJ (artigo 34), o tratado

constitutivo da Organização Internacional do Trabalho (artigo 12), o tratado constitutivo da Organização dos

Estados Americanos (artigo 124) etc. 17

A utilização como sinônimos dos termos, organizações internacionais e instituições internacionais, é verificada

em autores como: Starke (1984), Klabbers (2002) e Bowett (1970, p. 1-5). 18

Para o presente trabalho os termos “organizações internacionais” e “organizações intergovernamentais” são

adotadas como sinônimos.

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16

establecida por tratado, a qual possui uma constituição e órgãos comuns, e goza de

personalidade jurídica distinta da personalidade dos Estados membros” 19

.

Schermers e Blokker (2004, p. 26) as definem como “[...] formas de cooperação

fundada em um acordo internacional, o qual, em geral, cria uma nova pessoa jurídica, tendo

esta pelo menos um órgão autônomo e estabelecida sob o direito internacional”20

.

Trindade (2002, p. 64) destaca a definição apresentada pelo Relator do projeto de

convenção sobre o Direito dos Tratados da Comissão de Direito Internacional (CDI) das

Nações Unidas, Fitzmaurice (1956, p. 108, tradução nossa), o qual entende por organizações

internacionais:

[...] uma coletividade de Estados estabelecida por um tratado, com uma constituição

e órgãos comuns, possuindo uma personalidade distinta da de seus Estados-

membros, e sendo um sujeito de direito internacional com capacidade para concluir

acordos.

Para Alvarez (2006, p. 01, tradução nossa):

[…] OIs são tipicamente uma coleção de estados soberanos que uniram-se para

criar, sob um acordo internacional constitutivo de direito internacional e

usualmente conhecido como “carta” ou uma “constituição”, um aparato mais ou

menos permanente, incumbido de perseguir certos fins comuns definidos. 21

A partir dessas definições apresentadas pode-se eleger os elementos que caracterizam

as organizações intergovernamentais: um agrupamento de Estados, a existência de um tratado

internacional, a criação de órgãos próprios à consecução de seus fins, e o surgimento de um

sujeito de Direito Internacional.

O primeiro elemento que seria característico dessas organizações seria, então, a

presença de um grupo22

de Estados que vai dar forma a um novo sujeito do Direito

Internacional. Schermers e Blokker (2004, p. 28) afirmam serem necessários pelo menos dois

Estados23

, mas ressaltam que na maioria dos casos há a participação de três ou mais Estados.

19

In verbis: “[...] una associación de Estados (u otras entidades que posean personalidad jurídica internacional)

establecida por tratados, la cual posse uma constitución y órganos comunes, y goza de personalidad jurídica

diferente de la de los Estados miembros”. 20

In verbis: “[...] forms of cooperation founded on an international agreement usually creating a new legal

person having at least one organ with a will of its own, established under international law”. 21

In verbis: “[…] IOs are typically collection of sovereign states that have banded together as states to create,

under a constitutive international agreement governed by international law usually know as a “charter” or a

“constitution”, an apparatus, more or less permanent, charged with the pursuit of certain defined common ends”. 22

Trindade (2002, p. 64) utiliza a expressão “coletividade de Estados”; Sorensen (1981, p. 108), “asociaciones

de Estados”; Alvarez (2005, p. 01), “collection of sovereign states” e Seitenfus (2008, p. 32) “associações

voluntárias de Estados”. 23

Os autores dão exemplos de organizações internacionais constituídas pelo acordo entre dois Estados:

“Belgium-Luxembourg Economic Union” e “Nederlandse Taalunie” (“Dutch language union”).

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17

O surgimento desse novo sujeito se daria a partir de uma confluência de vontades24

formalizadas em um tratado internacional, o qual ganha diferentes denominações pela

doutrina25

. Esse acordo de vontades apresenta estreita relação com o Direito Internacional,

retirando deste os seus efeitos jurídicos.

Para justificar a derivação desses efeitos jurídicos, Soares (2002, p. 151) explicita

dois exemplos de normas internacionais que os conferem ao tratado constitutivo, o costume

internacional de reconhecimento indireto dessa personalidade pelos Estados, como verificado

nos tratados de sede ou de realização de reuniões, e o princípio geral de direito de

reconhecimento dessas pessoas jurídicas em seus territórios, extraído do ordenamento jurídico

dos Estados.

Schermers e Blokker (2004, p. 724-725) concordam que, na maioria dos casos, as

organizações internacionais são constituídas por um tratado multilateral, o qual assume a

forma de uma constituição e, como tal, apresenta semelhanças e diferenças em face dos

demais tratados. Como qualquer tratado, regula direitos e obrigações entre os Estados, mas

diferente da maioria deles, dá forma a um novo sujeito de direito internacional, estabelecendo,

principalmente, a estrutura e a regulamentação de suas funções, cujo funcionamento prático

exige um dinamismo e certa liberdade criativa26

.

Um dos argumentos utilizado pelos autores para a afirmação dessa natureza especial

é o posicionamento da CIJ em 1996, no parecer consultivo sobre o uso de armas nucleares,

que afirma ser este um tratado particular, o qual tem por objetivo a criação de um novo sujeito

de direito internacional, dotado de certa autonomia, por meio do qual os Estados transmitem a

tarefa da realização de objetivos comuns27

.

Por conta dessa natureza finalística própria, o conteúdo desses tratados apresenta

certas semelhanças, como a determinação dos participantes da organização, o estabelecimento

e a regulamentação dos órgãos que a compõem, o regramento sobre os procedimentos de

24

A natureza volitiva da participação nesses tratados é exemplificada por Seitenfus (2008, p. 33) com a menção

ao disposto no artigo 2, §2º da Carta da ONU, que restringe a autoridade da organização apenas sobre os Estados

que a compõem. 25

Sorensen (1981, p. 108) o denomina por “Constituição”; Soares (2002, p. 151) o trata como “tratado-

fundação”; Alvarez (2005, p. 01) como “constitutive international agreement”; Seitenfus (2008, p. 32) como

“tratado constitutivo”. No presente trabalho são referidos, em geral, como “tratados constitutivos”, expressão

utilizada na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 (artigo 5º). 26

Os autores utilizam a expressão “janus-faced” para designar a característica dual dos tratados constitutivos das

organizações internacionais. Expressão que deriva da ideia de um deus mitológico colocado na porta dos

templos, Janus, caracterizado pela presença de duas faces, uma representativa do olhar para o futuro e a outra

para olhar para o passado. 27

ICJ Reports (1996, p. 75).

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18

tomada de decisões, as fontes para a sua manutenção material, a forma de sua interpretação,

mecanismos de solução de controvérsias decorrentes dessa interpretação, a atribuição de

direitos e obrigações aos membros etc28

.

As organizações internacionais apresentam uma grande diversidade em seus

instrumentos constitutivos, no entanto, Blokker (2008, p. 205-206) considera útil uma

determinada padronização, a qual oriente a formação de novas organizações, abandonando-se

a mera inspiração em instrumentos de organizações já existentes, os quais podem ser

inadequados para a nova organização.

O autor propõe a criação de um modelo com disposições institucionais que todas as

organizações internacionais precisam e, nesse sentido, enumera algumas temáticas

importantes: a personalidade jurídica, no âmbito nacional e internacional; a inviolabilidade

das instalações, arquivos e documentos; a imunidade; os privilégios, tais como isenção de

impostos e liberdade das restrições financeiras; as facilidades de comunicação; a entrada e

saída do país de acolhimento; e a solução de controvérsias.

Alvarez (2006, p. 4) afirma que, para além dessas semelhanças estruturais, que já

existem e podem ser propostas, estes tratados apresentam princípios comuns que lhes são

característicos, os quais permitem afirmar a existência de um “direito internacional

institucional”, ponto de partida para inúmeros estudos sistemáticos das organizações

internacionais29

.

O tratado constitutivo estabelece, dentro da estrutura formal da organização

internacional, os órgãos30

que a compõem, os quais são necessários para que a organização dê

efetividade às suas funções. Estes órgãos podem ser chamados de “órgãos primários”, na

medida em que derivam do próprio tratado constitutivo e é por meio deles que a personalidade

jurídica distinta da personalidade dos Estados membros é exercida31

.

28

Ver Schermers e Blokker (2004, p. 4-7). 29

Como exemplos temos as obras já citadas dos autores: Bowett (1970), Starke (1984), Klabbers (2002) e

Schermers e Blokker (2004). 30

O Relator Especial Giorgio Gaja, em seu relatório sobre o Projeto de Codificação sobre a Responsabilidade

Internacional das Organizações Internacionais apresentado em 14 de março de 2011, em atendimento a proposta

conjunta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), do Banco Mundial, do

Secretariado das Nações Unidas e da Bélgica, acrescentou uma alínea “c” ao artigo 2º do Projeto original para

definir os órgãos das organizações internacionais: “(c) Órgão de uma organização internacional significa

qualquer pessoa ou entidade que tem seu status em conformidade com as regras da organização”, ver Gaja

(2011, p. 9-10, § 20, tradução nossa). Alteração aprovada pela Comissão de Redação do projeto, mantendo a

formulação genérica proposta pelo relator especial, “a partir do reconhecimento de que o conceito de ‘órgão’ tem

uma conotação diferente para diferentes organizações internacionais”. Ver Bermúdez (2011, p. 4-5, tradução

nossa). 31

Ver Sorensen (1981, p. 108).

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19

Uma das espécies importantes desses “órgãos primários” é a dos órgãos políticos32

,

que apresentam como característica distintiva a composição por representantes políticos de

Estados membros. Um primeiro exemplo é “assembléia geral”, a qual também é nomeada

como “órgão plenário”33

ou “órgão de representação oficial”34

. As “assembléias gerais” são

compostas por representantes políticos de todos os Estados membros e, portanto, assumem

importantes funções deliberativas dentro da organização.

Outro exemplo de órgão político é aquele composto por representes de apenas alguns

dos Estados membros, o que lhe confere, na análise de Schermers e Blokker (2004, p. 184)

uma maior eficiência na sua atividade decisória e um menor custo operacional. Estrutura que

também faz-se presente em outras espécies de órgãos não políticos e impõe ao órgão a

classificação de órgão “não plenário”. O exemplo clássico deste, presente dentro da ONU, é o

Conselho de Segurança.

Para além desses órgãos pré-estabelecidos na constituição da organização

internacional, têm-se outros órgãos que são criados posteriormente em resposta às

necessidades operacionais verificadas após o início das atividades, os quais podem ser

identificados como “órgãos subsidiários”35

.

A criação desses órgãos pode se dar com ou sem a autorização expressa do tratado

constitutivo da organização. Trindade (2012, p. 22-23) coloca que a criação de novos órgãos

pelas próprias organizações, não originalmente previstos em seus tratados, é exemplo da

utilização da “doutrina dos poderes implícitos”36

.

32

Espécie que é tratada posteriormente no capítulo 1.4. 33

Ver Schermers e Blokker (2004, p. 183-184). 34

Ver Alvarez (2006, p. 04). Para a caracterização desse órgão, o autor propõe a divisão entre órgãos de

representação oficial e órgãos de gestão. 35

Para mais informações sobre a diferenciação entre órgãos primários e subsidiários, ver Schermers e Blokker

(2004, p. 153). 36

A “doutrina dos poderes implícitos” ou “teoria dos poderes implícitos” é desenvolvida para fundamentar o

exercício de competências por órgãos das organizações internacionais, as quais não foram previstas no tratado

constitutivo, mas que são tidas como expressão inerente da autoridade genérica conferida no tratado e

decorrência da necessidade prática de dar efetividade às competências expressamente estabelecidas. A

interpretação judicial clássica desta é feita pela CIJ na Opinião Consultiva sobre Reparações por danos sofridos a

serviço das Nações Unidas de 1949 - ICJ Reports (1949, p. 180) - na qual considerou-se a competência de

proteção do agente da ONU como atribuição de implicação necessária para o desempenho das funções

explicitamente atribuídas a organização. Sobre o assunto: Alvarez (2005, p. 92-95) e Schermers e Blokker (2004,

p. 175-183). Ainda sobre a “doutrina dos poderes inerentes da ONU”, ver Trindade (2012, p. 12-15).

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A existência desses órgãos pode ser considerada como condição de existência de

uma organização internacional, na medida em que é por meio deles que será externada a sua

vontade autônoma, distinta daquela manifestada por cada um de seus membros37

.

Por fim, tem-se que esse novo ente moral torna-se um novo sujeito de direito

internacional capaz de exercer suas funções e poderes na sociedade internacional de forma

independente, decorrência da sua existência institucional autônoma. Essa personalidade

confere-lhe a capacidade de assumir a titularidade de direitos e deveres internacionais.

No âmbito das discussões da CIJ em 1949 no caso das “Reparações de Danos”38

afirma-se a possibilidade de reconhecimento de uma “personalidade internacional objetiva”

para a ONU. Trindade (2012a, p. 9) observa que, para que haja essa “personalidade objetiva”

das organizações internacionais, faz-se necessária a observância de alguns requisitos

objetivos: “[...] criadas originalmente por um acordo internacional entre Estados, são dotadas

de órgãos que expressam uma vontade distinta da dos Estados membros, e possuem

determinados propósitos a serem realizados no exercício de suas funções e poderes”.

Schermers e Blokker (2004, p. 989) observam a existência de diferentes correntes

sobre o reconhecimento dessa personalidade. A primeira delas afirma a necessidade de

disposição expressa no tratado constitutivo. Já a segunda considera ser essa personalidade

uma característica objetiva da organização, não dependendo da intenção de seus membros. A

terceira, que seria predominante na atualidade, considera a necessidade de atribuição dessa

personalidade, seja expressa ou implicitamente, no momento da constituição da organização

internacional.

Como se pode observar, a construção desses elementos não perfaz um

posicionamento unânime, logo, o estudo da transformação desses elementos permite a

formulação de algumas modificações conceituais que merecem atenção e servem de base para

o controvertido estudo da atuação das organizações internacionais em áreas antes estritamente

de competência dos Estados, como é o campo dos modos de surgimento das normas

internacionais.

37

Ver Seitenfus (2008, p. 33-34). 38

ICJ Reports (1949, p. 185).

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21

1.3 Desenvolvimento do conceito

A transformação desses elementos contidos nas definições das organizações

internacionais pode ser evidenciada a partir das modificações conceituais observadas no

âmbito dos trabalhos da CDI. Em 1986 consolidou-se o texto da “Convenção de Viena sobre

o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais e entre Organizações

Internacionais”39

. Nesta optou-se pela manutenção da definição sintética de organizações

internacionais (artigo 2. 1, “i”)40

já utilizada na “Convenção de Viena sobre Direito dos

Tratados” de 196941

e na “Convenção de Viena sobre a Representação dos Estados em suas

relações com Organizações Internacionais de caráter Universal” de 197542

, as quais

identificaram-nas como organizações intergovernamentais.

A preocupação da Comissão no texto das Convenções de 1969, de 1975 e de 1986

foi de excluir as organizações não governamentais do novo regimento normativo

estabelecido43

. Embora tenha-se ponderado que poderiam existir casos excepcionais de

organizações internacionais compostas por outros membros associados não estatais, concluiu-

se que na prática a grande maioria das organizações eram interestatais e que o ponto crucial

para a sua identificação seria a capacidade de celebrarem tratados a ser regulamentada pela

Convenção, ainda que a organização fosse identificada por outra nomenclatura44

, mantendo-

se, então, a definição.

A manutenção dessas definições sintéticas tornou-se insustentável com a proliferação

de organizações internacionais e o surgimento de novas problemáticas jurídicas decorrentes

de sua participação na sociedade internacional. Schermers e Blokker (2004, p. 22) destacam

que a CDI mudou a sua postura em 2003 no âmbito das discussões em torno da

responsabilidade internacional das organizações internacionais, quando passou-se a adotar

definições mais precisas, como no seu artigo 2º:

(a) “Organização internacional” significa uma organização estabelecida por um

tratado ou outro instrumento de direito internacional e que possui sua própria

39

Tratado que será estudado adiante dentro do capítulo 1.6 sobre os diplomas normativos que regem as

organizações internacionais. 40

United Nations (1986). 41

United Nations (1969). 42

United Nations (1975b). 43

International Law Comission – United Nations (1966, p. 190). 44

International Law Comission – United Nations (1982, p. 20-21).

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personalidade jurídica internacional. Organizações internacionais podem incluir

como membros, além dos Estados, outras entidades” 45

46

;

Blokker (2008, p. 203-204) coloca essa evolução conceitual no âmbito da CDI como

um exemplo do enfretamento pelo órgão da realidade plural das organizações internacionais.

A saída encontrada teria sido a busca de elevado grau de abstração e generalidade nas

disposições, capazes de darem certa unidade no regramento jurídico internacional desses

sujeitos de direito internacional.

Do texto apresentado extrai-se a ampliação de dois dos elementos constitutivos já

trabalhados, a necessidade de um tratado para a constituição de uma organização internacional

e a exclusiva capacidade dos Estados na participação de uma organização.

Quanto aos atos instituidores, observa-se um alargamento do seu conceito a partir da

aceitação de outros instrumentos normativos internacionais diversos dos tratados. Não se nega

que a prática predominante ainda perfaça o estabelecimento de organizações internacionais

por meio de tratados, mas observa-se a existência de outras possibilidades, como acordos

informais e resoluções adotadas no seio de uma organização internacional47

.

Em seus comentários sobre o projeto, o Relator Especial Giorgio Gaja48

apresentou

exemplos de organizações internacionais estabelecidas por outros atos diversos dos tratados,

são eles: o Conselho Nórdico (cuja celebração de um tratado foi feita posteriormente à sua

constituição); a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)49

; o Instituto

Pan-Americano de Geografia e História (IPGH) e a Organização dos Países Exportadores de

Petróleo (OPEP).

Schermers e Blokker (2004, p. 27-28) dão como exemplo a “Commonwealth

Agricultural Bureau”, que foi constituída independente de expressa decisão dos representantes

dos governos. Esta teria surgido como um órgão do império britânico e adquirido a forma de

uma organização internacional após a independência das colônias britânicas que constituíram

45

International Law Comission – United Nations (2009, p. 20). Observa-se que o texto do projeto foi objeto de

modificações nas sessões realizadas em 2011, mas a redação do presente dispositivo foi mantida. Ver Bermúdez

(2011). 46

In verbis: “(a) ‘International organization’ means an organization established by a treaty or other instrument

governed by international law and possessing its own international legal personality. International organizations

may include as members, in addition to States, other entities”. 47

International Law Comission – United Nations (2009, p. 43-44, §4). Posicionamento também assumido por

Blokker (2004, p.2, nota de rodapé nº 1), in verbis: “In exceptional cases international organizations are not

founded by treaty. Examples are the Organization of the Petroleum Exporting Countries (OPEC) and the

Organization for Security and Cooperation in Europe (OSCE) […]”. 48

Ver International Law Comission – United Nations (2009, p.43-44, §4). 49

Deve-se observar a controvérsia a respeito da juridicidade internacional dos atos fundadores da OSCE (“Ata

Final de Helsinque” e a “Carta de Paris para uma Nova Europa”) e do reconhecimento de sua personalidade

jurídica, manifestada pela Federação Russa e pela Áustria. Ver Gaja (2011, p. 8, §16).

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a “British Commonwealth of Nations”, em relação à qual os autores reconhecem natureza de

organização internacional, ainda que destituída de um tratado constitutivo escrito, já que o

acordo de fundação da mesma estaria expresso na Declaração da “Commonwealth Principles”

de Singapura, 1971.

No que tange a composição das organizações internacionais abre-se a possibilidade

de reconhecimento da participação de outras entidades que não os Estados. Observa-se que,

além das próprias organizações internacionais, outras entidades, ainda que destituídas da

capacidade de celebração de tratados, têm sido aceitas como partes, como os territórios e

entidades privadas50

.

Mais uma vez Giorgio Gaja51

traz exemplos, como o da Organização das Nações

Unidas para a Alimentação e a Agricultura, que tem como membro a União Européia; a

abertura trazida na Constituição da Organização Meteorológica Mundial (artigo 3º, “d” e “e”)

que torna possível o ingresso de “territórios" ou "grupos de territórios" como membros; e a

Organização Mundial do Turismo que aceita os Estados como "membros de pleno direito" e

"territórios ou grupos de territórios e organismos internacionais, intergovernamentais e não

governamentais" como "membros associados”.

Alvarez (2006, p. 05) dá outros exemplos, como a União Postal Universal e a União

das Telecomunicações Universal, as quais aceitam como membros unidades administrativas

estatais.

Para além da participação como membro, verifica-se uma outra forma de

participação que aponta para uma heterogeneidade de aceitação, aquela exercida a título de

observador. As organizações não governamentais são exemplos de observadores que

apresentam uma relevante atuação, por exemplo, no campo do direito internacional do meio

ambiente52

.

No caso da ONU, observa-se que a admissão de “observadores permanentes” decorre

da prática internacional daquela organização, a qual se iniciou em 1946 com a admissão da

participação do governo suíço, uma vez que não era membro da organização53

.

50

International Law Comission – United Nations (2009, p.44-45, §5). 51

Comentários presentes em: International Law Comission – United Nations (2009, p. 49, notas de rodapé nºs

51, 52 e 53). 52

Amaral Júnior (2011a, p. 35) destaca que há no âmbito do processo de formação dos tratados sobre o meio

ambiente o importante papel que as organizações não governamentais, na qualidade de observadores. 53

Ver UNITED NATIONS – Permanent Observers.

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24

O status de observador também é, em alguns casos, conferido às próprias

organizações internacionais, como se dá com a Organização Mundial do Comércio que

permite a participação destas como observadoras nas discussões que são travadas em alguns

dos seus órgãos, como fazem, por exemplo, o Fundo Monetário Mundial e o Banco

Mundial54

.

Ainda que se verifique o reconhecimento desses exemplos de organizações

diferenciadas, as quais permitem a constituição de uma organização internacional com a

participação de outros sujeitos internacionais, bem como seja aceita uma participação por

meio do instituto do observador, exige-se, ainda, a participação de um55

ou mais Estados para

a constituição de uma organização internacional.

Essa exigência pode ser justificada pelo reconhecimento do “princípio da

especialidade” na regulação das organizações internacionais, pelo qual afirma-se a vinculação

das finalidades da organização aos interesses comuns confiados a ela pelos Estados e a

limitação no exercício de seus poderes conforme esses mesmos interesses56

.

Giorgio Gaja57

já aponta para uma superação dessa limitação ao reconhecer a

participação indireta de um Estado por meio de seus órgãos ou agências, como ocorre na

União de Radiodifusão dos Estados Árabes. Sorensen (1981, p. 108), por sua vez, pondera

acerca da existência e participação de “unidades políticas” dotadas de personalidade jurídica,

as quais devem ser equiparadas aos Estados na definição das organizações internacionais.

Além dessas exceções, verifica-se na prática internacional um exemplo de uma

formação organizacional sem a participação de Estados58

, o caso da Convenção que

estabeleceu a “Joint Vienna Institute”, celebrada entre cinco organizações internacionais59

.

54

Ver WORLD TRADE ORGANIZATION - International Intergovernmental Organizations. 55

Em seu relatório apresentado em 14 de março de 2011, o Relator Especial Giorgio Gaja, em atendimento a

manifestação da Secretaria da CDI, explica que o uso do termo "Estados" no plural (art. 2º, “a”) não exige uma

pluralidade de Estados para a constituição de uma organização internacional, bastando, por exemplo, um Estado

e uma organização internacional, como ocorre no Tribunal Especial para Serra Leoa e no Tribunal Especial para

o Líbano. Ver Gaja (2011, p. 8, § 17). 56

International Law Comission – United Nations (2009, p. 48, § 11). Extrai-se o conteúdo do “princípio da

especialidade” do Parecer da CIJ sobre a Legalidade da Utilização por um Estado de Armas Nucleares nos

Conflitos Armados, publicado em 1996. 57

International Law Comission – United Nations (2009, p. 48, §12). 58

Amaral Júnior (2011b, p.185) afirma não haver empecilhos para que duas ou mais organizações internacionais

decidam criar uma terceira organização, a qual venha a perquirir os objetivos previamente determinados para

essas organizações. 59

Ver JOINT VIENNA INSTITUTE – About the JVI.: “The Joint Vienna Institute (JVI) is a cooperative venture

of six international organizations (1) and the Austrian Authorities (2) […] (1) The original sponsoring

organizations were the Bank for International Settlements, the European Bank for Reconstruction and

Development, the International Bank for Reconstruction and Development, the International Monetary Fund, and

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25

Thirlway (2002, p. 357-359) destaca que o fato das organizações internacionais

serem compostas, via de regra, por Estados, sujeitos primários do direito internacional, não

encerra a discussão sobre o reconhecimento jurídico da sua existência. Como exemplo dessa

discussão, o autor menciona duas decisões60

proferidas pela Câmara dos Lordes Britânica,

proferidas em 1989 e 1991, as quais afirmam a inexistência jurídica das organizações

internacionais na jurisdição britânica, ainda que nelas haja a participação do governo

britânico, ante a ausência de reconhecimento da legislação nacional.

Essa discussão gera implicações importantes, como a da incapacidade das

organizações internacionais de estarem presentes em relações jurídicas nacionais. Problema

que foi resolvido pelos britânicos de forma prática, mas teoricamente incoerente. Os tribunais

britânicos poderiam reconhecer existência jurídica de uma organização internacional, desde

que um outro Estado-membro desta tenha o feito, assumindo, então, que essa deriva do

ordenamento jurídico estrangeiro.

O posicionamento assumido pelos britânicos reflete a adoção da teoria clássica do

Direito Internacional de reconhecimento do Estado como único sujeito. Ainda que

aparentemente minoritário esse posicionamento, havendo um reconhecimento geral da

existência jurídica das organizações internacionais pelos seus Estados membros no âmbito de

suas jurisdições, tem-se uma discussão mais intrigante que é trazida pelo autor61

, o

reconhecimento jurídico das organizações pelos Estados que não ratificaram o seu tratado

constitutivo.

Indagação que já teria sido respondida pela CIJ no seu parecer consultivo sobre as

“Reparações de danos” de 194962

, no qual afirmou-se ser possível a constituição de uma nova

personalidade jurídica internacional objetiva, oponível a quaisquer outros sujeitos

internacionais, quando constituída pela maioria dos Estados da comunidade internacional,

como é o caso da ONU.

the Organization for Economic Cooperation and Development. The World Trade Organization became the sixth

sponsoring organization in 1998”. 60

São elas: JH. Raine (Mincing Lane) Ltd. v. Department of Trade and Industry and Others e Madeline Watson

c£- Co. Ltd. v. Department of Trade and Industry, 11989] 3 WLR at p. 1013 (Lord Oliver). 61

Thirlway (2002, p. 357-359). 62

ICJ Reports (1949). Jurisprudência da CIJ também citada por: Zemanek (2009, p. 02) em seus comentários

sobre o contexto histórico em que foi aprovada a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e

Organizações Internacionais e entre Organizações Internacionais de 1986, a qual é tratada adiante com mais

detalhes no capítulo 1.6 referente aos diplomas normativos gerais que regem as organizações internacionais; e

por Casella (2008, p. 109-110) como prova, juntamente com a Convenção de Viena de 1986, do reconhecimento

da qualidade de sujeito de direito internacional das organizações internacionais, o qual serve de explicação para a

consolidação no século XX do modelo de organizações internacionais estabelecido pela Liga das Nações e pela

ONU.

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26

Mello (2002, p. 575-576) também faz referência a essa decisão e a coloca como

marco importante sobre o reconhecimento da personalidade jurídica da ONU, a qual seria

condição para o exercício e realização de suas finalidades. Afirma o autor que depois dessa

decisão, o entendimento passa a ser estendido às demais organizações internacionais e os

tratados constitutivos de algumas delas já passam a afirmar a personalidade jurídica

autônoma, colocando fim à grande controvérsia sobre o assunto.

Portanto, o que realmente caracterizaria uma organização internacional, nos termos

do novo dispositivo apresentado pela CDI, é a titularidade de uma personalidade jurídica

internacional própria. Giorgio Gaja63

destaca a existência de diferentes formas de

reconhecimento desta, seja pela existência de uma simples atribuição de obrigação

internacional para a organização ou pelo preenchimento de um rol de requisitos, mas dá

relevo à posição da conformação de uma “personalidade objetiva”, a qual independe do

reconhecimento de um Estado interessado.

Schermers e Blokker (2004, p. 22) afirmam assumir definição semelhante a

formulada pela CDI na codificação sobre a responsabilidade internacional das organizações

internacionais, mas contestam a exigência da personalidade internacional para a sua

caracterização, o que excluiria da definição organizações como a BENELUX64

e a

Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa.

Pode-se, então, concluir que, para a CDI, no âmbito do projeto de codificação sobre a

responsabilidade internacional das organizações, entre os elementos clássicos característicos

das organizações intergovernamentais, a personalidade jurídica assumida em face desse

ordenamento jurídico é o mais importante. Contudo, tem-se que observar as inúmeras

discussões que precederam esse posicionamento.

A emancipação conceitual das organizações internacionais, que extrapola a mera

agremiação estatal, serve de indicador da sua transformação que permite a consideração de

sua atuação no campo das normas do Direito Internacional.

63

Comentários presentes em: International Law Comission – United Nations (2009, p. 46-47, §§ 8 e 9). Para

exemplificar o reconhecimento de uma personalidade jurídica objetiva das organizações internacionais, o autor

faz referência a três manifestações da CIJ: a Opinião Consultiva sobre a interpretação do acordo de 25 de março

de 1951 entre a OMS e o Egito (publicada em 1980); o Parecer sobre a Legalidade da Utilização por um Estado

de Armas Nucleares nos Conflitos Armados (publicado em 1996) e a do parecer divergente dado na Opinião

Consultiva da CIJ sobre Reparações por Danos sofridos a Serviço das Nações Unidas (publicada em 1949). 64

Organização econômica formada por três países, cujos iniciais dos nomes em inglês dão origem ao acrônimo

BENELUX: Belgique, Nederland e Luxembourg.

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Considerando que o estudo da atividade normativa autônoma derivada das

organizações internacionais é uma extrapolação dos limites dessa personalidade jurídica,

característica fundamental que permitiu o desenvolvimento das bases elementares de sua

existência, podendo-se até mesmo questionar a necessidade da celebração de um tratado e da

participação dos Estados, e que a sua afirmação não é livre de controvérsias, sendo fruto de

um construído histórico derivado do desenvolvimento dessas instituições, faz-se importante e

necessário o estudo de sua evolução histórica.

1.4 Evolução do associacionismo dentro do sistema internacional

A ideia básica de constituição das organizações internacionais, em primeira análise,

deriva do mesmo fundamento de conformação da unidade política estatal, o estabelecimento

de uma organização social institucionalizada necessária para a garantia da paz, a partir do

enfrentamento dos conflitos de interesses entre seus componentes por meio do Direito65

.

A manutenção da paz nas relações internacionais apresenta-se como problema

complexo, que vai além da garantia de não ocorrência de conflitos. Uma das suas facetas é a

necessidade de gestão das múltiplas normas internacionais que são adotadas sobre diversas

áreas da vida social internacional. Como se verá, a criação de normas internacionais, dada

prioritariamente por meio dos Estados, sujeitos primários do Direito Internacional, realiza-se

de forma livre e não regulamentada, conformando um grande conjunto normativo66

.

Essas organizações, porém, divergem dos Estados nacionais, os quais representam

sociedades políticas organizadas baseadas em instituições, normas e estrutura administrativa.

Não se tem no âmbito da ordem internacional, a priori, o estabelecimento de uma estrutura

hierarquizada entre administração e administrados, na medida em que se verifica a

65

Ver Nguyen (1999, p. 61). 66

A constatação desse contexto e o enfrentamento dos efeitos deletérios dessa intensa produção de normas são

feitos pela CDI nos trabalhos que findaram na aprovação do relatório de 2006 de título: “Fragmentation of

International Law: Difficulties Arising from the Diversification and Expansion of International Law”. A

Comissão leva em consideração a emergência de um fenômeno internacional normativo de especialização,

caracterizado pela formação de princípios e instituições próprias. Ver International Law Comission (Report ILC

2006).

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regulamentação do convívio de sujeitos igualmente soberanos que não abrem mão de sua

autonomia67

.

A consolidação e multiplicação dos Estados nacionais soberanos, que se dá a partir

da Baixa Idade Média, marcaram o rompimento do vínculo religioso e a afirmação do

humanismo advindo do Renascimento, bem como deram forma ao “sistema de direito

internacional interestatal”68

ou “sistema de direito internacional”69

. Os Estados, então,

representam o embrião da sociedade internacional como é concebida na contemporaneidade.

Esses Estados passam a interagir, por meio das relações consulares e diplomáticas70

,

e as questões transnacionais decorrentes desse relacionamento foram tratadas e reguladas por

tratados internacionais bilaterais, no entanto, a multiplicação de Estados e desses problemas71

impuseram a necessidade de soluções mais abrangentes e uniformes, as quais foram

encontradas no âmbito de conferências multilaterais, que tiveram como alguns de seus frutos

os tratados internacionais multilaterais e a consequente formação de organismos permanentes

para a sua administração.

Essas conferências multilaterais podem ser identificadas como marcos importantes

no desenvolvimento do Direito Internacional. A chamada “Paz de Vestfália”72

, dada em 1648

pela adoção dos tratados de Münster e de Osnabruck, estabeleceu as bases de uma estrutura

que vigorou até 1815, quando foi reformulada pelo Congresso de Viena e, depois, em 1848

pelo Congresso de Aquisgrana. Em 1919, a “Conferência de Paris” findou com a celebração

67

Ver Casella (2007, p. 36-37). 68

Ver Nguyen (1999, p. 42-43). 69

Mello (2002, p. 47-48) observa que “[...] A origem de uma sociedade no meio internacional não pode ser

fixada em uma determinada data. A sua constituição coincide com a formação das primeiras coletividades

organizadas [...]. A sociedade internacional existe assim desde a mais remota Antiguidade, evidentemente que

com características diferentes das que apresenta atualmente [...]”. Sobre essa contribuição para o Direito

Internacional derivada da Antiguidade, Casella (2012, p. 226) explica: “Registros históricos mostram a

existência de regras que podem ser caracterizadas como contendo as características básicas do que se veio

chamar de direito internacional. Entendo, contudo, em geral, não caber falar em sistema de direito internacional

na Antiguidade, propriamente dito, até mesmo por inexistirem à época estados propriamente ditos, com

pretensões concomitantes à soberania e à igualdade jurídica, mas não se pode deixar de apontar a ocorrência de

relevantes elementos precursores de direito internacional, como de relações internacionais, claramente presentes

desde o mundo antigo”. 70

Bowett (1970, p. 1-5) identifica as relações consulares e diplomáticas como instituições que estão na origem

das instituições mais complexas do direito internacional moderno. 71

Simplificação de um contexto bem mais complexo, por exemplo, Casella (2012, p. 173) destaca que: “Ao lado

das grandes questões político-militar-diplomático-institucionais, os progressos técnicos também ditaram

mudanças do contexto internacional. Os avanços tecnológicos tornaram a internacionalidade muito mais próxima

da vida das pessoas”. 72

Os tratados de Münster e Osnabrück, adotados na Vestfália em 24 de outubro de 1648, puseram termo à

Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e afirmaram, principalmente, o princípio da igualdade jurídica dos Estados.

Ver Accioly e Casella (2012, p. 112-114) e Nguyen (1999, p. 44-45).

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do tratado de Versalhes e em 1945 a “Conferência das Nações Unidas” aprovou a Carta das

Nações Unidas73

.

Para Casella (2007, p. 11-29) estes tratados, fruto dessas conferências multilaterais,

auxiliam na identificação das diferentes fases de institucionalização do sistema internacional74

e são os dois últimos, o tratado de Versalhes e a Carta das Nações Unidas, os que forneceram

as principais bases para o estabelecimento das organizações internacionais, tais quais as que

se têm na contemporaneidade.

O “Congresso de Viena”, na interpretação de Bowett (1970, p. 02), pode ser visto

como o início de um “sistema de entendimento” que constituiu um significante

desenvolvimento para o estudo das organizações internacionais. Teria instituído conferências

regulares, as quais, ainda que desestimadas posteriormente, revelaram a necessidade de

encontros regulares para a manutenção da paz nas relações internacionais por meio de

negociações multilaterais e para tanto exigiu-se a formação de novas estruturas.

O tratado de Versalhes de 1919, por sua vez, pode ser tido como precursor da

ordenação do sistema internacional, extrai-se dele o claro objetivo de se estabelecer um

“sistema regulador e organizador da vida internacional”. Projeto de sistema que é iniciado

com a Liga das Nações75

e retomado pela Carta das Nações Unidas de 194576

, a qual dá forma

ao “sistema onusiano”.

O estabelecimento dessas conferências não pode, porém, ser estudado fora do

contexto histórico da época. O sistema de conferências do século XIX deve ser visto com a

referência histórica da existência de estados monárquicos, os quais buscavam a sua mantença

e estabilidade. Os objetivos dos Estados com essas conferências alcançam maiores dimensões

com o estabelecimento do chamado “concerto europeu”, o qual é tido, nas palavras de Casella

(2012, p. 172), como “paradigma e símbolo do direito internacional ‘clássico’”.

O “concerto europeu”, derivado da ordem internacional estabelecida pelo Congresso

de Viena, implicou no reconhecimento da supremacia dos grandes Estados, os quais tiveram

papel diferenciado nos métodos de criação do Direito Internacional em detrimento dos

73

Ver Bowett (1970, p. 1-2). 74

Magalhães (2000, p. 21) utiliza a expressão “institucionalização do direito internacional” para designar o

contexto da sociedade internacional no pós Segunda Guerra Mundial, o qual foi caracterizado pela alteração do

papel desempenhado pelos Estados, principalmente por conta da participação das organizações internacionais de

caráter universal no contexto internacional. 75

Accioly e Casella (2012, p.436) destacam que o seu surgimento da Liga das Nações deu-se em torno de

projetos até então frustrados de “[...] mecanismos para assegurar a manutenção da paz, mediante instauração de

sistemas mais ou menos utópicos de regulação da convivência organizada entre sujeitos de direito internacional”. 76

Ver Casella (2012, p. 172).

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Estados menores. Panorama de desigualdade que foi profundamente modificado no âmbito

das organizações internacionais ante o emprego do princípio da maioria nos seus processos

decisórios77

.

Por conta dessa evolução, o século XIX pode ser identificado como o momento de

peculiar desenvolvimento das associações internacionais, seja no âmbito público, como no

privado78

. Mello (2002, p. 48-49) destaca, contudo, que é no contexto político, econômico e

social do século XX que os Estados percebem a necessidade de junção de esforços, não só

entre seus pares, como também com os demais atores internacionais, fundando, então, uma

nova fase do “associacionismo internacional”, manifestada pela proliferação, não só das

organizações intergovernamentais, como também das organizações não governamentais.

Verifica-se, então, um fenômeno de multiplicação de organizações, o qual relaciona-

se com a conscientização dos Estados sobre sua impotência no auto-regimento de suas

relações no âmbito da sociedade internacional, dado fundamentalmente por meio das relações

diplomáticas bilaterais e multilaterais perenes, e por conta do desenvolvimento das facilidades

de intercâmbio de pessoas e de informações. Dá-se, então, privilégio para as ações

coordenadas, que partem das organizações internacionais e que são alcançadas pela

cooperação entre os Estados79

.

1.5 Desenvolvimento do associacionismo internacional

No início do desenvolvimento das associações internacionais tem-se a formação de

“associações funcionais” intergovernamentais criadas para dar mais eficiência a matérias

77

Ver Castañeda (1961, p. 38-40). 78

Ainda que o objeto do presente estudo trate da atuação das associações de “caráter público”, não são ignoradas

as associações de perspectivas internacionais formadas por particulares, como exemplo, a Associação de Direito

Internacional fundada em 1873. Friedman (1971, p. 107-109), já nos meados do século XX, em sua obra

intitulada de “Mudança da estrutura do direito internacional”, afirmava o importante papel das corporações

privadas binacionais e multinacionais que surgiam, como a Euroquímica e a Companhia Internacional Mosel, as

quais, na visão dele, deveriam tornar-se importantes modalidades de organizações internacionais, ao lado das

“corporações públicas internacionais” existentes. 79

Ver Accioly e Casella (2012, p. 430-434) e Soares (2002, p. 150).

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vitais das relações internacionais travadas entre os Estados, assumindo caráter de foro

permanente e institucionalizado que exerce funções administrativas e técnicas80

.

Como já destacado, a Convenção de Viena apresenta proeminente papel nesse

desenvolvimento, é a partir dela que se estabelece em 1815 a Comissão Fluvial Internacional

para a administração conjunta da navegação do rio Reno. Após, em 1856, dá-se forma à

Comissão para o trato da navegação do rio Danúbio e, adiante, tem-se a fundação da União

Telegráfica (1865), da União Postal Universal (1874), da União para a Proteção da

Propriedade Intelectual (1883) e da União das Ferrovias (1890)81

.

O fenômeno do associacionismo também é verificado no âmbito regional e, como

exemplo, tem-se em 1826 a realização do “Congresso do Panamá”, cuja idealização e

liderança são de Simon Bolívar. Neste foi feita a proposta de criação da “Confederação dos

Estados Americanos independentes”, já com natureza política e não técnico-administrativo,

dotada de vários propósitos, mas com o premente objetivo de fortalecer as defesas das ex-

colônias espanholas recém-independentes. A sua efetivação foi abortada pela ausência de

ratificações e pela eclosão de conflitos no próprio continente82

.

A experiência regional que vingou iniciou-se em 1889 com a convocação, pelos

Estados Unidos da América, da Primeira Conferência Internacional dos Países Americanos, a

qual é sucedida de outras oito conferências. Já na primeira conferência deu-se forma à “União

Internacional das Repúblicas Americanas”, a qual passa a ser chamada de “União Pan-

Americana” na 4ª Conferência realizada em Buenos Aires (1910)83

.

Ocorre que, momentos históricos conflituosos e a necessidade de estabelecimento de

uma pacificação das relações internacionais induziram o clamor por associações políticas em

âmbito universal, que, a exemplo da experiência regional, extrapolassem o caráter meramente

técnico-administrativo até então verificado. No entanto, é o desenvolvimento dessas primeiras

80

Ver Shaw (2005, p. 1162-1164). Casella (2008, p. 107) afirma que essas instituições foram constituídas para

responder a necessidades específicas, quais sejam: aquelas decorrentes das inovações técnicas, as tentativas de

organização da atuação dos estados e a ordenação dessas modalidades de atuação. 81

Seitenfus (2003, p. 34-35). 82

Ver Menezes (2010, p. 94-95). A respeito desse insucesso Hobsbawn (2000, p. 161) elenca outros fatores para

a frustração do ideal integracionista de Bolívar e concretização de uma fragmentariedade: “[...] a grande

extensão e variedade do continente, a existência de focos de rebelião independentes no México (que deram

origem à América Central), na Venezuela e em Buenos Aires, e o especial problema do centro do colonialismo

espanhol no Peru [...]”. 83

Ver Accioly e Casella (2012, p. 478-481) e ORGANIZAÇÃO OS ESTADOS AMERICANOS – Nossa

História. Verifica-se que os princípios da União são retomados com a Organização dos Estados Americanos

(OEA), oficialmente instituída na Nona Conferência Internacional Americana, que se reuniu em Bogotá

(Colômbia) em 02 de maio de 1948. Nesta data foram adotadas a Carta da OEA, o Tratado Americano sobre

Soluções Pacíficas ("Pacto de Bogotá") e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

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manifestações institucionais que permite o estabelecimento das organizações internacionais

modernas.

Amaral Júnior (2011b, p. 183-184) discrimina as características presentes nessas

primeiras organizações internacionais que surgem na primeira metade do século XIX: o

favorecimento da cooperação na solução de problemas comuns; a organização incipiente, em

geral restrita a uma secretaria; a ausência de objetivos políticos e a adoção de procedimento

decisório pautado pela unanimidade. Em contraponto, afirma que as organizações

internacionais que se desenvolvem após a constituição da Liga das Nações, seriam

caracterizadas pela finalidade política, pela adoção do princípio majoritário, pelo exercício do

poder regulamentar e pela assunção de personalidade internacional.

Ainda que pouco promissoras as características gerais verificadas, Bowett (1970, p.

7-8) destaca a importância dos desenvolvimentos institucionais verificados nessas

associações, os quais vão contribuir para a conformação das organizações internacionais

atuais. A primeira característica importante afirmada é a permanência, verificada na existência

de órgãos deliberativos ou legislativos permanentes, ou ainda, de secretarias, as quais deram

auxílio para a realização periódica de conferências.

Além da permanência, o autor84

trata da adoção do critério majoritário de decisão (ou

princípio da maioria), característica excepcional adotada pela Comissão do rio Reno no

exercício de funções “legislativas”; o estabelecimento de regimentos próprios (permeados de

normas de execução, em complemento às regras gerais estabelecidas nas Convenções); a

permissão da representação de outros entes diversos dos Estados e a adoção de diferentes

técnicas de votação. O problema que teria se verificado nessas organizações, seria a falta de

uma coordenação geral.

Castañeda (1961, p. 40-41) destaca que o princípio da maioria foi um dos grandes

facilitadores para a transformação das organizações internacionais e das regras de direito

internacional, na medida que os Estados “menores”, que obtiveram sua independência

tardiamente, passam a poder participar ativamente das decisões. Uma das transformações

fomentada por estes Estados no âmbito das organizações, teria sido o exercício de “funções

legislativas”.

Outros conceitos importantes, segundo Shaw (2005, p. 1163), derivaram dessas

organizações que surgiram no século XIX e são incorporados pelas organizações modernas,

84

Ver Bowett (1970, p. 8).

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quais sejam: as conferências periódicas, o voto ponderado e as contribuições financeiras

proporcionais.

A descrição das experiências verificadas no século XIX serve para demonstrar, em

primeiro lugar, o avanço das funções que é afirmado nas organizações internacionais

contemporâneas e ajuda na compreensão da construção da ideia das formas institucionais que

são caracterizadas pela criação de órgãos permanentes e, até mesmo, pela formação de

decisões por meio do consenso da maioria.

Já no século XX que se tem o primeiro contexto histórico especial que, como já

anunciado, representa o passo seguinte no desenvolvimento dessas organizações, a Primeira

Guerra Mundial, a qual findou com a adoção do Tratado de Versalhes85

, assinado em 28 de

junho de 1919 entre as potências aliadas e associadas de um lado e do outro a Alemanha.

O tratado de Versalhes superou o “direito internacional clássico”, cujas bases foram

colocadas pela chamada “Paz de Vestfália” (1648), e pode ser considerado como uma

importante fase no processo de “institucionalização de sistema internacional”, ante o

estabelecimento da Liga das Nações e da Corte Permanente de Justiça Internacional86

.

Casella (2007, p. 11-29) destaca que o estabelecimento da Liga das Nações

evidenciaria uma transformação do direito internacional, antes caracterizado pela coexistência

dos sujeitos internacionais e da mútua abstenção entre eles e agora fundado pela cooperação87

,

a qual ganha contornos especiais em determinados sistemas regionais.

Essas características da Sociedade das Nações são colocadas como precursoras

necessárias ao estabelecimento do sistema presente, qual seja, o onusiano. Klabbers (2002, p.

20) destaca que a Liga das Nações tornou-se um foro de discussão ilimitado e abriu caminho

para a constituição da ONU, no entanto, foi em seu propósito primordial que apresentou a

grande falha, a manutenção da paz. Nas palavras de Casella (2007, p. 17), a Liga das Nações

assumiu o papel de “[...] semente da catástrofe – por ter contribuído e não pouco, para a

preparação do contexto europeu que desaguaria na segunda guerra mundial [...]”. 85

A Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919, também foi estabelecida no Tratado de Versalhes,

no entanto, teve seu ideal afirmado já em 1901, com a Associação Internacional para Legislação. Ver:

INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION - History. 86

Casella (2007, p. 12-13). Em outra obra Casella (2008, p. 431-432) afirma que a “Paz de Vestfália”

estabeleceu um modelo de institucionalização de “convivência regulada” entre os Estados, o qual perdurou até a

primeira metade do século XX com o estabelecimento de um modelo diverso, caracterizado por uma

“convivência hierarquizada”. 87

Em outra obra Casella (2008, p. 107-108) afirma que as organizações internacionais são fruto dessa

transformação estrutural do direito internacional, as quais apresentam funcionamento que corresponde ao

denominado modelo de “diplomacia parlamentar”. Quanto à Liga das Nações, afirma representar marco

institucional importante que colocou em prática a teoria, até então desenvolvida, sobre o banimento da guerra.

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Outros problemas do pacto constituinte da organização são apresentados pelo autor,

como o tratamento igualitário a todos Estados, ignorando as enormes diferenças existentes

entre as potências e os demais; a facilidade de desvinculação e a não admissão em seu

surgimento da segunda grande potência da época, a União Soviética, a qual chegou a ser

integrada em 1934, mas expulsa em 193988

.

Já no aspecto institucional abrangente da Liga das Nações, verificou-se a

inaplicabilidade prática da proposta coordenação geral da atividade de todas as comissões

internacionais existentes, nos termos do artigo 24 do seu Pacto. Essa coordenação se fez

necessária ante a criação de várias organizações no século XIX, as quais, porém, foram

pensadas para a solução de problemas pontuais, mas cuja interação não foi planejada.

Como último marco, então, fruto da “Conferência das Nações Unidas” realizada em

1945, tem-se a constituição da ONU que representou uma reação ao período da Segunda

Guerra Mundial. Sua Carta estabelece não só afirmação de um pacifismo entre as nações,

como também estabelece formas de promoção das relações pacíficas entre os Estados.

Assim como a Liga das Nações, a formação da ONU se dá com o propósito

primordial de estabelecer um estado de paz nas relações internacionais. Casella (2007, p. 29-

31) afirma ser de Christian Wolff o precedente primário, ainda que indireto, das tentativas

históricas de institucionalização da comunidade internacional que visaram evitar as guerras.

Wolff desenvolveu a concepção da civitas maxima, que afirmava a ação de uma liga mundial

que atuasse como terceiro na apreciação dos conflitos internacionais.

As funções assumidas pela ONU podem ser resumidas no seu status de foro amistoso

para travamento das relações internacionais, seja para a solução das controvérsias, como para

a cooperação entre os Estados na solução de problemas de caráter econômico, social, cultural

ou humanitário, bem como o de promotora do respeito aos direitos humanos89

.

Menezes (2005, p.38, 42 e 45) destaca que o sucesso da ONU como foro

institucional internacional acabou por servir de exemplo e estímulo para o surgimento de

novas organizações internacionais, as quais se multiplicaram e assumiram diferentes

finalidades, como a econômica, a de cooperação, a científica, a militar, etc. A sociedade

internacional que as congrega, caracterizada pela presença de Estados, de organizações

internacionais e outros novos sujeitos, passou a exigir um novo instrumental jurídico, não

mais baseado na mera manifestação de vontade dos Estados. 88

Klabber (2002, p. 21). 89

Menezes (2005, p. 44-45).

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Casella (2007, p. 11-29) afirma, ainda, que o estabelecimento dessas organizações

internacionais de vocação universal se deu com o objetivo de regulamentar as relações

internacionais, sob um prisma jurídico, estabelecendo-se princípios norteadores, os quais

podem ser considerados como uma primeira tentativa de “constitucionalização da ordem

internacional”90

, da qual extrai-se a conformação de uma ordem pública internacional.

O estabelecimento dessa ordem pública pode ser extraído das disposições (artigos 18

e 20) do Pacto da Sociedade das Nações que estabelecem a sua primazia frente aos demais

tratados celebrados entre os Estados. E é neste pacto, seguido da Carta da ONU, que são

consagrados os princípios de direito internacional até então formados e estabelecidos, os quais

se apresentaram como limites ao princípio da soberania estatal, são eles: proibição da

agressão e direito relativo ao uso da força armada, princípio da autodeterminação dos povos e

respeito aos direitos humanos.

Essa transformação de um Direito Internacional clássico aplicado para a manutenção

da coexistência dos Estados, para um direito internacional contemporâneo baseado na

cooperação institucionalizada que dá condições para a manutenção da paz e a perseguição do

bem-estar social, resultou, como destaca Pastor Ridruejo (1996, p. 90), numa inversão de

importância entre as duas fontes jurídicas internacionais clássicas, os costumes e os tratados.

Os costumes internacionais, bem aplicados na sociedade internacional baseada na

coexistência de poucos Estados soberanos, deixam de ser tão úteis na dinâmica sociedade

internacional contemporânea, passando-se a preferir regulamentações positivadas sobre

diversas áreas, como econômica, cultural, social e administrativa.

Nesse contexto de transformação do Direito, as próprias organizações internacionais

assumem protagonismo na modificação do Direito Internacional, o qual deixa de ser

tradicionalmente bilateral e passa a assumir a caracterização de uma multilateridade baseada

em organizações91

.

Para Alvarez (2007-2008) é fato que as organizações internacionais, após a Segunda

Guerra Mundial, conduziram, intencionalmente ou não, mudanças fundamentais nas bases do

Direito Internacional, ou seja, nas suas fontes.

90

Carvalho Ramos (2012c, p. 19-21) explica que a chamada “constitucionalização do Direito Internacional”

perfaz fenômeno verificado na ordem jurídica internacional de mimetização de institutos jurídicos característicos

e, até então privativos, do Direito Constitucional estatal. Fenômeno que decorreria de outro, a “juridificação das

relações internacionais”, verificado ante a expansão quantitativa (multiplicação de normas internacionais nas

mais diversificadas áreas) e qualitativa (incremento dos procedimentos próprios de interpretação e

implementação) das normas de Direito Internacional. 91

Ver Accioly e Casella (2012, p. 430-434).

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Todo esse desenvolvimento foi acompanhado por inúmeras discussões jurídicas

internacionais, sendo uma delas de maior importância, a afirmação e a delimitação da

extensão da personalidade jurídica internacional das organizações internacionais, a qual,

como já visto, representa elemento fundamental para a sua caracterização.

Alcançada, então, a sua personalidade jurídica internacional, da qual decorre sua

titularidade de direitos e deveres no âmbito internacional e a possibilidade da

responsabilização internacional pelos seus atos, parte-se do pressuposto do reconhecimento da

juridicidade de seus atos. O estudo dos efeitos jurídicos das manifestações das organizações

internacionais, vinculado às formas de produção normativa do Direito Internacional, perfaz

importante passo na construção do Direito Internacional contemporâneo.

Essa construção é indispensável para o do estudo que se propõe, mas faz-se

necessária, antes de se prosseguir, uma análise da enorme gama de organizações

internacionais que passam a compor a sociedade internacional, a qual se propõe por meio de

classificações.

1.6 Classificação

O termo organizações internacionais, como já apontado anteriormente92

, pode ser

utilizado para identificar inúmeras formas organizacionais. Essa realidade também é extraída

do Anuário das Organizações Internacionais93

, organizado pela União das Associações

Internacionais94

, o qual busca abranger todos os organismos sem fins-lucrativos com algum

reflexo internacional, podendo abranger federações, sociedades acadêmicas, associações e

outros atores transnacionais95

.

92

Ver capítulo 1.1 sobre conceito das organizações internacionais. 93

Ver YEARBOOK OF INTERNATIONAL ORGANIZATIONS - About the Yearbook - How organizations

are classified -Types of organization: Introduction. 94

A União das Associações Internacionais, organização não governamental sediada em Bruxelas, apresenta uma

natureza dupla, de instituto de pesquisa e de centro de documentação. Sua fundação se deu em 1907, por Henri

La Fontaine e Otlet Paulo, e suas principais publicações, além do anuário, são: a Enciclopédia dos problemas do

mundo e do potencial humano e o Calendário do Congresso Internacional. Ver UNION OF INTERNATIONAL

ASSOCIATIONS – About. 95

Ainda que apresente grande abrangência, o anuário ainda deixa de fora dois atores internacionais que também

podem ser considerados: as empresas multinacionais e as chamadas “organizações intergovernamentais

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Por conta dessa grande abrangência96

, o Anuário apresenta um complexo sistema de

classificação dos organismos catalogados. Antes mesmo de classificá-los, os organizadores

fazem uma primeira diferenciação, que apresenta grande utilidade para o presente estudo,

entre as organizações “intergovernamentais” e as organizações “não governamentais”.

Para a identificação das organizações intergovernamentais o anuário parte de uma

definição que leva em consideração a existência de três elementos essenciais: a constituição

por meio de um acordo internacional formal, acordo firmado entre três ou mais Estados, e a

constituição de uma secretaria permanente para a realização de suas tarefas97

.

No que concerne às organizações não governamentais, utiliza-se a definição utilizada

pelo Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC98

)99

pela qual considera-se toda

organização internacional não estabelecida por um acordo internacional, ainda que seja aceita

a participação de autoridades estatais100

.

Após essa primeira diferenciação, os editores do Anuário estabelecem quinze

critérios para a classificação das organizações internacionais catalogadas, que abarcam os dois

tipos de organizações, intergovernamentais e não governamentais. Estes critérios compõem

uma tipologia hierárquica denominada de “Tipo I”101

e os quatro primeiro tipos, denominados

por “A”, “B”, “C” e “D”102

são agrupados para identificar as “organizações internacionais

informais” (tratadas anteriormente no capítulo 1.1 sobre o conceito das organizações internacionais). Embora

apresentem importância na sociedade internacional contemporânea, a sua relação com as fontes do Direito

Internacional é mais tênue e menos evidente. 96

Para demonstrar essa grande abrangência, apontamos alguns números da edição nº 48 (2011/2012) do

Anuário. O universo de organizações englobadas pelo anuário é de 64.442, mas, deste total, a soma das

organizações intergovernamentais, nos termos da diferenciação proposta pelos editores, alcança o total de 7.808

organizações. 97

Ver. UNION OF INTERNATIONAL ASSOCIATIONS - Yearbook of International Organizations - Types of

international organization. 2. Conventional categories. 2.1 Inter-governmental organizations (IGOs). 98

Acrônimo formado pela nomenclatura na língua inglesa “Economic and Social Council”. 99

Definição apresentada no item 7, Parte I da Resolução 1296 (XIV): “Arrangements for Consultation with Non-

Governmental Organizations” do ECOSOC, a qual visa a regulamentação da determinação da Carta da ONU

(artigo 71) que estabelece a consulta à organizações não governamentais pelo Conselho Econômico Social no

desempenho de suas funções. ECOSOC - Resolution 1296 (XIV). 100

A inclusão das organizações não governamentais apresenta cooperação com a base de dados da Secretaria das

Nações Unidas, mas não vincula-se à seus critérios e determinações. Ver ECOSOC - Resolution 334 (XI). 101

Ver YEARBOOK OF INTERNATIONAL ORGANIZATIONS – Types organization – type I. 102

As organizações do tipo “A” incluem todas as organizações internacionais governamentais ou não

governamentais que congregam, pelo menos, três outros organismos internacionais autônomos não regionais

como membros plenos. Já o tipo “B” inclui todas as organizações internacionais sem fins lucrativos,

governamentais ou não governamentais, que apresentem uma representatividade ampla e geograficamente

distribuídas, bem como a presença de gestão e política de controle. O tipo “C”, muito semelhante ao anterior,

agrega as organizações que apresentem uma atuação em mais de um continente, mas sem maiores proporções. Já

o tipo “C”, por sua vez, agrega as organizações internacionais que apresentam membros de apenas um continente

ou de uma região continental. Ver: YEARBOOK OF INTERNATIONAL ORGANIZATIONS – Types

organization – type I.

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38

formais”103

. As demais organizações apresentam algum aspecto que as identificam com as

organizações internacionais, mas não podem ser a elas igualadas.

Esses quatro primeiros critérios lidam com a amplitude da representatividade e da

atuação das organizações, a mesma diferenciação proposta pelos doutrinadores para a

diferenciação entre as organizações de caráter universal e organizações de caráter regional104

.

Os dois exemplos clássicos105

das organizações de vocação universal são a extinta

Liga das Nações e a ONU106

, os quais se enquadrariam dentro das espécies “A” e “B”. A Liga

seria exemplo teórico, baseado nas expectativas convencionais de sua criação, de promoção

dos valores da cooperação, da paz e da segurança mundial.

Quanto à ONU, o grande exemplo de organização internacional de caráter universal,

atua por meio de seus principais órgãos, a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança. Nos

termos das disposições da sua Carta107

, em linhas gerais, as atribuições da Assembléia Geral

integram a deliberação sobre qualquer matéria envolvendo a Carta e do Conselho de

Segurança, a tomada de decisões sobre qualquer questão envolvendo as temáticas da

manutenção da paz e da segurança mundiais.

As organizações de vocação regional, por sua vez, são localizadas dentro dos tipos

“C” e “D” do anuário e têm como exemplos108

importantes a Organização dos Estados

Americanos (OEA)109

e a União Européia (UE). A UE, por seu turno, revela características

peculiares que as distingue de todas as demais organizações internacionais, tendo

classificação própria que a diferencia das demais, a de organização supranacional.

Cada uma dessas espécies, universais ou regionais, pode, ainda, ser classificada

quanto ao seu objeto, que pode ser geral ou específico. A ONU, a OEA e a UE são exemplos

de organizações internacionais com objeto geral, já a OACI serve de exemplo de uma

organização internacional com finalidade específica.

103

Na contagem da edição nº 48 (2011/2012) do Anuário, essas somam 8.451 organizações, sendo 253

intergovernamentais e 8.198 não governamentais. 104

Ver Shaw (2003, p. 1164-1165). Accioly e Casella (2012, p. 437) apontam que as organizações

intergovernamentais podem ser, primeiramente, classificadas quanto ao seu âmbito de atuação, podendo ser

identificadas como globais ou regionais. 105

Ver Shaw (2003, p.1166-1168). 106

Além desses dois, também são apresentados pelo Anuário outros dois exemplos: o Instituto Internacional para

a Unificação do Direito Privado e a Organização da Aviação Civil Internacional. 107

Ver artigos 10 e 24. 108

Muitos outros são catalogados pelo Anuário, podendo-se mencionar outros exemplos, como: Secretaria da

Commonwealth, Organização do Tratado do Atlântico Norte, Organização de Cooperação Islâmica, Comunidade

Econômica dos Estados Africanos centrais, Conselho de Ministros Nórdicos e Liga dos Estados Árabes. 109

Ver Accioly e Casella (2012, p. 478-485).

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A OACI perfaz agência especializada da ONU, a qual é definida por Carvalho

Ramos (2008b, p. 865-871) como:

[...] uma organização internacional de vocação universal, com personalidade

jurídica própria e distinta da personalidade onusiana, com objetivos amplos nos

domínios social, cultural, educacional, econômico, sanitário e conexos, que

celebrou com a ONU acordo internacional de cooperação estreita nesses temas.

As agências especializadas são previstas na Carta da ONU em seu artigo 55, sendo

úteis para o cumprimento do princípio convencional da ONU da cooperação internacional

para a resolução de problemas internacionais, os quais surgem em diversas áreas abarcadas

por essas organizações. Muitas dessas organizações surgem antes mesmo da Liga das Nações

e são incorporadas à “família da ONU”. Além da OACI, têm-se vários outros exemplos,

dentre os quais destacamos a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização

Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC)110

.

A classificação até aqui exposta serve para a visualização de um panorama geral do

imenso universo que as organizações internacionais compõem, além de servir para o

estabelecimento de alguns cortes metodológicos. Propõe-se uma análise genérica de atos

normativos e o impacto das organizações internacionais como um todo na teoria das fontes do

direito internacional. Estes cortes metodológicos dão respaldo para uma pesquisa que teria

enormes proporções.

A partir da primeira diferenciação, entre as organizações intergovernamentais e

organizações não governamentais, estabelece-se o primeiro corte, focando-se o estudo

naquelas. Essa diferenciação também foi descrita no primeiro capítulo, referente ao conceito

de organização internacional, e desde logo afirmou-se a proeminência que as organizações

intergovernamentais têm nas relações com o Direito Internacional.

Feita essa delimitação do estudo, temos a exemplificação de cada uma das categorias

de organizações intergovernamentais apresentadas, os quais foram propositalmente escolhidos

para os fins últimos deste trabalho. Para além dessas categorizações, tem-se o estabelecimento

de mais duas classificações que são ainda mais úteis para o estudo.

110

Accioly e Casella (2012, p. 460-466). Além desses exemplos, temos: a União Postal Universal; a União

Internacional de Telecomunicações; Nações Unidas para Alimentação e Agricultura; Fundo Internacional para o

Desenvolvimento Agrícola; Organização Marítima Internacional; Fundo Monetário Internacional; Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial; Grupo do

Banco Mundial; Agência Multilateral de Garantia de Investimento; Organização Mundial da Propriedade

Intelectual; Organização Meteorológica Mundial; Organização Mundial do Turismo. Ver: UNITED NATIONS –

Structure and Organization.

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40

A primeira classificação leva em consideração a fonte jurídica das manifestações das

organizações. A partir desse elemento discriminante pode-se diferenciar as organizações

internacionais dotadas de poderes explícitos ou implícitos previstos nos tratados constitutivos,

as quais se dá prevalência no presente estudo, daquelas que são despidas desses poderes.

O caso clássico de organização internacional que exerce competência normativa

internacional com base em poderes explícitos pelo tratado constitutivo é a ONU, a qual

apresenta disposições expressas sobre a natureza vinculativa de determinada decisão emanada

de um de seus órgãos, o Conselho de Segurança.

Nos termos do artigo 5º, as decisões que restituem direitos e privilégios de um dos

membros da organização, os quais foram anteriormente suspensos, apresentam valor

obrigatório. O mesmo valor é conferido às decisões que forem destinadas à manutenção ou ao

restabelecimento da paz (artigos 38 e 40), bem como àquelas destinadas à execução das

decisões proferidas pela CIJ (artigo 94.2)111

.

O artigo 131, “a” da Carta da ONU é o permissivo normativo que traz implicitamente

o poder normativo da organização na consecução de suas finalidades, na medida em que

atribui à Assembléia Geral a competência e responsabilidade de promoção da cooperação

internacional na seara política, bem como o incentivo ao desenvolvimento progressivo e

codificação do Direito Internacional.

Observa-se que órgãos subsidiários, como o Conselho Econômico e Social das

Nações Unidas, recebem incumbências de auxílio na atividade normativa, como dispõe o

artigo 62 da Carta. Assim como é o Comitê Jurídico Interamericano para a Organização dos

Estados Americanos, nos termos do artigo 99 da Carta da organização112

.

A União Européia também seria exemplo de organização internacional com

permissivo expresso de competência normativa. Nos termos do artigo 249 do Tratado de

Lisboa113

, tem-se a delimitação da competência da organização de adotar diversos atos

jurídicos, dentre os quais destacam-se os regulamentos e as diretivas no âmbito da União.

Os regulamentos nos termos do artigo 249-C.3 veiculam regras e princípios gerais,

os quais são adotados por meio de processo legislativo ordinário desenvolvido no âmbito do

Parlamento Europeu e do Conselho.

111

Ver Amaral Júnior (2011b, p. 190). 112

Ver ORGANIZATION OF AMERICAN STATES – Department of International Law - Charter of the

Organization of American States. 113

Ver UNIÃO EUROPÉIA - Acesso ao direito da União Européia.

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41

A OACI é exemplo de organização com competência de adoção de normas técnicas,

a qual é expressamente reconhecida no artigo 38 da sua carta constitutiva (“Convenção de

Chicago”)114

que trata das chamadas práticas recomendadas e dos procedimentos

internacionais, cuja matéria de abrangência é delimitada no artigo 37 e cuja competência é

exercida pelo Conselho da organização nos termos do artigo 54, “l”.

A OMS também é exemplo. Nos termos do artigo 21 de seu tratado constitutivo115

é

competente para adotar regulamentos sanitários para impedir a propagação de doenças, bem

como para garantir que não sejam verificados efeitos nocivos no uso de produtos

farmacêuticos. Tais regulamentos entram em vigor para todos os Estados membros após a sua

notificação, a não ser que, no prazo estipulado, estabeleçam a sua rejeição ou apresentem

reserva (nos termos do artigo 22).

Feito esse importante panorama da realidade plural das organizações internacionais,

precedido de um estudo sobre os elementos fundamentais de sua constituição, faz-se

interessante uma análise sobre o conjunto normativo que lhe dá validade. Busca-se levantar os

diplomas normativos internacionais gerais que estabelecem o arcabouço jurídico de

fundamentação dessa atividade. Observa-se que, ainda que sejam estabelecidas ordens

jurídicas próprias no entorno de cada organização internacional, existem exemplos de

princípios e regras comuns à elas e estas últimas ganham importância no presente estudo116

.

1.7 Diplomas normativos gerais que regem as organizações internacionais

Embora não existam muitas normas codificadas que tratam especificamente das

organizações internacionais, algumas delas fazem-se presentes, como a Convenção de Viena

sobre a Representação dos Estados nas suas relações com as Organizações Internacionais de

114

Ver INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION – Documents.

115 Ver WORLD HEALTH ORGANIZATION – Basic Documents - Constitution of the World Health

Organization. 116

Ver Schermers e Blokker (2005, p. 17).

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42

caráter universal de 1975117

e a Convenção de Viena de 1986 sobre Direito dos Tratados entre

Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais118

.

Além desses dois tratados, frutos do trabalho de codificação da CDI, fazem-se

presentes trabalhos desenvolvidos em torno dos temas: o estatuto, os privilégios e as

imunidades das organizações internacionais, dos seus funcionários, dos peritos, etc.119

; a

responsabilidade das organizações internacionais120

; e o estatuto do correio e das malas das

organizações internacionais de caráter universal121

.

Antes mesmo das Convenções de Viena de 1975 e de 1986, a própria Convenção de

Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 já tratou, em seu artigo 5º, dos instrumentos

institutivos das organizações internacionais, os quais são reconhecidos como tratados e

regidos pela Convenção. O dispositivo também determina a aplicação da Convenção sobre os

tratados adotados no seio da organização, ressalvando a existência de outras normas

relevantes da organização.

Como já visto no capítulo referente à conceituação das organizações internacionais,

há nessas codificações propostas de definições, que colaboram para a construção de conceitos.

Mais adiante, no capítulo referente ao direito das organizações internacionais, novamente as

definições sugeridas, agora sobre as “regras das organizações”, revelam grande utilidade.

Além das contribuições conceituais, outras disposições merecem destaque. A

Convenção de Viena de 1975, em seu intuito de estabelecer o marco normativo dos

privilégios e das imunidades para os representantes estatais no âmbito da diplomacia

multilateral universal, acaba por revelar o reconhecimento de uma autonomia normativa das

organizações internacionais ao ressalvar da aplicação das suas disposições as importantes

regras estabelecidas por elas122

.

117

Assinada pelo Brasil em 14 de março de 1975, mas ainda não ratificada. A Convenção ainda não está em

vigor já que a exigência de 35 ratificações prevista em seu artigo 89º não foi verificada. Ver UNITED

NATIONS - Treaty Collection – Vienna Convention on the Representation of States in their Relations with

International Organizations of a Universal Character (1975). 118

Assinada pelo Brasil em 21 de março de 1986, mas ainda não ratificada. 119

Ver UNITED NATIONS – International Law Comission. Texts, instruments and final reports / Status,

privileges and immunities of international organizations (1976 – 1992). 120

Ver UNITED NATIONS – International Law Comission: Texts, instruments and final reports / Responsibility

of international organizations (2011). 121

Ver UNITED NATIONS – International Law Comission: Texts, instruments and final reports / Status of the

Diplomatic Courier and the Diplomatic Bag (1989). 122

Ver artigo 3º, in verbis: “The provisions of the present Convention are without prejudice to any relevant rules

of the Organization or to any relevant rules of procedure of the Conference”.

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Outra disposição importante é trazida no seu artigo 5º, o qual trata das funções das

missões permanentes estatais nas organizações internacionais, que, em geral, compõem os

órgãos políticos dessas organizações. O dispositivo revela a função dúplice desses

representantes diplomáticos estatais, que defendem os interesses dos seus países, bem como

buscam a realização dos princípios e propósitos da organização123

.

A Convenção de Viena de 1986, por sua vez, parte da premissa da importância da

atuação das organizações internacionais no desenvolvimento das relações internacionais e na

garantia da cooperação pacífica dos Estados, a qual também se exprime autonomamente no

processo de codificação do direito internacional124

.

A temática da atuação das organizações internacionais passa a ser muito discutida

após 1945 por conta da atividade da ONU e de suas agências especializadas, sendo inclusive

discutida a questão da capacidade das organizações internacionais de serem partes em tratados

no âmbito dos trabalhos preparatórios da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de

1969, mas a CDI optou pelo estabelecimento de discussão autônoma em momento posterior,

que findou em 1986. Embora adotada posteriormente, verifica-se uma preocupação de

consonância desta nova codificação com a anterior, em especial nos primeiros 72 artigos125

.

A capacidade de celebrar tratados decorre do reconhecimento da personalidade

jurídica das organizações internacionais, nos termos do entendimento esposado pela CIJ na

Opinião Consultiva sobre as reparações por danos sofridos a serviço das Nações Unidas de

1949126

. Essa personalidade é determinada, nos termos do artigo 6º da Convenção de Viena de

1986, pelas “regras da organização”, definidas no artigo 2ª, “j” como “os instrumentos

constitutivos da organização, as suas decisões e as resoluções adotadas em conformidade com

estes e com a sua prática”127

.

A preocupação da CDI nesse dispositivo foi de afirmar a capacidade jurídica das

organizações de serem partes em tratados, observando, porém, que esta não é uniforme para

todas as organizações, dependendo da sua “imagem jurídica distintiva”128

determinada pelo

seu conjunto de regras definidos no artigo 2º, “j”.

123

Sobre a participação dos Estados nas organizações internacionais, ver Blokker (2004, p.144-148). 124

Ver preâmbulo da Convenção. 125

Ver Zemanek (2009, p. 01-02). 126

Ver I.C.J. Reports 1949, p. 174. 127

UNITED NATIONS (1986). 128

INTERNATIONAL LAW COMISSION (1966, p. 24).

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Zemanek (2009, p. 3), por outro lado, afirma que essa abertura dada pela

conceituação das regras da organização permite constatar-se que essa capacidade deriva do

direito internacional geral, mas que pauta-se pelos objetivos consolidados no tratado

constitutivo da organização129

.

Na opinião de Trindade (2003, p. 16), que participou na delegação brasileira junto à

Conferência de Viena de 1986, a temática abordada pelo Tratado transcende a matéria do

direito dos tratados e das organizações internacionais, insere-se nas discussões em torno dos

próprios fundamentos do Direito Internacional Público contemporâneo.

O autor destaca que o Tratado “fomentou, ademais, em muito, a concepção de uma

comunidade internacional mais institucionalizada, superando a dimensão puramente

interestatal do ordenamento jurídico internacional do passado”, e que nesse contexto o estudo

da contribuição dos atos das organizações internacionais é fundamental para a teoria das

fontes do Direito Internacional.

Observa-se, porém, que a Convenção de Viena de 1986, assim como a Convenção de

Viena de 1975, ainda não apresenta vigência internacional, já que a condição de validade

prevista em seu artigo 85, o depósito do instrumento de ratificação de 35 Estados, ainda não

foi implementado130

. Por outro lado, somam-se os posicionamentos de que o seu texto serve

como guia para a prática internacional131

.

Uma possível explicação para a não vigência de ambas as convenções de Viena, de

1975 e a de 1986, é dada por Blokker (2008, p. 205), o qual afirma a dificuldade de se

estabelecer uma normatização comum a todas organizações internacionais, ou a um grande

grupo delas, por conta da diversidade existente que é colocada como decorrente de realidades

institucionais distintas, concebidas, principalmente, pelos tratados constitutivos.

Dentre os trabalhos de codificação da CDI que ainda não findaram em uma

convenção, destaca-se a temática da responsabilidade internacional das organizações

internacionais, a qual decorre da afirmação da existência de uma personalidade jurídica

internacional própria e a possibilidade de observância de ocorrência de danos dos atos ilegais

praticados por elas.

129

Zemanek (2009, p. 3-4) destaca, ainda, que durante os trabalhos na CDI o posicionamento sustentado pelos

Estados socialistas foi diverso, defenderam que a capacidade jurídica das organizações internacionais deve ser

expressamente determinada nos seus tratados constitutivos, derivando, então, da vontade dos Estados

contratantes. 130

UNITED NATIONS (1975). 131

Ver Zemanek (2009, p. 3); Bernardes, Chadid e Carneito (2003, p. 179).

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Blokker (2004, p. 158-159) destaca que a discussão sobre o tema é longeva e

crescente, não por conta da verificação de danos em larga escala, mas por conta da grande

abrangência das competências conferidas aos órgãos internacionais e por conta do

desenvolvimento da responsabilização penal do indivíduo dentro do direito internacional.

Verificadas, então, algumas manifestações normativas internacionais que tangem a

personalidade jurídica internacional das organizações internacionais e, em especial, a sua

extrapolação para alcance de atividades que vão apresentar efeitos jurídicos relevantes, passa-

se ao estudo da atividade em si dessas organizações, o qual busca identificar o fenômeno da

normatividade.

1.8 A atividade das organizações internacionais

Uma das consequências da proliferação das organizações internacionais no contexto

da sociedade internacional contemporânea é a verificação de sua atuação, a qual apresenta,

além da execução de atos materiais, a exteriorização de diversos e diversificados atos

jurídicos, capazes de criarem direitos e obrigações. Como explica Trindade (2002, p. 39),

esses atos apresentam uma gama de denominações de “relevância e significação variáveis”.

Esses atos jurídicos apresentam uma diversificada gama de formas e são atribuídas

diferentes denominações, o que pode apontar para a existência de diferentes posicionamentos

assumidos na consideração do seu valor jurídico e para a inexistência de normas

internacionais que estabeleçam, ao menos, regramentos formais.

Além destes, outros atos das organizações internacionais também apresentam efeitos

jurídicos, embora não sejam estudados diretamente no presente trabalho. As sentenças

internacionais e os pareceres consultivos são exemplos desses atos que derivam de

organizações internacionais que assumem, diretamente ou por meio de um de seus órgãos, o

exercício de funções de caráter jurisdicional.

Para a compreensão dos atos jurídicos derivados das organizações internacionais,

mais uma vez, recorre-se à classificação para a compreensão de um universo plural. Estes atos

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podem ser classificados de acordo com a finalidade da sua estipulação, sendo, então,

diferenciados os atos contratuais ou convencionais dos atos unilaterais.

Os atos contratuais ou convencionais são formados pela junção de declarações de

vontades coincidentes e apresentam como característica básica a participação de dois ou mais

sujeitos de direito. A depender dos sujeitos participantes, o ato poderá ser regulado, inclusive,

pelo Direito de determinado Estado, como se verifica nas relações contratuais envolvendo

bens móveis e imóveis necessários para o exercício material das atividades da organização.

Os atos unilaterais, também presentes na realidade jurídica internacional estatal, são

definidos por Mello (2002, p. 199), numa perspectiva aberta, como a “manifestação de

vontade de um ou mais sujeitos do DI destinada a criar direitos e obrigações no DIP”. O autor

traça, ainda, os elementos característicos desses atos: são advindos de autor dotado de

capacidade jurídica (tendo os Estados capacidade ilimitada e as organizações internacionais

uma limitação determinada por sua finalidade), proferidos por um órgão ou representante

habilitado, representam formas de manifestação da vontade e tratam de objetos lícitos.

A denominação clássica e recorrente dada a esses atos jurídicos unilaterais não

convencionais das organizações internacionais é resolução, a qual é definida por Abi-Saab

(1987, p. 152) como uma decisão proveniente de um órgão colegiado, seja ele de natureza

temporária ou permanente. No entanto, para tratá-los de forma mais abrangente, preferimos

utilizar vocábulo de mais ampla abstração, o de manifestação132

, o qual exprime o ato pelo

qual torna-se público, dá-se conhecimento de algo, que no presente caso é a vontade da

organização internacional capaz de gerar efeitos jurídicos.

Klabbers (2002, p. 197- 202) parte do pressuposto de que é decorrência lógica do

reconhecimento da personalidade jurídica autônoma das organizações internacionais a

aceitação da competência delas de adotarem ou criarem instrumentos jurídicos. Para a melhor

compreensão destes instrumentos, o autor propõe uma classificação conforme a sua

finalidade.

A primeira categoria de instrumentos jurídicos tem por objetivo a elaboração de leis,

as quais são caracterizadas pela sua mínima abstração e pela sua aplicação geral. O objeto

veiculado por elas é vinculado aos assuntos derivados do sistema jurídico que está inserta a

organização. Os melhores exemplos dessa categoria seriam os regulamentos comunitários

132

Na definição apresentada por Ferreira (2010, p. 1237) “manifestação” representa o ato ou o efeito de

manifestar, sendo esta a ação de tornar manifesto, público, notório, divulgar, declarar.

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adotados na União Européia, contudo, há algumas manifestações da Assembleia Geral da

ONU que podem ser tidas como exemplos.

Como segunda categoria tem-se os instrumentos jurídicos destinados para a

aplicação de normas para determinados fatos e são verificados no âmbito das decisões

tomadas no direito comunitário e pelo Conselho de Segurança da ONU. Na terceira estão os

atos internos, os quais tratam do funcionamento da própria organização e são recorrentemente

verificados em matérias orçamentárias e de pessoal.

A próxima categoria inclui os atos que buscam influenciar os comportamentos dos

sujeitos internacionais sem que, para isso, estabeleça-se nova norma. As recomendações, os

códigos de conduta e as resoluções não-vinculantes são exemplos destas. Já a última categoria

abarca os atos jurídicos que tem por finalidade estabelecer um meio termo entre as decisões

vinculantes e não-vinculantes, na medida em que são normas, mas não há a possibilidade de

cobrar a sua observância por seu destinatário.

O autor pondera, porém, que a classificação proposta pode ser de difícil aplicação em

determinados casos, seja pela presença de casos nebulosos, como a previsão da parte IV do

Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (previsão de difícil implementação), seja pela

existência de instrumentos que não se encaixam em nenhuma das espécies, como as diretivas

da União Européia. Observa, ainda, a existência de uma categoria de instrumentos amorfos

que são adotados por um grupo de Estados membros de uma organização internacional, ou

por um órgão seu, fora do procedimento decisório regular, não sendo clara a sua classificação,

como ato da organização ou como acordo multilateral.

Outras classificações, como a proposta por Ratner (2004, p. 591-600) sobre as

resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança, e a feita por Higgins (1970, p. 38-39) sobre

as deliberações dos dois órgãos políticos da ONU, servem para demonstrar que o conteúdo

das manifestações proferidas pelas organizações internacionais apresenta efeito jurídico

variado, podendo verificar-se o seu emprego para a aplicação ou confirmação de uma regra,

para a declaração de um direito, para a delimitação de uma competência, para a interpretação

de uma norma e, também, para estabelecimento de uma nova obrigação.

Em sua análise sobre essas manifestações, Trindade (2002, p. 39) também afirma que

há variações e que as manifestações podem assumir natureza de incentivo ou de exortação de

princípios, como as resoluções da ONU sobre a outorga de Independência aos Países e Povos

Coloniais (1960) e sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1963),

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contudo, ele vai além, afirma que certas manifestações apresentam conteúdo de “declarações

ou pronunciamentos de ordem geral”133

, as quais visam estabelecer condutas aos membros das

organizações internacionais. Esse conteúdo aponta, então, para a confirmação da existência de

manifestações jurídicas dotadas de efeitos normativos.

1.9 Efeitos normativos das manifestações das organizações internacionais

Para a consideração desses efeitos normativos, duas características importantes

podem ser destacadas das normas internacionais, as quais vão fazer-se presentes nessas

manifestações. São elas: a desnecessidade do estabelecimento de sanções, na medida em que

o sistema jurídico internacional não apresenta, como os sistemas nacionais, mecanismos de

coerção institucionalizados, bem como a pluralidade de atos derivados dos sujeitos do Direito

Internacional.

Essas características levam à dificuldade de identificação do que é ou não norma,

motivo pelo qual se têm arraigo ao estabelecimento de fontes formais de produção

normativa134

e a manutenção, como se verá adiante, de categorizações longevas.

Como já visto anteriormente, as próprias organizações internacionais podem ser

classificadas quanto à fonte jurídica de sua atividade internacional, a qual pode ser revelada

em uma competência explícita ou implícita. Agora, propõe-se uma nova categorização das

manifestações das organizações internacionais, que podem ser diferenciadas quanto à

extensão desses efeitos normativos.

Abi-Saab (1987, p. 155-160) trata da classificação que toma como elemento

discriminante o alcance dos efeitos jurídicos das manifestações das organizações

internacionais, o qual pode ser interno ou externo. Para ele esta é clássica e partiria de uma

visão voluntarista135

do Direito Internacional.

133

Trindade (2002, p. 41). 134

Ver Mello (2002, p. 83). 135

Accioly e Casella (2012, p. 135 e 143) explicam haver duas correntes doutrinárias recorrentemente utilizadas

para a explicação da razão do direito internacional. A primeira delas é a “voluntarista”, pela qual afirma-se a

derivação da obrigatoriedade da norma jurídica internacional a partir da vontade dos Estados. A outra,

denominada por “naturalista” busca razões objetivas que vão além da vontade estatal para a justificação da

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49

As manifestações internas, ou de efeitos internos, seriam aquelas tomadas no

exercício do poder de auto-regulamentação e seus efeitos seriam restritos aos órgãos da

Organização, já as manifestações externas, ou de efeitos externos, seriam aquelas dirigidas

aos Estados ou outras entidades e sua obrigatoriedade seria condicionada à expressa previsão

do tratado constitutivo da organização.

Em crítica a essa classificação o autor aponta que as manifestações internas não

apresentam efeitos exclusivamente internos à organização, podendo ser verificados efeitos aos

Estados, seja na sua situação jurídica como nos seus direitos e obrigações136

.

No que concerne às manifestações externas, as quais são caracterizadas pela ausência

de obrigatoriedade aos seus destinatários, o autor observa que tal fato não implica na

destituição de efeitos jurídicos. Sobre o assunto faz remissão à opinião externada pelo Juiz

Lauterpacht em seu voto no caso sobre a África do Sudoeste (ICJ Reports 1955, p. 118-119),

da qual extrai-se a exigência da boa-fé dos Estados na consideração das recomendações,

recaindo-lhe o ônus da justificação para o seu descumprimento, o que representa, para o autor,

um início de uma obrigação de meio.

A determinação dos efeitos jurídicos de uma manifestação, para Abi-Saab (1987, p.

155-160), deve ser feita a partir da análise de seu conteúdo e não do instrumento que a

veicula, o qual estaria diretamente relacionado ao tratado constitutivo da organização

internacional que o expede. Não há regra que determine o conteúdo dessas manifestações, o

que implica numa variedade de possibilidades, desde a determinação da materialidade de um

fato até a aplicação de uma obrigação.

Amaral Júnior (2011b, p.188-189) define a competência normativa externa das

organizações internacionais como aquela “destinada a impor direitos e obrigações aos Estados

membros e, em situações limitadas, aos Estados não membros” e identifica as denominações

dadas aos atos que são produtos desta, quais sejam, resoluções, recomendações e atos

preparatórios de tratados, embora considere imprecisa a terminologia empregada e afirme a

necessidade de uma análise casuística para a delimitação dos efeitos jurídicos desses atos137

.

obrigatoriedade do direito internacional, que podem existir, por exemplo, normas cogentes internacionais, as

quais independem da manifestação estatal de vontade. 136

Temática das “manifestações internas” será retomada no Capítulo II da Parte II, no âmbito da discussão do

papel legiferante exercido pelas organizações internacionais. 137

Como exemplo dessa análise casuística, dada por uma interpretação judicial, Amaral Júnior (2011b, p. 189)

cita o pronunciamento da CIJ de 21 de junho de 1971 sobre a resolução nº 276 do Conselho de Segurança, a qual

teve por objeto a presença sul-africana na Namíbia. Neste caso a Corte teria afirmado a obrigatoriedade da

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50

Para o autor138

, essa interpretação deve ser baseada numa análise do texto do ato e do

contexto que foi adotado, ponderando-se as condições de sua elaboração, os seus trabalhos

preparatórios, as práticas estatais adotadas após a sua adoção, bem como a prática do seu

mecanismo de controle, se houver. Todos são elementos importantes para a delimitação da

sua obrigatoriedade.

Pode-se extrair do conceito apresentado pela CDI no Projeto de Codificação sobre a

Responsabilidade Internacional das Organizações Internacionais139

que as manifestações,

independente da denominação dada, podem assumir efeitos jurídicos, constituindo,

juntamente com os tratados constitutivos das organizações internacionais o denominado

“direito das organizações internacionais”140

, tema que será tratado com mais cuidado

posteriormente.

A partir da delimitação do conceito de organizações internacionais conseguiu-se

identificar na presença da personalidade jurídica internacional, o seu principal elemento

caracterizador. As decorrências desse reconhecimento jurídico, que perpassa, não só

interpretação doutrinária, como os tratados e outras normas de direito internacional, podem

ser alargadas e extrapoladas, sendo necessárias, porém, algumas categorizações para a

compreensão do imenso universo, as quais foram feitas e que destacaram a existência de

manifestações tendentes à imposição de condutas aos sujeitos de direito internacional, ou seja,

dotadas de efeitos normativos.

resolução para todos os membros da Organização das Nações Unidas e, também, a sua oponibilidade aos não

membros. 138

Ver Amaral Júnior (2011b, p. 189). 139

INTERNATIONAL LAW COMISSION (2011a, p. 6). 140

A temática do “direito das organizações” vai ser retomado no Capítulo II.

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51

2 FUNDAMENTOS DAS MANIFESTAÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES

INTERNACIONAIS DOTADAS DE EFEITOS NORMATIVOS

2.1 Introdução

Ao ser considerada a possibilidade de que as manifestações das organizações

internacionais, atos jurídicos unilaterais, possam assumir efeitos normativos, estabelecendo

novas normas, afirma-se a possibilidade de uma inovação jurídica derivada de outro sujeito

internacional que não os Estados, até então detentores do monopólio sobre as formas de

surgimento das normas internacionais. Esse ganho de competências pode ser designado como

o desenvolvimento de um poder legiferante pelas organizações internacionais.

O desenvolvimento dessa competência esbarra, porém, nas fontes do Direito

Internacional, as quais podem ser definidas como método de criação ou forma exteriorização

das normas jurídicas, as quais permitem a sua percepção pelos seus destinatários e garantem a

sua validade e, em última análise, permitem a identificação da norma a ser aplicada em um

caso concreto. Essa problemática é evidenciada no marco convencional clássico do artigo 38

do Estatuto da CIJ, o qual não traz nenhuma referência às organizações internacionais.

Feita essa análise, busca-se uma fundamentação para os efeitos jurídicos que essas

manifestações assumem, seja pelo seu relacionamento com as fontes clássicas, como a de

afirmação da expressão do “direito das organizações” e o desenvolvimento de soft law.

2.2 O crescimento da força legiferante própria das organizações internacionais

Verifica-se uma reconfiguração do cenário internacional, a qual se dá com a inserção

desses novos atores internacionais, como as organizações internacionais e, também, por conta

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52

deles. A primeira característica que emerge é a mudança de algumas perspectivas do Estado,

este na qualidade de sujeito primário do Direito Internacional.

Essa centralização estatal, verificada após a “Paz de Vestfália”, para Magalhães

(2000, p. 14), decorre de vários motivos e um deles é adoção, por muitos, do paradigma de

que a norma jurídica deve ser emanada de um órgão central, o qual seja capaz de impô-la.

Essa motivação estaria presente na discussão sobre a natureza jurídica do Direito

Internacional.

A ausência de um poder legiferante internacional perfaz tema muito debatido,

chegando a ser utilizado como argumento para a negação do direito internacional. Hart (2009,

p. 4-5) em suas explicações para a dificuldade de definição do que seria o Direito, afirma

existirem dois casos duvidosos que teriam gerado longa controvérsia entre os estudiosos, mas

que por si não seriam suficientes para explicar essa dificuldade, são eles, o direito primitivo e

o direito internacional. Este último caracterizado pela ausência de um poder legislativo, pela

inserção do elemento da voluntariedade na submissão dos Estados à adjudicação internacional

e pela ausência de um “sistema de sanções eficiente, centralizado e organizado”.

Shaw (2005, p. 66) afirma que, diferentemente dos sistemas jurídicos nacionais, não

há no sistema jurídico internacional um órgão centralizado competente pela a elaboração das

normas internacionais, bem como inexiste um sistema judiciário estritamente definido e com

jurisdição abrangente e obrigatória capaz de dar a todas as normas uma interpretação

imparcial no caso concreto, no entanto, o Direito Internacional apresenta fontes, assim

entendidas as formas de emergência das normas internacionais.

A explicação para a ausência de um órgão legiferante, que conferiu aos Estados o

predomínio sobre as fontes do direito internacional, encontra-se, principalmente, no conceito

de soberania estatal absoluta. No entanto, verificou-se a necessidade de uma redefinição desse

conceito advindo do direito internacional clássico, da qual extrai-se a afirmação de uma

igualdade retórica dos Estados. Como afirma Slaughter (2004, p. 286-287), a

interdependência política e econômica dos países e a aceitação de interferências nos Estados

para a proteção dos direitos humanos, a despeito do princípio da não intervenção da Carta das

Nações Unidas141

, são fatores da conjuntura da sociedade internacional que revelam essa

necessidade.

141

Ver Carta da ONU, art. 2.7, in verbis: “Nothing contained in the present Charter shall authorize the United

Nations to intervene in matters which are essentially within the domestic jurisdiction of any state or shall require

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53

Para a autora142

, a noção de soberania como autonomia absoluta sobre o povo e o

território nacional deixa de fazer sentido, delineando-se um novo conceito baseado na

capacidade de participação ativa na sociedade internacional. Teria havido uma mudança na

forma do exercício do poder dos Estados, ante o novo contexto de um sistema internacional

institucionalizado.

Uma das consequências desse novo ponto de vista é que essa participação exige do

Estado uma gama de responsabilidades, que se revelam internamente pelo respeito e garantia

dos direitos fundamentais aos seus jurisdicionados e externamente pelo respeito da soberania

dos demais membros dessa sociedade. Não adimplida a responsabilidade interna, a atuação

estatal é rendida à responsabilidade internacional de proteção promovida por diferentes

organismos internacionais.

A influência das organizações internacionais sobre a transformação da noção clássica

de soberania estatal é afirmada por Steiner e Alston (2000, p. 686), os quais afirmam ser a

“igualdade soberana”, nesse contexto, a possibilidade de participar das negociações

internacionais e, em alguns casos, obter direitos procedimentais de participação em

determinadas organizações internacionais, como ocorre dentro do Conselho de Segurança da

ONU.

Deve-se, também, observar a existência de outros novos sujeitos de direito

internacional que passam a interagir no âmbito da sociedade internacional contemporânea, em

torno da qual tem-se a necessidade, nas palavras de Casella (2008, p.17), de uma “[...]

construção institucional que permita a convivência e a regulação da ‘solução de controvérsias’

entre os sujeitos de direito internacional”.

Como fruto dessa “construção institucional” tem-se a constituição de organizações

internacionais de grande abrangência na sociedade internacional, como a ONU, com órgãos

que assumem papel proeminente na interpretação do Direito Internacional, como a

Assembléia Geral e o Conselho de Segurança. A partir da atuação destas dá-se margem a

discussões da possibilidade de consideração das suas manifestações como uma forma de “lei

internacional”, dando-se uma resposta às insuficiências normativas internacionais causadoras

da insegurança jurídica.

the Members to submit such matters to settlement under the present Charter; but this principle shall not prejudice

the application of enforcement measures under Chapter VII”. 142

Slaughter (2004, p. 288).

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54

Mello (2002, p.303) define essas “leis internacionais” como sendo “normas

originadas em uma organização internacional que são obrigatórias para os Estados membros

independentemente de qualquer ratificação por sua parte” e identifica o seu surgimento no

âmbito do fenômeno do associacionismo internacional, que teria tido início no pós-guerra e

ganho desenvolvimento no âmbito das comunidades européias.

Essas manifestações, como visto anteriormente, podem apresentar efeitos internos,

ou seja, sua regulamentação destinar-se ao funcionamento da própria organização

internacional, de seus órgãos, de seus membros, de seus procedimentos etc. Por outro lado,

podem, também, implicar em regulamentação externa, dirigida aos demais membros da

sociedade internacional.

Ainda que essa autorregulamentação pareça não apresentar efeitos relevantes a

terceiros, esta não pode ser descartada. Se considerarmos que a criação de órgãos das

organizações se dá por meio de normatividade interna, sua implementação apresenta

consequências jurídicas relevantes aos Estados, independente de sua anuência, como uma

nova norma.

Nesse caso vide os exemplos trazidos por Trindade (2002, p. 23): a criação da

Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento (1964), da Organização das Nações Unidas

para o Desenvolvimento Industrial (1966) e do “sistema de supervisão e controle” no

Conselho Econômico e Social143

.

Essa atuação das organizações internacionais de criação de seus próprios órgãos

subsidiários, bem como de tribunais penais ad hoc, é tida por Alvarez (2007-2008, p. 596-

597) como uma das novas características da sociedade internacional contemporânea. A

assunção dessa competência é exercida, por exemplo, pelo Conselho de Segurança da ONU.

Observa-se no âmbito do continente americano experiência semelhante. No bojo da

Reunião de Ministros das Relações Exteriores foi adotada, em Havana, a Resolução XIV de

1940, que estabeleceu uma “Comissão Interamericana de Paz”, sistema mais ágil e prático,

instituído na busca de efetividade do sistema de solução de controvérsias estabelecido no

continente e que passou a coexistir com os procedimentos do Pacto de Bogotá e do TIAR144

.

143

Este sistema foi estabelecido por meio da Resolução 1503, XLVIII, de 1970, e possibilitou à Comissão de

Direitos Humanos da ONU “[...] o exame de situações ‘prevalecentes’ (afetando grupos de indivíduos em países

diversos), independentemente de ratificação por parte dos Estados-membros da ONU”. Ver Trindade (2002, p.

23). 144

Trindade (2002, p. 605-606).

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55

Abi-Saab (1987, p.155-160) apresenta outros exemplos de manifestações que podem

ser inicialmente classificadas como manifestações internas, mas cujos efeitos vinculam outros

sujeitos: a criação de um estatuto jurídico diferenciado pela Assembléia Geral da ONU, o de

observador; o estabelecimento de órgãos subsidiários que implicou na transformação das

atividades operacionais das Nações Unidas; resoluções de admissão, suspensão e exclusão de

Estados de uma organização internacional apresentam efeitos diretos sobre direitos e

obrigações dos Estados; resoluções sobre o orçamento interno da organização que geram ao

Estado-membro uma obrigação direta da contribuição.

Além dos casos das manifestações internas, tem-se uma outra categoria de

manifestações, as manifestações adotadas para a solução de situações fáticas concretas cujos

desdobramentos revelam uma importância normativa como a das outras. Como exemplo o

autor menciona a decisão da CIJ sobre o regime discriminatório aplicado na União Sul-

africana, denominado por apartheid, é exemplificativa no papel que as manifestações

derivadas das organizações internacionais assumem para além de seus limites jurídicos,

contribuindo, assim, na construção do Direito Internacional contemporâneo.

Desde o início dos trabalhos da Assembléia Geral da ONU, já no primeiro período de

sessões ordinárias, dado no ano de 1946, discutiu-se o “tratamento dos índios na União da

África do Sul”. Por meio da resolução nº 44 (I), declarou-se que esse tratamento estava

alterando as relações amistosas entre os Estados membros das Nações Unidas e concluiu-se

pela necessidade de conformação da conduta estatal com as obrigações internacionais

derivadas da Carta da ONU e de outros acordos internacionais celebrados.

No mesmo período, a resolução de nº 103 (I), no trato da questão das “perseguições e

da discriminação raciais”, declara a inclusão dentro dos “interesses superiores da

humanidade”, o imediato fim a essas práticas, conclamando os governantes e autoridades dos

Estados membros que atuassem de acordo com o espírito da carta da ONU.

Uma das importantes resoluções proferidas foi a de nº 616 B (VIII – 5 de dezembro

de 1952), já que nela foi declarada que a política dos governos, para que esteja consoante com

os compromissos assumidos na Carta das Nações Unidas (em especial aquele expresso no

artigo 57), deve perseguir a harmonia e o respeito dos direitos e liberdades humanas, bem

como o seu desenvolvimento pacífico, e, em se tratando de uma comunidade multicultural

unificada, estes são alcançados por meio da lei e da prática estatal que garanta a igualdade

entre todas as pessoas.

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56

Essa sucessão de resoluções da Assembléia Geral da ONU representa a evolução do

entendimento jurídico internacional dado por esta organização internacional sobre a

discriminação racial, cuja preocupação inicial restringia-se ao seu potencial atentatório às

relações pacíficas entre os Estados, quando incorporada aos regimes políticos estatais.

A partir de 1960, a questão do apartheid, passa a constituir-se, nas discussões

travadas no âmbito da Assembléia Geral e do Conselho se Segurança, uma ameaça à paz

mundial e, portanto, passível de sanções internacionais, sendo adotadas diversas resoluções,

como exemplos: 566 (1985) do CS; 1514 (XV) de 1960 AG, e 2145 (XXI) AG145.

As resoluções tiveram como base a situação concreta verificada no continente sul-

africano, no entanto, a construção demonstra a conformação de uma norma internacional

proibitiva aos regimes discriminatórios, derivada dos princípios gerais da Carta das Nações

Unidas e, posteriormente, da Declaração de Direitos Humanos de 1948 e de enquadramento

destes como atentatórios à paz e segurança mundial.

Essa construção foi importante para a justificação das sanções internacionais

aplicadas pelo Conselho de Segurança, nos termos do artigo 39 da Carta das Nações Unidas,

que atribuiu ao órgão o “poder de constatar a existência de uma ameaça à paz, ruptura da paz

ou ato de agressão, e formular recomendações ou tomar decisões que permitam manter ou

restabelecer a paz e segurança internacionais”, complementado pelos artigos 41 e 42, também

da Carta, que explicitam as medidas, e o artigo 25 que determina o “caráter obrigatório das

referidas decisões do Conselho sob esse dispositivo”146

.

Para além dos casos de normatividade interna, bem como das situações em que as

manifestações assumem caráter geral, ainda que proferidas para a regulamentação de uma

situação particular, tem-se os exemplos de manifestações dotadas de efeitos normativos

externos diretos, ou seja, que impõem obrigações a outros sujeitos e que, por conta das suas

características, são tidas como exemplos das chamadas “leis internacionais”.

Mello (2002, p. 303-304) identifica exemplos: as convenções internacionais do

trabalho, as quais, diferentemente dos demais tratados, são obrigatoriamente submetidas à

aprovação do Poder Legislativo de cada Estado; as convenções sobre matéria sanitária

aprovadas no âmbito da OMS, cuja obrigatoriedade pode advir do simples decurso do tempo,

não havendo a necessidade da ratificação; as decisões tomadas pelas antigas comunidades

européias (hoje substituídas pela União Européia), tomadas com base no princípio da maioria; 145

Trindade (2002, p. 555-556). 146

Ibidem, p. 553-554.

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e os padrões de segurança e eficiência aprovadas pela Organização da Aviação Civil

Internacional (OACI) pelo voto de 2/3 de seus membros no Conselho, cuja obrigatoriedade se

dá no prazo de três meses, desde que a maioria não se manifeste pela desaprovação.

Amaral Júnior (2011a, p. 52-53) destaca o papel assumido pela Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico na formação de valores importantes para o direito

internacional do meio ambiente, que posteriormente foram incorporados por Convenções

Internacionais. A Recomendação de 1974 sobre a poluição transfronteiriça, importante

contribuição sobre o uso equitativo dos recursos naturais compartilhados, estabeleceu regra

que foi codificada na Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em um Contexto

Transfronteiriço (“Convenção Espoo” de 1991) e na Convenção das Nações Unidas sobre

Direito dos usos não navegáveis dos cursos das águas internacionais (1997).

Todas essas considerações não apresentam, porém, consenso entre os estudiosos. As

manifestações das organizações internacionais dotadas de efeitos normativos, ainda que

importantes para a complementação do ordenamento jurídico internacional, precisam de um

enquadramento jurídico adequado dentro do sistema jurídico internacional.

2.3 O artigo 38 do Estatuto da CIJ e a ausência das organizações internacionais

Delimitada e fundamentada a existência de manifestações dotadas de efeitos

normativos advindas das organizações internacionais, o primeiro questionamento que surge é

o porquê da sua ausência no clássico rol de fontes de direito internacional estabelecido no

artigo 38 do Estatuto da CIJ.

Para o início da busca dessa resposta, faz-se necessária à delimitação do conceito de

fontes. Beviláqua (1910, p. 28-29), por exemplo, afirma que existem apenas duas fontes de

direito internacional, as quais representam a forma exterior e positiva do direito, os tratados e

os costumes147

. Justifica, ainda, que alguns defendem a consideração das sentenças dos

tribunais, dos atos unilaterais dos Estados (ao afirmarem ou reconhecerem princípios do

direito internacional) e da doutrina internacionalista, mas todos estes seriam fatores

147

Afirmação que coaduna-se com seu posicionamento de base voluntarista do direito internacional.

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constitutivos do costume internacional, os quais servem para conformá-lo, a partir de sua

reiteração, ou para comprová-lo.

Esse conceito revela a afirmação de um Direito Internacional essencialmente

interestatal, cuja configuração se dá na Europa Ocidental com os grandes Estados Nacionais

da época. O Estado assume, então, o papel de “membro originário e principal sujeito”148

.

Kelsen (2010, p. 375-376), por sua vez, afirma ser um vocábulo de sentido ambíguo,

podendo designar os métodos de criação do Direito ou a razão de sua validade. Pondera,

ainda, a possibilidade de seu emprego como identificador dos métodos de aplicação do

Direito, a partir dos quais o intérprete estabelece uma “norma individual implícita”, no

entanto, o emprega como o conjunto de normas que regula a criação do próprio Direito

Internacional149

.

O autor posiciona-se e afirma serem os tratados e os costumes os dois principais

métodos de criação do Direito Internacional, ou seja, as principais fontes do Direito

Internacional e que, portanto, a ordem jurídica internacional é composta de normas de Direito

internacional consuetudinário e normas do Direito Internacional convencional150

.

Starke (1984, p. 31) adota a acepção mencionada e rechaçada por Kelsen, pela qual

define-se as fontes do direito internacional como sendo os meios concretos pelos quais o

operador do direito internacional determina qual a regra aplicável a uma situação particular.

Mello (2002, p. 195-198) apresenta posicionamento que coaduna-se com o adotado

por Kelsen, mas ressalta haver diferenciação entre o fundamento e as fontes do Direito

Internacional, sendo aquele a base da sua obrigatoriedade e estas as suas formas de

manifestação, de surgimento das normas jurídicas.

O autor ainda diferencia as fontes materiais (que tangem elementos históricos,

sociais e econômicos) das fontes formais (modos de verificação), sendo estas últimas

enunciadas em alguns textos internacionais, como na Convenção relativa ao estabelecimento

de um Tribunal Internacional de Presas (concluído nas Conferências de Haia de 1907, mas

que não entrou em vigor) e no Estatuto da CIJ (artigo 38), os quais, porém, não trariam

enumeração completa, deixando-se de lado, por exemplo, os atos unilaterais.

148

Mello (2000, p.44). 149

Essas diferentes acepções dialogam com a diferenciação feita por Hart (2009, p.105-106), da qual extrai-se

que as fontes de um sistema jurídico são determinadas por “regras secundárias”, as quais determinam como as

“regras primárias” (que definem direitos e obrigações) podem ser criadas, modificadas e extintas. 150

Kelsen (2010, p.377).

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59

Accioly e Casella (2012, p. 146), congregam a definição adotada por Mello e uma de

suas categorizações e definem as fontes como “[...] documentos ou pronunciamentos de que

emanam direitos e deveres das pessoas internacionais configurando os modos formais de

constatação do direito internacional”.

Os autores analisam o conceito de fontes dado por outros especialistas e concluem

que o conteúdo da norma internacional seria estabelecido pela “fonte real”, os princípios

gerais do direito. Enquanto a forma, a qual permite a sua manifestação, é determinada pelas

“fontes formais”, cujos exemplos na seara internacional são os tratados, os costumes, a

jurisprudência internacional e a doutrina, sendo essas duas últimas fontes auxiliares151

.

Amaral Júnior (2011a, p. 26), por sua vez, fazendo referência a Miguel Reale152

, as

descreve como “[...] conjunto de pressupostos de validade exigidos para que a produção de

prescrições normativas possa ser considerada obrigatória, projetando-se na relação de vida e

regendo momentos diversos das atividades da sociedade civil e do Estado”.

O autor153

ainda complementa que, num ordenamento jurídico, as fontes que

determinam esse conjunto de pressupostos representam um conjunto fechado e que elas

apresentam uma relação com as “formas de poder” existentes na sociedade, na medida em que

delimitam a competência de interpretação de seu conteúdo.

Esses conceitos derivam de posicionamentos doutrinários que antecederam e que

sucederam o desenvolvimento da positivação do Direito Internacional e que por esse motivo

vão apresentar algumas nuances, no entanto, a essência das fontes de direito internacional

pode ser extraída da conjugação das proposições.

Essa ideia foi inserida no âmbito do desenvolvimento das organizações

internacionais. Como já visto no capítulo referente à evolução histórica das organizações

internacionais, a qual também serve para a percepção do desenvolvimento do próprio Direito,

tem-se com o Tratado de Versalhes o delineamento de um sistema internacional universal,

construído no entorno da Liga das Nações. Dentro desse sistema fez-se presente a previsão da

constituição de uma jurisdição internacional permanente, a Corte Permanente de Justiça

Internacional.

151

Accioly e Casella (2012, p.147). 152

REALE, Miguel. “Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma do direito”. São Paulo: Saraiva,

1999. 153

Amaral Júnior (2011a, p. 26-27).

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60

Em 1920, o Conselho da Sociedade das Nações nomeou uma comissão de juristas

para a elaboração do projeto do estabelecimento da Corte e esta foi criada em 1922.

Estabeleceu-se, desde então, um rol de fontes de Direito Internacional a ser aplicado pelo

órgão jurisdicional, mas que passou a ser utilizado como paradigma para a definição das

fontes, sendo repetido no Estatuto da CIJ.

O referido artigo 38, como explicita Trindade (2002, p. 20), permanece como “ponto

de partida didático” para o estudo das fontes do Direito Internacional154

, mas o autor também

reconhece que ao longo de sua vigência foram formuladas diversas críticas.

Accioly e Casella (2012, p. 148) destacam o “papel sistematizador” que o artigo 38

do Estatuto da Corte exerceu e ainda exerce no âmbito da teoria das fontes do Direito

Internacional, mas que, como qualquer outra classificação, pode ser criticada.

A utilização do artigo 38 como paradigma da teoria das fontes do Direito

Internacional é explicada por Yasuaki (2009, p. 221) como decorrência de um “judicial-

centrismo” verificado no estudo do direito internacional. O autor destaca que outras formas de

manifestação das normas de Direito Internacional são afirmadas pelos operadores, como

exemplo as resoluções proferidas pela Assembléia Geral da ONU, mas no momento de

identificação das fontes desse Direito, recorre-se apenas aos seus instrumentos passíveis de

emprego na judicialização.

Nesse ponto o autor faz uma importante diferenciação entre as formas de

manifestação do Direito Internacional, os instrumentos judiciáveis e os não judiciáveis e o rol

do artigo 38 representaria as “fontes formais” enquadradas na primeira categoria.

Alvarez (2006, p. 600-601) defende a necessidade de se observar o desenvolvimento

inevitável do Direito Internacional e de suas fontes, decorrente de fatores como aqueles

verificados a partir da atuação das organizações internacionais, frutos de um fenômeno de

institucionalização. O autor menciona Onuma Yasuaki155

para afirmar a necessidade de

superação da vinculação ao clássico rol do artigo 38, o qual deveria ser situado como

parâmetro restrito à utilização particular de um mecanismo de solução de disputas

internacionais.

154

Shaw (2005, p. 67, tradução nossa) afirma poder ser considerada uma “percepção universal quanto à

enumeração das fontes do direito internacional”. Ridruejo (1996, p.89) ressalta a importância da análise do artigo

38 do Estatuto da Corte, até mesmo para o estudo das novas funções e fontes jurídicas do direito internacional. 155

YASUNAKI, Onuma. “The ICJ: An Emperor Without Clothes? International Conflict Resolution, Article 38

of the ICJ Statute and the sources of International Law” in ODA, Shigeru. ANDO, Nisuke. MCWHINNEY,

Edward. WOLFRUM, Rüdiger. Liber amicorum Judge Shigeru Oda. Boston and Tokio: BRILL, 2002.

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61

Thirlway156

observa que, após a Segunda Guerra Mundial, com o advento da CIJ no

lugar da Corte Permanente de Justiça Internacional foram feitas poucas mudanças em seu

texto e as críticas permaneceram, principalmente pela proposição de uma definição de quais

seriam as fontes do Direito Internacional, mas este permanece em vigor e vincula atividade da

CIJ.

Dentre as críticas formuladas, duas podem ser destacadas, a primeira refere-se à

afirmação de haver uma ordem hierárquica entre as fontes estabelecidas pelo dispositivo,

conforme sua localização topográfica e a outra quanto à interpretação de que o dispositivo

apresenta rol exaustivo das fontes de Direito Internacional.

A respeito da discussão sobre a existência de hierarquia entre as fontes formais do

Direito internacional, Accioly e Casella (2012, p. 147) afirmam que: “Não haveria indicação

hierárquica entre as fontes formais e materiais, mas enumeração funcional e roteiro

operacional para o juiz internacional, a quem compete julgar segundo o direito”.

No que tange à abrangência do rol expresso no artigo 38, são clássicas as discussões

sobre a consideração das declarações unilaterais dos Estados e, também, das decisões tomadas

pelas organizações internacionais.

Uma outra inovação no âmbito do estudo das fontes do Direito Internacional está

presente, a formação de uma hierarquização das suas normas, até então inexistente. Algumas

normas, por trazerem valores comuns da coletividade, podem assumir status superior, como

exemplos, o jus cogens internacional e as obrigações erga omnes.

A consolidação do conceito de jus cogens no Direito Internacional pode ser

identificada nas negociações sobre as regras de interpretação de tratados travadas no âmbito

de órgãos especializados da Assembléia Geral da ONU, do Sexto Comitê e da CDI, as quais

findaram na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969). Verifica-se, aqui, que o

processo de institucionalização implicado pelas organizações internacionais permitiu que as

negociações internacionais alcançassem um “consenso da coletividade”.

Accioly e Casella (2012, p. 137-145) ponderam que, ainda que a Convenção de

Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 tenha consagrado o princípio pacta sunt servanda

em seu artigo 26, esta, também, incorporou a noção de jus cogens em seus artigos 53 e 64, a

qual deriva do direito natural157

. Para os autores, este último, embora de difícil identificação,

156

In Evans (2006, p. 118). 157

Ver BRASIL (2009):

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62

já que sua caracterização como cogente se deve ao seu conteúdo e não a sua forma, deve ser

analisada a possibilidade de assumir caráter regulatório na sociedade internacional e estas

superariam a natureza consuetudinária e alcançariam o âmbito dos princípios gerais do direito

internacional.

As obrigações erga omnes, cuja violação permite a reclamação de qualquer Estado,

derivam de uma hierarquização de valores entre os regimes internacionais especializados

capitaneados pelas organizações internacionais, como o Direito Internacional do Trabalho e o

Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Thirlway (2002, p. 347), no que tange à ONU, destaca que, sendo pacífica a

consideração de vinculatividade dessas manifestações, seja por decorrência da disposição da

Carta da ONU ou pelo exercício dos poderes implícitos decorrentes das necessidades de

cumprimento de seus objetivos, a competência legislativa desses órgãos perpassa pela

indagação sobre a abrangência dessa vinculatividade, se restrita aos membros da organização

ou estendida a todos os sujeitos de Direito Internacional.

Embora destaque a limitação interpretativa imposta pelos julgadores de restrição da

competência do Conselho de Segurança de reconhecimento de uma situação jurídica, o autor

destaca que a CIJ, no caso da Namíbia, reconheceu que a declaração da violação do Direito

Internacional dada pelo Conselho de Segurança na ocupação da África do Sul assumiu caráter

erga omnes, oponível a todos os Estados.

Alvarez (2006, p. 332-333) destaca a existência de obrigações internacionais

presentes no contexto internacional contemporâneo, as quais envolvem não só os Estados,

como outros sujeitos, como os indivíduos, as organizações não governamentais, as empresas

multinacionais. Logo, conclui que as fontes formais do direito internacional listadas no artigo

38 do Estatuto da CIJ já não abrangem essa diversidade de obrigações, na medida em que

ignora a participação de outros sujeitos e atores internacionais.

Artigo 26. Pacta sunt servanda. Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé.

Artigo 53. Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito. Internacional Geral (jus cogens). É nulo

um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional

geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma

aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma

derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da

mesma natureza.

Artigo 64. Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens).

sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em

conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.

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63

Conclui-se, então, que o Direito Internacional tem como função clássica a regência

das relações entre Estados Nacionais158

dentro de uma sociedade de formalmente igualitária e

materializado em normas emanadas de manifestações volitivas estatais, livres e espontâneas,

as quais assumem a forma de convenções ou de usos genericamente aceitos e que expressam

princípios de direito159

, razão pela qual verifica-se a total ausência das organizações

internacionais e outros novos sujeitos no clássico rol de fontes do Direito Internacional

consagrado no artigo 38 do Estatuto da CIJ.

Por outro lado, como observa Casella (2008, p. 22) tem-se, na contemporaneidade,

um “sistema de direito internacional pós-moderno” em desenvolvimento, voltado para a

situação contemporânea da sociedade internacional e independente dos paradigmas até então

consolidados.

Um desses paradigmas é o da limitação das fontes do Direito Internacional, a qual é

cristalizada no rol previsto no artigo 38 do Estatuto da CIJ. A presença de outros sujeitos de

direito internacional é ignorada e, em relação às organizações internacionais, as problemáticas

são mais latentes, na medida em que se tem, como já demonstrado, uma atuação das

organizações internacionais por meio de manifestações dotadas de efeitos normativos, as

quais ficam à margem das fontes normativas, mas que, na prática, apresentam caráter de

norma internacional.

2.4 Relação entre as manifestações e as fontes formais

Verificada a existência dessas manifestações e assunção de efeitos normativos, os

quais eram atribuídos apenas às emanações estatais, muitos dos teóricos assumem,

basicamente, dois lados, de haver ou não enquadramento dessas manifestações no âmbito de

uma das fontes de Direito Internacional enumeradas no artigo 38 do Estatuto da CIJ160

.

158

Como destaca Mello (2000, p.44): “O Direito Internacional foi durante longo tempo interestatal. E ainda se

apresenta, apesar das atenuações, predominantemente sob este aspecto. A sua moderna configuração nasceu na

Europa Ocidental em época que os grandes Estados Nacionais já estavam formados. É assim o Estado o seu

membro originário e principal sujeito”. 159

Ver PERMANENT COURT OF INTERNATIONAL JUSTICE (1927). 160

Ver Trindade (2002, p. 45).

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Um dos juízes da CIJ, Ammoun, na segunda fase do julgamento do “Caso Barcelona

Traction” (1970) reconheceu uma tendência doutrinária de reconhecimento do caráter de fonte

às resoluções derivadas das organizações internacionais, ainda que a imputação seja de fonte

subsidiária ou auxiliar. O Juiz trata, em especial, das declarações proferidas pela Assembléia

Geral da ONU161

.

Abi-Saab (1987, p. 152-155) afirma que as manifestações apresentam conteúdo

ambivalente, podendo assumir a forma de fundamento último de uma obrigação, ou seja, de

fonte de direito autônoma, ou designar o processo de produção normativa e como tal pode

apresentar originalidade seja em seus termos, como em seus procedimentos, não sendo

necessária a sua obrigatoriedade para a existência de um significado jurídico próprio.

O autor também traz uma preocupação terminológica e afirma que o termo

“resoluções” para designar essas manifestações não ajuda na identificação de seus efeitos

jurídicos e conduz a sua vinculação ao tratado constitutivo da organização que as profere.

Essa vinculação serve de fundamento para afirmações de que as manifestações das

organizações internacionais não constituem fonte jurídica autônoma de direito internacional,

na medida em que retiram desse tratado a sua obrigatoriedade aos seus destinatários.

Mello (2002, p. 304) também manifesta-se no sentido da desconsideração dessa

vinculação estabelecida entre a obrigatoriedade dessas manifestações e os tratados

constitutivos das organizações internacionais, isso porque afirma que depois de sua

constituição, as organizações internacionais passam a ser dotadas de personalidade jurídica

própria e constituírem uma nova pessoa internacional. Apenas observa que a denominação de

“lei internacional” não é tão precisa, quando comparada com a sua utilização no direito

interno, mas não deixam de configurar normas obrigatórias para os sujeitos internacionais,

não podendo-se, então, negar o seu caráter de fonte.

Mais adiante o autor vai relacionar as manifestações das organizações internacionais

como um dos exemplos dos atos unilaterais, os quais são definidos como aqueles por meio do

qual a “manifestação de vontade de um sujeito de direito é suficiente para produzir efeitos

161

INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE (1970, p. 303). Em seu voto buscou delimitar a natureza jurídica

da proteção diplomática, pretendida pela Bélgica no caso em julgamento. Afirma haver uma controvérsia em seu

reconhecimento como princípio geral de direito ou costume, mas defende a sua natureza costumeira. Para a

fundamentação de posicionamento, o Juiz analisa as formas de comprovação de um costume internacional, quais

sejam: a prática dos Estados, a jurisprudência internacional e a tendência observada na adoção das normas

codificadas. No que tange à prática dos Estados, afirma poder-se extrair esta dos posicionamentos adotados pelos

delegados do Estado nas Conferências e nas Organizações Internacionais, em especial, nas Nações Unidas.

Nesse momento, então, aborda a controvérsia sobre o reconhecimento da obrigatoriedade às declarações da

Assembléia Geral.

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jurídicos”. Outros exemplos de atos unilaterais são dados: silêncio, protesto, notificação,

promessa, renúncia, reconhecimento, autorização, a ruptura das relações diplomáticas, a

aquiescência etc. Atos unilaterais que são reconhecidos como fontes do Direito Internacional,

na medida em que, como toda outra norma internacional, pauta a conduta dos Estados162

.

O posicionamento sobre a consideração dessas manifestações como fonte autônoma,

porém, é questionado por Weil (1983, p. 416-417), o qual afirma que estas podem ser tidas

como expressão de tendências, intenções, desejos, elementos importantes no processo de

elaboração de uma norma internacional, mas que não constituem elas mesmas fontes formais

de novas normas.

Para o autor, as organizações internacionais não teriam, como as legislaturas

nacionais, a capacidade de estabelecerem leis, então, não seriam capaz de estabelecer

obrigações e nem revogar outras normas existentes. Motivo que o leva a afirmar que a sua

identificação como soft law é evasiva, pois não enfrenta a problemática da indefinição dos

limites da normatividade no sistema internacional.

Além dos posicionamentos favoráveis ou contrários ao tratamento dessas

manifestações como fontes autônomas, têm-se autores que buscam enquadrá-las dentro das

fontes clássicas. Starke (1984, p. 595) afirma a inexistência de uma legislatura mundial, mas

considera a existência de “medidas legislativas” que são adotas pelas organizações

internacionais, bem como a atribuição da competência de preparação de convenções

internacionais163

. No mais, considera que a prática de órgãos internacionais pode contribuir

para o desenvolvimento de regras costumeiras internacionais164

.

O posicionamento sobre a obrigatoriedade derivada da formação de um costume

internacional também é verificada dentro da CIJ, como demonstra o voto do Juiz Tanaka no

caso do Sudeste da África do Sul165

. O Juiz afirma que as resoluções, declarações e decisões

derivadas das organizações internacionais podem se tornar obrigatórias para os Estados

membros, desde que haja a sua repetição no tempo, conformando, assim, um costume

internacional.

162

Mello (2002, p. 293-298). 163

Starke (1984, p. 595) destaca o papel regulatório que assumem algumas das agências especializadas das

Nações Unidas: ICAO (regulamentações e procedimento de operação), ILO (na qual faz-se presente uma

participação ampliada, com a presença de representantes de empresários e trabalhadores), WHO

(regulamentações das vacinas válida à todos membros, a não ser que haja rejeição expressa; outras diretrizes de

implementação nacional), WMO, ECAO, ITU (participação de agências privadas), IMO. 164

Ver Starke (1984, p. 30). 165

ICJ Reports (1966, p. 292-294).

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66

Um dos exemplos dado pelo Juiz Tanaka é o da existência da norma consuetudinária

da não discriminação, a qual restaria comprovada por inúmeras declarações e resoluções de

organismos internacionais166

.

Thirlway (2006, p. 134) afirma que o caráter vinculativo das resoluções da

Assembléia Geral da ONU deriva de um costume internacional, portanto, este, fonte

tradicional do Direito Internacional, passou a abarcar essas manifestações. Dessa forma

conclui que as resoluções até podem assumir caráter material de fonte, mas não formal.

O autor ainda complementa afirmando que, em litígios internacionais, as resoluções

tem sido avaliadas judicialmente nada mais do que declaratórias de direito consuetudinário,

no máximo, como prova da existência de uma opinio juris167

.

Castañeda (1961, p. 46-48) defende a contribuição da Assembléia Geral das Nações

Unidas, através do desempenho da função que poderia ser identificada como “quase-

legislativa”, como forma de se dar uma participação mais ativa dos novos Estados no processo

de criação do Direito Internacional, na medida em que se têm ampla representatividade da

sociedade internacional e a aplicação do princípio da maioria nas suas deliberações. Essa

representatividade confere significado jurídico especial às resoluções adotadas, porém, a sua

obrigatoriedade seria derivada da sua caracterização como norma costumeira ou de princípio

geral de direito.

Bowett (1970, p. 41), em seus comentários, também sobre a Assembléia Geral,

afirma ser difícil a sua comparação com os órgãos legislativos nacionais, já que as suas

deliberações findariam, principalmente, em recomendações. Por outro lado, considera a

possibilidade do exercício de funções “quase-legislativas”, as quais, ainda que incapazes de

criarem obrigações diretas aos Estados, na medida em que incorporam o consenso sobre o

direito podem indiretamente tornar-se fontes indiretas168

.

166

General Assembly resolution 1178 (XII) of 26 November 1957; resolution 1248 (XIII) of 30 October 1958;

resolution 1375 (XIV) of 17 November 1959; resolution 1598 (XV) of 13 April1961; and resolutions of the

Security Council (with regard to apartheid as practiced in the Republic of South Africa); resolution of 7 August

1953 which declares the inconsistency of the policy of the South African Government with the principles

contained in the Charter of the United Nations and with its obligations as a member State of the United Nations;

resolution of 4 December 1963. 167

Thirlway (2006, pp. 136-137). O autor faz referência à dois casos da CIJ: o das Atividades Militares e

Paramilitares na e contra a Nicarágua e o da Licitude da Ameaça ou Uso das Armas Nucleares. 168

Bowett (1970, p.41) cita como exemplos importantes de resoluções que teriam contribuído para a assunção de

normatividade da doutrina da autodeterminação: resolução 1803 (XVII) sobre a soberania permanente sobre os

recursos naturais; resolução 2131 (XX) sobre a não intervenção e a resolução 2312 (XXII) declaração de asilo

territorial.

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Sybesma-Knol (1996-2009, p. 65-66) pondera que há resoluções adotadas pela

Assembléia Geral das Nações Unidas que adquiriram “incontestável status de Direito

Internacional”, como exemplos, a resolução nº 217 A (III) adotada em 1948, a qual veicula a

Declaração Universal dos Direitos Humanos e a resolução nº 1514 (XV) de 1960, por meio da

qual adotou-se a Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos

Coloniais.

Contudo, partindo do pressuposto de que a inserção destas resoluções no Direito

Internacional, como fonte, se dá pelo seu reconhecimento como prova de um costume

internacional, o autor pondera que as resoluções devem ser subscritas por um grande número

de Estados.

Accioly e Casella (2012, p. 196-198) constatam a invocação dessas manifestações

como “eventual manifestação do costume” e, especificamente sobre as recomendações da

Assembleia Geral da ONU, também ponderam os possíveis efeitos de pressão política sobre

os Estados, de formação de opinio juris ou de formação de um costume e concluem pela

necessidade de desenvolvimento da teoria dos atos jurídicos para diferenciação entre os atos

criadores das normas e essas em sentido material.

Trindade (2002, p. 47), ante a natureza e efeitos heterogêneos dos atos das

organizações internacionais, duvida da utilidade de inserção dessa fórmula genérica como

nova categoria formal de fonte de Direito Internacional, mas defende o seu reconhecimento,

“[...] ao menos limitativamente alguns tipos de resoluções sob determinadas condições e

circunstâncias [...]”, como fonte distinta daquelas previstas no artigo 38.

Uma alternativa às discussões travadas sobre a consideração dessas manifestações

dotadas de efeitos normativos no âmbito da teoria das fontes do Direito Internacional, a qual

também pode ser utilizada para encontrar um fundamento jurídico, é a inclusão dessas

manifestações dentro de um conceito mais amplo do “direito das organizações

internacionais”.

2.5 Formas de manifestação do “direito das organizações internacionais”

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O “direito das organizações internacionais” consiste em expressão doutrinária

utilizada para agrupar em um só gênero as diferentes formas normativas que envolvem as

organizações internacionais. Blokker (2008, p. 199-200) afirma ser composto por regras e

práticas institucionais, as quais apresentam repetições e inovações entre as organizações

internacionais existentes. Três inovações nesse campo são apontadas pelo autor: consolidação

da regra do consenso na tomada de decisões, o reconhecimento explícito da personalidade

jurídica internacional e a possibilidade de demissão, durante o mandado, do secretário geral.

Schermers e Blokker (2004, p. 720) constatam que o reconhecimento da existência

de um ordenamento jurídico próprio das organizações internacionais desenvolve-se de forma

gradual entre os anos de 1920 e 1930, mas tem aceitação definitiva a partir de 1945. Dentre os

motivos para esse reconhecimento estariam a multiplicação de organizações internacionais, o

ganho de complexidade e a necessidade de uma coerência das normas que regem as relações

entre as organizações e seus funcionários.

Para o estudo desta, faz-se referência, mais uma vez, ao Projeto de Codificação sobre

a Responsabilidade Internacional das Organizações Internacionais169

, o qual fornece uma

conceituação útil (art. 2º, “b”):

(b) “Regras da organização” significam, em particular, os instrumentos

constitutivos, as decisões, as resoluções e outros atos da organização adotados de

acordo com esses instrumentos e com a prática estabelecida pela organização170

.

Em seus comentários171

ao texto adotado, a CDI destaca que a definição apresentada

teve como base a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e

Organizações Internacionais e entre Organizações Internacionais de 1986172

.

O texto da Convenção de Viena de 1986, contudo, também não é original, foi

retomado o dispositivo presente no artigo 1.1 (34)173

da “Convenção de Viena para a

Representação dos Estados em suas relações com as Organizações Internacionais de Caráter

Universal” de 1975. Nesse dispositivo mais longevo, incluiu-se na definição de “regras da

organização” a prática dessa organização após a proposta feita pelo representante Francês

169

International Law Comission – United Nations (2011a, p. 6, tradução nossa). 170

In verbis: “Rules of the organization” means, in particular, the constituent instruments, decisions, resolutions

and other acts of the organization adopted in accordance with those instruments, and established practice of the

organization”. 171

International Law Comission – United Nations (2011a, p. 8, §16). 172

Article 2. Use of terms/ 1. For the purposes of the present articles: (j): "rules of the organization" means, in

particular, the constituent instruments, relevant decisions and resolutions, and established practice of the

organization. Ver International Law Comission – United Nations (1986, p. 5-6). 173

Part I. Introduction. Article 1 Use of terms. 1. For the purposes of the present Convention: […] (34) “rules of

the Organization” means, in particular, the constituent instruments, relevant decisions and resolutions, and

established practice of the Organization.

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69

(Museux), o qual considerou que não estava evidente a sua inclusão nos atos constitutivos e

nas normas procedimentais das organizações, os quais poderiam ser omissos174

.

A única alteração se deu pelo acréscimo da expressão “e outros atos das organizações

adotados de acordo com esses instrumentos”, a partir do qual buscou-se abranger mais

amplamente a grande variedade de atos adotados pelas organizações internacionais, deixando

claro, porém, a necessidade de sua consonância com as demais normas.

Quanto ao dispositivo original, a Comissão, em seus comentários175

, afirma que o

texto buscou apresentar uma fórmula genérica e abrangente, para tanto, foi feita redação

descritiva meramente exemplificativa dos atos formais que podem dar origem às “regras da

organização”, os quais foram adjetivados para chamar atenção que nem todos têm esse

condão.

A mesma discussão foi travada no âmbito da adoção do texto da Convenção de

Viena de 1975, sendo ponderada a utilização dos diferentes vocábulos, como resoluções,

decisões e recomendações. A preocupação dos representantes dos Estados presentes à

Conferência foi da amplitude que viria a assumir as exemplificações dadas no conceito

proposto, o que levou à restrição genérica de “relevantes decisões e resoluções”176

.

Quanto à referência de outros atos da organização, inserta em decorrência dos

comentários apresentados pelos Estados e pelas organizações internacionais, são ponderadas

práticas no histórico dessas instituições formadoras das suas próprias regras. Contudo,

verifica-se que nas diferentes organizações as práticas assumem distintas posições, não sendo

uma regra geral.

A importância dada à prática internacional na formação do “direito das

organizações”, nos termos que foi apresentado inicialmente, também foi reafirmada pela CDI

no referido projeto de codificação sobre a responsabilidade, bem como a tentativa de

equacionamento entre as normas formalmente estabelecidas e aquelas derivadas da

necessidade de desenvolvimento da própria organização. Por outro lado, afirma-se não haver

a pretensão de nivelar as normas que compõem o “direito das organizações”, havendo em

cada instituição uma hierarquia normativa própria, explícita ou implicitamente estabelecida177

.

174

Ver United Nations (1975, §18). 175

International Law Comission – United Nations (1986, p. 8-9, §25). 176

Ver United Nations (1975, §§ 20-38). 177

International Law Comission – United Nations (2011a, p. 8, §17-19).

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70

Um exemplo concreto da importância da prática internacional na conformação das

normas internacionais, em especial aquelas aplicadas e derivadas das organizações

internacionais, é extraído da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na qual o

poder de decisão, exercido principalmente pelo Conselho do Atlântico Norte, se dá com a

formação de consenso entre seus membros178

, no entanto, tal regra não está estabelecida no

tratado constitutivo da organização e nem em normas formais posteriores, decorre apenas da

prática adotada na organização179

.

Como visto anteriormente, um dos elementos característicos de uma organização

internacional é a sua constituição por meio de um tratado, o qual traz a conformação desse

novo sujeito internacional e suas características, o que explica a vinculação da análise da

natureza e efeitos do produto da atividade das organizações internacionais ao seu conteúdo,

seja expresso ou implícito.

Sorensen (1981, p. 181-183) ao considerar que, na maioria dos casos as

manifestações das organizações internacionais não produzem obrigações aos Estados, salvo

indiretamente como contribuição para formação de costume internacional, conclui que esses

não podem ser considerados como fonte de direito e, juntamente com o tratado constitutivo e

as normas costumeiras delas derivadas, são formas de manifestação do ordenamento jurídico

próprio da organização internacional.

2.6 Expressão de uma soft law

Como visto anteriormente, as manifestações das organizações internacionais podem

ser fonte de obrigações internacionais com características novas, as quais não permitem mais

o seu enquadramento em nenhuma das fontes tradicionais do Direito Internacional clássico,

impondo a criação de conceitos alternativos como a de soft law.

178

O Conselho é composto pelos representantes de cada um de seus Estados membros, os quais são, hoje:

Albânia, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, República Checa, Dinamarca, Estônia, França, Alemanha, Grécia,

Hungria, Islândia, Itália, Letônia, Lituânia, Luxembourg, Países Baixos, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia,

Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos da América. Ver NORTH ATLANTIC

TREATY ORGANIZATION – NATO Member Countries. 179

Ver comentários apresentados pela própria OTAN in INTERNATIONAL LAW COMISSION – UNITED

NATIONS, 2011b, p. 11-13 e 40.

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71

A conceituação e delineamento das críticas são importantes para a aplicação do

conceito de soft law às manifestações proferidas pelas Organizações Internacionais. A

expressão é muito utilizada contemporaneamente no Direito Internacional para designar atos

destituídos de caráter obrigatório. Accioly e Casella (2012, p. 346) observam que representa

uma expressão de difícil tradução para a língua portuguesa, mas cuja semelhança com os

deveres morais, pode ser assinalada.

As normas identificadas por soft law, muito utilizadas em alguns dos ramos do

Direito Internacional, representam o desenvolvimento de diferentes graus de “força

vinculativa” para novas definições normativas que veiculam obrigações não passíveis de

enquadramento nas fontes clássicas do rol do artigo 38.

Amaral Júnior (2011a, p. 51-54) a define como “[...] atos e conteúdos normativos

que não dispõem de obrigatoriedade [...]” e destaca a importância que os instrumentos de soft

law assumem no direito internacional do meio ambiente, já que exercem influência sobre as

escolhas estatais, mas não ignora a controvérsia existente a respeito da sua inclusão no direito

internacional e conclui que “[...] não são, rigorosamente, fontes de direito internacional, nem

se apresentam, por outro lado, destituídos de relevância jurídica”.

As normas identificadas por soft law, na medida em que representam o

desenvolvimento de diferentes graus de “força vinculativa”, são úteis para as novas definições

normativas que veiculam obrigações não passíveis de enquadramento nas fontes clássicas do

rol do artigo 38. Por outro lado, a imprecisão jurídica apontada gera posicionamentos críticos.

Weil (1983, p. 413-415) aponta como uma das debilidades estruturais da ordem

normativa internacional a existência de normas vagas, que contêm previsões exortatórias ou

programáticas. Estas estariam se multiplicando e contribuindo para o não fortalecimento do

sistema normativo internacional. Observa, ainda, que a expressão também é utilizada para

designar o valor jurídico de alguns atos não normativos, como certas resoluções de

organizações internacionais, o que constituiria, na verdade, uma deficiência conceitual gerada

em torno de um conceito de normatividade variável.

Para além desses posicionamentos, pautados basicamente nas fontes clássicas do

Direito Internacional, seja a favor ou contra do seu enquadramento, também a defesa da

inserção dessa discussão em torno de um conceito novo presente no Direito Internacional

contemporâneo, o de soft law, a qual é tratada separadamente a seguir.

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72

Alvarez (2006, p. 599-600), após fazer referência a exemplos de resoluções da

Assembléia Geral, de recomendações da Organização Internacional do Trabalho e de decisões

do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio, afirma a produção de soft law,

derivada de uma interpretação autêntica dos tratados internacionais instituidores e adotados ao

entorno de organizações internacionais. Para o autor, este tipo normativo, cuja aplicação era

vista como precursora à adoção de normas formais, passa a assumir importância e utilidade

próprias.

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73

PARTE II - IMPACTOS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NA

TEORIA DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

3 IMPACTOS INTERNACIONAIS

3.1 Introdução

Como já explicitado, o surgimento e a proliferação das organizações internacionais

refletem diversas mudanças no Direito Internacional.

Os mecanismos de conformação de decisões no âmbito das organizações, baseados

na votação dos seus membros podem servir para evidenciar a adoção de uma política de

blocos assumida pelos Estados em determinados momentos históricos, a qual é extraída do

acompanhamento dos aliados ao posicionamento assumido pela potência líder, como se deu

claramente no pós-Segunda Guerra Mundial até a dissolução do bloco comunista180

.

Além dos impactos que as organizações internacionais refletem sobre a conformação

da política internacional, pode-se verificar a contribuição das organizações internacionais na

conformação de novos conceitos, como o de soft law, o de obrigações erga omnes e de jus

cogens.

Além da contribuição verificada para esses novos institutos, também se observa o

desenvolvimento de uma prática organizacional diferenciada cujos produtos, como visto

anteriormente, podem ser identificados como diferentes tipos de fontes do Direito

Internacional. Verifica-se, também, reformulações sobre as formas tradicionais de expressão

do ordenamento jurídico Internacional, os tratados, as normas costumeiras e os princípios

gerais de direito.

180

Ver Mello (2002, p. 48-49).

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74

3.2 As organizações internacionais e as novas fontes do Direito Internacional

Os produtos normativos das organizações internacionais são diversificados e

apresentam caráter normativo diferenciado, derivam de uma realidade plural e não uniforme

de organizações internacionais e não se enquadram nas clássicas formas de manifestação do

direito internacional.

Assim como não se defende aqui a consideração dessas novas fontes como uma

espécie nova de fonte formal, devido às suas peculiaridades, não se busca a construção de

uma teoria geral que abranja essas novidades normativas, procuramos, em alguns casos

especiais, enfrentá-las em sua individualidade.

A partir das classificações das organizações internacionais propostas anteriormente,

estabelecemos alguns cortes metodológicos para a escolha das organizações a serem

analisadas. O primeiro deles é a escolha pelas organizações internacionais de caráter

universal, caracterizadas pela sua grande amplitude mundial, sendo selecionada a ONU,

caracterizada por uma expressiva abrangência geográfica181

e uma grande relevância

internacional.

No âmbito da ONU utilizamos, a priori, a separação feita entre órgãos políticos e

organismos especializados. Como já afirmado, não se pretende analisar um a um os órgãos

desta organização, mas, os órgãos que apresentaram destaque no âmbito da formação de

manifestações dotadas de efeitos normativos.

Os dois primeiros órgãos que merecerão consideração, exemplos de órgãos políticos,

são o Conselho de Segurança e a Assembléia Geral, os quais apresentam importante

participação internacional na aprovação de manifestações dotadas de efeitos normativos.

Passando para os organismos especializados, escolhe-se aqueles que aprovam normas técnicas

de recorrente incorporação pelos ordenamentos jurídicos nacionais, como resultado de um

mecanismo diferenciado de tomada de decisões, a OACI e a OMS.

181

A ONU alcançou no ano de 2011 o número de 193 Estados membros. Ver UNITED NATIONS – Member

States.

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75

3.2.1 Conselho de Segurança e Assembléia Geral da ONU

O Conselho de Segurança e a Assembléia Geral são os dois órgãos políticos de maior

relevo dentro da ONU, os quais propiciam aos membros da organização um abrangente foro

de discussões, do qual pode-se observar resultados de relevantes consequências jurídicas.

Higgins (1970, p. 38-46) defende que todas as manifestações derivadas dos órgãos

políticos das organizações internacionais, de alguma forma, contribuem para o

desenvolvimento progressivo do direito internacional e podem representar elementos

importantes de comprovação de um costume internacional. A formação de direito

consuetudinário seria comprovada pela prática dos Estados revelada no âmbito desses foros,

principalmente no âmbito da ONU, por conta da sua grande abrangência, bem como as ações

destes órgãos, em si consideradas.

A autora busca responder aos questionamentos formulados pelos críticos à

consideração jurídica da atividade desses órgãos. O primeiro deles refere-se à interpretação do

comportamento dos Estados nas votações dentro desses órgãos deliberativos, se capaz de

exprimir um posicionamento vinculativo ou não. Para a autora, assim como o comportamento

do Estado em seus relacionamentos bilaterais com outro sujeito internacional pode

comprometê-lo, também o faz as manifestações expressas no seu relacionamento

internacional multilateral institucionalizado.

No que concerne à indagação sobre qual a amplitude do consenso exigida na

aprovação de uma manifestação desses órgãos, necessária para que possa vir a comprovar a

conformação de um costume internacional, a autora afirma a importância da obtenção do

consenso da grande maioria, no entanto, pondera que determinadas matérias afetam

diretamente poucos sujeitos, como, por exemplo, a proibição dos testes atômicos e a

cooperação no espaço extraterrestre, nestes casos, a eficácia sobre a aplicação da

manifestação deve ser levada em consideração para a interpretação do consenso obtido.

A dura crítica dirigida às manifestações desses órgãos, derivada da falta de

obrigatoriedade verificada na maioria dos casos, é combatida pela autora que defende que a

tomada de decisões obrigatórias não é a única forma de se obter o desenvolvimento de normas

do direito internacional, podendo-se obter consequências jurídicas de atos que não são

formalmente vinculativos.

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Para a autora, a reiteração dessas manifestações ao longo do tempo, aprovadas por

ampla maioria, dão forma a uma opinio iuris geral, formada pela criação de uma expectativa

que o ato tomado apresente consequência jurídica na sociedade internacional, e ensejam a

comprovação de uma norma consuetudinária internacional. Pondera, porém, que a adoção de

conduta contrária aos termos da manifestação pelos Estados membros, participantes da

votação, não pode ser desprezada.

Por fim, faz referência aos atos de interpretação da Carta, os quais devem ser

interpretados conforme a pretensão do órgão. Se tendentes à delimitação da sua competência e

do funcionamento interno da organização, apresentam autoridade clara, mas, se apontam para

o tratamento substancial de diretos e deveres dos Estados, embora apresentem autoridade

inicial, possibilitam a oposição de reservas pelos destinatários. Neste último caso, ressalva as

resoluções obrigatórias tomadas com fundamento do capítulo VII da Carta, cuja motivação da

manutenção da paz e da segurança não deveria ser revista, nem mesmo pela CIJ.

Alvarez (2006, p. 184 e ss) aponta que ambos os órgãos assumiram relevante papel

na interpretação do regramento do uso da força pelos Estados, interpretação que teria

determinado os contornos da compreensão dos artigos 2 (4) e 51 da Carta da ONU, bem como

delineado a conformação do costume internacional sobre o uso da força pelos Estados e a

autodefesa.

Accioly e Casella (2012, p. 196-198) também constatam que pode haver, em especial

em relação às manifestações da Assembleia Geral, a invocação dessas manifestações como

manifestação de um costume internacional, adquirindo por meio dele, a sua autoridade.

A realidade das manifestações proferidas por esse dois órgãos é plural e de difícil

enquadramento em uma regra geral, por isso busca-se a sua compreensão por meio da

classificação proposta por Higgins (1965, p. 121-123), a qual incide sobre o produto da

atividade jurídica dos órgãos políticos da ONU e da classificação de Ratner (2004, p. 593-

599) sobre as manifestações do Conselho de Segurança.

A primeira categoria, denominada por Ratner de “interpretativas”, são as

manifestações emanadas de uma organização no exercício da interpretação das disposições

convencionais da sua Carta fundamental. No contexto dos órgãos políticos da ONU, Higgins

(1965, p. 121) destaca que, quando tomadas pelo órgão sobre o exercício de sua competência,

de forma reiterada e tolerada pelos membros, passam a constituir norma costumeira que

aderem à Carta.

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Ratner (2004, p. 595-596) apresenta exemplos de institutos da Carta interpretados

por resoluções do Conselho de Segurança, tais como o significado de “disputa” no âmbito do

capítulo VI da Carta, sobre solução pacífica de controvérsias, o significado de “abstenção” da

Assembléia Geral, presente no artigo 12 e a interpretação da disposição sobre os votos

concorrentes entre os membros permanentes do Conselho, presente no artigo 27.

Outros exemplos são dados pelo autor, mas para demonstrar que essas manifestações

podem extrapolar a mera delimitação do conteúdo normativo da Carta. As resoluções de

números 47 e 50 adotadas em 1948 implantaram um mecanismo operacional da ONU para a

manutenção da paz, o qual tinha por finalidade monitorar o cessar-fogo na Índia e no

Paquistão. Estes são exemplos de casos de ameaça e ruptura da paz que ensejaram uma

atuação atípica do Conselho, não prevista no capítulo VII, artigos 41 e 42 da Carta da ONU.

Como segunda categoria temos as manifestações denominadas de “declaratórias”, as

quais visariam esclarecer o conteúdo de determinados direitos presentes em normas

existentes. Higgins (1965, p. 121) dá como exemplo a Resolução nº 375 (IV) da Assembleia

Geral da ONU, a qual trata, em gênero, dos direitos e deveres internacionais tradicionais dos

Estados.

Sobre a atuação do Conselho de Segurança, Ratner (2004, p. 593-594) afirma que,

para poder constatar a existência de violações, o Conselho teve que declarar a existência de

determinados direitos, como o fez nos seguintes exemplos: na Resolução 216 (1965) ao

declarar a ilegalidade de um regime minoritário racista; na Resolução 276 (1970) ao declarar

a ilegalidade e invalidade dos atos de ocupação; na Resolução 598 (1987) ao declarar a

violação de normas do direito internacional humanitário e normas sobre conflitos armados182

.

Estes teriam representado a interpretação de um direito não diretamente previsto na

Carta da ONU, portanto, não seriam interpretação desta. O Conselho teria dado uma

caracterização jurídica em matérias não tratadas diretamente na Carta para os fatos analisados.

O autor afirma que as consequências dessas interpretações podem apresentar impactos sobre

outros sujeitos internacionais não envolvidos, na medida em que passam a ser utilizadas como

fundamento em outros foros e com maior impacto quando tomadas no exercício das

competências estabelecidas nos capítulos VI e VII da Carta.

182

Outros três exemplos dados pelo autor foram: a Resolução 687 (1991) que declarou a responsabilidade do

Iraque sobre perda ou perigo causado à outros Estados como resultado da invasão do Kuwait; a Resolução 794

(1992) que declarou a responsabilidade sobre as violações do direito internacional humanitário dentro dos

conflitos internos da Somália; e a Resolução 835 (1993) que declarou que as eleições no Camboja deveriam ser

livres e justas.

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78

A terceira categoria, apresentada somente por Higgins (1965, p. 121), a qual pode ser

denominada de “confirmatórias”, congrega as manifestações que confirmam a existência de

um direito em vigor, como teria feito a Resolução 95 (1) da Assembléia Geral da ONU que

confirmou os “Princípios de Nuremberg”.

Como quarta categoria temos as manifestações “propositivas”, cujo objeto é a

proposição de novas normas jurídicas a serem adotadas. Ratner (2004, p. 599-500) destaca

que, com fundamento no artigo 33, do capítulo VI da Carta da ONU, o Conselho de

Segurança pode propor medidas para a dissolução pacífica da disputa às partes em litígio e

uma das hipóteses possíveis é recomendação de adoção de instrumentos jurídicos específicos,

podendo, inclusive recomendá-los a outros Estados que não estivessem envolvidos.

Higgins (1965, p. 122), por sua vez, afirma a prática da Assembléia Geral da ONU

de elaborar projetos de convenções para os Estados, como se deu, por exemplo, com as

Resoluções 96 (I) e 180 (II) sobre a matéria do genocídio e a resolução 869 (IV) sobre a

declaração de óbito de pessoas desaparecidas.

Ratner (2004, p. 601-602) nomeia de “executivas” as resoluções que servem para

aplicar determinadas regras em uma dada situação, as quais tomamos como quinta categoria.

O autor destaca que há no capítulo VII da Carta da ONU uma legitimação da ação do

Conselho de Segurança, no entanto, não há a previsão da adoção de decisões com impactos

diretos sobre os indivíduos, como se dá com a criação de tribunais penais ou o

estabelecimento de sanções financeiras sobre as ações terroristas.

Higgins (1965, p. 122) aponta que os órgãos políticos da ONU, em especial o

Conselho de Segurança, assumem a função decisória de aplicar uma regra específica para uma

situação particular. Para tanto, a autora observa que, em muitos casos, busca-se na Carta da

Organização o fundamento para a obrigação jurídica, mas, nem sempre essa é suficiente,

socorrendo-se a outras regras mais específicas do direito internacional geral para delimitar o

regramento da questão.

Das classificações propostas extrai-se cinco categorias de manifestações jurídicas, de

acordo com a sua substância: interpretativas, declaratórias, confirmatórias, propositivas e

executivas. Em todas elas pode-se verificar a inexistência de formulações jurídicas novas a

partir da atividade dos órgãos internacionais analisados, no entanto, já nas ponderações feitas

por Ratner, aponta-se para a possibilidade de consideração de um caráter de inovação jurídica.

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79

3.2.2 Organização da Aviação Civil Internacional

A OACI foi criada em 1944183

com a assinatura da Convenção sobre Aviação Civil

Internacional em Chicago, tendo por objetivo a promoção do desenvolvimento seguro e

ordenado da aviação civil internacional em todo os países. Hoje perfaz agência especializada

da ONU, ligada ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e tem 191 Estados membros184

.

A Organização tem dois órgãos principais, a Assembleia e o Conselho. A

Assembleia, a qual perfaz “órgão plenário” nos termos da classificação proposta por

Schermers e Blokker (2004, p. 183-184)185

, possui entre seus poderes e deveres: a eleição dos

membros que compõem o Conselho, a deliberação sobre as comunicações encaminhadas pelo

Conselho, a submissão de matéria para análise a qualquer órgão, a delegação de poderes, o

exercício de competências residuais da organização e a aprovação emendas à Convenção.

O Conselho, do qual o Brasil é membro186

, nos termos da classificação proposta por

Schermers e Blokker (2004, p. 183-184)187

, é órgão não plenário composto por 36 Estados

membros, eleitos pela Assembleia por um mandato de três anos188

.

As decisões do Conselho são aprovadas pela maioria dos membros, podendo delegar

o exercício de sua competência para um comitê formado por alguns dos seus componentes,

cabendo recurso ao Conselho das decisões tomadas pelos comitês189

. Dentre as muitas

funções do Conselho, destaca-se: a adoção de normas e práticas internacionais recomendadas

de acordo com as disposições do capítulo VI da Convenção, determinando-as, por razões de

conveniência, como anexos à Convenção, e notificando a todos os Estados contratantes das

medidas.

183

Também é conhecida “Convenção de Chicago” e foi assinada em 07 de dezembro de 1944 por 53 Estados,

mas apenas entrou em pleno vigor com a ratificação de mais 26 Estados, que se concluiu-se em 05 de março de

1947. A atual versão da Convenção foi consolidada em 2006, sua 9ª edição (Ver INTERNATIONAL CIVIL

AVIATION ORGANIZATION (2006)). Foi ratificada pelo Brasil em 26 de março de 1946, sendo promulgada

pelo Decreto nº 21.713, de 27 de agosto de 1946. 184

Dado de 10 de novembro de 2011, disponível em: INTERNATIONAL CIVIL AVIATION

ORGANIZATION – Member States. 185

Já referida anteriormente no capítulo 1.1 sobre o conceito das organizações internacionais. 186

O Brasil é membro da organização, tendo ratificado a Convenção em 8 de julho de 1946, e atual membro do

Conselho. 187

Ibidem. 188

Ver art. 50, “a” da Convenção de Chicago. 189

Ver art. 52 da Convenção de Chicago.

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80

A competência exercida pelo Conselho de adotar novos padrões internacionais e

práticas recomendadas, incorporados como anexos da Convenção de Chicago, como expresso

na Resolução 35-14 da Assembleia, decorrem do disposto no artigo 54, “l”, interpretado em

conjunto com os artigos 37 e 38, todos da Convenção:

ARTIGO 54. O Conselho deverá: [...] l) Adotar de acordo com as disposições do Capítulo

VI desta Convenção, as normas internacionais e os processos recomendados; para a maior

conveniência designá-los como Anexos a esta Convenção e notificar todos os Estados

contratantes da ação tomada;

ARTIGO 37

Adoção de normas e processos internacionais

Os Estados Contratantes se comprometem a colaborar a fim de lograr a maior

uniformidade possível em regulamentos, padrões, normas e organização relacionados com

as aeronaves, pessoal, aerovias e serviços auxiliares, em todos os casos em que a

uniformidade facilite e melhore a navegação aérea. Para este fim, a Organização

Internacional de Aviação Civil adotará e emendará oportunamente, segundo a

necessidade, as normas internacionais e as práticas e processos relativos aos pontos

seguintes:

[...]

Assim como todas as sugestões relacionadas com a segurança, regularidade e eficiência de

navegação aérea que oportunamente foram necessárias”;

ARTIGO 38

Diferenças entre as normas e processos internacionais

Se um Estado se vê impossibilitado de cumprir em todos os seu detalhes certas normas ou

processos internacionais, ou de fazer que seus próprios regulamentos e práticas concordem

por completo com as normas e processos internacionais que tenham sido objeto de

emendas, ou se o Estado considerar necessário adotar regulamentos e práticas diferentes

em algum ponto dos estabelecidos por normas internacionais, informará imediatamente a

Organização Internacional de Aviação Civil das diferenças existentes entre suas próprias

práticas e as internacionais. Em caso de emendas a estas últimas o Estado que não fizer

estas alterações nos seus regulamentos ou práticas deverá informar o Conselho dentro do

período de 60 dias a contar da data em que for adotada a emenda às normas internacionais,

ou indicará o que fará a esse respeito. Em tal caso o Conselho notificará imediatamente a

todos os demais Estados a diferença existente entre as normas internacionais e as normas

correspondentes no Estado em apreço.

A adoção destes como anexos à Convenção exige a aprovação de dois terços dos

seus membros em sessão destinada para esse fim. Aprovado e feita a comunicação aos

Estados membros, o anexo surtirá efeitos depois de três meses da comunicação, ou prazo

maior determinado pelo próprio Conselho, a não ser que a maioria dos Estados membros da

Organização registrem seu desacordo perante o Conselho190

.

190

Artigo 90 da Convenção de Chicago in verbis: “Adoção e emendas de anexos - a) A adoção pelo Conselho dos

Anexos descritos no artigo 54, subparágrafo (1º), necessitará dois terços de votos do Conselho em reunião

convocada com tal finalidade e será em seguida, submetida pelo Conselho a cada Estado contratante. Qualquer

anexo ou emenda de um anexo, tornar-se-á efetiva dentro de três (3) meses, contados a partir da data em que

forem submetidos à apreciação dos Estados contratantes, ou findo um período mais extenso que o Conselho

possa adotar, salvo se nesse ínterim, uma maioria dos Estados contratantes manifestar sua desaprovação do

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81

As normas e práticas internacionais recomendadas, conhecidas como SARPs191

,

abrangem aspectos técnicos e operacionais da aviação civil internacional, como a segurança, a

formação de pessoal, as operações das aeronaves, os aeródromos, os serviços de tráfego

aéreos, a investigação de acidentes e o meio ambiente. A sua eficácia é baseada em quatro

características, conhecidas como os quatro “Cs” da aviação: a cooperação, o consenso, a

conformidade e o compromisso192

.

Em matérias técnicas, as SARPs são elaboradas pela Comissão de Navegação aérea,

composta por dezenove pessoas, dentre especialistas e profissionais da aeronáutica indicados

pelos Estados membros e nomeados pelo Conselho. Feita a proposta, esta é encaminhada para

a aprovação do Conselho.

A natureza jurídica desses atos é distinta da Convenção. Para Weber (1996-2009, p.

45) esta deriva de uma “técnica legislativa internacional” própria utilizada pelo órgão para

atualizar diariamente essas normativas relacionadas com a segurança, regularidade e

eficiência da navegação aérea, sendo os Estados notificados para o seu cumprimento.

Na área de segurança, a OACI estabeleceu em 1999 um “Programa de Auditorias

Universais de Supervisão da Segurança Operacional Universal”193

para auxiliar os Estados na

implementação das SARPs194

. Sua operacionalização se dá por meio de auditorias periódicas

a serem realizadas pela Organização. Nestas auditorias, são verificados: a adequação do

enquadramento legislativo e regulamentar; a implantação de uma estrutura organizacional; a

orientação técnica do pessoal; a qualificação dos profissionais; os procedimentos de

licenciamento e certificação; a contínua vigilância e resolução de problemas de segurança que

forem identificados.

Conselho. b) O Conselho comunicará, imediatamente, aos Estados contratantes a entrada em vigor de qualquer

anexo ou emenda de anexo”. 191

Acrônimo formado pela sua denominação em inglês: Standard and recommended practices. 192

Para essas normas, aplicam-se os quatro princípios da seguinte forma: cooperação na formulação das SARPs,

consenso na sua aprovação, o cumprimento na sua aplicação e compromisso de adesão a este processo em curso.

Ver: INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION - Air Navigation Bureau (ANB) - Making An

ICAO Standard. Why Are Standards Necessary?. 193

Foi instituído por meio da Resolução A32-11 da Assembléia e teve como escopo inicial a verificação das

matérias constantes nos anexo 1 (Licenciamento de Pessoal), anexo 6 (Operação de Aeronaves) e anexo 8

(Aeronavegabilidade de aeronaves), por meio da realização de auditorias em todos os Estados contratantes, que

foi concluída e apresentada na 33ª Sessão da Assembléia (2001). Ocorre que, ante o sucesso da sua

implementação, aprovou-se a sua continuidade, bem como a expansão do seu âmbito de análise, passando a

cobrir toda as provisões sobre segurança (nos termos da Resolução da Assembléia A35-6). Ver:

INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION. Safety Oversight Audit Programme (USOAP) –

Background. 194

Ver: INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION - Air Navigation Bureau (ANB) -

Implementation of SARPS / Universal Safety Oversight Audit Programme.

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82

Em março 2006, durante a “Conferência de Diretores Gerais de Aviação Civil”, que

teve como tema a “estratégia global para a segurança” foi recomendado e aprovado o

desenvolvimento de um sistema para a divulgação das informações relevantes sobre as

auditorias realizadas pela Organização entre os anos de 1999 e 2004. Para tanto, porém, foi

necessária a autorização dos Estados para essa divulgação, a qual foi feita de forma restrita

por alguns dos membros, permitindo-se, apenas, a divulgação de um resumo e de um gráfico

dos elementos críticos da auditoria195

.

A menção dos atos da OACI no estudo das manifestações dotadas de efeitos

normativos se verifica, como foi demonstrado, por uma questão formal da Organização, a

aprovação de normas técnicas por meio de procedimentos próprios que não envolvem a

aprovação ou ratificação dos seus Estados membros. No entanto, para a conclusão sobre a sua

inovação no campo normativo internacional, faz-se necessária algumas considerações sobre o

conteúdos dessas manifestações.

Para essa análise substancial, tomamos como objeto de análise o Decreto nº 1.413, de

7 de março de 1995, o qual dispõe sobre os documentos e procedimentos necessários para o

despacho de aeronave em serviço internacional, o qual revogou o Decreto nº 86.228 (28 de

julho de 1981) que havia incorporado na íntegra a oitava edição do Anexo 9 à Convenção de

Aviação Civil Internacional. O referido Decreto estabelece uma série de formalidades a serem

cumpridas pelos operadores das aeronaves, pelos passageiros e pelas autoridades competentes

nas viagens internacionais, as quais guardam a vaga relação com a disposição genérica da

Carta da OACI sobre os regulamentos para entradas e saídas prevista no artigo 13196

.

Essas normas de conduta, derivadas de uma organização internacional que as aprova

por mecanismo próprio, no qual a participação estatal se dá apenas pela nomeação de técnicos

para a composição de seus órgãos, são incorporadas e impõem obrigações diretas a

indivíduos, representantes estatais e jurisdicionados, as quais guardam relação distante com os

ditames convencionais assumidos pelos Estados. Caracterização que induz a conclusão de

que, mais do que meras explicitações do tratado constitutivo da OACI, as SARPs representam

o exercício de um poder normativo internacional peculiar e diferenciado, cujo produto não se

enquadra nas formas tradicionais de manifestação do direito internacional.

195

Ver INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION – Flight Safety Information Exchange. 196

“ARTIGO 13. Regulamentos para entradas e saídas / As leis e regulamentos de um Estado contratante, sôbre

a entrada ou a saída de seu território de passageiros, tripulação, ou carga de aeronaves (tais como regulamentos

de entrada, despacho, imigração, passaportes, alfândegas e quarentena) deverão ser cumpridas ou observadas

pelos passageiros, tripulação ou carga, ou por seu representante, tanto por ocasião de entrada como de saída ou

enquanto permanecer no território dêsse Estado”.

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83

3.2.3 Organização Mundial da Saúde (OMS)

Os descobrimentos técnicos na área da saúde feitos no fim do século XIX, os quais

podem ser generalizados na afirmação de fundação de uma “era médica bacteriológica”,

teriam fornecido bases para a adoção de ações de saúde pública em âmbito nacional e

internacional, o que cria um contexto propício para a ideia do estabelecimento de um

organismo internacional permanente197

.

Esse contexto explica o estabelecimento do Escritório Internacional de Higiene

Pública pelo Acordo de Roma firmado em 1907 pelos signatários da Convenção sobre Saúde

Pública de 1903, aprovada na 11ª Conferência Internacional Sanitária realizada em Paris. O

qual teve como preocupação maior o controle das doenças contagiosas198

.

A contínua evolução das atividades internacionais em matéria da saúde pública,

aliada com a fase de reconstrução mundial no pós 2ª Guerra Mundial caracterizada pelo

estabelecimento de bases sólidas para a manutenção da paz mundial, inseriu-se nas discussões

da Conferência de São Francisco, por manifestação da delegação brasileira, a questão da

saúde como importante matéria para a manutenção da paz, o que findou com a inclusão da

temática no âmbito das competências da ONU199

.

Soares (2000, p. 63-64) coloca como antecedentes imediatos da formação da OMS as

discussões travadas para a adoção da Carta ONU, as quais findaram na inclusão dessa

preocupação no seu texto, feita em seu artigo 55200

, inserto no Capítulo IX da Carta sobre a

"Cooperação Internacional Econômica e Social".

Foi, então, da junção de esforços com delegação chinesa, que a delegação brasileira

conseguiu alcançar a aprovação de uma declaração para a convocação de uma conferência

geral destinada ao estabelecimento de uma organização sanitária internacional. O projeto foi

conduzido pelo Conselho Econômico e Social da ONU e, em março de 1946, foi apresentado

197

Ver: WORL HEALTH ORGANIZATION (1968–1978, p. 37). 198

Ver: Soares (2000, p.54-55). 199

Ver: WORL HEALTH ORGANIZATION (1968–1978, p. 38). 200

In verbis: Artigo 55º “Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações

pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da

autodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão: a) A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego

e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; [...]”.

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84

o projeto da Constituição da Organização Internacional da Saúde, aberto para assinaturas em

julho do mesmo ano201

.

A Constituição entrou em vigor em 07 de abril de 1948 e estabeleceu em seu artigo

69 o relacionamento com ONU como agência especializada202

desta, nos termos do artigo 57

da sua Carta.

A OMS pode ser inserida dentro de um contexto jurídico particular denominado de

Direito Internacional Sanitário, o qual lida com uma matéria prioritariamente deixada a cargo

da administração do Poder Público pelos ordenamentos jurídicos nacionais203

, mas que não

escapou do fenômeno característico do século XX, a globalização204

.

Soares (2000, p. 51-52) constata que a facilidade de transporte, de informação e o

crescimento industrial, características do século XX, facilitaram a transmissão de doenças e

de padrões culturais e comportamentais nocivos a saúde, bem como o crescimento da

poluição transfronteiriça.

A OMS foi constituída com uma estrutura baseada em três órgãos básicos205

: a

Assembléia Mundial da Saúde, o Conselho Executivo e o Secretariado.

A Assembléia é composta por representantes de todos os Estados membros, os quais

são nomeados pelos Estados, mas que devem ser pessoas com competência técnica da área da

saúde e preferencialmente advindas da estrutura da administração nacional responsável pela

matéria206

. O Conselho é composto por 18 pessoas tecnicamente qualificadas na área da

saúde, as quais são indicadas pelos Estados membros escolhidos pela Assembléia para esse

fim207

e o Secretariado composto por um diretor-geral e o pessoal técnico e administrativo208

.

201

Ver: Ibidem (1968–1978, p. 38-39). Foi ratificado o projeto pelo Brasil em 01 de junho de 1948 e promulgado

pelo Decreto nº 26.042, de 17 de Dezembro de 1948. Em 20 de maio de 1963, pelo Decreto nº 52.024, foi

tornada pública as aceitações por parte de diversos países da Constituição da Organização Mundial de Saúde,

assinada em 22 de julho de 1956. 202

Ver comentários sobre as agências especializadas da Onu na nota de rodapé nº 79. 203

No caso brasileiro, nos termos do artigo 197 da Constituição Federal de 1988, in verbis: “São de relevância

pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua

regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,

também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. Além dessa disposição de natureza gerencial, dispõe o

artigo 30, inciso VII, a competência dos Municípios a prestação de atendimento à saúde da população, contando,

para tanto com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado. 204

Ver Soares (2000, p. 51). 205

Ver artigo 9º da Constituição da OMS. 206

Ver artigos 10 e 11 da Constituição da OMS. 207

Ver artigo 24 da Constituição da OMS. 208

Ver artigo 30 da Constituição da OMS.

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Dentre as atividades da OMS, presentes no artigo 2º de sua Constituição, Soares

(2000, p. 78) destaca as atividades normativas previstas (artigo 2ª, “k”), as quais são exercidas

pela Assembléia Geral e se dão por três tipos de atos: acordos, recomendações (artigo 23) e os

regulamentos (artigo 21).

As convenções ou acordos são adotados pela Assembléia no âmbito dos assuntos da

competência da Organização e aprovados por uma maioria de dois terços dos votos,

comprometendo-se, os Estados membros, a tomar as medidas de adoção no prazo de dezoito

meses depois da sua aprovação209

.

As recomendações são feitas pela Assembléia e dirigidas aos Estados membros,

podendo tratar de qualquer assunto dentro da competência da Organização210

. Já os

regulamentos são destacados por Soares (200, p. 79) como típicos da Organização e

característicos pela sua entrada em vigor na data da notificação da sua adoção pela

Assembléia, independente da manifestação estatal, exceto na hipótese em que sejam

expressamente rejeitados ou sejam opostas reservas211

.

O conteúdo desses regulamentos é previsto no artigo 21 da Constituição da OMS e

abrange os seguintes assuntos:

“a) Medidas sanitárias e de quarentena e outros procedimentos destinados a evitar a

propagação internacional de doenças;

b) Nomenclaturas relativas a doenças, causas de morte e medidas de saúde pública;

c) Normas respeitantes aos métodos de diagnóstico para uso internacional;

d) Normas relativas à inocuidade, pureza e ação dos produtos biológicos, farmacêuticos e

similares que se encontram no comércio internacional;

e) Publicidade e rotulagem de produtos biológicos, farmacêuticos e similares que se

encontram no comércio internacional”.

A faculdade concedida à Assembléia de adotar regulamentos foi exercida pela

primeira vez na 16ª sessão plenária, realizada em 24 de julho de 1948, com a aprovação do

regulamento nº 01 da OMS sobre a Nomenclatura de Enfermidades e Causas de Morte212

.

O primeiro Regulamento Sanitário Internacional (RSI) foi adotado em 1951 e teve

por objetivo estabelecer o rol de doenças sujeitas à quarentena, prática defensiva criada para

conter a propagação internacional de enfermidades. A técnica foi desenvolvida quando as

epidemias começaram a ameaçar o trânsito de mercadorias, e tem como objetivo principal dar

garantias aos produtos e assegurar sua aceitação no mercado internacional. Estabeleceu-se, em

209

Ver artigos 19 e 20 da Constituição da OMS. 210

Ver artigos 23 da Constituição da OMS. 211

Ver artigo 22 da Constituição da OMS. 212

Ver WORL HEALTH ORGANIZATION (1968–1978, p. 47).

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1951, como doenças quarentenáveis: a cólera, a peste, a febre amarela, a varíola, a febre

tifóide e a febre recorrente213

.

Em 1969 o RSI teve a sua primeira revisão, a qual ensejou a exclusão da lista de

doenças de controle internacional a febre tifóide e a febre recorrente. Em 1973, o Certificado

de Vacinação contra a Cólera deixou de ser necessário e, com a erradicação da varíola, em

1981 esta também foi excluída do texto do Regulamento214

. A última revisão do RSI foi

aprovada em 2005 na 58ª Assembléia Geral da OMS.

Soares (2000, p. 80) destaca como pontos positivos dos RSI, o estabelecimento de

uma base de informação, a qual permite a disseminação internacional de dados científicos,

técnicos e estatísticos, bem como estabelece uma tentativa de uniformização e harmonização

das normas estatais quanto às técnicas terapêuticas e de prevenção.

Sobre o acompanhamento pela Organização das medidas adotadas pelos Estados

membros em relação às convenções, recomendações e regulamentos, estabelece-se a

apresentação de relatórios anuais pelos membros215

.

O destaque dado aos regulamentos sanitários internacionais expedidos pela OMS no

estudo de manifestações dotadas de efeitos normativos pelas organizações internacionais

decorre do mesmo motivo da consideração das normas e práticas internacionais recomendadas

aprovadas pela OACI, são aprovados por um órgão da organização no exercício de suas

competências convencionais por meio de procedimento que envolve a participação de

especialistas da área e não de representantes diplomáticos estatais.

Mais uma vez uma análise substancial deve ser feita para a afirmação de conclusões

sobre esses efeitos normativos. O RSI aprovado em 2005 apresenta uma extensa

regulamentação que visa combater e prevenir a propagação internacional de doenças sem que

haja interferências desnecessárias no comércio internacional, as quais delineiam os

parâmetros da atuação estatal em áreas como a disseminação de informação, controle dos

pontos de entrada dos Estados, medidas de saúde nos transportes etc. Uma normativa

direcionada para a conformação da atuação estatal e, portanto, pendente de implementação

para sua concretização, mas que apresenta vigência internacional automática após a sua

aprovação, independente da anuência dos Estados membros.

213

Ver BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (2005,

p. 10). 214

Ver Ibidem (2005, p. 11-12). 215

Ver artigos 62 da Constituição da OMS.

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O estabelecimento dessas normas de condutas, que mais uma vez guardam relação

superficial com as determinações convencionais avençadas pelos Estados, demonstram a

existência de um procedimento internacional próprio da OMS que permite a expedição de

manifestações dotadas de efeitos normativos próprios, que lhe são peculiares.

3.3 As organizações internacionais e os tratados

Os tratados, que são as fontes primárias do direito internacional216

, também sofrem

modificações ante a presença das organizações internacionais na sociedade internacional. A

primeira delas que pode ser destacada é a proliferação dos tratados multilaterais, os quais, não

só dão origem às próprias organizações, como passam a ser mais facilmente negociados e

celebrados no âmbito de uma instituição internacional organizada.

Num contexto de globalização em que as interações internacionais entre os Estados

são intensas, parece óbvia a necessidade de uma maior cooperação entre estes, a qual é

facilitada pelos foros criados pelas organizações internacionais, no entanto, não é sempre

clara a influência que estas têm sobre os tratados.

Dentre as possíveis facilidades que podem ser afirmadas, tem-se a possibilidade de

compartilhamento de experiências e informações nas matérias internacionais, dotação de

recursos próprios para as negociações, redução de custos etc217

.

Um sinal indicativo que também pode ser utilizado para demonstrar essa correlação é

o abundante crescimento verificado no número de tratados internacionais multilaterais

assinados após a segunda guerra mundial218

, período em que, como demonstrado na evolução

histórica, se tem a proliferação das organizações internacionais.

216

Os tratados, que representam um acordo de vontades entre sujeitos internacionais, ainda que apresentam

similitude aos contratos no direito nacional, diferem e muito em seus efeitos jurídicos, na medida em que

assumem a função de fonte formal de Direito. Com razão, então, Thirlway (2002, p.320) afirma que as fontes do

direito só podem ser identificadas dentro de um sistema jurídico. 217

Ver Alvarez (2006, pp. 589 e ss.). 218

Ver Denemark and Hoffmann (2008, p.185–219). Trata-se de projeto de pesquisa desenvolvido pelos

pesquisadores Robert Denemark e Matthew Hoffmann na “University of Delaware”. Os pesquisadores criaram

um banco de dados (“Multilateral Agreement and Treaty Record Set” - MATRS), no qual foram catalogados

6976 tratados multilaterais, assim entendidos os tratados assinados por três ou mais atores. A partir desse

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Outro efeito que se pode mencionar, ligado ao aspecto formal da celebração dos

tratados, é a imposição de uma obrigação aos Estados membros da Sociedade das Nações e

posteriormente da ONU, o “registro obrigatório”, sob pena de, no primeiro caso, não alcançar

sua obrigatoriedade (artigo 18 da Carta) e no segundo, a sua inoponibilidade em face dos

órgãos da Organização (artigo 102 da Carta), como a CIJ. Obrigação de registro que foi

confirmada pelas duas Convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969 e de 1986,

e estendida para as organizações internacionais219

.

Alvarez (2006, p. 589-591) destaca, ainda, três inovações importantes na conclusão

de tratados internacionais multilaterais decorrentes da participação das organizações

internacionais na sociedade internacional. A primeira refere-se ao “estilo ONU” de

conferências internacionais, um aprimoramento jurídico dos textos decorrentes da

participação de especialistas na elaboração de drafts iniciais e manutenção de uma constante

atualização de normas em determinadas matérias, por conta da sua manutenção na agenda das

organizações.

Os procedimentos comuns adotados nas negociações multilaterais de circulação de

drafts implica a circulação prévia de informações às negociações dos tratados, o que não

ocorria anteriormente com os tratados multilaterais tratados fora de foros das organizações

internacionais, os quais tinham por início o convite às negociações formulado pelo Estado

interessado, mas com este não eram encaminhadas previamente as informações da matéria a

ser debatida.

Este seria um dos fatores que levam o autor220

à conclusão de ter-se com as

organizações internacionais uma democratização na proposição dos tratados internacionais.

Outro fator destacado é a possibilidade de participação maciça dos Estados nos foros

multilaterais, bem como de outros atores internacionais, como é o caso das próprias

organizações internacionais, das organizações não governamentais e dos grupos organizados

da sociedade civil221

.

A Conferência das Nações Unidas que findou na adoção da Convenção sobre Direito

do Mar de 1982 e as Conferências de Viena, sobre Relações Diplomáticas (1961) e sobre

Direito dos Tratados (1968 e 1969), são os exemplos dados por Amaral Júnior (2011b, p. 190)

compêndio, os autores fizeram análises sobre a história e a evolução do sistema de tratados multilaterais e uma

das suas constatações foi a explosão de tratados firmados nos últimos 150 anos. 219

Ver Accioly e Casella (2012, p. 170). 220

Alvarez (2005, p. 589-591). 221

Questão que também foi abordada no capítulo referente ao conceito das organizações internacionais.

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ao exercício do exercício de uma “competência normativa externa” das Organizações

Internacionais, a qual pode externar-se na convocação de uma Conferência ou na própria

adoção de uma Convenção.

A discussão sobre a participação ativa das organizações internacionais na formação

dos tratados vai além de um papel propositivo, na medida em que tem-se o reconhecimento da

capacidade jurídica dessas organizações de celebrarem tratados internacionais por meio da

Convenção de Viena de 1986 sobre o Direito dos Tratados de Organizações Internacionais222

.

A própria prática organizacional, derivada, por exemplo, de suas manifestações,

constitui um elemento importante para a apreciação da evolução dos próprios tratados

constitutivos das organizações internacionais. Um exemplo concreto no âmbito da ONU é

dado por Trindade (2012a, p. 431-432), a resolução 377 A (V) da Assembléia Geral, a qual

representou a gradual transferência da competência sobre a manutenção da paz, do Conselho

de Segurança para a Assembléia Geral223

.

Para além desses efeitos gerais verificados nos tratados por conta da participação das

organizações internacionais na sociedade internacional, verifica-se que as resoluções podem

assumir formato semelhante a de tratados, mimetizando sua fórmula de redação para,

eventualmente, obter a mesma obrigatoriedade no futuro ou ainda levar a própria adoção de

um tratado posteriormente.

Um exemplo é o caso da Declaração dos Princípios Jurídicos que regulam as

Atividades dos Estados em Matéria de Exploração e Utilização do Espaço Extra-Atmosférico,

adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 1963, por meio da

resolução 1962 (XVIII), a qual estabeleceu verdadeiras obrigações internacionais224

aos

Estados que foram retomadas pelo Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos

Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes,

aprovado pela Assembléia Geral da ONU em 1966 com a Resolução 2222 (XXI) e aberto para

assinatura em 1967.

222

Questão que foi abordada no capítulo referente aos diplomas normativos que regem as organizações

internacionais. 223

O autor explica que a motivação para essa transferência de responsabilidade se deu por conta da

impossibilidade de aprovação de medidas pelo Conselho de Segurança, derivada da utilização do direito ao veto

conferidos aos seus membros permanentes. 224

Fato que levou Amaral Júnior (2011b, p. 190) a afirmar ter havido neste um caso de impropriedade na

nomenclatura utilizada para designar a resolução aprovada pela Assembléia Geral da ONU, por meio da qual os

Estados teriam assumido obrigações determinadas, como feito tipicamente na celebração de tratados

internacionais.

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90

Dentre as obrigações estabelecidas pela Declaração de princípios, podemos tomar

como exemplos a de desenvolver a exploração e o uso do espaço exterior no interesse de

todos (princípio 1), a de não apropriar-se por qualquer meio do espaço exterior e dos corpos

celestes (princípio 3), a da responsabilização estatal pelas atividades nacionais no espaço

exterior (princípio 5) e pelos danos decorrentes dos objetos lançados no espaço exterior

(princípio 8). Obrigações que foram retomadas pelo Tratado de 1967, respectivamente, nos

artigos 1º, 2º, 6º e 8º.

Qizhi (1997, p. 93-98) afirma que essa incorporação no tratado se deu por conta da

construção de normas internacionais costumeiras sobre a exploração e utilização do espaço, as

quais foram enunciadas pela declaração de princípios e incorporadas pela norma

convencional. O autor aponta que a construção dessas normas costumeiras se deu de forma

muito rápida, ante o rápido desenvolvimento tecnológico que permitiu ao homem o acesso ao

espaço, o que chegou a gerar discussões sobre a natureza de costume internacional, mas que

teria sido superado ante o consenso de sua validade.

A afirmação de que os princípios incorporados pela referida Declaração derivaram da

incorporação de costumes internacionais, ainda que estes tenham sido forjados em um curto

espaço de tempo, embora retirem dessa manifestação o caráter de fonte autônoma, não afasta

os efeitos jurídicos que essa causa sobre a formação do tratado que é concebido como a pedra

angular do direito internacional espacial.

3.4 As organizações internacionais e os costumes

Os costumes, como fonte formal do Direito Internacional, exerceram e ainda

exercem importante papel na constituição e aprimoramento da ordem internacional, por outro

lado, como já visto, após a Segunda Guerra Mundial surgem no âmbito da sociedade

internacional novos problemas e o aumento significativo do número de membros, bem como a

intensificação da celebração de tratados, os quais são incentivados pelas organizações

internacionais.

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91

A ideia de institucionalização do Direito Internacional, fortemente influenciado pelas

organizações internacionais no cenário internacional, dá forma a um movimento de

codificação das normas internacionais, o qual pode afetar negativamente as normas

consuetudinárias. Como afirma Thirlway (2002, p. 328), a fórmula utilizada no tratado pode

implicar no engessamento da norma costumeira que é codificada, como pode ser ilustrado

pela decisão do caso Gabcikovo-Nagymaros da CIJ.

O caso consiste na demanda levada à CIJ pela Hungria e pela Eslováquia a respeito

de um projeto iniciado pelo Tratado binacional firmado pela Hungria e pela República

Socialista Checoslováquia em Budapeste (16 de setembro de 1977). Trata-se de projeto de

construção de uma barragem no rio Danúbio na região das cidades de Gabcikovo e

Nagymaros, cuja execução teve início em 1978, mas que gerou críticas na Hungria em relação

aos impactos ecológicos da obra e, após a sua suspensão, foi abandonada pelo governo em

1989.

A superveniência da independência da Eslováquia em 01 de janeiro de 1993 levou a

Hungria a afirmar que não haveria a subsistência do Tratado, mas, a CIJ ponderou a existência

de norma consuetudinária internacional que afirma a manutenção de tratados que estabelecem

regimes territoriais, inclusive os concernentes aos direitos sobre a água ou sobre a navegação

de rios, após a sucessão de Estados. Norma que teria sido codificada pela Convenção de

Viena de 1978 sobre sucessão dos Estados, mas cujo texto apresenta limitações, como a de

não referir-se às questões sobre rios e de afirmar a subsistência apenas de direitos e

obrigações sobre o regime territorial estabelecido e não do tratado que as contêm225

.

Outro exemplo desse movimento de codificação é verificado no âmbito da temática

da responsabilização internacional dos Estados, a qual passou por várias tentativas de

codificação, podendo-se destacar aquela patrocinada pelas organizações internacionais. Já na

Sociedade das Nações, em 1924, foi elaborada uma lista de temas de Direito Internacional

para posterior codificação e a responsabilidade internacional dos Estados em face de

estrangeiros foi um deles. Projeto que foi retomado no âmbito da CDI e que findou na

elaboração de um projeto de convenção (2001), no qual foi dado novo tratamento à matéria,

mais abrangente, extrapolando a simples responsabilização pelos danos causados a

estrangeiros226

. A dificuldade de sua consolidação deriva do mesmo problema do risco

engessamento de normas costumeiras que vão ser codificadas.

225

I.C.J. Reports (1997), p. 72. 226

Carvalho Ramos (2004, p. 49-52).

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Ainda que, nesse contexto, se tenha dado preferência aos tratados, ante a celeridade

exigida pelas condições da vida moderna, principalmente marcada pelo avanço da tecnologia,

e estes tenham surtido efeitos negativos sobre as normas costumeiras incorporadas nas

codificações, tem-se a manutenção do papel dos costumes, como assinalam Accioly e Casella

(2012, p. 155):

[...] em razão da estrutura difusa e do funcionamento da sociedade internacional,

como significativamente ilustra a expressa menção, no último parágrafo do

preâmbulo da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, de 1969, as ‘regras de

direito internacional consuetudinário continuarão a reger as questões são reguladas

pelas disposições da presente Convenção’.

A influência das organizações internacionais, por um lado, incrementou a positivação

do Direito internacional, por outro lado gerou o problema do aumento das abstenções na

ratificação dos tratados multilaterais assinados e é sobre estes que os costumes internacionais

vão infringir, atribuindo-lhes a normatividade não alcançada227

.

Amaral Júnior (2011a, p.36-37) destaca, no âmbito do direito internacional do meio

ambiente, a proeminência das organizações internacionais como fonte de normas costumeiras,

as quais passam a surgir em um curto lapso temporal e são particularmente importantes nessa

seara por conta da existência de muitos tratados que ainda não estão em vigor, por conta da

inaplicabilidade de alguns tratados a determinado Estado não membro, ou ainda, pelos

problemas de interpretação deles decorrentes.

Além desse papel de legitimador de norma convencional não ratificada, os costumes

internacionais sofrem outras mutações, as organizações internacionais oferecem atalhos à sua

comprovação, seja pela oferta de estudos elaborados no bojo de seus órgãos, como se verifica

no âmbito da CDI, como pela facilitação da observância das manifestações estatais em um

foro multilateral de discussão. Alvarez (2006, p. 591) constata que “[...] pesquisas históricas

das ações e das reações bilaterais de conjunto de estados por décadas [...]” são deixadas de

lado, o que proporciona uma forma mais igualitária entre os Estados de comprovação da

existência dessa norma, já que este encargo mostrava-se excessivamente pesado para os

Estados menores e os de recente formação.

O impacto das organizações internacionais e suas manifestações sobre os costumes

internacionais é observado pelo Juiz Tanaka da CIJ no caso do Sudeste da África do Sul. O

Juiz afirma que no direito internacional tradicional a prática geral que conforma um costume é

constituída pelo consenso dos Estados em atos individuais repetidos em um longo período de

227

Ver Simma e Paulus (1999).

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tempo, mas há uma mudança, no cenário da conformação dos costumes internacionais, ante a

participação dos Estados nas organizações internacionais, as quais se inserem num contexto

moderno de técnicas de informação e comunicação, tornando mais facilitado e acelerado o

estabelecimento do costume internacional.

Nas palavras de Tanaka228

:

Resumidamente, o método de geração de legislação internacional usual está na fase de

transformação de ser um processo individualista de ser um processo coletivista. Este

fenômeno pode ser considerado a adaptação do processo criativo tradicional do direito

internacional para a realidade do crescimento da comunidade internacional organizada.

Estes podem ser caracterizados, considerada a partir do ponto de vista sociológico, como

uma transição do tradicional costume de fazer a legislação internacional por tratado.

Observa-se, então uma substantiva alteração na forma tradicional de constatação do

costume internacional e a existência de um órgão deliberativo, a Assembléia Geral da ONU,

que reúne quase todos os Estados da sociedade internacional contemporânea, é fator que não

pode ser ignorado nessa transformação, na medida em que se tem a partir de suas

manifestações um forte indício de formação de uma opinio juris universal229

.

As deliberações travadas no âmbito de órgãos internacionais para a aprovação de

suas manifestações, como se dá na Assembléia Geral da ONU, conta com uma prática adotada

nas organizações de utilização de modernas técnicas de comunicação e estabelece,

previamente, consultas com os Estados, o que resulta numa evolução e renovação do Direito

Internacional consuetudinário como um todo230

.

Uma das causas dessa evolução é a aplicação do princípio da maioria nas

deliberações das organizações internacionais, a qual representou para os Estados menores e de

independência tardia uma forma de participação mais efetiva na elaboração das normas

internacionais, principalmente no que tange aos costumes internacionais, antes forjados a

partir da prática dos Estados fortes231

.

Outro fator que evidencia uma reformulação da formação das normas costumeiras

internacionais é a consideração da capacidade da prática das próprias organizações

internacionais na conformação de um costume, seja pela participação da sociedade

228

Ver ICJ Reports (1966, p. 294, tradução nossa). In verbis: “Briefly, the method of the generation of

customary international law is in the stage of transformation from being an individualistic process to being a

collectivistic process. This phenomenon can be said to be the adaptation of the traditional creative process of

international law to the reality of the growth of the organized international community. It can be characterized,

considered from the sociological viewpoint, as a transition from traditional custom-making to international

legislation by treaty”. 229

Ver Charney (1993, p. 536-542). 230

Ver Trindade (2012a, p. 432). 231

Ver Castañeda (1961, p. 46-48).

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internacional como sujeito autônomo, como pela adoção de manifestações que, como

defendido por alguns232

, assumem esse caráter de norma costumeira.

Trindade (2012b, p. 28) afirma que as resoluções de organismos internacionais

podem refletir a prática dos Estados ou representar uma opinio juris de consenso

generalizado, o que impõe o respeito às suas disposições até mesmo pelos Estados não-

membros das organizações internacionais de que derivam. Afirma, também, a possibilidade

dessas resoluções induzirem comportamento, o que contrariaria o tempo de formação de um

costume internacional, que se dá anteriormente à sua formulação.

As considerações sobre as mudanças verificadas no campo dos costumes

internacionais por conta da participação das organizações internacionais na sociedade

internacional são diversificadas e, dentre elas, destacamos aquelas decorrentes da adoção de

manifestações por esses novos sujeitos de direito internacional. Ainda que não concordemos

com a consideração dessas manifestações dotadas de efeitos normativos como exemplos da

expressão do costume internacional, não se pode negar a intrincada relação que é estabelecida

entre elas e as normas costumeiras internacionais.

3.5 As organizações internacionais e os princípios gerais de direito e as decisões

internacionais

Os princípios gerais de direito e as decisões judiciais internacionais são fontes

previstas no rol do artigo 38 do Estatuto da CIJ, aqueles como fonte primária, ao lado dos

tratados e dos costumes, e essas como fontes subsidiárias. Em ambos os casos verifica-se a

superveniência de modificações ante a proliferação e a intensa atividade das organizações

internacionais na sociedade internacional.

Estabelecidos pelo Estatuto da CIJ como fontes formais do Direito Internacional, os

princípios são tidos para Accioly e Casella (2012, p. 176-179) como de difícil caracterização e

de consideráveis variações, sendo originariamente incorporados no estatuto da Corte

232

Como visto anteriormente no capítulo 2.3 referente à relação entre as manifestações e as fontes formais, há

autores como Starke, Tanaka, Thirlway, Castañeda e Sybesma-Knol que defendem a consideração das

manifestações jurídicas das organizações internacionais como expressão do costume internacional.

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Permanente Internacional de Justiça a fim de afastar a possibilidade de rejeição de uma

demanda pela ausência de normas jurídicas aplicáveis (non liquet), mas que acabam

assumindo características de costume internacional, quando são aceitos pela opinio iuris.

Os princípios do direito internacional no contexto da sociedade internacional

clássica, baseada na convivência exclusiva dos Estados, derivavam do reconhecimento e

consequente respeito pelos Estados, o qual se punha como dever moral e não decorrente de

uma obrigatoriedade jurídica233

. No contexto da sociedade internacional contemporânea, onde

fazem-se presentes e atuantes as organizações internacionais, mudam as formas de surgimento

e de respeito dos princípios do Direito Internacional.

Uma nova forma de surgimento pode ser extraído dos exemplos dados anteriormente,

na análise dos impactos das organizações internacionais sobre os tratados, da Declaração dos

Princípios Jurídicos que regulam as Atividades dos Estados em Matéria de Exploração e

Utilização do Espaço Extra-Atmosférico, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas

em 13 de dezembro de 1963, por meio da resolução 1962 (XVIII) e do Tratado sobre

Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico,

inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, aprovado pela Assembléia Geral da ONU em 1966

com a Resolução 2222 (XXI) e aberto para assinatura em 1967, também são representativos

de mudanças promovidas no campo dos princípios gerais de direito, na medida em que se têm

a sua incorporação em manifestações escritas de uma organização internacional, as quais

apresentam diferentes estatutos jurídicos internacionais.

A incorporação de princípios gerais de direito por manifestações de organizações

internacionais é frequente e o exemplo primordial é a Assembleia Geral da ONU, a qual já

aprovou várias declarações de princípios, como exemplos mais recentes: a resolução 60/ 147

de 16 de dezembro de 2005 sobre os Princípios e Diretrizes Básicos sobre o Direito ao

Recurso e Reparação para Vítimas de Graves Violações do Direito Internacional dos Direitos

Humanos e Violações Graves do Direito Internacional Humanitário, a resolução S 20/3 de 10

de junho de 1998 sobre a Declaração sobre os Princípios Orientadores da Redução da

Demanda de Drogas, a resolução 53/101 de 08 de dezembro de 1998 sobre os Princípios e

Diretrizes para as Negociações Internacionais etc.

A enunciação de enunciados principiológicos gerais é um dos efeitos jurídicos

verificados por Trindade (2002, p. 65-66) na atuação dos organismos internacionais por meio

233

Beviláqua (1910, p. 10).

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de suas manifestações. O autor observa, porém, que a reiteração dessas manifestações pode

induzir a formação de uma opinio iuris e a consequente formação de um costume

internacional. Um dos exemplos dados de costume internacional comprovado pela adoção de

reiteradas manifestações de organizações internacionais é o da condenação do regime

discriminatório do apartheid234

.

Assim como em ordenamentos jurídicos nacionais, a constatação dos princípios

gerais de direito é feita, em grande medida, no âmbito das decisões dos tribunais, os quais, em

âmbito internacional, trabalham ao lado de outros mecanismos de julgamento. Os tribunais

internacionais e os outros mecanismos judicantes são multiplicados com as organizações

internacionais no século XX, o que renova a importância dessas duas fontes do direito

internacional.

A contextualização dessa multiplicação de mecanismos institucionalizados de

soluções de controvérsias é feita por Shany (2005, p. 1-5) que identifica três fenômenos

concorrentes na década de 90: a intensificação da interdependência internacional, uma maior

aceitação pelos Estados pelas jurisdições obrigatórias e a multiplicação de cortes e tribunais

internacionais decorrentes da institucionalização dos mecanismos de solução de controvérsias.

As causas apontadas pelo autor para a verificação desses fenômenos são múltiplas: o

aumento da densidade, o número e a complexidade das normas internacionais, o qual exigiu

uma sofisticação dos mecanismos de solução de controvérsias; um maior comprometimento

com o direito internacional nas relações internacionais; a flexibilização das tensões

internacionais, as quais propiciam a aceitação da adjudicação dos conflitos; as experiências

positivas de algumas cortes como a Corte Européia de Direitos Humanos e o Tribunal de

Justiça da União Europeia; e a inadequação dos tribunais existentes face às novas disputas que

demandaram uma maior especialização235

.

A contextualização feita pelo autor se desenvolve em paralelo à proliferação das

organizações internacionais no Século XX, observando-se, então, que não se tratam de

fenômenos isolados, na medida em que se verifica a constituição de tribunais internacionais

como organizações autônomas236

, a constituição de órgãos dentro das próprias organizações

234

Tema tratado anteriormente no capítulo 2.1. sobre o crescimento da força legiferante própria das organizações

internacionais. 235

Shany (2005, p. 8-9). 236

São exemplos: a Corte Permanente de Arbitragem (estabelecida pela Convenção para Solução Pacífica dos

Conflitos Internacionais de 1899, posteriormente revisada na segunda Conferência de Paz de Haia de 1907), o

Tribunal Penal Internacional (constituído em 17 de julho de 1998 com a aprovação do seu Estatuto , no âmbito

da Conferência de Roma).

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internacionais237

ou, ainda, a constituição de instituições judiciais autônomas, mas

patrocinadas por uma organização internacional238

.

O incremento desses órgãos implica o acréscimo do exercício de uma atividade de

interpretação imparcial das normas de direito internacional, na medida em que derivam da

atuação de profissionais que não ficam adstritos às normas convencionais internacionais e que

debruçam-se sobre construções jurídicas próprias baseadas em princípios gerais do direito, o

que contribui para o esclarecimento do conteúdo do direito internacional239

.

No que tange às funções de elaborador, de intérprete e de aplicador da norma, essas

deixam de ser claramente diferenciadas em muitos desses mecanismos, sendo, por vezes,

aplicadas simultaneamente por alguns órgãos dessas organizações. Por exemplo, a

Organização Mundial do Comércio que nas suas funções de aplicadora do Direito não resolve

apenas um conflito, mas clarifica e amplia as obrigações para todos os seus membros240

.

No campo do direito internacional dos direitos humanos foram criados diversos

mecanismos competentes pela aferição do cumprimento de suas normas, dentre os quais

destacam-se os mecanismos coletivos, patrocinados por organizações internacionais, em

especial, pela ONU. Carvalho Ramos (2012b, p. 71-72) constata três funções principais

exercidas por esses mecanismos, a função de verificação, a de correção e a de interpretação.

Estes mecanismos verificam a conformidade da conduta estatal com a previsão normativa

internacional, buscam estabelecer uma correção da conduta estatal violadora e interpretam a

norma protetiva para estabelecer seu correto alcance e sentido.

Cada uma dessas funções é exercida pelos diferentes tipos de mecanismos

internacionais, e a última, que mais interessa no campo normativo, é exercida pelos

mecanismos judiciais e não judiciais. Essa função ganha a denominação de função criativa,

que revela-se importante na implementação de normas de conteúdo amplo como as dos

direitos humanos, mas que é exercida por órgãos internacionais destituídos da competência de

adoção de normas de conduta para os Estados.

237

São exemplos: a CIJ (órgão jurisdicional da Organização das Nações Unidas, criada em junho de 1945 com

base no artigo 92 da Carta das Nações Unidas), Tribunal de Justiça da União Européia (originalmente criado

como órgão da Comunidade Européia do Carvão e do Ação em 1953). 238

São exemplos: a Corte Interamericana de Direitos Humanos (instituída pela Convenção Americana de

Direitos Humanos de 1969, perfaz órgão judicial autônomo vinculado à Organização dos Estados Americanos), a

Corte Européia de Direitos Humanos (instituída pela Convenção Européia de Direitos Humanos de 1950, perfaz

órgão judicial do Conselho da Europa). 239

Ver Carvalho Ramos (2008, p.375). 240

Ver Alvarez (2005, p. 600).

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A despeito da crítica, Carvalho Ramos (2012b, p. 71-72) destaca que a

implementação da decisão tomada após o exercício dessa interpretação é, por vezes,

justificada ante o consenso obtido pela atuação dos membros do organismo, os quais atuam

com imparcialidade e independência. Tal atuação exerce importante papel preventivo de

condutas estatais lesivas e de consolidação das normas prescritivas de direitos fundamentais.

Mais uma vez as manifestações das organizações internacionais apresentam interação

próxima com uma das fontes formais do direito internacional, os princípios gerais de direito,

os quais são, em alguns casos, incorporados como seu objeto. Interação que também surte

efeitos nas decisões internacionais, fontes subsidiárias do ordenamento jurídico internacional

que derivam de um novo complexo de mecanismos especializados formados nas organizações

internacionais e que assumem, inclusive, um papel normativo criativo ante a interpretação de

normas de conteúdo aberto.

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4 IMPACTOS NACIONAIS: O CASO BRASILEIRO

4.1 Introdução

Para além dessa análise teórica que perpassa pela construção histórica e doutrinária

do tema, tem-se a sua concretização no contexto dos destinatários dessas manifestações das

organizações internacionais, sejam os Estados ou outros sujeitos de direito internacional, e a

sua postura de observância ou não dos ditames estabelecidos.

No presente estudo, mais interessa o contexto nacional brasileiro. Assim como outras

centenas de Estados intensamente imersos no contexto internacional, o Brasil se depara com

as manifestações dessa natureza e, de uma forma ou de outra, precisa responder a elas.

Um primeiro passo nessa análise é a observação das mudanças de entendimento

verificadas nos posicionamentos assumidos pelas autoridades brasileiras, as quais revelam a

prática internacional estatal. Adiante, são vistos alguns exemplos nacionais de incorporação

de manifestações provenientes de organizações internacionais, seja pelos poderes executivo e

legislativo, conjuntamente, no exercício de suas competências normativas, ou pelo poder

judiciário, a partir de sua interpretação casuística.

4.2 Prática brasileira do direito internacional público241

O desenvolvimento da sociedade internacional, que é caracterizado pelo surgimento

de novos sujeitos, não afasta, porém, o protagonismo dos Estados no Direito Internacional.

Nesse sentido, Trindade (2012b, p. 23) destaca que a prática dos Estados ainda perfaz

importante fator de estudo do Direito Internacional contemporâneo.

241

Capítulo baseado nos Repertórios da prática brasileira do direito internacional público editados pela Fundação

Alexandre Gusmão (FUNAG) e organizados por Antônio Augusto Cançado Trindade.

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No intuito de verificar a inserção do Brasil nesse contexto, busca-se, então, a

verificação do repertório de prática internacional brasileira mais recente para identificar os

atos que fazem referência às organizações internacionais e aos impactos decorrentes delas no

âmbito da teoria das Fontes do Direito Internacional.

O primeiro tema identificado é o da interpretação dada aos poderes das organizações

internacionais e, em relação a este, destaca-se o discurso do Ministro Mário Gibson Barboza

sobre a ONU, o qual foi proferido em sessão comemorativa conjunta das Comissões de

Relações Exteriores do Senado e da Câmara dos Deputados em 24 de junho de 1971.

O Ministro afirma haver uma limitação na atuação das Nações Unidas derivada do

seu próprio tratado constitutivo e que deste não é extraída a permissão para a adoção de

normas obrigatórias pela organização aos Estados membros, que são soberanos e só se

obrigam por meio de sua própria vontade. Afirma-se que as votações travadas no âmbito das

Nações Unidas podem ter por condão apenas a adoção de normas que vão ser aceitas ou não

pelos Estados242

.

Posicionamento que faz oposição à aplicação da “doutrina dos poderes implícitos”243

no âmbito da atuação das organizações internacionais, na medida em que afirma o

voluntarismo como fundamento básico das normas de Direito Internacional. No mesmo

sentido pode-se verificar a intervenção do Representante do Brasil, Alves Barboza, em sessão

plenária da Assembléia Geral da OEA de 1970, sobre a Questão da Reforma da Carta da

OEA, em 26 de junho de 1970, na qual vai-se além da afirmação de um voluntarismo do

Direito Internacional, afirma-se que as organizações internacionais são uma soma de vontades

políticas dos Estados244.

Já na exposição feita pelo Ministro San Tiago Dantas em cadeia nacional de rádio e

televisão, sobre as medidas adotadas na VIII Reunião de Consulta dos Ministros de Relações

Exteriores da OEA, em 5 de fevereiro de 1962, a qual trata da interpretação dos dispositivos

presentes nos tratados constitutivos das organizações internacionais, afirma-se a prevalência

242

Trindade (2012b, p.300): “[...] As Nações Unidas não poderiam impor mais do que aquilo que é previsto na

Carta. É norma básica do Direito Internacional que os Estados, soberanos que são, só por sua vontade se

obrigam. Tal princípio é fundamental e constitui garantia permanente da defesa de seus interesses. O que

pretendemos não é que a ONU dite normas obrigatórias que a maioria imponha à minoria. O que desejamos é

que das discussões livres na ONU, dos debates francos e esclarecedores, resultem normas que todos os Estados

possam aceitar livremente”, 243

Já tratada na nota de rodapé nº 36. 244

Ver Trindade (2012b, p.300): “[...] Bem conhecemos as naturais limitações de uma organização internacional.

Ela não é senão, na melhor das hipóteses, a soma das vontades políticas dos Estados que a compõem, com

indeclináveis concessões mútuas, a fim de que se chegue a um resultado aceitável para todos. [...]”.

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da soberania nacional sobre as matérias não previstas pelos tratados, o que implica na negação

a interpretações ampliativas do conteúdo dos Tratados245.

A questão das interpretações ampliativas sobre os dispositivos dos tratados

constitutivos também é tratada na intervenção do Representante do Brasil, Zappa, na

Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos da Assembléia Geral da OEA de 1970, sobre a

Questão da Delimitação de Competências dos Órgãos da OEA, em 2 de julho de 1970. Nesta

há o reconhecimento excepcional ao principal órgão da OEA do exercício de função não

prevista no tratado constitutivo, mas coloca em dúvida a sua base jurídica246.

Da mesma forma que afirma-se a impossibilidade de interpretações ampliativas do

conteúdo dos tratados constitutivos, denega-se a possibilidade de uma organização adotar

medidas não previstas no tratado contra os Estados que violarem seus princípios, como se vê

na justificação de voto do Brasil, proferida pelo Ministro San Tiago Dantas na VIII Reunião

de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores da OEA (Punta del Este), sobre a Questão

das Medidas Adotadas contra Cuba, em janeiro de 1962247.

Outra temática presente nessas manifestações unilaterais brasileiras tange a criação

de direitos por meio das manifestações das organizações internacionais. A declaração do

Representante do Brasil na 37ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em

Genebra, em fevereiro de 1981, aponta para o reconhecimento de uma participação da

Assembléia Geral da ONU, com a aprovação de resoluções como aquela que aprova a

245

Trindade (2012b, p. 305): “[...] E o que o Direito Internacional nos ensina é que quando um organismo

internacional não prevê, com uma norma própria, o modo de eliminação de um dos seus membros, a maneira de

alcançar esse resultado é a reforma da Carta. [...] Trata-se de uma organização internacional, cujos princípios

estatutários não podem ser interpretados ampliativamente, pois tudo que não esteja aqui pactuado está reservado

pela soberania dos Estados membros. O caminho portanto estava indicado, era o art. 111 da Carta, que prevê a

sua reforma. [...]”. 246

Ibidem, p. 308: “[...] O Conselho Permanente, somente um dos três Conselhos da Organização, não poderia

ser o receptáculo de candidaturas a esta condição de observador. Mas eu me permitiria recordar que ainda

quando expressamente nada figure na Carta que autorize o Conselho a desempenhar tal papel, já em distintas

oportunidades temos reconhecido que sua condição de Conselho Permanente único lhe atribui um papel muito

especial na estrutura da Organização. E assim com boa vontade, ou com espírito de compreensão, ou com

tolerância, muitas vezes nos esquecemos de que falta a base expressa, uma base legal expressa na Carta, e lhe

outorgamos responsabilidades que poderíamos duvidar tenham base. [...]”. 247

Ibidem, p.310: “A Delegação do Brasil adere aos argumentos de ordem jurídica [...]. Não é esta uma

Organização em que a qualidade de membro seja independente de uma certa identidade de propósitos que

orienta, por conseguinte, o sentido geral da vida dessa Organização. Daí, entretanto, a supor que a infidelidade

de um Estado a um desses princípios, precisamente a um dos principais, possa dar lugar a uma medida que não é

prevista em qualquer norma do sistema interamericano vai, a nosso ver, uma grande distância. Na verdade, como

aqui foi salientado com toda clareza, em Direito Internacional Público não nos podemos permitir essas

aplicações ampliativas, que consistem em supor que são permitidos determinados atos, apenas porque a eles não

se faz alusão no instrumento. O que não está precisamente definido no instrumento, o que os Estados que o

assinaram não constituíram como uma limitação de sua própria autonomia, não pode de maneira alguma, ser

extraído por via de qualquer interpretação. [...]”.

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Declaração Universal dos Direitos Humanos, na fundamentação do direito ao

desenvolvimento, cuja existência legal derivaria da própria Carta das Nações Unidas248.

Além da construção do fundamento de um direito, as manifestações também são

utilizadas para a adoção de uma postura internacional de condenação de uma política nacional

discriminatória denominada de apartheid. A declaração do representante do Brasil na 37ª

Sessão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, em 13 de fevereiro de 1981

afirma a necessidade de cooperação dos Estados membros da ONU na condução da abolição

da política do apartheid, a qual se dá também pelo cumprimento das resoluções adotadas pelo

Conselho de Segurança e pela Assembléia Geral249.

Ainda sobre a temática do apartheid, tem-se o discurso pronunciado pelo Delegado

do Brasil, Embaixador Araújo Castro, perante a Comissão Política Especial da XXV

Assembléia Geral das Nações Unidas, em 8 de outubro de 1970, do qual extrai-se a sua

condenação ante a violação do direito à autodeterminação dos povos e o cometimento de

crime contra a humanidade em face da população segregada. Posicionamento que justifica a

afirmação de um comprometimento do Estado com a efetivação dos termos estabelecidos na

Resolução 282 (1970) aprovada pelo Conselho de Segurança, a qual buscou a proibição da

veda de armas e equipamentos militares para a África do Sul250.

248

Trindade (2012b, p. 322): “O direito ao desenvolvimento tem sido reconhecido em uma série de documentos

aprovados pelas Nações Unidas nos últimos anos. E o debate acadêmico se este direito atingiu ou não o status de

direito positivo parece já ter se exaurido. Na verdade, a existência legal do direito ao desenvolvimento deriva da

própria Carta das Nações Unidas que cria para os Estados-Membros uma obrigação positiva de promover a

cooperação internacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e uma série de resoluções adotadas

pelas Nações Unidas desenvolveram ainda mais o crescente reconhecimento desse direito. A Declaração e o

Programa de Ação sobre o Estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional, a Carta dos Direitos e

Deveres Econômicos dos Estados e as Resoluções 32/130 e 34/46 constituem o fundamento em que se

estabeleceu o direito ao desenvolvimento

[...] O direito ao desenvolvimento é a própria síntese de um amplo grupo de direitos humanos, e o

estabelecimento da nova ordem econômica internacional baseada na justiça e igualdade é um elemento essencial

para a promoção efetiva dos direitos humanos e liberdades fundamentais. [...]

[...] Minha Delegação apóia [...] a afirmação de que o direito ao desenvolvimento é uma conseqüência natural do

direito à autodeterminação. [...]”. 249

Ibidem, p.323: “[...] Nas atuais circunstâncias, cabe a todos os Estados-Membros da ONU reconhecerem suas

obrigações de acordo com a Carta das Nações Unidas e se concentrarem no processo conducente à abolição do

apartheid. [...] Muita cooperação é necessária e meu país [...] aderiu ao esforço comum das Nações Unidas, e

cumpriu as resoluções adotadas no Conselho de Segurança e Assembléia Geral. [...]”. 250

Ibidem, p.323: “[...] Do ponto de vista político, a persistência do apartheid, que impede completamente a

minoria não branca de expressar sua vontade, é um golpe contra o direito inalienável de todos os povos à

autodeterminação, que o Brasil sempre sustentou e afirmou. A população africana e outros segmentos da maioria

não branca devem participar, livremente, da vida política de seus países, sob condições de completa e efetiva

igualdade de direitos. Um aspecto particularmente triste da segregação é o confinamento da população africana

(que compreende 68% da população total da África do Sul), em “reservas”, formadas por trechos esparsos de

terra, cuja área eventualmente totalizará 13% da superfície do país. Atualmente, cerca de 5.100.000 pessoas, ou

seja, quase 40 por cento da população africana, vive nessas “reservas”, fora das quais os africanos são privados

de todos os direitos ou garantias. [...].

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Ante a exposição desses posicionamentos externados por representantes do Poder

Executivo brasileiro, fica evidente o alinhamento contrário do Brasil ao reconhecimento de

novas obrigações derivadas de manifestações normativas das organizações internacionais, na

medida em que se rechaça as derivações da doutrina dos poderes implícitos e das

interpretações ampliativas promovidas pela organização sobre a sua própria competência.

Apenas no caso da resolução do Conselho de Segurança que determinou um embargo

comercial bélico em face da África do Sul, em decorrência da condenação da política do

apartheid, o Brasil pronunciou-se no sentido de acatar a obrigação imposta por aquela

manifestação.

Embora não sejam tão recentes as manifestações, o posicionamento restritivo em

face da atuação de organismos internacionais foi verificado recentemente na manifestação

oficial brasileira proferida em 01 de novembro de 2012 sobre a reforma do Sistema

Interamericano de Direitos Humanos. Ainda que tenha-se afirmado nas considerações

introdutórias o apoio brasileiro ao fortalecimento do sistema interamericano de proteção dos

direitos humanos, as propostas de alterações endossadas pelo governo delineiam um pleito de

enfraquecimento da Comissão Interamericano de Direitos Humanos, para a qual, por

exemplo, seriam impostos critérios e parâmetros detalhados para a concessão das medidas

cautelares, os quais passam a ser obrigatórios na fundamentação da decisão da Comissão pela

concessão ou manutenção das medidas protetivas urgentes.

[...] Esses e muitos outros fatos frios e desapaixonados não podem ser ignorados, pois configuram a violação

integral dos direitos e aspirações da população não branca da África do Sul, o que constitui um crime contra a

humanidade. [...].

[...] A adoção, em 23 de julho de 1970, da Resolução 282 (1970) pelo Conselho de Segurança representa um

marco importante no encaminhamento da questão do conflito racial na África do Sul, resultante da política de

apartheid, e do reforço da proibição de venda de armas e equipamentos militares para aquele país. Na realidade,

esta decisão do Conselho de Segurança reconhece a importância dos trabalhos do Comitê Especial em relação à

violação do embargo de armas. Reafirmo aqui que o Governo brasileiro confere a maior importância à Resolução

282 (1970); que o Brasil a cumprirá integralmente; e que medidas internas adequadas foram tomadas pelo

Governo brasileiro com o fim de assegurar a execução desta decisão do Conselho de Segurança da ONU. A

delegação brasileira tomou nota do sentimento do Comitê Especial em favor da realização de estudos a respeito

das relações comerciais entre a África do Sul e o resto da África, entre África do Sul e América Latina, e entre a

África do Sul e a Ásia. Entendemos que esses estudos devem ser apresentados de maneira integrada num só

documento e com um formato que permita facilmente não apenas um exame comparativo das relações

comerciais entre a África do Sul e os diferentes países em desenvolvimento, mas também desse intercâmbio com

os níveis de comércio entre a África do Sul e seus principais parceiros comerciais. Minha delegação desejaria

associar-se à recomendação do Comitê Especial de que o Secretário-Geral continue a promover uma

disseminação ampla das informações sobre o apartheid. Partilhamos a opinião do Comitê Especial de que é

altamente desejável que tais publicações apareçam em tantos idiomas quanto possível. Aceitamos também a

sugestão de que se solicite à UNESCO que atualize o Relatório sobre Apartheid, seus efeitos na educação,

ciência, cultura e informação, e que amplie seu escopo para compreender os efeitos das leis raciais aplicadas em

Namíbia e na Rodésia do Sul. Estes são os comentários e observações que a delegação do Brasil desejava fazer.

O espírito e o sentido de nossa posição são claros e límpidos. O Brasil repudia frontalmente a política do

apartheid, em todas as suas formas e manifestações. Assim fazendo, estamos sendo fiéis não só às nossas

tradições, como a nossa história e a nós mesmos”.

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104

Este posicionamento contrário ao reconhecimento dessas fontes jurídicas

internacionais extraconvencionais, porém, como se verá a seguir, não reflete a prática

brasileira como um todo, exercida não só pelo Poder Executivo, mas também pelos Poderes

Legislativo e Judiciário, de "incorporação" de determinadas manifestações normativas de

organizações internacionais.

4.3 Manifestações de organizações internacionais no Brasil

Além da verificação dos impactos das organizações internacionais e de suas

manifestações nos posicionamentos unilaterais nacionais em foros internacionais, que vão

conformar uma prática estatal tendente a formação do Direito Internacional, faz-se importante

a análise de exemplos concretos de enfrentamento dessas manifestações pelos órgãos

responsáveis pela construção do ordenamento jurídico brasileiro.

Aproveita-se dos cortes metodológicos estabelecidos nas classificações expostas nos

capítulos 1.6 e 1.8, os quais tratam, respectivamente, sobre as classificações e a atividade das

organizações internacionais, para a análise de alguns tipos de manifestações dotadas de efeitos

normativos na realidade brasileira.

Dentro da classificação das organizações internacionais, opta-se pela consideração

daquelas de caráter universal, as quais, podem, em tese, afetar toda a sociedade internacional.

A primeira selecionada é a ONU, organização de caráter geral, cuja competência normativa

pode ser estudada por meio de seus dois principais órgãos, já anunciados, a Assembléia Geral

e o Conselho de Segurança. Ainda no âmbito das organizações de caráter universal,

destacamos a existência e o papel desempenhado por duas organizações internacionais

especializadas, a OACI e a OMS.

4.3.1 Assembleia Geral e Conselho de Segurança da ONU

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105

O Conselho de Segurança e a Assembléia Geral, como já visto anteriormente, são os

órgãos de grande importância dentro da ONU, os quais permitem aos membros da

organização, que são quase todos os Estados existentes, um grande foro de discussões e

decisões. Ocorre que, como se observou, há significâncias variáveis nas manifestações

produto da atividade desses órgãos, o que leva a necessidade de uma análise casuística dentro

da prática estatal brasileira para a observância dos efeitos jurídicos concretos.

Um primeiro exemplo interessante presente na prática brasileira foi a eficácia dada

nacionalmente às medidas estabelecidas contra a política do apartheid, como visto

anteriormente, derivada da construção de uma normativa internacional pela Assembléia Geral

de condenação de políticas discriminatórias e sancionada por determinações do Conselho de

Segurança. Ainda que a sua consolidação como norma internacional possa ser considerada

como exemplo de costume internacional251, a origem de sua consolidação se dá por meio

dessas manifestações.

A concretização dessas sanções na jurisdição brasileira se deu, por entre outros

atos252, pelo Decreto presidencial nº 91.524 de 09 de agosto de 1985, editado pelo então

presidente José Sarney, o qual estabeleceu “restrições com o relacionamento com a República

da África do Sul”, restringindo todos os contatos esportivos, culturais e artísticos com aquele

país, nos termos das resoluções emitidas pelo Conselho de Segurança e da Assembléia Geral

da ONU.

Outro exemplo de regime discriminatório sancionado economicamente pelo

Conselho de Segurança (resolução 232 de 1966), incorporado no Brasil é pelo Decreto nº

60.172 de 1 de fevereiro de 1967, é o do Estado da Rodésia do Sul. A aplicabilidade dada,

inclusive, alcançou efeito retroativo, já que aplicável até mesmo aos contratos celebrados e

licenças concedidas antes da adoção da resolução.

Além desses exemplos de incorporação no ordenamento jurídico brasileiro, há

exemplos dos efeitos normativos de manifestações das organizações internacionais pelo

estabelecimento de dois institutos, o das missões de observação e das forças de paz

internacionais. Estas são especialmente adotadas pela ONU, mas não há na Carta de São

Francisco a previsão de tais mecanismos, o que justifica o efeito inovador das manifestações

251

Ver Trindade (2002, p. 65-66). 252

Trindade (2002, p. 560), a partir da análise dos arquivos Divisão das Nações Unidas (DNU) e da Divisão da

África-II (DAF-II) do Itamaraty, a ele disponibilizados para a elaboração do Parecer CJ/04 de 30 de setembro de

1985, observa que, no Governo brasileiro, foram adotadas diretrizes de condenação do regime político

discriminatório denominado por apartheid, anteriormente à edição do decreto.

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106

que as aprovam. Caráter normativo que não é rechaçado pelo Brasil, já que há muitos

exemplos no âmbito do Conselho de Segurança da sua participação na aprovação dessas

resoluções que instituem esses mecanismos e, também, na efetiva constituição dessas missões

e forças de paz253.

Um exemplo clássico de manifestação da Assembleia Geral, que assume efeito

normativo incontestável, ainda que pelo seu reconhecimento como expressão de costume

internacional, é a Resolução 217 A (III) de 1948 que aprovou a Declaração Universal dos

Direitos Humanos. Os seus efeitos no Brasil vão além do seu respeito como soft law de

Direito Internacional, serviu de base jurídica, juntamente com disposições genéricas da Carta

da ONU sobre o respeito aos direitos humanos, para o estabelecimento de mecanismos

universais especiais de apuração das violações de direitos humanos extraconvencionais, não

previstos na Carta da ONU, mas instituídos por manifestações de outro órgão da ONU, o

Conselho Econômico e Social254. Mecanismos, aos quais, o Brasil se submete.

O Conselho Econômico e Social aprovou em 1967 a Resolução 1235 que criou um

procedimento especial de apuração de violações de direitos humanos a ser desempenhado pela

Comissão de Direitos Humanos da ONU, que foi substituída pelo Conselho de Direitos

Humanos (criado em 2006 pela Resolução 60/51 da Assembleia Geral da ONU). O

procedimento foi concebido inicialmente para apuração das violações decorrentes da situação

específica dos regimes políticos discriminatórios raciais, mas teve sua extensão aceita pelos

Estados em 1976 e passou a apurar situações de ofensa maciça e sistemática de direitos

humanos e propor medidas para sua contenção por meio de averiguações unipessoais ou

coletivas, sendo frequente a participação de relatores especiais que realizam visitas in loco

nos Estados, mediante sua anuência255.

O Brasil fez convite permanente para os relatores especiais, sendo frequentemente

objeto de análise por esses especialistas256. O mais recente Relatório publicado foi o do

Relator Especial sobre o direito à alimentação, Olivier De Schutter, que esteve em missão no

Brasil entre 12 e 18 de Outubro de 2009.

Outro tipo de manifestação que pode ter um efeito normativo interno a ser

considerado e analisado é aquela expedida pelo Conselho de Segurança para determinar

253

Ver Fontoura (1999, p. 209-273). 254

Carvalho Ramos (2012b, p. 100-104). 255

Ibidem, p. 110-112. 256

Até hoje, desde 1995, foram feitas 15 visitas por relatores especiais. Ver: UNITED NATIONS HUMAN

RIGHTS - Human Rights Bodies - Special Procedures - Country visits A-E.

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sanções a indivíduos, Resolução 1333 (2000). Embora não tenha como objetivo estabelecer

uma obrigação de conduta, a resolução do Conselho de Segurança gerou no Brasil um

tratamento normativo direto por meio do Decreto Presidencial nº 3.755 de 2001, o qual

permite a aplicação de sanções restritivas de direitos individuais, como o congelamento de

haveres e a quebra do sigilo bancário, independente de ordens judiciais257.

Ainda que remediável a situação interna para um determinado indivíduo vítima

dessas sanções, a discrepância que seria gerada entre a aplicação pelo Poder Executivo e

aquela dada Poder Legislativo pode ensejar, não só a insegurança jurídica interna, como

reflexos jurídicos internacionais.

A partir desses exemplos, já pode-se verificar a falta de coerência entre o discurso

restritivo do governo brasileiro em relação ao exercício pelas organizações internacionais de

competências normativas e o tratamento jurídico interno dado à manifestações elaboradas pela

Assembléia Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU. Chega-se, até, a gerar um possível

problema interno de violação de direitos individuais por conta da aplicação irrestrita de uma

dessas manifestações.

4.3.2 Organização da Aviação Civil Internacional

A OACI, como visto anteriormente, por meio do seu Conselho produz tipos

normativos, conhecidos como SARPs, os quais apresentam natureza jurídica peculiar e grande

importância na regulamentação da aviação civil internacional. O Brasil, Estado parte da

Organização, está vinculado a estes e os internaliza no ordenamento jurídico nacional de

forma diferenciada, a qual merece atenção e reflexão.

A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), por meio da Instrução Normativa

(IN) nº 16 de 18 de dezembro de 2008258

, regulamentou os procedimentos de “tratamento e

trâmite da documentação concernente à Organização da Aviação Civil” no âmbito da

Agência. Nos termos da Instrução Normativa, o tratamento da documentação proveniente da

257

Carvalho Ramos (2012b, p. 141-142). 258

Ver BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL. Instrução Normativa nº 16 de 18 de dezembro

de 2008.

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108

OACI é feito pela delegação permanente do Brasil259

, na qual faz-se presente, junto à sua

chefia, um assessor de transporte aéreo internacional (indicado pela Diretoria da ANAC), o

qual deve encaminhar à Superintendência de Relações Internacionais (SRI) da ANAC, a

documentação que envolve a competência da Agência260

.

A SRI da ANAC classifica os documentos em duas categorias, informativos e

consultivos. Os informativos têm por objetivo a divulgação de orientação relativa à aviação

civil, a publicidade das atividades da OACI e a veiculação de convite ou solicitação de

participação nas atividades da OACI. Já os consultivos referem-se aos anexos à Convenção de

Chicago e aos seus complementos, podendo ser eles propostas de emendas ou adoção de

emenda261

.

Após a distribuição dos documentos consultivos aos responsáveis da área, verifica-se

a emissão de parecer e a consolidação de uma resposta final que é encaminhada para a SRI,

que, por sua vez encaminha para a Delegação Permanente. Nesta resposta final deve constar:

a data de integração na legislação brasileira, se aprovada a emenda; as diferenças entre a

emenda da OACI e aquela adotada nacionalmente, ante a desaprovação total ou parcial do seu

texto; bem como a data de entrada em vigor. Destaca-se, porém a competência do SRI para o

preenchimento de formulário de notificação das diferenças verificas entre as normas

implementadas no País e as SARPs aprovadas262

.

Essa prática coaduna-se com a ação estratégica de promoção da permanente

atualização e aperfeiçoamento da legislação sobre a aviação civil por meio da incorporação

das normas e práticas recomendadas da OACI, trazida pela Política Nacional de Aviação Civil

(PNAC) aprovada pelo Decreto nº 6.780 de 18 de fevereiro de 2009.

A PNAC traz, ainda, a afirmação da garantia da realização das auditorias externas

periódicas programadas pela OACI, as quais foram implementadas pelo “Programa de

Auditorias Universais de Supervisão da Segurança Operacional Universal” estabelecido pela

OACI em 1999263

.

Observa-se, no entanto, que o Brasil, assim como outros Estados membros da

Organização, concedeu autorização restritiva ao sistema para a divulgação das informações

relevantes sobre as auditorias realizadas em atendimento ao Programa de Auditorias.

259

Criada pelo Decreto nº 6.055 de 06 de março de 2007. 260

Ver artigos 1, 2 e 3 da IN nº 16 de 16/12/2008. 261

Ver artigos 7, 8 e 10 da IN nº 16 de 16/12/2008. 262

Ver artigos 14, 15, 16, 17 e 18 da IN nº 16 de 16/12/2008. 263

Programa já tratado no capítulo 3.2.2 sobre a Organização da Aviação Civil Internacional.

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Em decorrência dessa postura, apenas estão disponíveis264

um resumo das auditorias

e um gráfico dos elementos críticos verificados. No que tange às SARPs, extrai-se do resumo

apresentado a partir do resultado das auditorias realizadas de 1999 a 2004 que estaria sendo

feita a verificação das diferenças entre estas e as regulamentações nacionais, mas não teria

sido estabelecido procedimento formal para o comprimento de tal tarefa.

Outra informação que pode ser obtida desse resumo é que essas diferenças não foram

incluídas na Publicação de Informação Aeronáutica (AIP) e que o Departamento de Aviação

Civil (DAC) brasileiro teria iniciado a implementação de um sistema de supervisão da

segurança por meio da criação de uma equipe de inspetores de operações básicas, nos termos

do Anexo 6 da Convenção e normativa da Organização (OACI Doc. 8335).

Extrai-se dessa regulamentação administrativa da ANAC, autarquia especial

vinculada à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, caracterizada pela

ausência de subordinação hierárquica, que esse tipo normativo internacional desenvolvido é

internalizado e aplicado em território nacional diretamente pela via administrativa

especializada do Poder Executivo, o que não se verifica, por exemplo, na incorporação de

tratados.

Como já visto anteriormente, não há na Convenção de Chicago disposição que

determine o modo de incorporação de seus anexos e emendas aos anexos aprovados pelo

Conselho nos Estados partes. A disposição presente no artigo 90 determina, apenas, que a

entrada em vigor destes é compulsória após o transcurso do prazo, que a princípio é de três

meses, a não ser que haja a sua desaprovação pela maioria dos Estados partes.

A Constituição brasileira de 1988 também não faz menção à forma de tratamento

desses tipos normativos derivados de organizações internacionais. As únicas menções

genéricas de atos internacionais são feitas nos artigos 49, inciso “I” e 84, inciso VIII, os quais,

respectivamente, estabelecem a competência exclusiva do Congresso Nacional de decisão

final sobre tratados, acordos ou atos internacionais e a competência da Presidência da

República na sua celebração. Portanto, a atuação nacional revela a postura do Brasil em face

dessas manifestações internacionais.

A partir do rápido estudo feito, observa-se a criação de um diálogo direto pela via

administrativa governamental entre as normativas internacionais derivadas da atividade da

OACI e a ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que traga, inicialmente, efeitos positivos de

264

Ver INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION (1999 a 2004).

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cumprimento dessas manifestações técnicas que, como já observado no capítulo 3.2.2,

apresentam conteúdo normativo relevante, a postura assumida revela que não se dá o

enfrentamento destas como fontes jurídicas de direito internacional que precisam ter um

tratamento juridicamente uniforme para a manutenção da segurança jurídica.

No mais, observa-se, ainda, que o posicionamento brasileiro frente ao mecanismo

internacional próprio criado para o acompanhamento da implementação dessas normas

internacionais é de restrição, não permitindo-se uma análise mais detida pelo jurisdicionado

que é o maior interessado pela aplicação de normas que visam a garantia da segurança dos

indivíduos.

4.3.3 Organização Mundial da Saúde

A importância da inclusão da atividade da OMS no presente estudo pode ser extraída

do posicionamento de Soares (2000, p. 64-65) de inserir a OMS num contexto do século XX

de proliferação de entidades internacionais, as quais não servem apenas como foros de

negociações, mas que, no que concerne às organizações internacionais intergovernamentais,

assumem “[...] poderes de expedir atos normativos internacionais, com uma tipologia variada

de força normativa nas relações interestatais e nas ordens jurídicas internas [...]”.

Nesse sentido, faz-se relevante uma especial análise do tratamento dado pelo Brasil

aos regulamentos aprovados pela Assembléia Geral da Saúde que já foram tratados

anteriormente265

, em especial, sobre a atual versão do RSI266

, aprovado na 58ª Assembléia

Geral da OMS realizada em 23 de maio de 2005, e incorporado no ordenamento jurídico

brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 395 de 2009.

A atual versão do regulamento é definida nas instruções de implementação nacional

elaboradas pela OMS como “[...] o instrumento jurídico internacional projetado para ajudar a

265

Ver capítulo 3.2.3 da Parte II. 266

Ver: BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Regulamento Sanitário

Internacional (RSI) – 2005.

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proteger todos os Estados da propagação internacional de doenças. [...]”267

, apresenta reflexão

direta nas atividades das autoridades nacionais envolvidas com a saúde.

No Brasil, a vigilância sanitária está incluída dentro do campo de atuação do Sistema

Único de Saúde (SUS), nos termos dos artigos 6º, I, “a” e 200, I e II da Constituição Federal.

Atividade que é descrita no § 1º do artigo 6º:

Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou

prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio

ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da

saúde, abrangendo: I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se

relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao

consumo; e II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou

indiretamente com a saúde.

Dentro do SUS cabe à Direção Nacional a normatização e coordenação do sistema de

vigilância internacional268

, bem como estabelecer normas e executar a vigilância sanitária de

portos, aeroportos e fronteiras, podendo a execução ser complementada pelos Estados,

Distrito Federal e Municípios269

.

Também compõe o SUS a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),

competente pela coordenação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. A Lei nº. 9.782,

de 26 de janeiro de 1999, define como atribuição da Agência a vigilância sanitária nas áreas

portuária, aeroportuária, pontos de passagem de fronteiras bem como a inspeção dos produtos

importados para saúde.

O cumprimento final dessas funções foi atribuído pela ANVISA à Gerência Geral de

Portos, Aeroportos e Fronteiras e Recintos Alfandegados, nos termos de sua Portaria nº 593,

de 25 de agosto de 2000. Funções que desempenha em obediência às leis internas, as quais

estão em consonância com o RSI270

.

Como resultado dessa normatização, tem-se a adoção de instrumentos internos, como

a Resolução da Diretoria Colegiada nº 72271

, de 29 de dezembro de 2009, a qual regulamenta

a promoção da saúde nos portos de controle sanitário e embarcações que por eles transitam.

Nos termos do artigo 26 desta, exige-se que toda embarcação de bandeira estrangeira, em

trânsito nacional ou internacional e toda embarcação de bandeira brasileira, em trânsito

internacional, apresente determinadas documentações.

267

WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Health Regulations (2005, p. 5). 268

Ver art. 16, III, “d” da Constituição Federal de 1988. 269

Ver art. 16, VII da Constituição Federal de 1988. 270

Ver BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2005, p. 09). 271

Ver BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE (2009).

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Dois dos documentos, que são exigidos alternativamente, são o “Certificado de

Controle Sanitário de Bordo” e “Certificado de Isenção de Controle Sanitário de Bordo”, os

quais são definidos no artigo 4º da mesma resolução, incisos VII e VIII, respectivamente,

como documentos emitidos pela autoridade sanitária, de acordo com as recomendações do

Regulamento Sanitário Internacional – RSI (2005). A exigência e sua definição jurídica

desses certificados é estabelecida pelo RSI, artigo 20, bem como o seu modelo é fornecido

(anexo 3).

Um outro exemplo de influência direta decorre das características distintivas da atual

versão do RSI, em relação a versão anterior, quais sejam: a exigência de notificação de

determinadas emergências de saúde pública, o emprego de outras formas de informativos

além das notificações oficiais, a definição dos centros de comunicação com a OMS, a

delimitação de padrões para a vigilância e o controle sanitário nos pontos de entrado no

Estado e medidas recomendadas para tratamento de emergências públicas272

.

Esse processo de notificação de controle sanitário, de acordo com o RSI, consiste na

identificação de eventos que podem constituir “Emergência de Saúde Pública de Importância

Internacional”, na avaliação e caracterização do evento, na comunicação do evento à OMS e

aos demais países, bem como na adoção da recomendação de medidas de controle273

.

Disposição do guia prático elaborado pelo Ministério da Saúde274

sintetiza os casos de

notificação:

Deverão ser notificados os eventos que constituem emergência de saúde pública, ou seja,

eventos de grande repercussão que exigem uma ação imediata, surtos de doença que

tenham potencial epidêmico (independente de natureza, origem ou fonte), eventos

inusitados ou imprevistos ou com elevada morbidade e mortalidade diferente da habitual.

Também serão notificados eventos com risco de propagação internacional e que possam

causar restrições ao comércio ou tráfego de pessoas.

A atribuição dessa competência comunicativa, entre o Estado e a OMS, é regulada no

artigo 4º do RSI, que determina aos Estados partes a designação ou o estabelecimento de um

“Ponto Focal Nacional” para o RSI, que seja responsável internamente pela implementação de

medidas de saúde estabelecidas pelo Regulamento. No caso brasileiro o Ministério da Saúde

designou essa função à Secretaria de Vigilância em Saúde, por meio da Portaria nº

1.865/GM/MS, de 10 de agosto de 2006.

O processo de notificação e adoção de medidas de controle sanitário, de acordo com

o RSI/2005, consiste em: identificação de eventos que podem constituir Emergência de Saúde 272

Ver BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2005, p. 11-12). 273

Ver Partes I e II do RSI. 274

Ver BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE (2005, p. 13).

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Pública de Importância Internacional, avaliação e caracterização do evento, comunicação do

evento à OMS, avaliação do evento (país afetado, OMS, Comitê de Emergência),

comunicação aos demais países e recomendação de medidas de controle.

Mais uma vez verifica-se o diálogo brasileiro com a manifestação normativa

derivado de uma organização internacional. No caso da OMS, diferentemente do tratamento

criado no âmbito da OACI, verifica-se a expedição de ato jurídico nacional para a

incorporação da normativa internacional estabelecida. Tratamento jurídico distinto que revela

uma ausência de uma consideração jurídica consistente em relação a essas novas fontes do

Direito Internacional.

Observa-se, porém, que os efeitos normativos das organizações internacionais é

verificado, também, dentro dos Estados com a alteração de suas estruturas internas para a

realização da cooperação com as organizações internacionais275

, e há nos dois casos expostos,

exemplos dessas alterações.

Diferente das discussões no sistemas nacionais, não há a necessidade de que sejam

essas decisões auto-executáveis para impor alterações nas normas e instituições nacionais,

logo, o estabelecimento de uma administração nacional da aviação civil para a satisfação de

normas e práticas recomendadas da OACI e o chamamento de autoridades médicas nacionais

para dar respostas às solicitações da OMS, representam provas do cumprimento dessas

normas.

4.3.4 Uso pelo Poder Judiciário de declarações de direitos

Os efeitos dessas manifestações normativas das organizações internacionais também

podem ser verificados de maneira difusa no âmbito da atividade do Poder Judiciário. Como

pondera Casella (2006, p. 433), a vigência do direito internacional nos ordenamentos jurídicos

internos pode ser verificada, por exemplo, pela sua aplicação por tribunais nacionais, ainda

que em contradição aos direitos internos, o que pode ser considerado como um “termômetro

da efetividade do Direito Internacional”.

275

Ver Alvarez (2006, p. 335-336).

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Verificou-se, a partir dos casos pontuais analisados anteriormente, uma

assistematicidade no tratamento jurídico brasileiro dado à essas manifestações dotadas de

efeitos normativos, problemática que também é verificada no âmbito das fontes

extraconvencionais como um todo, as quais não são tratadas pela Constituição Federal de

1988.

Como já visto, há apenas duas disposições constitucionais que fazem menções

genéricas aos atos internacionais, as quais estabelecem a competência exclusiva do Congresso

Nacional de decisão final sobre tratados, acordos ou atos internacionais e a competência da

Presidência da República na sua celebração. Disposições que disciplinam a formação e a

incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.

Por conta dessa lacuna normativa, Carvalho Ramos (2012a, p.225 e 243) identifica

haver um “processo de impregnação” das fontes extraconvencionais no direito brasileiro,

derivada da prática constitucional verificada ao longo dos anos. Esse fenômeno é

caracterizado pela aplicação direta dessas fontes pelos tribunais, independente da sua

incorporação pelos Poderes Legislativo e Executivo.

O autor276

dá exemplos de normas extraconvencionais de proteção internacional de

direitos humanos que são incorporadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e dentre estes

destacamos aqueles referentes às declarações de direitos emanadas pelas organizações

internacionais.

Na Ação Civil Originária nº 198-DF julgada em 12 de abril de 1982, cujo acórdão foi

relatado pelo Ministro Décio Miranda, tem-se um litígio sobre a propriedade de um imóvel,

antiga embaixada República Árabe Unida, entre a Síria e o Egito, na qual há discussões

jurídicas sobre normas internacionais, inclusive aquela que veicula internacionalmente o

direito fundamental de aceso à justiça, artigo VIII da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, originalmente adotada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral da ONU.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.741 o STF enfrenta a alegação de

inconstitucionalidade da Lei 11.300 de 2006, a qual alterou a Lei nº 9.504 de 1997 em temas

como o financiamento, a prestação de contas das despesas e a propaganda empregados nas

campanhas eleitorais. Dentre as disposições impugnadas, destaca-se aquela prevista no artigo

35-A, que estabelecia a restrição da divulgação das pesquisas eleitorais no período pré-

eleitoral.

276

Carvalho Ramos (2012a, p. 243-246).

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A conclusão pela inconstitucionalidade do dispositivo pelo Relator Ministro Ricardo

Lewandowski, a qual é acompanhada por todos os outros ministros, perpassa pela construção

da garantia fundamental da liberdade de informação, como corolário da liberdade de

expressão, na qual utiliza, dentre outras fontes internacionais, a Declaração Universal dos

Direitos do Homem de 1948.

Um posicionamento mais ousado de consideração da vinculatividade de uma

manifestação desprovida de obrigatoriedade é exposta pelo Ministro Ricardo Lewandoswki277

na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510-0 sobre a Declaração Universal sobre Bioética

e Direitos Humanos da UNESCO. O Ministro assume que por ser membro da Organização

que proferiu a referida Declaração, o Brasil deve concretizar o seu conteúdo em todas as

esferas do Estado.

Essas menções demonstram a ocorrência do referido “processo de impregnação” com

as manifestações normativas das organizações internacionais, o qual é caracterizado, porém,

pela assistematicidade. Embora este processo seja positivo no sentido de se verificar, em

alguns casos, a consideração jurídica dessas novas fontes jurídicas internacionais produzidas

pelas organizações internacionais, gera o problema do arbítrio deixado ao aplicador da norma

no caso concreto, o qual pode atuar com seletividade nas suas decisões.

277

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (2008, p.21-22) -“[...] O Brasil, pois, como membro da

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura e signatário da Declaração (Declaração

Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO) elaborada sob seus auspícios, está obrigado a dar

concreção a seus preceitos no âmbito dos três poderes que integram sua estrutura estatal, sob pena de negar

conseqüência jurídica à manifestação de vontade, formal e solene, que exteriorizou no âmbito internacional.

Em outras palavras, a produção legislativa, a atividade administrativa e a prestação jurisdicional no campo da

genética e da biotecnologia em nosso País devem amoldar-se aos princípios e regras estabelecidas naquele texto

jurídico internacional, sobretudo quanto ao respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos e garantias

fundamentais, valores, de resto, acolhidos com prodigalidade pela Constituição de 1988”.

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116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observa-se a partir do século XX uma intensa normatização na sociedade

internacional, acompanhada do desenvolvimento e multiplicação das organizações

internacionais. São fenômenos que ocorrem de forma paralela e concorrente, na medida em

que verificam-se importantes impactos, internacionais e nacionais, das organizações

internacionais sobre as fontes do Direito Internacional.

As organizações internacionais assumem personalidade jurídica autônoma e passam

a concorrer com os Estados no desempenho de funções antes restritas a eles. Tem-se, então,

uma nova divisão dos poderes de decisão no âmbito da sociedade internacional como um

todo, a qual acaba com a primazia estatal sobre a formação, o desenvolvimento e a aplicação

Direito Internacional.

Estes novos sujeitos de direito, que passam a compor a sociedade internacional,

diferentemente dos seus antecessores de natureza semelhante, são dotados de autonomia

necessária para a realização dos objetivos traçados nos seus tratados pelos Estados, a ponto de

alcançar natureza jurídica própria e, em última análise, assumir a mesma capacidade jurídica

de seus criadores na elaboração das normas que os regem por meio de determinadas

manifestações.

Muitos impactos sobre as fontes do Direito Internacional podem ser identificados por

meio da participação desse novo sujeito autônomo na sociedade internacional, mas, o

principal deles é a presença de uma nova forma de manifestação normativa, as manifestações

derivadas de sua atividade unilateral, as quais assumem efeitos sobre a esfera dos direitos e

obrigações dos demais sujeitos internacionais.

A consideração dessas manifestações como decorrentes das fontes formais existentes

parece não apresentar solução satisfatória, considerando a inovação jurídica revelada. Da

mesma forma, há controvérsia sobre a atribuição de natureza de fonte formal autônoma, o que

leva à necessidade de estudo particular das manifestações e resulta em categorizações úteis

para o estabelecimento de fundamentos para essas novas normas.

Assim como a prática dos Estados, a prática das organizações internacionais passa a

representar importante elemento de desenvolvimento do Direito Internacional, que apresenta

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impactos sobre a realidade brasileira e deve ser estudado. A aceitação da normatividade

dessas manifestações não pode ser rechaçada e nem retórica, já que há no Brasil a

implementação e a concretização dos efeitos de algumas delas.

Como foi visto no estudo, há aqueles que defendem que a força normativa das

manifestações das organizações internacionais decorrem de fontes tradicionais do Direito

Internacional, como os tratados (inclusive com apelo à teoria dos poderes implícitos) ou

costume internacional. Contudo, vimos que a magnitude dessas manifestações ultrapassa

inclusive a formatação das fontes tradicionais – tratados e costumes. No tocante aos tratados,

as organizações internacionais e seus órgãos os tem os interpretado com vigor, gerando a

chamada função criativa, o que, per se, gera uma autonomia e reconhecimento como fonte

distinta. Quanto aos costumes, viu-se que o próprio reconhecimento de prática costumeira

(consolidação no tempo) fica erodido pelas atuações das organizações internacionais, gerando

uma reengenharia do conceito de costume.

Em face dessas constatações, entendemos que o direito internacional ganha mais

clareza e transparência pelo reconhecimento, como fonte autônoma, das manifestações

normativas das organizações internacionais como uma das principais fontes do Direito

Internacional no século XXI.

Com clareza e transparência reforçadas, o Direito Internacional legitima-se perante

os Estados (que, aliás, criaram as organizações internacionais) e perante os demais atores

internacionais, fortalecendo-se como mecanismo pacífico para regular os conflitos e assegurar

a sobrevivência da espécie humana.

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